Questão 63 - Da Malícia Dos Anjos Quanto à Culpa. - Suma Teologíca - Sto. Tómas de Aquino

download Questão 63 - Da Malícia Dos Anjos Quanto à Culpa. - Suma Teologíca - Sto. Tómas de Aquino

of 21

Transcript of Questão 63 - Da Malícia Dos Anjos Quanto à Culpa. - Suma Teologíca - Sto. Tómas de Aquino

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    1/21

    Sumateolgica

    Tomas de Aquino

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    2/21

    Prima pars

    PRIMEIRA PARTE

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    3/21

    Questo 63: Da malcia dos anjos quanto culpa.

    Em seguida, devemos considerar como os anjos se tornaram maus. E primeiro, quanto ao mal daculpa. Segundo, quanto ao mal da pena.

    Sobre o primeiro ponto nove artigos se discutem:

    Art. 1 Se pode haver nos anjos o mal da culpa.

    O primeiro discute-se assim. Parece que no pode haver nos anjos o mal da culpa.

    1. Pois, o mal da culpa s pode existir nos seres potenciais, como diz Aristteles, por ser o entepotencial o sujeito da privao. Ora, os anjos, sendo formas subsistentes, no tm o ser potencial.

    Logo, no pode haver neles o mal da culpa.

    2. Demais. Os anjos so mais dignos do que os corpos celestes. Ora, nestes no pode haver mal,como dizem os filsofos. Logo, nem naqueles.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    4/21

    3. Demais. O natural a um ser neste sempre existe. Ora, natural aos anjos moverem-se paraDeus pelo movimento de dileo. Logo, disto no podem eles ser privados. Mas, como amando aDeus no pecam, os anjos no podem pecar.

    4. Demais. O apetite s pode desejar o bem ou o que tem a aparncia de bem. Ora, para osanjos no pode haver bem aparente que no seja verdadeiro, porque neles no pode de nenhummodo haver erro; ou, pelo menos, este no podia preceder culpa. Logo, os anjos s podem apetiro bem verdadeiro. Mas ningum que deseje o verdadeiro bem peca. Logo, o anjo, apetindo, nopeca.

    Mas,em cont rrio, diz J:E entre os seus anjos achou crime.

    SOLUO. O anjo, como qualquer criatura racional, considerado na sua natureza, pode pecar;e s por dom da graa, no pela condio da natureza, que pode convir a uma criatura aimpecabilidade. E a razo disto que pecar no seno o declinar um ato da retido que deve ter,quer se considere o pecado nos seres naturais, nos artificiais ou nos morais. Ora, s no pode

    declinar da retido o ato cuja regra a virtude do agente. Assim, se a mo do artfice fosse a regramesma da inciso, ele nunca poderia cortar a madeira seno em linha reta; mas, se a retido dainciso depender de outra regra a inciso poder ser reta e no reta. Ora, s a divina vontade aregra do seu ato, porque no est ordenada para um fim superior. Porm, toda vontade dequalquer criatura no traz, no seu ato, a retido, seno enquanto regulada pela vontade divina, daqual depende o ltimo fim. Assim, a vontade de um ser inferior deve se regular pela do superior,como a vontade do soldado pela do chefe do exrcito. Portanto, s na vontade divina no podehaver pecado; ao passo que o pode, segundo a ordem da natureza, na vontade de qualquer

    criatura.

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Nos anjos no h potncia quanto ao sernatural; havendo porm, quanto parte intelectiva, que pode converter-se para tal coisa ou taloutra, pode quanto a essa parte haver mal neles.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    5/21

    RESPOSTA SEGUNDA. Os corpos celestes s tm operao natural; por onde, como em anatureza deles no pode existir o mal da corrupo, assim tambm na ao natural dos mesmosno pode existir o mal da desordem. Mas, alm da ao natural, h nos anjos a ao do livrearbtrio, em relao qual pode haver neles mal.

    RESPOSTA TERCEIRA. natural ao anjo converter-se para Deus pelo movimento dedileo, enquanto Deus o princpio do ser natural. Mas, converter-se a Deus como objeto dabeatitude sobrenatural, s o por amor gratuito, do qual podia desviar-se pecando.

    RESPOSTA QUARTA. De dois modos pode haver pecado moral, no ato do livre arbtrio.De um, quando se escolhe algum mal; assim, o homem peca escolhendo o adultrio que, em si, mau. E tal pecado sempre procede de alguma ignorncia ou erro; do contrrio, o mal no seriaescolhido como bem. Assim, o adultero erra, em particular, escolhendo a deleitao de um atodesordenado, como um bem a ser atualmente praticado, por causa da inclinao da paixo ou dohbito; embora, em geral, no erre, mas pense, com verdade, nessa matria. Ora, deste modo nopodia haver pecado nos anjos, porque neles nem h paixes que liguem a razo ou o intelecto,como do sobredito resulta: nem, alm disso, podia haver um hbito, inclinando ao pecado, e queprecedeu o primeiro pecado. De outro modo pode-se pecar pelo livre arbtrio, escolhendo-se o

    bem em si, mas sem a ordem devida medida ou regra; de maneira que o defeito, inducente aopecado, s existe por parte da eleio que no observa a ordem devida seno quanto coisaescolhida. Assim, se algum escolhesse o orar, sem atender ordem instituda pela Igreja. Epecado tal no pressupe a ignorncia, mas somente a ausncia de considerao das coisas quedeviam ser consideradas. E, deste modo, o anjo pecou convertendo-se, pelo livre arbtrio, ao bemprprio, sem se ordenar regra da divina vontade.

