C OLONIZAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA A MERICA. Colonização dos Estados Unidos da América.
Questão Racial nos Estados Unidos
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Universidade de São PauloFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História
História dos Estados Unidos
Alexys Campos Lazarou Profª. Drª. Mary Anne Junqueira
Análise contextual de: FONER, Eric. The river has its Bend, in Reconstruction. America’s unfinished Revolution 1863-1877. Nova York: Harper & Row Publishers, 1989.
Construção da Questão Racial nos Estados Unidos
“O Rio tem sua curva e o mais longo dos percursos há de terminar”.
Emblemática, esta frase é retirada da autobiografia do pastor Peter Randolph.
Negro, Randolph fora escravo até os vinte e sete anos de idade, onde iniciara sua
exemplar caminhada em busca de direitos aos afro-americanos. Ao longo de sua luta,
aprendeu a escrever de forma autodidata, e legou à posteridade duas obras essenciais – e
sintéticas – do momento onde, ontologicamente, se ditava o futuro da questão racial nos
Estados Unidos. Uma vez encerrada a Guerra de Secessão, a questão racial fora
automaticamente conduzida ao foco dos debates; e perdura até hoje como um aspecto
importante de muitas facetas sociais, engendradas na vivência deste povo.
Traduzo esta passagem de Peter Randolph como um período de mudanças, um
rio tortuoso do qual seu ultimo obstáculo está por ser vencido. Este tipo de confiança em
um futuro melhor reflete bem o período posterior à guerra – ao qual se nomeia de
Reconstrução - e as esperanças dos afro-americanos em conquistar melhores condições
após o fim da escravidão; em tempos diferentes, temos a voz do filósofo americano
Cornel West, que aponta contemporaneamente, em suas obras, sobre a “desesperança e
do medo que hoje inundam as ruas da América negra”.
O texto tratado no enunciado nos mostra um dos problemas centrais no processo
de Reconstrução, pós Guerra Civil; já introduzido anteriormente. A obra de Eric Foner
nos trás à tona a inaptidão dos lideres americanos em conciliar uma postura de
agregação dos estados vencidos, assim como a falta de esforços e interesses em inserir o
ex-escravo na sociedade americana; legando ao acaso uma política suscitada durante a
própria guerra. Este segundo problema talvez seja o mais gritante, aos olhos modernos
de quem enxerga uma América com preconceitos profundamente enraizados, e um afro-
americano retirado à margem da população.
Esta visão moderna do quadro social Norte Americano é retratada perfeitamente
neste enunciado - posto que este trabalho de Eric Foner fora publicado em 1989, e que a
retórica do reverendo Peter Randolph está no período entre 1863 e 1877 - vemos que o
quadro ainda não se alterou, e as conseqüências para tal prolongamento histórico de
causas e conseqüências estão contidas neste momento de Reconstrução, e na forma
como os fatos se desenrolaram a cada novo desafio.
Após o termino da Guerra de Secessão o quadro que se notava nos Estados
Unidos era de total destruição; seja em viés econômico ou social, para além do espacial.
Um rastro de devastação se estendia pelas cidades que foram palcos no teatro de guerra;
a destruição de fábricas, comércios e residências havia legado aos estados sulistas um
panorama de total arruinação. O Norte tivera seus recursos financeiros sugados, e
drenara toda influencia política, econômica e cultural dos vencidos confederados. A
dura imposição dos estados vencedores fizera crescer, nos sulistas, um profundo
ressentimento contra a União e o partido Republicano; que vinha conferindo, em campo
político, medidas de tons vingativos aos estados vencidos. Em meio a um país
fragmentado socialmente e devastado economicamente, encontrávamos os milhares de
ex-escravos; estes, uma vez libertos, sofriam entre sulistas rancorosos e nortistas que -
divididos entre conservadores e liberais - não traziam soluções para um povo que não
tinha para onde ir.
O período do pós-guerra foi marcado pelo predomínio político dos republicanos.
Os dois primeiros presidentes deste período, Abraham Lincoln e Andrew Johnson,
representavam o setor moderado do partido; que buscava reunificar o país através de
uma política que atendesse e conciliasse os interesses de outros grupos políticos. Dentre
estes grupos haviam os Republicanos Radicais, que defendiam a reintegração dos
negros na sociedade juntamente com a supressão do nacionalismo confederado. O outro
grupo era denominado Republicanos Conservadores, e agregava os que optavam por
medidas que conciliavam alguns interesses confederados, priorizando a união dos
estados através de uma ponderação nas políticas nacionais; como a questão escravista,
por exemplo.
