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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 QUESTÕES EDUCACIONAIS EM ANTÍGONA FERNANDES GOMES, Renan Willian (Bolsista CAPES/UEM) PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM) Considerações iniciais O processo de formação do homem grego da Grécia clássica pode ser entendido como um resultado angariado pelo processo de transformação social, cultural, político e econômico desenrolado em meados dos séculos VIII e V a.C, época, segundo estudiosos, considerada como um período contraditório, que marcava o enfraquecimento de uma ordem social e o nascimento e consolidação de outra. O mito e sua influência na vida helênica passou a ceder espaço para a racionalidade, promotora da vida na polis. No processo de negação do mundo mítico, fundado em uma religião doméstica, e de afirmação da razão e da filosofia, as comunidades de aldeias dos tempos homéricos, organizadas em clãs, foram cedendo lugar a uma nova organização socio/politica: as unidades políticas maiores e mais complexas das Cidades-Estado, por sua originalidade, particularizaram a civilização grega. Uma das grandes modificações havidas desde a época micênica é o grande aumento do número de unidades políticas independentes. Ao invés de uns poucos grandes reinos, talvez sujeitos, todos eles, ao domínio do rei Micenas, encontramos em quase todo vale uma cidade que pretende ser um poder soberano, sem fidelidade a ninguém — na verdade, a cidade-Estado, característica da Grécia clássica (LLOYD- JONES, p.27, 1962). Esta instituição sócio-política, a cidade-Estado, caracterizou o mundo grego. Provavelmente, no seu desenvolver e, principalmente, no seu apogeu, essa expressão do realizar grego começou a revelar as fragilidades radicais que os gregos não quiseram ou não tiveram condições de resolver (LARA, 2001). Com a pólis, situações significativas se colocaram para o homem grego: “[...] pois a vida social e as relações entre os homens

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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QUESTÕES EDUCACIONAIS EM ANTÍGONA

FERNANDES GOMES, Renan Willian (Bolsista CAPES/UEM)

PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM)

Considerações iniciais

O processo de formação do homem grego da Grécia clássica pode ser entendido

como um resultado angariado pelo processo de transformação social, cultural, político e

econômico desenrolado em meados dos séculos VIII e V a.C, época, segundo

estudiosos, considerada como um período contraditório, que marcava o

enfraquecimento de uma ordem social e o nascimento e consolidação de outra. O mito e

sua influência na vida helênica passou a ceder espaço para a racionalidade, promotora

da vida na polis.

No processo de negação do mundo mítico, fundado em uma religião doméstica,

e de afirmação da razão e da filosofia, as comunidades de aldeias dos tempos

homéricos, organizadas em clãs, foram cedendo lugar a uma nova organização

socio/politica: as unidades políticas maiores e mais complexas das Cidades-Estado, por

sua originalidade, particularizaram a civilização grega.

Uma das grandes modificações havidas desde a época micênica é o grande aumento do número de unidades políticas independentes. Ao invés de uns poucos grandes reinos, talvez sujeitos, todos eles, ao domínio do rei Micenas, encontramos em quase todo vale uma cidade que pretende ser um poder soberano, sem fidelidade a ninguém — na verdade, a cidade-Estado, característica da Grécia clássica (LLOYD-JONES, p.27, 1962).

Esta instituição sócio-política, a cidade-Estado, caracterizou o mundo grego.

Provavelmente, no seu desenvolver e, principalmente, no seu apogeu, essa expressão do

realizar grego começou a revelar as fragilidades radicais que os gregos não quiseram ou

não tiveram condições de resolver (LARA, 2001). Com a pólis, situações significativas

se colocaram para o homem grego: “[...] pois a vida social e as relações entre os homens

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tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos”

(VERNANT, 2002, p. 53).

De um lado, as novas relações que se estabeleciam, desvinculadas da

consanguinidade e ordenadas pela nova construção administrativa, punham em tela o

ideal igualitário que alavancava a democracia nascente. De outro, a conjunção do corpo

social liquidava a hierarquia sustentada pelo poder das famílias aristocratas.

