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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 203-219, jan./jul. 2009. A partir dos anos 1980, o paradigma da política urbana modificou-se considera- velmente em função das grandes trans- formações político-econômicas que ocorreram no âmbito mundial. A crise estrutural do sistema capitalista, advinda dos choques do petróleo e do esgotamen- to da expansão do Pós-Guerra, associada ao êxodo das atividades industriais para novas regiões onde a mão-de-obra ba- rata e a existência de infra-estrutura permitiam uma lucratividade maior, ocasionaram um processo de decadên- cia econômica em diversas cidades do mundo. Quem ganha e quem perde com os grandes projetos urbanos? Avaliação da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada em São Paulo Introdução Eduardo Alberto Cuscé Nobre Esses fatores, associados à ascensão do neoliberalismo, fizeram que o plane- jamento urbano tradicional desse lugar ao planejamento estratégico e aos Gran- des Projetos Urbanos (GPUs) (Nobre, 2000, p. 92-98). Governos locais e gru- pos empresariais se associaram, estimu- lando o mercado imobiliário através da desregulamentação do uso do solo e do financiamento público desses projetos com o intuito de atrair investimentos internacionais. Antigas áreas industriais, terrenos va- gos e áreas decadentes foram ocupados

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Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 203-219, jan./jul. 2009.

A partir dos anos 1980, o paradigma dapolítica urbana modificou-se considera-velmente em função das grandes trans-formações político-econômicas queocorreram no âmbito mundial. A criseestrutural do sistema capitalista, advindados choques do petróleo e do esgotamen-to da expansão do Pós-Guerra, associadaao êxodo das atividades industriais paranovas regiões onde a mão-de-obra ba-rata e a existência de infra-estruturapermitiam uma lucratividade maior,ocasionaram um processo de decadên-cia econômica em diversas cidades domundo.

Quem ganha e quem perde com osgrandes projetos urbanos? Avaliaçãoda Operação Urbana ConsorciadaÁgua Espraiada em São Paulo

Introdução

Eduardo Alberto Cuscé Nobre

Esses fatores, associados à ascensãodo neoliberalismo, fizeram que o plane-jamento urbano tradicional desse lugarao planejamento estratégico e aos Gran-des Projetos Urbanos (GPUs) (Nobre,2000, p. 92-98). Governos locais e gru-pos empresariais se associaram, estimu-lando o mercado imobiliário através dadesregulamentação do uso do solo e dofinanciamento público desses projetoscom o intuito de atrair investimentosinternacionais.

Antigas áreas industriais, terrenos va-gos e áreas decadentes foram ocupados

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por grandes complexos imobiliários, quepassaram a representar uma nova cen-tralidade urbana pós-moderna, como oInner Harbor de Baltimore; o LondonDocklands, em Londres; o Battery ParkCity, em Nova York; La Défense, emParis; a Vila Olímpica de Barcelona. Vá-rios autores (Fainstein, 1990; Robinson,1989; Robson, 1994, apud Nobre,2000, p. 122) apontaram para o fatode existirem “vencedores” e “perdedo-res” nesse processo. Os principais bene-ficiários foram os proprietários de terra,empreendedores imobiliários e turistas,ao passo que as demandas legítimas poremprego, moradia, saúde e educaçãoda população local de baixa renda nãoforam supridas.

No Brasil, a desregulamentação docontrole do uso e ocupação do solo e aassociação entre Poder Público e a inicia-tiva privada consolidaram-se com a im-plementação das Operações UrbanasConsorciadas (OUCs), consideradas porDeák (2008) a entrada do neoliberalis-mo na política urbana nacional 1. Pro-postas na década de 1980, constam daLei Orgânica Municipal de São Paulo,

onde vêm sendo utilizadas desde a dé-cada de 1990.

Atualmente, já existe uma grandereflexão teórica sobre a sua utilização emSão Paulo. As críticas vão desde os efei-tos excludentes em função da “expulsão”das populações de menor renda, aumen-tando a segregação socioespacial (Fix,2001; Maricato e Ferreira, 2002), pas-sam pelo privilégio de questões imobiliá-rias de interesse privado em detrimentodo interesse público (Castro, 2006),pela falta de um projeto urbano estru-turador e pela ênfase nas grandes obrasviárias (Vilariño, 2006), e chegam à ques-tão da regressividade do instrumento, emfunção da pouca eficácia na recuperaçãoda mais-valia gerada em comparação aosinvestimentos realizados (Montandon,2007).

