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1 QUEM MANDA E QUEM OBEDECE: O CORPO FUNCIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE (1951-1970). Marcia Terezinha Jerônimo Oliveira Cruz Universidade Federal de Sergipe [email protected] Após três tentativas infrutíferas, uma no século XIX 1 e duas no primeiro quartel do século XX 2 , a Faculdade de Direito de Sergipe foi fundada em 28 de fevereiro de 1950, por um grupo de intelectuais reunido no Conselho Penitenciário, em Aracaju, sob o comando do jurista Antonio Manoel Carvalho Neto 3 . O período em que se estabelece sua criação é desenvolvimentista do ponto de vista econômico e, de redemocratização, do ponto de vista político. No que diz respeito à infra-estrutura, situou-se no período em que o então Governador José Rollemberg Leite priorizou a construção de estradas de rodagem, a interiorização da escola primária, além da implantação do Ensino Superior por ele iniciada no fim da década de 1940, com a fundação do Instituto de Química e depois da Faculdade de Ciências Econômicas. Apesar de haver sido uma instituição pioneira na formação jurídica por aproximadamente 20 anos, até sua incorporação pela Fundação Universidade Federal de Sergipe, no final da década de 1960, poucos têm sido os estudos dedicados a problematizar a História da Faculdade de Direito de Sergipe, conforme assinalado por Nascimento (2007) 1 A primeira tentativa de instituição do Ensino Jurídico teve lugar em 1898, com a criação da Academia Livre de Direito, por ato do então Presidente da Província em Exercício, o Deputado Daniel Campos. Cf. Leite (1953, p. 9). 2 Segundo menciona Nunes (1984), o início do século XX, mais precisamente, o ano de 1907, trouxe uma segunda tentativa de criação de uma Faculdade de Direito para Sergipe, quando então o Presidente do Estado, Desembargador Guilherme de Souza Campos, irmão do padre e ex-governador Olímpio Campos, por intermédio da Lei nº 535 de 20 de novembro, foi autorizado pela Assembleia Legislativa a conceder financiamento no valor de 20:000$000 para a instituição que viesse a fundar uma Faculdade de Direito. Não apareceram, entretanto, candidatos dispostos. A outra, no Governo Graccho Cardoso, resultou na inauguração da Faculdade Tobias Barretto, empreendimento cercado de muitas controvérsias diante do momento político instável em que se situou e que efetivamente não funcionou. Cf. Oliveira (2008, p. 21-23). 3 Antonio Manuel Carvalho Neto nasceu em Simão Dias / Sergipe, em 14/02/1889, concluiu o ensino superior no Rio de Janeiro, na Faculdade Livre de Direito. Foi magistrado, político, jurista e advogado, tendo publicado diversas obras e fundado ou colaborado na fundação de diversas instituições, a exemplo do Instituto Sergipano de Advogados e da Academia Sergipana de Letras, entre outros. Exerceu diversos cargos no executivo estadual, como no caso do Conselho Penitenciário. No âmbito da educação foi Diretor da Escola Normal e da Instrução Pública. Para que se possa apreender a importância exercida por Carvalho Neto junto à sociedade política de Sergipe, cf. Lima, Maria S. (2008), pesquisa em que a autora explora as origens familiares, o perfil intelectual e as atividades laborais de Carvalho Neto relacionadas à Instrução Pública de Sergipe.

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QUEM MANDA E QUEM OBEDECE: O CORPO FUNCIONAL DA FAC ULDADE DE DIREITO DE SERGIPE (1951-1970).

Marcia Terezinha Jerônimo Oliveira Cruz Universidade Federal de Sergipe [email protected]

Após três tentativas infrutíferas, uma no século XIX1 e duas no primeiro quartel

do século XX2, a Faculdade de Direito de Sergipe foi fundada em 28 de fevereiro de 1950,

por um grupo de intelectuais reunido no Conselho Penitenciário, em Aracaju, sob o

comando do jurista Antonio Manoel Carvalho Neto3.

O período em que se estabelece sua criação é desenvolvimentista do ponto de

vista econômico e, de redemocratização, do ponto de vista político. No que diz respeito à

infra-estrutura, situou-se no período em que o então Governador José Rollemberg Leite

priorizou a construção de estradas de rodagem, a interiorização da escola primária, além da

implantação do Ensino Superior por ele iniciada no fim da década de 1940, com a

fundação do Instituto de Química e depois da Faculdade de Ciências Econômicas.