Essa nova realidade grega teve raízes nas transformações promovidas pela

concentração da riqueza agrária, a qual aumentou o poder econômico dos grandes

proprietários sobre as populações agrárias. Ao mesmo tempo, tais proprietários

arrebataram a autoridade política do rei, atribuindo-a a um conselho, que, de maneira

geral, estava sujeito às suas manobras. Por fim, liquidaram por completo o sistema

monárquico.

Nesse cenário de mudanças econômicas e de agitações políticas, os gregos

conheceram, particularmente no decorrer do século VII a.C., um movimento migratório

para regiões não habitadas, onde promoveram a fundação de colônias.

Com a conquista de novos mercados, ocorreu uma revolução econômica no

mundo grego, caracterizada pela diversificação de atividades, pela ampliação da

produção artesanal e pela expansão do comércio. O comércio possibilitou certa

autonomia ao novo agente social, o comerciante.

Como resultado, a população urbana aumentou a necessidade de trocas e de

riqueza adquirindo novas formas. Já no século VI, por exemplo, era amplo o uso da

moeda nas transações comerciais.

Na dinamicidade desse movimento, alimentada pelas vitórias sobre os inimigos e

pela aquisição/compra de devedores que não conseguiam regularizar suas dívidas, a

escravidão se impôs como realidade institucional (LARA, 2001).

Na luta contra o inimigo comum — o comerciante —, a oligarquia fundiária, os

setores médios ascendentes associaram-se aos homens do campo desapropriados. O

resultado desse acirrado conflito foi entre os patriarcas do gnenos e a nova classe de

homem que reclamava participação nas decisões da cidade.

Desse modo, o resultado foi uma luta de classes que acarretou a implantação da

ditadura, que tinha como bandeira estimular esperanças e afiançar a superação do caos

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em que se encontrava a sociedade grega. Demagogos ávidos de poder conquistaram

apoio popular suficiente para atingir os seus fins, à revelia das constituições e leis.

Finalmente, o descontentamento com esse governo de poderes ilimitados, o

aumento do poder econômico e a consciência política desenvolvida por cidadãos

comuns criaram as condições para a implantação da democracia (BURNS, 1980).

Os séculos V e VI a.C. representam a época clássica na história grega. Nessa

época de ouro, termo que tem o mesmo sentido, a cultura helênica chegou ao

amadurecimento e desenvolveu todas as suas potencialidades.

Foi em meio a esse conturbado período que a tragédia se apresentou como o

espelho do qual o grego necessitava para refletir acerca de sua vida. Assim, destaca-se a

dramaturgia/teatro e consigo a tragédia, que ganhou importância na cultura dos gregos,

especialmente dos atenienses.

Dentre suas características literárias, o princípio da mimeses destacado por

Aristóteles serviu como espelho para o grego refletir sobre as mudanças que se davam

nesse período. “A tragédia devolve à poesia grega a capacidade de abarcar a unicidade

de todo o humano” (JAEGER, 1995). Isto posto, o universo trágico pode oferecer pistas

para melhor entender a complexidade daquela sociedade que deixou marcas até a

contemporaneidade.

Sófocles foi um dos mais dramaturgos de maior destaque do mundo antigo e

ainda hoje é reconhecido seu estilo de força dramática e exímia elaboração na

construção de seus enredos. O poeta viveu nesse período conturbado da história grega,

conforme acima mencionado, por isso, pode-se perceber em sua tragicidade a

preocupação com o o homem de seu tempo, inserido num estado de conflitos e carente

de orientação acerca de sua vida e, principalmente, do seu destino. Em suma, pode-se

pensar em Sófocles como o poeta que escreveu para o seu tempo.

Metodologia Este trabalho teve como finalidade discutir o fenômeno educativo em Sófocles a

partir da tragédia Antígona, na qual o autor aponta o que seria o ideal formativo para o

cidadão helênico de seu tempo. De acordo com a proposta metodológica adotada, foi-se

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necessário, num primeiro momento, contextualizar o poeta em seu tempo, a fim de

demonstrar que sua proposta formativa não foi fruto do acaso, mas sim, resultado de

transformações ocorridas na Grécia entre os séculos VI e V. Isso implicou compreender

a organização da sociedade grega naquele momento histórico, como a base sobre a qual

se funda esse processo formativo.