O presente trabalho, que não sepropõe esgotar o assunto, delineará al-gumas questões básicas sobre a sua uti-lização, tomando como estudo de casoa Operação Urbana Consorciada ÁguaEspraiada (Oucae), uma das mais re-centes em São Paulo.

1 Logicamente, nem o planejamento urbano nem os instrumentos urbanísticos conseguiramalterar as características de subdesenvolvimento das cidades brasileiras. Contudo, é percebidauma mudança no discurso e na prática do planejamento urbano a partir da crise econômicada década de 1980, acentuando as políticas urbanas que aumentam as disparidades intra-urbanas e a valorização das áreas mais ricas da cidade.

A implementação das operações urbanas em SãoPaulo

A expressão operação urbana surgiupela primeira vez em São Paulo na pro-posta do Plano Diretor 1985/2000 dagestão Mario Covas (1983-1985) como

um instrumento urbanístico cujo objeti-vo seria viabilizar a produção de habita-ção popular, de infra-estrutura urbana,de equipamentos coletivos, e acelerar

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transformações urbanísticas de acordocom o Plano 2 (Montandon e Souza,2007, p. 83). Como forma de viabilizaressas intervenções, o Plano propôs ainstituição de Parcerias Público-Privadas(PPPs), visto que o Estado brasileiro seencontrava em dificuldades financeirasno período.

A gestão Jânio Quadros (1986-1988), de oposição à anterior, não im-plementou esse instrumento, apesar deele constar no Plano Diretor instituídonessa gestão. Porém, a idéia da PPP foiviabilizada por meio da criação das Ope-rações Interligadas3, mecanismo pelo quala iniciativa privada solicitava modifica-ções nos índices urbanísticos e categoriasde uso nos terrenos de sua propriedade,em troca do pagamento ou da constru-ção de um certo número de Habitaçõesde Interesse Social para a prefeitura(ibid., p. 86). Com isso, várias favelaslocalizadas no centro expandido foramremovidas, e sua população foi transfe-rida para conjuntos habitacionais peri-féricos.

Esse instrumento baseava-se naidéia do “solo criado”, muito em voganos debates sobre a Reforma Urbananas décadas de 1970 e 1980, e originouo conceito da outorga onerosa do di-reito de construir, que viria tornar-se abase das operações urbanas. A gestão

Luiza Erundina (1989-1992) deu con-tinuidade a essa idéia na Operação Ur-bana Anhangabaú, sem, contudo, obtermuito êxito, em função do desinteressedo mercado imobiliário pelo CentroHistórico da cidade, que já se transfor-mara no centro das camadas populares.

O instrumento só viria a deslancharem 1995, quando a gestão Paulo Maluf(1993-1996) instituiu a Operação Ur-bana Faria Lima, propondo a extensãoda avenida de mesmo nome em áreanobre e valorizada da cidade. Essa ope-ração arrecadou, até 2004, R$ 306 mi-lhões, decorrentes da venda de quaseum milhão de metros quadrados cons-trutivos adicionais, muito aquém, porém,dos R$ 715 milhões gastos nas obras(Montadon, 2007, p. 10-13). O aden-samento ocasionado foi bastante nocivopara bairros cuja infra-estrutura viárianão era adequada, como na Vila Olím-pia, além de ter provocado a elitizaçãodas áreas afetadas, onde houve umatransformação de uso residencial demédia para alta renda e também paracomércio e serviços de alto padrão(ibid., p. 12).

A partir dessa experiência, foramcriadas outras três operações urbanas:Água Branca (1995), Centro (1997) eÁgua Espraiada (2001). Em 2001, oEstatuto da Cidade, Lei Federal 10.257,

2 O Plano Diretor do Município de São Paulo 1985/2000 propôs a criação de 35 operaçõesurbanas em diversos bairros da cidade, abrangendo desde a área central à periferia extrema,desde áreas ricas a favelas (Montandon e Souza, 2007, p. 83).

3 As Operações Interligadas foram criadas pela Lei 10.209/86 e alteradas pela Lei 11.773/95, efuncionaram até 1998, quando foram suspensas por ação de inconstitucionalidade movidapelo Ministério Público, tendo sido proibidas de vez em 2000. Durante a sua vigência, houve313 propostas de adesão, que resultaram no montante suficiente para a construção de 11.102Unidades Habitacionais de Interesse Social (UHIS) (Montandon e Souza, 2007, p. 86).