    Art. 2 Se nos anjos pode haver somente os pecados da soberba e da inveja.

    O segundo discute-se assim. Parece que nos anjos no pode haver somente os pecados dasoberba e da inveja.

    1. Quem quer que seja capaz do deleite de qualquer pecado tambm capaz desse pecado. Ora,os demnios deleitam-se tambm com as obscenidades dos pecados carnais, como diz Agostinho.Logo, neles tambm podem existir esses pecados.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    6/21

    2. Demais. Como a soberba e a inveja so pecados espirituais, assim tambm a preguia, aavareza e a ira. Mas, como ao esprito convm os pecados espirituais, carne convm os carnais.Logo, no s a soberba e a inveja podem existir nos anjos, mas tambm a preguia e a avareza.

    3. Demais. Segundo Gregrio, da soberba nascem vrios vcios e, semelhantemente da inveja.Ora, posta a causa, segue-se o efeito. Se portanto, a soberba e a inveja podem existir nos anjos, poruma razo semelhante, tambm o podem os outros vcios.

    Mas,em contrrio, diz Agostinho queo diabo no fornicador, ou brio, nem vi cioso de maneirassemelhantes; contudo, soberbo e invejoso.

    SOLUO. De dois modos pode o pecado existir em um ser: pelo reato e pelo afeto. Peloreato, por certo todos os pecados podem existir nos demnios, porque, induzindo os homens atodos, incorrem o reato de todos. Porm, pelo afeto, podem existir nos maus anjos s os

    pecados a que pode a natureza espiritual propender. Ora, esta no pode propender para os bensprprios s aos corpos, seno para os susceptveis de existir nos seres espirituais; pois, nenhum serdeseja seno o que pode, de certo modo, convir-lhe natureza. Ora, quando desejamos bensespirituais, s pode haver pecado se nesse afeto no for observada a regra imposta pelo que superior; sendo pecado de soberba esse no submeter-se ao superior, no que for devido. Donde, oprimeiro pecado do anjo no pde ser outro seno o da soberba. Mas, conseqentemente,podia haver nos maus anjos a inveja; pois, pela mesma razo porque o afeto tende a alguma coisaapetecvel, por essa mesma se rebela contra o oposto. Assim, o invejoso sofre como bem deoutrem, por consider-lo impedimento ao seu. Ora, o bem alheio no podia ser consideradoimpedimento ao bem afetado pelo anjo mau, seno por desejar este uma excelncia singular, quecessa pela excelncia de outrem. Donde, ao pecado da soberba seguiu-se no anjo pecador o mal dainveja, pela qual sofre, no s com o bem do homem, mas ainda com a excelncia divina,enquanto Deus usa dela para a sua glria, contra a vontade do prprio diabo.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    7/21

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Os demnios no se deleitam com asobscenidades dos pecados carnais, como se as desejassem; mas tudo da inveja procede: deleitam-se com quaisquer pecados dos homens, por serem estes impedimentos ao bem humano.

    RESPOSTA SEGUNDA. A avareza, como pecado especial, o apetite imoderado das coisastemporais aplicadas ao uso da vida humana e que podem ser avaliadas em dinheiro; e essas coisas,bem como as deleitaes carnais, os demnios no as desejam. Donde, a avareza, em acepoprpria, no pode existir neles. Mas, se por avareza se entender toda cobia imoderada de possuirqualquer bem criado, eno ela se inclui na soberba, que existe nos demnios. Porm a ira, assimcomo a concupiscncia, j acompanhada de certa paixo; por isso no pode existir nos demniosseno metaforicamente. Quanto preguia, ela uma forma de tristeza, que torna o homem tardo

    para os atos espirituais, por causa do trabalho corporal, o qual no convm aos demnios. Assim,resulta claro, que somente a soberba e a inveja so pecados puramente espirituais, que podemcompetir aos demnios; contanto porm, que no se tome a inveja como uma paixo, mas comovontade rebelada contra o bem de outrem.

    RESPOSTA TERCEIRA. Na inveja e soberba dos demnios se compreendem todos ospecados delas derivados.

    Art. 3 Se o diabo desejou ser como Deus.

