Química Computacional - Livro completo

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Livro de Química Quântica

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IST Press

Instituto Superior Técnico

Av. Rovisco Pais, no 1

1049–001 Lisboa

Portugal

www.istpress.ist.utl.pt

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F I C H A T É C N I C A

Editora: IST Press

Director: Joaquim J. Moura Ramos

Colecção: Ensino da Ciência e Tecnologia

Coordenador Editorial: F. Miguel Dionísio

Título: Introdução à Química Quântica Computacional

Autor: Luís Alcácer

Produção: Manuela Morais

Design: Golpe de Estado - Produções Criativas, Lda.

Composição e Paginação: Manuela Alves

Revisão de Texto: Luís Filipe Coelho

Impressão/Acabamentos: Sersilito - Empresa Gráfica, Lda.

ISBN: 972-8469-55-1

ISBN (13 Dígitos): 978-972-8469-55-9

Depósito Legal: 252550/07

Tiragem: 500 exemplares

Copyright c© Janeiro de 2007, Instituto Superior Técnico

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à Sofia

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ALFABETO GREGO

A α alfa N ν niu

B β beta Ξ ξ csi

Γ γ gama O o ómicron

∆ δ delta Π π pi

E ε épsilon P ρ ró

Z ζ zeta∑

σ sigma

H η eta T τ tau

Θ θ teta Y ϑ υ úpsilon

I ι iota Φ φ fi

K κ kapa X χ qui

Λ λ lambda Ψ ψ psi

M µ miu Ω ω omega

CONSTANTES E FACTORES DE CONVERSÃO DE UNIDADES

Grandeza∗ Símbolo Valor Unidades

Velocidade da luz no vácuo c 299 792 458 m s−1

Constante de Planck h 6, 6260693(11) × 10−34 J s

~ = h/2π ~ 1, 054 571 68(18) × 10−34 J s

Carga elementar e 1, 602 176 53(14) × 10−19 C

Permitividade do vácuo ε0 8, 854 187 817 · · · × 10−12 F m−1

Massa do electrão me 9, 109 3826(16) × 10−31 kg

Massa do protão mp 1, 672 621 71(29) × 10−27 kg

Constante de Boltzmann k 1, 380 6505(24) × 10−23 J K−1

8, 617 343 × 10−5 eV K−1

Número de Avogadro NA 6, 022 1415(10) × 1023 mol−1

Raio de Bohr, a0 = 4πε0~2

mee2a0 0, 529 177 2108 × 10−10 m

1 eV 1, 602 176 53 × 10−19 J

* Notas: i) Os números entre parênteses correspondem à incerteza de um desvio padrãonos últimos algarismos. ii) Os valores aqui citados são os valores recomendados pelaCODATA 2002 (CODATA é o acrónimo de “Committee on Data for Science and Techno-logy”). Os resultados da CODATA 2002 foram disponibilizados em Dezembro de 2003 erepresentam os melhores valores adoptados internacionalmente, baseados em dados dis-poníveis até 31 de Dezembro de 2002, os quais podem ser consultados e actualizados nowebsite: http://physics.nist.gov/cuu/Constants/index.html

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Í N D I C E

PREFÁCIO v

BIBLIOGRAFIA vii

GENÉRICO ix

INTRODUÇÃO xi

I • INTRODU Ç ÃO ÀS IDE IAS FUNDAMENT AI S DA

MECÂNIC A QUÂNTIC A 1

1 ONDAS E PARTÍCULAS

IDEIAS FUNDAMENTAIS DA MECÂNICA QUÂNTICA 31.1 Introdução 51.2 Ondas Electromagnéticas e Fotões 61.3 Fotões e Estados Quânticos 121.4 Partículas Materiais e Ondas de Matéria. Relação de de Broglie 16

1.4.1 Difracção de Electrões 171.5 Equação de Schrödinger. Funções de Onda 18

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 1 231A Quanta de Radiação 231B Quanta de Luz como Partículas. Efeito Fotoeléctrico e Efeito de Compton 251C Relação de de Broglie 281D Algumas Reflexões Adicionais sobre a Dualidade Onda-partícula 341E Problemas 41

2 SOLUÇÕES DA EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER. EXEMPLOS SIMPLES 452.1 Partícula Livre 472.2 Partícula numa Caixa 512.3 Efeito de Túnel 55

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 2 592A Problemas 59

II • FORMALI S M O DA MECÂNICA QUÂNTIC A 61

3 FORMALISMO DA MECÂNICA QUÂNTICA 633.1 Introdução 653.2 Funções de Onda e Estados Quânticos 66

3.2.1 Espaço das Funções de Onda 663.2.2 Espaço dos Estados 68

3.3 Observáveis 74

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ÍN D IC E

3.3.1 Operadores Lineares e Hermitianos 743.3.2 Operadores de Projecção 773.3.3 Valores Próprios e Vectores Próprios de Operadores Lineares Hermitianos 783.3.4 Comutatividade e Compatibilidade 813.3.5 Traços de Matrizes e de Operadores 823.3.6 Produto Tensorial de Espaços de Estados e Respectivos Operadores 833.3.7 Extensão de Operadores 853.3.8 Significado Físico de Um Estado Que É Um Produto Tensorial 863.3.9 Significado Físico de Um Estado Que Não É Um Produto Tensorial 86

3.4 Processos Físicos 873.4.1 Previsão de Resultados de Medições ou Observações 873.4.2 Relações de Incerteza 89

3.5 Postulados da Teoria Quântica 903.6 Matriz Densidade 92

3.6.1 Introdução 923.6.2 Operador Densidade 943.6.3 Estados Puros e Misturas Estatísticas 963.6.4 Matriz Densidade de Um Sistema Múltiplo 983.6.5 Processos Físicos, Entrelaçamento e Descoerência 103

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 3 1093A Alguns Aspectos Adicionais do Formalismo 1093B Paradoxo de EPR 1133C Problemas 117

III • MECÂNICA QUÂNTICA NA QUÍMIC A 121

4 OSCILADOR HARMÓNICO LINEAR. VIBRAÇÕES MOLECULARES 1234.1 Vibrações em Moléculas Diatómicas 1254.2 Equação de Schrödinger 1264.3 Modos Normais 131

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 4 1354A Problemas 135

5 ÁTOMO DE HIDROGÉNIO 1375.1 Introdução 1395.2 Equação de Onda a Três Dimensões. Momento Angular 141

5.2.1 Separação da Equação 1415.2.2 Equação Harmónica Esférica 142

5.3 Equação Radial 1515.4 Funções de Onda dos Átomos Hidrogenóides 1545.5 Momentos Magnéticos Orbital e de Spin 159

ii

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ÍN D IC E

5.5.1 A Famosa Experiência de Stern e Gerlach 1605.5.2 Spin do Electrão 161

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 5 1655A Spin e Simetria das Funções de Onda. Partículas Idênticas 1655B Problemas 170

6 MÉTODOS APROXIMADOS DE RESOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DE

SCHRÖDINGER 1736.1 Método Variacional 175

6.1.1 Aplicação a Funções Expressas como Combinações Lineares de Outras Funções.Minimização da Energia pelo Método dos Multiplicadores de Lagrange 177

6.1.2 Extensão do Método Variacional a Estados Excitados 1806.2 Teoria das Perturbações Independentes do Tempo 181

6.2.1 Caso de Estados Não Degenerados 1816.2.2 Caso de Estados Degenerados 183

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 6 1856A Espectroscopias de Ressonância Magnética Electrónica e de Ressonância

Magnética Nuclear para o Átomo de Hidrogénio 1856B Problemas 188

7 TEORIA DAS ORBITAIS 1897.1 Introdução 1917.2 Hamiltoniano 1927.3 Função de Onda 1937.4 Expressões da Energia. Aproximação de Hartree-Fock 1967.5 Parâmetros Variacionais. Aproximação das Combinações Lineares 208

7.5.1 Aproximação das Combinações Lineares 2087.5.2 Bases das Combinações Lineares 2087.5.3 Expressões da Energia na Base das Combinações Lineares 2097.5.4 Cálculo das Energias das Orbitais e dos Coeficientes das Combinações

Lineares 2127.6 Método do Campo Autocoerente (SCF). Cálculos Ab Initio 2157.7 Análise de Populações Electrónicas 216

7.7.1 Método de Mulliken 2177.7.2 Método de Löwdin 2187.7.3 Análise da Estrutura de Lewis 219

7.8 Correlação Electrónica. Métodos Pós-Hartree-Fock 2207.8.1 Método da Interacção de Configurações (CI) 2217.8.2 Métodos Perturbacionais. Teoria das Perturbações de Møller-Plesset 222

7.9 Métodos Semiempíricos 2247.9.1 Método de Hückel Simples 224

iii

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ÍN D IC E

7.9.2 Método de Hückel Estendido 2257.9.3 Método de Pariser-Parr-Pople (PPP) 2257.9.4 Métodos de CNDO e INDO 2267.9.5 Métodos Paramétricos (MINDO, MNDO, AM1, PM3, SAM1 e MINDO/d) 2267.10 Teoria do Funcional da Densidade 2277.11 Comparação de Métodos e Futuro da Química Quântica 230

7.11.1 Breve Comparação dos Métodos mais Comuns 2307.11.2 O Futuro da Química Quântica 231

COMPLEMENTOS DO CAPÍTULO 7 2337A Átomo de Hélio — Uma Primeira Aproximação 2337B Átomo de Hélio em Aproximações SCF-LCBF 2387C Ião H+

2 2457D Molécula HeH+ 2517E Cálculo de Hartree-Fock para a Molécula H2O 2577F Método de Hückel Simples 2617G Problemas 267

A APÊNDICES 271A1 Operadores do Momento Angular para Sistemas de Muitos Electrões 273A2 Aproximações Adiabática e de Born-Oppenheimer 282A3 Séries de Fourier e Transformadas de Fourier 285A4 Função δ de Dirac 287A5 Integral de Repulsão entre Dois Electrões 289A6 Sistema Internacional de Unidades (SI ou mks) 290A7 Unidades Atómicas 293

FORMULÁRIO 295

SOLUÇÕES E SUGESTÕES PARA ALGUNS PROBLEMAS 297

ÍNDICE REMISSIVO 301

iv

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P R E FÁ C I O

A química quântica tem por objectivo a descrição compreensiva das propriedades dos áto-mos e das moléculas, bem como do modo como interactuam entre si e se transformam,usando as regras da teoria quântica. Na medida em que a teoria quântica for correcta,as questões químicas são, em princípio, problemas de matemática aplicada. Embora aquímica, devido à sua complexidade, seja ainda, em larga medida, uma ciência experi-mental, nenhum químico pode dar-se ao luxo de não estar informado sobre uma teoriaque sistematiza toda a química.

O conhecimento pormenorizado das energias moleculares e dos mapas de densidade elec-trónica são normalmente os resultados dos cálculos da química quântica. Estes são, porsua vez, o ponto de partida para a modelação e o design de moléculas, os quais constituemos grandes objectivos do que hoje se designa por química quântica computacional.

O presente texto tem servido, cremos que com sucesso, de guião às aulas da disciplina deQuímica Quântica Computacional (da licenciatura em Química do IST), e com excepçãodo capítulo sobre o formalismo, às de parte da disciplina de Química-Física da licenciaturaem Engenharia Biológica. Nele tentamos expor de um modo sistemático e condensadoas ferramentas consideradas úteis para compreender os conceitos da química quântica,e permitir a utilização esclarecida de software de química quântica computacional, cominterfaces interactivas de fácil utilização, disponível no mercado, como o SPARTAN ou oHYPERCHEM.

Admitindo que poderá haver destinatários deste texto com um quase completo descon-hecimento da teoria quântica, começaremos, numa primeira parte, por uma análise dasideias fundamentais da mecânica quântica, usando os fotões como base e introduzindodepois a equação de Schrödinger, da qual faremos algumas aplicações simples. Numasegunda parte, faremos uma apresentação sistemática dos conceitos e ferramentas queconstituem o formalismo da mecânica quântica moderna, salientando-se desde já que esseformalismo é essencialmente uma álgebra linear com operadores. Faremos ao longo docapítulo alguma interpretação do formalismo, numa perspectiva pós-Copenhaga. Esta-remos então em condições de resolver alguns problemas, nomeadamente a equação deSchrödinger para o oscilador harmónico (vibrações moleculares) e para o átomo de hi-drogénio. Terminaremos com a teoria das orbitais na aproximação de Hartree-Fock, ena teoria do funcional da densidade, apresentada de forma concisa, mas compreensiva,dando vários exemplos de cálculo para sistemas com dois electrões, para os quais é fácilseguir o cálculo (manualmente), passo a passo.

O livro é formado por capítulos e complementos. Os capítulos, que constituem o textoprincipal, contêm os conceitos fundamentais e pretendem ser completos, podendo ser

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PR E F Á C IO

estudados independentemente dos complementos. Os complementos constituem infor-mação adicional, quer como esclarecimento de tópicos mais obscuros, quer descrevendoaplicações concretas, como no caso do Capítulo 7.

A aprendizagem da química quântica computacional requer muito mais do que este texto,que apenas pretende servir de orientação a alunos e docentes, pelo que se recomenda orecurso a bibliografia complementar. A bibliografia que se sugere contém várias opções.

Agradecemos a todos os que, de uma forma ou doutra, contribuiram para a publicaçãodeste livro, e muito especialmente ao Rui Teives Henriques, pela leitura do texto quasefinal, ao Rui Vilela Mendes pelos esclarecimentos e sugestões que permitiram a intro-dução de aspectos da investigação recente em física quântica, aos referees que fizeramrecomendações muito significativas para o melhorar, e finalmente a toda a equipa da ISTPress, e em particular à Manuela Alves pela sua paciência em o transcrever para o LaTeXe ao Joaquim Moura Ramos pelo desafio de o publicar.

Luís Alcácer

[email protected]

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B I B L I O G R A F I A

BIBL IOGR A F IA

Ao nível elementar e introdutório:

1. Orbitais em Átomos e Moléculas, Victor M. S. Gil, Fundação Calouste Gulbenkian,1996

2. Orbitals in Chemistry, V. M. S. Gil, Cambridge University Press, 2000.

3. Introduction to Quantum Mechanics in Chemistry, Mark A. Ratner, George C. Schatz,Prentice Hall, 2001

4. Física Atómica, Max Born, Fundação Calouste Gulbenkian.

Sobre mecânica quântica a um nível mais profundo:

5. Quantum Mechanics (2 vols), Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë,John Wiley & Sons Inc., Paperback, 1977

6. An Introduction to Quantum Physics, A.P. French; Edwin F. Taylor, The MIT Intro-ductory Physics Series, 1979.

7. Lectures on Quantum Theory. Mathematical and Structural Foundations, ImperialCollege Press. Texto acessível e claro, recomendado para os aspectos matemáticos.

As fontes da mecânica quântica

(Obras que, embora por vezes criticadas, constituem os pilares da teoria quântica — valea pena ler alguns dos capítulos):

8. The Principles of Quantum Mechanics (International Series of Monographs on Phy-sics), P. A. M. Dirac, Clarendon Press, Paperback – 1981.

9. Mathematical Foudations of Quantum Mechanics, John von Neumann, Princeton Uni-versity Press, 1955.

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B IB L IO G R AF IA

Sobre química quântica computacional a um nível mais profundo:

10. Modern Quantum Chemistry: Introduction to Advanced Electronic Structure Theory,Attila Szabo and Neil S. Ostlund, Dover Publications, Paperback – 1996.

11. Introduction to Computational Chemistyry, Frank Jensen, John Wiley & Sons Inc.,1999, reimpresso 2003.

12. Quantum Chemistry, Ira N. Levine, Prentice-Hall (2000).

13. Química Quântica. Fundamentos e Métodos, José J. C. Teixeira Dias, FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1980.

Sobre álgebra linear para a teoria quântica:

14. Linear Algebra for Quantum Theory, Per-Olof Lövdin, John Wiley & Sons Inc., 1998.

WEB SITES

http://www.lx.it.pt/∼alcacer/Q_Quantica

http://216.120.242.82/∼greensp/video.html [Filme da conferência Solvay 1927]

http://plato.stanford.edu/entries/qm/

http://vergil.chemistry.gatech.edu/notes/quantrev/quantrev.html

WEB SITES COM ELEMENTOS INTERACTIVOS

http://phys.educ.ksu.edu/

http://rugth30.phys.rug.nl/quantummechanics/

http://www.upscale.utoronto.ca/GeneralInterest/QM.html

http://web.phys.ksu.edu/vqm/

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G E N É R I C O

GENÉRIC O

Atire-se uma moeda ao ar e ignorem-se todas as suas propriedades como velocidade eposição, considerando apenas que tem duas faces, A e B, uma das quais fica para cima,quando a moeda cai. Classicamente, a moeda, ao cair, pode assumir dois estados possí-veis —A ou B. Em mecânica quântica, deve considerar-se ainda um estado intermédio,que é a sobreposição dos dois estados. Para tal, especifica-se um vector, chamado vectorde estado, de um espaço a duas dimensões, sendo os eixos identificados pelos dois estadospossíveis, nomeadamente, A e B, Figura G.1.

B

S

Ax

y

Figura G.1: Uma moeda atirada ao ar pode ser equiparada a um sistemaquântico simples. A probabilidade de obter A é x2, a probabilidade de obterB é y2, de tal modo que x2 + y2 = 1. O módulo (comprimento) do vector deestado é igual a 1.

Quando o vector tiver a direcção do eixo A, a face da moeda, que está para cima, é A. Seapontar segundo o eixo B, a face da moeda é B. Numa teoria clássica, estas são as duasúnicas possibilidades. Na teoria quântica, o vector de estado pode (num dado instante)apontar numa direcção intermédia. Nesse caso, a moeda não está, definitivamente, nemno estado A nem no estado B. Contudo, o resultado de uma observação será sempreuma das duas possibilidades. Quando se observa se a face da moeda é A ou B, o seuestado salta para uma configuração ou para a outra, com uma probabilidade que dependedo ângulo que o vector tinha inicialmente. O vector de estado é a sobreposição de duascomponentes, uma, x, a componente A, e outra, y, a componenteB. x e y são amplitudesde probabilidade (note-se a analogia com ondas). A probabilidade de obter a face A éo quadrado de x; a probabilidade de obter a face B é o quadrado de y. O teoremade Pitágoras diz-nos que a soma dos quadrados das duas amplitudes é o quadrado domódulo do vector de estado. Também se sabe que a soma das probabilidades é 1. Isso

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G E N É R IC O

quer dizer que a soma dos quadrados das amplitudes tem de ser 1, e que, portanto oquadrado do módulo do vector tem de ser 1. Por outras palavras o vector de estado temde ter comprimento 1. Assim, na teoria quântica, um sistema é descrito por um vectorde comprimento (ou módulo) unitário, e as probabilidades de uma experiência dar cadaum dos diferentes resultados possíveis são dadas pelos quadrados das componentes dessevector. Antecipando um pouco o formalismo, poderíamos escrever S = xA + yB, emque S é a sobreposição de A e B. Uma vez que x e y são as componentes do vectorS ao longo de A e B, respectivamente, poderíamos escrever x = 〈A|S〉 e y = 〈B|S〉,em que o símbolo para o produto interno, 〈 | 〉, tem o significado de uma amplitude deprobabilidade, isto é, |〈A|S〉|2 é a probabilidade de o sistema passar do estado S para oestado A.

É claro que um sistema real é um pouco mais complicado...

Baseado no “Curso de Mecânica Quântica de Dois Minutos” deSteven Weinberg, quando de uma lição que proferiu emhomenagem a Dirac. É simples e contém muitos dosingredientes essenciais da mecânica quântica.

x

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I N T R O D U Ç Ã O

INTROD U Ç ÃO

O dia 14 de Dezembro de 1900, em que Max Planck formulou publicamente, pela primeiravez, a hipótese quântica, marca o nascimento da mecânica quântica. Foi a ideia de quea luz era emitida (e absorvida) em quantidades discretas — os quanta — que, nas quasetrês décadas que se seguiram, levaram à formulação de uma das teorias mais fecundas dahistória da ciência.

Uma das ideias fundamentais, senão a ideia mais fundamental, da teoria quântica é a deque quer a luz, quer as partículas materiais, como os electrões, se propagam como ondas,mas têm comportamento de partículas quando interactuam com outras. Essa ideia podetalvez ser melhor entendida com a ajuda do exemplo seguinte.

Um quantum de luz, proveniente de um laser, pode ser detectado numa placa fotográfica,onde é absorvido por um átomo de prata. No processo de absorção, comporta-se comouma partícula com energia e momento linear bem definidos, que transfere para o átomo,o qual recua. Entre a fonte onde é emitido (como partícula) e o alvo onde é absorvido,o quantum de luz propaga-se como uma onda (Figura I.1).

A

B

Alvo (placa fotográfica)

O fotão (partícula) é

absorvido por um átomo

de prata (que recua)

Propagação

(onda)

Figura I.1: Dualismo onda-partícula. Um quantum de luz pode ser detectadonuma placa fotográfica, onde é absorvido por um átomo de prata. No processode absorção, comporta-se como uma partícula, transferindo energia e momentopara o átomo, que recua. Entre a fonte e o alvo propaga-se como uma onda.

Também as partículas de matéria, como os electrões e os átomos, têm este comportamentodual — propagam-se como ondas, mas, quando interactuam com outras, têm também ocomportamento típico de partículas. Como partículas em movimento, têm momentolinear (p) e como ondas têm comprimento de onda (λ). Como veremos, λ = h/p, em queh é a constante de Planck.

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IN T R O D U Ç Ã O

Esta dualidade, perfeitamente assente e confirmada, tem várias consequências, algumasdas quais são desconcertantes.

Por exemplo, uma partícula não pode estar simultaneamente em dois lugares. Mas umaonda pode! Uma onda do mar pode virar vários barcos ao mesmo tempo.

O comportamento ondulatório das partículas em movimento é evidenciado pelos fenó-menos de interferência, característicos das ondas. De facto, na mecânica quântica, comona óptica, quando uma onda pode seguir dois percursos diferentes (e.g., passando porduas fendas, como na experiência de Young), a sua intensidade (ou no caso quântico, aprobabilidade de chegada) varia de lugar para lugar e mostra máximos e mínimos (riscasalternadamente claras e escuras, no caso da luz), cuja existência constitui o fenómeno deinterferência. Basicamente, esse fenómeno é devido à sobreposição das amplitudes dasondas que seguiram os diferentes percursos. Sempre que deixamos que uma partícula(e.g., um electrão) passe livremente pelas duas fendas, observamos que a distribuiçãoda probabilidade contém interferência. Podemos dizer com propriedade que, ao passarpelas duas fendas, a partícula interfere consigo própria. Por outro lado, sempre que“observamos” por qual das fendas passa a partícula, destruímos a interferência.

Claramente, é incorrecta a nossa descrição da realidade ao considerar o movimento departículas como pontos materiais que descrevem trajectórias bem definidas de acordo coma lei de Newton, ou, por outro lado, considerar a propagação da luz como um fenómenopuramente ondulatório, de acordo com a teoria de Maxwell. A realidade é aparentementemais complexa.

A teoria actual é formal, no sentido em que não é uma descrição (ou explicação) directada realidade, mas sim uma estrutura lógica e matemática que permite relacionar osfenómenos físicos entre si e fazer previsões sobre acontecimentos.

As interpretações da mecânica quântica (a inicial, da Escola de Copenhaga, e outras)eram descrições em linguagem corrente de fenómenos (quânticos) tratados por um for-malismo único baseado na observabilidade. Nas várias interpretações, surgiam, por vezes,paradoxos, ao tentar descrever certos fenómenos físicos pela linguagem comum. São ex-emplos, os famosos paradoxos de EPR (Einstein, Podolsky e Rosen) e o do gato deSchrödinger. Tal como no caso do paradoxo de Zenão de Eleia, uma análise aprofundadada teoria formal (apoiada em resultados experimentais) pode em certos casos levantar,ou pelo menos esclarecer, os paradoxos.

A mecânica quântica é hoje uma teoria abstracta formulada a partir de um conjuntoapropriado de postulados. A teoria actual pode ser baseada no princípio fundamental daexistência de um espaço linear E = ψ cujos elementos são caracterizados como funçõesde onda (notação de Schrödinger) ou vectores de estado (notação de Dirac), mas que, em

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IN T R O D U Ç Ã O

rigor, carecem de significado físico1. A física é formulada num espaço de operadores T ,associado ao espaço E. No Capítulo 3, faremos uma breve descrição desse formalismo.

1A função de onda, ψ, da notação de Schrödinger, só tem significado físico definido, na medida em quese atribui um significado ao quadrado do seu módulo. Em rigor, apenas se podem atribuir significadosfísicos a resultados de medições (mesmo que hipotéticas), e esses resultados são formalizados em termosde operadores. Como veremos, podemos, no entanto, construir operadores (como o operador densidade)que têm alguma relação com o quadrado do módulo da função de onda. Assim, seguindo, por exemploFeynman, vamos atribuir um significado à função de onda e aos produtos internos de vectores de estado,como amplitudes de probabilidade. O processo esquematizado na Figura I.1, poderia ser representadopelo produto interno 〈B|A〉, que não é mais do que a projecção de A sobre B e que tem o significado deamplitude (de probabilidade) de o sistema em causa passar do estado inicial A para o estado final B.

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Parte IINTRODUÇÃO ÀS IDEIAS FUNDAMENTAIS DA

QUÂNTICA

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1O N D A S E P A R TC U L A S

I D E I A S F U N D A M E N T A I S D A M E C Â N I C AQ U Â N T I C A

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O N D A S E PA R T ÍC U L AS

ID E IA S F U N D A M E N T A IS D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

“...A mecânica quântica é incontestavelmente o escândalointelectual do século! ”[Predire n’est pas Expliquer, René Thom; La Question, EditionsEshel, Paris, 1991, p. 86]

Embora a sequência histórica das várias contribuições que levaram à formulação da mecâ-nica quântica seja da maior importância para a compreensão da teoria, não vamos fazeresse estudo aqui, recomendando, no entanto, que esse estudo seja feito recorrendo a ou-tras fontes. Aqui tentaremos explicar as ideias fundamentais na sua forma actual.

1 . 1 INTROD U Ç ÃO

Provavelmente, a ideia mais fundamental da teoria quântica é a de que quer a luz, queras partículas materiais, como os electrões, se propagam como ondas, mas têm compor-tamento de partículas quando são emitidas ou absorvidas.

Começaremos por analisar alguns aspectos do comportamento da luz, para a qual é fácilaceitar que tem comportamento ondulatório. A seguir, veremos que todas as partículasmateriais, como os electrões, ou mesmo os átomos e as moléculas, têm também compor-tamento ondulatório. Esse comportamento é observável quando o momento linear daspartículas é da ordem da constante de Planck (h = 6, 626 069 3× 10−34 J s).

Associado ao comportamento ondulatório das partículas em movimento, está o facto deque os processos físicos envolvendo o mundo do muito pequeno, nomeadamente à escalados átomos e das moléculas, são muitas vezes descontínuos e ocorrem em saltos discretosou quânticos. Daí o nome de física quântica ou mecânica quântica.

A teoria actual resultou de um longo e excitante percurso de quase três décadas, queteve início com Max Planck, em 1900, e que se consolidou no final dos anos 1920 com aformulação das suas equações fundamentais.

Foram muitos os físicos envolvidos e muitas as contribuições relevantes. Talvez se possamcitar como mais relevantes:

i) a ideia de que a luz é emitida e absorvida em quantidades discretas (quanta), devidaa Max Planck (1900);

ii) a ideia de que, nas interacções com a matéria, os quanta de luz se comportam comopartículas, devida a Einstein (1905);

iii) o modelo do átomo de Bohr (1913), segundo o qual o electrão no átomo de hidrogéniosó pode estar em determinados estados de energia, havendo emissão ou absorção deluz quando passa de um estado para outro;

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O N D A S E L E C T R O MA GNÉ T ICA S E F O T Õ E S

iv) a descoberta do efeito de Compton (início dos anos 1920);

v) a ideia de que as partículas (e.g., electrões) em movimento, têm comportamento deondas, devida a Louis de Broglie (1923);

vi ) a primeira formulação da mecânica quântica, por Heisenberg (1925), mais tarde de-senvolvida por Heisenberg, Born e Jordan;

vii) a formulação da equação de Schrödinger (mecânica ondulatória) (1926);

viii) a confirmação experimental de que os electrões têm comportamento ondulatório,por Davisson e Germer e independentemente por George Thomson (1927);

ix) a demonstração de que as equações de Heisenberg e de Schrödinger são matematica-mente equivalentes, devida a Schrödinger, Eckart e Dirac, e a formulação, por este,de uma “álgebra quântica” (1927).