Por outro lado, o ideal educativo sofocliano deve ser percebido nas relações que

Sófocles teceu para Antígona no mundo que a rodeava e a levou a assumir uma postura

de defensora da antiga tradição, partcularmente na força religiosa desta. Tal postura,

para o poeta, deveria servir de espelho para o cidadão, não no sentido para que fosse

imitada, mas, sim, para que o homem pudesse refletir sobre o sentido de ser da postura

da princesa. Em outras palavras, quem assistia ao desenrolar do espetáculo poderia,

outrora admirador do herói idealizado pela aristocracia, agora veria a necessidade de se

repensar um referencial diferenciado e de um novo comportamento, ou seja, que

escrevesse a sua própria história a partir de uma ação mais racional e ativa em

sociedade.

Entendeu-se, assim, que as preocupações concernentes ao aperfeiçoamento do

homem estão presentes em todas os tempos, lugares e culturas. No entanto, assumem

diferentes direções e características de acordo com os reclames de cada época. Destarte,

conceitos e princípios elaborados em fases anteriores podem ser levantados, repensados,

e analisados em sua dinâmica própria e, ao mesmo tempo, serem reconsiderados nas

análises que se colocam para o homem de hoje.

Desse modo, discutiu-se a educação a partir da dinâmica da sociedade, isto é,

como produto histórico dos homens. A partir dessa premissa, acredita-se que as

necessidades produzidas em diferentes momentos adquirem também formas e propostas

distintas. Em suma, o processo educacional deve ser percebido nas relações que os

homens travam entre eles, ao buscar, assim, produzir ou reproduzir a sua própria

existência naquele(s) momento(s) determinado(s), que requisitavam uma ação dinâmica

e efetiva desse mesmo homem.

Com este orientador, procurou-se fundamentar o desenvolvimento desta

pesquisa em obras que versam sobre o tema proposto, bem como comentadores da obra

sofocliana. Cabe considerar aqui, que, a tragédia Antígona, apesar de ter sido escrita

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com fins artísticos, foi a base sobre a qual se pôde entender a proposta de formação

concebida por Sófocles para a sociedade helênica.

Do mito à razão: conflito na pólis

A fundamentação religiosa helênica foi, num primeiro momento, orientada pelo

mito e as divindades olímpicas. A mitologia, pode-se pensar, assumia a tarefa/encargo

de servir o homem como uma orientadora, norteando suas decisões e ações em

sociedade. Com isso, a educação/formação expressava seu caráter fundamentalmente

religioso, porquanto o homem desde menino aprendia a respeitar os desígnios dos

deuses e a se conformar com eles de bom grado. Contudo, a partir do fenômeno de

reorganização social — a passagem de uma sociedade agrária para um voltada para a

cidade — permitiu o surgimento da filosofia e a ascenção da racionalidade.

Diante disso, houve, pode-se assim pensar, um choque entre a antiga tradição e a

racionalidade que então se instaurava.

A Cidade-estado se estabeleceu como um referencial de desenvolvimento, onde

a idéia do coletivo passou a vigorar. O homem iniciou um processo de reflexão sobre

quais rumos ele deveria tomar em sua vida a partir do que lhe era exigido pela cidade.

Segundo Werner Jaeger, a pólis propagava uma espécie de consciência coletiva; havia

um sentimento de identificação/igualdade entre os habitantes de uma mesma pólis.

A gigantesca influência da pólis na vida dos indivíduos baseava-se na

igualdade do pensamento dela. O Estado converteu-se num ser especificamente espiritual que reunia em si os mais altos aspectos da existência humana e os repartia como dons próprios [...] Para a identificação total de um grego exigia-se não só o seu nome e o de seu pai, mas também o da sua cidade natal. Pertencer a uma cidade tinha para os Gregos um valor ideal análogo ao do sentimento nacional para os modernos (JAEGER, 1995, p. 141).

Foi no espaço da pólis que o grego, respaldado pela racionalidade, passou a se

enxergar/entender como senhor de sua vida. As normas divinas cederam espaço para

normas racionais, comuns a todos e passíveis de discussão e alterações. A lei, então,

tinha dimensão humana.