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que regulamentou o Capítulo de PolíticaUrbana da Constituição Federal de 1988,incluiu esse instrumento urbanístico, re-definindo-o como Operação UrbanaConsorciada (OUC), que é um conjuntode intervenções coordenadas pelo PoderPúblico municipal, com a participaçãoda iniciativa privada, que visa alcançar“transformações urbanísticas estruturais,

melhorias sociais e a valorização ambien-tal” de uma determinada área (Brasil,2001, art. 32, § 1°). Em 2002, o PlanoDiretor Estratégico do Município de SãoPaulo (PDEMSP) instituiu no seu perí-metro mais nove operações urbanas 4,que se encontram em fase de estudo(São Paulo, 2002, art. 225, § 2°).

Antecedentes à Operação Urbana Consorciada ÁguaEspraiada (Oucae): a proposta do sistema viário noCórrego das Águas Espraiadas

A proposta de criação de uma via estru-tural na região do Córrego das ÁguasEspraiadas, no bairro do Brooklin, ZonaSudoeste do município de São Paulo,remonta à década de 1960. Em 1968,o Grupo Executivo de Integração dePolíticas de Transporte (Geipot), do Mi-nistério do Transporte, reforçou o mode-lo urbano Rádio-Concêntrico, propostodesde 1930 por Prestes Maia, com a cria-ção dos anéis viários usando as marginaisdos rios Tietê e Pinheiros como as prin-cipais vias expressas de ligação (Geipot,1968, apud Nobre, 2000, p. 162).

Um dos anéis passaria por uma ave-nida a ser criada na várzea alagadiça doCórrego das Águas Espraiadas, um dostributários do Rio Pinheiros, que cortavaum bairro de classe média suburbanoda época. Com essa finalidade, o Depar-tamento de Estradas e Rodagem (DER)procedeu à desapropriação da área nadécada de 1970. Contudo, problemas

de viabilidade econômica e mudançasno projeto original ocasionaram a cons-trução dos anéis viários em outras ave-nidas da região, conforme mostra aFigura 1, deixando essa área desapro-priada abandonada.

Ao longo do tempo, ela foi progres-sivamente ocupada por inúmeras fave-las. Em 1995, estimaram-se 68 núcleosna região, com um total de 42.347 pes-soas, em 8.436 domicílios (São Paulo,1996, p. 63). Em função disso, váriosestudos para a região foram realizados,até que surgiu a proposta de uma opera-ção urbana já no projeto de lei do PlanoDiretor de 1991 (Montandon e Souza,2007, p. 85).

Em meados de 1995, na gestão PauloMaluf (1993-1996), a Prefeitura do Mu-nicípio de São Paulo (PMSP) retomouo projeto de construção da avenida, pre-tendendo vinculá-la a esse instrumento

4 São elas (São Paulo, 2002, art. 225, § 2°): Diagonal Sul, Diagonal Norte, Carandiru-VilaMaria, Vila Leopoldina, Vila Sônia, Celso Garcia, Santo Amaro, Jacu Pêssego e Tiquatira.

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urbanístico, com a função de ligar a Mar-ginal do rio Pinheiros à Rodovia dos Imi-grantes, principal eixo de acesso ao litoralpaulista. As obras foram realizadas emritmo acelerado, entre outubro de 1995e março de 1996, com a construção par-cial da avenida, no trecho entre a Marginaldo rio Pinheiros e a Avenida WashingtonLuís, a canalização do córrego das Águas

Espraiadas e a retirada das favelas lá ins-taladas. De acordo com reportagens daépoca, os moradores da favela recebe-ram indenização da prefeitura, feita comdinheiro de um grupo de empresárioslocais, na expectativa de valorização deseus escritórios e/ou empreendimentosna região (Nobre, 2000, p. 189).

Figura 1: Macroestrutura viária da Região Metropolitana de São Paulo

Fonte: Universidade de São Paulo (2003) e Desenvolvimento Rodoviário S.A. (1997).

Em 1996, 28 das 68 favelas já ha-viam sido removidas, correspondendo auma população de aproximadamente 20mil pessoas (São Paulo, 1996, loc. cit.),processo que resultou na valorização de30% da região e no agravamento doproblema de segregação socioespacial dacidade. Contudo, para a execução da

operação, a prefeitura não lançou mãodo instrumento operação urbana. Se-gundo Fix (2001, p. 95), a prefeitura nãoqueria concorrer com a Operação Ur-bana Faria Lima, próxima a essa área,que começava a deslanchar do ponto devista imobiliário.