1 . 2 ONDAS ELECTROM AGN É T IC AS E FOTÕES

Na história da física, Newton surge como o criador da primeira teoria analítica da luze da óptica. Baseado na sua mecânica, Newton explica a propagação rectilínea da luzatribuindo-lhe um carácter corpuscular e entendendo-a como um feixe de partículas emmovimento muito rápido, disparadas pela fonte emissora. As leis da reflexão da luz sãoconsistentes com a teoria das colisões elásticas de partículas sólidas. A refracção eraexplicada atribuindo velocidades diferentes às partículas, consoante o meio em que semovem. Na sua teoria, porém, a velocidade seria maior nos meios mais densos! A grandecontribuição de Newton para a óptica foi a sua teoria das cores e a prova experimentalde que a luz branca (luz solar) pode ser separada numa variedade de cores.

Desde o século XVII, com Huygens e outros, que a natureza ondulatória da luz ficouestabelecida, (e.g., fenómenos de interferência e de difracção), tendo essa ideia sido re-forçada pela experiência das duas fendas de Young (1803). Em meados do século XIX,ficou também assente, com a teoria de Maxwell do campo electromagnético, que a luz(radiação electromagnética) consiste numa onda transversal com duas componentes per-pendiculares: um campo eléctrico e um campo magnético (Figura 1.1) e é caracterizadapelo seu comprimento de onda, λ, e frequência, ν, tal que

λ =c

ν(1.1)

sendo c, a sua velocidade de propagação no vácuo (c = 299 792 458 m s−1).

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ID E IA S F U N D A M E N T A IS D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

λ

z

E

Figura 1.1: Componente campo eléctrico, E, de uma onda electromagnéticaque se propaga ao longo de z. O comprimento de onda é λ. A intensidade(energia) da radiação é o quadrado do módulo da amplitude da onda, I = |E|2.

A variação da componente campo eléctrico, para uma onda que se propaga ao longo dez,E(z, t), pode ser escrita sob a forma

E(z, t) = E0 sen (kz − ωt)

ou na sua representação complexa:

E(z, t) = E0ei(kz−ωt) (1.2)

Esta expressão representa uma onda plana que se propaga ao longo de z, com frequênciaangular ω = 2πν, sendo λ = 2π/k, o comprimento de onda. k é o vector de onda (emmódulo).

A componente campo magnético, tem comportamento idêntico, mas oscila num planoperpendicular ao do campo eléctrico.

A natureza ondulatória da luz, porém, não explicava muitos dos fenómenos observa-dos nas experiências de espectroscopia. Esse facto e muitos outros, que embora nãose sabendo, estavam relacionados, deram origem, no final do século XIX, ao início daespectacular revolução científica que constituiu os alicerces da ciência e da tecnologiacontemporâneas.

Um dos fenómenos que a teoria electromagnética não explicava era a forma do espectroda radiação do corpo negro. Foi o seu estudo que levou Planck1, em 1900, a sugerir ahipótese da quantização da energia (ver Complemento 1A), segundo a qual, a energia daradiação electromagnética é emitida em quantidades discretas, ou quanta2. Mais concre-tamente, as quantidades de energia, ∆E, absorvidas ou emitidas são sempre múltiplasda frequência, ν, da forma:

∆E = nhν (1.3)

1Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858–1947). Max Planck recebeu o Prémio Nobel de Física em 1918.2quantum, no singular.

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O N D A S E L E C T R O MA GNÉ T ICA S E F O T Õ E S

em que n é um número inteiro, e h = 6, 626 069 3×10−34 J s (hoje conhecida por constantede Planck).

Retomando essa hipótese, Einstein3, em 1905, propôs a ideia de que a luz seria constituídapor um feixe de partículas, cada uma das quais com uma energia hν. Baseado nessa ideia,Einstein explicava o efeito fotoeléctrico (ver Complemento 1B). Quase vinte anos maistarde, Compton4 (1924) mostrou, através do efeito que tem o seu nome, que o fotãoexiste como uma entidade individualizada.

O conjunto destes resultados levou à seguinte conclusão: as interacções das ondas elec-tromagnéticas com a matéria ocorrem por processos elementares individualizados, nosquais a radiação (luz) aparece como se fosse constituída por partículas (fotões). Osparâmetros que caracterizam o fotão como partícula (energia E e momento p) e os quecaracterizam a onda (frequência angular ω = 2πν e vector de onda k, com |k| = 2π/λ,sendo ν a frequência e λ o comprimento de onda) estão relacionados pelas equaçõesfundamentais — relações de Planck-Einstein:

E = hν = ~ω

p = ~k(1.4)

em que ~ = h/2π. Durante cada processo elementar há conservação da energia e domomento.

A experiência das duas fendas de Young (Figura 1.2) mostra claramente o carácter on-dulatório da luz, evidenciando a interferência das ondas geradas nas fendas F1 e F2.

No entanto, se a experiência for feita com luz de muito fraca intensidade, de tal modoque se possa considerar que os fotões são emitidos um a um, e se o alvo for uma películafotográfica, começam por aparecer pontos de impacto distribuídos aleatoriamente aolongo de y, só se desenhando o padrão de interferência quando o número de fotões formuito elevado.

Uma experiência fácil de realizar e elucidativa deste processo será a obtenção de umasérie de fotografias com luz de muito baixa intensidade e com tempos crescentes deexposição. A produção da imagem fotográfica de um objecto pode ser descrita, semproblemas, pela óptica clássica. O percurso da luz através do sistema de lentes pode sercalculado com rigor pelos métodos da teoria ondulatória da luz. É quando consideramosem pormenor o modo como a imagem fotográfica se forma na película que a teoriaondulatória da luz falha. A formação da imagem na película fotográfica é devida a um

3Albert Einstein (1879–1955). Esse artigo, segundo o próprio Einstein, o mais revolucionário dos 5publicados em 1905 (um deles foi a teoria da relatividade), valeu-lhe o Prémio Nobel de Física, mas sóem 1921.4Arthur Holly Compton (1892–1961)

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Parede com duas fendas

Fonte de luz

Alvo

F

F

1

2

I(y)

I

y

0

2

I12

I1

Figura 1.2: A experiência de Young consiste em criar um padrão de inter-ferência, fazendo passar um feixe de luz por duas fendas. Quando só uma dasfendas, F1 ou F2, está aberta, gera-se no alvo um padrão com intensidade I1 ouI2, respectivamente. Quando ambas estão abertas, a intensidade I12 observadaé um padrão com máximos e mínimos devidos à interferência das ondas geradasem F1 e F2.

processo fotoquímico no qual cada fotão colide com um único ião de um halogeneto deprata da emulsão fotográfica. O processo de revelação da película amplia esse evento porum factor de 109 ou mais, dando origem à deposição de grãos de prata metálica, quese tornam visíveis. Nas fotografias em que o número de fotões que atingiu a película émuito baixo (digamos, menor do que 103) observam-se, após revelação, apenas pontosaleatoriamente distribuídos. Só quando o número de fotões atinge valores da ordem de105 se começa a desenhar a imagem fotográfica correcta.

Podemos concluir que os fotões se propagam como ondas, mas na sua interacção com osiões de prata, comportam-se como partículas, transferindo momento e energia.

Duas lições emergem quando se considera esta dualidade onda-partícula. Uma é a deque a física clássica, que tão bem explica o movimento dos objectos macroscópicos, gerouem nós, significados bem distintos para a palavra “partícula” e para a palavra “onda”. Apalavra “partícula” implica um objecto com massa e posição bem definidas. A palavra“onda” evoca uma perturbação num meio material contínuo, de que são bons exemplosas ondas numa superfície de água. Quando se descobriu que a radiação electromagnéticase propagava sob a forma de ondas surgiu a primeira grande dificuldade — qual o meiomaterial que oscilava, transportando a onda? Começou por se admitir a existência deum meio material elástico e incompressível, o éter, mas cedo se verificou que tal meionão tinha existência real — as ondas electromagnéticas propagam-se no vácuo.

A exploração do mundo dos átomos tem como pano de fundo esta dicotomia. Os átomos

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e os electrões pertenciam claramente à classe das partículas e a luz emitida pelos átomosexcitados ou pelos electrões acelerados tinha nitidamente carácter ondulatório. Masa descoberta do carácter corpuscular dos fotões e das propriedades ondulatórias doselectrões pôs em causa esta dicotomia. Com relutância, mas inevitavelmente, foi precisoaceitar que a distinção entre onda e partícula não se aplica ao nível atómico.

A outra lição foi a de que é preciso aceitar os resultados das experiências tais como seapresentam, não pretendendo tirar ilações para além daquilo que os factos justificam,sendo pertinente definir claramente as condições experimentais. Quando, por exemplo,se faz uma experiência com electrões, é preciso dizer em que circunstâncias têm compor-tamento de partículas clássicas, e em que circunstâncias têm comportamento ondulatório.

Consideremos, ainda, a experiência das duas fendas de Young (Figura 1.2). Se atender-mos a que a intensidade da luz num dado ponto do alvo é proporcional ao quadrado domódulo do campo eléctrico nesse ponto, podemos escrever

I12 = |A12|2 = |A1 +A2|2 (1.5)

sendo A1 e A2 as amplitudes das ondas electromagnéticas geradas em F1 e em F2 respec-tivamente. Se considerarmos ondas planas (da forma 1.2) (para um qualquer instante,por exemplo, para t = 0), vem A1 = A0e

ikz e A2 = A0eik(z+∆`), sendo ∆` a diferença de

percurso entre as duas ondas (e z, a direcção de propagação). Teremos

A12 = A1 +A2 = A0[eikz + eik(z+∆`)] = A0e

ikz [1 + eik∆`)] (1.6)

que, elevando ao quadrado, dá interferência construtiva máxima, quando a diferençade percurso for um múltiplo do comprimento de onda. De facto, quando ∆` = nλ eatendendo a que k = 2π/λ, vem A12 = 2A0e

ikz e Imax = 4I0 (I0 é a intensidade da luzincidente no dispositivo). Quando ∆` = nλ/2, com n ímpar, eik∆` = −1, A12 = 0 eI = 0. É este formalismo clássico que, de modo eventualmente um pouco mais elaborado,explica as franjas de interferência da óptica.

Vejamos agora qual a situação em termos de fotões individuais. Experimentalmentepode usar-se uma fonte de luz muito fraca e um detector muito sensível que detecte osfotões um a um. Os resultados das experiências mostram que o padrão de interferênciaclássico se forma gradualmente com a chegada dos fotões, que são muitos nos pontosde interferência construtiva máxima, e são muito poucos nos pontos de interferênciadestrutiva. Uma análise quantitativa mostraria que o número de fotões detectados aolongo de y é proporcional à intensidade dada pelas expressões clássicas e que correspondeà curva I12 da Figura 1.2. É importante, notar, no entanto, que o local onde cada fotãochega é completamente aleatório e imprevisível. Isso implica que a correspondência entreo padrão de interferência calculado pela teoria clássica e a distribuição de fotões observadasó é boa para grande número de fotões. Note-se que o padrão obtido é completamente

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diferente se, em vez de ter as duas fendas abertas ao mesmo tempo, elas forem abertasalternadamente, de modo que, quando uma estiver aberta, a outra esteja fechada. Nesteúltimo caso, o padrão de interferência desaparece, e a imagem é substituída pela somadas curvas I1 e I2 da Figura 1.2.

Note-se que o facto de ter as duas fendas abertas simultaneamente não implica que opadrão de interferência seja devido a pares de fotões, cada um passando por sua fenda.As experiências mostram que o padrão de interferência continua a formar-se, mesmoquando a intensidade da luz é tão fraca que pode considerar-se que há um só fotão emtrânsito, em cada instante5.

Se se pensasse que cada fotão, ao passar pelas duas fendas, se divide em dois, issoimplicaria metade da energia para cada um e, consequentemente, metade da frequência eo dobro do comprimento de onda (cor diferente), bem como o dobro da separação entre asfranjas. Portanto, o fotão não se divide em dois! De facto, passa simultaneamente pelasduas fendas! E cada fotão interfere consigo próprio! Sendo uma onda, isso é possível!

Concluímos que, para justificar a distribuição espacial do local de chegada de fotões, pre-cisamos de usar um modelo baseado na propagação de ondas, em termos de interferênciadas amplitudes das ondas provenientes das duas fendas. Para dar conta dos fenómenosde interferência de fotões individuais, em vez das amplitudes de ondas clássicas, devemosconsiderar amplitudes quânticas ou amplitudes de probabilidade.

Se supusermos que o número total de fotões que passa através do sistema de duas fendasé N , então, quando uma das fendas estiver aberta, chegam a uma dada posição, y,do alvo PN fotões, sendo P uma fracção do número total de fotões. Pode dizer-seque P representa a probabilidade de um fotão ir parar a essa posição do alvo. Assim,podemos designar por P1(y) e P2(y), as probabilidades de um fotão ir parar a umadada posição, y, do alvo, passando respectivamente por cada uma das fendas F1 e F2.P12(y) será a probabilidade de um fotão atingir o alvo numa dada posição, y, quando asduas fendas estão simultaneamente abertas. Já vimos que P12(y) não é a simples somade P1(y) e P2(y). Por analogia com o formalismo expresso nas equações (1.5) e (1.6),introduz-se o conceito de amplitude de probabilidade, A(y), cujo módulo ao quadrado é aprobabilidade, isto é, P (y) = |A(y)|2. A amplitude de probabilidade será a raiz quadradada probabilidade mas terá uma fase que é função da posição. As amplitudes provenientesde cada fenda somam-se mas com uma diferença de fase correspondente à diferença depercurso, e que, portanto, depende da posição, y, no alvo.

Como veremos com maior pormenor, mais tarde, é conveniente adoptar um formalismoem que os dois caminhos possíveis, nomeadamente o que passa pela fenda F1 e o que passapela fenda F2, são representados por uma espécie de vectores unitários (ou, de um modo

5Esse facto foi estabelecido numa experiência realizada por G. I. Taylor em 1909 [G. I. Taylor, Proc.

Camb. Phil. Soc. 15, 114 (1909)]

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geral, elementos de um espaço linear), como por exemplo, ψ1 e ψ2, e a resultante, por

ψ = c1ψ1 + c2ψ2 (1.7)

sendo c1 e c2 números complexos que representam as amplitudes de probabilidade de ofotão passar pela fenda F1 e a de passar pela fenda F2, respectivamente. Estas quanti-dades chamam-se amplitudes de probabilidade, porque têm carácter ondulatório, e o seumódulo ao quadrado é a probabilidade de se dar o acontecimento em causa. A probabi-lidade de o fotão ir da fonte até ao alvo é dada por P = |c1 + c2|2. Uma vez que c1 e c2são números complexos, teremos

P = |c1 + c2|2 = |c1|2 + |c2|2 + 2|c1| |c2| cos θ (1.8)

sendo θ o ângulo entre c1 e c2 no plano de Argand. É o último termo que dá origem àinterferência, a qual pode ser positiva ou negativa.

Note-se que, para o caso do campo electromagnético, podemos identificar as entidadesabstractas ψ com o vector campo eléctrico, E. E uma vez que as equações de Maxwellsão lineares e homogéneas podemos usar o princípio da sobreposição: se E1 e E2 são so-luções dessas equações, então E = c1E1 + c2E2, (em que c1 e c2 são números complexos),é também uma solução.

1 . 3 FOTÕES E ESTADOS QUÂNTICO S

Na posse das ideias aqui expostas, vamos discutir uma outra experiência simples queconsiste na análise da luz polarizada. Isso vai permitir-nos introduzir conceitos funda-mentais gerais, relacionados com as medições de grandezas físicas, na teoria quântica.

Diz-se que um feixe de luz (ou onda electromagnética) está num estado de polarizaçãolinear se, quando o fizermos passar através de um analisador (ver Figura 1.3 e Figura 1.4)

Feixe não

polarizado

E

E

Dois Feixes

polarizados

perpendicularmente

um ao outro

Cristal

de calcite

Figura 1.3: A calcite tem a propriedade de birrefringência (dupla refracção).Um feixe de luz que atravesse uma lâmina de calcite cristalina devidamentecortada dá origem a dois feixes paralelos (dois canais), polarizados perpendicu-larmente um ao outro. Um analisador pode ser uma destas lâminas, com umdos canais bloqueado.

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e rodarmos este em torno do eixo de propagação, se observar que existe uma orientação emque há transmissão total e uma orientação perpendicular em que há extinção completa.

A experiência consiste em dirigir uma onda plana monocromática polarizada para umanalisador A (Figura 1.4) que transmite só a componente de campo eléctrico E paralelaa Ox, e que pode ser interpretada em termos da óptica ondulatória.

x

y

z

A

O

qq

epex

ey

Figura 1.4: Uma onda plana monocromática polarizada passa por um anali-sador A. Oz é a direcção de propagação, e ep, o vector indicativo da direcçãode polarização. O analisador A (representado pelo vector A) transmite luz po-larizada paralelamente a Ox e absorve luz polarizada paralelamente a Oy.

Quando a onda electromagnética, que incide no analisador, tem a componente campoeléctrico polarizada segundo uma direcção arbitrária, ep, o campo eléctrico tem a forma

E = E0ei(kz−ωt)ep (1.9)

Ao atravessar o analisador, apenas a componente de E, segundo Ox, é transmitida; acomponente de E perpendicular a Ox (i.e., Oy) é absorvida. O campo eléctrico da ondatransmitida varia com cos θ:

E′ = [E0ei(kz−ωt) cos θ]ex (1.10)

sendo cos θ a projecção de ep sobre ex, ou produto interno, que representamos por 〈ex|ep〉.

E, como de acordo com a teoria do electromagnetismo, a intensidade é proporcional aoquadrado do módulo da amplitude do campo eléctrico, a intensidade do feixe emergenteé proporcional a cos2 θ:

I ′ = I0 cos2 θ (1.11)

Poderíamos repetir a experiência rodando o analisador 90o. Observar-se-ia que o campoeléctrico da onda transmitida variava com sen θ:

E′′ = [E0ei(kz−ωt) sen θ]ey (1.12)

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e a intensidade do feixe seria proporcional a sen2θ:

I ′′ = I0 sen2θ (1.13)

Podemos supor que fazemos as experiências com feixes de intensidade tão baixa que, emcada instante, só há um fotão em curso.

Nessas circunstâncias, podemos dizer que cada fotão incidente no dispositivo está numestado de polarização designado por um vector unitário, ψ, com a forma (1.9) a quecorresponde uma função6 ψ(z, t) de uma onda plana polarizada segundo ep,

ψ = Aei(kz−ωt)ep (1.14)

Esta onda plana pode designar uma amplitude de probabilidade associada ao fotão.

Podemos escrever esta onda plana como a sobreposição de duas ondas planas, uma cor-respondendo ao estado de polarização segundo Ox e outra ao estado de polarizaçãosegundo Oy:

ψ = cos θ ψx + sen θ ψy (1.15)

sendo

ψx = Aei(kz−ωt)ex (1.16)

ψy = Aei(kz−ωt)ey (1.17)

Podemos atribuir o seguinte significado às expressões 1.15 a 1.17:

1. ψx e ψy representam os dois estados de polarização do fotão (segundo Ox e segundoOy, respectivamente).

2. Na expressão (1.15), cos θ e sen θ representam amplitudes de probabilidade, associa-das aos respectivos estados de polarização. Os quadrados dos módulos respectivosrepresentam as probabilidades de o fotão detectado após o analisador estar noestado de polarização ψx ou ψy.

3. A decomposição do estado arbitrário ψ nas suas componentes tem o nome de de-composição espectral .

As expressões (1.15) a (1.17) contêm toda a informação sobre o estado quântico do fotãonomeadamente pela especificação de três parâmetros: i) a sua energia (E = ~ω = hν);ii) a direcção de propagação, iii) os estados de polarização possíveis e suas probabilidades.

6ψ aparece aqui como uma entidade abstracta que representa um vector de estado, e ψ(z, t) como umafunção que descreve uma onda. Embora se use o mesmo símbolo ψ, não devemos confundir as situações.Por isso, é conveniente sempre que se trata de uma função, explicitar as suas variáveis, como ψ(z, t).

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Quando um fotão atinge o analisador A, há duas possibilidades: ou passa, e fica no estadode polarização ψx, ou não passa. A probabilidade de passar é cos2 θ.

O fotão mantém a mesma energia (e comprimento de onda)— o fotão não se divide.

No caso de um feixe com um grande número de fotões, a intensidade do feixe emergenteé uma fracção cos2 θ do feixe incidente. O decréscimo em intensidade significa que o feixeemergente transporta menos fotões por segundo do que o feixe incidente. Isso pode serinvestigado experimentalmente contando os fotões com um fotomultiplicador. Conclui-seque uma fracção cos2 θ do número de fotões incidentes no polarizador A são transmitidos,enquanto é completamente absorvida uma fracção sen2 θ. Diremos que a probabilidadede um fotão ser transmitido é cos2 θ em que θ é o ângulo entre o eixo do polarizador Ae a direcção de polarização do feixe incidente ep.7

Note-se que um feixe em que todos os fotões estejam num estado de polarização descrito poruma sobreposição linear é diferente de um feixe constituído por uma mistura estatística (em queum certo número de fotões está num estado de polarização e outro número está num estado depolarização diferente). Se, por exemplo, (ver Figura 1.5) considerarmos um feixe em que todosos fotões estão num estado de polarização

e =1√2(ex + ey)

nenhum fotão passará através de um analisador cujo eixo A seja perpendicular a e.

x

y

z

A

O

e ex

ey

45º

Fo

tom

ult

ipli

cador

90º

Figura 1.5: Um feixe de fotões num estado de polarização descrito pelo vector e

não passa através de um analisador cujo eixo seja perpendicular a e.

Se, pelo contrário tivermos uma mistura estatística com 50 por cento dos fotões polarizadossegundo ex e os outros 50 por cento polarizados segundo ey , passará através do analisadormetade do total de fotões.

De facto, no caso da combinação linear, temos que a probabilidade de passagem através doanalisador é dada por P = |〈A|e〉|2 = 0 (visto que são perpendiculares).

7Se reflectirmos por um momento nesta questão verificamos que as implicações deste resultado sãoavassaladoras... De facto, isto significa que as mesmas condições não produzem sempre os mesmosresultados —um fotão, umas vezes passa através do analisador e outras vezes não.

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PA R T ÍC U L AS M A T E R IA I S E O N D A S D E M A T É R IA . R E L A Ç Ã O D E

D E B R O G L IE

No caso da mistura estatística teremos fotões em dois estados: 50 por cento no estado depolarização ex, correspondendo portanto a uma probabilidade px = 1/2, e outros 50 porcento no estado de polarização ey (probabilidade py = 1/2). A probabilidade de os fotõesno estado ex passarem através do analisador é PAx = |〈A|ex〉|2 = | cos(45o)|2 = 1/2. Demodo idêntico, a probabilidade de os fotões no estado ey passarem através do analisador éPAy = |〈A|ey〉|2 = |− sen (45o)|2 = 1/2. Mas como está metade em cada estado, o número totalde fotões que passam através do analisador é PA = 1

2PAx + 1

2PAy = 1/4 + 1/4 = 1/2. Quer

dizer que passa metade do total de fotões (1/4 no estado ex e 1/4 no estado ey).

O estado de polarização de um fotão pode ser designado por um vector unitário ou, deum modo geral, por um elemento de um espaço linear, que satisfazendo o princípio desobreposição, pode ser expresso como uma combinação linear dos dois estados possíveis.

Os coeficientes da combinação linear, os quais podem ser números complexos, são ampli-tudes de probabilidade e, no contexto de uma álgebra linear, são as projecções ou produtosinternos, que, usando uma notação muito conveniente devida a Dirac8, se podem escreversob a forma de brackets 〈ψx|ψ〉, como veremos mais tarde mais pormenorizadamente.

Veremos a seguir que não só os fotões, individualizados como partículas, podem ser descri-tos por ondas, mas também os electrões e os átomos em movimento, a que habitualmenteatribuímos o carácter de partículas, podem ser descritos por ondas. A estrutura da fí-sica quântica descrita anteriormente para os fotões é válida para electrões, átomos ouquaisquer outros sistemas.

1 . 4 PARTÍCU L A S MATERIA I S E ONDAS DE MATÉRIA . RE -LAÇÃO DE DE BROGLIE

Já vimos que a luz se manifesta sob a forma de ondas, através dos fenómenos de inter-ferência, e que, em determinadas circunstâncias, se manifesta como se fosse constituídapor partículas (fotões). Concluiu-se que o momento linear, que é uma quantidade típicade uma partícula, pode relacionar-se com um comprimento de uma onda λ, nomeada-mente, p = ~k ou p = h

λ , uma vez que p = Ec = hν

c = hλ .

Louis de Broglie9, em 1924, demonstrou10 que uma partícula material (com massa emrepouso não nula), como o electrão, tinha também, em movimento, comportamento on-

8P. A. M. Dirac foi um dos fundadores da teoria quântica, por volta de 1926, quando tinha 24 anos.Recebeu o Prémio Nobel de Física em 1936.9Louis-Victor Pierre Raymond, Prince de Broglie (1892–1987) —Prémio Nobel de física de 1929.

10L. de Broglie, Thesis, Paris, 1924; Ann. de Phys. (10) 3, 22 (1925).

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ID E IA S F U N D A M E N T A IS D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

dulatório, sendo igualmente válida a expressão

p =h

λ(1.18)

Note-se, no entanto, que para o electrão p = mev, expressão que não é válida para ofotão, que não tem massa.

Pela sua importância e porque ela é quase sempre ignorada, faremos a dedução da relaçãode de Broglie no Complemento 1C.

A confirmação experimental de que os electrões se propagam como ondas veio logo aseguir. Independentemente um do outro e ambos em 1927, Davisson (e o seu assistenteGermer) e George P. Thomson11 confirmaram que os electrões se difractam quando in-cidem sobre um cristal.

1.4.1 Difracção de Electrões

O comprimento de onda de um feixe de electrões pode ser calculado de modo semelhanteao da difracção de raios X, descoberta por Bragg em 1913.

Em 1913, W. H. e W. L. Bragg observaram que os cristais produziam notáveis padrões dedifracção da radiação X, Figura 1.6.

Cristal

Feixe de raios X

Alvo

Figura 1.6: Difracção de um feixe de raios X por um cristal.

Interpretaram essas observações, admitindo que os cristais eram formados por planos de átomos adistâncias regulares. O feixe de raios X era reflectido especularmente por esses planos, reflectindocada plano apenas uma fracção da radiação incidente, como se fosse um espelho semitransparente.Os raios assim reflectidos interferiam construtivamente, quando a diferença de percurso, 2d sen θ,entre os raios reflectidos por planos consecutivos era um múltiplo do comprimento de onda, λ(ver Figura 1.7).

11Filho de Joseph J. Thomson que em 1897 descobrira o electrão, (como partícula).

17

Page 38: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . F U N Ç Õ E S D E O N D A

d sen q

l

d

q

Figura 1.7: Uma onda plana (e.g., feixe de raios X) será reflectida pela família de

planos (de átomos) à distância d uns dos outros, se a diferença de percurso entre dois

raios paralelos for um múltiplo do comprimento de onda (2d sen θ = nλ).

A condição de Bragg é, portanto 2d sen θ = nλ (lei de Bragg; n = 1 para a reflexão de 1a ordem).