Apesar de haver sido uma instituição pioneira na formação jurídica por

aproximadamente 20 anos, até sua incorporação pela Fundação Universidade Federal de

Sergipe, no final da década de 1960, poucos têm sido os estudos dedicados a problematizar

a História da Faculdade de Direito de Sergipe, conforme assinalado por Nascimento (2007)

1 A primeira tentativa de instituição do Ensino Jurídico teve lugar em 1898, com a criação da Academia Livre de Direito, por ato do então Presidente da Província em Exercício, o Deputado Daniel Campos. Cf. Leite (1953, p. 9). 2Segundo menciona Nunes (1984), o início do século XX, mais precisamente, o ano de 1907, trouxe uma segunda tentativa de criação de uma Faculdade de Direito para Sergipe, quando então o Presidente do Estado, Desembargador Guilherme de Souza Campos, irmão do padre e ex-governador Olímpio Campos, por intermédio da Lei nº 535 de 20 de novembro, foi autorizado pela Assembleia Legislativa a conceder financiamento no valor de 20:000$000 para a instituição que viesse a fundar uma Faculdade de Direito. Não apareceram, entretanto, candidatos dispostos. A outra, no Governo Graccho Cardoso, resultou na inauguração da Faculdade Tobias Barretto, empreendimento cercado de muitas controvérsias diante do momento político instável em que se situou e que efetivamente não funcionou. Cf. Oliveira (2008, p. 21-23). 3 Antonio Manuel Carvalho Neto nasceu em Simão Dias / Sergipe, em 14/02/1889, concluiu o ensino superior no Rio de Janeiro, na Faculdade Livre de Direito. Foi magistrado, político, jurista e advogado, tendo publicado diversas obras e fundado ou colaborado na fundação de diversas instituições, a exemplo do Instituto Sergipano de Advogados e da Academia Sergipana de Letras, entre outros. Exerceu diversos cargos no executivo estadual, como no caso do Conselho Penitenciário. No âmbito da educação foi Diretor da Escola Normal e da Instrução Pública. Para que se possa apreender a importância exercida por Carvalho Neto junto à sociedade política de Sergipe, cf. Lima, Maria S. (2008), pesquisa em que a autora explora as origens familiares, o perfil intelectual e as atividades laborais de Carvalho Neto relacionadas à Instrução Pública de Sergipe.

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e Oliveira (2008), inclusive, no que diz respeito à composição do corpo funcional

administrativo daquela instituição, o que justifica a realização do presente estudo.

Segundo Le Goff (2003, p. 538), os silêncios da História são reveladores de

mecanismos de manipulação da memória. O esquecimento e a ausência de estudos

chamam a atenção para a necessidade de sua desmistificação, sob o risco de perdas

irreparáveis da memória histórica. A partir desse pressuposto, o presente trabalho, de

natureza exploratória e construído a partir do método histórico, teve como fundamentação

a História Cultural e da Educação, buscando analisar a composição, as funções, a

hierarquia e as relações de poder existentes entre os funcionários da Faculdade de Direito,

utilizando-se de fontes, escritas, orais e iconográficas.

História, História da Educação e gênero

O século XX foi prodigioso em rupturas a indicar, assim, o abandono da visão

totalizante da História cujas análises se baseavam estritamente em aspectos econômicos,

quantitativos e estruturais. A quebra do paradigma até então vigente e a busca em ciências

como a Antropologia, a Sociologia, a Etnologia, dentre outras, para a compreensão do

homem, de suas ações e práticas sociais tem suas raízes na Escola dos Annales.

A Escola de Annales, lastreada em seu primeiro momento nas ideias de Lucien

Febvre e Marc Bloch, inseriu novas tendências historiográficas do ponto de vista teórico e

metodológico, possibilitando o conhecimento, o estudo e a análise de objetos a partir de

suas reentrâncias, por intermédio da Nova História e da História Cultural, que nos últimos

40 anos, conforme lecionado por Burke (1997; 2005), Chartier ( 2009), Le Goff (2005),

passaram cada vez mais a valorizar o que Lopes e Galvão (2001, p. 39) denominam de os

sujeitos esquecidos da História.

Segundo Luca (2006) “[...] a face mais evidente do processo de alargamento do

campo de preocupação dos historiadores foi a renovação temática, imediatamente

perceptível pelo título das pesquisas, que incluíam o inconsciente, o mito, as mentalidades,

as práticas culinárias, o corpo, as festas, os filmes [...]” (LUCA , 2006 p. 113).