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Portanto, é à pólis que se deve creditar a influência racional na vida do cidadão

helênico, visto que foi em seu interior que se desenvolveu o princípio de igualdade. Esse

espaço privilegiado reuniu em si os mais altos valores da existência humana, os quais

eram entendidos como dons próprios de cada cidadão. A vida e a justiça, até então

guiadas pela interpretação da vontade deuses e pela arbitragem dos reis, assumiram a

condição de lei e legislação escrita.

Compreende-se assim o alcance de uma reivindicação que surge desde o nascimento da cidade: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se faz mais que lhes assegurar permanência e fixidez. Subtraem-se à autoridade privada do Basileis, cuja função era “dizer” o direito; tornam-se bem comum, regra geral, suscetível a ser aplicada a todos de mesma maneira (VERNANT, 2002, p. 57).

Por isso, o grego vivia na cidade, pela cidade e para a cidade. A cidade tornou-se

para o grego comum e, particularmente, para o homem livre o mais significativo valor

da sua existência. Nela seria realizava a plenitude humana, visto, no seu âmbito, os

gregos sentirem-se livres e protegidos das agressões da natureza, das contendas sociais.

Sentiam-se livres do poder dos reis que submetiam os outros povos e, de certa forma, do

medo das forças sobrenaturais, já que eles tinham humanizado seus deuses, fazendo

deles seus concidadãos.

A cidade incorporava a realização mais perfeita da vida, a única considerada

verdadeiramente humana: ela estabelecia um diferencial entre o grego civilizado e os

outros povos, que eram considerados bárbaros. Por isso, o grego vivia intensamente e

dedicava-se plenamente à sua cidade. Não pensava em outra forma de viver, nem

tampouco tinha a intenção de levá-la a outros povos. Pode-se inferir que essa

radicalização na concepção da vida na pólis levou à inibição de qualquer tentativa de

unificação política do espaço grego, mesmo tendo-se em conta as diversas iniciativas de

união entre as cidades (LARA, 2001).

Nos quadrantes dessas coordenadas, a expressão da individualidade e a

fecundidade do debate criaram as condições para o desenvolvimento da política.

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Liberando o homem dos implacáveis desígnios divinos, esta tornou possível que ele, a

partir das suas próprias habilidades, fizesse sua historia na ágora1.

De acordo com Jean-Pierre Vernant, era na ágora que a cidade costumava

centralizar-se. Esta praça pública servia apropriadamente como um espaço para o debate

e a discussão dos problemas de interesse comum (VERNANT, 2002).

Com a pólis, o que era secreto no interior da família — o culto às divindades do

período patriarcal — passou a fazer parte de toda a cidade:

Essa transformação de um saber secreto de tipo esotérico, num corpo de verdades divulgadas no público, tem seu paralelo num outro setor da vida social. Os antigos sacerdotes pertenciam como propriedade particular a certos gene e marcavam seu parentesco especial com um poder divino; – a pólis, quando é constituída, confisca-o em seu proveito e os transforma em cultos oficiais da cidade (VERNANT, 2002, p. 58).

Nesse sentido, a religião deixou de ter um caráter puramente doméstico. Os

cultos dedicados às divindades deixaram de ser restritos ao interior das casas e passaram

a ocorrer nas ruas, nas festas populares. Surgiu, assim, uma “religião da cidade”2.

Quando o cidadão helênico abandonou os velhos preceitos da religião gentílica e deixou

de aplicar os ensinamentos legitimados pela religião doméstica, estes perderam a função

de guia da comunidade em contínuo crescimento.

Esse novo homem deparou-se com a possibilidade de agir em sociedade, de

escrever sua história, começando a se entender como parte fundamental dessa mesma

sociedade. De um lado, o homem grego tinha sua vida traçada pelos deuses; de outro,

configurava-se a possibilidade de agir com base em sua vontade, escrever sua própria

história, responder por seus atos.

O quadro de conflito vivido pelo homem grego e que o colocava em dois pólos

opostos e conflitantes foi devidamente representado nas manifestações artísticas

surgidas na Grécia, especialmente na tragédia: “[...] a contradição trágica pode situar-se 1 Ágora: praça pública onde os cidadãos gregos se reuniam para discutir e expressar suas ideias. Era também na ágora que os filósofos e oradores se reuniam para mostrar suas habilidades de reflexão ou de convencimento. 2 A religião da cidade era a religião da pólis grega, que confiscou da antiga religião doméstica ritos, crenças e divindades e os adaptou à realidade da cidade, tornando público o que até então tivera uma característica de

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no mundo dos deuses, e seus pólos opostos podem chamar-se Deus e homem, ou pode

tratar-se de adversários que se levantam um contra o outro no próprio peito do homem”

(LESKY, 1995, p.31).