Se fizermos a experiência de Bragg com electrões, podemos, a partir do conhecimento dasdistâncias entre os átomos do cristal e do ângulo de difracção observado, calcular o comprimentode onda, λ. Pode, assim, verificar-se a relação p = h

λa partir do conhecimento da massa do

electrão e da sua energia cinética E = 12mv2 = p2

2m.

Podemos interrogar-nos se a mecânica ondulatória se aplica ou não a objectos macroscópicos.Consideremos, por exemplo, uma bola de bilhar com m = 0, 5 kg que se move com uma ve-locidade v = 3 m/s. O seu momento linear será p = mv = 1, 5 kg ms−1. Aplicando a fór-

mula de de Broglie, temos λ = hp

= hmv

= 6,62×10−34

1,5= 4, 4 × 10−34 m. A fórmula de

Bragg dar-nos-ia ângulos de difracção de primeira ordem (n = 1) extremamente pequenos eportanto inobserváveis. Fazendo o cálculo para um electrão (me ≈ 9 × 10−31 kg) com umavelocidade de v = 10m s−1 obtemos para λ um valor da ordem de 10−6 m, perfeitamente ob-servável. Não podemos, portanto, concluir que a mecânica ondulatória não se aplica a objectosmacroscópicos, mas também não podemos concluir que se aplica. No paradigma actual da ciên-cia, em que temos a tendência em aceitar leis gerais e unificadoras, é usual aceitar que a mecânicaondulatória é também válida para objectos macroscópicos, mas que as suas manifestações especí-ficas não são observadas nesse caso.

1 . 5 EQUAÇÃO DE SCHRÖDIN G ER . FUNÇÕES DE ONDA

Em 1926, o físico austríaco Schrödinger12, inspirado na tese de de Broglie e na teoriade Hamilton-Jacobi (uma versão da mecânica clássica), desenvolveu a equação de ondada mecânica ondulatória. Aplicou essa equação ao modelo do átomo de Bohr e demons-trou que os valores das energias assim quantizadas estavam de acordo com os resultadosexperimentais e eram exactamente iguais aos que tinham sido obtidos por um métodomais abstracto desenvolvido um ano antes por Heisenberg. Essa equação, hoje chamadaequação de Schrödinger13, é a base dos cálculos das energias de átomos e moléculas.

12Erwin Schrödinger (1887–1961).13E. Schrödinger, Ann. d. Phys. 79, 361, 489; 80, 437; 81, 109 (1926)

18

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O N D A S E PA R T ÍC U L AS

ID E IA S F U N D A M E N T A IS D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Partindo da expressão da energia total de uma partícula de massa m, E = T + V , emque T = 1

2mv2 é a energia cinética, e V é a energia potencial, deduz-se a expressão do

momento linear, p = mv (ver esquema abaixo). Por outro lado, partindo da equaçãoclássica de propagação das ondas no interior de um tubo (assim a equação é simples,podendo escrever-se a uma só dimensão, x)14, resolve-se em ordem a 1/λ. Usa-se entãoa relação de de Broglie, p = h/λ, e chega-se facilmente à famosa equação:

Para uma partícula Para uma onda

Equação da energia total: Equação clássica:

E =1

2mv2 + V (1.19)

d2ψ

dx2= −

(

λ

)2

ψ (1.20)

Resolvendo em ordem a v, vem Multiplicando ambos os membros por − 1ψ ,

v =

2(E − V )

m

(

λ

)2

= − 1

ψ

d2ψ

dx2

que multiplicando por m dá o momento, p, que resolvendo em ordem a 1/λ, dá

p = mv =√

2m(E − V )1

λ=

−1

4π2ψ

d2ψ

dx2

Introduzindo a relação de de Broglie p = hλ , e relacionando as expressões de p e de 1

λ ,obtém-se

2m(E − V ) = h

−1

4π2ψ

d2ψ

dx2

Elevando ambos os membros ao quadrado:

2m(E − V ) =−h2

4π2ψ

d2ψ

dx2

Dividindo ambos os membros por 2m, vem

(E − V )ψ =−h2

8π2m

d2ψ

dx2

Rearranjando:

− h2

8π2m

d2ψ

dx2+ V ψ = E ψ

14Ver por exemplo, Introdução à Física por J. Dias Deus et al.; McGraw-Hill de Portugal, 1992. Aí faz-sea dedução da equação de propagação das ondas de compressão do ar ao longo de um tubo, chegando-se

à equação 1v2

∂2ψ∂t2

= ∂2ψ∂x2 , em que v é a velocidade de propagação, ψ é a amplitude da onda, e ∂2ψ

∂t2e

∂2ψ∂x2 são respectivamente as segundas derivadas (parciais) de ψ em ordem ao tempo, t, e à coordenadax, que é a direcção de propagação. Se considerarmos uma onda do tipo ψ = A sen (kx − ωt), é fácil

obter a segunda derivada, ∂2ψ∂t2

= −ω2ψ. Substituindo na equação de propagação, e atendendo a que a

velocidade (da onda) é v = ωk, sendo k = 2π

λ, vem ∂2ψ

∂x2 = −( 2πλ

)2ψ .

19

Page 40: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . F U N Ç Õ E S D E O N D A

que se pode escrever sob a forma:[

− h2

8π2m

d2

dx2+ V

]

ψ = E ψ

ou ainda, usando a constante ~ = h2π ,

[

− ~2

2m

d2

dx2+ V

]

ψ(x) = E ψ(x) (1.21)

explicitando que ψ é uma função de x. Nesta equação, ~ (h traçado) é a constante dePlanck dividida por 2π, m é a massa da partícula e ψ(x) é a amplitude da onda associadaao movimento da partícula. V (x) é o potencial a que a partícula está sujeita (tambémpode ser função de x), e E é a energia total da partícula.

Esta é a equação de Schrödinger a uma dimensão, independente do tempo — note-seque a variável tempo não aparece explicitamente. A equação independente do tempoé suficiente para resolver os chamados problemas estacionários — que não dependem dotempo — e que constituem muitos dos problemas da química.

A equação pode ser generalizada às três dimensões do espaço:[

− ~2

2m

(

∂2

∂x2+

∂2

∂y2+

∂2

∂z2

)

+ V (x, y, z)

]

ψ(x, y, z) = E ψ(x, y, z) (1.22)

Atendendo a que ∂2

∂x2 + ∂2

∂y2 + ∂2

∂z2 é o laplaciano, em geral representado por ∇2 ou por∆, podemos escrever a equação de Schrödinger na seguinte forma:

[

− ~2

2m∇2 + V (x, y, z)

]

ψ(x, y, z) = E ψ(x, y, z) (1.23)

Aliás, todo o parêntesis recto de (1.22) constitui um operador matemático, chamadohamiltoniano, que usualmente se representa por H . Podemos portanto escrever a equaçãode Schrödinger abreviadamente, como

H ψ(r) = E ψ(r) (1.24)

em que r representa o conjunto das três coordenadas de espaço, r = (x, y, z). Na maiorparte dos problemas de química, o que se pretende é calcular os valores possíveis daenergia do sistema, E.

Para obter a equação de Schrödinger dependente do tempo, consideremos uma ondaplana que se propaga ao longo de r, da forma

Ψ(r, t) = Aei(k.r−ωt) (1.25)

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O N D A S E PA R T ÍC U L AS

ID E IA S F U N D A M E N T A IS D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

em que A é uma constante a definir e os outros símbolos têm os significados habituais15.Podemos escrever Ψ(r, t) = ψ(r)e−iωt, separando as variáveis de espaço e de tempo.

Note-se que, pela fórmula de Euler, eiθ = cos θ + i sen θ, e portanto

Ψ(r, t) = Aei(k.r−ωt) = A[cos(k.r − ωt) + i sen (k.r − ωt)]

da qual podemos reter a componente real Ψ(r, t) = A cos (k.r−ωt) ou a componente imagináriaΨ(r, t) = A sen (k.r−ωt), visto que representam ondas simples idênticas, diferindo apenas na fase.

Se derivar a forma exponencial de Ψ(r, t) em ordem a t, obtém-se

∂tΨ = −iω

[

Aei(k.r−ωt)]

= −iωΨ (1.26)

Atendendo a que a frequência angular ω está relacionada com a frequência ν (de E = hν),pela relação ω = 2πν, podemos escreverE = h

2πω = ~ω, que é a energia total da partícula.

A partir daqui e atendendo a (1.24) podemos escrever

EΨ = ~ωΨ = H Ψ (1.27)

Retomando ∂∂tΨ = −iωΨ e multiplicando ambos os membros da equação por i~, vem

i~∂

∂tΨ = −i2~ωΨ = ~ωΨ

ou seja

i~∂

∂tΨ = H Ψ (1.28)

que é a equação de Schrödinger dependente do tempo, sendo H o operador hamiltoniano.

Uma questão pertinente é a do significado físico da função de onda Ψ(r, t), ou ψ(r), que,em princípio, é a amplitude de uma onda de probabilidade, como já vimos.

Foi Max Born quem propôs uma interpretação probabilística da mecânica quântica(1926). De acordo com essa interpretação, que discutiremos no Capítulo 3, atribui-sea |ψ(r)|2 o significado de uma densidade de probabilidade, sendo |ψ(r)|2dr a probabi-lidade de encontrar a partícula no elemento de volume dr, centrado no ponto r. Estainterpretação permite que ψ(r) seja arbitrariamente normalizada ou normada, impondoa condição de ser

|ψ(r)|2dr = 1, que significa que a probabilidade de encontrar a partí-cula em todo o domínio de ψ(r) é 1. Note-se que dr = dx dy dz é o elemento de volume,também designado por dτ .

15Usaremos Ψ (psi maiúsculo) para funções das coordenadas de espaço e de tempo e ψ (psi minúsculo)para funções das coordenadas de espaço.

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E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . F U N Ç Õ E S D E O N D A

A condição∫

|ψ(r)|2dr = 1 permite-nos determinar as constantes de integração (e.g.,A em 1.25), que são chamadas as constantes de normalização, ou constantes de normação.

Note-se que em muitos casos as funções de onda são funções complexas de variáveisreais, como ψ(r, t) = Aei(k.r−ωt), devendo fazer-se |ψ(r)|2 = ψ∗(r)ψ(r). A condição denormação é então

|ψ(r)|2 dr =

ψ∗(r)ψ(r)dr =1 (1.29)

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C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 1

1A QUANTA DE RADIAÇÃO

Recordemos a situação no final do século XIX relativamente à radiação do corpo negro.

O “corpo negro” é um objecto ideal que não reflecte a radiação — só absorve ou emite(Figura 1A.1). Podemos imaginar um corpo negro como uma pequena abertura numacavidade. Qualquer radiação que entra vai sendo sucessivamente reflectida e absorvidapelas paredes. A radiação emitida corresponde ao equilíbrio, à temperatura T , entrea radiação e a matéria, no interior da cavidade. A quantidade de radiação ρ(ν, T ), defrequência ν, observada nas suas imediações, depende da temperatura, T .

T

r(n,T)

Figura 1A.1: O “corpo negro” é um objecto ideal que não reflecte a radiação.Só absorve ou emite. A quantidade de radiação com uma dada frequência, ν,observada nas suas imediações, depende da temperatura.

A primeira fórmula relevante para explicar a radiação do corpo negro foi a fórmula deRayleigh e Jeans, que dava a densidade espectral da radiação do corpo negro, ou seja, aquantidade de radiação, ρ, de frequência ν, por unidade de volume. Não nos interessamuito a sua expressão analítica. Interessa salientar que ela foi obtida a partir da lei daequipartição de energia (da termodinâmica), que estabelecia o valor médio da energia daspartículas de um gás. Rayleigh e Jeans consideraram a radiação (luz) como osciladorescom energias idênticas às das partículas de um gás. Foi provavelmente a primeira vez queondas foram equiparadas a partículas! Como se pode ver na Figura 1A.2, a intensidadeda radiação, I(ν), tende para infinito, para frequências elevadas. A esta previsão dalei chamou-se catástrofe do ultravioleta. Outra fórmula mais adequada para explicar aradiação do corpo negro foi a de Wien.

Foi Planck quem, em 1900, propôs uma fórmula adequada para a energia média dasondas electromagnéticas. Admitiu que a probabilidade de a energia ter um certo va-lor E, à temperatura T , era dada pela distribuição de Boltzmann P (E) = Ae−E/kT

(k = 1, 3807 × 10−23 J K−1, é a constante de Boltzmann) e admitiu que os valores da

Page 44: Química Computacional - Livro completo

Q U A N T A D E R A D IA Ç Ã O

Rayleigh-Jeans (T = 1500 K)

T = 1500 K

T = 500 K

n/10 Hz14

I(n)

0 1 2 3

Figura 1A.2: Aspecto das leis de Raylegh-Jeans para T = 1500 K, e dePlanck, para as temperaturas de T = 1500 K e T = 500 K.

energia só podem ser múltiplos de uma quantidade proporcional à frequência, da formaE = nhν (com n = 0, 1, 2, 3, ...), sendo h = 6, 63 × 10−34J s. Baseado nessa hipótese,calculou a energia média da radiação e obteve a densidade espectral:

ρ(ν, T ) =8πhν3

c31

ehν/kT − 1(1A.1)

implicando que a luz é emitida pelo corpo negro em quantidades discretas, hν.

Planck introduziu assim o conceito de quantum de radiação, hν, que aparece na expo-nencial do denominador. De acordo com esta ideia, o corpo negro emite energia emquantidades discretas, múltiplas de hν, isto é, da forma

∆E = nhν (1A.2)

Note-se que Planck introduziu a noção de quantum de radiação, hν, mas foi Einsteinquem sugeriu que os quanta tinham comportamento de partículas com energia hν. Onome fotão para esse tipo de partículas foi apresentado por Gilbert Lewis em 19261.

1Gilbert Newton Lewis (1875-1946) foi um famoso químico-físico americano.

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

1B QUANTA DE LUZ COMO PARTÍCU L AS . EFE ITO FOTO-ELÉCTR IC O E EFE ITO DE COMPTON

Efeito fotoeléctrico

No seu artigo mais revolucionário2, Einstein mostrou como podiam explicar-se váriosfenómenos, inexplicáveis até então, assumindo que a interacção da luz com a matériaconsiste na emissão e absorção de quanta de luz. Nas suas próprias palavras, “a luzconsiste num número finito de quanta de energia, localizados em pontos do espaço, quese movem sem se dividir, e podem ser absorvidos ou gerados apenas como unidades com-pletas”. De entre os fenómenos explicados nesse artigo, destacamos o efeito fotoeléctrico.

Quando se faz incidir luz ultravioleta sobre um metal, libertam-se electrões da sua su-perfície (Figura 1B.1). A esse fenómeno chama-se efeito fotoeléctrico. Em 1905, Einsteinpropôs que a energia cinética dos electrões libertados do metal irradiado por um feixe deluz de frequência ν fosse dada por

T = hν −W (1B.1)

em que T é a energia cinética dos electrões, T = 12mev

2, me, a massa do electrão, e v asua velocidade. ν é a frequência da luz incidente, e W , a energia de ligação dos electrõesno metal.

hn (Fotão) Electrão

Metal

a) b)

T

0 n =W/ho n

Figura 1B.1: Efeito fotoeléctrico: a) Um raio de luz (hν) incide sobre asuperfície de um metal. Parte da energia é absorvida no metal e a restanteenergia usada para arrancar um electrão com energia cinética T . b) A energiacinética dos electrões ejectados, T = 1

2mev2, varia linearmente com a frequência

da luz incidente.

Verifica-se que:

i) Só são ejectados electrões quando a frequência da luz atinge um valor característicodo metal que é designado por frequência limiar . Este valor é calculado como W/h, onde

2A. Einstein, Ann. d. Phys. XVII, (1905), 146.

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Q U A N T A D E L U Z C O M O PA R T ÍC U L A S . E F E IT O

F O T O E L É C TRICO E E F E IT O D E C O M PT O N

W é a função de trabalho cuja interpretação actual é a de uma energia de ligação (aometal).

ii) A energia cinética dos electrões ejectados varia linearmente com a frequência da luzincidente mas é independente da intensidade. O número de electrões ejectados é propor-cional à intensidade da luz.

iii) Mesmo para intensidades muito baixas, são ejectados electrões, desde que a frequênciada luz ultrapasse o seu valor limiar (W/h).

O quantum de luz era assim equiparado a uma partícula que transfere energia e momentopara os electrões do metal.

18 anos mais tarde —efeito de Compton

Entre 1922 e 1924, Compton3 estudou em pormenor uma nova manifestação da naturezacorpuscular da luz. Verificou que, quando um feixe de raios X de frequência ν colidia comum electrão, o feixe era desviado e a sua frequência diminuía. Por outro lado, o electrãoera desviado noutra direcção. Havia transferência de energia e de momento entre fotõese electrões, Figura 1B.2.

hn

hn’

Electrão

Raio X (fotão)

v

Figura 1B.2: Efeito de Compton. Um raio X (fotão) colide com um electrão,dando um raio X com uma frequência menor e desviando o electrão da suatrajectória.

O princípio da conservação de energia implica:

hν = hν′ +1

2mev

2 (1B.2)

Por seu turno, segundo a teoria da relatividade, a energia de uma partícula é da forma

E =√

p2c2 +m20c

4 (1B.3)

3Arthur Holly Compton (1892–1961)

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

sendo p o seu momento linear, m0 a massa em repouso, e c a velocidade da luz no vácuo.Para o fotão, m0 = 0, pelo que E = pc, ou p = E

c = hνc ; ou, uma vez que, para a luz,

ν = cλ :

p =h

λ(1B.4)

A conclusão da experiência de Compton é a de que o fotão, que se propaga como uma ondaelectromagnética, se comporta, na interacção com o electrão, como se fosse uma partí-cula, podendo definir-se um momento linear que se relaciona com o comprimento de onda.

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R E L A Ç Ã O D E D E B R O G L IE

1C RELAÇÃO DE DE BROGLIE

Antes de citar o próprio Louis de Broglie4 sobre as ondas de matéria, e para compreen-der a sua ideia, é necessário recordar alguns conceitos que são do âmbito da teoria darelatividade, nomeadamente, as fórmulas da transformação de Lorentz.

Em primeiro lugar convém compreender o princípio da constância da velocidade da luzno vácuo, que é um dos postulados da teoria da relatividade restrita.

Princípio da Constância da Velocidade da Luz no Vácuo

No início do século XX prevalecia a hipótese do éter, meio imponderável, em repousoabsoluto, que seria o suporte material da propagação das ondas electromagnéticas (in-cluindo a luz).

Sobretudo devido aos resultados das experiências de Michelson e Morley5 (a primeiradas quais em 1881) tornou-se cada vez mais evidente que todos os fenómenos ópticos eelectromagnéticos implicavam a constância da velocidade da luz no vácuo, independen-temente do estado de movimento da fonte emissora. No entanto, essa hipótese entravaem conflito com o princípio da relatividade da mecânica de Galileu-Newton (adição dasvelocidades).

Note-se que a dificuldade residia em não se assumir que a luz se propagava sob a formade ondas. De facto, de um modo geral, a velocidade à qual as ondas se propagam,num dado meio, é independente da velocidade da fonte emissora. Quando se atira umapedra a um lago (com uma componente horizontal da velocidade), as ondas propagam-se radialmente a partir do centro da perturbação, sob a forma de círculos concêntricos,com uma velocidade de propagação que é independente da velocidade da pedra que asoriginou. Quando a fonte emissora está em movimento, a velocidade de propagação nãoé alterada, mas um observador estacionário verá o comprimento de onda e a frequênciaalterados (efeito Doppler).

Foi preciso um Einstein que, com um verdadeiro espírito pragmático, assumiu a constân-cia da velocidade da luz no vácuo como um postulado e transformou completamente a

4Ver também em An Introduction to Quantum Physics, A. P. French and E. F. Taylor, Norton & Co,N. Y.5O método utilizado consistiu em comparar os intervalos de tempo necessários para a luz percorrer amesma distância paralela ou transversalmente à direcção do movimento da Terra em relação ao éter. Noseu dispositivo, um éter estacionário implicaria um efeito que poderia ser detectado fazendo interferiros feixes paralelo e transverso. O resultado da experiência mostrou claramente que não há qualquertranslação da Terra relativamente ao éter, e que a velocidade da luz não era afectada pela direcção emque era medida.

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

teoria vigente, de modo a encontrar uma teoria inteligível e lógica. O passo decisivo foidado quando se verificou que as medições a fazer num dado sistema usando réguas e reló-gios não têm um significado físico absoluto, mas que dependem do estado de movimentodo sistema. Restava resolver o problema matemático de descobrir as leis de acordo comas quais os valores do espaço-tempo de um dado evento eram transformados quando sepassava de um referencial para outro, em movimento de translação linear relativamenteao primeiro. Esse problema foi resolvido pelas equações fundamentais da transformaçãode Lorentz :

x′ =x− vt√

1 − v2

c2

y′ = y z′ = z t′ =t− v

c2x√

1 − v2

c2

(1C.1)

cujo significado veremos a seguir.

Como Compreender as Equações Fundamentais da Transformação deLorentz

Dilatação do Tempo

Vamos ver como se relacionam os intervalos de tempo entre acontecimentos medidos emdois referenciais, S e S′, em movimento relativo. Imaginemos que, no interior de umveículo, se acende uma lâmpada L no chão, emitindo um raio de luz que é reflectido porum espelho no tecto, sendo o raio reflectido detectado pelo detector D também no chão(ver Figura 1C.1).

S‘

h h

E

L DS

l h

L

l

v

E

DA

d/2d/2

Referencial S’

do veículo

(velocidade v)

Referencial S

do exterior do veículo

Figura 1C.1: Tempos medidos por dois observadores, um dos quais está emmovimento relativamente ao outro.

Supõem-se a lâmpada e o detector praticamente coincidentes. Para um observador dentrodo veículo (referencial S′) o tempo entre a emissão e a detecção do raio de luz é

t′ =h

c+h

c=

2h

c

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R E L A Ç Ã O D E D E B R O G L IE

Para um observador na rua (referencial S), quando o raio de luz chega ao espelho, oveículo já se deslocou d/2, e quando o raio é detectado o veículo já percorreu a distânciad, que é igual ao produto da sua velocidade pelo tempo, isto é d = vt.

Por outro lado, usando o postulado da constância da velocidade da luz no vácuo (eadmitindo que a velocidade da luz no ar é a mesma),

t =`

c+`

c=

2`

c

Recorrendo ao teorema de Pitágoras para o triângulo AED (da figura), temos(

d

2

)2

+ h2 = `2 ou seja,(

1

2vt

)2

+

(

1

2ct′)2

=

(

1

2ct

)2

que se pode resolver em ordem a t′, dando

t′ = t

1 − v2

c2(1C.2)

Isto significa que o intervalo de tempo entre dois acontecimentos (emissão de um raiode luz e detecção do raio reflectido) não é o mesmo para os dois observadores, se umdeles estiver em movimento relativamente ao outro. Note-se que segundo a física nãorelativista (de Newton) o tempo entre estes dois acontecimentos seria o mesmo — o temposeria absoluto. Na teoria da relatividade, uma vez que se postula que a velocidade daluz é finita e constante, independentemente de os observadores estarem em movimentorelativamente um ao outro, o tempo deixa de ser absoluto. Cada observador mede otempo próprio do seu referencial. Este é o fenómeno da dilatação do tempo. É claroque para que se observe a dilatação do tempo é necessário que a velocidade seja muitogrande. Só assim, o quociente v2

c2 adquire um valor significativo.

Contracção do Espaço

Tentemos agora medir o comprimento de uma régua nos dois referenciais S e S′ (Fi-gura 1C.2). Imaginemos uma lâmpada que se acende numa extremidade da régua, umespelho reflector na outra extremidade, e que medimos o tempo que o raio de luz leva air e vir.

Para o observador dentro do veículo (referencial S′), que mede o comprimento `′, o tempode ida e volta é

t′ =2`′

c

Para o observador fora do veículo (referencial S), que mede o comprimento `, os temposde ida e de volta do raio de luz são respectivamente

tida =`+ v tida

ce tvolta =

`− v tvoltac

30

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

S‘E

L

Referencial S’

do veículo

(velocidade v)

Referencial S

do exterior do veículo

l‘

SE

L

l

v

Figura 1C.2: Comprimento de uma régua nos dois referenciais S e S′

donde

t = tida + tvolta =`

c− v+

`

c+ v=

2c`

c2 − v2

o que implica

2` = ct(

1 − v2

c2

)

substituindo t pela expressão da dilatação do tempo, vem

` = `′√

1 − v2

c2(1C.3)

que é a expressão da contracção do espaço.

A partir destas expressões da dilatação do tempo e da contracção do espaço é possíveldeduzir as expressões da transformação de Lorentz mencionadas anteriormente.

Com base na transformação de Lorentz podem deduzir-se as expressões para a massa,m = m0

1− v2

c2

, e, para a frequência de uma onda, ν = ν0√

(

1− v2

c2

), medidas num referencial

S em movimento relativamente a um referencial S0 (em repouso).

Citemos agora Louis de Broglie6 [1973]:

“...Guiado pelas ideias de Paul Langevin sobre a teoria da relatividade, fiz um estudoprofundo das propriedades da representação relativista de uma onda em propagação.Inspirado por uma das ideias fundamentais da teoria quântica, fui levado a definir umafrequência interna da partícula em repouso, ν0, ligada com a energia m0c

2 da massa em

6Wave Mechanics, The First Fifty Years, Editted by W. C. Price, S. S. Chissick and T. Ravensdale;Butterworths, 1973.

31

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R E L A Ç Ã O D E D E B R O G L IE

repouso, pela relação hν0 = m0c2. Isso levou-me a pensar que a partícula se comportava

como um pequeno relógio em movimento. Fiquei impressionado com o facto de que afórmula de transformação de Lorentz para uma onda era

ν =ν0

(

1 − v2

c2

)

(1C.4)

e a fórmula de transformação da frequência de um relógio (1/t), que traduzia o famosoatraso dos relógios em movimento, era

ν = ν0

(

1 − v2

c2

)

(1C.5)

Intrigado com esta diferença, perguntei a mim mesmo como é que uma partícula seme-lhante a um relógio se desloca na sua onda de modo a que a sua fase interna permanececonstantemente igual à da própria onda (Figura 1C.3).

x

A

A=A sen(kx-ωt)0

w=2pnl = c/n

Figura 1C.3: Modelo da partícula/relógio em fase com a onda de propagação.

Apliquei esta ideia, embora esquematicamente, ao caso simples de uma onda plana mo-nocromática, A = A0 sen (kx − ωt), em que A0 é a amplitude máxima, e k = 2π/λ.Supus que a onda se propagava ao longo do eixo dos x. Fui então levado a escrever paraa variação da fase, dφ, dessa onda, (atendendo a que ω = 2πν):

dφ = 2π

(

νdt− dx

λ

)

= 2π

ν0√

(

1 − v2

c2

)

dt−dxλ

=2π

h

m0c2

(

1 − v2

c2

)

dt−hdxλ

(1C.6)

e para a variação no intervalo de tempo, dt, da fase interna da partícula que se deslocaao longo de x, com velocidade v

dφi = 2πν0

(

1 − v2

c2

)

dt =2π

hm0c

2

(

1 − v2

c2

)

dt

32

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

Fazendo dφ = dφi e dx = v dt, obtém-se:

m0c2

(

1 − v2

c2

)

− hv

λ= m0c

2

(

1 − v2

c2

)

m0c2

(

1 − v2

c2

)

−m0c2

(

1 − v2

c2

)

=hv

λ

que simplificando, dám0v

2

(

1 − v2

c2

)

=hν

λ

e uma vez que o momento de uma partícula é p = mv = m0v√

(

1− v2

c2

)

, vem p = hλ

Ficava assim relacionado o momento linear (ou quantidade de movimento), que é umagrandeza típica de uma partícula, com o comprimento de uma onda.

Assim, foram encontradas as duas equações fundamentais da mecânica ondulatória:

E = hν (1C.7)

p =h

λ(1C.8)

associando com elas a imagem de uma partícula localizada que se desloca numa onda aolongo de um dos seus raios, mas que se mantém constantemente em fase com ela. Istoeu apresentei na minha tese em 1924, bem como a ideia hoje confirmada de que o fotãoem repouso tem massa não nula, embora muito pequena”.

