Que rua é essa? Santo Antônio Além do Carmo

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8 n NB Plus dezembro’2014 Que rua é essa Por * Da Redação Foto Divulgação F oi quando os jesuítas decidiram pu- lar os muros de Salvador que a cida- de se expandiu para áreas onde hoje ficam o Terreiro de Jesus, o Pelourinho e sua vizinhança. Os padres da Companhia de Jesus precisavam de espaço para cons- truir seu colégio e igreja, mas a cidade original fundada por Thomé de Souza – que ia da Praça Castro Alves ao Elevador Lacerda – não nha mais espaço. Outras ordens religiosas, como a dos carmelitas, seguiram o exemplo dos colegas de ba- na e também deixaram para trás a cidade fortaleza murada para se aventurar por outros síos. E é por causa deles que des- ta vez a série Que rua é essa? irá contar a história do bairro de Santo Antonio Além do Carmo. Reduto de arstas da música, poesia, artes pláscas e das letras, o Santo Anto- nio é uma mistura de monumento à me- mória da colonização com bairro daqueles que lembram cidades do interior, onde os SANTO ANTONIO ALÉM DO CARMO, NO CENTRO HISTÓRICO, GUARDA RESQUÍCIOS DA SALVADOR COLONIAL. BAIRRO É REDUTO DE ARTISTAS PLÁSTICOS, MÚSICOS E ESCRITORES Para lá dos muros da fortaleza moradores ainda hoje colocam cadeiras na porta de casa, para ver a vida passar. Situado entre Pelourinho e Barbalho, pre- serva a cultura popular, ao mesmo tempo em que é frequentado pelos alternavos e descolados da capital. Além disso, atrai turistas aos montes. Alguns dos estrangei- ros, inclusive, fixam residência. Fotógrafos, jornalistas, arquitetos, marchands e colecionadores de arte ele- gem o Santo Antonio como moradia e são vistos sempre circulando pelos restauran- tes, bistrôs e cafés do local, ou parcipan- do dos shows e performances que tomam conta de casarões angos e das escadarias da Igreja do Passo. Covardia com quem mora em outros cantos da cidade, além do metro cultural mais interessante do Centro Histórico, o Santo Antonio ainda brinda quem vive ou passa por lá com uma vista de rar o fôlego da Baía de Todos-os- Santos. Mas, e como foi que começou a história do Santo Antonio Além do Carmo? A ORIGEM DO BAIRRO Em 1586, os primeiros carmelitas che- garam à Bahia e se instalaram no Monte Calvário, “fora dos muros da cidade”. Poucos anos depois, em 1592, os padres receberam uma doação de Cristóvão de Aguiar Daltro e de sua mulher, Isabel de Figueroa, que consisa em algumas casas e de uma capelinha cujo santo padroeiro

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8 n NB Plus dezembro’2014

Que rua é essa Por * Da RedaçãoFoto Divulgação

Foi quando os jesuítas decidiram pu-lar os muros de Salvador que a cida-de se expandiu para áreas onde hoje

ficam o Terreiro de Jesus, o Pelourinho e sua vizinhança. Os padres da Companhia de Jesus precisavam de espaço para cons-truir seu colégio e igreja, mas a cidade original fundada por Thomé de Souza – que ia da Praça Castro Alves ao Elevador Lacerda – não tinha mais espaço. Outras ordens religiosas, como a dos carmelitas, seguiram o exemplo dos colegas de bati-na e também deixaram para trás a cidade fortaleza murada para se aventurar por outros sítios. E é por causa deles que des-ta vez a série Que rua é essa? irá contar a história do bairro de Santo Antonio Além do Carmo.

Reduto de artistas da música, poesia, artes plásticas e das letras, o Santo Anto-nio é uma mistura de monumento à me-mória da colonização com bairro daqueles que lembram cidades do interior, onde os

Santo antonio além do Carmo, no Centro HiStóriCo, guarda reSquíCioS da Salvador Colonial. Bairro é reduto de artiStaS pláStiCoS, múSiCoS e eSCritoreS

Para lá dos muros da fortaleza

moradores ainda hoje colocam cadeiras na porta de casa, para ver a vida passar. Situado entre Pelourinho e Barbalho, pre-serva a cultura popular, ao mesmo tempo em que é frequentado pelos alternativos e descolados da capital. Além disso, atrai turistas aos montes. Alguns dos estrangei-ros, inclusive, fixam residência.

