Querido e Verde (contos) - Danilo Passos
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Transcript of Querido e Verde (contos) - Danilo Passos
“Pele morena do
sorriso cafajeste”
A versão da dela. Duas horas antes.
QUERIDO
Querido, você conhece a minha mente?
Pois o verde falso dos teus olhos é a esperança que
reside em mim e insiste em não partir. Observo tuas
pupilas negras se dilatando vagarosamente à medida
que os seus lábios se confine em formar um sorriso
galanteador daqueles que armazeno com tamanha
voracidade e transformo em melhores lembranças.
Estou fitando escuridões, pois a negritude dos teus
olhos mapeia aquilo que eu não consigo enxergar. Ou
o que eu nunca enxerguei.
Esperanças são cautelosas e ameaçadoras, afinal, elas
trazem idealizações que a sua mente é capaz de
projetar e contentar com si mesma.
Eu observo o teu sorriso se fissurando a minha frente
e o toque das suas mãos vindo de encontro a mim.
O calor que separa os segundos que irei sentir o teu
toque sob o meu corpo é tempo suficiente para que eu
possa me perder no rosado dos teus lábios. Eis que as
cores me confundem. Fico a dissertar se o verde dos
seus olhos é mais penetrante que o rosa dos teus
lábios, misturado nessa pele morena do sorriso
cafajeste. E me toca. Perco-me. É automático: sorrio.
Creio que o destino te proporcionou o dom de arrancar
meus sorrisos apenas com o calor de um toque. É
mágico.
Volto a fitar o teu olhar, penetrante como sempre. E o
silêncio que nos separa, na verdade faz o maior
barulho na minha mente inquietante. Viro uma
curiosa. Quero descobrir o que a sua mente projeta
quando teu olhar vai de encontro à minha fisionomia,
ou quando seus ouvidos sempre escutam a minha voz.
Mas você só toca as minhas mãos. Apenas calor do
toque.
Meu peito rasga. A pulsação acelera como tambores
que rufam no eco de um galpão abandonado. É voraz.
Gosto de voracidades. Quando estou ao teu lado, o
tempo soa mais acelerado do que os segundos
contados por mim. Mas você só sorri. E o teu calor me
faz tremer como o som de um sapateado em um tango
agitado.
O silencio árduo entre nós é a abstinência que
perdura sobre mim a todo instante e o que esta ao
meu redor é as mazelas consequentes desta situação.
Mas seus olhos são esperanças. Verdes. São jogos
enganosos.
Verdes. Sorriso cafajeste. Mente inquieta.
Seus pensamentos acerca de mim não se
transfiguram em seu rosto e a pulsação do meu peito
responde às esperanças falsas que sinto.
Volto ao meu Martini. E a solidão da sala me
acompanha. A cadeira vazia. A garrafa cheia. O chão
empoeirado. Meu anel brilhante. O nada à minha
frente.
Estou à sua espera. As lágrimas em meu rosto e
minhas mãos indo de encontro à taça. Lana no som e
sorriso solitário. Lembranças empolgantes me
consomem sensações boas.
Usurpam-me.
Eu fito um nada. Porque o que tive foi apenas o que a
minha mente sempre gostou de me mostrar.
Querido, tu conheces meu íntimo?
A finitude dos teus olhos e as linhas que contornam o
teu sorriso só moram em mim. Elas não são reais.
Porém... O mundo é real, querido?
“Ela foi delicada com
as suas palavras...”
A versão dele. O ato final.
VERDE
“O que me matou?”.
Ela foi delicada com as suas palavras quando me fez
esta sublime pergunta. Tentei desviar o olhar, ao
passo que carregava nas mãos uma modesta taça
barata com um pouco de Martini e uma azeitona para
enfeitar aquele tom esverdeado, que fazia jus ao frio
do lado de fora e a solidão daquela sala. E as lágrimas
decaiam dos olhos dela sem hesitar o brilho certeiro
dos seus lábios. Por ventura, o brilho que eles
extraiam era do lustre acima de nós, que reluzia uma
luz fraca, capaz de cegar quaisquer feições que me
atentaria. Coloquei o Martini na mesa e continuei a
fitá-la, ou assim dizendo, a assistir suas próprias
feições enigmáticas.
Com suas unhas delicadas tocou no vidro barato da
taça barata e desviou o olhar para as folhas verdes da
árvore do jardim que carregavam o peso sereno da
noite serena. A pequena escuridão só não era vasta,
devido a luz que florescia o esverdeado. Ela atentou-
se ao afora e tentou-se disfarçar o peso dos seus
olhos.
“O que me matou?”. O soar das suas palavras ainda
era monótono. Ela levou um gole da bebida aos seus
doces lábios, lambeu-os e em seguida fitou o anel de
esmeralda em seu dedo médio da mão esquerda. Não
pude deixar de reparar em suas nuances e no silêncio
que aquela sala começava a aplumar.
O canto da coruja não se fazia presente, assim como o
som dos grilos sob a noite estrelada. A fraqueza da luz
do lustre reluzia o brilho intenso de seu vestido
simples que se tornara esverdeadamente bonito.
Foram minutos de silêncio, olhares trocados para a
copa das árvores, o Martini esquentando e o anel
sendo o centro das atenções. Eu mantive o meu
silêncio, enquanto ela manteve a sua seriedade sólida.
Enquanto ela manteve o drama da solidão.
“O que me matou?”. A sua pergunta ainda era a
incógnita que jamais pude decifrar minunciosamente.
Ela desviou a sua atenção do anel e virou-se
diretamente para mim. Foi rápido. Doloroso e rápido.
Três cortes na garganta e observei os tons vermelhos
se acoplando aos tons frios da mesa, enquanto o seu
braço decaía sob a mesma, seus olhos fechavam e o
Martini espatifava-se no chão.
O líquido esverdeado escorria sendo misturado com o
avermelhado, formando uma cor indecifrável, porém,
bela.
Mantive a seriedade e a fitei no seu fim. As mãos
sujas desapegaram-se da faca. E a sua pergunta
ainda perdurava em minha mente, como um zumbido
sem fim.
“O que me matou?”. Ainda tentava responder ao que
ela tanto queria.
Enxuguei os meus olhos verdes (que tanto fora
elogiados) e contentei-me com:
“O que te matou foi o amor”.
[X]
DANILO PASSOS SANTOS é pesquisador científico e escritor indepensente. Graduando em Letras – Português/ Inglês pela Faculdades Integradas Teresa D’Ávila (FATEA), escreve contos e crônicas, no qual publica em suas redes sociais. Autor do romance “O Magnata do Tempo” e da antologia de contos “Sussurros” publicados pela Perse (editora de escritores independentes), porém não lançados oficialmente, está em seu segundo romance e se vislumbra com as coisas simples da vida, uma delas, o amor.
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Danilo Passos – Direitos autorais digitais reservados – É vetada a reprodução
desse conteúdo sem permissão do autor. Material digital gratuito.