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A formulação e a implementação da Oucae

Durante a gestão Celso Pitta (1997-2000), a proposta de uma OUC nessaregião ficou congelada, sendo retomadasomente na gestão Marta Suplicy (2001-2004), durante a qual foi criada, sob ocomando da Empresa Municipal de Ur-banização (Emurb)5, a Operação UrbanaConsorciada Água Espraiada (Oucae),através da Lei 13.260, de 28 de dezem-bro de 2001. Diversas críticas foram fei-tas por uma elite intelectual que apoiavaa gestão, em função do caráter elitista e“gentrificador” 6 do instrumento e dapressa para sua aprovação, visto que asdiscussões do novo Plano Diretor já esta-vam bastante avançadas e poderiam tra-zer novas visões sobre o assunto.

Essa lei estabeleceu as diretrizes urba-nísticas para a área de influência da atualavenida Jornalista Roberto Marinho(novo nome dado à Água Espraiada emhomenagem ao jornalista falecido em2003), que ligaria a avenida das NaçõesUnidas (Marginal do rio Pinheiros) à Ro-dovia dos Imigrantes, compreendendouma área de 1.373,32 hectares, confor-me revela a Figura 2. As principais in-tervenções previstas na lei são (São Paulo,2001):

— Prolongamento da avenida Jornalis-ta Roberto Marinho até a Rodoviados Imigrantes (aproximadamente4,5 km);

— Abertura de vias laterais a essa aveni-da desde a avenida Engenheiro LuisCarlos Berrini até a avenida Washing-ton Luis;

— Duas pontes sobre o rio Pinheiros ligan-do a Marginal à avenida em questão;

— Construção de passagens em desní-vel nos principais cruzamentos dessaavenida;

— Implantação de passarelas de pedes-tres; e

— Construção de 8.500 unidades ha-bitacionais de interesse social paraos moradores das favelas existentes.

O valor estimado das intervençõesfoi de R$ 1,125 bilhão, pressupondo-se que a maior parte dos recursos viráda venda de Certificados de PotencialAdicional Construtivo (Cepac), títulosemitidos pela prefeitura, que permitem

5 Empresa pública de direito privado, criada em 1971, cuja função é executar programas deobras de desenvolvimento urbano e planos de renovação urbana da Prefeitura do Municípiode São Paulo (São Paulo, 2004a, p. 63).

6 Gentrificação (neologismo) – termo traduzido do inglês Gentrification, processo pelo qual apopulação de classe média ocupa residências numa área tradicionalmente operária, mudandoo seu caráter, equivalente a enobrecimento ou aburguesamento, em português. Termo utili-zado pela primeira vez em 1964 pela socióloga inglesa Ruth Glass, para definir o fenômenoque ocorria em determinados bairros londrinos (Bidou-Zachariasen, 2006).

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Figura 2: Perímetro e setores de Operação Urbana Consorciada Água Espraiada

Fonte: São Paulo (2001, Anexo I). Disponível em: <http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/empresas_autarquias/emurb/operacoes_urbanas/agua_espraiada/0001/perimetro_ OUCAE.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2008.

ao proprietário o direito adicional deconstrução ou a alteração de uso no pe-rímetro da operação, alienados em leilãoou utilizados diretamente no pagamentodas obras necessárias à própria operação

(São Paulo, 2004a, p. 33). Com isso, ten-tava-se não repetir o erro da OperaçãoUrbana Faria Lima, pois as obras só se-riam executadas com recursos próprios,para evitar o deficit da operação.

A previsão inicial era emitir 3.750.000Cepac, que poderiam corresponder a4.850.000 metros quadrados adicionaisde construção, a um custo mínimo inicialde R$ 300,00 pelo prazo de 15 anos.O custo mínimo de um Cepac foi esti-pulado a partir do maior valor que elepoderia assumir para manter o empreen-dimento competitivo. Para tanto, foi uti-lizado o método do terreno virtual, cujoprincípio é a comparação entre o imóvelao qual se agrega o benefício da outorga

onerosa e outro terreno com as mesmascaracterísticas cuja área seja virtualmentemaior, de tal forma que a potencialidadeconstrutiva seja atingida sem o paga-mento de contrapartida financeira (ibid.,p. 105).

Para gerir a operação, a lei instituiuo Grupo de Gestão da Operação UrbanaConsorciada Água Espraiada, órgão con-sultivo e deliberativo coordenado pelaEmurb, composto por 17 membros, com

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8 representantes das secretarias e subpre-feituras envolvidas 7 e 8 representantesda sociedade civil 8, além de seu coorde-nador, pertencente à Emurb (São Paulo,2001, art. 19). Essa composição tempermitido que os interesses do PoderPúblico Municipal, que nem sempre re-presentam os interesses da populaçãoafetada, prevaleçam, pois os seus repre-sentantes estão em maioria dos votos(9 em 17). A primeira reunião do GrupoGestor da Oucae, ocorrida em março de2003, definiu como prioridades a exe-cução de uma ponte ligando a pista sulda Marginal do Rio Pinheiros à avenidaÁgua Espraiada, juntamente com a cons-trução de 600 unidades de HIS paraatender a população restante das favelaslocais (São Paulo, 2004a, p. 353).

