qUE Europa(s) hoje? - Crise ou Momentum?

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Concurso “qUE Europa(s) hoje” Ana Catarina Marques da Silva 1 “qUE Europa(s) hoje?” – Crise ou Momentum ? No ano em que se comemoram sessenta anos sobre a famosa “Declaração Schuman” afigura-se pertinente partir do mesmo texto para tentar fazer uma análise da situação europeia no contexto actual. Uma das várias passagens presentes na Declaração que podem ser consideradas relevantes actualmente é aquela onde se lê: “A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto” 1 . Com efeito, a Europa a que Schuman se referia não se fez de um golpe, mas continua em construção ainda hoje, através dos processos de expansão (alargamento) e integração (aprofundamento) que estão, também eles, em constante evolução. Tendo em conta estes fenómenos, que constituem uma realidade inegável, resta tentar perceber se a “solidariedade de facto” permanece hoje, efectivamente, no centro do projecto europeu, ou se acabou simplesmente por ser relegada para um segundo plano em prol das questões económicas que configuram actualmente a sua dimensão principal. O Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, afirmava em 2007 que a noção de “solidariedade” deveria continuar a ser uma referência que pudesse conduzir a "uma União cada vez mais forte e mais coesa2 . Em 2010, “Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social”, a União Europeia enfrenta circunstâncias adversas, resultantes da crise económica mundial e que parecem pôr em causa a coesão que a deveria caracterizar. Patenteando o falhanço da chamada “Estratégia de Lisboa”, as taxas de desemprego não cessam de aumentar em diversos países da União, registando-se uma média de cerca de 10% para o conjunto dos membros da UE 3 , o que leva necessariamente a uma redução na qualidade de vida dos cidadãos europeus.

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Ensaio vencedor do concurso "qUE Europa(s) hoje?", promovido pela Associação de Direito e Economia Europeia da Universidade de Coimbra.

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Concurso “qUE Europa(s) hoje” Ana Catarina Marques da Silva

1

“qUE Europa(s) hoje?” – Crise ou Momentum ?

No ano em que se comemoram sessenta anos sobre a famosa “Declaração

Schuman” afigura-se pertinente partir do mesmo texto para tentar fazer uma análise da

situação europeia no contexto actual. Uma das várias passagens presentes na Declaração

que podem ser consideradas relevantes actualmente é aquela onde se lê: “A Europa não

se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações

concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”1.

Com efeito, a Europa a que Schuman se referia não se fez de um golpe, mas

continua em construção ainda hoje, através dos processos de expansão (alargamento) e

integração (aprofundamento) que estão, também eles, em constante evolução. Tendo em

conta estes fenómenos, que constituem uma realidade inegável, resta tentar perceber se

a “solidariedade de facto” permanece hoje, efectivamente, no centro do projecto

europeu, ou se acabou simplesmente por ser relegada para um segundo plano em prol

das questões económicas que configuram actualmente a sua dimensão principal. O

Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, afirmava em 2007 que a

noção de “solidariedade” deveria continuar a ser uma referência que pudesse conduzir a

"uma União cada vez mais forte e mais coesa”2. Em 2010, “Ano Europeu de Luta

contra a Pobreza e a Exclusão Social”, a União Europeia enfrenta circunstâncias

adversas, resultantes da crise económica mundial e que parecem pôr em causa a coesão

que a deveria caracterizar. Patenteando o falhanço da chamada “Estratégia de Lisboa”,

as taxas de desemprego não cessam de aumentar em diversos países da União,

registando-se uma média de cerca de 10% para o conjunto dos membros da UE3, o que

leva necessariamente a uma redução na qualidade de vida dos cidadãos europeus.

Concurso “qUE Europa(s) hoje” Ana Catarina Marques da Silva

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Estes começam a manifestar-se e exigem respostas dos governos nacionais,

evidenciando assim o distanciamento em relação à União, que se revelou de forma

expressiva nas últimas eleições para o Parlamento Europeu cuja taxa de participação

não foi além dos 43% 4. Neste contexto cada vez mais desfavorável não será de todo

surpreendente o crescimento dos partidos de extrema-direita que se tem vindo a

verificar em alguns países da União Europeia e noutros países europeus5. Embora não

sendo uma tendência homogénea no seio da União, é um fenómeno que deve ser alvo de

atenção, já que numa conjuntura marcada pela degradação das condições económicas e

sociais o risco de um efeito spillover ao nível de ideias mais extremistas não é

inexistente. O facto de o fenómeno se verificar apenas em alguns países exemplifica as

diferenças existentes ao nível das populações, diferenças essas também patentes

enquanto “desigualdades” entre os vários países da UE, nomeadamente os membros

fundadores e os Estados-membros das últimas adesões. Ainda que possa parecer algo

“natural” – porquanto os países que integram a União há mais tempo usufruíram já de

um período mais longo de consolidação do seu desenvolvimento – a perpetuação dessas

desigualdades pode colocar em causa o já referido ideal da solidariedade.

O alerta do Professor Cavaco Silva de que “a perda da noção de pertença a uma

União firmemente solidária é hoje um dos riscos maiores da integração europeia”6,

parece fazer todo o sentido numa época em que a recente “crise grega” fez pairar sobre

a União Europeia a ameaça de desentendimentos internos e o euro continua a perder

peso no plano internacional. Por outro lado, o facto de se ter conseguido chegar a uma

solução comum para o problema grego vai ao encontro da ideia de Pascal Fontaine de

que não há alternativa à União: “A outra escolha é a marginalização e ninguém tem um

plano B para a ideia europeia, ainda que, às vezes, pareça difícil. Bem, é muitas vezes

das dificuldades que sai o progresso”7.

Concurso “qUE Europa(s) hoje” Ana Catarina Marques da Silva

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1SCHUMAN, Robert, « Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950», Europa. Página consultada a 29 de Maio de 2010, disponível em http://europa.eu/abc/symbols/9-may/decl_pt.htm . 2CAVACO SILVA, Aníbal, Discurso do Presidente da República no Parlamento Europeu Estrasburgo, 4 de Setembro de 2007, 2007. Página consultada a 30 de Maio de 2010, disponível em http://www.eu2007.pt/NR/rdonlyres/89E4FC25-FBD1-4BF6-986B-2E49264E9049/0/20070904DiscursoPRnoPEuropeu.pdf . 3KIIVER, Hannah e HIJMAN, Remko, «Population and social conditions », EUROSTAT, 2010. Página consultada a 30 de Maio de 2010, disponível em http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-SF-10-020/EN/KS-SF-10-020-EN.PDF . 4BBC NEWS, “Voters steer Europe to the right”, BBC News, 8 Junho 2009. Página consultada a 30 de Maio de 2010, disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/8088309.stm . 5PERRINEAU, Pascal, «Freiner l'extrême-droite passe par des politiques sociales, économiques et culturelles», Toute l’Europe, 26 de Maio de 2010. Página consultada a 29 de Maio de 2010, disponível em http://www.touteleurope.fr/fr/organisation/institutions/parlement-europeen-et-deputes/analyses-et-opinions/analyses-vue-detaillee/afficher/fiche/4373/t/44326/from/2849/breve/pascal-perrineau-freiner-lextreme-droite-passe-par-des-politiques-sociales-economiques-et-cultu.html?cHash=b0a2bef0fa . 6CAVACO SILVA, Aníbal, op. cit. 7FONTAINE, Pascal, « Entrevista », Euronews, 8 de Maio de 2010. Página consultada a 31 de Maio de 2010, disponível em http://pt.euronews.net/2010/05/08/pascal-fontaine-nao-ha-alternativa-a-europa/ .