Em um primeiro período da Reconstrução, acompanhamos uma preponderância
dos Republicanos Radicais. Medidas como o direito de voto ao negro do sexo
masculino, direito de terras ao escravo liberto, a elevação de alguns negros à figuras de
poder, sanções impostas aos antigos confederados e emendas constitucionais - como a
13ª, a 14ª e a 15ª- atacaram diretamente os interesses sulistas, despertando um profundo
sentimento revanchista e de ressentimento com os estados ao norte e republicanos; tal
fator deixava claro aos olhos de todos que, cada vez mais, se distanciavam os estados,
enfraquecendo a união e colocando todos na eminência de um novo conflito. O
momento de fragilidade política dava espaço aos Republicanos Conservadores; e faziam
destas alternâncias constantes, um dos fatores de incapacidade fática na resolução dos
problemas sociais, e da questão racial.
Os sentimentos nacionalistas confederados se inflamaram durante este período, e
tamanho rancor permanece aceso até hoje. Ao estabelecer uma rasa análise na seqüência
cronológica social, temos como extrato inúmeras manifestações de alta relevância que
nos provam a continuidade desta mentalidade entre os sulistas; e muitos nortistas
conservadores. Filmes como “E O Vento Levou” e “O Nascimento de Uma Nação”
apontam um saudosismo dos tempos de Confederação, assim como a visão de que o
nortista era apenas interessado na sua própria economia e invejoso da bravura dos
cavaleiros do sul. Até pouco antes da Guerra Civil havíamos acompanhado também as
discussões etnológicas – ilustradas, por exemplo, em relatos como o de Thomas
Ewbank, sociólogo da época – que timidamente são retomadas como teses validativas
da inferioridade negra.
Talvez o ponto de maior preocupação no legado que o momento de
Reconstrução deixou na memória sulista, está contido em movimentos como a Ku Klux
Klan. Fundado no Tennessee, ao final da Guerra Civil, o grupo lutava para impedir o
negro de manter os seus direitos recém assegurados; tendo rapidamente milhares de
saudosos confederados simpatizados com a organização, que passaram a apoiar suas
ferozes ações contra os afro-americanos. Com assombro que se pensa no tamanho da
revolta no imaginário social para se alimentar, com mais de quatro milhões de
membros, uma associação de tons puramente vingativos como a Ku Klux Klan;
respaldada por uma Constituição permissiva a tal demonstração banal.
A partir de fatos como estes que medimos a magnitude dos problemas
incrustados na sociedade durante e após a Guerra de Secessão. Esta potente reação às
medidas projetadas por Republicanos Radicais, no momento da Reconstrução, fortalece
a ala conservadora do partido, e as medidas do governo passam a pender pelas vontades
dos sulistas, como forma de agregar novamente todos os estados, e evitar novas disputas
polarizadas. Ao analisarmos o texto de Eric Foner, vemos claramente este momento
ilustrado. Na passagem “[...] uma duradoura conseqüência do fracasso da
Reconstrução foi o fato de um sólido Sul ajudar a definir os contornos da política
norte-americana e enfraquecer os projetos não simplesmente de mudanças com relação
aos problemas de raça, mas das propostas de uma legislação progressista em muitos
outros aspectos” retiramos todos os fatores anteriormente discutidos. Um “sólido Sul”,
unido em torno de um sentimento de revanchismo, toma a frente de um Norte,
fragmentado em grupos com diferentes opiniões, e acaba por encabeçar o desenrolar dos
eventos políticos desta fase da Reconstrução até o seu fim; que marcariam, socialmente,
todos os anos vindouros da nação americana.
O relato de Peter Randolph, transcrito no início desta dissertação, fora escrito em
uma “noite de injustiças implementadas no Sul”, o que acredito ser uma representação
deste momento em que a vontade dos ex-confederados passa a ser feita e a sua revolta é
despejada sobre o grupo social que, dificilmente, encontraria alento em algum lugar.
Este momento, em que o jogo político acaba por marginalizar mais uma vez o negro,
marca o nascimento de outro dos perversos filhos do final da Guerra Civil. Se a vitória
dos estados da União havia dado luz ao sentimento de revolta dos Confederados, neste
momento era a liderança política de um Sul, unido pela causa revanchista, que
patrocinava uma duradoura onda de ataques contra os afro-americanos.
Neste momento, a historia norte americana – já marcada pela incapacidade de
gerir a questão racial – entra em um novo momento de tensões e lutas sociais. Os filhos
e netos daqueles que sofreram a escravidão, ou os fatos inerentes ao momento de
Reconstrução, iniciam uma longa luta em busca de uma isomeria social. Uma seqüencia
de fatos se desencadeara, e a cada novo momento e novo fato marcante, mais latente era
a exclusão do negro dentro da sociedade americana. Embora a constituição lhes
garantisse alguns direitos básicos de igualdade, as mentes conservadoras asseguraram
que, nas décadas seguintes, os afro-americanos não teriam o tratamento humano devido.
A historia viu momentos de um racismo escancarado em uma nação considerada de
primeiro mundo; casos de tamanho impacto que poderiam ter paralelos traçados com o
Apartheid sul-africano.