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A L G U M A S R E F L E X Õ E S A D IC IO N A I S S O B R E A D U A L ID A D E

O N D A - PA R T ÍCUL A

1D ALGUMAS REFLEXÕE S ADIC ION AI S SOBRE A DUALI -DADE ONDA-PA RT ÍC U L A

Experiência das “Duas Fendas”

Suponhamos que disparamos balas contra uma parede com duas fendas próximas, poronde as balas podem passar (Figura 1D.1a) indo embater num ponto x do alvo. Podemos,ao fim de algum tempo, medir a distribuição das balas ao longo de x, ou, o que é o mesmo,a distribuição da probabilidade de as balas irem ter ao ponto x do alvo. Designemos essaprobabilidade por P (x). Sejam P1(x) e P2(x) as probabilidades de localização das balasque passam por cada uma das fendas, com a outra fechada, e seja P1,2(x) a distribuiçãodas probabilidades de localização das balas que passam, com as duas fendas abertas. Éfácil aceitar que P1,2(x) = P1(x) + P2(x).

Na Figura 1D.1b) esquematiza-se uma experiência idêntica, mas em que se gerauma onda que vai atingir a parede com duas fendas. As fendas são novas fontes geradorasde ondas, que vão interferir. A distribuição da intensidade (quadrado da amplitude) ao

F1

F2

P(x)P(x)

P(x)

x

P1,2

P1,2

Onda

na água Alvo

F

F1

2

x

Electrão

Alvo

F

F

1

2

x

1P

2P

P1,2

Bala

Alvo

a) b)

c)

Parede com

duas fendas

Figura 1D.1: Comparam-se três dispositivos experimentais: balas, onda naágua e um electrão, que se fazem passar por duas fendas numa parede. Verifica-se que o electrão tem comportamento misto — é detectado como uma partícula,mas a distribuição da probabilidade de chegada apresenta interferência, comose se propagasse como uma onda.

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

longo de x, P1,2(x), já não é a soma das distribuições das intensidades das ondas geradasem cada uma das fendas, com a outra fechada. P1,2(x) apresenta agora um padrão deinterferência.

Se for feita uma experiência idêntica com electrões, Figura 1D.1c) observa-se um com-portamento misto, isto é, os electrões chegam inteiros ao alvo (são detectados comopartículas) mas a distribuição espacial da probabilidade de chegada apresenta interferên-cia. Se fizermos a experiência com um único electrão de cada vez, ele irá embater no alvo,uma vez num local, outra vez noutro, com uma distribuição que apresenta interferência.

Parece ilógico, na nossa percepção da realidade, que sendo os electrões partículas, comoo mostram certas experiências, apresentem também fenómenos de interferência, como sefossem ondas. De facto, o movimento dos electrões, que passam através das duas fendas,pode ser descrito como a propagação de ondas de probabilidade que interferem. P1,2(x)

representa a probabilidade de o electrão “passar simultaneamente” pelas duas fendas,possibilidade que parece violar o senso comum.

Apesar de estranho, tudo isto, de certo modo se compreende, se aceitarmos que o electrãose propaga como uma onda, embora seja detectado como uma partícula.

Note-se que há um considerável número de experiências recentes feitas com átomos e commoléculas, com a intenção de pôr à prova a dualidade onda-partícula, cujos resultadosestão de acordo com a teoria. Um exemplo, particularmente interessante é o da experiên-cia feita com moléculas de C60, em que se observa um padrão de interferência quando sãoprojectadas sobre uma rede de difracção7. No Capítulo 3, faremos uma breve referência àinterpretação da experiência das duas fendas e veremos como se pode levantar o aparenteparadoxo.

Outra consequência do comportamento ondulatório é o facto de que as ondas se combinamou sobrepõem, dando novas ondas. Reciprocamente, podemos sempre descrever uma ondacomo a sobreposição de várias. Diz-se que as ondas satisfazem o princípio de sobreposição.

Podemos até imaginar um grupo de ondas (Figura 1D.2) cuja amplitude é nula em todoo espaço, excepto na vizinhança de um dado ponto x0.

O movimento de uma partícula pode ser descrito pelo movimento do grupo de ondas,sendo a partícula visualizada como estando, num dado instante, na vizinhança do pontox0. Isso implica, que nesta descrição como grupo de ondas, a posição da partículanão pode ser bem definida — tem sempre uma certa incerteza, ∆x. É a incerteza deHeisenberg.

7Nature vol. 409, 680(1999)

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A L G U M A S R E F L E X Õ E S A D IC IO N A I S S O B R E A D U A L ID A D E

O N D A - PA R T ÍCUL A

A

x

∆x

x0

Figura 1D.2: Um grupo de ondas, que se desloca, descreve o movimento deuma partícula.

Princípio de Sobreposição

A possibilidade de o electrão “passar simultaneamente” pelas duas fendas, uma espécie dedom da ubiquidade, é assumida como um dos princípios da mecânica quântica, o princípiode sobreposição. Segundo este princípio, o estado de um sistema pode ser descrito como asobreposição dos vários estados (ou caminhos) possíveis. No caso do electrão que “passa”pelas duas fendas, podemos descrever a sequência de eventos “o electrão é emitido nafonte e propaga-se até ao ponto x do alvo” como a sobreposição das duas possibilidades:1) “o electrão passa pela fenda 1” e 2) “o electrão passa pela fenda 2”.

Note-se que é falso dizer que o electrão passa pela fenda 1, ou (em alternativa) quepassa pela fenda 2. De facto, o electrão, que em movimento se comporta como onda,“passa” pelas duas fendas. É uma onda e, por isso, pode! Se colocar detectores junto decada fenda para tentar observar por qual delas o electrão passa, destruo a interferência,porque os métodos de detecção envolvem transferência de momento e de energia, típicosde partículas.

Seja qual for o dispositivo experimental, sempre que “observo” por qual das fendas passa oelectrão, destruo a interferência. Sempre que deixo que o electrão “passe” livremente pelasduas fendas observo que a distribuição da probabilidade contém interferência. Podemosdizer com propriedade que, ao “passar” pelas duas fendas, o electrão interfere consigopróprio.

Consequências da Dualidade Onda-partícula

É ponto assente que tanto os quanta de luz como as partículas de matéria têm com-portamento dual — propagam-se como ondas, mas, quando interactuam com outras, têmcomportamento típico de partículas.

Essa dualidade está condensada na relação de de Broglie entre o momento linear, grandezanormalmente associada a uma partícula, e o comprimento de onda de de Broglie λ = h/p.

A dualidade tem consequências profundas, das quais analisaremos algumas, em seguida.

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

Uma onda plana, que se propaga ao longo de x, tem a forma representada na Figura 1D.3.

A

x

Figura 1D.3: Uma onda plana que se propaga ao longo do eixo x.

A amplitude varia com x e também no tempo:

A = A0ei(kx−ωt) (1D.1)

O comprimento da onda é dado por λ = 2π/k, sendo k o módulo do vector de onda k,o qual define a direcção de propagação. ω é a frequência angular no tempo, em rad/s(ν = ω/2π é a frequência em s−1). Note-se que uma onda plana se estende por todoo eixo x. Não pode portanto ser usada para descrever o movimento de uma partícula,supostamente localizada, em cada instante, numa determinada região do espaço.

Atendendo à natureza das ondas e ao facto de que se sobrepõem, interferindo, um modode descrever a propagação de uma partícula consiste em construir um grupo de ondas.Consideremos então um grupo de ondas com distribuição Gaussiana, de k na vizinhançade k0 (Figura 1D.4):

x

k

k

x0

0

Figura 1D.4: Grupo de ondas, com distribuição gaussiana de k na vizinhançade k0.

φ =∑

k

Aei(kx−ωt) e−α(k−k0)2 =∑

k

Aeik(x−vt) e−α(k−k0)2 (1D.2)

multiplicando por ek0e−k0 e fazendo k − k0 = ∆k

φ = eik0x∑

k

Aei(∆kx−ωt)e−α∆k2

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A L G U M A S R E F L E X Õ E S A D IC IO N A I S S O B R E A D U A L ID A D E

O N D A - PA R T ÍCUL A

Se expandirmos ω = ω0 + dωdk∆k + ..., vem

φ = ei(k0x−ω0t)∑

k

Ae−α∆k2

ei∆k[x−dω(k)

dk t] (1D.3)

em que dωdk = vg é a velocidade do grupo de ondas, ou seja a velocidade da partícula.

Aliás, dos dois termos da equação (1D.2) se conclui também que v (velocidade do grupo)é v = dω

dk .

Com isto se conclui que não é assim tão estranho associar o movimento de uma partículaà propagação de ondas. A velocidade da partícula é a velocidade do grupo de ondas e,em cada instante, a posição da partícula é x0.

É interessante ver o que se passa com a velocidade de fase, u = ω/k, que é a velocidadeaparente com que se desloca a onda (de de Broglie). Sabe-se, da mecânica clássica, quea variação de energia, dE, por acção de uma força exterior é dE = v dp, em que v é avelocidade, e p, o momento linear. Sabe-se também, da teoria da relatividade restrita,que, para uma partícula, E = mc2√

1−v2/c2e p = mv√

1−v2/c2, pelo que, relacionando as duas

expressões através do denominador, se pode concluir que p = vc2E. Fazendo p = ~k e

E = ~ω, vem ωk = c2

v , podendo concluir-se que a velocidade de fase é u = ωk = c2

v . Oracomo v < c, viria u > c, implicando que a velocidade de fase ou velocidade aparenteda onda de de Broglie é superior à velocidade da luz, o que parece violar o postuladoda relatividade restrita, segundo o qual nenhum objecto ou sinal se pode propagar auma velocidade superior à da luz. O paradoxo é apenas aparente, na medida em queo movimento de uma partícula ou a propagação de um sinal estão relacionados com apropagação de grupos de ondas e nunca com a propagação de uma onda simples. Umaonda simples (com uma frequência única) não tem princípio nem fim e portanto não podeser por si só utilizada como sinal, e no que respeita ao movimento de partículas não temsignificado físico, como também se verá no Capítulo 3.

Os electrões nos átomos também deverão mover-se como ondas. De facto, mesmo osprimeiros modelos dos átomos, que, em determinadas condições, emitem luz, atribuíamessa propriedade à vibração dos próprios átomos, e, em modelos posteriores, às vibraçõesdos electrões dos átomos. O facto de as frequências poderem ser discretas se os átomos(ou os electrões) estiverem, de certo modo, confinados, como cordas vibrantes, estava deacordo com as observações experimentais de espectros discretos.

Um aspecto interessante e relevante, para a física, que descreve o comportamento (os-cilatório) dos átomos é o problema de uma corda vibrante fixa nas extremidades (e.g.,de uma guitarra). Vejamos quais as frequências possíveis. A variação da amplitude noespaço é A(x) = φ(x) = A0 senkx. As condições aos limites (fixação nas extremidades,

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

x = 0 e x = L, implicam que φ(x) satisfaça as condições: φ(0) = φ(L) = 0 ⇒ senk.0 =

senkL = 0 ⇒ kL = nπ ⇒ k = nπL ⇒ λ = 2L

n , com n = inteiro, isto é, da forma λ = 2Ln .

Quer dizer que apenas são permitidos alguns comprimentos de onda, sendo o efeito dasvibrações transmitido ao ar circundante. As frequências de vibração assumem tambémvalores discretos.

Na maior parte das situações dos sistemas físicos, as ondas poderão ser relativamentecomplicadas. No entanto, devido ao princípio da sobreposição e à análise de Fourier8,qualquer onda pode ser reduzida a uma soma de ondas simples, como, por exemplo,ondas planas. Se considerarmos duas ondas φ1(x, t) e φ2(x, t), então φ(x, t) = φ1(x, t) +

φ2(x, t) é também uma onda e uma solução da equação de ondas. Este é o princípio desobreposição. Por outro lado, segundo o teorema de Fourier, qualquer função (e.g., onda)pode ser decomposta numa série de ondas planas. Existe portanto todo um conjunto deferramentas matemáticas para lidar com o problema do comportamento ondulatório daspartículas de matéria.

Princípio de Incerteza de Heisenberg

O movimento de uma partícula de massa m, com velocidade v, pode ser descrito comoa propagação de uma onda de comprimento de onda λ, de acordo com a relação dede Broglie, p = h

λ . No âmbito da mecânica clássica, o conceito de velocidade implicao conceito de posição, que se supõe bem determinada, em qualquer instante, e com aprecisão que se quiser ou que os nossos instrumentos de medida permitam. Ao descrevero movimento como uma onda plana, de comprimento de onda λ como a da Figura 1D.5a,vê-se que a onda se estende por todo o eixo x, havendo uma indeterminação completa noque se refere à posição da partícula. Para melhor definir a posição da partícula, temosde descrever o seu movimento como o de um grupo de ondas, que será, por exemplo, asobreposição de várias ondas planas, com comprimentos de onda ligeiramente diferentese que interferem construtivamente na vizinhança do ponto x (Figura 1D.5b). A extensãodo grupo de ondas ∆x é a incerteza na posição da partícula.

A relação entre as incertezas na posição e no momento constitui um dos aspectos do prin-cípio de incerteza de Heisenberg9. Um outro aspecto desse princípio estabelece a relaçãoentre as incertezas no valor da energia (por exemplo a largura de uma risca espectral)e o tempo de emissão ou absorção. A demonstração formal das relações de incerteza édada no Capítulo 3, mas podemos, desde já, fazer delas uma análise fenomenológica.

8Ver Apêndice A3.9Werner Karl Heisenberg (1901-1976), Prémio Nobel de Física em 1932. O princípio de incerteza foipublicado em Z. F. Phys. 43, 172 (1927).

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A L G U M A S R E F L E X Õ E S A D IC IO N A I S S O B R E A D U A L ID A D E

O N D A - PA R T ÍCUL A

A

x

∆x

x0

A

a) b)

x

Figura 1D.5: a) Uma onda plana estende-se por todo o eixo x, havendo umaindeterminação completa no que se refere à posição da partícula. b) Para melhordefinir a posição da partícula, temos de descrever o movimento como o de umgrupo de ondas, de extensão ∆x (a incerteza na posição).

É um facto da análise (matemática) de Fourier que a largura de uma risca espectral, ∆ν,multiplicada pelo tempo, ∆t, durante o qual a onda é emitida ou absorvida, é da ordemda unidade, isto é, ∆ν∆t ≈ 1. Tomando ∆ν∆t ≈ 1 e fazendo E = hν, vem ∆E = h∆ν,que leva à relação ∆E∆t ≈ h. Veremos que no desenvolvimento do formalismo damecânica quântica surge naturalmente uma relação semelhante:

∆E∆t ≥ ~

2

(

~ =h

)

(1D.4)

que traduz um dos aspectos do princípio de incerteza de Heisenberg.

Note-se também que a partir de ∆ν∆t ≈ 1, usando ν = cλ e portanto ∆ν = c∆

(

)

, vemc∆

(

)

∆t ≈ 1. Atendendo a que c∆t = ∆x, vem ∆(

)

∆x ≈ 1, que traduz a relaçãoentre a incerteza na localização, ∆x, e a largura do grupo de ondas traduzida em ∆

(

)

.Da relação de de Broglie, p = h

λ , e portanto ∆p = h∆(

)

, o que implica ∆p∆x ≈ h,que é idêntica a outra das relações de incerteza de Heisenberg:

∆x∆p >~

2(1D.5)

que estabelece que a posição e o momento (ou a velocidade) de uma partícula não podemser medidas simultaneamente com uma precisão superior à estabelecida pela relação 1D.5.

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

1E PROBLEM AS

1. Aquiles10 e uma nanotartaruga fazem uma aposta inédita. A nanotartaruga apostaque pode passar simultaneamente pelas duas portas que dão acesso ao abrigo juntoda parede oposta, se ambas estiverem abertas.

0

2 mm

A(1 mm)

A(-1 mm)

1

2m = 10 kg

v = 1,2 mm/h

-24

(Admita que, nas figuras de interferência, os máximos estão separados por distân-cias da ordem de nλD/d, com n = 0,±1,±2, ...) (D = 2 mm= distância das portasà parede, d = 2 mm= distância entre as portas).

a) Qual o comprimento da onda de de Broglie associada ao movimento da nanotar-taruga?

b) Se Aquiles pesar 70 kg e for à velocidade de 10 m/s, qual o comprimento daonda de de Broglie associada ao seu movimento?

c) Poderá a nanotartaruga passar, de facto, simultaneamente, pelas duas portas?

d) Poderá Aquiles passar simultaneamente pelas duas portas?

e) Quem ganha a aposta? E como pode o juiz (Zenão) decidir, baseando-se emobservações?

2. Imagine-se num universo em que a constante de Planck tem o valor h = 6, 62608 J s

(em vez do seu valor real, 6, 62608 × 10−34J s) e que vai participar num jogo defutebol quântico. Nessa modalidade, a bola (pontual) é chutada aleatoriamentecontra uma parede com duas fendas (de largura maior do que o diâmetro da bola)à distância de 3 m uma da outra e a baliza é uma parede paralela à primeira e àdistância de 4 m daquela (ver figura). A bola pesa 410 g e, nesta jogada, é chutadapelo jogador A, da posição marcada com X, deslocando-se à velocidade (uniforme)de 4 m/s.

10Aquiles era o filho do mortal Peleus e da nereida Tétis. Era o maior dos gregos que lutou na Guerra deTróia, e o herói da Ilíada de Homero. A história da corrida de Aquiles e da tartaruga é um dos famososparadoxos de Zenão de Eleia (490AC–425AC).

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PR O B L E M A S

D = 4 m4 mF2

F1

Jogador A d =

3 m

Bal

iza

a) Calcule o comprimento de onda de de Broglie associado ao movimento da bola.

b) Qual é o local mais estratégico para o guarda-redes se colocar? Junto a umadas fendas? Encostado à baliza, a meio, ou numa das extremidades? (Admitaque, nas figuras de interferência, os máximos estão separados por distâncias daordem de nλD/d, com n = 0,±1,±2, ...). Faça cálculos, se necessário, parajustificar a resposta.

c) E se fosse no nosso universo (com h = 6, 62608× 10−34 J s)?

3. Considere um feixe com 100 fotões que se propagam ao longo de Oz, todos numestado de polarização representado pelo vector e, que faz 45o com os vectoresunitários ex, e ey (ver figura).

x

y

z

A

O

e ex

ey

45º

Fo

tom

ult

ipli

cad

or

90º

a) Escreva a expressão de e em termos de ex, e ey.

b) Quantos fotões serão detectados pelo fotomultiplicador, à direita do analisadorA, o qual faz 90o com e?

c) Se colocar um outro analisador, orientado segundo ex, entre a fonte e o analisa-dor A, quantos fotões serão detectados no fotomultiplicador?

d) Mostre que, para o caso da alínea b) (só com um analisador), o resultado édiferente, se em vez de ter 100 fotões num estado que é a sobreposição de duaspolarizações, tiver uma mistura estatística de 50 fotões, num estado de polari-zação ex, e 50 fotões num estado de polarização ey.

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 1

4. Repetiu-se várias vezes a seguinte experiência: um único fotão com polarização noplano xz, ou seja, com polarização segundo ex, propaga-se ao longo de z e incidesobre um analisador A, colocado no plano xy, e que faz um ângulo de 45o com oplano xz (ver figura seguinte).

x

y

z

Analizador

A

0

45º

Det

ecto

r

hn

a) Qual a probabilidade de observar o fotão no detector?

b) Se o fotão estiver inicialmente no estado de sobreposição ψ = (cos 45o)ex +

( sen 45o)ey, qual é a probabilidade de o observar no detector?

5. a) A função de trabalhoW para o césio é 1,9 eV. Calcular a energia cinética máximados electrões emitidos quando o metal é irradiado com luz de i) 600 nm; ii) 400THz (terahertz, 1 tera=1012).

b) Qual o efeito que evoca a experiência anterior?

c) Quais as consequências que teve, para a ciência, a explicação desse efeito?

6. Como coadunar a afirmação de que não é possível definir a trajectória de um elec-trão (devido ao seu comportamento ondulatório) com a observação da sua trajec-tória visualizada pela condensação de gotículas de vapor de água numa experiênciacom a câmara de Wilson?

7. No modelo de Bohr para o átomo de hidrogénio, o electrão descreve uma órbitacircular à volta do protão. Na situação de equilíbrio dinâmico, a força de Cou-lomb (atracção) entre as duas cargas, e2

4πε0r2é compensada pela força (centrífuga)

associada ao momento angular do electrão na órbita circular com energia cinéticaT = mv2/2, que é

Fc = −∇T = −mrω2 = −mv2

r(v = ωr)

A órbita será estacionária se se impuser uma condição de periodicidade tal que opercurso da órbita contenha uma onda estacionária, isto é, um número inteiro de

43

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PR O B L E M A S

comprimentos de onda, ou seja, 2πr = nλ, com n = 1, 2, 3, ... (ver figura)

r

Admita a relação de de Broglie11, para a onda referida e note que a energia potencial(de Coulomb) é da forma U = − e2

4πε0r

a) Deduza uma expressão para o raio do átomo de Bohr, rn, para as várias órbitas,isto é, em função de n.

b) Calcule o valor do raio de Bohr, a0 (raio da primeira órbita).

c) Deduza a expressão para a energia do átomo de Bohr, En, em função de n.

d) Calcule o valor da energia do átomo de Bohr para o estado fundamental emjoule e em eV.

e) Calcule o comprimento de onda da risca de Lyman, de menor energia, do espec-tro do hidrogénio? Qual é a cor?

11Note-se, no entanto, que Bohr propôs o seu modelo do átomo em 1913, quase 20 anos antes de deBroglie ter proposto a relação p = h/λ (em 1923).

44

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2SOLUÇÕES DA EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER. EXEMPLOS SIMPLES

Page 66: Química Computacional - Livro completo

Página 46 (propositadamente em branco).

Página 46 (propositadamente em branco).

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S O L U Ç Õ E S D A E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . E X E M PL O S

S IM PL E S

Neste capítulo vamos resolver a equação de Schrödinger para casos muito simples, quetêm soluções exactas, nomeadamente a partícula livre, a partícula numa caixa e o efeitode túnel. O objectivo é o de nos familiarizarmos com a equação de Schrödinger e com anatureza das suas soluções.

2 . 1 PARTÍCU L A L IVRE

A equação de Schrödinger para uma partícula de massa m que se move livremente (semestar sujeita a forças, isto é, com energia potencial nula, V = 0) ao longo do eixo x

m xv

é

−~

i

∂tΨ(x, t) = H Ψ(x, t) (2.1)

em que H é o operador hamiltoniano, que, a uma dimensão e atendendo a que a energiapotencial é nula (V = 0), tem a forma

H = − ~2

2m

∂2

∂x2(2.2)

A equação de Schrödinger independente do tempo, H ψ(x) = E ψ(x), é

− ~2

2m

d2ψ(x)

dx2= Eψ(x) (2.3)

Esta equação pode escrever-se:

d2ψ(x)

dx2= −2m

~2Eψ(x) (2.4)

em que E é a energia total da partícula (neste caso só cinética, visto que V = 0),

Fazendo k2 = 2mE~2 , podemos escrever a equação na forma canónica

d2ψ(x)

dx2= −k2ψ(x) (2.5)

cujas soluções são do tipo

ψ(x) = Aeikx +Be−ikx (2.6)

com A e B constantes arbitrárias.

47

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PA R T ÍC U L A L IV R E

Por sua vez, a equação de Schrödinger dependente do tempo será

~

i

∂tΨ(x, t) =

~2

2m

∂2

∂x2Ψ(x, t) (2.7)

cujas soluções gerais são da forma

Ψ(x, t) = ψ(x)e−iE~t (2.8)

com E~

= hν~

= 2πν = ω, que é a frequência da onda de de Broglie associada à partícula.

A solução geral da equação de Schrödinger é

Ψ = (Aeikx + Be−ikx)e−iωt = Aei(kx−ωt) +Be−i(kx−ωt) (2.9)

Trata-se de duas ondas planas, uma no sentido positivo e outra no sentido negativo doeixo dos xx. O problema é pois degenerado. A dois valores de k, (k e – k) correspondeo mesmo valor da energia.

A energia total da partícula, que, neste caso, é só cinética, visto que V = 0, é dada por

E =1

2mv2 =

p2

2m=

~2k2

2m(2.10)

uma vez que p = hλ = ~k, sendo k = 2π

λ .

O caso que vimos, em que a energia da partícula é bem determinada e que correspondea uma onda plana que se estende por todo o espaço, e portanto com uma total indeter-minação da posição, não tem significado físico1.

O princípio de sobreposição diz-nos que qualquer combinação linear de ondas planas dotipo Ψ = Aei(kx−ωt) é uma solução da equação (2.7). Uma tal sobreposição pode ser

Ψ(x, t) =1√2π

∫ +∞

−∞g(k)ei[kx−ω(k)t] dk. (2.11)

Para um dado instante, que podemos fazer como t = 0, teremos

ψ(x) =1√2π

∫ +∞

−∞g(k)eikx dk (2.12)

1De facto, o quadrado de uma onda plana do tipo de um dos membros de (2.9) não é integrável, eportanto não representa um estado físico de uma partícula (do mesmo modo que, na óptica, uma ondaplana monocromática não é fisicamente realizável). Para obter representações com significado físicoé necessário usar sobreposições de ondas planas (grupos de ondas) cujos quadrados sejam integráveis,como (2.12).

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Page 69: Química Computacional - Livro completo

S O L U Ç Õ E S D A E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . E X E M PL O S

S IM PL E S

sendo g(k), a transformada de Fourier2 de ψ(x):

g(k) =1√2π

∫ +∞

−∞ψ(x)e−ikx dx (2.13)

O grupo de ondas move-se com uma velocidade vg = ∂ω∂k . Se tomarmos o valor E, tal que

ω = E~

= ~k2

2m , vem ∂ω∂k = ~k

m = pm = v. Isto é, a velocidade do grupo de ondas associado

a uma partícula é precisamente a velocidade da partícula.

Para melhor visualizar a forma do grupo de ondas, podemos tomar a sobreposição deapenas três ondas planas com vectores de onda k0, k0 − ∆k

2 e k0 + ∆k2 e cujas amplitudes

são proporcionais, respectivamente a 1, 1/2 e 1/2. Teremos então

ψ(x) =1√2π

[

eik0x +1

2ei(k0−∆k/2)x +

1

2ei(k0+∆k/2)x

]

=1√2πeik0x

[

1 + cos

(

∆k

2x

)] (2.14)

Vemos que |ψ(x)| tem um máximo para x = 0. Isso deve-se ao facto de que, quandox = 0, as três ondas estão em fase e interferem construtivamente, como se mostra naFigura 2.1.

x

k

k - ∆k/2

0

Re(y(x))

+∆x/2-∆x/2

y

k + ∆k/20

0

0

Figura 2.1: As partes reais de três ondas planas dão a função ψ(x) da ex-pressão (2.14). Para x = 0 as três ondas estão em fase e interferem construti-vamente. À medida que nos afastamos de x = 0 ficam desfasadas e interferemdestrutivamente para x = ±∆x/2.

2Ver Apêndice A3, sobre transformadas de Fourier.

49

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PA R T ÍC U L A L IV R E

Na parte de baixo da figura, mostra-se a parte real de ψ(x). A traço fino está a envolvente[

1 + cos(

∆k2 x)]

, que dá |ψ(x)| e portanto a forma do grupo de ondas.

Note-se que, se, na última expressão da equação 2.14, fizermos x = ±∆x/2, valor quedelimita a incerteza na posição da partícula, e para o qual as ondas estão desfasadas deπ, temos que ∆x

2∆k2 = π. Podemos então escrever ∆x ∆k = 4π, ou seja, atendendo a

que ~k = p, ∆x∆p = 4π~.

Se, em vez de tomar apenas três ondas planas, tomássemos uma série infinita como (2.12),a forma do grupo de ondas dependeria de g(k). Ver-se-ia também que ∆x ∆p ≥ ~ que éuma relação de incerteza de Heisenberg. A relação exacta é ∆x∆p ≥ ~

2 , como veremosno Capítulo 3.