Entre 2004 e fevereiro de 2008 fo-ram realizados oito leilões de Cepac, que

arrecadaram por volta de R$ 440 milhõese consumiram 586 mil metros quadradosdo estoque (São Paulo, 2008, p. 20-21).Os títulos tiveram uma valorização de370%, sendo negociados a R$ 1.110,00em fevereiro de 2008. A partir dos pri-meiros leilões, a prefeitura reiniciou asobras previstas, privilegiando a construçãoda ponte sobre o rio Pinheiros, localizadaao lado de uma favela remanescente.

Até o início dessa fase da operação,a área já havia sofrido um forte processode valorização imobiliária resultante dosinvestimentos realizados. Segundo relató-rio da empresa de consultoria contratadapela Emurb (Amaral D’Avila, 2004, apudSão Paulo, 2004a, p. 103), entre 1994e 2003, a valorização de um terreno in-corporável nas áreas mais valorizadas foide 300%, chegando a R$ 3.000,00 ometro quadrado.

A construção do Complexo Viário Real Parque

Segundo documentos da Diretoria deDesenvolvimento da Emurb (São Paulo,2004b, p. 21), a decisão da construção

da ponte sobre o rio Pinheiros ocorreuainda em 2001 e, desde o início, ficouevidente a opção pelo estaiamento 9,

7 São elas (São Paulo, 2001, art. 19, § 1°): Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla);Secretaria Municipal de Finanças (SMF); Secretaria Municipal de Transportes (SMT); SecretariaMunicipal de Verde e do Meio Ambiente (SVMA); Secretaria Municipal de Habitação (Sehab);Secretaria Municipal de Infra-Estrutura e Obras (Siurb); Subprefeitura de Santo Amaro (SP/SA) e Subprefeitura do Jabaquara (SP/JA).

8 São eles (São Paulo, 2001, art. 19, § 1°): Movimento Defenda São Paulo; Instituto dosArquitetos do Brasil (IAB); Instituto de Engenharia (IE); Associação Paulista de Empreiteirosde Obras Públicas (Apeop); Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Adminis-tração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi); Ordem dos Advogadosdo Brasil (OAB); Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo(FAUUSP) e União de Movimento de Moradia (UMM) e associação de moradores das favelascontidas no perímetro da OUC.

9 Estruturas estaiadas são estruturas que combinam cabos tracionados com elementos quetrabalham à compressão ou flexocompressão. No caso de uma ponte estaiada, a sustentaçãodos tabuleiros ocorre tanto pelo apoio em pilares como pela suspensão em cabos (estais)presos a um pilar central.

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com a intenção de torná-la um marcoreferencial numa região de grande dinâ-mica imobiliária e de concentração deempresas transnacionais, demonstrandoo seu caráter simbólico e o poder da ideo-logia dominante de valorizar uma regiãoda cidade que já vinha num processode valorização desde a década de 1980.Todo esse processo está registrado nosdocumentos que constam das informa-ções da Oucae fornecidas aos investi-dores.

Em relatório de 30 de agosto de2001, o diretor de Desenvolvimento daEmurb explica a opção pelo estaiamentoem função de diversos fatores; contudo,fica evidente o caráter simbólico implí-cito de uma pretensa modernidade, re-produzindo o discurso dominante devalorização da área, e não o das neces-sidades estritamente técnicas:

As características físicas da área; oprocesso de transformação por quepassa a região com o surgimento deinúmeros edifícios inteligentes; as exi-gências por uma obra que reduza osimpactos negativos durante a exe-cução; o desenvolvimento das téc-nicas de projeto e execução de obrasde arte; e ainda a necessidade de sequalificar a estética urbana através deum projeto diferenciado que possaser compreendido como referencialurbano da cidade, esses fatores con-juntamente apontam no sentido doestaiamento como partido construti-vo do projeto. (Ibid., p. 21)