Coaduna-se com essa perspectiva, o fato de nos últimos 40 anos a História haver

incorporado perspectivas e elementos de três diferentes gerações da Escola dos Annales, a

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partir das quais, a Nova História e a História Cultural passaram a inserir novas tendências

historiográficas que, no âmbito da História da Educação, passou cada vez mais a valorizar

os sujeitos “esquecidos” da História, assim como, incluir como fontes sentimentos,

emoções e mentalidades, sendo que agora,

[...] temas como a cultura e o cotidiano escolares, a organização e o funcionamento interno das escolas, a construção do conhecimento escolar, o currículo, as disciplinas, os agentes educacionais (professores, professoras, alunos e alunas, dentre outros), a imprensa pedagógica, os livros didáticos, etc, tem sido crescentemente estudados e valorizados. (LOPES E GALVÃO, 2001, p. 39. Grifo meu).

Ao tratar do espaço escolar e das cristalizações dos discursos em seu interior relacionados

ao gênero, Louro (2000) explicita,

[...] esse espaço foi a princípio marcadamente masculino [...] Aos poucos, a instituição viu-se obrigada a acolher outros grupos sociais [...] No entanto ela transformou-se sem alterar uma das suas características principais: a de constituir-se como um espaço diferenciador, isso é, como uma instância que produz diferenças. (LOURO, 2000, p. 26)

Louro (2000, p. 26) entende que o estudo do gênero não privilegia papéis

destinados a homens ou a mulheres, porém correlaciona o gênero “à produção de

identidades – múltiplas e plurais – de mulheres e homens no interior de relações e práticas

sociais (portanto, no interior de relações de poder).” É nesse cenário de diferenças e

sobreposições historicamente constituído, que se deu a trajetória dos funcionários da

Faculdade de Direito de Sergipe.

O corpo funcional da Faculdade de Direito de Sergipe

Ao longo de 20 anos, diversos funcionários prestaram serviços à Faculdade de

Direito, concedendo suporte para que esta pudesse realizar a formação jurídica, em um

ambiente norteado pelos princípios de ordem e de limpeza. Ao todo o corpo funcional

administrativo foi composto por 5 homens e 11 mulheres, verificando-se que estas foram

maioria apenas do ponto de vista numérico, na medida em que, por pelo menos por 10

anos, um dos cargos de maior importância ou de hierarquia superior, foi ocupado por

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funcionário do sexo masculino, o cargo de Secretário da Faculdade. O outro, de Contador,

foi apenas ocupado por homens.

Dentre as mulheres, destacaram-se Maria Josefina Campos Tôrres e Maria Ester

Brito Rolemberg que, de servidoras administrativas, passaram a exercer os cargos

específicos de Bibliotecária e de Secretária da Faculdade, respectivamente. Josefina, de

funcionária transformou-se em Acadêmica e, depois, em 1962, em bacharel em Direito.

Era a funcionária com maior qualificação e teoricamente com maior preparo para assumir

cargos no âmbito da Faculdade de Direito de Sergipe.

Após o processo de federalização pelo qual passou a Faculdade de Direito de

Sergipe, o então Secretário da Faculdade, Fernando Nunes, renunciou a este cargo, em face

ser membro do Ministério Público Estadual, o que caracterizaria a acumulação indevida de

dois cargos públicos. A escolha da direção da Faculdade para um substituto recaiu sobre

Ester Rolemberg, que exerceu este cargo até se aposentar no início da década de 1980.

No quadro abaixo, encontram-se relacionados os nomes e as funções exercidas

por todos os servidores que prestaram seus serviços à Faculdade de Direito de Sergipe,

onde pode se verificar que as mulheres ocupavam funções auxiliares.

Nome Função

Adolfo Barreto de Ávila Contador Albertina Travassos dos Santos Escriturário Aliete Fontes Brito Datilógrafo Anália Cunha Servente Fernando Barreto Nunes Secretário Helena Oliveira Faria Datilógrafo Hortência Macêdo Fontes da Silva Datilógrafo João Antônio Simões da Cruz Servente Joaquim de Almeida Barreto Contador Maria Alves Costa Servente Maria Bernadete Araujo Fontes Datilógrafo Maria Ester Brito Rolemberg Escriturário Maria Josefina Campos Tôrres Bibliotecária Maria Zenilda Faria Escriturário Severino Pessôa Uchôa Secretário Yara Maria Mendes de Souza Datilógrafo

Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir das informações contidas no Documentário da Faculdade de Direito de Sergipe 1950 – 1970. Acervo IHGSE.