    (IIa IIae, q. 163, a. 2; II Sent., dist. V, q. 1 a. 2; dist. XXII, q. 1, a. 2; II Cont. Gent., cap. XIV; DeMalo, q. 16, a. 1)

    O terceiro discute-se assim. Parece que o diabo no desejou ser como Deus.

    1. Pois, o que no incide na apreenso tambm no incide no apetite; porquanto, o bemapreendido move o apetite sensvel, racional ou intelectual e s em tais apetites pode haverpecado. Ora, no objeto da apreenso, o ser qualquer criatura igual a Deus; pois, isso implica

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    8/21

    contradio, porque necessariamente o finito seria infinito, se com este se iguala. Logo, o anjo nopodia desejar ser como Deus.

    2. Demais. O fim da natureza pode ser apetido sem pecado. Ora, assimilar-se a Deus o fimpara o qual tende naturalmente toda criatura. Se portanto, o anjo desejou ser como Deus, no porigualdade, mas por semelhana, resulta que nisso no pecou.

    3. Demais. O anjo foi criado em maior plenitude de cincia do que o homem. Ora, nenhumhomem, a menos que no seja de todo amente, elege ser igual ao anjo e muito menos a Deus;porque a eleio s pode visar coisas possveis, com as quais se ocupa o conselho. Logo, muitomenos pecou o anjo, desejando ser como Deus..

    Mas,em cont rrio, diz a Escritura da pessoa do diabo:Subi rei ao cu... e serei semelhante doAltssimo. E Agostinho diz, que inchado de soberba, qui s chamar-se Deus.

    SOLUO. O anjo, sem nenhuma dvida pecou por querer ser como Deus. Mas isto se podeentender em duplo sentido: por equiparao e por semelhana. Do primeiro modo, no podiadesejar ser como Deus, porque sabia, por conhecimento natural, ser isso impossvel; e nem ao seuprimeiro ato pecaminoso, precedeu um hbito ou uma paixo que ligasse a virtude cognoscitiva,de modo a, sendo esta deficiente num caso particular, eleger o impossvel, como s vezes acontececonosco. E ainda, dado que isso fosse possvel, seria contra o desejo natural. Pois, h em cada umo desejo natural de conservar o seu ser, que no se conservaria se se transmutasse em umanatureza mais elevada. Por onde, nenhum ser de natureza de grau inferior pode desejar o grau danatureza superior; assim, no deseja o asno ser cavalo, porque j no seria asno se se transferisseno grau da natureza superior. Mas, neste ponto, a imaginao se engana. Pois, por desejar umhomem subir a um grau mais alto, quanto a certos acidentes, que podem aumentar sem adestruio do sujeito, imagina que pode desejar um grau mais elevado de natureza, ao qual nopode chegar sem que deixe de existir. Ora, manifesto que Deus excede o anjo, no por certosacidentes mas pelo grau da natureza; e assim, tambm um anjo excede o outro. Donde, impossvel um anjo inferior desejar ser igual ao superior e, muito menos, igual a Deus.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    9/21

    Mas, desejar ser como Deus, por semelhana, de dois modos pode se dar. De um modo, quantoao pelo que natural a um ser o assemelhar-se a Deus. E assim, quem neste sentido deseja sersemelhante a Deus no peca, pois, deseja alcanar a semelhana com Deus, na ordem devida, a

    saber, enquanto tem essa semelhana recebida de Deus. Se, porm, desejasse ser semelhante aDeus por justia, como por virtude prpria e no pela virtude de Deus, pecaria. De outromodo, pode algum desejar ser semelhante a Deus quanto ao que no lhe natural que com Deusse assemelhe; como se algum desejasse criar o cu e a terra. O que prprio de Deus; e, nessedesejo, haveria pecado.

    Ora, deste modo que o diabo desejou ser como Deus. No que com Deus se assemelhasse, porno haver ningum a quem fosse inferior, absolutamente, porque, ento desejaria o seu no-ser;pois nenhuma criatura pode existir, seno por participar o ser dependentemente de Deus. Masdesejou indebitamente ser semelhante a Deus, porque desejou como fim ltimo da beatitudeaquilo ao que podia chegar pela virtude da sua natureza, desviando o seu desejo da beatitudesobrenatural, que graa de Deus. Ou, se desejou como fim ltimo a semelhana com Deus,que dom da graa, quis t-la pela virtude da sua natureza, e no pelo auxlio divino, segundo adisposio de Deus. E isto consoante s palavras de Anselmo, dizendo ter o demnio desejadoaquilo que obteria se perseverasse. E estas duas explicaes se reduzem a uma s: de uma e

    outra maneira o diabo desejou ter a beatitude final, pela sua virtude, o que prprio de Deus.

    Como porm o que por si princpio e causa do que existe por outro, da tambm resulta quedesejou ter um certo principado sobre todos os outros seres. No que tambm perversamente quisassemelhar-se a Deus.

    E, daqui se deduzem claramente as RESPOSTAS A TODAS AS OBJEES.

    Art. 4 Se alguns demnios so naturalmente maus.

