Que se chama solidão - O fantástico em Lygia Fagundes Telles

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Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 1 QUE SE CHAMA SOLIDÃO: O FANTÁSTICO NA MEMÓRIA EM LYGIA FAGUNDES TELLES Pedro Moura Araújo (UFAL) 1. INTRODUÇÃO Pretende-se, com este trabalho, discutir o gênero fantástico, abordando sua compreensão histórica, levando em consideração os teóricos da área, para uma reflexão da própria evolução no que diz respeito à teoria que envolve a definição do fantástico. A partir do que é dito pelos teóricos Tzevetan Todorov em seu livro Introdução à Literatura Fantástica (1981), Selma Calasans Rodrigues em seu livro O fantástico (1988) e Filipe Furtado em A construção do Fantástico na Narrativa (1980) averiguar-se-á posicionamentos comuns que estão presentes nas variadas linhas de definição e delimitação do gênero fantástico. O gênero ensaístico memória caracteriza- se justamente por relatar um acontecimento vivenciado pelo autor. Supomos assim, que o conteúdo desse relato seja realista, pois foi algo experimentado no mundo real. Como então Lygia Fagundes Telles transforma uma narrativa de memória em uma narrativa fantástica, sem que cada uma percam suas características mais marcantes? Verificaremos como essa construção é, levando em consideração as especificações do gênero memória e da teoria sobre o fantástico. 2. A autora

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QUE SE CHAMA SOLIDÃO: O FANTÁSTICO NA MEMÓRIA EMLYGIA FAGUNDES TELLES

Pedro Moura Araújo (UFAL)

1. INTRODUÇÃO

Pretende-se, com este trabalho, discutir o gênero fantástico, abordando sua

compreensão histórica, levando em consideração os teóricos da área, para uma

reflexão da própria evolução no que diz respeito à teoria que envolve a definição do

fantástico. A partir do que é dito pelos teóricos Tzevetan Todorov em seu livro

Introdução à Literatura Fantástica (1981), Selma Calasans Rodrigues em seu livro O

fantástico (1988) e Filipe Furtado em A construção do Fantástico na Narrativa (1980)

averiguar-se-á posicionamentos comuns que estão presentes nas variadas linhas de

definição e delimitação do gênero fantástico. O gênero ensaístico memória caracteriza-

se justamente por relatar um acontecimento vivenciado pelo autor. Supomos assim,

que o conteúdo desse relato seja realista, pois foi algo experimentado no mundo real.

Como então Lygia Fagundes Telles transforma uma narrativa de memória em uma

narrativa fantástica, sem que cada uma percam suas características mais marcantes?

Verificaremos como essa construção é, levando em consideração as especificações do

gênero memória e da teoria sobre o fantástico.

2. A autora

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Lygia Fagundes Telles nasceu no dia 19 de Abril do ano de 1923. O primeiro

contato da autora com a literatura foi a partir de sua infância, na qual ela escrevia nas

últimas folhas do caderno, histórias que seriam contadas nas rodas familiares. E

como de costume, as primeiras histórias com as quais ela teve contato foram as

histórias de terror e mistério, da cultura popular, como a mula-sem-cabeça,

lobisomem etc.

Seu primeiro livro publicado foi Porão e Sobrado – contos (1938) quando a

autora tinha apena 15 anos. Anos mais tarde, ao ingressar na universidade, passou a

frequentar as rodas literárias e ali conheceu Mário de Andrade, Oswald de Andrade,

Paulo Emílio Sales Gomes, Hilda Hilst, entre outros. Seu segundo livro de contos,

intitulado Praia Viva, foi publicado em 1944. A partir daí inicia-se sua carreira como

escritora, publicando, posteriormente, vários outros títulos, entre romances, contos, e

memória e ficção. Ressalto, porém, que em toda a bibliografia de Lygia Fagundes

Telles não há uma predominância do gênero fantástico. Os contos fantásticos não

representam grande parte de sua obra. Assim, não podemos dizê-la uma autora

exclusiva do gênero em questão. Contudo, a autora permeia pelo gênero com

maestria, tendo, assim, destaque no que toca a narrativa fantástica no Brasil. Seu

conto “A caçada”, por exemplo, está entre os contos fantásticos de maior destaque,

sendo objeto de vários estudos sobre o tema.