O problema poderia ser investigado em mais profundidade, mas deixemo-lo por aqui.

Por agora, tomemos uma solução real da equação de Schrödinger, do tipo3

ψ(x) = A senkx (2.15)

com

k =

(

2mE

~2

)1/2

É fácil verificar que esta é uma solução possível da equação de Schrödinger4. Emborasem um verdadeiro significado físico, o seu estudo é interessante, pois permite construir,por sobreposição, soluções com significado físico, como já se disse.

Como já vimos anteriormente, na expressão ψ(x) = A sen kx temos k = 2πλ , em que λ é

o comprimento da onda associada ao movimento da partícula de massa m.

A energia da partícula é dada pela expressão

E =~

2k2

2m(2.16)

Podemos tirar as seguintes conclusões:

— O movimento da partícula pode ser descrito em termos de uma onda plana de ampli-tude ψ(x) = A sen kx, com um comprimento de onda λ = 2π

k .

— A energia total da partícula, que é apenas energia cinética, visto que a partícula nãoestá sujeita a forças, é dada pela expressão E = ~

2k2

2m . Note-se que E vem em termosde k, que é uma quantidade relacionada com a natureza ondulatória.

3Note-se que eikx = cos kx+ i sen kx.4Para isso basta derivar duas vezes ψ(x) = A sen kx e substituir na equação − ~

2

2md2ψ(x)dx2 = Eψ(x) .

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S O L U Ç Õ E S D A E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . E X E M PL O S

S IM PL E S

— A função ψ(x) = A senkx tem o significado de uma amplitude de probabilidade, istoé, para um dado valor de k, a probabilidade de encontrar a partícula no intervaloentre x e x + dx é |ψ(x)|2 dx = |A sen kx|2 dx. Daqui deriva também a condição denormação que implica

∫ ∞

−∞|ψ(x)|2 dx =

∫ ∞

−∞|A sen kx|2 dx = 1 (2.17)

Note-se que, se se considerar a solução mais geral, em que a função é complexa, devefazer-se |ψ(x)|2 = ψ?(x)ψ(x).

Considerámos o movimento de uma partícula livre, num espaço a uma dimensão. É fácilextrapolar para o caso do movimento a três dimensões, bastando, para tal, substituir acoordenada x pela coordenada tridimensional r (de componentes x, y e z). Logicamente,k passa a ser um vector tridimensional, o vector de onda k (de componentes kx, ky e kz).

Há vários problemas interessantes relacionados com este, como o problema de uma par-tícula que choca contra uma barreira de potencial ou o problema de uma partícula con-finada a um fosso de potencial (caixa).

2 . 2 PARTÍCU L A NUMA CAIXA

Supomos uma partícula numa caixa unidimensional de comprimento L. Por outras pa-lavras, a partícula está confinada à região entre x = 0 e x = L, onde não está sujeitaa forças, isto é, V = 0. Fora desse intervalo, a partícula não pode estar. Por hipótese,V = ∞ (Figura 2.2).

V=0x

x=0 x=L

V= ∞ V= ∞

Figura 2.2: Partícula numa caixa unidimensional de comprimento L.

Tal como no caso anterior, uma solução possível da equação de Schrödinger é da forma

ψ(x) = A senkx (2.18)

com k =(

2mE~2

)1/2.

A situação agora é diferente, pois a partícula não existe fora do intervalo (0, L).

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Page 72: Química Computacional - Livro completo

PA R T ÍC U L A N U M A C A IX A

ψ(x) é uma amplitude de probabilidade, sendo P (x) dx = |ψ(x)|2 dx a probabilidadede encontrar a partícula entre x e x + dx. Uma vez que a partícula está confinada a0 ≤ x ≤ L, resulta naturalmente que ψ(x) = 0 para x ≤ 0 e ψ(x) = 0 para x ≥ L,estando a função ψ(x) sujeita às seguintes condições aos limites: ψ(0) = ψ(L) = 0.

Para o caso concreto da função ψ(x) = A sen kx, teremos

ψ(0) = A sen 0 = 0; ψ(L) = A senkL = 0 (2.19)

resultando, da segunda das equações (2.19), que kL tem de ser múltiplo de π, kL = nπ,sendo n = número inteiro (1, 2, 3, ...).

Daqui se conclui que k = nπL com n inteiro (1, 2, 3, ...).

Podemos então escrever a expressão da energia:

E =~

2k2

2m=

n2h2

8mL2(2.20)

atendendo a que ~ = h2π ,

Note-se que, neste caso, os valores possíveis da energia da partícula constituem umdomínio (espectro) discreto, uma vez que E depende de n, que só pode assumir valoresinteiros. Diz-se que os valores da energia são quantizados. No caso anterior da partículalivre, o domínio dos valores da energia, ou espectro, era contínuo, Figura 2.3.

n = 1n = 2

n = 3

n = 4

n = 5

n = 6

E E

a) Partícula livre

Espectro contínuo

b) Partícula na caixa

Espectro discreto

Figura 2.3: Níveis de energia no caso da partícula livre e no caso da partículaconfinada. Note-se que, no limite L→ ∞, o espectro de energias (expressão 2.21)é o espectro contínuo.

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S IM PL E S

Uma vez que, no caso da partícula na caixa, os valores da energia são discretos, e quedependem do número n, podemos indexá-los pelo valor de n e escrever

En =n2π2

~2

2mL2ou En =

n2h2

8mL2(2.21)

n é o número quântico e define o estado do sistema.

Os valores da energia da partícula dependem também da massa da partícula, m, docomprimento da caixa, L, para além de virem em termos da constante de Planck.

Note-se que a quantização da energia só é susceptível de observação experimental se otamanho da caixa, o comprimento L, for muito pequeno (e também a massa), isto é,da ordem de grandeza da constante de Planck. Caso contrário (para valores de L ma-croscópicos, por exemplo, da ordem dos centímetros e para massas da ordem dos gramas),os valores da energia são tão próximos que podem ser considerados como constituindo umespectro contínuo. De facto, no limite L→ ∞, o espectro de energias (expressão 2.21) éo espectro contínuo.

Voltando ao problema da partícula na caixa, para cada valor de n, existe também umafunção ψ(x) = A sen kx com k = nπ

L , ou seja, ψ(x) = A sen nπL x, com n = 1, 2, 3, ...,∞.

Nas Figuras 2.4 a 2.6 mostram-se as funções de onda, ψ(x) e as densidades de probabi-lidade P = |ψ(x)|2 para os primeiros valores de n.

x

x = 0 x = 0x = L

n = 1n = 1

x = L

x

y(x)P = |y(x)|

2

Figura 2.4: Estado n = 1: a função de onda é ψ(x) = A sen πLx, e

a densidade de probabilidadede de encontrar a partícula na coordenada x,

P (x) =∣

∣A sen πLx∣

2

. O local onde a probabilidade de encontrar a partícula

é maior é ao meio da caixa. A energia deste estado é E = h2

8mL2 .

Como veremos, as funções de onda (2.18) que se poderiam escrever

ψn(x) = A sen (nπx/L) (2.22)

constituem um conjunto completo, no sentido em que são uma base de um espaço linear,neste caso, de dimensão infinita, na medida em que n = 1, 2, · · · ,∞. A cada valor de n,e portanto a cada função de onda, corresponde um valor da energia, En = n2h2

8mL2 .

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Page 74: Química Computacional - Livro completo

PA R T ÍC U L A N U M A C A IX A

xx = 0 x = 0

x = L

n = 2n = 2

x = L

x

y(x)P = |y(x)|

2

Figura 2.5: Estado n = 2: a função de onda é ψ(x) = A sen 2πL x, e a densidade

de probabilidade de encontrar a partícula na coordenada x, P (x) =∣

∣A sen 2πL x∣

2

.

A energia é E = 22h2

8mL2 = 4h2

8mL2 .

x

x = 0 x = 0x = L

n = 3n = 3

x = L

x

y(x)P = |y(x)|2

Figura 2.6: Estado n = 3: a função de onda é ψ(x) = A sen 3πL x, e a densidade

de probabilidade de encontrar a partícula na coordenada x, P (x) =∣

∣A sen 3πL x∣

2

.

A energia é E = 32h2

8mL2 = 9h2

8mL2 .

A caixa pode ser a duas ou a três dimensões. Basta substituir x pelo vector r, decomponentes (x, y) no caso de duas dimensões, ou (x, y, z) no caso tridimensional. Na-turalmente, a equação de Schrödinger é separável nas variáveis (x, y) ou (x, y, z), respec-tivamente. Para uma caixa tridimensional de dimensões a× b× c, temos5

ψ(r) = A sen (k.r) = A sen (kx.x) sen (ky .y) sen (kz .z), (2.23)

com

kx =nxπ

a, ky =

nyπ

b, kz =

nzπ

c; nx, ny, nz inteiros (1, 2, 3, ...) (2.24)

5É fácil de ver que a função de onda é o produto das três componentes, se considerarmos a formaexponencial: eik.r = ei(kxx+kyy+kzz) = eikxx eikyy eikzz .

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S O L U Ç Õ E S D A E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . E X E M PL O S

S IM PL E S

A energia vem

Enx,ny,nz =h2

8m

(

n2x

a2+n2y

b2+n2z

c2

)

(2.25)

e analogamente para uma caixa a duas dimensões.

Note-se que os números quânticos são tantos quantos os graus de liberdade do sistema.

O modelo da partícula na caixa pode ser útil como uma aproximação simples no estudode moléculas orgânicas com duplas ligações conjugadas e no estudo de nanotubos e outrosnanossistemas.

2 . 3 EFE ITO DE TÚNEL

Uma consequência importante do carácter ondulatório de uma partícula em movimentoé que há uma probabilidade finita de a partícula passar através de uma barreira depotencial, o que classicamente é impossível. Este fenómeno, conhecido por efeito detúnel , é de grande interesse na química e, em especial, na nanoquímica e na bioquímica,onde, frequentemente, se observa o efeito de túnel para electrões e também para protões.A situação é representada na Figura 2.7 e diz respeito ao movimento de uma partícula comenergia E que incide sobre uma barreira de potencial de altura V =Cte e de largura L.

II

x

x

yI III

I III

V

II

x = L

x = L

x = 0

x = 0

a)

b)

Figura 2.7: Efeito de túnel para uma partícula com energia E, que incidesobre uma barreira de potencial de altura V e largura L. a) Forma do potenciale b) função de onda, ψ.

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Page 76: Química Computacional - Livro completo

E F E IT O D E T Ú N E L

Há que distinguir três regiões. Na região I, a equação de Schrödinger para a partícula é

− ~2

2m

d2

dx2ψI = E ψI (2.26)

ou seja, d2

dx2ψI = − 2mE~2 ψI . Fazendo − 2mE

~2 = κ2, vem

d2

dx2ψI = κ2ψI (2.27)

cuja solução geral é ψI = Aeκx +Be−κx, como se pode facilmente verificar substituindo(2.27) em (2.26). Mas, neste caso, κ é imaginário. Se fizermos κ = ik, podemos obter asolução habitual

ψI = Aeikx + Be−ikx com k2 =2mE

~2(2.28)

O primeiro termo de (2.28) representa a amplitude da onda incidente, enquanto o segundotermo representa a amplitude da onda reflectida.

Na região II, (0 < x < L), a equação de Schrödinger é[

− ~2

2m

d2

dx2+ V

]

ψII = E ψII (2.29)

com a solução geral

ψII = A′eκx +B′e−κx κ2 =2m(V − E)

~2(2.30)

Nesta região, a exponencial decrescente e−κx tem certamente significado físico, na medidaem que é lógico que a amplitude pode decrescer conforme se mostra na Figura 2.7. Quantoà primeira parcela, que corresponde a uma amplitude crescente à medida que a partícula(onda) penetra na barreira, pode parecer, à primeira vista, que não tem significadofísico. No entanto, a amplitude não se torna infinita, na medida em que a barreiratem uma largura finita. Além disso, o potencial varia, bruscamente, na fronteira com aregião III, o que pode causar alguma reflexão, dando um termo exponencial decrescenteda direita para a esquerda ou crescente da esquerda para a direita. Além disso, podeargumentar-se que é formalmente impossível satisfazer as condições de fronteira sem otermo exponencial crescente. Por estas razões usam-se ambos os termos da função deonda (2.30) na região II.

À direita da barreira, na região III, (V = 0) e a equação de Schrödinger é idêntica a(2.26), mas só tem uma solução com significado físico, que é

ψIII = Ceikx (2.31)

uma vez que a partícula vem da esquerda e nesta região não há onda reflectida.

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S O L U Ç Õ E S D A E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G ER . E X E M PL O S

S IM PL E S

Naturalmente, que é lógico esperar que haja continuidade da função de onda à esquerdae à direita dos pontos x = 0 e x = L, pelo que, para determinar os valores das constantesA,B,A′, B′ e C, para além das habituais condições de normação, podemos impor ascondições ψI(0) = ψII(0) e ψII(L) = ψIII(L), bem como as relativas à igualdade dasrespectivas derivadas.

A amplitude para que a partícula atravesse a barreira é C/A. Assim, segundo a mecânicaquântica, uma partícula que incide sobre uma barreira de potencial, mesmo que tenhaenergia inferior à altura da barreira, pode atravessá-la com uma probabilidade |C/A|2 etambém pode ser reflectida como sugere a segunda parcela de ψI em (2.28).

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C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 2

2A PROBLE MA S

1. Considere as soluções da equação de Schrödinger para a partícula na caixa, daforma

ψn(x) = A sen kx com k = nπ/L

a) Determine o factor de normação A.

b) Mostre que as funções ψn são ortonormadas.

2. Os nanotubos são estruturas constituídas por átomos de carbono dispostos de modoa formar tubos com diâmetros da ordem do nanómetro. Se o comprimento for muitomaior do que o diâmetro, pode considerar-se o nanotubo como uma caixa a umadimensão.

a) Mostre que a posição média de um electrão, definida como 〈x〉=∫

ψ∗(x)xψ(x)dx,em qualquer estado, no nanotubo, é 〈x〉 = L

2

b) Considere um nanotubo de 100 nm de comprimento contendo 100 electrões. Ad-mita que não há interacção entre eles. Calcule a frequência e o comprimento de ondada transição entre o primeiro estado excitado do sistema e o estado fundamental.

c) Calcule a velocidade de um electrão no último nível preenchido, que se chamanível de Fermi.

3. Um modelo muito simples para a descrição da estrutura electrónica dos polienosé o modelo do electrão livre. Segundo esse modelo, uma cadeia conjugada com N

átomos de carbono é equiparada a uma caixa de comprimento L = (N − 1)dCC .Um valor de dCC representativo é dCC = 0, 139 nm. Suponha que os electrões π sedistribuem pelos níveis de energia, de acordo com o princípio de exclusão de Pauli.

a) Deduza uma expressão para a diferença de energia entre o estado fundamentale o primeiro estado excitado.

b) Deduza uma expressão para calcular uma estimativa do comprimento de ondada transição de mais baixa energia.

52H C N5 2C C C

H H H

N C H

I -

+..

Page 80: Química Computacional - Livro completo

PR O B L E M A S

c) Considere o exemplo da molécula de iodeto de 1,1’-dietil-4-4’-carbocianina, re-presentada esquematicamente na figura. Sabendo que o máximo de absorção éobservado para o comprimento de onda λmax = 708,1 nm, faça uma estimativa docomprimento da região conjugada da molécula, com base no modelo. Compare como valor obtido a partir do número de duplas ligações conjugadas e do comprimentorepresentativo dCC = 0,139 nm.

4. Um electrão está confinado a uma molécula linear. Foi feita uma experiência deespectroscopia, tendo sido observada uma risca para o comprimento de onda deλ = 464 nm, a qual é atribuída à transição entre o estado fundamental e o primeiroestado excitado.

a) Calcule o comprimento da molécula.

b) Calcule a velocidade do electrão no estado fundamental.

c) Suponha que, em determinadas circunstâncias, a função de onda é da forma

Ψ = N[

ei(k1x−ω1t) + ei(k2x−ω2t)]

kn =nπ

LEn =

~2k2n

2m= ~ωn

i) Calcule o factor de normação, N .

ii) Mostre que a densidade de probabilidade P (t) = Ψ∗Ψ oscila no tempo.

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Parte IIF O R M A L I S M O D A M E C Â N I C A Q U Â N T I C A

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3F O R M A L I S M O D A M E C Â N I C A Q U Â N T I C A

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F O R M A L I S MO D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

POSTULADOS DA MECÂNICA QUÂNTICA

1. Num dado instante, o estado de um sistema (isolado) é definido pela especificação

de um elemento (vector) de um espaço linear de Hilbert, chamado o espaço dos esta-

dos, E = ψ. Cada elemento do espaço E = ψ corresponde a um possível estado

puro do sistema. Na representação de Schrödinger, o vector de estado está associado

a uma função de onda.

2. Qualquer grandeza física, T , que em princípio possa ser medida (observável), é

descrita por um operador linear e hermitiano, T , que actua no espaço E = ψ.

3. O único resultado possível de uma medição de uma dada observável, T , é um dos

valores próprios de T . Imediatamente a seguir à medição, o estado do sistema é

um estado próprio de T , com o valor medido. Se o estado imediatamente anterior

à medição for ψ, então o resultado da medição, λi, será obtido com a probabilidade

Prob (λi) = |〈ui|ψ〉|2

em que os ui são os estados próprios de T

4. Na representação de Schrödinger, a função de onda do sistema evolui de acordo

com a equação

i~ ddtΨ(t) = H Ψ(t)

64

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Neste capítulo, faremos uma introdução aos conceitos e ferramentas que constituem oformalismo da mecânica quântica moderna, salientando-se, desde já, que esse formalismoé uma álgebra linear com operadores. Faremos, ao longo do capítulo, algumas tentativasde interpretação mínima do formalismo, numa perspectiva pós-Copenhaga.

3 . 1 INTROD U Ç ÃO

Deve-se a Heisenberg (1925) uma primeira tentativa de formulação de uma teoria quân-tica, a qual foi pouco mais tarde aperfeiçoada por Heisenberg, Born e Jordan com aintrodução de métodos matriciais. A equação de Schrödinger surgiu independentementeem 1926. Logo no ano seguinte, Schrödinger, Eckart e Dirac demonstraram que as duasformulações eram equivalentes, e Dirac formulou uma álgebra quântica.

Embora seja desejável ter uma teoria abstracta, e portanto desprovida de conteúdo, istoé, sem fazer qualquer alusão a uma qualquer realidade, é talvez útil, para nós, ter algumareferência auxiliar que nos guie no estudo da teoria. Faremos esta introdução, tentandosimplificar o mais possível, sem a preocupação de definições e demonstrações rigorosasrequeridas pelos matemáticos.

No fundo, precisamos de um formalismo matemático com o princípio de sobreposição,cujos elementos possam ser normalizados (ou normados). O mais indicado é um espaçolinear com módulo finito e com produto interno, isto é, o que os matemáticos chamam umespaço de Hilbert . Por outro lado, precisamos de ter um formalismo adicional associado aesse espaço, que permita calcular (interpretar e prever) resultados de medições. Para tal,podem definir-se operadores que actuem no espaço de Hilbert. Esses operadores devemprever valores reais para os resultados das medições e, por isso, têm de ser hermitianos.

A mecânica quântica é hoje uma teoria abstracta formulada a partir de um conjuntoapropriado de postulados. A descrição do movimento de partículas em termos de ondasou de partículas perde relevância. A teoria pode ser baseada no princípio fundamental daexistência de um espaço linear E = ψ cujos elementos são funções de onda (na notaçãode Schrödinger) ou vectores de estado (na notação de Dirac) ou, simplesmente estados(elementos do espaço dos estados), mas que, em rigor, carecem de significado físico1. Afísica é formulada num espaço de operadores T associado ao espaço E.

1Como veremos, a função de onda, em si, só tem um significado físico definido, na medida em que seatribui um significado ao quadrado do módulo da sua amplitude. Em rigor, apenas se podem atribuirsignificados físicos a resultados de medições (mesmo que hipotéticas), e esses resultados são formalizadosem termos de valores próprios ou valores expectáveis de operadores.

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Page 86: Química Computacional - Livro completo

F U N Ç Õ E S D E O N D A E E S T A D O S Q U Â N T IC O S

O que se segue não é mais do que uma revisão da álgebra linear com operadores ea apresentação de alguns conceitos e regras essenciais e de um possível conjunto depostulados da teoria quântica.

3 . 2 FUNÇÕES DE ONDA E ESTADOS QUÂNTIC O S

3.2.1 Espaço das Funções de Onda

O estado dinâmico de um sistema isolado (e.g., partícula) pode ser definido, num dadoinstante, por uma função de onda ψ(r), solução da equação de Schrödinger, em que r

representa o conjunto das três coordenadas de espaço r = (x, y, z).

Pode facilmente mostrar-se que as funções de onda ψ(r) satisfazem todos os critériosde um espaço linear, F = ψ(r), nomeadamente que, se ψ1(r) e ψ2(r) são elementosde F, podem definir-se duas operações binárias, adição “+” e multiplicação por númeroscomplexos “c” tais que a combinação linear

ψ(r) = c1ψ1(r) + c2ψ2(r) (3.1)

também pertence a F.

É habitual definir um produto escalar, ou produto interno2, entre duas funções, ψ(r) eφ(r), como

〈ψ(r), φ(r)〉 =

ψ∗(r)φ(r) dτ (3.2)

em que ψ∗(r) é o complexo conjugado3 de ψ(r), e dτ é o elemento de volume.

Este integral converge sempre que ψ(r) e φ(r) pertencem a F.

De modo análogo, define-se norma de ψ(r) por

|ψ(r)| = 〈ψ(r), ψ(r)〉1/2 =

[∫

Ω

ψ∗(r)ψ(r)dτ

]1/2

=

[∫

Ω

|ψ(r)|2dτ]1/2

(3.3)

em que Ω é o domínio contínuo das coordenadas de espaço.

Na teoria de Schrödinger, o integral∫

Ω

|ψ(r))|2dτ deve ser 1, para ter uma interpretação

física:∫

Ω

ψ∗(r)ψ(r)dτ =

Ω

|ψ(r)|2dτ = 1 (3.4)

2Na álgebra linear é comum designar o produto interno entre dois vectores a e b, por (a,b) ou 〈a,b〉.3Dado z = a+ ib, chama-se complexo conjugado de z a z∗ = a − ib.

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Na interpretação de Copenhaga4 |ψ(r)|2 é uma densidade de probabilidade, sendo ψ(r)

uma amplitude de probabilidade sem significado físico directo.

A condição (3.4) limita as funções admissíveis às que têm o integral finito, pois só essaspodem satisfazê-la, por multiplicação por um factor constante ou factor de normação.Note-se que a condição de o integral ser finito é o único requisito que a função de ondatêm de satisfazer, podendo ser singular e mesmo tornar-se infinita desde que o integralacima permaneça finito5. Um exemplo instrutivo é o da função de onda para o átomo dehidrogénio na teoria relativista de Dirac.

Interessa, desde já, desfazer uma certa ambiguidade, que pode parecer existir nas afir-mações anteriores. Por um lado, as funções de onda ψ(r) são definidas no espaço dascoordenadas r, e por outro lado, fala-se de um espaço das funções de onda F = ψ(r),que é, naturalmente, um espaço linear diferente. Para evitar confusões é talvez apro-priado explicitar, em cada caso, qual o espaço de que estamos a falar. A representaçãode ψ(r) no espaço das coordenadas r pode ser talvez melhor compreendida fazendo aseguinte extrapolação: se ψ(r) fosse uma função de onda descontínua, definida para os va-lores r1, r2, ..., rn, da variável r, a que corresponderiam os valores da função ψ1 = ψ(r1),ψ2 = ψ(r2), ..., ψn = ψ(rn), estes valores ψ1, ψ2, ..., ψn poderiam considerar-se comocomponentes de um vector num espaço a n dimensões. A representação geométrica dafunção seria o vector. No caso em que as funções são contínuas teremos um espaço r,de dimensão infinita6. Uma vez que os valores de ψ(r) são componentes de um vector,na base contínua r, podemos escrevê-los como produtos internos, e portanto na forma

ψ(r) = 〈r, ψ〉 (3.5)

Por outro lado, é por vezes necessário exprimir ψ(r) na base discreta de F = ψ(r). Defacto, o conjunto das funções de onda (soluções de uma dada equação de Schrödinger)define um espaço linear — o espaço das funções de onda do sistema, F = ψ(r). Nesse

4A chamada interpretação da Escola de Copenhaga, ou simplesmente, interpretação de Copenhaga,baseia-se em ideias elaboradas por Bohr e sobretudo pelos seus seguidores. De acordo com essas ideias,embora não pudesse atribuir-se um significado físico à função de onda, o quadrado do seu módulo teriao significado de uma probabilidade. Parece, no entanto, que Bohr nunca fez afirmações claras sobreessa matéria. No livro Atomic Physics and Human Knowledge (Wiley Interscience, N.Y., 1963), onde oproblema é abordado, as suas palavras são ambíguas, sendo mais próprias de um texto filosófico do quede um documento científico.5John von Neumann, Mathematical Foundations of Quantum Mechanics, Princeton University Press,1955, pag. 29.6Uma base desse espaço pode ser o conjunto (contínuo) dos vectores r. Os vectores da base dascoordenadas r deverão satisfazer certas condições de ortonormação, pelo que se pode impor que oproduto interno 〈r, r′〉 = δ(r − r

′), em que δ(r − r′) são as chamadas de funções δ de Dirac. A função δ

de Dirac é uma função imprópria, definida do seguinte modo: δ(r − r′) = 0, se r 6= r′, e δ(r − r′) = ∞se r = r

′, sendo∫ ∞

−∞δ(r − r

′)dτ = 1. (ver Apêndice A4).

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espaço, pode definir-se uma base U = u1(r), u2(r), ..., que é um conjunto de elementosde F linearmente independentes, tais que um elemento arbitrário ψ(r) pode expandir-sesob a forma

ψ(r) =∑

i

ciui(r) (3.6)

em que os ci são números complexos. Os ci são também as componentes de ψ(r) na baseU. Neste caso, a condição (3.4) deve ser substituída por

i

c∗i ci =∑

i

|ci|2 = 1 (3.7)

Podemos talvez resumir a situação na Tabela 3.1.

Tabela 3.1: Bases discreta e contínua dos espaços das funções de onda.

Base discreta: U = ui(r) Base contínua: r

Condição de ortonormação7 〈ui, uj〉 =∫

u∗i (r)uj(r)dτ = δij 〈r, r′〉 = δ(r − r′)

Expansão da função de onda ψ(r) =∑

iciui(r)

Expressão das componentes de ψ(r) ci = 〈ui, ψ〉 =∫

u∗i (r)ψ(r)dτ 〈r, ψ〉 = ψ(r)

Produto interno ou escalar 〈φ, ψ〉 =∑

ib∗i ci 〈φ, ψ〉 =

φ∗(r)ψ(r)dτ

com ψ(r) =∑

iciui(r)

φ(r) =∑

ibiui(r)

Quadrado da norma 〈ψ, ψ〉 =∑

ic∗i ci =

i|ci|2 〈ψ, ψ〉 =

ψ∗(r)ψ(r)dτ

3.2.2 Espaço dos Estados

Podemos associar a cada função de onda, ψ(r), um elemento ψ, que, na notação de Dirac8,se representa pelo símbolo |ψ〉, chamado vector de estado, vector ket, ou simplesmente

7Chama-se condição de ortonormação, como veremos mais adiante, à imposição de fazer comque os vectores base sejam ortogonais entre si e normados. Tal pode ser expresso pela condição〈ui, uj〉 =

u∗i (r)uj(r)dτ = δij , em que δij é o símbolo de Kronecker que significa δij = 1 se i = j eδij = 0 se i 6= j.8De acordo com Dirac, devemos considerar um produto interno 〈ψ|φ〉 formalmente como o produto dedois elementos 〈ψ| e |φ〉, e, uma vez que 〈ψ|φ〉 é um bracket (na língua inglesa), os elementos 〈ψ| e |φ〉devem chamar-se vectores bra e vectores ket, respectivamente. Na notação de Dirac, um elemento ψ doespaço linear E = ψ é representado pelo símbolo |ψ〉, ou simplesmente ψ〉, tal que ψ ≡ |ψ〉 ≡ ψ〉.Note-se que, na notação de Dirac, o que está dentro dos parênteses ket, |〉, ou bra, 〈|, é um índice, ourótulo, que designa o estado, e que permite distinguir um ket (ou bra) particular de todos os outros kets

(ou bras), como por exemplo |ψ〉, que não é uma função e portanto não se deve escrever |ψ(r)〉.