    O quarto discute-se assim. Parece que alguns demnios so naturalmente maus.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    10/21

    1. Pois, diz Porfrio, como refere Agostinho, queh um certo gnero de demnios de naturezafalaz, que simulam os deuses e as almas dos defuntos. Ora, ser falaz ser mau. Logo, algunsdemnios so naturalmente maus.

    2. Demais. Como os anjos foram criados por Deus, assim tambm os homens. Ora, algunshomens so naturalmente maus, dos quais diz a Escritura:A malcia lhes natural . Logo, tambmalguns homens podem ser naturalmente maus.

    3. Demais. Alguns animais irracionais tm certas malcias naturais; assim, as raposas sonaturalmente sorrateiras, o lobo naturalmente rapace; e contudo so criaturas de Deus. Logo,tambm os demnios, embora criaturas de Deus, podem ser naturalmente maus.

    Mas,em cont rrio, diz Dionsio, queos demnios no so naturalmente maus.

    SOLUO. Tudo o existente, enquanto existe e tem uma determinada natureza, tendenaturalmente para algum bem, por provir de um princpio bom, pois, sempre o efeito se converteno seu princpio. Ora, acontece que todo bem particular vai sempre acompanhado de algum mal;assim, com o fogo vai junto o mal de ser consumido de outros seres; mas nenhum mal pode ir demistura com o bem universal. Se, portanto, h algum ser cuja natureza se ordene a algum bemparticular, esse pode naturalmente tender para algum mal, no como mal, mas acidentalmente,enquanto esse mal vai com algum bem. Se, porm, h algum ser cuja natureza seja ordenada aobem, segundo a noo comum de bem, esse no pode tender para nenhum mal. Ora, manifesto,toda natureza intelectual, se ordena ao bem universal, que pode apreender e o objeto da vontade.Donde, sendo os demnios substncias intelectuais, de nenhum modo podem ter inclinaonatural para qualquer mal. E logo, no podem ser naturalmente maus..

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Agostinho, no passo citado, repreendePorfrio dizendo que os demnios so naturalmente falazes; e afirma que so falazes, nonaturalmente, mas por vontade prpria. Mas Porfrio ensinou que os demnios so naturalmente

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    11/21

    falazes, pelos conceber como animais de natureza sensitiva e alma passiva. Ora, a naturezasensitiva se ordena para algum bem particular com o qual pode ir o mal de mistura. E, destemodo, os demnios podem ter inclinao natural para o mal; acidentalmente, porm, enquanto omal est de mistura com o bem.

    RESPOSTA SEGUNDA. Pode-se dizer que a malcia de alguns homens natural, quer pelocostume, que uma segunda natureza, quer por inclinao natural, por parte da naturezasensitiva, a alguma paixo desordenada; assim, certos so chamados naturalmente iracundos ouconcupiscentes. No, porm, por parte da natureza intelectual.

    RESPOSTA TERCEIRA. Os brutos, segundo a natureza sensitiva, tm inclinao natural acertos bens particulares, com os quais vo de mistura certos males. Assim a raposa, a buscar oalimento sagazmente, com o que vai junto o dolo; por isso, ser dolosa no mal para a raposa,porque lhe natural, assim como tambm no mal para o co ser furioso, conforme dizDionsio.

    Art. 5 Se o diabo, no primeiro instante da sua criao, foi mau por culpa da prpria vontade.

    O quinto discute-se assim. Parece que o diabo, no primeiro instante da sua criao, foi mau porculpa da prpria vontade.

    1. Pois, diz a Escritura falando do diabo:Ele era homicida desde o princpio.

    2. Demais. Segundo Agostinho, a informidade da criatura no precedeu formao no tempo,mas na origem somente. Pois, porcu, que se l como criado em primeiro lugar, se entende,conforme diz Agostinho, a natureza anglica informe. E a expresso da Escritura referindo queDeus disse:Faa-se a luz, e a luz foi feita, se entende da formao da natureza anglica pela suaconverso ao Verbo. Logo, simultaneamente foi a natureza do anjo criada e a luz foi feita. Mas,simultaneamente, feita a luz, esta se separou das trevas, pelas quais se entendem os anjospecadores. Logo, no primeiro instante da sua criao, uns anjos foram bem-aventurados e outrospecaram.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    12/21

    3. Demais. O pecado se ope ao mrito. Mas, no primeiro instante da sua criao, algumanatureza intelectual pode merecer, como a alma de Cristo ou ainda os prprios bons anjos. Logo,tambm os demnios, no primeiro instante da sua criao, puderam pecar.