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3. A narrativa fantástica

Muitos teóricos se ocuparam sobre o estudo do gênero fantástico ao longo de

seu percurso histórico. Selma Calasans Rodrigues em seu livro O fantástico (1988)

afirma que o fantástico é uma resposta à racionalização proposta pelos pensadores

iluministas, justamente por contraposição. A narrativa fantástica punha em destaque

o racionalismo defendido pelo iluminismo ao mesmo tempo em que fazia oposição a

esse racionalismo devido aos próprios acontecimentos de ordem sobrenatural da

narrativa. Um ponto em comum no que afirmam os vários teóricos sobre o gênero

em questão é a presença do sobrenatural e a hesitação que é criada, tanto na

personagem quanto no leitor, a partir da tensão gerada entre o confronto da

realidade ante o acontecimento insólito. Todorov (1981) afirma que

O fantástico é a vacilação experimentada por um ser que não conhece mais

que as leis naturais, frente a um acontecimento aparentemente sobrenatural.

(TODOROV, 1981, p. 16).

Esse ser que não conhece mais que as leis naturais, além da personagem, é

também o leitor. É necessário que o leitor situe-se no universo da personagem para

que, assim, identifique-se com ela.

O fantástico implica pois uma integração do leitor com o mundo dos

personagens; define-se pela percepção ambígua que o próprio leitor tem dos

acontecimentos relatados. (TODOROV, 1981, p. 19)

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Essa vacilação ou hesitação acontece não pura e simplesmente pela presença

do sobrenatural, afinal, apenas essa presença não caracterizaria o gênero; mas sim a

ambiguidade, a tensão entre as explicações realistas e as explicações fantásticas,

fabulosas, para o mesmo acontecimento. Essa é a hesitação que Todorov defende e,

com ele, vários outros estudiosos do campo.

Há um fenômeno estranho que pode ser explicado de duas maneiras, por

tipos de causas naturais e sobrenaturais. A possibilidade de vacilar entre

ambas cria o efeito fantástico. (TODOROV, 1981, p. 16)

Essa hesitação, então, deve estar presente na narrativa, sendo expressa pelas

personagens e, principalmente, pelo narrador. A ambiguidade do discurso e a

hesitação presente na própria narrativa através das personagens e do narrador é que

contaminariam o leitor, fazendo-o hesitar junto à personagem. Ainda sobre a

hesitação, Selma Calasans Rodrigues diz que a hesitação

Mostra o homem circunscrito à sua própria racionalidade, admitindo o

mistério e, porém, com ele debatendo-se. Essa hesitação que está no discurso

narrativo contamina o leitor, que permanecerá, entretanto, com a sensação

do fantástico predominante sobre explicações objetivas. A literatura, nesse

caso, se nutre desse frágil equilíbrio que balança em favor do inverossímil e

acentua-lhe a ambiguidade. (RODRIGUES, 1998, p.11)

Partindo desses pontos, Todorov formula o que seria indispensável para a

construção do fantástico e cita três pontos como fundamentais para a narrativa

fantástica. Primeiro, o texto deve obrigar o leitor a considerar o mundo das

personagens como real, e a vacilar entre uma explicação natural e uma explicação

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sobrenatural dos acontecimentos. O segundo ponto é que essa vacilação também

pode ser, e é, na maioria dos casos, sentida por um personagem, e, assim, o papel do

leitor está crédulo a uma personagem. O terceiro ponto defendido por Todorov é o

de que o leitor não deve fazer uma interpretação alegórica, como, por exemplo, a

interpretação poética. (1981, p. 20)

Quanto a isso, Todorov explica.

A primeira condição nos remete ao aspecto verbal do texto, ou, com maior

exatidão, ao que e denomina as “visões”: o fantástico é um caso particular de

“visão ambígua”. A segunda condição é mais complexa: por uma parte,

relaciona-se com o aspecto sintático, [...] Por outra parte, refere-se também ao

aspecto semântico, posto que se trata de um tema representado: o da

percepção e sua notação. Por fim, a terceira condição tem um caráter mais

geral e transcende a divisão em aspectos: trata-se de uma eleição entre vários

modos de leitura. (TODOROV, 1981, p. 20)

Filipe Furtado, em seu livro intitulado A construção do fantástico na narrativa

(1980), une-se aos estudos de Todorov para compreendê-los de uma forma mais

ampla. Segundo Furtado, a existência do fantástico depende da ambigüidade na

narrativa e a tensão criada do confronto entre a realidade e o sobrenatural. A essência

do fantástico é o diálogo entre essas duas formas de enxergar o acontecimento

insólito, sem, entretanto, que o texto revele ou favoreça uma explicação, seja ela a real

ou a sobrenatural.

