QUEM MATOU CHICO MENDES

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30/DEZEMBRO/1988 O ESTADO DE S PAULO Quem Matou Chico Mendes? “Uma armadilha verbal: depois do fim não há nada, pois, se algo houvesse, o fim não seria fim. E no entanto, sempre caminhamos ao encontro de..., mesmo sabendo que nada nem ninguém nos aguarda.” Octávio Paz. Todos nós sabemos que podemos morrer a qualquer momento. E isso dá medo; é o fim. Poucos de nós têm a certeza de que nossa morte pode significar o início de algo novo. Chico Mendes foi um destes homens: sua morte é um marco na história da ocupação da Amazônia. Pouco antes de voltar para a sua terra - o Acre - dizia ao repórter Randáu Marques, do Jornal da Tarde: "Quero apenas que meu assassinato sirva para acabar com a impunidade dos jagunços sob a proteção da Polícia Federal do Acre, que de 1975 para cá já mataram 50 pessoas como eu, líderes de seringueiros empenhados em defender a floresta amazônica e fazer dela um exemplo de que é possível progredir sem destruir, Adeus, foi um prazer”. Com sua simplicidade, sabia que sua figura já se tornara um símbolo. Que mesmo explorada pela discussão ideológica novecentista, Que tanto mal faz à América Latina, sua imagem estava ligada à realidade daqueles que lutam diariamente pela sobrevivência. Com a certeza de que é a estrutura e o estilo de relações de

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30/DEZEMBRO/1988 O ESTADO DE S PAULO

Quem Matou Chico Mendes?

“Uma armadilha verbal: depois do fim não há nada, pois, se algo houvesse, o fim não seria fim. E no entanto, sempre caminhamos ao encontro de..., mesmo sabendo que nada nem ninguém nos aguarda.”

Octávio Paz.

Todos nós sabemos que podemos morrer a qualquer momento. E isso dá medo; é o fim. Poucos de nós têm a certeza de que nossa morte pode significar o início de algo novo. Chico Mendes foi um destes homens: sua morte é um marco na história da ocupação da Amazônia.

Pouco antes de voltar para a sua terra - o Acre - dizia ao repórter Randáu Marques, do Jornal da Tarde: "Quero apenas que meu assassinato sirva para acabar com a impunidade dos jagunços sob a proteção da Polícia Federal do Acre, que de 1975 para cá já mataram 50 pessoas como eu, líderes de seringueiros empenhados em defender a floresta amazônica e fazer dela um exemplo de que é possível progredir sem destruir, Adeus, foi um prazer”.

Com sua simplicidade, sabia que sua figura já se tornara um símbolo. Que mesmo explorada pela discussão ideológica novecentista, Que tanto mal faz à América Latina, sua imagem estava ligada à realidade daqueles que lutam diariamente pela sobrevivência. Com a certeza de que é a estrutura e o estilo de relações de seu cotidiano que definem o conteúdo e sentido de estar vivo. De procurar crescer e amadurecer como ser humano.

A relação de profundo respeito daqueles que têm noção de que suas vidas têm algo a ver com o meio, espaço e tempo em que vivem - privilégio dos Chicos Mendes da vida - permite que nossa Terra, tão malhada e sofrida, veja ainda trilharem por seus tortuosos caminhos homens assim.

É preciso dizer um basta. É uma questão de todos os brasileiros. Na Amazônia, está nossa última oportunidade de concretizarmos o destino do Brasil como uma grande nação. Não se trata de impedir todo tipo de atividade econômica na região. De proteger a natureza.O problema que se coloca, na véspera do ano 2.000 e com todo o savoir faire acumulado através da história, é

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como ocupá-la da forma mais profícua possível para todos nós. Sem ilusão e sem romantismo.

O inaceitável é permitirmos que a ocupação da Amazônia e seus resultados, pelo menos até agora nefastos, ocorra sob os nossos narizes sem que esbocemos qualquer tipo de reação.Não é o governo, os militares ou qualquer tipo de programa, como o Nossa Natureza, que pode inverter este processo. Este papel, o de mudança, é dos setores ativos da sociedade civil brasileira.

Fomos todos nós que matamos Chico Mendes. Calados e indiferentes ao nosso próprio destino.

Rodrigo L.Mesquita é jornalista,diretor da Agência Estado e presidente da Fundação SOS Mata Atlântica