    4. Demais. A natureza anglica mais virtuosa do que a corprea. Ora, o ser corpreo comeaimediatamente, no primeiro instante da sua criao, a operar; assim, o fogo, no primeiro instanteem que foi gerado, comea a mover-se para o alto. Logo, tambm o anjo, no primeiro instante dasua criao, pde operar. E, ento, a sua operao ou foi reta ou no-reta. Se reta, mereceram comela a beatitude, pois tinham a graa. Ora, como nos anjos, segundo j antes se viu, ao mrito

    segue-se imediatamente o prmio, eles teriam de ser imediatamente bem-aventurados e, ento,nunca teriam pecado, o que falso. Logo, conclui-se que, no primeiro instante, no operandoretamente, pecaram.

    Mas,em cont rrio, diz a Escritura.E viu Deus todas as coisas que tinha fei to e eram muitoboas. Ora, entre esses seres estavam tambm os demnios. Logo estes, algum tempo, foram bons.

    SOLUO. Alguns ensinaram que os demnios foram maus imediatamente, desde o primeiroinstante da sua criao; no, certo, por natureza, mas pelo pecado da prpria vontade; pois, desdeque o demnio foi feito, recusou a justia. E, como diz Agostinho, a essa opinio,quem com elaaquiescer nem por isso ir com aqueles herticos, a saber, os maniqueus, que atribuem ao di abo a

    natureza do mal.

    Mas esta opinio encontra a autoridade da Escritura que, sob a figura do prncipe de Babilnia,diz do diabo:Como caste do cu, Lucifer, tu que ao nascer do dia tanto br i lhavas?E, noutropasso, diz ao diabo, na pessoa do rei de Tiro:Tu estiveste nas delcias do paraso de Deus. Por isso,a opinio supra foi racionavelmente reprovada, como errnea.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    13/21

    Donde veio o dizerem alguns que os anjos, no primeiro instante da sua criao, podendo pecar,no pecaram todavia.

    Mas tambm esta opinio reprovada por alguns pela razo que, quando duas operaes seseguem uma outra, impossvel ambas terminarem no mesmomomento. Ora, manifesto, opecado do anjo foi-lhe obra posterior criao, da qual o termo o ser mesmo do anjo; ao passoque o termo da operao do pecado serem os anjos maus. Logo, impossvel que o anjo tivessesido mau, no primeiro instante em que comeou a existir.

    Mas ainda esta explicao no pode ser considerada como suficiente, pois tem cabida somente nosmovimentos temporais que se realizam sucessivamente. Assim, se o movimento local se segue alterao, no podem esta e aquela terminar no mesmo instante. Mas, se as mudanas foreminstantneas, simultaneamente e no mesmo instante pode se realizar o termo da primeira e o dasegunda mutao; assim, no mesmo instante, ilumina-se a lua pelo sol e o ar, pela lua. Ora, manifesto que a criao instantnea e, semelhantemente, o movimento do livre arbtrio, nosanjos; pois, como do sobredito se colhe, eles no precisam de colaes e nem do discurso racional.Donde, nada impede sejam simultneos e no mesmo instante o termo da criao e o do livrearbtrio.

    E portanto devemos dizer, diferentemente das outras doutrinas, que impossvel tivesse o anjopecado, no primeiro instante, por um ato desordenado do livre arbtrio. Pois, embora um sersimultaneamente, com o primeiro instante em que comeou a existir, pudesse tambm comear aagir, todavia, essa operao, simultnea com a existncia, lhe adveio do agente do qual recebeu aexistncia; assim, mover-se para o alto prprio ao fogo em virtude do gerador deste. Donde, o

    ser que tiver a existncia recebida de um agente deficiente, que possa ser causa defectiva da ao,poder, no primeiro instante em que comeou a existir, ter operao defectiva; assim, o tbiaclaudicante de nascena, pela debilidade da gerao, imediatamente comear a claudicar. Ora, oagente que trouxe os anjos ao ser, Deus, no pode ser causa do pecado.

    Donde, no se pode dizer que o diabo fosse mau, no primeiro instante da sua criao.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    14/21

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Como afirma Agostinho, quando se diz queo diabo peca desde o comeo, deve-se pensar que peca no no comeo, em que foi criado, mas nocomeo do pecado; isto , que nunca se separou do seu pecado.

    RESPOSTA SEGUNDA. Esta distino entre a luz e as trevas, entendo-se por trevas ospecados dos demnios, deve se compreender em relao prescincia de Deus. Por isso,Agostinho diz que s pode discerni r a luz das trevas aquele que pde prever-lhes a queda mesmoantes de terem cado.

    RESPOSTA TERCEIRA. Tudo o que meritrio provm de Deus; logo, no primeiro instanteda sua criao o anjo podia merecer. Mas no se pode raciocinar do mesmo modo em relao aopecado, como j se disse.

    RESPOSTA QUARTA. Deus no escolheu, entre os anjos, antes da averso de uns e da

    converso de outros, como diz Agostinho; e assim todos, criados em graa, no primeiro instantemereceram. Mas alguns deles, imediatamente, puseram impedimento prpria beatitude,anulando o mrito precedente; e, por isso, foram privados da beatitude, que mereceram.

    Art. 6 Se mediou alguma demora entre a criao e a queda do anjo.