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estado, ou ket. O vector de estado não tem significado físico, embora o produto internode dois vectores de estado, φ e ψ, que se representa pelo símbolo 〈φ|ψ〉, seja interpretadocomo a amplitude de probabilidade de o sistema passar do estado ψ para o estado φ. Oquadrado do seu módulo, |〈φ|ψ〉|2, é a probabilidade.

O conjunto dos estados de um sistema constitui um espaço linear — o espaço dos estados,que podemos designar por Er = |ψ〉 ou simplesmente por por Er = ψ. Nestas cir-cunstâncias, pode afirmar-se que, para os estados descritos pela equação de Schrödinger,existe uma correspondência biunívoca (isomorfismo) entre os dois espaços:

ψ(r) ∈ F ⇔ |ψ〉 ∈ Er (3.8)

De acordo com o que atrás se disse, cada ψ(r) é o conjunto (infinito) das componentesdo respectivo vector ket, |ψ〉, numa certa base, em que r desempenha o papel de índice,podendo escrever-se ψ(r) = 〈r|ψ〉.

Embora se use frequentemente o símbolo ψ para designar quer a função de onda quer o(vector de) estado, estes não se devem confundir! Pertencem a espaços diferentes.

Podemos concluir que o estado dinâmico de um sistema pode ser descrito quer por umafunção de onda, quer por um vector de estado. O conceito de vector de estado é, noentanto, mais geral, havendo situações em que não é possível descrever o estado de umsistema por uma função de onda, como é o caso dos estados que envolvem o spin.

Assim, devemos generalizar a noção de estado quântico de um sistema, caracterizando-opor um vector de estado, |ψ〉, na notação de Dirac, ou simplesmente estado9, ψ, per-tencente a um espaço linear abstracto, o espaço dos estados E = |ψ〉, ou E = ψ.

Nessa linha de pensamento, supõe-se que existe um espaço linear E = ψ no qual, seψ1 e ψ2 são elementos de E, podem definir-se duas operações binárias, adição “+” emultiplicação por números complexos “c” tais que a combinação linear

ψ = c1ψ1 + c2ψ2 (3.9)

também pertence a E.

9O conceito de espaço linear é mais geral do que o de espaço vectorial, sendo um espaço vectorial umespaço linear. Dirac sugeriu que os estados dinâmicos de um sistema devem representar-se por vectores.Mas também podem representar-se por funções de onda, na medida em que um conjunto completo defunções de onda define um espaço linear. De facto, os estados da teoria quântica não são propriamentevectores, pois têm módulo 1 e têm um ponto de origem. Por isso talvez devessem chamar-se raios.

No nosso estudo, que pretende ser o menos formal possível, usaremos indistintamente, os termos vector

de estado, função de onda ou simplesmente estado (elemento de um espaço linear abstracto E a que

podemos chamar espaço dos estados do sistema).

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F U N Ç Õ E S D E O N D A E E S T A D O S Q U Â N T IC O S

Vamos admitir que cada estado de um sistema dinâmico, num dado instante, correspondea um elemento de um espaço linear (e.g., vector de estado ou função de onda), sendo essacorrespondência tal que, se um estado resulta da sobreposição de certos outros estados,o elemento correspondente pode ser expresso como uma combinação linear dos elementoscorrespondendo a esses estados, e vice-versa. Assim, o estado ψ resulta da sobreposiçãodos dois estados ψ1 e ψ2 quando os correspondentes elementos estão combinados comoem (3.9).

A hipótese acima indicada implica certas propriedades do processo de sobreposição, sendoessas propriedades necessárias para que o termo sobreposição seja adequado:

Quando dois ou mais estados se sobrepõem, a ordem pela qual eles ocorrem na sobrepo-sição é irrelevante. Vê-se da equação (3.9) que, excluindo o caso de c1 e c2 serem nulos,se o estado ψ pode ser formado pela sobreposição dos estados ψ1 e ψ2, então o estadoψ1 pode ser formado pela sobreposição dos estados ψ2 e ψ, e ψ2 pode ser formado pelasobreposição de ψ1 e ψ.

Um estado que resulta da sobreposição de certos outros estados diz-se dependente dessesestados. Um conjunto de estados diz-se independente, se nenhum deles for dependentedos outros.

A sobreposição de um estado consigo próprio dará necessariamente o mesmo estado.Se o estado original corresponder a ψ1, quando se sobrepõe consigo próprio, o estadoresultante será correspondente a

c1ψ1 + c2ψ1 = (c1 + c2)ψ1 (3.10)

em que c1 e c2 são números complexos. Pode acontecer que c1 + c2 = 0. Nesse caso, o re-sultado do processo de sobreposição é zero — as duas componentes cancelam-se por efeitode interferência. c1 + c2 é um número complexo arbitrário, e portanto pode concluir-seque se um elemento do espaço dos estados (e.g., vector) correspondente a um dado estadofor multiplicado por um número complexo qualquer, não nulo, o resultado corresponde aomesmo estado. Note-se que há uma diferença fundamental entre a sobreposição da teoriaquântica e qualquer tipo de sobreposição clássica. No caso de um sistema clássico, como,por exemplo, o de uma membrana oscilante, quando se soma (sobrepõe) uma oscilaçãoconsigo própria, o resultado é um estado com uma amplitude de oscilação diferente.Também, enquanto se pode considerar um estado clássico cuja amplitude de oscilação énula em todo o espaço, nomeadamente no estado de repouso, não existe nenhum estadocorrespondente para um sistema quântico — o estado (e.g., vector) nulo não correspondea nenhum estado físico.

Num sistema quântico, como por exemplo, no caso da propagação de um fotão, cuja ondaé separada em duas componentes (como na decomposição espectral da luz polarizada),

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o estado geral é descrito por um elemento (e.g., vector ou função de onda) do tipo doda equação (3.9), que é a sobreposição de dois estados (equivalente a duas ondas). Hásempre dois parâmetros: um pode ser a razão entre as amplitudes das duas ondas quese somam, e o outro, a relação entre as fases de uma e de outra. Este exemplo mostraa necessidade de permitir coeficientes complexos na equação (3.9). Se os coeficientes sópudessem ser números reais, uma vez que apenas o seu quociente é importante (paradeterminar a direcção de polarização resultante), não haveria informação sobre a relaçãoentre as fases das duas ondas.

Note-se que o procedimento de exprimir um estado de um sistema como a sobreposição de umcerto número de outros estados é um procedimento matemático sempre permitido, independentede qualquer referência a condições físicas, tal como o procedimento de decompor uma função emsérie de Fourier (ver Apêndice A3).

É fácil verificar que os parágrafos anteriores são compatíveis com os postulados de umespaço linear. Assim, podemos formalizar uma definição de espaço linear complexo:

Um conjunto não vazio E = ψ é um espaço linear complexo, se lhe estão associadas duasoperações, uma adição de elementos de E e uma multiplicação de números complexos porelementos de E, com as seguintes propriedades (postulados):

1. Fecho da adição: a soma de qualquer par de elementos de E pertence a E.

2. Fecho da multiplicação por números complexos: o produto de qualquer número com-plexo por qualquer elemento de E pertence a E.

3. Comutatividade da adição:

ψ + φ = φ+ ψ para ψ, φ ∈ E (3.11)

4. Associatividade da adição:

(ψ + φ) + χ = χ+ (φ+ ψ) para ψ, φ, χ ∈ E (3.12)

5. Existência de zero: existe um elemento de E, designado por 0 (zero)10, tal que

ψ + 0 = ψ para ψ ∈ E (3.13)

6. Existência de simétricos: qualquer que seja o elemento ψ de E, existe um elemento φde E, a que se chama o simétrico de ψ, tal que

ψ + φ = 0 (φ é o simétrico de ψ) (3.14)

10Note-se, no entanto, que o elemento nulo não corresponde a nenhum estado com significado físico.

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7. Associatividade da multiplicação por números complexos:

a(bψ) = (ab)ψ para a, b ∈ C,ψ ∈ E (3.15)

8. Distributividade:

a(ψ + φ) = aψ + aφ e (a+ b)ψ = aψ + bφ para a, b ∈ C; ψ, φ ∈ E (3.16)

Pressupõe-se ainda o conceito de independência linear, considerando que o espaçoE = ψ tem uma base U = u1, u2, ..., ou seja, contém um conjunto de elementoslinearmente independentes, tais que um elemento arbitrário ψ pode expandir-se sob aforma

ψ =∑

i

ciui (3.17)

que pode escrever-se numa representação matricial (ou vectorial)

ψ = Uc (3.18)

uma vez que os coeficientes da expansão ci podem formar uma matriz (ou vector) colunac = ci, podendo usar-se as regras habituais de multiplicação de matrizes e vectores.

3.2.2.1 Produto Interno ou Escalar

Num espaço linear é usual definir produtos binários, nomeadamente o produto internoou escalar, que se pretende finito e positivo, de modo a satisfazer as condições da teoriaquântica.

Dado um espaço linear complexo E = ψ, chama-se produto interno ou escalar aonúmero complexo 〈φ|ψ〉 = a, que tem as seguintes propriedades (postulados):

1. Linearidade: a função definida em E por ψ ⇒ 〈φ|ψ〉 é linear, qualquer que sejaφ ∈ E:

〈φ|ψ1+ψ2〉 = 〈φ|ψ1〉 + 〈φ|ψ2〉 (3.19)

〈φ|ψc〉 = 〈φ|ψ〉c (3.20)

em que c é um número complexo.

2. Simetria hermitiana:

〈φ|ψ〉 = 〈ψ|φ〉∗ para ψ, φ ∈ E (3.21)

em que ∗ significa complexo conjugado.

3. Positividade:

〈ψ|ψ〉 > 0 se ψ 6= 0 e 〈ψ|ψ〉 = 0 se e só se ψ = 0 (3.22)

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3.2.2.2 Vectores Bra e Vectores Ket

Por hipótese, considera-se que há uma correspondência biunívoca entre bras e kets, talque o bra correspondente a |ψ〉 + |φ〉 é a soma dos bras correspondentes a |ψ〉 e a |φ〉 eo bra correspondente a c|ψ〉 é c∗ vezes o bra correspondente a |ψ〉, sendo c∗ o complexoconjugado de c, isto é, c|ψ〉 ⇒ c∗〈ψ|. A relação entre um vector ket e o bra correspondenteimplica que um seja o imaginário conjugado11 do outro:

〈ψ| = |φ〉∗ ou simplesmente 〈| = |〉∗ (3.23)

Dada a correspondência biunívoca entre vectores bra e ket, qualquer estado de um sistemadinâmico, num dado instante, pode ser especificado tanto por um vector bra como porum vector ket.

Note-se que, se na notação de Dirac, se escreve |ψ〉 como um vector coluna, de compo-nentes ai, que deve escrever-se a = ai, então devemos considerar que um vector bra,〈φ|, é um vector linha b = b∗i e que no produto interno deve ter-se

〈φ|ψ〉 =∑

k

b∗kak = 〈b|a〉 (3.24)

Num espaço linear complexo com produto interno, a que pode também chamar-se espaçoeuclidiano complexo, define-se norma ou módulo de ψ como

|ψ| = |〈ψ|ψ〉|1/2 (3.25)

e diz-se que ψ e φ são ortogonais se 〈φ|ψ〉 = 0.

Nas aplicações à teoria quântica é conveniente usar uma base U = u1, u2, ... ortonor-mada, i.e., tal que

〈ui|uj〉 = δij que pode também escrever-se 〈i|j〉 = δij (3.26)

em que δij é o símbolo de Kronecker , que significa

δij = 1 se i = j e δij = 0 se i 6= j (3.27)

Em notação matricial, poderíamos escrever (3.26) sob a forma

〈U|U〉 = 1 (3.28)

11Os vectores bra e ket são entidades matemáticas complexas, mas cujas partes real e imaginária não po-dem ser separadas, como acontece com os números complexos. Para os distinguir podemos, se quisermosser precisos, usar o termo imaginário conjugado para os vectores bra e ket, reservando o termo complexo

conjugado para os números e outras quantidades cujas partes real e imaginária possam separar-se.

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O B S E R V Á V E I S

em que 1 é a matriz unidade.

Um espaço linear com módulo finito e produtos escalares finitos é chamado pelos ma-temáticos um espaço de Hilbert , normalmente representado pelo símbolo H.

Nota: Neste texto, dispensaremos a notação de Dirac para os estados (vectores), sempreque essa notação seja redundante. Usá-la-emos sempre para o produto interno, 〈ψ|φ〉,e para designar que um dado vector é um vector bra, 〈φ|. Usá-la-emos também quandonos parecer que beneficia a clareza da exposição.

Também usaremos indiscriminadamente os termos vector, função de onda ou simples-mente estado para designar um estado de um sistema.

3 . 3 OBSERVÁVE I S

3.3.1 Operadores Lineares e Hermitianos

Uma observável é uma variável dinâmica de um sistema físico que, em princípio, pode sermedida. Na teoria quântica, uma observável é um operador. Assim, haverá um operadorpara a energia do sistema, outro, para o momento linear, etc.

Definimos operador como um símbolo, T , que, representando uma transformação linear,faz corresponder a um dado elemento ψ, outro elemento φ do mesmo espaço:

T ψ = φ (3.29)

Alguns exemplos de operadores da teoria quântica:– Operador de posição: x– Operador de momento linear: p = ~

i∂∂x

– Operador de momento angular (componente em z): Lz = ~

i∂∂φ

– Operador hamiltoniano (energia cinética + energia potencial): − ~2

2m∇2 + V (r)

Vejamos que os operadores constituem um espaço linear T , associado ao espaço dosestados, E = ψ.

Sejam F e G dois quaisquer desses operadores. Define-se a sua soma (F + G) e o seuproduto FG por

(F +G)ψ = Fψ +Gψ (FG)ψ = F (Gψ) (3.30)

Note-se que o produto de dois operadores FG representa a aplicação sucessiva, primeirodo operador G (que actua sobre ψ) e depois do operador F , que actua sobre o resultado(Gψ).

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Os operadores lineares, T, preservam a linearidade do espaço E, tal que

T (c1ψ1 + c2ψ2) = c1(Tψ1) + c2(Tψ2) (3.31)

Faz-se notar que, em geral, FG 6= GF , isto é, os operadores não são comutativos comrespeito à multiplicação.

A FG−GF chama-se o comutador de FG e pode representar-se por [F ,G], isto é,

[F,G] = FG−GF (3.32)

É claro que, quando dois operadores comutam, o seu comutador é nulo.

Por exemplo, os operadores ∂∂x

e x não comutam. Com efeito, seja F = x e G = ∂∂x

. Teremos

FGψ = x ∂∂xψ e GFψ = ∂

∂xxψ = ψ + x ∂

∂xψ, donde (FG − GF )ψ = ψ e portanto [F,G] =

FG−GF = 1. Ou seja, o comutador de FG é o operador unidade.

Chama-se anticomutador de FG a

[F,G]+ = FG+GF (3.33)

Define-se potência de um operador, T , como a aplicação sucessiva de T :

T nψ = TT...Tψ (3.34)

Por exemplo,(

1i

∂∂x

)2= − ∂2

∂x2

Dado o operador T , se existir o operador F , tal que

TF = FT = 1

então os dois operadores dizem-se inversos um do outro:

F = T−1 e T = F−1 (3.35)

Define-se o operador unidade, T = 1, tal que

Tψ = ψ (3.36)

Isto é, o operador faz corresponder a um elemento o próprio elemento.

Os operadores lineares satisfazem portanto uma álgebra linear, com propriedade associa-tiva, etc., mas não necessariamente a propriedade comutativa!

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O B S E R V Á V E I S

Consideremos então um operador linear T definido no espaço linear E = ψ, com umabase U = u1, u2, .... Uma vez que Tui é um elemento de E, podemos escrever

Tui =∑

k

ukTki (3.37)

O conjunto dos elementos Tki agrupados numa matriz quadrada T = Tki constituema representação matricial do operador T relativa à base U.

Os elementos matriciais Tki são da forma

Tki = 〈uk|T |ui〉 ou Tki =

u∗k(r)Tui(r)dτ (3.38)

segundo a notação de Dirac e a de Schrödinger, respectivamente.

De factona base U = (u1, u2, · · · ) →

u1

u2

· · ·

T (u1 u2, · · · )=

u1

u2

· · ·

(Tu1 Tu2 · · · )=

〈u1|T |u1〉 〈u1|T |u2〉 · · ·〈u2|T |u1〉 〈u2|T |u2〉 · · ·

· · · · · · · · ·

=Tki

A expressão (3.38) significa que o elemento Tki é obtido pela aplicação do operador Tao vector |ui〉, sendo o resultado multiplicado à esquerda pelo vector bra 〈uk|, ou pelamesma sequência no caso do integral.

Segundo a definiçãoφ = Tψ ou |φ〉 = T |ψ〉

o vector (ket) fica sempre à direita do operador.

Para os vectores bra devemos escrever

〈ψ|T = 〈φ| (3.39)

tal que (〈ψ|T )|φ〉 = 〈ψ|(T |φ〉).

Os operadores lineares são, em geral, entidades complexas, uma vez que podemos multiplicá-los por números complexos e obter entidades da mesma natureza.

Consideremos o imaginário conjugado de T |ψ〉. Chama-se adjunto de T , ao operador T †,tal que

〈ψ|T † = 〈Tψ| = (T |ψ〉)∗ (3.40)

Isto é, o imaginário conjugado de T |ψ〉 pode ser considerado como o resultado da aplicaçãode um operador T † ao bra 〈ψ|.

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Se T † = T , diz-se que o operador é hermitiano ou auto-adjunto:

T † = T (3.41)

Como o resultado da medição de qualquer variável dinâmica tem de ser um número real,os operadores (correspondentes a observáveis) têm de satisfazer a condição T † = T , istoé, que sejam hermitianos, sendo os valores próprios associados a kets os mesmos que osvalores próprios associados aos bras correspondentes.

Note-se que, para os elementos matriciais,

T †ij = T ∗

ji = Tij (3.42)

Isto é, numa matriz hermitiana, um dado elemento, Tij , é igual ao complexo conjugado doelemento correspondente na matriz transposta, ou seja, o elemento com índices trocados.

É fácil verificar que(T †)† = T (3.43)

O complexo conjugado do produto de dois ou mais operadores lineares é igual ao produtodos complexos conjugados dos mesmos operadores escritos por ordem inversa:

(TVF)∗ = [T (V F )]∗ = (V F )∗T ∗ = F ∗V ∗T ∗ (3.44)

O conjugado de qualquer produto de vectores ket , vectores bra e operadores lineares éobtido tomando o complexo conjugado de cada um dos factores e invertendo a sua ordem.

3.3.2 Operadores de Projecção

Consideremos o operadorPi = |ui〉〈ui| (3.45)

e façamo-lo actuar sobre um vector ψ:

Pi|ψ〉 = |ui〉〈ui|ψ〉 = 〈ui|ψ〉|ui〉 (3.46)

Atendendo a que 〈ui|ψ〉 é o produto interno de ψ por ui, ou seja, a projecção de ψ sobreui, podemos designar o operador Pi por operador de projecção ou projector.

Se ψ for da forma |ψ〉 =∑

i

ci|ui〉, será:

Pi|ψ〉 = |ui〉〈ui|ψ〉 = 〈ui|ψ〉|ui〉 = ci|ui〉 (3.47)

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O B S E R V Á V E I S

Podemos generalizar e construir um operador para decompor um vector ψ pertencente aum espaço linear E, de dimensão n, nas suas componentes segundo os vectores unitáriosui (supostos ortonormados) do espaço E:

PE =

n∑

i

|ui〉〈ui| (3.48)

De facto (se |ψ〉 =∑

i

ci|ui〉),

PE|ψ〉 =

n∑

i

|ui〉〈ui|ψ〉 =

n∑

i

ci|ui〉 (3.49)

dá-nos as componentes 〈ui|ψ〉 = ci segundo os vários |ui〉

Note-se que, para uma base U = ui ortonormada

PE =

n∑

i

|ui〉〈ui| = 1 (3.50)

Pode dizer-se que o operador PE é o operador de decomposição da unidade.

3.3.3 Valores Próprios e Vectores Próprios de Operadores LinearesHermitianos

Consideremos um operador linear T associado ao espaço E = ψ. Diz-se que um escalarλ é um valor próprio de T se existir um vector diferente de zero ψ ∈ E tal que

T ψ = λψ ou, na notação de Dirac, T |ψ〉 = λ|ψ〉 (3.51)

Diz-se que ψ é um vector próprio, função própria ou estado próprio, ou que |ψ〉 é um ketpróprio de T associado ao valor próprio λ, e também se diz que λ é o valor próprio de Tassociado ao vector próprio, função própria ou estado próprio ψ, ou ao ket próprio |ψ〉.

O conjunto λ = λ : Tψ = λψ constitui o espectro de T .

O conjunto dos estados próprios de um dado operador deve ser um conjunto completo,entendendo-se por conjunto completo um conjunto tal, que qualquer estado é dependentedos estados próprios. Por outro lado, convém redefinir observável como uma variáveldinâmica cujos estados próprios constituem um conjunto completo, para que qualquerquantidade que possa, em princípio, ser medida, seja uma observável. Pode colocar-se apergunta: todas as observáveis podem ser medidas? A resposta, teoricamente, é sim! Naprática pode ser difícil ou impossível desenhar um aparelho que possa fazer uma dada

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medição; mas podemos sempre dizer que, em princípio, uma dada quantidade pode sermedida — podemos sempre imaginar que pode ser medida.

Um dos problemas fundamentais da teoria consiste em calcular os valores próprios de umdado operador e os seus vectores próprios.

Para resolver o problema, consideremos a equação

T ψ = λψ (3.52)

numa dada base U = ui. Numa representação matricial, T será a matriz T = Tki eψ o vector coluna, c = ci. A equação (3.52) terá a forma matricial

(T − λ ·1)c = 0 (3.53)

em que 1 é a matriz unidade. Explicitando os elementos matriciais, vem a equação∑

i

(Tki − λδki)ci = 0 k = 1, 2, ..., n (3.54)

a partir da qual podem obter-se os valores possíveis de λ por resolução da equação secular

det (Tki − λδki) = 0 (3.55)

Substituindo os valores de λ no sistema de equações (3.54) e usando a condição denormação

i

c∗i ci =∑

i

|ci|2 = 1 (3.56)

podem obter-se os valores ci. Para uma análise mais pormenorizada ver Complemento 3A.

No caso especial, muito importante para a química quântica, em que a base ui não éortonogonal, na equivalente à equação (3.53) a matriz unidade, 1, é substituída pelachamada matriz de sobreposição, S, cujos elementos são da forma Ski = 〈uk|ui〉, e asequações (3.54) a (3.56) transformam-se em

i

(Tki − λSki)ci = 0 (3.57)

det (Tki − λSki) = 0 (3.58)∑

i,k

c∗kciSki = 1 (3.59)

Os valores próprios, λ, são dados pelas raízes da equação característica Pol(λ) = 0, queresulta do desenvolvimento da equação (3.55) ou (3.58). Pol(λ) é o polinómio característi-co da matriz T. Se o espaço E = ψ for de dimensão n, há n raízes: λ = λ1, λ2, ..., λn.

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O B S E R V Á V E I S

Se as raízes λ1, λ2, ..., λn forem distintas, os vectores próprios ck que lhes estão associadossão linearmente independentes e podem ser usados como uma base U′ = c1, c2, ..., cn,que é chamada a base própria do T.

Na base U′ = ck, a matriz T é diagonal, pelo que a resolução da equação (3.55) ou(3.58) corresponde à diagonalização da matriz T,

T′ = λ =

λ1 0 ... ...

0 λ2 ... ...

... ... ... ...

... ... ... λn

(3.60)

sendo λ a matriz diagonal com os valores próprios λ1, λ2, ..., λn.

Assim, um operador linear e hermitiano é representado no sistema de base dos seusvectores próprios por uma matriz diagonal.

O operador T pode então escrever-se (se λi for não degenerado)

T =∑

i

|ui〉〈ui|λi =∑

i

Piλi (3.61)

Nota: isto vem de considerar T |ψ〉=λ|ψ〉 e T |ui〉=λi|ui〉 ⇒

T∑

i

|ui〉〈ui|ψ〉 =∑

i

T |ui〉〈ui|ψ〉 =∑

i

λi|ui〉〈ui|ψ〉 =∑

i

λiPi|ψ〉

que representa a resolução espectral de T . Os λi são os valores próprios de T , e os Pi sãoas projecções ortogonais sobre o espaço dos vectores próprios correspondentes aos valorespróprios λi.

Embora seja redundante referir que os vectores próprios de uma dada observável sãoortogonais, por constituírem uma base do espaço dos estados, sugerimos que resolva oProblema 3C.6.

Dois vectores próprios são degenerados se tiverem o mesmo valor próprio:

T ψ1 = λψ1 T ψ2 = λψ2 (3.62)

Pode mostrar-se que podem sempre obter-se conjuntos de vectores próprios degeneradosque sejam ortogonais: note-se que qualquer combinação linear de vectores próprios de-generados é um vector próprio com o mesmo valor próprio, isto é, por exemplo, para ocaso de degenerescência de grau 2:

T (c1ψ1 + c2ψ2) = c1Tψ1 + c2Tψ2 = λ(c1ψ1 + c2ψ2) (3.63)

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Há várias maneiras de obter combinações lineares de vectores próprios degenerados quesejam ortogonais. Uma delas é a ortogonalização de Schmidt. Parte-se do princípio deque ψ1, ψ2, são normadas e admite-se que 〈ψ1|ψ2〉 = S 6= 0. Escolhemos ψI = ψ1, tal que〈ψI |ψI〉 = 1. Fazemos ψII′ = ψ1 + cψ2 e escolhemos c, tal que 〈ψI |ψII′〉 = 0 = 1 + cS.

Finalmente normaliza-se ψII′ para obter

ψII =(

S−2 − 1)−1/2

(ψ1 − S−1ψ2) (3.64)

assim, os vectores próprios de um operador hermitiano podem ser escolhidos como umconjunto ortonormado

〈ψa|ψb〉 = δab (3.65)

Note-se que, se algumas das raízes λ1, λ2, ..., λn forem iguais, isto é, degeneradas, nemsempre é possível diagonalizar a matriz pelo método indicado anteriormente. Nas apli-cações mais comuns à química quântica o problema normalmente não se põe. De qualquermodo, o problema das raízes múltiplas (ou degeneradas) pode ser tratado no âmbito doschamados blocos de Jordan12.

3.3.4 Comutatividade e Compatibilidade

Um estado pode ser simultaneamente um estado próprio de duas observáveis. Se o estadofor representado por ψ e as observáveis forem T e F , devemos ter as equações

T ψ = λψ

F ψ = ω ψ(3.66)

em que λ e ω são valores próprios de T e F , respectivamente. Podemos então deduzir

TFψ = Tωψ = λωψ = λFψ = Fλψ = FTψ (3.67)

ou (TF − FT )ψ = 0.

Isto sugere que existem estados próprios comuns quando [T, F ] = (TF − FT ) = 0, istoé, quando os dois operadores comutam. Se não comutarem, a existência de um estadocomum não é impossível mas é muito excepcional.

Se os operadores comutam, existe um conjunto completo de estados próprios comuns,que constitui uma base comum, como se mostra a seguir.