Quadro 01 - Funcionários da Faculdade de Direito de Sergipe de 1950 a 1970.

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Na imagem a seguir, parte dos funcionários que atuaram na década de 1950, o que

evidencia a preocupação da direção da Faculdade de Direito em produzir elementos

constitutivos da memória da instituição, inclusive, mediante a presença da Direção da

faculdade, representada pelo Diretor Gonçalo Rollemberg Leite e pelo professor Osman

Fontes, membro do Conselho Técnico Administrativo. No registro fotográfico, nota-se a

ausência da escriturária Josefina Campos Torres, ao tempo em que, surge a imagem de

uma estagiária – para a qual não foram detectados registros até o momento – segundo

reconhecimento realizado por Rolemberg (2011).

Imagem 01 – Corpo funcional e direção da Faculdade de Direito de Sergipe em 1953

Fonte: Coleção particular. Acervo pessoal de Maria Ester Brito Rolemberg. Da esquerda para a direta, no chão: Anália, Aliete, uma estagiária não identificada, Zenilda e Ester. No primeiro degrau Adolfo, Prof. Gonçalo Rollemberg e Prof. Hosman Fontes. No segundo degrau: Fernando Nunes e João.

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Os funcionários, com funções mais simples ou graduadas, acompanhavam o

cotidiano da formação jurídica oferecida pela Faculdade de Direito, fazendo parte da

memória dos egressos, como se pode observar das representações de Nascimento (2011)

Aqui [relativamente à Faculdade de Direito] ninguém ficava nos corredores. O corredor era passagem, era corredor mesmo, ninguém ficava. Os alunos atrasados entravam por lá, pelas laterais [referindo-se às escadas laterais do prédio]. Tinham essas regras. Isso aqui era polido, reluzente esses assoalhos todos aqui, salas de aula e tudo. Polido e reluzente. Seu João trabalhava com escovão nesses assoalhos [...](NASCIMENTO, José Anderson, 2011).

Ainda que apenas o Secretário da Faculdade comparecesse às solenidades de

formatura, com a finalidade de acompanhar a assinatura no Livro de Termo de Colação de

Grau, a partir da terceira turma, os bacharelandos em Direito passaram a homenagear os

funcionários da Faculdade, consignando o preito em quadros e placas de formatura.

A funcionária que recebeu mais homenagens foi Maria Zenilde Farias,

possivelmente, por atuar na Biblioteca Circulante, localizada na primeira sala do prédio da

frente da Faculdade de Direito, o que devia lhe possibilitar maior contato com os

Acadêmicos. Os nomes das funcionarias homenageadas podem ser vistos no quadro a

seguir.

Em 1960, passados 10 anos da criação da Faculdade, apesar do pacto dos

fundadores de apenas perceberem salários quando a instituição tivesse condições de pagá-

los já haver sido substituído por módicos salários, ainda havia professores que ministravam

Ano Funcionário Homensagem 1957 Maria Ester Brito Rollemberg Administrativa 1958 Maria Zenilde Farias Administrativa 1962 Albertina Travassos Administrativa 1964 Maria Josefina Campos Torres Administrativa 1965 Maria Zenilde Farias Administrativa 1966 Maria Zenilde Farias Administrativa 1967 Maria Zenilde de Farias Honra de Trabalho

Maria Ester Brito Rollemberg Administrativa

Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir de quadros e placas de formatura (1955-1970). Acervo: MHSE –UFS e DDI-UFS, respectivamente.

Quadro 02 – Funcionários da FDS homenageados (1955 – 1969)

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aulas gratuitamente. Já o corpo administrativo, mesclava funcionários pagos pela

Faculdade de Direito e outros cedidos pela Secretaria de Estado da Educação. Todos,

professores e funcionários percebiam o equivalente a 01 salário mínimo regional.

Surgia assim, em uma instituição de ensino particular, com poucos recursos, a

necessidade da busca de alternativas para o pagamento de salários condignos e de garantia

de estabilidade a seus funcionários. A federalização foi o caminho trilhado.

O processo de federalização, entretanto, não foi tranqüilo. Sua concretização

plena trouxe à tona a necessidade da execução de uma série de complexas providências

administrativas, assim como, embates políticos e jurídicos a fim de serem resguardados

direitos e garantias funcionais. Para adensar essa problemática, todo o processo de

federalização ocorreu em meio à crise política do início da década de 1960.