Mantendo-a em constante antinomia com o enquadramento pretensamente

real em que a fez surgir, mas nunca deixando que um dos mundos assim

confrontados anule o outro, o gênero tenta suscitar e manter por todas as

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formas o debate sobre esses dois elementos cuja coexistência pare, a

principio, impossível. (FURTADO, 1980, p. 35)

Assim, de acordo com o apanhado teórico levantado aqui, o fantástico

constitui-se em vários aspectos, e alguns teóricos até divergem entre si quanto às

suas especificações. Entretanto, vimos características fundamentais para a construção

do fantástico, características essas que se encontram presentes nos mais diversos

estudos sobre o gênero, como a presença do acontecimento insólito, e o embate entre

o real e o sobrenatural que cria uma dúvida, uma hesitação tanto na personagem,

quanto no leitor. Essa dúvida por parte do leitor, entretanto, de acordo com Furtado,

não é uma característica fundamental para a existência do fantástico como afirmava

Todorov, pois o gênero em questão depende muito mais de elementos da narrativa

do que do modo como o leitor lê o texto. (FURTADO, 1980, p. 40) Porém, essa

hesitação existe no nível da narrativa enquanto ambiguidade, narração de

acontecimentos, caracterização e raciocínio da personagem e/ou narrador ante o

insólito. Nisso cria-se o embate que há entre a possibilidade de uma explicação real e

racional e uma explicação fantástica, e isso, pode, de fato, contaminar o leitor e fazê-

lo hesitar.

4. Que se chama solidão: Um caso de fantástico em memória

O conto que será aqui discutido está presente no livro Invenção e Memória

(2009), de Lygia Fagundes Telles. Esse livro, enquanto classificação, é definido em

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contos e em reminiscência. O próprio título do livro diz respeito a isso. A palavra

reminiscência significa: “1. O que se conserva na memória, 2. A faculdade da

memória, 3.Lembrança vaga”. (Mini Aurélio, o minidicionário da língua portuguesa,

2000) Ainda: “1. Recordação vaga e quase apagada, 2.coisa, expressão de que a

pessoa se lembra inconscientemente, 3. Lembrança indecisa.” (DicionárioWeb,

Dicionário Online de Português e idiomas, http://www.dicionárioweb.com.br). Este

conto é, portanto, um conto de memória. Lygia Fagundes Telles tem, dentre os seus

inúmeros livros, alguns livros de memória, como A disciplina do amor, Conspiração de

Nuvens etc.

Esse conto, então, tem caráter de memória, logo, situa-se na realidade. Como

então a autora consegue criar aspectos que apontam para o fantástico em um conto

de memória? O conto se trata de uma história em que a personagem principal, que

supomos ser a autora por se tratar de memória, é também a narradora. A história

narrada remonta uma lembrança da infância, na qual a narradora recorda-se de uma

das suas pajens (uma espécie de babá) que fez um aborto e faleceu. O acontecimento

insólito é, então, a aparição dessa pajem morta à personagem/narradora.

Porque então classificar o conto como narrativa fantástica? Sobre memória,

Afrânio Coutinho diz que:

As memórias põem maior relevo sobre pessoas e coisas contemporâneas do

autor e os acontecimentos que testemunhou. Muitas se limitam à narrativa

de fatos que estavam dentro do raio de observação do memorialista. Visto

que passam pelo crivo de um temperamento, de um caráter, de uma

intenção, as memórias não oferecem grande segurança como fonte histórica.

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O autor conta o que viu e viveu, intercalando amiúde os seus comentários,

irônicos, críticos, mordazes, assim prejudicando a objetividade do relato.

(2008, p. 112)

Assim, visto que o relato se limita à observação do memorialista e que passa

pela intenção do autor, o conto de memória tem também ficção.