Isto posto, o universo ficcional da dramaturgia pode ser considerado como um

tipo de “registro histórico”, no sentido de que representa a época na qual dada obra foi

produzida. Isto quer dizer que, no caso da tragédia grega, o choque ocasionado pelo

embate mito versus razão pode ser compreendido com a leitura das tragédias, em

particular, Antígona.

Sófocles e sua proposta formativa em Antígona

De estilo elaborado e reflexão aguçada, Sófocles foi autor de mais de cem peças,

das quais dezoito mereceram distinções e prêmios. O conjunto de sua obra, a exemplo

de poucos escritores gregos, expressa o ideal grego do “nada em excesso”. Sua atitude e

estilo são ímpares, quando se trata da deferência e exaltação da harmonia e da paz, do

respeito e da dedicação à democracia, da simpatia e da habilidade no trato das fraquezas

humanas (BURNS, 1980, p.182).

Sófocles tornou-se um símbolo do artista que busca a mediação entre os pólos

opostos, entre os extremos. Quando essa mediação se mostrou impossível, ele lançou

mão de uma elegia aprazível e amargurada. Sua maneira de representar a

impossibilidade de se voltar atrás apresentou-se posteriormente como síntese primorosa.

Em face disso, ele conquistou a graça e a simpatia dos defensores e partidários do

equilíbrio notadamente estético: dos classicistas (CARPEAUX, 1959, p.83).

Segundo grande parte dos estudiosos, ele foi um homem de opiniões moderadas,

um respeitador da religião e da moral. Viveu, por conseguinte, em harmonia com a sua

época. Foi um poeta único, continuador de Ésquilo, dando sequência, em seu palco, à

forma com a qual este representava as relações entre homens e deuses: “[...] la forma

tradicional le resultó adecuada, y aunque introdujo reformas técnicas, se contuvo

siempre en los limites de su arte y observó cuidadosamente el tono aceptado de la

tragedia (BOWRA, 1983, p.74).

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Nesse momento, de acordo com o estabelecido pelos cânones, assentam-se as

normas e preparam-se os caminhos para a realização da educação no seu recorte

clássico. Acrescente-se que, já nessa época, a palavra educação era investida do sentido

de formação consciente (GALINO, 1973).

Artista da palavra e da cena, hábil calculador dos efeitos, mestre da construção

dramática e da narrativa analítica do enredo, Sófocles colocava-se entre o pathos

coletivista de Ésquilo e o individualismo de Eurípedes.

Sófocles viveu em um período conturbado. Mesmo não tendo sido repentina a

transição do génos para a pólis as mudanças foram traumáticas para o homem que

passou por esse processo de transformações. A sua forma de viver, antes sustentada na

organização familiar já desestruturada, fez com que procurasse outra forma de

organizar-se socialmente. Surgiu então a cidade como tentativa para amenizar esse

problema.

Com a cidade mudou a maneira de conduzir a forma de viver. O poder patriarcal

perdeu sua influência na administração da comunidade. E a crença na religião doméstica

deixou de ocupar papel de norteadora da vida do homem com seus cultos e celebrações.

O homem substituiu antigos costumes e tradições religiosas por códigos de leis

que foram elaborados para se impor à ordem social e manter as relações políticas e

comerciais que dariam a nova forma à cidade: a cidade-Estado democrática conduzida

por cidadãos que faziam uso da reflexão filosófica e da retórica na sua administração.

Mas o rompimento com o velho sistema não foi fácil para o grego, o que causou

um estado de conflito nesse homem, pois dar lugar ao “novo” foi uma tarefa que

provocou contradições numa sociedade ainda em processo de transição.

O homem grego da pólis já não era tão dependente das antigas tradições e dos

costumes arcaicos. Mesmo porque as alterações na maneira de condução da sociedade

foram influenciados pela reflexão filosófica e pela discussão política, que acabaram por

expor esse homem às novas formas de compreensão de si e do mundo.