Após o Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira sancionar a Lei nº 3.856, de

18 de dezembro de 1960, que federalizou a Faculdade de Direito de Sergipe, a Lei federal

nº 4.086 de 07 de julho de 1962, tratou do processo de incorporação dos bens da FDS ao

Patrimônio da União, além de disciplinar a forma de aproveitamento no serviço público

federal de docentes e funcionários.

No tocante às questões de pessoal, no corpo de referida lei, havia a exigência de

que a Faculdade de Direito informasse à Diretoria de Ensino Superior a relação de

professores e demais servidores, especificando a forma de investidura, a natureza do

serviço e a remuneração. Além disso, a lei criou 23 (vinte e três) cargos de professor

catedrático, além de haver aberto crédito orçamentário objetivando o pagamento de

despesas com pessoal, funções gratificadas, materiais, serviços e equipamentos.

Começou aí uma longa via crucis não só para a realização desse enquadramento,

como também, para a percepção de remuneração equiparada à de servidores públicos

federais. Atendendo aos termos do artigo 6º da Lei nº 4.086, Gonçalo Rollemberg Leite

encaminhou, em 30 de agosto de 1962, correspondência à Diretoria de Educação Superior,

contendo a relação de funcionários e a respectiva situação funcional de cada um, tendo

sido o documento protocolizado no Ministério da Educação sob nº 98976.154. No item IV

do referido documento, pode-se encontrar a seguinte declaração:

[...] Esclarecemos que os vencimentos dos funcionários eram graduados de acordo com a hierarquia dos cargos, aumento constante do nível do

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salário mínimo desta Região, a diminuição da quantia de subvenções no Plano da Economia Nacional e a impossibilidade de se aumentar as anuidades escolares obrigou a administração da Escola a adotar o salário mínimo como vencimento comum a professores e funcionários até regularizar-se a situação financeira da escola.[...] (OFÍCIO Nº 23 DA DIRETORIA DA FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE, 1962)

Mas a espera foi longa e, um ano após, ainda não havia sido realizada qualquer

equiparação. A direção da faculdade realizou diversos contatos com autoridades na Capital

federal. Mobilizados, os servidores da FDS chegaram até a encaminhar abaixo-assinado ao

Deputado Federal sergipano José Carlos Teixeira, onde pediam apoio e afirmavam:

[...] a verba para tal despesa figura no orçamento do corrente exercício e não será aproveitada se tal providência não for tomada, podendo ocorrer o que lamentavelmente se deu com a do ano passado onde, por falta de nomeação dos funcionários constantes do atual quadro da faculdade, caiu em exercício findo [...] (ABAIXO ASSINADO DE FUNCIONÁRIOS DA FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE, 1963).

Em 03 de dezembro de 1963 que a Divisão de Classificação do Departamento

Administrativo do Serviço Público - DASP decidiu, no bojo do Processo 2401-63 c.c.c,

aprovar por unanimidade o voto do Relator Walcyr dos Santos, o aproveitamento do

pessoal da Faculdade de Direito de Sergipe, em conformidade com a Lei nº 4.086-62.

Maria Josefina Campos Tôrres, após o enquadramento como servidora do Serviço

Público Federal, decorrente aproveitamento pelo DASP, ainda teve que lutar para ser

reconhecida como ocupante das funções de Bibliotecária, oportunidade em que a atuação

do diretor Gonçalo Rollemberg Leite foi essencial, mediante acompanhamento direto do

processo e envio ao DASP, de declaração das atividades exercidas pela funcionária, que ao

fim logrou êxito e foi reenquadrada como Bibliotecária.

Apesar do reconhecimento, ao que tudo indica, as novas funções exercidas por

Josefina Torres parecem não tê-la atraído a permanecer na Faculdade de Direito,

principalmente, após a saída do Secretário Fernando Nunes e deste cargo ter sido

preenchido pela auxiliar administrativa Maria Ester Brito Rolemberg. Em meados da

década de 1960, Maria Josefina Campos Torres, agora servidora pública federal, transfere-

se para a Brasília.

A partir da criação da Universidade Federal de Sergipe, os funcionários das seis

Faculdades isoladas que lhe deram origem, passaram a compor um corpo funcional único,

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composto, inclusive, pelos da antiga Faculdade de Direito de Sergipe. A nova realidade

trouxe significativas mudanças, conforme se depreende da leitura das Atas, vez que a

dinâmica universitária era completamente diferente da adotada na antiga Congregação,

assim como, as funções exercidas por seus funcionários.