Consideremos duas observáveis T e F , que comutam. Para simplicidade vamos considerarapenas o caso de espectros discretos13 e sem degenerescências. Uma vez que T é uma

12Ver por exemplo Per-Olov Löwdin, Linear Algebra for Quantum Theory, Wiley Interscience, 1998.13Para o caso de espectros contínuos, os somatórios corresponderiam a integrais.

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observável, existe pelo menos um conjunto de vectores próprios de T que constitui umabase no espaço dos estados. Seja essa base ui, tal que

T ui = λi ui (3.68)

Seja tambémF vk = ωk vk (3.69)

Podemos expandir vk na base ui, dando

vk =∑

i

ciui (3.70)

Atendendo a (3.69), podemos escrever

0 = (F − ωk)vk =∑

i

(F − ωk)ciui (3.71)

Por outro lado, o vector (F − ωk)ciui satisfaz a equação de valores próprios:

T (F − ωk)ciui = (F − ωk)ciλiui = λi(F − ωk)ciui (3.72)

o que mostra que (F − ωk)ciui é um vector próprio de T pertencente ao valor próprioλi. Entretanto, o somatório em (3.71) é nulo, o que implica que cada termo seja nulo.Portanto, para qualquer i temos

(F − ωk)ciui = 0 (3.73)

que implica (ωi − ωk)ui = 0, o que só pode ser verdade se i = k. Daqui se concluique ui é uma base comum simultaneamente associada aos operadores T e F , tal queTui = λiui e Fui = ωiui.

Se duas ou mais observáveis comutam, isso implica que podem ser medidas simultanea-mente. De facto, do ponto de vista da teoria geral, quaisquer duas ou mais observáveiscomutativas devem contar como uma única observável — resultado de uma medição queconsiste em dois ou mais valores. Os estados, para os quais essa medição vai conduzir aum resultado particular, são os estados próprios comuns.

Se os operadores correspondentes a duas determinadas observáveis não comutarem, asduas observáveis não podem ser medidas simultaneamente. Diz-se que as observáveis sãocomplementares. Veremos que estão relacionadas por uma relação de incerteza.

3.3.5 Traços de Matrizes e de Operadores

O traço de uma matriz de dimensão finita é definido como a soma dos elementos diagonais

tr T =

n∑

i=1

Tii (3.74)

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Para um operador T que actua num espaço de Hilbert, a definição é a mesma. Seleccio-namos uma base ortonormada ui:

tr T =∑

i=1

〈ui|T |ui〉 (3.75)

No caso de uma base ortonormada contínua uα, teremos

tr T =

〈uα|T |uα〉dα (3.76)

O traço é um invariante, isto é, não depende da escolha da base. É fácil de provar paraum espaço de dimensão finita. Seja vk uma outra base:

i

〈ui|T |ui〉 =∑

i

〈ui|[

k

|vk〉〈vk|]

T |ui〉 =

=∑

ik

〈ui|vk〉〈vk|T |ui〉 =

=∑

ik

〈vk|T |ui〉〈ui|vk〉

(3.77)

uma vez que pode trocar-se a ordem de dois escalares num produto. Podemos entãosubstituir

i

|ui〉〈ui| = 1 (decomposição da unidade, expressão 3.50) e obter

i

〈ui|T |ui〉 =∑

k

〈vk|T |vk〉 (3.78)

Se o operador T for uma observável, o traço de T pode ser calculado na base dos vectorespróprios de T . Os elementos diagonais da matriz são então os valores próprios de T , e otraço pode escrever-se (se os estados forem não degenerados)14

trT =∑

k

λk (3.79)

3.3.6 Produto Tensorial de Espaços de Estados e RespectivosOperadores

É conveniente definir um produto tensorial, quando querem estabelecer-se relações formaisentre, por exemplo, espaços a uma dimensão, x, e espaços a três dimensões, r, e tambémentre vectores de estado (ou funções de onda) que representam uma só partícula e vectoresde estado (ou funções de onda) que representam várias partículas.

14Nesse caso, tr T =∑

ngnλn em que gn é o grau de degenerescência (número de estados com o mesmo

valor próprio).

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Por definição, o espaço E, de dimensão N , é chamado produto tensorial dos espaços E1,de dimensão N1 e E2, de dimensão N2, tal que N = N1N2:

E = E1 ⊗ E2 (3.80)

se a cada par de estados ψ1 pertencente a E1 e ψ2 pertencente a E2 houver um estado ψrepresentado por15

ψ = ψ1 ⊗ ψ2 ou ψ = ψ1ψ2 (3.81)

chamado produto tensorial de ψ1 por ψ2, satisfazendo as condições de linearidade comrespeito à multiplicação por números complexos e distributividade com respeito à adição.Nessas condições, as componentes de um vector que é um produto tensorial são os pro-dutos das componentes dos dois vectores do produto. Note-se que, em geral, se o estadode um sistema de várias partículas não puder ser escrito sob a forma de um produto(tensorial) dos estados das várias partículas é porque há correlações entre as partículas.

Recorrendo ao conceito de produto tensorial, é possível relacionar um estado tridimen-sional com os estados unidimensionais:

ψ(x, y, z) ≡ ψ(r) = ψ(x) ⊗ ψ(y) ⊗ ψ(z) = ψ(x)ψ(y)ψ(z) (3.82)

ou descrever o estado de um sistema de duas partículas independentes (não correlacio-nadas):

ψ(r1, r2) = ψ(r1) ⊗ ψ(r2) = ψ(r1)ψ(r2) (3.83)

Se considerarmos dois operadores T1 e T2 que actuam respectivamente nos espaços E1 eE2, e que comutam, os valores próprios do operador T = T1 + T2 são as somas de umvalor próprio de T1 com um valor próprio de T2:

T = T1 + T2 =⇒ λ = λ1 + λ2 (3.84)

e a base dos vectores próprios de T é o produto tensorial das bases dos vectores própriosde T1 e de T2, isto é,

T = T1 + T2 =⇒ ψ = ψ1 ⊗ ψ2 = ψ1ψ2 (3.85)

15Se não houver ambiguidade, pode prescindir-se do uso do símbolo ⊗.

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De facto, se considerarmos as equações de valores próprios para T1 e T2:

T1 ψ1 = λ1 ψ1 (3.86)

T2 ψ2 = λ2 ψ2 (3.87)

em que, para simplicidade, supomos que os espectros de T1 e de T2 são discretos e não degene-rados, e se admite que T1 e T2 comutam, uma vez que T1 só actua no espaço E1 e T2 no espaçoE2, podemos escrever

T1 ψ1ψ2 = λ1 ψ1ψ2 (3.88)

T2 ψ1ψ2 = λ2 ψ1ψ2 (3.89)

Somando as duas equações (3.88) e (3.89), a atendendo a que T = T1 + T2 vem:

T ψ1ψ2 = (λ1 + λ2)ψ1ψ2 (3.90)

3.3.7 Extensão de Operadores

Consideremos um espaço E que é o produto tensorial de dois espaços E1 e E2, ou seja,E = E1 ⊗ E2. Seja T (1) um operador definido no espaço E1. Podemos associar-lheum operador T (1), que actue em E, a que chamamos extensão de T (1) em E, e que écaracterizado do seguinte modo: quando T (1) é aplicado ao produto tensorial ψ(1)⊗φ(2),obtém-se, por definição,

T (1)[ψ(1) ⊗ φ(2)] = [T (1)ψ(1)] ⊗ φ(2) (3.91)

A hipótese de que T (1) é linear é suficiente para o determinar completamente.

Note-se que a extensão de operadores é um caso especial de produto tensorial: se con-siderarmos os operadores identidade, I1 e I2 em E1 e em E2, respectivamente, então ooperador T (1) pode escrever-se como o produto do operador T (1) que actua em E1 pelooperador identidade no espaço E2, ou seja:

T (1) = T (1) ⊗ I(2) (3.92)

Nota: O produto tensorial ou de Kronecker de duas matrizes A(n×m) e B é dado por

A11 × B A12 × B ... A1n × B

A21 × B ... ... ...

... ... ... ...

Am1 × B Am2 × B ... Amn × B

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3.3.8 Significado Físico de Um Estado Que É Um Produto Tensorial

Para ver o que um estado produto representa fisicamente, consideremos um sistemaconstituído por dois subsistemas (e.g., 2 electrões), cujo estado global inicial é

ψ = ψ1 ⊗ ψ2 = ψ1ψ2 (3.93)

A probabilidade de obter o valor λi, de uma observável T , numa medição, é dada por

Prob(1)(λi) = 〈ψ|Pi(1)|ψ〉 = 〈ψ1(1)ψ2(2)|Pi(1) ⊗ I(2)|ψ1(1)ψ2(2)〉 (3.94)

em que Pi(1) é a extensão do operador de projecção no espaço global.

Desenvolvendo, vem

Prob(1)(λi) = 〈ψ1(1)|Pi(1)|ψ1(1)〉〈ψ2(2)|I(2)|ψ2(2)〉 =

= 〈ψ1(1)|Pi(1)|ψ1(1)〉(3.95)

Vê-se, assim, que a probabilidade Prob(1)(λi) não depende de ψ2(2), mas apenas de ψ1(1).Quando o estado do sistema global tem a forma ψ = ψ1ψ2, todas as previsões relativasapenas a um dos dois sistemas não dependem do estado do outro e são completamenteexpressas em termos do seu próprio estado, dependendo apenas do facto de ele ser medido.Um estado produto ψ = ψ1ψ2 pode portanto ser considerado como representando asimples adição de dois sistemas, um no estado ψ1, o outro no estado ψ2. No estado global,os dois sistemas não estão correlacionados, diz-se. Mais precisamente, os resultados demedidas sobre os dois sistemas correspondem a variáveis independentes. Tal é a situaçãode dois sistemas que não interactuem.

3.3.9 Significado Físico de Um Estado Que Não É Um ProdutoTensorial

Consideremos agora o caso de um sistema formado por duas partes cujo estado globalnão é um produto tensorial, isto é, que não pode ser escrito sob a forma ψ = ψ1ψ2.As previsões sobre os resultados de medidas sobre um só dos sistemas não podem serexpressas unicamente em termos do seu estado (ψ1 ou ψ2). Neste caso, deve ser usadaa expressão geral Prob(1)(λi) = 〈ψ|Pi(1)|ψ〉, para calcular as probabilidades dos váriosresultados possíveis, relativos ao sistema 1. Pode presumir-se que neste caso existemcorrelações entre os dois sistemas, o que implica interacções entre eles. Não é possívelassociar um vector de estado individual a cada um dos sistemas.

A questão que se põe é de como descrever cada um dos sistemas. A maneira de resolvero problema consiste em descrever cada um dos sistemas não por um vector de estado,mas sim por um operador densidade, como veremos mais adiante.

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

3 . 4 PROCES S OS F ÍS ICOS

Algumas das mais importantes dificuldades na interpretação da mecânica quântica estãoassociadas ao próprio acto de medição ou observação de uma dada propriedade de umsistema quântico. Von Neumann16, em especial, desenvolveu muito do formalismo relacio-nado com o chamado problema da medição, que resulta do facto de que vários princípiosda teoria parecem estar em conflito com o senso comum. Embora, este seja ainda umproblema em discussão, ele é evitado, numa das interpretações mais consensuais queiremos desenvolver. Nessa linha, faremos seguidamente uma análise das previsões de re-sultados experimentais, notando que essa análise é extensiva a qualquer processo físico17,na medida em que os princípios da teoria quântica governam todos eles.

3.4.1 Previsão de Resultados de Medições ou Observações

De acordo com a teoria, o único resultado possível de uma medição (ou observação) deuma dada observável T é um dos valores próprios do operador T . Imediatamente a seguirà medição, o estado do sistema é um estado próprio de T , com o valor medido. Se oestado imediatamente anterior à medição for ψ, então o resultado da medição, λi, seráobtido com a probabilidade (ver 3.61)

Prob (λi) = |Pi|ψ〉|2 = |〈ui|ψ〉|2 = 〈ψ|Pi|ψ〉 (3.96)

ou seja, o quadrado do módulo da projecção de ψ segundo ui. Se ψ for expresso emtermos das suas componentes na base U = u1, u2, ..., ou seja, se ψ =

i

ciui, vem

Prob (λi) = |〈ui|ψ〉|2 = 〈ψ|Pi|ψ〉 = 〈ψ|ui〉〈ui|ψ〉 = c∗i ci = |ci|2 (3.97)

Se o resultado da medição for λi, então o estado será ui. Diz-se que o sistema ficapreparado no estado ui.

Se a medição for repetida imediatamente a seguir, o resultado, de acordo com esta regra,será o mesmo, com probabilidade 1.

Para verificar as previsões da expressão (3.96) ou (3.97) é preciso fazer medições damesma observável num grande número de sistemas que estejam inicialmente18 no mesmo

16John von Neumann (1903–1957) foi um eminente matemático a quem se deve muito do formalismomatemático da teoria quântica. Foi também um dos pioneiros da teoria da computação.

17Processo: série de acções que se tomam para atingir um determinado resultado; série de mudanças queocorrem naturalmente.

18Note-se que estamos a falar de um sistema descrito por um vector de estado do tipo ψ =∑

iciui.

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PR O C E S S O S F Í S IC O S

estado quântico. Se as previsões forem correctas, a proporção de experiências idênticascom o resultado previsto deverá tender para o valor teórico, quando o número, N , deexperiências idênticas tender para infinito. Na prática, N será necessariamente finito,sendo necessário usar métodos estatísticos para interpretar os resultados.

O valor expectável da observável T relativo a um estado inicial ψ, que designaremos por〈T 〉, é definido como a média dos resultados obtidos num grande número de mediçõesdessa observável em sistemas, todos no estado ψ. Quando ψ é dado, é possível calcularas probabilidades de encontrar todos os possíveis resultados. O valor de 〈T 〉 pode entãoser calculado. Veremos que, se ψ for normado, 〈T 〉 será dado por

〈T 〉 = 〈ψ|T |ψ〉 (3.98)

De facto, por definição, o valor expectável de uma grandeza é a soma dos valores possíveisdessa grandeza multiplicados pelas respectivas probabilidades, i.e.,

〈T 〉 =∑

i

λiProb (λi) (3.99)

substituindo (3.96) em (3.99), vem

〈T 〉 =∑

i

λiProb (λi) =∑

i

λi〈ψ|Pi|ψ〉 =∑

i

〈ψ|Piλi|ψ〉 = 〈ψ|T |ψ〉 (3.100)

em que Pi é o operador de projecção.

Fazendo ψ =∑

iuici vem 〈T 〉 = 〈ψ|T |ψ〉 =

ic∗i ciλi =

i|ci|2λi

significando que o valor expectável de uma observável num estado arbitrário representado poruma expansão linear é o somatório dos valores próprios do operador pesados pelos quadradosdos módulos (c∗i ci = |ci|2) dos coeficientes da expansão.

Para um espaço funcional F = ψ(r), devemos escrever

〈ψ|T |ψ〉 =

ψ∗(r)Tψ(r)dτ (3.101)

ou ainda para o caso de as funções ψ não serem normadas:

〈ψ|T |ψ〉 =

ψ∗(r)Tψ(r)dτ∫

ψ∗(r)ψ(r)dτ(3.102)

Para caracterizar a dispersão dos resultados convém introduzir o desvio quadrático médio(∆T )2, que, por definição, é

(∆T )2

= 〈(T − 〈T 〉)2〉 (3.103)

sendo habitual exprimir os resultados sob a forma 〈T 〉 ± ∆T .

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

A expressão (3.103) pode transformar-se e dar

(∆T )2

= 〈(T − 〈T 〉)2〉

= 〈(

T 2 − 2T 〈T 〉+ 〈T 〉2)

= 〈T 2〉 − 2〈T 〉2 + 〈T 〉2

= 〈T 2〉 − 〈T 〉2

(3.104)

Com a aceitação de probabilidades no contexto descrito anteriormente, pode dizer-se quea teoria quântica, contrariamente à mecânica clássica, admite a existência de eventosaleatórios (como a emissão de partículas α por um átomo radioactivo), limitando-se a fa-zer previsões sobre os possíveis eventos, aos quais associa probabilidades. A existência deeventos aleatórios, na Natureza, foi uma das ideias que Einstein sempre teve dificuldadeem aceitar. Dizia ele que “Deus não joga aos dados”.

3.4.2 Relações de Incerteza

“O princípio de incerteza tem que ver com a incerteza nasprevisões, não com a precisão das medições. Penso mesmo quea palavra “medição” tem sido tão abusada na mecânicaquântica, que seria melhor, simplesmente, evitá-la”.

John S. Bell, 1985

Consideremos dois operadores lineares F e G e consideremos um vector ψ com módulo|ψ| = 1, na intersecção dos domínios D(F ) e D(G). Usando a desigualdade de Schwarz18,que diz

|u| |v| > 〈u|v〉 > Im〈u|v〉 =1

2|〈u|v〉 − 〈v|u〉| (3.105)

e fazendo

|u| = |(F − 〈F 〉I)ψ| = ∆F (3.106)

|v| = |(G− 〈G〉I)ψ| = ∆G (3.107)

18Demonstra-se facilmente. Sejam u = a+ib e v = c+id, vem 〈u|v〉 = (a−ib)(c+id) = (ac+bd)+i(ad−bc).Também pode ver-se que |u| |v| ≥ |〈u|v〉 ≥ |Im〈u|v〉| e que Re z = z+z∗

2e Im z = z−z∗

2i.

Pela última igualdade, Im〈u|v〉 = 〈u|v〉−〈v|u〉2i

= −i 〈u|v〉−〈v|u〉2

e portanto Im〈u|v〉 = 12|〈u|v〉 − 〈v|u〉|.

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PO S T U L A D O S D A T E O R IA Q U Â N T IC A

em que I é o operador identidade, 〈F 〉 e 〈G〉 são os valores expectáveis das observáveisF e G respectivamente, e ∆F e ∆G, as suas incertezas; obtém-se, usando (3.105):

∆F ∆G >1

2

∣〈ψ|(F − 〈F 〉I)†(G− 〈G〉I) − (G− 〈G〉I)†(F − 〈F 〉I)|ψ〉∣

∣ (3.108)

Se F e G forem hermitianos, i.e, se F † = F e G† = G, então

∆F ∆G >1

2|〈ψ|FG−GF |ψ〉| ou

∆F ∆G ≥ 1

2|〈[F,G]〉| (3.109)

em que [F,G] é o comutador de F e G.

Assim, dadas duas observáveis não comutativas, verifica-se que o produto das suas incer-tezas não pode ser menor do que 1/2 vezes o módulo do valor expectável do comutadordas duas observáveis. Este resultado, que é absolutamente geral para qualquer par deobserváveis não comutativas, é o conhecido princípio de incerteza de Heisenberg.

No caso, por exemplo, da posição x, e do momento linear p, temos que o operador posição é x eo operador momento linear é p = ~

i∂∂x

. Calculando o comutador (fazendo actuar os operadoressobre uma função ψ), vem

xp ψ = x~

i

∂xψ e px ψ =

~

i

∂xxψ =

~

iψ + x

~

i

∂xψ

donde

(xp− px)ψ = −~

iψ = i~ψ

e

∆x∆p ≥ 1

2|〈[x, p]〉| =

~

2que é o conhecido princípio de incerteza respeitante à posição e momento linear.

3 . 5 POSTUL A D OS DA TEORIA QUÂNTIC A

Numa teoria dedutiva parte-se de um conjunto de postulados20, que são supostamentenão contraditórios e não redundantes, e os resultados da teoria sob a forma de teoremasou proposições são obtidos por dedução lógica.

É talvez relevante recordar uma das implicações do célebre teorema de Goedel (da teoria denúmeros), segundo o qual, em qualquer teoria (de números) dedutiva, há sempre proposiçõescuja veracidade ou falsidade não pode ser provada no âmbito da teoria.

20Postulado: do latim postulatu; princípio primário que é necessário admitir, para se estabelecer umademonstração. Há quem considere que os postulados da teoria quântica são axiomas, o que significa algode diferente: Axioma: do latim axioma, do grego axíoma, opinião, dogma; proposição que não carece dedemonstração.

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Na teoria quântica há símbolos que podem ser concretizados como operadores e matri-zes, conduzindo a vários modelos diferentes: a mecânica ondulatória de Schrödinger, amecânica de matrizes de Heisenberg-Born-Jordan e a teoria abstracta de Dirac. Estesmodelos dão excelentes e idênticos resultados na explicação da estrutura electrónica dosátomos, das moléculas e do estado sólido, embora haja ainda dificuldades em unificar amecânica quântica dos sistemas de muitos electrões com a teoria da relatividade.

A teoria quântica é baseada no princípio fundamental da existência de um espaço linearde Hilbert H = ψ cujos elementos são caracterizados como funções de onda ou vectoresde estado21, mas que (em rigor) carecem de significado físico. A física é formulada numespaço T formado por operadores T associados ao espaço H.

Introduzem-se os seguintes postulados, que, no fundo, resultam do que foi dito nos pará-grafos anteriores:

1. Num dado instante, o estado de um sistema é definido pela especificação deum elemento (vector) de um espaço linear de Hilbert, chamado espaço dos esta-dos, ou, simplesmente, espaço de Hilbert, H = ψ. Cada elemento do espaçoH = ψ corresponde a um possível estado puro22 do sistema. Na representaçãode Schrödinger, o vector de estado está associado a uma função de onda.

2. Qualquer grandeza física T , que em princípio possa ser medida (observável), édescrita por um operador linear e hermitiano (ou auto-adjunto), T , que actua noespaço H = ψ.

3. O único resultado possível de uma medição singular de uma dada observável, T ,é um dos valores próprios de T . Imediatamente a seguir à medição, o estado dosistema é o estado próprio de T , com o valor medido. Se o estado imediatamenteanterior à medição for ψ, então o resultado da medição, λi, será obtido com aprobabilidade

Prob (λi) = |〈ui|ψ〉|2 (3.110)

ou seja, o quadrado do módulo da componente, ou projecção ortogonal, de ψ se-gundo ui. Se escrevermos ψ =

i

uici, vem

Prob (λi) = 〈ψ|ui〉〈ui|ψ〉 = c∗i ci = |ci|2 (3.111)

Note-se que este postulado contém a interpretação de que o produto interno entre dois vec-tores de estado, 〈ψ|φ〉, é uma amplitude de probabilidade —da transição entre o estado φ eo estado ψ.

21Muitos autores consideram este princípio fundamental como o primeiro postulado.22Chama-se estado puro a um estado a que corresponde um único vector do espaço dos estados. Veremosmais tarde mais pormenorizadamente.

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M A T R IZ D E N S ID A D E

Convém também introduzir um postulado relativo à evolução temporal do sistema:

4. Na representação de Schrödinger, o estado do sistema evolui de acordo com aequação

i~d

dtΨ(t) = H Ψ(t) (3.112)

em que H é o operador hamiltoniano.

Esta equação pode escrever-se em termos de um operador de evolução U , que, seH for independente do tempo, assume a forma U = e−itH/~, ficando Ψ(t) = UΨ(0)

e sendo Ψ(0) a função de onda no instante t = 0. Experimente integrar a equação(3.112)!

Este é um conjunto possível de postulados, porventura mais do que os necessários paraum formalismo da teoria quântica. Veremos que, em sentido restrito, estes postuladossó são válidos para sistemas isolados, sendo necessário algo mais para interpretar osresultados de sistemas não isolados, que, no fundo, são todos os sistemas reais.

3 . 6 MATRIZ DENS IDAD E

3.6.1 Introdução

Os postulados habituais da mecânica quântica (que apresentámos até agora) constituemum formalismo adequado para um sistema isolado. Portanto, quando usamos a mecâ-nica quântica para calcular as propriedades de uma molécula, estamos muito longe dascondições ideais de aplicabilidade do formalismo, não apenas por limitações de ordemmatemática. As razões são mais profundas. São de natureza formal e têm que ver como facto de que qualquer sistema real é um sistema com muitas partículas e interacções,nomeadamente, quando sobre ele se fazem medições ou observações. Em princípio, paradescrever formalmente essa situação deveríamos resolver a equação de Schödinger parao sistema (molécula + aparelho de medida) para não incluir já o observador e o restodo universo. Na interpretação da Escola de Copenhaga o problema é resolvido, admit-indo (sem demonstração formal) que o sistema em estudo (e.g., a molécula) poderia serestudado pelas equações da mecânica quântica, e o sistema de medida (e.g., um aparelhomacroscópico) deveria ser descrito pela física clássica. Essa proposta levantou, natural-mente muitas objecções, como, por exemplo, a de saber qual o tamanho mínimo que oaparelho de medida deve ter para não ser tratado como um objecto quântico. Por outrolado, os resultados dos cálculos tinham um carácter probabilístico, de difícil interpre-tação, e levantando verdadeiros problemas de lógica. O mistério do gato de Schrödingere o paradoxo de EPR (Einstein, Podolsky e Rosen), e outros são exemplos correntes.

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Estas questões têm sido objecto da atenção de físicos teóricos e experimentalistas, e podetalvez afirmar-se que as investigações dos últimos quinze ou vinte anos já deram os seusfrutos, sendo hoje possível uma melhor compreensão da mecânica quântica, que infeliz-mente é, em geral, ignorada a nível dos cursos de licenciatura, e nos textos propostos paraesse nível, continuando a insistir-se na interpretação restrita da Escola de Copenhaga,que está francamente desactualizada. Não é que a interpretação de Copenhaga estejaerrada nos seus aspectos fundamentais. Necessita, sim, de alguns aperfeiçoamentos, oumesmo de uma nova perspectiva, passados que foram oitenta anos. A renovação da in-terpretação convencional é o resultado de várias descobertas significativas. A mudançamais importante ocorreu no período de 1975 a 1982 com a descoberta e compreensãodo efeito de descoerência, que é responsável por destruir as sobreposições lineares as-sociadas a várias propriedades macroscópicas. A existência dessas sobreposições, que,como vimos, resultam directamente da teoria, tem sido uma das principais razões dasdificuldades de interpretação. É o caso de partículas que passam ao mesmo tempo porduas fendas, mesmo que sejam moléculas de dimensões consideráveis, como o C60 (verComplemento 1D). É também o caso de vários paradoxos. Pouco depois, em meadosdos anos 80, aprendeu-se também como descrever correctamente, e sem desafiar o sensocomum, as propriedades de um sistema quântico, fazendo a narração pormenorizada dasua história23 , entendendo-se por história a sequência temporal dos eventos observados.

As novas ideias têm por base a aceitação de que os eventos quânticos têm carácteraleatório (como a emissão de partículas α por um átomo radioactivo), e que a teoria sópode fazer previsões sobre os possíveis eventos, aos quais associa probabilidades. As pro-babilidades entram para comparar o vector de estado ψ com os estados que representamas possíveis histórias alternativas. O quadrado do módulo do produto interno entre ψ ecada um dos estados possíveis é proporcional à probabilidade da história correspondente.A passagem da partícula pelas duas fendas, por exemplo, deve ser descrita em termos deduas famílias de histórias: segundo uma, a onda inicial ψ0 chega às fendas e, em seguida,passa através delas numa sobreposição coerente, sendo posteriormente detectada no alvoonde podem surgir padrões de interferência devido à sobreposição das ondas geradas emcada uma das fendas; noutra família, com duas histórias possíveis, a partícula passa poruma das fendas (ou pela outra) sendo detectada no alvo, sem dar origem a padrões deinterferência. Na primeira história, fala-se de uma onda, enquanto na outra família dehistórias se fala de uma partícula. As histórias são complementares, mas incompatíveis.A descrição nestes termos não levanta quaisquer problemas de lógica, se aceitarmos que ateoria se limita a fazer previsões sobre as possíveis sequências de eventos. É fácil admitir,que, numa versão simplificada da teoria, as histórias são incompatíveis quando associa-das a observáveis não comutativas. E que, numa família de histórias consistentes, cada

23A ideia das histórias consistentes é devida a Robert Griffiths: R. B. Griffiths, J. Stat. Phys. 36 (1984)219; tendo sido aperfeiçoada por M. Gell-Mann and J. B. Hartle, Phys. Rev. D 47 (1993) 3345.

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história alternativa pode acontecer com a probabilidade dada pela teoria.