    O sexto discute-se assim. Parece que mediou alguma demora entre a criao e a queda do anjo.

    1. Pois, diz a Escritura:Tu caminhavas perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criao,atque a iniqidade se achou em t i. Mas, o andar, sendo movimento contnuo, requer certademora. Logo, mediou alguma demora entre a criao e a queda do diabo.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    15/21

    2. Demais. Orgenes diz quea serpente antiga no rastejou, imediatamente desde o princpio,sobre o peito e o ventre; pelo que se lhe entende o pecado. Logo, o diabo no pecou imediatamentedepois do primeiro instante da sua criao.

    3. Demais. Poder pecar comum ao homem e ao anjo. Ora, houve um lapso de tempo entre aformao do homem e o seu pecado. Logo, por igual razo, houve tambm um lapso entre aformao do diabo e o seu pecado.

    4. Demais. O diabo foi criado num instante e pecou em outro. Ora, entre quaisquer doisinstantes, medeia um tempo. Logo, decorreu algum tempo entre a criao e a queda do diabo.

    Mas,em cont rrio, diz a Escritura que o diabono permaneceu na verdade. E, como dizAgostinho,preciso compreender esse passo no sentido que o diabo foi consti tudo na verdade, nopermanecendo nela porm.

    SOLUO. Sobre esse assunto h dupla opinio. Mas a mais provvel e consoante aos ditosdos Santos que o diabo pecou imediatamente depois do primeiro instante da sua criao. E necessrio admiti-lo, se se estabelecer que o diabo praticou um ato de livre arbtrio, no primeiroinstante da sua criao, e foi criado em graa, como antes dissemos. Pois, os anjos obtendo abeatitude por um s ato meritrio, como antes ficou dito, se o diabo, criado em graa, no primeiroinstante, mereceu, receberia a beatitude imediatamente aps esse primeiro instante, se no tivesseimediatamente posto impedimento, pecando. Se porm se admitir que o anjo no foi criado emgraa, ou que no podia praticar um ato de livre arbtrio, no primeiro instante, nada impede tenhadecorrido um lapso de tempo entre a criao e a queda.

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Por movimentos corporais, medidos pelotempo, a Sagrada Escritura entende, s vezes, metaforicamente, os movimentos espirituaisinstantneos; e assim, pela expresso andar se entende o movimento do livre-arbtrio quetende para o bem.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    16/21

    RESPOSTA SEGUNDA. Orgines diz, que aserpente antiga no rastejou, imediatamentedesde o pr incpio, sobre o peito, por causa do primeiro instante, em que no era m.

    RESPOSTA TERCEIRA. O anjo tem o livre arbtrio inflexvel, depois da eleio; e portanto,seria confirmado no bem se no estivesse posto impedimento beatitude, imediatamente depoisdo primeiro instante em que teve o movimento natural para o bem. O mesmo, porm, no sedando com o homem, a objeo no colhe.

    RESPOSTA QUARTA. verdade que h um tempo mdio entre dois instantes quaisquer, seo tempo for contnuo, como o prova Aristteles. Mas, em relao aos anjos, que no esto sujeitosao movimento celeste, primariamente medido pelo tempo contnuo, por tempo se entende asucesso mesma das operaes do intelecto ou tambm do afeto. Assim pois, se entende que nosanjos o primeiro instante corresponde operao da mente anglica, pela qual ela se converte a simesma pelo conhecimento vespertino; porque, no primeiro dia se comemora a tarde e no amanh. E certamente, essa operao foi boa em todos os anjos. Mas, alguns deles converteram-sedessa operao para o louvor do Verbo, pelo conhecimento matutino; outros, porm,

    permanecendo em si mesmos, fizeram-se noite, intumescidos da soberba, como diz Agostinho. Eassim, sendo a operao primeira comum a todos, eles se distinguiram pela segunda. E portanto,no primeiro instante, todos foram bons; no segundo, distinguiram-se os bons dos maus.

    Art. 7 Se o anjo supremo, dentre os que pecaram, era o supremo de todos.

    O stimo discute-se assim. Parece que o anjo supremo, dentre os que pecaram, no era osupremo de todos.

    1. Pois, diz a Escritura:Tu eras um Querubim que estendi a as suas asas e protegia (o trono deDeus), e eu coloquei-te sobre o monte santo de Deus.Ora, a ordem dos Querubins est subordinada dos Serafins, como diz Dionsio. Logo, o anjo superior, dentre os que pecaram, no era superiora todos.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    17/21

    2. Demais. Deus fez a natureza intelectual para que ela conseguisse a beatitude. Se portanto oanjo superior a todos pecou, segue-se que o plano divino, na mais nobre das criaturas, ficoufrustrado, o que inconveniente.

    3. Demais. Quanto mais um ser se inclina para outro, tanto menos poder deste separar-se.Ora, o anjo, quanto mais elevado, tanto mais se inclina para Deus. Logo, tanto menos poder,pecando, perder a Deus; e, assim, resulta que o anjo que pecou no foi o supremo de todos, masestava entre os inferiores.