Partindo do que afirma Todorov sobre as condições básicas para o fantástico,

percebemos que esse conto cumpre todas as exigências formuladas. A primeira que

diz que o texto precisa obrigar o leitor a considerar o mundo das personagens como

um mundo de pessoas reais, e vacilar entre a explicação real e a sobrenatural. Isso

acontece por ser um conto de memória. A autora faz um relato em primeira pessoa

de uma memória da infância.

Chão da infância. Nesse chão de lembranças movediças estão fixadas

minhas pajens, aquelas meninas que minha mãe arrebanhava para cuidarem

desta filha caçula. Vejo essa mãe mexendo enérgica o tacho de goiabada ou

tocando ao piano aquelas valsas tristes. ((TELLES, 2009, p. 11)

A narrativa em primeira pessoa faz com que o leitor situe-se naquele lugar e tempo e

o traz para a realidade da narrativa. O segundo aspecto da teoria de Todorov que diz

respeito à ambiguidade que deve ser representada no texto está justamente na

condição da memória reminiscente, de lembrança vaga, sem contar que há mais um

agravante: a narradora é uma criança, assim não se pode saber se de fato a narradora

viu um fantasma ou um foi delírio de sua imaginação infantil, causada pela perda da

amiga.

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[...] Cheguei perto e vi no meio dos galhos a cara transparente de Leocádia, o

riso úmido. Comecei a tremer, A quermesse, Leocádia, vamos? convidei e a

resposta veio num sopro, Não posso ir, eu estou morta... Fui me afastando

de costas até trombar na Keite que tinha vindo por detrás e agora latia

olhando para o jasmineiro. Peguei-a apertando-a contra meu peito, Quieta!

ordenei, Cala a boca senão os outros escutam, você não viu nada, quieta! Ela

começou a tremer e a ganir baixinho. Encostei a boca na sua orelha, Bico

calado! repeti e beijei-lhe o focinho, Agora vai! Ela saiu correndo para o

fundo do quintal. Quando voltei para o jasmineiro não vi mais nada, só as

florinhas brancas no feitio das estrelas. (TELLES, 2009, p. 16)

A terceira exigência levantada por Todorov que diz respeito à leitura que o

leitor deve fazer também é propiciada pelo conto em dois aspectos: primeiro, como

se trata de um conto de memória, o leitor não espera a presença do sobrenatural,

uma vez que o leitor situa-se num mundo real de leis naturais, e, assim, vacila ante o

acontecimento insólito; e o segundo aspecto é que esse acontecimento está no final da

narrativa, surpreendendo o leitor que não esperava um acontecimento sobrenatural

em uma narrativa de memória.

Assim, retomo Selma Calasans Rodrigues, já citada, quando afirma que “a

literatura, nesse caso, se nutre desse frágil equilíbrio que balança em favor do

inverossímil e acentua-lhe a ambiguidade”. Portanto, o fantástico é criado nesse

conto, através dessa hesitação sentida pela personagem ante o acontecimento

insólito, e através da hesitação, da dúvida, criada no leitor que vacila entre a

explicação real, de que a aparição foi fruto da imaginação da criança, ou a

possibilidade do acontecimento sobrenatural.

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5. Considerações finais

Levando em consideração o conto analisado sob a ótica do que formulam os

teóricos do fantástico, vemos aqui um caso em que a narrativa fantástica foi

construída em um conto de memória. A caracterização da esfera realista se dá pela

característica do gênero memória, além de o acontecimento insólito estar presente

apenas no final do conto, levando o leitor a não esperar nada sobrenatural na

narrativa, pegando-o de surpresa. Outro fato é a ambiguidade presente na narrativa,

terá a narradora, de fato visto, um fantasma ou foi tudo fruto de sua imaginação

afetada pela dor da perda? Sem contar que o próprio gênero de memória implica essa

incerteza nos fatos narrados. Enquanto o que diz Todorov sobre a leitura que deve

ser feita, nesse caso, isso é consequência do que foi dito acima. Dessa forma, vemos

claramente esse conto cumpre todas as exigências para realização do fantástico,

mesmo partido de uma memória.

6. Referências

COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008

FURTADO, Filipe. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa: Horizonte, 1980.

RODRIGUES, Selma Calasans. O fantástico. São Paulo: Ática, 1988.

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TELLES, Lygia Fagundes. Invenção e Memória. São Paulo: Companhia das Letras,

2009.

TODOROV, Tzevetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva,

1981.