Fotógrafos, jornalistas, arquitetos, marchands e colecionadores de arte ele-gem o Santo Antonio como moradia e são vistos sempre circulando pelos restauran-tes, bistrôs e cafés do local, ou participan-do dos shows e performances que tomam conta de casarões antigos e das escadarias da Igreja do Passo. Covardia com quem mora em outros cantos da cidade, além do metro cultural mais interessante do Centro Histórico, o Santo Antonio ainda brinda quem vive ou passa por lá com uma vista de tirar o fôlego da Baía de Todos-os-Santos. Mas, e como foi que começou a história do Santo Antonio Além do Carmo?

A ORIgEM DO BAIRROEm 1586, os primeiros carmelitas che-

garam à Bahia e se instalaram no Monte Calvário, “fora dos muros da cidade”. Poucos anos depois, em 1592, os padres receberam uma doação de Cristóvão de Aguiar Daltro e de sua mulher, Isabel de Figueroa, que consistia em algumas casas e de uma capelinha cujo santo padroeiro

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era Santo Antonio. Nessa região é que os carmelitas fundaram seu convento e igre-ja, que hoje abrigam um hotel de luxo e o museu com seu vasto acervo de arte sacra. O convento ainda possui histórias curiosas, como o fato de ter sido conver-tido em paiol de pólvora, durante as lutas pela Independência da Bahia, em 1823.

“A capela dos Daltro ficava no extre-mo norte da cidade, de onde se divisava o porto e grande parte da Baía de Todos-os-Santos e onde viria a se localizar a fortale-za também batizada com o nome daquele santo”, explica Luiz Eduardo Dórea, jorna-lista, pesquisador e autor do livro Histó-ria de Salvador nos nomes de suas ruas (EDUFBA 2006). “No passado, essa zona do conjunto norte do Pelourinho gozava de grande prestígio por se situar nas vizi-nhanças da igreja e convento do Carmo”, acrescenta o pesquisador que colabora com a série Que rua é essa? desde a pri-meira reportagem.

ORDENS TERCEIRASNo século XIX, as ordens terceiras

de diferentes invocações agrupavam as diversas camadas sociais existentes em Salvador. “Essas organizações refletiam a estratificação social da cidade, pois nelas

estavam grupos e camadas distintas que exerciam atividades sociais e culturais dentro dos limites dos compromissos das ordens”, pontua Luiz Eduardo Dórea.

As ordens terceiras do Carmo e São Francisco agrupavam os moradores ricos da cidade e toda a vida social se desen-volvia em torno das atividades da igreja, como missas, grandes funerais, festas religiosas e quermesses. A Ladeira do Carmo era considerada zona nobre da cidade até o final do século XIX. Com o desenvolvimento urbano da cidade e os novos modelos de moradia, as habitações da região, com a sua arquitetura em esti-lo colonial, não mais satisfaziam as elites locais. “Com isso, tornou-se irreversível a migração do grupo mais abastado que ocupava o Pelourinho. Seus integran-tes venderam ou alugaram as casas que ocupavam, deslocando-se para a área do Campo Grande, Corredor da Vitória e ad-jacências”, completa o pesquisador.

A revalorização do Carmo como desti-no artístico e cultural aconteceu no come-ço dos anos 2000, durante as etapas de reforma do Centro Histórico. Atualmente, vive ou circula pelo bairro gente que cur-te uma boemia diferente daquela praieira encontrada no Rio Vermelho, com uma ligação mais forte com a história da Sal-vador antiga.

O PAgADOR DE PROMESSASNas escadarias da Igreja do Passo,

na etapa final do Conjunto do Carmo, foi filmado um dos clássicos do cinema na-cional O Pagador de Promessas, baseado em peça teatral que tem o mesmo título e foi escrita pelo baiano Dias Gomes. O filme conta a história de Zé do Burro, um homem humilde que enfrenta a intransi-gência da Igreja ao tentar cumprir a pro-messa, feita em um terreiro de Candom-blé, de carregar uma pesada cruz por um longo percurso. O Pagador de Promessas é até hoje o único filme brasileiro a con-quistar a Palma de Ouro do Festival de Cannes (em 1962). l

*Colaborou Thaís Barcellos