    Mas,em cont rrio

    , diz Gregrio: o primeiro anjo que pecou,por ser o chefe de todas as ordens dosanjos e lhes transcender o esplendor, era, comparado com eles, mais esplndido.

    SOLUO. Duas coisas se devem considerar no pecado: a propenso e o motivo para pecar.Se, pois, considerarmos, nos anjos, a propenso, menos parece terem pecado os superiores que osinferiores. Por isso Damasceno diz que o maior dos que pecaram era o chefe dos da ordemterrestre. E esta opinio parece consoante posio dos Platnicos referida por Agostinho. Pois,

    diziam eles, que todos os deuses eram bons; mas, dos demnios, uns bons, outros maus,chamando deuses s substncias intelectuais superiores ao globo lunar e, demnios, as inferiores aesse globo, mas superiores aos homens na ordem da natureza. Nem se deve rejeitar esta opiniocomo alheia f, pois toda criatura corporal governada por Deus, por meio dos anjos, como dizAgostinho. Donde, nada impede dizer-se, que os anjos inferiores esto divinamente ordenados aadministrar os corpos inferiores; os superiores, porm, a administrar os corpos superiores; e porfim, os mais elevados de todos, a assistirem a Deus. E segundo esta opinio, Damasceno diz que osque caram foram dos inferiores, na ordem dos quais, todavia, permaneceram alguns bons.

    Se porm se considerar o motivo para pecar, este maior nos superiores que nos inferiores. Pois,o pecado dos demnios foi a soberba, como antes se disse; e desta o motivo a excelncia, maiornos superiores. Por isso diz Gregrio que pecou o mais elevado de todos; opinio que parece maisprovvel. Porquanto o pecado do anjo no procedeu de nenhuma propenso, mas somente dolivre arbtrio. Por onde, mais digna de considerao parece ser a razo tirada do motivo para

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    18/21

    pecar. Mas nem por isto se deve rejeitar a outra opinio, porque mesmo nos chefes dos anjosinferiores podia haver algum motivo para pecar.

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Querubimquer dizerpleni tude dacinciae,Serafim, ardentesouque incendeiam. Assim, claro que o Querubim tira a suadenominao da cincia, que pode ir com o pecado mortal; porm, a denominao de Serafimvem do ardor da caridade, que no pode coexistir com tal pecado. Por isso, o primeiro anjopecador no era denominado Serafim, mas Querubim.

    RESPOSTA SEGUNDA. A inteno divina no se frustra nem nos que pecam nem nos quese salvam. Pois, Deus tem a prescincia de um e outro acontecimento, dos quais tira glria para si,salvando a uns pela sua bondade, punindo aos outros pela sua justia. Ora, a criatura intelectual,pecando, desvia-se do ltimo fim. E nem isso repugna a qualquer criatura sublime, pois, a criaturaintelectual foi criada por Deus, de natureza tal que esteja no arbtrio dela agir visando o fim.

    RESPOSTA TERCEIRA. Por maior inclinao que o mais elevado de todos os anjos tivesse

    para o bem, ela, todavia, no se lhe impunha com necessidade. Donde, podia no a seguir, comseu livre arbtrio.

    Art. 8 Se o pecado do primeiro anjo foi causa de outros pecarem.

    O oitavo discute-se assim. Parece que o pecado do primeiro anjo no foi causa de os outrospecarem.

    1. Pois, a causa anterior ao efeito. Ora, todos pecaram simultaneamente, como dizDamasceno. Logo, o pecado de um no foi causa de os outros pecaram.

    2. Demais. O primeiro pecado do anjo s pde ser a soberba, como antes se disse. Ora, asoberba busca a excelncia, e mais repugna a esta que algum se submeta a um inferior do que a

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    19/21

    um superior. E, assim, no parece tivessem os demnios pecado por terem querido antes sesubmeter a algum dos anjos superiores, do que a Deus. O pecado de um anjo teria sido, sim, acausa de os outros pecarem se esse tivesse induzido os outros a se lhe submeterem. Logo, resultaque o pecado do primeiro anjo no foi a causa de os outros pecarem.

    3. Demais. maior pecado querer submeter-se a outrem, contra Deus, do que querer, contraDeus, governar a outrem, porque, neste ltimo caso, menor o motivo de pecar. Se, pois, opecado do primeiro anjo foi causa de os outros pecarem pelos ter induzido a se lhe submeterem,mais gravemente pecaram os anjos inferiores que o superior; o que vai contra a Escritura:Estedrago que formaste; ao que diz a Glossa:O que era mais excelente do que todos os out ros, pelo ser,tornou-se maior pela malcia. Logo, o pecado do primeiro anjo no foi causa de os outros

    pecarem.

    Mas,em cont rrio, diz a Escritura que o drago arrastou consigoa terceira parte das estrelas.