As necessidades técnicas do projetopoderiam ter sido resolvidas pelo sistema

construtivo convencional, inclusive comvalores menores que o do sistema estaia-do, conforme pode ser visto em relatóriotécnico de maio de 2002, encomendadopela Emurb à Escola Politécnica da Uni-versidade de São Paulo. Nesse mesmorelatório, a função de marco referencialé novamente apresentada em primeiroplano:

Ela (construção estaiada) é a soluçãoque melhor cumpre a função de ummarco urbano e mais facilmente lidacom as limitações locais por suasqualidades estruturais, como a faci-lidade de vencer grandes vãos comalturas reduzidas [...] Essa soluçãodeverá ser um pouco mais cara quea solução em consolos sucessivos.Considerando as informações doanexo e experiência profissional es-tima-se que o custo por m2 da ponteestaiada seja da ordem de 70% maiscaro que o da ponte em consolos su-cessivos [...] estima-se que, em valorglobal, a obra fique em torno de 20a 30% mais cara que a solução emconsolos sucessivos. (Ibid., p. 33)

Em abril de 2003, foi contratada aempresa projetista que desenvolveu oprojeto básico da ponte, que chegou àsolução de construção de dois pilarespara sustentar os estais com aproxima-damente 110 metros de altura. Em ou-tubro do mesmo ano, foi contratada aconstrutora para executar a obra pelovalor de R$ 146,9 milhões, sendo queno início da obra foram gastos R$ 5 mi-lhões do Tesouro Municipal para a ins-talação do canteiro (ibid.).

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No desenvolvimento do projeto exe-cutivo, a construtora concluiu que, pornecessidades técnicas, os dois pilaresdeveriam ser substituídos por apenas umsó, aproximadamente 30% mais alto(138 metros), com custo menor, criando

[...] um marco referencial de gran-de destaque e visibilidade tanto paraa Av. Jornalista Roberto Marinhocomo para o canal do Rio Pinhei-ros, tornando-se um autêntico sím-bolo da cidade de São Paulo. (Ibid.,p. 135)

As obras foram iniciadas em 2004,contando com recursos orçamentáriosadvindos dos leilões dos Cepac. No dia1º de fevereiro de 2005, a nova admi-nistração municipal (2005-2008), deoposição à anterior, suspendeu por 100dias o contrato realizado a título de rea-valiação de valores. Nessa época, o pre-feito José Serra afirmou sobre a ponte:

Quiseram fazer uma coisa faustosa,cara. Esse negócio de estaiada foi sópara vaidade, só para gastar dinhei-ro. Não ajuda o trânsito e custa umafortuna. Se tivermos tempo e condi-ções, mudaremos o projeto (Pagnan,2007, p. C7).

Em maio desse ano, o contrato foiretomado sem modificações significativas.No final da obra, além dos R$ 2 milhõesde multa pela suspensão do contrato, aadministração Serra/Kassab (2005-2008) acabou gastando R$ 119 milhõesa mais do que o previsto originalmente,

sendo que R$ 48 milhões em aditivos eR$ 71 milhões em obras novas para aretirada de cabos de alta tensão, a cons-trução de pista de acesso à via local damarginal do rio Pinheiros, de placas desinalização e iluminação especial, segundorelatório da Caixa Econômica Federal(CEF), agente fiscalizador dos recursosobtidos pela emissão dos Cepac (SãoPaulo, 2008, p. 35-36).

O Complexo Viário Real Parque (Fi-guras 3 e 4) foi inaugurado em agostode 2008, tendo custado R$ 266 milhões,correspondendo a um aumento de 81%em relação ao orçamento original, e de-morado 56 meses, 38 meses a mais doque os 18 previstos inicialmente (ibid.,loc. cit.).

Até agosto de 2008, a Oucae tinhaconsumido R$ 303,5 milhões, corres-pondentes às obras, desapropriações,impostos e taxas, sendo que, desse total,R$ 60,2 milhões (20%) foram pagospelo Tesouro Municipal, mas não ressar-cidos pelos recursos obtidos pela vendados Cepac, onerando a capacidade deinvestimento da própria municipalidade(ibid.).

Para a implantação das unidades deHIS definida em 2003, fora gasto ape-nas 0,7% do total correspondente àdesapropriação da área para execuçãodas unidades, sendo que nenhuma uni-dade de HIS tivesse sido construída,enquanto quase 90% do total gastodestinou-se às obras do complexo viário,conforme mostra a Tabela 1.

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Fonte: Foto do autor (2008).

Fonte: Foto do autor (2008).