Considerações finais

Em apertada conclusão, pode-se dizer que este estudo, de natureza exploratória,

buscou analisar o corpo funcional administrativo da Faculdade de Direito de Sergipe, no

período de 1950 a 1970, a partir de sua estruturação e caracterização, evidenciando as

relações entre o gênero masculino e feminino e os cargos ocupados. Tal análise somente

foi possível diante dos novos contornos assumidos pela História da Educação, a partir das

contribuições provenientes da História Cultural e dos estudos de gênero, que ampliaram os

estudos historiográficos relativos aos diversos sujeitos que integram ou integraram o

cotidiano das instituições de ensino.

No tocante à Faculdade de Direito de Sergipe, verificou-se que seu corpo

funcional foi composto por um quantitativo numérico maior de mulheres, comandadas, por

homens que ocupavam os cargos hierárquicos superiores dentro da instituição,

respectivamente, o de Secretário e de Contador, além, em última instância, da direção e do

Conselho Técnico-Administrativo cujos cargos eram também ocupados por homens.

Os funcionários passaram por diferentes configurações trabalhistas, oras

vinculados a uma instituição privada, outras como faculdade isolada Federal e por fim,

integrantes do quadro de uma Universidade, além de integrarem a memória dos discentes e

por eles homenageados. Esse processo foi entrecortado por tensões e reivindicações, sendo

que este estudo inicial merece novas incursões objetivando desvelar outros meandros em

torno do corpo funcional administrativo da Faculdade de Direito de Sergipe.

Referências

BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929 – 1989): a revolução francesa da historiografia. Tradução Nilo Odália. São Paulo: Editora UNESP, 1977.

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______. O que é história cultural? Tradução Sérgio Góis de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. CHARTIER, Roger. A História ou a leitura do tempo. Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Departamento do Serviço Público. Processo 2401-63 c.c.c. Brasília: DASP, 1963. FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE. Abaixo-assinado de funcionários da Faculdade de Direito de Sergipe. Aracaju: Faculdade de Direito de Sergipe, 1963. FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE. Ofício nº 23 da Diretoria da Faculdade de Direito de Sergipe, 1962. Aracaju: FDS, 1962. FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE. Placas de Formatura (1963-1970). São Cristovão: Departamento de Direito da UFS, 2011. FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE. Quadros de Formatura (1955-1962). Aracaju: Museu do Homem de Sergipe da UFS, 2011. FACULDADE DE DIREITO DE SERGIPE. Documentário da Faculdade de Direito de Sergipe 1950 – 1970. Aracaju: Livraria Regina, 1970. LE GOFF, Jacques. A História Nova. Tradução Eduardo Brandão.São Paulo: Martins Fontes, 2005. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Irene Ferreira, Bernardo Leitão, Suzana Borges. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. LEITE, Gonçalo Rollemberg. O direito em Sergipe: Aula inaugural dos cursos jurídicos do ano letivo de 1951. In: Revista da Faculdade de Direito de Sergipe. Ano I, nº 01. Aracaju-Sergipe: L. Regina, 1953. LIMA, Maria do Socorro. República, Política e Direito: representações do trabalho docente e a trajetória de Carvalho Neto (1918-1921). São Cristovão: NPGED – UFS, 2009. (Dissertação de Mestrado). LOPES, Eliane Marta Teixeira e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. LOURO, Guacira Lopes. Currículo Género e Sexualidade. Porto – Portugal: Editora Porto, 2000. Coleção Currículo, Políticas e Práticas. LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bessanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006. p. 111-153.

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NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Silêncios e esquecimentos da história da educação em Sergipe: o professor Gonçalo Rollemberg Leite. Disponível em: http://jorge.carvalho.zip.net/arch2007-01-28_2007-02-03.html Acessado em: 20/09/2007, às 18h30min. NASCIMENTO, José Anderson, Entrevista concedida à autora. Aracaju: Sergipe, 2011 NUNES, Maria Thetis. História da educação em Sergipe. Rio de janeiro. Editora Paz e Terra, 1984. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 3.856, de 18 de dezembro de 1960. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 4.086, de 07 de julho de 1962. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 535 de 20 de novembro de xxxx. OLIVEIRA, Márcia Terezinha Jerônimo. Ensino jurídico: gênese e metamorfose da Faculdade de Direito de Sergipe (1950-1970). São Cristovão: UFS, 2008. (Monografia de Especialização) ROLEMBERG, Maria Ester Brito. Entrevista concedida à autora. Aracaju: Sergipe, 2011.