Além da magnitude alcançada pelo movimento da Ku Klux Klan, previamente
discutido, outros casos tiveram um impacto enorme na população negra, como o Black
Codes (1800 à 1866) e as Leis de Jim Crow; homologadas em 1876, este conjunto de
normas separava os afro-americanos do convívio dos brancos, obrigando-os a freqüentar
apenas ambientes reservados para pessoas de cor previamente indicados por
autoridades. Se as leis federais impunham o preconceito na sociedade, muito claro era o
ostensivo preconceito emanado pela própria sociedade ao povo negro. A marginalização
deste cidadão compete para a formação dos guetos; um crescente niilismo se apodera
dos negros e gera um imaginário de miséria infinita; os casos públicos, e rotineiros, de
abusos humilhantes fazem crescer uma segregação acompanhada pelo próprio negro que
se vê antagônico ao branco.
Este momento está ilustrado na passagem de Eric Foner, ao apontar que “Perto
do final do século XX, a nação novamente se volta para as questões colocadas pela
emancipação e a agenda social e política da Reconstrução. De muitas formas isso
ainda tem que ser feito”. A retomada das questões nos mostra um ápice em que tamanho
é o preconceito, e tão gritante isso se torna para o mundo, que o próprio negro começa a
dar o seu basta e buscar os seus direitos. Tão profunda era a segregação, que o rótulo
social legado ao povo negro, acaba sendo fator de condensação para a organização
destes em movimentos de igual peso. Nesta virada de séculos, assistimos o nascimento
dos Panteras Negras responder com a mesma violência os abusos sofridos, vimos
Malcom X liderar a “Fúria Negra” - pregando a chamada “Supremacia Negra” - e
ouvimos os inflamados discursos de Martin Luther King Jr., que pregava por direitos
mas rogava pela paz e não violência entre pessoas de diferentes raças.
Evidente que a luta por igualdade trouxe muitos resultados a nível legislativo,
mas o preconceito continuava impregnado na grande parte das mentes, assim como o é
até hoje; o rótulo criado por estas construções sociais, afeta bilateralmente a forma
como brancos e negros se enxergam. Os reflexos dessa ferida ainda são observados nas
faltas de oportunidades ao negro: o pouco acesso ao trabalho, habitação e educação; que
carecem de políticas publicas que busquem uma solução fática a este problema
histórico. Em seu texto “Questão de Raça”, Cornel West afirma: “Embora os negros
nunca tenham sido simplesmente vitimas, chafurdando na autopiedade e implorando
migalhas dos brancos, eles foram – e ainda são – vitimados”. O claro resultado está
quando pensamos na perspectiva que tem o afro-americano na sociedade, com a falta de
oportunidades que ele vive. Outro trecho nos atenta a esse fato dizendo que: “Uma coisa
é falar a respeito das lamentáveis estatísticas de desemprego, mortalidade infantil,
detenções, gravidez na adolescência e crimes violentos. Mas outra, muito diferente, é
ter a coragem de lidar com o formidável eclipse da esperança, o colapso sem
precedentes do significado da vida, o incrível descaso para com a pessoa e a
propriedade dos homens que imperam em boa parte da América Negra”.
Este período de erros no trato entre duas partes fora uma constante ao longo dos
anos; e são sintomáticos na construção nacional norte americana. É visível como a falta
de diálogo e busca por um equilíbrio político levaram a uma Guerra Civil que dividiu o
país, a um sul ressentido com um norte revanchista, em outro momento um sul
revanchista contra os afro-americanos, depois os próprios afro-americanos respondendo
à sociedade e uma extensa linha de acontecimentos que poderiam ter sido apaziguados
com uma política de equidade, longe de interesses pessoais e buscas por regalias. Nesta
mentalidade Americana de “não abrir mão”, talvez Woodrow Wilson tenha tirado as
lições necessárias para que, em seus famosos Quatorze Pontos, remediasse a ira dos
vencedores da Primeira Grande Guerra, e evitasse que o revanchismo dos derrotados
incendiasse um novo conflito; o que devido a falta de visão, e falta de políticas que de
fato fossem pacificadoras, competiu faticamente para gerar a Segunda Grande Guerra.
São erros que perduram na historia americana, feridas tão profundas que não
animam aos bons de espírito procurar lutar contra a vaidade individual, e mudar um
sistema calcado em remendos que geram mais problemas. Os anos de viradas em
acontecimentos históricos, e de descaso desencadeados desde o período de
Reconstrução, se enraizaram no social do povo Norte Americano; e somente quando a
nação acordar para a realidade daqueles que estão ao seu lado e participam da evolução
da nação, que o sonho de uma terra de direitos iguais pode ser semeado.
Em 1963 Martin Luther King tinha o sonho em que, um dia, o homem seria
julgado pelo seu caráter e não por sua cor. Quase cem anos antes, em meados de 1863, o
ex-escravo Peter Randolph sonhava com a mudança de curso de um rio que,
arduamente, terminaria com uma justa Reconstrução e direitos iguais para todo cidadão.
E continuamos rio abaixo.