Figura 3: Complexo Viário Real Parque

Figura 4: Complexo Viário Real Parque ao lado do remanescente da favelaJardim Edite

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Operação Urbana Consorciada Água Espraiada em São Paulo

Considerações finais

Tabela 1: Montante arrecadado e gasto na Oucae em R$ e % do total

Total dos leilões 436.997.823,00 86,2

Total das colocações privadas 55.030.819,86 10,9

Receita financeira 15.088.619,68 3,0

Total arrecadado 507.117.262,54 100

Serviços e Obras – Complexo Viário Real Parque 266.101.691,62 87,7

Taxa de administração Emurb 18.265.225,84 6,0

Serviços diversos 15.782.472,73 5,2

HIS – Desapropriação 2.073.295,03 0,7

Despesas – CPMF 1.259.727,13 0,4

Total aplicado 303.482.412,35 100

Fonte: São Paulo (2008, a partir de dados do relatório de acompanhamento da CEF).

A análise do estudo de caso da Oucae ésintomática e apenas reforça as críticasque vêm sendo feitas a esse instrumentourbanístico.

A primeira questão que se apresentaé a prioridade da implementação desseprojeto. Visto que a obra da Água Es-praiada não faz mais parte dos anéis viá-rios da metrópole, seu benefício serálocal, privilegiando principalmente a re-gião sudoeste da cidade, onde moramos estratos de mais alta renda, que sem-pre dispuseram de pesados investimen-tos do Poder Público em detrimento dasregiões mais carentes da cidade.

O projeto reforça uma das caracte-rísticas mais negativas do urbanismopaulistano: o “Rodoviarismo” – a cons-tante ênfase no transporte individual emdetrimento do transporte coletivo. Nesse

aspecto, o instrumento parece estar coe-rente com esse modelo de intervençãourbana, pois, das quatro operações ur-banas em vigor em São Paulo, somentea operação Centro não foi baseada emprograma de obras viárias.

Fosse outro o projeto da Água Es-praiada, os recursos arrecadados pode-riam ter sido investidos na ampliação dometrô, que beneficiaria um contingentebem maior da população. Com o totalde recursos envolvidos previstos, pode-riam ter sido construídos 10 km da redede metrô. Os problemas de gestão po-deriam ter sido facilmente contornáveis,pois, apesar de as OUC serem de com-petência do município, e o metrô, decompetência do estado, os recentes in-vestimentos da PMSP na ampliação dometrô mostram que isso teria sido viável.

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um instrumento mais progressivo atra-vés da transferência dos recursos paraas áreas mais carentes da cidade.

A tese de que esses recursos pode-riam ser utilizados para resolver os pro-blemas sociais no interior da OUCtambém não procede. Nesse aspecto, énotória a desconsideração das adminis-trações municipais com a população debaixa renda. Decorridos sete anos daOucae, as obras viárias foram realiza-das sem que nenhuma unidade de HISfosse construída até o momento, ape-sar da sua previsão inicial e da existên-cia de numerosas Zeis 11 no local.

Se o total do montante arrecadadofosse investido na construção de HIS,seria possível construir 9.700 unidadeshabitacionais, suficientes para alocar todaa população favelada existente antes doinício das obras, na década de 1990 12.

O fato de essa população estar sub-representada no Grupo Gestor e o fatode o Poder Público possuir a maioria dosvotos são indicadores dessa indiferençae da composição das forças políticasexistentes.

Por fim, o montante despendido naconstrução do Complexo Viário RealParque demonstrou ser uma transferên-cia de vultosos recursos para a indústria

Por outro lado, a proposta viária nãosolucionará os problemas causados pelosimpactos do trânsito que a própria ope-ração urbana gerará, pois, quando osnovos empreendimentos originados douso dos Cepac surgirem, eles ocasiona-rão uma demanda por mais obras viá-rias, visto que hoje a Marginal do RioPinheiros já opera saturada 10.

Outro aspecto bastante negativo doprojeto é que ele provocou, de fato, aexpulsão de pelo menos 20.000 pessoasde baixa renda da região, quando da re-tirada das favelas, agravando a segregaçãosocioespacial numa cidade já bastante se-gregada. Embora isso tenha ocorrido an-teriormente à implementação da Oucae,para que ela se efetivasse nos termos emque foi proposta, essa população teriade sair mais cedo ou mais tarde. A fortevalorização imobiliária da região tambémindica que a médio e longo prazos pode-rá ocorrer um processo de “gentrificação”.