    SOLUO. O pecado do primeiro anjo foi causa de os outros pecarem, no os obrigando, mas

    os induzindo por uma quase exortao. E a prova disto resulta de se submeterem todos osdemnios ao demnio supremo, como se v manifestamente do que diz o Senhor, naEscritura:Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e paraos seus anjos. Pois, a ordem da divina justia determina que quem consentiu na culpa,sugestionado por outrem, a este deve submeter-se, na pena, segundo a Escritura:Todos aquele quevencido, escravo daquele que o venceu.

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Embora os demnios tivessem pecadosimultaneamente, contudo o pecado de um podia ser a causa de os outros pecarem. Pois, o anjono precisa de nenhum lapso de tempo para escolher, exortar ou consentir, como o homem, queprecisa deliberar para eleger e consentir, e carece da locuo vocal para exortar; coisas todas quese realizam no tempo. Ora, como claro, tambm no mesmo instante concebemos algo na mentee comeamos a falar; e no ltimo instante da locuo, quem compreendeu o pensamento j podeassentir ao que dissemos; e isso de d sobretudo com os princpios primeiros, simultaneamente

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    20/21

    ouvidos e admitidos. Portanto, eliminado o tempo da locuo e da deliberao, necessrio parans, no mesmo instante em que o primeiro anjo exprimiu o seu desejo por meio duma locuointeligvel, foi possvel aos outros consentir nele.

    RESPOSTA SEGUNDA. O soberbo, prefere em igualdade de situao, submeter-se antes aosuperior que ao inferior. Mas, se conseguir, sob o inferior, alguma excelncia maior que sob osuperior, antes prefere obedecer quele do que a este. Portanto, no era contra a soberba dosdemnios o terem querido obedecer ao inferior, consentindo-lhe no principado e querendo t-locomo prncipe e chefe, para conseguirem, pela virtude natural, a beatitude ltima; sobretudoporque, por ento, estavam tambm sujeitos ao anjo supremo na ordem da natureza.

    RESPOSTA TERCEIRA. Como j ficou dito antes, nada h no anjo que lhe retarde astendncias; antes, movido para o seu objeto, bom ou mau, em toda a sua virtude. Assim, pois,tendo o anjo supremo virtude natural maior que os inferiores, resvalou no pecado com maisintenso movimento. Por onde, tambm veio a ser maior na malcia.

    Art. 9 Se mais anjos pecaram do que perseveraram.

    O nono discute-se assim. Parece que mais anjos pecaram do que perseveraram.

    1. Pois, como diz o Filsofo, o mal mais freqente do que o bem.

    2. Demais. A justia e o pecado encontram-se, pela mesma razo, nos anjos e nos homens. Ora,

    h mais homens maus que bons, segundo a Escritura:O nmero dos insensatos infi ni to. Logo,pela mesma razo, nos anjos.

    3. Demais. Os anjos se distinguem pelas pessoas e pelas ordens. Se, portanto, mais anjosperseveraram, parece que nem em todas as ordens houve pecadores.

  • 7/24/2019 Questo 63 - Da Malcia Dos Anjos Quanto Culpa. - Suma Teologca - Sto. Tmas de Aquino

    21/21

    Mas,em cont rrio, diz a Escritura:Muitos mais esto conosco do que tu com eles; o que se entendedos bons anjos, que nos auxiliam, e dos maus, que se nos opem.

    SOLUO. Mais anjos perseveraram do que pecaram, por se o pecado contra a inclinaonatural. Ora, o que contra a natureza acontece menos freqentemente, pois esta conseguesempre ou quase sempre o seu efeito.

    DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. No passo aduzido, o Filsofo se refere aoshomens que, abandonando o bem da razo, s conhecido de poucos, praticam o mal por seguiremos bens sensveis, conhecidos do maior nmero. Ora, a natureza dos anjos sendo somenteintelectual, a objeo no colhe.

    Por onde clara a RESPOSTA SEGUNDA OBJEO.

    RESPOSTA TERCEIRA. Para os que dizem que o diabo era o maior da ordem inferior dosanjos, a que preside aos acontecimentos terrestres, claro que houve anjos decados, no de todasas ordens, mas s da nfima. Segundo, porm, os que dizem que o maior dos diabos era da ordemsuprema, provvel terem cado alguns, de cada uma das ordens; assim como, a fim de suprirem aruna anglica, foram assumidos homens, para cada ordem. No que tudo mais comprova aliberdade do livre arbtrio, capaz de se inclinar para o mal, qualquer que seja o grau da criatura. ASagrada Escritura, contudo, no atribui aos demnios os nomes de certas ordens, como os

    dosSerafinse dosTronos; porque esses nomes provm do ardor da caridade e da habitao comDeus, que no podem coexistir com o pecado. Atribuem-se-lhes, porm, os nomesdeQuerubins,PotestadesePrincipados, nomes derivados da cincia e do poder, comuns tanto aosbons como aos maus.