A estruturação da cidade-Estado que ocorreu nesse processo possibilitou ao

homem grego desprender-se da velha comunidade gentílica. E para que esse homem

pudesse enquadrar-se a nova forma de organização social os legisladores e

administradores fizeram uso de vários “instrumentos” que foram sendo elaborados com

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o desenvolvimento da pólis, como: os códigos de “leis escritas”, a incrementação do

comércio, a instituição dos tribunais e das assembléias.

Entre os “instrumentos” de que os legisladores e administradores da pólis

fizeram uso na tentativa de amenizar as contradições na sociedade estava o teatro.

Mesmo surgindo como expressão da velha ordem gentílica, por ter como

temática os mitos da tradição arcaica e por fazer parte de uma festividade religiosa, o

teatro serviu aos interesses dos que estavam no comando da nova forma de organização

social. Estes legisladores e administradores não só oficializaram a festa popular na qual

as peças eram encenadas como um evento da cidade-Estado, mas também ajudavam na

realização das suas encenações com patrocínios.

Fazendo uso dessas encenações, Sófocles, mesmo que não intencionalmente,

colocou o posicionamento de Antígona contra a imposição da nova ordem. Na verdade,

tal posicionamento não é motivado apenas pela forma de agir do tirano Creonte, mas

também, e fundamentalmente, pela fé, pela devoção aos valores e às práticas com as

quais a princesa convivera, ou seja, à religião na qual foi criada/formada. Antígona

sublevou-se porque era fiel à lei do sepultamento obrigatório, ato negado ao irmão,

estigmatizado como inimigo da pátria.

Antígona contém elementos para outra discussão, na medida em que a mulher

está no centro do conflito, numa diegese em que defende o culto dos mortos em

oposição à autoridade dos homens (ROBERT, 1987). Em razão das características da

sociedade grega, seria normal que a autoridade fosse defendida por um homem. Afinal,

a discussão que Sófocles propôs refere-se ao embate entre a aristocracia e a cidade-

estado, representada por Creonte. Este se impunha como a autoridade que até ordenava

o mundo no momento, aquela, proveniente do Olimpo, contrapunha-se à sua decisão,

por considerar que ele excedia os limites da humanidade. Apesar de Antígona também

responder por sua decisão, ela se converteu em vencedora, pois sua integridade foi

legitimada pelo sacrifício (NAGEL, 2006).

A heroína sofocliana, por ter respeitado as leis divinas, encontrou sua perenidade

na morte, tornando-se, assim, exemplo a ser seguido pelo mundo grego. A forma com

que Sófocles representa o sofrimento de sua protagonista aponta caminhos para a

realização de um fenômeno educativo, uma vez que possibilita a reflexão, a preparação

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do homem e o seu fortalecimento para viver em sintonia com sua sociedade em

transformação.

Com essa trama, dando expressão à ordem religiosa e moral, o poeta leva o

público a pensar sobre o mérito da questão, ou seja, a distinguir qual seria a melhor

posição a ser assumida entre a tradição e a inovação, ou seja, a definir juiz e réu,

carrasco e vítima (PULQUÉRIO, 1968), já que as duas personagens defendiam o que

acreditavam ser melhor para a sociedade.

Dessa forma, por meio das idas e vindas de suas personagens, Sófocles criou

condições para que a reflexão sobre as transformações de seu tempo fosse decorrente de

opiniões moderadas, respeitando a religião e a moral (BOWRA, 1976). Isso se explica

pelo fato de que, em boa parte, apesar da transição de ordem religiosa que se

processava, o mito e os deuses ainda eram presença marcante na sociedade grega.

Assim, o desenvolvimento da ação da sua tragédia não inviabilizou a humanização de

suas personagens, dotadas de defeitos e vontades.

Mais do que isso, o homem sofocliano, apesar do clima de conflito em que se

envolvia, é incentivado a buscar uma “medida”, um equilíbrio para si (JAEGER, 1995).

Esta busca pela “medida”, contudo, não confere às personagens um comportamento

estável: ora elas se apresentam certas de suas ações, legitimadas pelos deuses, ora

duvidosas e temerosas por estarem infringindo o que teria sido traçado por forças

superiores. Assim, refletem o mundo instável em que viviam, a crise do mundo grego.