O argumento dos defensores dasOUCs de que os Cepac recuperam avalorização decorrente das obras nãoprocede, na medida em que, por obri-gação legal, todos os recursos arrecada-dos numa operação urbana devem serinvestidos no interior de seu perímetro.Dessa forma, cria-se um ciclo vicioso deinvestimentos-valorização-investimentose perde-se a oportunidade de torná-las

10 Em 1996, essa avenida, que tem capacidade para 8.800 veículos equivalentes na pistaexpressa e 6.600 na local, já operava com 8.415 na primeira e 6.765 na segunda, no horáriode pico (São Paulo, 1996, p. 130).

11 Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) são zonas destinadas à recuperação urbanística, àregularização fundiária e à produção de habitação de interesse social (São Paulo, 2002, art. 171).

12 Ao custo de R$ 52.200,00 cada, valor definido pela Resolução Caheis n° 01/06 (DiárioOficial do Município de São Paulo, São Paulo, 20 abr. 2006).

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Operação Urbana Consorciada Água Espraiada em São Paulo

da construção civil, com gastos excepcio-nais muito superiores aos necessários, poispriorizou-se o fator estético – a criaçãode um marco referencial na região –, emdetrimento do fator técnico-econômico.

Essa associação do Poder Público aocapital da construção civil e ao capitalimobiliário, que usa obras viárias parapromoção e valorização financeira e sim-bólica das áreas de seu interesse não énovidade em São Paulo e já foi analisadapor diversos autores. Contudo, a novi-dade foi o fato de uma administraçãovinculada às questões sociais ter dado opeso e a ênfase que foram conferidosaos interesses das classes dominantes,favorecendo aquelas parcelas do grandecapital, na execução do projeto.

Concordamos com a afirmação deMaricato e Ferreira (2002, p. 215) de

que os instrumentos urbanísticos não sãoem si bons ou ruins, mas dependem damaneira como são utilizados. Dessa for-ma, a partir do estudo de caso analisado,podemos concluir que o instrumentourbanístico em questão tem funcionadode maneira regressiva, valorizando maisas áreas mais valorizadas da cidade enelas concentrando recursos na imple-mentação de grandes obras viárias, cujosmaiores beneficiários são as grandesconstrutoras, os proprietários de terras,os empresários e os usuários do trans-porte individual. A idéia inicial contidana formulação do instrumento, de efe-tivar a Reforma Urbana através do in-vestimento dos recursos captados paraa provisão de habitação popular e deequipamentos sociais, recuperando odeficit social da cidade, até o momentonão se concretizou.

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Resumo

A partir dos anos 1980, o paradigma daspolíticas urbanas se modificou conside-ravelmente. O aprofundamento da glo-balização e a ascensão do neoliberalismoresultaram em mudanças no controle ena regulação do uso e ocupação do solopara o estímulo do mercado imobiliário,resultando em grandes projetos urbanosem várias cidades do mundo. No Brasil,destaca-se o instrumento urbanísticoOperação Urbana Consorciada. O pre-sente trabalho desenvolve uma análisecrítica da utilização desse instrumento, to-mando como exemplo a Operação Urba-na Consorciada Água Espraiada em SãoPaulo. Procura-se recuperar a formula-ção da intervenção pelo Poder Público,

Abstract

Since the 1980’s, the paradigm of ur-ban policies has considerably changed.The deepening of globalization and theascension of neoliberalism result inchangings in the control and regulationof the use and occupation of the landand to the encouragement of the realestate market, resulting in big urbanprojects in many cities of the world. InBrazil, it is highlighted the urbanistic in-strument Urban Consortium OperationÁgua Espraiada in São Paulo. It searchesto recover the formulation of the inter-vention by the Public Power, conclud-ing that the use of the instrument causedthe symbolic and financial valorizationof an area already appreciated, besides

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concluindo que o uso do instrumentoocasionou a valorização simbólica e fi-nanceira de uma área já valorizada, alémdo favorecimento de setores específicosdo capital, em detrimento das demandasdas populações afetadas.

Palavras-chave: planejamento urbano,grandes projetos urbanos, operações ur-banas consorciadas, segregação socioes-pacial, São Paulo.

the favoring of specific sectors of capital,in detriment of the demands of the hitpopulation.

Keywords: urban planning, big urbanprojects, consortium urban operations,social-spatial segregation, São Paulo.

Eduardo Alberto Cuscé Nobre é Arquiteto, Mestre em Desenho Urbano pelaOxford Brookes University (1994), Inglaterra, Doutor (2000) em Arquitetura eUrbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de SãoPaulo, Professor Doutor da FAU/USP e pesquisador do Laboratório de Habitação eAssentamentos Humanos (LabHab).

Recebido em julho de 2009. Aprovado para publicação em outubro de 2009

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