Diante do exposto, pode-se dizer que o teatro de Sófocles tem um caráter

pedagógico, dado discutir um ideal de homem em formação entre os gregos. Dessa

forma, para além do rigor artístico de suas tragédias, Sófocles mostra ao público

personagens que comoviam e faziam seus expectadores pensarem sobre a ordem que se

instaurava.

Embora as tragédias terem sido escritas para serem encenadas como espetáculo

de arte, não se pode estimar se o poeta trágico tinha consciência da importância de sua

dramaturgia como instrumento educativo. Contudo, vale reafirmar que sua obra

contribuía para formar concepções requisitadas para a vida na polis.

Isto posto, o estudo das tragédias sofoclianas se constitui como um meio para

refletir sobre a educação moderna. Deve-se, ainda, atentar para o fato de que o

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fenômeno educativo não exige apenas o saber voltado para o ensino formal, restrito ao

saber institucionalizado da academia (ROCHA, 2007). A dramaturgia de Sófocles faz

parte de um movimento de lutas travadas pelo cidadão helênico, no sentido de ele

conquistar o seu próprio “destino” e dar-se a si próprio um lugar na sua existência e na

sua sociedade. Em suma, essas questões apontam a relação entre a dramaturgia

sofocliana e o fenômeno educativo.

Considerações finais

Ao discutir as crises vividas pela sociedade grega, a tragédia tem por

preocupação orientar e situar o cidadão nesse processo confuso e complexo de

mudanças. A tragédia, em razão da força dramática que lhe dá características distintas

das dos demais gêneros literários, tornou-se instrumento por excelência para se

representar e discutir esse processo e, em consequência, refletir sobre o homem

requisitado pela ordem social que se implantava.

O segredo da surpreendente proeza literária de Atenas está no lugar central que ocupa não só na educação, como também na vida da comunidade adulta a qual considera que a literatura exerce influência sobre a sociedade e é algo com que a sociedade deve preocupar-se (BALDRY, 1968, p. 60).

Mesmo que pareça perigoso afirmar que as tragédias foram escritas com

finalidade formadora para o seu público, pois o propósito era o de serem elas obras de

arte com finalidade cênica, deve-se considerar que essa condição não dispensou seus

enredos de estar em sintonia com os interesses da pólis, de discutir um modelo de

homem para aquele contexto histórico.

Um escultor de homens como Sófocles pertence à história da educação humana. E como nenhum outro poeta grego. E num sentido inteiramente novo. É na sua arte, que pela primeira vez se manifesta o despertar da educação humana. É algo totalmente diverso da ação educativa, no sentido de Homero, ou da vontade educadora, no sentido de Ésquilo (JAEGER, 1995, p. 321).

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Assim, por meio de suas personagens, o poeta assumia uma função social, qual

seja: a de ser “o educador dos homens livres” (BONNARD, 1980, p. 206), que, nesse

momento, já reivindicavam papel mais ativo na vida em sociedade. Isto era um

fragrante indicativo de que o mundo grego passava transformações tão profundas que

resultariam em um novo tempo para a Grécia.

Importante aqui é destacar o fato de que, dentre outros aspectos culturais,

políticos e sociais, a Grécia continua se fazendo notória também em sua história

educacional. Tal notoriedade se explica pela maneira com que a pedagogia helênica

concebeu o educar/moldar do homem/cidadão.

Em síntese, a educação grega, quer na sua expressão mais formal quer na

informal, desempenhou o seu papel social e respondeu às necessidades do tempo

histórico em que ocorreu. Os reflexos desse desempenho iluminaram a educação

ocidental da qual foi gênese, marcando presença nas instâncias voltadas à educação na

atualidade. Conforme se constata nos currículos, programas, livros e manuais didáticos

comumente aceitos e utilizados na contemporaneidade, os temas relacionados à

educação desse período são praticamente obrigatórios.

REFERÊNCIAS

BONNARD, André. A civilização grega. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

COSTA, Lígia Militz da Costa; REMÉDIOS, Maria Luiza Ritzel. A tragédia,

estrutura e história. São Paulo: Ed. Ática, 1995.

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1997. Dissertação (Mestrado em Educação).

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