De facto, a interpretação da mecânica quântica recuperou o estatuto de uma ciênciamadura, ou seja, uma construção dedutiva assente em princípios bem claros, deixandode ser dogmática. Por outro lado, tornou-se também mais fácil de compreender.

Por estas razões e também porque os sistemas químicos são sistemas múltiplos de subsis-temas com interacções (vide electrões), vamos fazer uma breve introdução ao formalismoassociado aos sistemas múltiplos.

Sem pretensões de rigor formal (no sentido matemático), começaremos por acrescentarduas novas regras aos quatro postulados atrás enunciados24: uma primeira, necessáriaao estudo de sistemas múltiplos, e a segunda, menos formal, para introduzir a descriçãoem termos de histórias consistentes.

5. Diz-se que um sistema físico S é constituído por dois sistemas S′ e S′′ não interac-tivos, quando o espaço de Hilbert de S é o produto tensorial dos espaços de Hilbertassociados a S′ e S′′, e o seu hamiltoniano H é a soma dos hamiltonianos H ′ e H ′′,ou seja (ver expressão 3.92):

H = H ′ ⊗ I ′′ + I ′ ⊗H ′′ (3.113)

6. Qualquer descrição de um sistema físico deve ser expressa em termos de proprie-dades associadas a uma lógica consistente comum. Qualquer raciocínio válido re-lacionando essas propriedades deve consistir em proposições suportadas por essalógica.

Faremos agora uma breve digressão pelos sistemas múltiplos, começando por introduzira matriz densidade, que nesses sistemas deve substituir o vector de estado ou a função deonda, e que, por sua vez, é também de grande utilidade na química quântica. Faremosdepois breves referências ao conceito de entrelaçamento e ao fenómeno de descoerência.

3.6.2 Operador Densidade

Até agora considerámos sistemas cujo estado é suposto perfeitamente determinado. Paradeterminar o estado de um sistema, num dado instante, basta realizar sobre o sistemaum conjunto de medições correspondentes a um conjunto completo de observáveis comu-tativas. Por exemplo, o estado de polarização dos fotões é perfeitamente determinado

24Para um estudo pormenorizado, a um nível relativamente acessível, sugere-se o livro de Roland OmnèsThe Interpretation of Quantum Mechanics, Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 1994.

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quando o feixe de luz passa através de um polarizador. Contudo, na prática, nem sempreo estado de um sistema é bem determinado. É, por exemplo, o caso dos fotões de umfeixe de luz natural (não polarizada).

Consideremos um sistema cujo estado é descrito pelo vector de estado

ψ〉 =∑

i

ci|ui〉 ou em notação matricial ψ = Uc (3.114)

em que ui constitui uma base ortonormada do espaço dos estados, suposto discreto, (ocaso do contínuo é facilmente extrapolável). Os coeficientes ci satisfazem a condição

i

|ci|2 = 1 (3.115)

Se T for uma observável com elementos matriciais Tki = 〈uk|T |ui〉, o valor expectável deT é (ver expressão 3.98)

〈T 〉 = 〈ψ|T |ψ〉 =∑

k,i

〈ψ|uk〉〈uk|T |ui〉〈ui|ψ〉 =∑

i,k

cic∗k〈uk|T |ui〉 =

i,k

cic∗kTki (3.116)

Nota: a expressão anterior foi obtida introduzindo os operadores∑

k

|uk〉〈uk|=1 e∑

i

|ui〉〈ui|=1.

Esta relação mostra que os coeficientes ci entram nos valores expectáveis através dostermos quadráticos cic∗k, que não são mais do que os elementos matriciais do operador|ψ〉〈ψ|. Como se pode ver

〈ui|ψ〉〈ψ|uk〉 = cic∗k (3.117)

É portanto natural introduzir o operador densidade ρ, definido, de modo geral, como

ρ = |ψ〉〈ψ| ou ρ = |c〉〈c| = cc† (numa baseuk) (3.118)

Note-se que, embora se pudesse escrever (3.117) sob a forma 〈ψ|uk〉〈ui|ψ〉 = c∗kci, pois os produ-tos internos são escalares e portanto comutativos, esse modo de escrever não põe em evidência ocarácter de operador de |ψ〉〈ψ| e não deve ser usado.

É também comum representar a matriz densidade por ρ = [ψ].

Na base uk, o operador densidade é representado por uma matriz de elementos

ρik = 〈ui|ρ|uk〉 = 〈ui|ψ〉〈ψ|uk〉 = cic∗k (3.119)

Exemplo: seja ψ o vector (coluna) c =

(

c1

c2

)

. A matriz densidade será

ρ = cc† =

(

c1

c2

)

(c∗1 c∗2) =

(

c1c∗1 c1c∗2c2c∗1 c2c∗2

)

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Pode demonstrar-se que a especificação de ρ é suficiente para caracterizar o estado quân-tico do sistema. Por outras palavras, permite-nos obter todos os valores que podemoscalcular a partir de ψ〉. Para o fazer, consideremos as fórmulas (3.117) e (3.119) para ooperador ρ. De acordo com (3.119), a relação (3.115) indica que a soma dos elementosdiagonais, ou traço, da matriz densidade é igual a 1:

i

|ci|2 =∑

i

ρii = tr ρ = 1 (3.120)

Alterando a ordem do terceiro termo da expressão (3.116), também se pode concluir que

〈T 〉 =∑

i,k

cic∗kTki =

i,k

〈ui|ψ〉〈ψ|uk〉〈uk|T |ui〉 =

=∑

i,k

〈ui|ρ|uk〉〈uk|T |ui〉 =∑

i

〈ui|ρT |ui〉 = tr (ρT)

ou seja:〈T 〉 = tr (ρT) = tr (Tρ) (3.121)

significando que o valor expectável de uma observável T é o traço do produto das matrizesρ e T.

3.6.3 Estados Puros e Misturas Estatísticas

Até aqui considerámos sistemas em estados puros, isto é, descritos por um (único) vectorde estado, ψ. Note-se que mesmo que ψ seja uma combinação linear (sobreposição), numadada base ui, é sempre possível encontrar uma nova base, na qual esse vector seja um dosvectores de base (basta fazer uma rotação dos vectores da base). Um estado diz-se puroquando pode ser representado por um tal vector. Existe, assim, sempre uma base em que,se ψ for da forma ψ =

i

ciui, todas as probabilidades pi = Prob (λi) = |〈ui|ψ〉|2 = |ci|2

são nulas, excepto uma, que é 1.

Um estado puro tanto pode ser representado por um vector de estado ψ como pela matrizdensidade

ρ = |ψ〉〈ψ| (3.122)

Por seu turno, uma mistura estatística não pode ser representada por um vector deestado. Só é devidamente representada por uma matriz densidade da forma

ρ =∑

i

piρi =∑

i

pi|ψi〉〈ψi| (3.123)

em que pi são as probabilidades associadas a cada estado da mistura, ψi, e ρi, as res-pectivas matrizes densidade.

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Assim, a representação de um sistema por uma matriz densidade apresenta vantagens,relativamente à representação por um vector de estado, até porque é de aplicação geral,a qualquer sistema, quer seja um estado puro, quer seja uma mistura estatística.

Para uma melhor compreensão da diferença entre estado puro e mistura, consideremosum exemplo já nosso conhecido (ver Secção 1.3): um feixe de fotões todos no estado depolarização

e =1√2(ex + ey) (3.124)

que incidem sobre um analisador (ver Figura 3.1). Se o analisador, A, estiver orientadoperpendicularmente à direcção de polarização do feixe, como na figura, nenhum fotãopassará para além dele. Se, pelo contrário, tivermos uma mistura estatística com 50 porcento dos fotões polarizados segundo ex e os outros 50 por cento polarizados segundoey (mistura), metade dos fotões passará através do analisador. De facto, no caso dacombinação linear (3.124) (que é um estado puro), a probabilidade de passagem atravésdo analisador (representado pelo vector) A é dada por P = |〈A|e〉|2 = 0 (visto que sãoperpendiculares).

x

y

z

x

y

A

O

e e

e

45º

Fo

tom

ult

ipli

cador

90º

Figura 3.1: Feixe de fotões polarizados segundo e, e que incidem sobre umanalisador A.

No caso da mistura estatística, a probabilidade de os 50 por cento dos fotões que estãono estado ex passarem através do analisador é PAx = |〈A|ex〉|2 = | cos (45o)|2 = 1/2. Demodo idêntico, a probabilidade de os fotões inicialmente no estado ey passarem atravésdo analisador é PAy = |〈A|ey〉|2 = | − sen (45o)|2 = 1/2. Como está metade em cadaestado, o número total de fotões que passam através do analisador é PA = 1

2PAx+ 12PAy =

1/4 + 1/4 = 1/2. Quer dizer que passa metade do total de fotões (1/4 no estado ex e1/4 no estado ey).

Em termos de matrizes densidade, há uma diferença fundamental entre estado puro, oude sobreposição, e mistura estatística. No primeiro caso (ver expressão 3.118), visto que

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o estado é dado pelo vector e = 1√2(ex + ey), vem

ρ = cc† =

(

c1

c2

)

(

c∗1

c∗2

)

=

(

c1c∗1

c1c∗2

c2c∗1

c2c∗2

)

=

(

1/2 1/2

1/2 1/2

)

(3.125)

No caso de uma mistura estatística, com 50 por cento dos fotões no estado ex e 50 porcento no estado ey a matriz densidade será a soma das matrizes densidade para cadaestado, ponderadas pelo factor 1/2.

ρ =1

2ρ1 +

1

2ρ2 (3.126)

com

ρ1 =

(

1 0

0 0

)

e ρ2 =

(

0 0

0 1

)

(3.127)

Portanto

ρ =1

2ρ1 +

1

2ρ2 =

(

1/2 0

0 1/2

)

(3.128)

Vê-se, assim, que numa sobreposição a matriz densidade pode ter elementos não diagonaisnão nulos25, enquanto numa mistura estatística os elementos não diagonais são nulos.

Pode verificar-se que, para um estado puro, tr ρ2 = 1, enquanto para uma misturatr ρ2 < 1, podendo estas relações, que se verificam sempre, constituir um critério simplesde distinção entre estado puro e mistura26.

3.6.4 Matriz Densidade de Um Sistema Múltiplo

Quando limitamos a nossa atenção a uma parte de um sistema, contrariamente aospostulados, i) os estados não são cabalmente descritos por vectores de estado, ii) asmedições sobre o sistema não correspondem a projecções ortogonais, e iii) a evoluçãodo sistema não é satisfatoriamente descrita pela equação de Schrödinger (dependente dotempo).

Vimos anteriormente que dois sistemas em interacção não podem ser representados porum produto tensorial simples dos vectores de estado de cada sistema (ver expressão 3.81).

25Dependendo da base. Na base em que e = 1√2(ex + ey) é um dos vectores base, a matriz ρ é diagonal.

26De facto, a relação tr ρ2 = 1 é facilmente verificada para (3.125). Mesmo na base em que

e = 1√2(ex + ey) é um dos vectores base, ρ =

(

1 0

0 0

)

, é ρ2 =

(

1 0

0 0

)(

1 0

0 0

)

=

(

1 0

0 0

)

,

e tr ρ2 = 1. Por seu turno, no caso de (3.128), tr ρ2 = 1/2 < 1.

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É, no entanto, possível representar o estado de um sistema múltiplo por combinaçõeslineares de produtos tensoriais de estados dos subsistemas.

A título de ilustração, consideremos o sistema múltiplo mais simples possível: dois sub-sistemas, A e B, cujos espaços de Hilbert têm dimensão 2, em que observamos apenasum deles. Um exemplo de tais sistemas múltiplos é o conjunto de dois electrões com osseus estados de spin. Outro exemplo, porventura mais simples de tratar, embora forado âmbito da química, é o conjunto de dois bits quânticos27, cada um com os estados |0〉e |1〉. O importante, para nós, é que cada um dos subsistemas tem apenas dois estadospossíveis, que podem ser designados por |0〉 e |1〉.

Seja então um sistema A cuja base ortonormada é constituída por vectores de estado quedesignamos por |0〉A e |1〉A. Seja ainda um sistema B com a base |0〉B, |1〉B.

Consideremos um estado do sistema múltiplo (que não seja um produto tensorial simples)da forma

|ψ〉AB = a |0〉A ⊗ |0〉B + b |1〉A ⊗ |1〉B (3.129)

com a e b reais, para maior simplicidade. A expressão (3.129) diz-nos que, se fizermosuma única medição sobre o sistema A, projectando na base de A, obteremos o valorpróprio de |0〉A, com probabilidade a2, e imediatamente após a medição, o sistema ficano estado

|0〉A ⊗ |0〉B (3.130)

Em alternativa podemos obter o valor próprio de |1〉A, com probabilidade b2, ficando osistema no estado

|1〉A ⊗ |1〉B (3.131)

Se a seguir às medições no sistema A, medirmos o sistema B, é garantido que obtemos,(com probabilidade 1), o valor próprio de |0〉B (no sistema B) se obtivemos o valor própriode |0〉A (em A) e o valor próprio de |1〉B se obtivemos o valor próprio de |1〉A. Nestesentido, os resultados das medições sobre o estado |ψ〉AB estão correlacionados e, pelofacto de não ser possível representar o estado global por um produto tensorial simples,diz-se que os estados estão entrelaçados (entangled).

Calculemos, para este sistema, o valor expectável de uma dada observável TA (relativaao sistema A). De acordo com (3.92), um operador que actua apenas no sistema A podeser expresso como

TA ⊗ IB (3.132)

27Um bit é a unidade de informação na lógica binária, que pode assumir um dos valores do conjunto 0, 1.Um bit quântico ou qubit ou qbit é a unidade de informação quântica (de interesse para a computaçãoquântica). Tal como na informação clássica, um qubit é um sistema de dois estados |0〉, |1〉. O interesseda computação quântica reside na possibilidade de processar informação usando estados de sobreposição,como por exemplo a|0〉 + b|1〉.

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em que IB é o operador identidade associado ao sistema B. O valor expectável daobservável T para o estado |ψ〉AB é

〈TA〉 =AB〈ψ|TA|ψ〉AB= AB〈ψ|TA ⊗ IB|ψ〉AB= (a A〈0| ⊗ B〈0| + b A〈1| ⊗ B〈1|)(TA ⊗ IB)(a |0〉A ⊗ |0〉B+

+ b |1〉A ⊗ |1〉B) =

= a2A〈0|TA|0〉A ⊗ B〈0|0〉B + ab A〈0|TA|1〉A ⊗ B〈0|1〉B+

+ ba A〈1|TA|0〉A ⊗ B〈1|0〉B + b2A〈1|TA|1〉A ⊗ B〈1|1〉B= a2

A〈0|TA|0〉A + b2A〈1|TA|1〉A

(3.133)

em que se usou a ortonormalidade dos estados de B : B〈i|i′〉B = δii′ .

Note-se que, devido à ortogonalidade da base de B, nas expressões (3.133), desapareceramos termos cruzados, como A〈0|TA|1〉A e A〈1|TA|0〉A, que apareceriam na matriz TA dosistema A, se fosse considerado isolado. A expressão (3.133) diz-nos o mesmo que nosdiz (3.129) em relação ao sistema A, mas nada nos diz do sistema B. Portanto qualquermedição só sobre o sistema A perde a informação global e desaparecem as interferências.Podemos descrever esta situação dizendo que o estado do sistema A colapsa, ficando numdos estados alternativos, com uma determinada probabilidade.

A expressão (3.133) é equivalente a

〈TA〉 = tr (ρATA) (3.134)

em quea2 |0〉A A〈0| + b2 |1〉A A〈1| = ρA (3.135)

Diz-se que o operador densidade ρA, para o subsistema A, é obtido calculando o traçoparcial sobre o subsistema B (ou fazendo a média sobre B), da matriz densidade dosistema múltiplo. Escreve-se

ρA = trB ρAB (3.136)

Para melhor nos familiarizarmos com este processo, analisemos a questão apenas emtermos da matriz densidade.

Consideremos (numa notação abreviada) o estado entrelaçado

|ψ〉AB =1√2(|00〉 + |11〉) (3.137)

em que os símbolos em segunda posição nos kets dizem respeito ao subsistema B, e emque se não usou o símbolo para o produto tensorial, ⊗, que se subentende facilmente.

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Consideremos a matriz densidade do sistema múltiplo

ρ = |ψ〉〈ψ| =1

2(|00〉 + |11〉)(〈00| + 〈11|) =

=1

2(|00〉〈00| + |11〉〈00| + |00〉〈11| + |11〉〈11|)

(3.138)

Para calcular ρA = trB ρAB, basta atender a que

ρA = trB ρAB =∑

i′B〈i′|ρAB|i′〉B (3.139)

em que o conjunto |i′〉B constitui a base de B, como sugere a definição: “calcular otraço sobre B”. Por outras palavras, o traço parcial sobre B, pode obter-se substituindoos ket-bras |x〉〈y| de B, pelos bra-kets 〈x|y〉 correspondentes. Vem para o nosso caso

ρA = trB ρAB =1

2(|0〉〈0|〈0|0〉 + |1〉〈0|〈1|0〉 + |0〉〈1|〈0|1〉 + |1〉〈1|〈1|1〉)

=1

2(|0〉〈0| + |1〉〈1|)

(3.140)

em que se teve em conta a ortonormalidade da base de B.

Em notação matricial28

ρA = trB ρAB =1

2

(

1 0

0 1

)

=1

21 (3.141)

que está de acordo com (3.135).

Conclui-se que, se focarmos a nossa atenção sobre um subsistema de um sistema quânticomaior, então, mesmo que o estado do sistema maior seja um estado puro, como no casorepresentado pela expressão (3.129), o estado do subsistema pode não ser. No caso queconsiderámos, os termos não diagonais tornam-se nulos.

Pode constatar-se que tr ρ2 = 1/2, sendo portanto tr ρ2 < 1, que é uma característica deum estado misto!

De um modo geral, o estado de um sistema deve ser representado por um operadordensidade. No caso em que o estado do subsistema corresponda a um vector de estado,diz-se que o estado é puro. Caso contrário, é um estado misto. Se o estado for puro, amatriz densidade tem a propriedade ρ2 = ρ.

28Note-se que a matriz ρAB tem dimensão 2 × 2, tendo ρA e ρB dimensão 2. De facto, ρAB = ρA ⊗ ρB ,sendo ρA = trB (ρA ⊗ ρB) = ρAtr ρB .A base na qual se deve exprimir a matriz ρAB é |0〉A|0〉B , |0〉A|1〉B , |1〉A|0〉B , |1〉A|1〉B ou seja oproduto tensorial das duas bases.

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M A T R IZ D E N S ID A D E

Uma matriz densidade geral, expressa na base em que é diagonal, tem a forma

ρA =∑

i

pi|ψi〉〈ψi| (3.142)

em que pi pode assumir valores entre 0 e 1 e∑

i

pi = 1. Se o estado não é puro, há dois

ou mais termos no somatório, e ρ2 6= ρ. De facto, tr ρ2 =∑

i

p2i <

i

pi = 1. Diz-se que ρ

é uma sobreposição incoerente de estados |ψi〉. Incoerente significa que as fases relativasdos |ψi〉 são inacessíveis experimentalmente.

Vê-se, assim, que, tal como anteriormente, ρ pode ser interpretado como descrevendouma mistura estatística (uma assembleia) de estados quânticos puros, na qual o estadoψi ocorre com uma probabilidade pi.

Através desta análise, é agora mais razoável aceitar como as probabilidades entram nateoria quântica quando um sistema quântico A interactua com outro sistema B. A e Bficam entrelaçados (entangled). A realização do traço parcial de ρ destrói a coerênciadas sobreposições de estados de A, de tal modo que algumas das fases nas sobreposiçõesficam inacessíveis, quando observamos apenas A.

A química está cheia de casos de entrelaçamento — é o caso das correlações electrónicas.Dois electrões podem formar um estado entrelaçado, como no caso de um dos estadostripleto, da configuração 1s 2s do primeiro estado excitado do átomo de hélio,

Ψ =1√2(1s 2s− 2s 1s) ⊗ ββ (3.143)

Os dois electrões, com spins paralelos, ocupam as orbitais 1s e 2s. Os electrões emboraentrelaçados tendem a ocupar posições o mais afastadas possível, em lados opostos donúcleo, devido à repulsão electrostática.

Muitos exemplos espectaculares de entrelaçamento têm surgido em experiências rea-lizadas nos últimos anos. É o caso das experiências do Grupo de Física Aplicada daUniversidade de Genebra, feitas na rede de fibra óptica da Swiss Telecom, nas quais foiobservado entrelaçamento de fotões separados por distâncias de mais de 10 km29. A estasituação, prevista pela teoria quântica, chamou Einstein spooky action at a distance, poisa correlação tem efeito instantâneo, parecendo violar o principio da relatividade, segundoo qual nenhum objecto ou sinal pode propagar-se a velocidades superiores à da luz. Jun-tamente com Podolski e Rosen, Einstein publicou um artigo famoso em que denunciou oque ficou conhecido como paradoxo de EPR (Einstein, Podolski e Rosen).

Note-se que o entrelaçamento (entanglement) parece implicar uma correlação não local,mas não transmissão de informação — não há paradoxo de EPR! Como se pode ver no

29Phys. Rev. A, volume 57, no 5, 3229 (1998).

102

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Complemento 3B. A situação deixa de ser paradoxal se introduzirmos a descrição emtermos de histórias consistentes e usarmos a matriz densidade para descrever o sistemade dois fotões entrelaçados. Continua, no entanto, a ser uma situação algo misteriosa.

Do que se disse, conclui-se que:

1. Embora o estado original |ψ〉AB de um sistema múltiplo30 possa ser um estadopuro (do qual |ψ〉AB é uma descrição completa), depois de calcular o traço sobreo sistema B, (quando se faz uma medição sobre o sistema A), acabamos comum estado do qual não temos acesso a uma descrição completa — o estado é umamistura estatística.

2. O traço parcial é uma operação única, que permite dar a descrição correcta possívelde observáveis para subsistemas de um sistema múltiplo.

3.6.5 Processos Físicos, Entrelaçamento e Descoerência

3.6.5.1 Problema dos Processos Físicos em Sistemas Múltiplos

Num processo físico como o da medição de uma observável, não podemos considerar osistema como isolado. Temos de considerar, pelo menos, o conjunto sistema+aparelhode medida, como um sistema múltiplo. Aliás, e especialmente para sistemas em quehá manifestações quânticas macroscópicas (e.g., interferência) é essencial considerar osistema quântico, com graus de liberdade colectivos (ou macroscópicos) associados aocomportamento quântico, e o ambiente com um grande número de graus de liberdadeassociados às inúmeras partículas microscópicas que constituem o sistema global.

Para simplificar a exposição, em que apenas queremos salientar aspectos muito gerais,vamos considerar o sistema bipartido sistema+ambiente, em que o ambiente inclui, emparticular, o aparelho de medida.

Segundo a interpretação ortodoxa da mecânica quântica, o processo de medição pode serrepresentado por uma transição (correspondente a uma evolução temporal), pelo esquemada Figura 3.2, que descreve a evolução do sistema no estado puro |ψ〉 (pertencente aoespaço HA) para uma mistura estatística, descrita pela matriz densidade ρ′.

Durante essa evolução, o sistema está em interacção com o aparelho de medida (e comtudo o resto — o ambiente), que se supõe inicialmente no estado |e〉. Usamos o índice epara o estado do ambiente.

30Em que se supõe que os dois subsistemas não são independentes!

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M A T R IZ D E N S ID A D E

M|y >

|e >

r‘HA

H B

Figura 3.2: Esquema representativo da evolução do sistema A, durante umprocesso de medição (ou de um modo geral, qualquer processo em que ocorreinteracção do sistema com o ambiente).

Se for|Ψ0〉 = |ψ〉 ⊗ |e〉 (3.144)

o estado inicial global, a transição pode ser representada, como o processo de evolução

|Ψ0〉 = |ψ〉 ⊗ |e〉 ⇒ ρ = tre(|Ψ1〉〈Ψ1|) (3.145)

em que Ψ1 é o estado final global, e ρ = tre(|Ψ1〉〈Ψ1|) é a matriz densidade do sistemaA, cujo traço é calculado fazendo o traço parcial sobre o ambiente.

3.6.5.2 Descoerência

Descoerência31 é um fenómeno que consiste no aumento da natureza clássica de um estadoquântico. Nesse processo (Figura 3.3), o sistema perde a coerência de fase entre algumascomponentes do seu estado quântico e em consequência deixa de apresentar propriedadesessencialmente quânticas, como a sobreposição, e fenómenos de interferência associados.

Descoerência

Acoplamento

Acoplamento

Acoplamento

y1

y 2

y1

y 2

y1

y 2

y1

y 2

y1

y 2

y1

y 2

Figura 3.3: Representação sugestiva do fenómeno de descoerência: um con-junto de sistemas (osciladores) num estado de sobreposição coerente, que evoluipara uma mistura incoerente.

31Para uma análise mais profunda consultar, por exemplo o excelente artigo de revisão de W. H. Zurek(2003) em http://arxiv.org/abs/quant-ph/0306072.

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

Embora este seja ainda um tema de controvérsia e de intensa investigação, pensa-se queà medida que o sistema se complica, e que as interacções do sistema com o ambientevão sendo cada vez em maior número, maior será o grau de descoerência a que o sistemaestá sujeito, mas há sempre razões específicas para ocorrer a descoerência. Muita dainvestigação nesta área concentra-se na tentativa de isolar e eliminar os graus de liberdaderesponsáveis pelas interacções com o ambiente que levam à descoerência, permitindopreservar a natureza quântica. São exemplos as experiências que visam observar efeitosresultantes da interferência quântica entre estados macroscópicos distintos32, como ainterferência observada na experiência de difracção de moléculas de C60.

O fenómeno de descoerência é, em geral, considerado extremamente rápido e eficiente,especialmente para objectos macroscópicos em que predominam as interacções entre to-das as suas partículas. Ocorre com tanta rapidez que é extremamente difícil apanhá-lo,e quando se observa o sistema, ele já ocorreu. Há, no entanto, supostamente, evidênciaexperimental em muitas situações.

Neste fenómeno reside, para muitos, a explicação do mistério do gato de Schrödinger(Figura 3.4):

Descoerência

Ψ +

1

2

?=

Figura 3.4: “... A função Ψ contém em si as componentes gato vivo e gato morto

(perdoem a expressão) sobrepostas em partes iguais...”.

Nas palavras de Schrödinger em Naturwiss. 23 807 (1935), traduzido para inglês em Quantum

Theory and Measurement, ed. J. A. Wheeler and W. H. Zurek, Princeton Univ. Press (1983):“Podemos mesmo considerar casos muito ridículos. Um gato é colocado numa câmara de aço, junta-mente com o seguinte dispositivo diabólico (com o qual o gato não pode, de modo algum, interferir):num contador geiger há uma pequena quantidade de substância radioactiva, tão pequena que a pro-babilidade de decaimento, durante uma hora, é apenas de 50 por cento. Se um átomo decair, ocontador dispara e liberta um martelo, que parte um pequeno frasco com ácido cianídrico.Se não tocarmos no sistema durante uma hora, diríamos que o gato ainda está vivo, se nenhumátomo decaiu. O primeiro decaimento atómico teria envenenado o gato. A função Ψ para o sistemaglobal deveria expressar este facto, contendo em si as componentes gato vivo e gato morto (perdoema expressão) misturadas ou sobrepostas em partes iguais”.“É típico, destes casos, que uma indeterminação originariamente restrita ao domínio atómico, setransforme numa indeterminação macroscópica, que pode então ser resolvida pela observação directa.Em si, não contém nada de contraditório ou pouco claro. Há uma diferença entre uma fotografiatremida ou desfocada e um instantâneo de umas nuvens ou bancos de nevoeiro.”

A descoerência pode ser descrita através do decaimento de uma sobreposição para uma

32Ver, por exemplo, o excelente artigo de revisão de A. J. Leggett, “Testing the limits os quantummechanics: motivation, state of play, prospects”, J. Phys.: Condens. Matter 14 (2002) 415–451.

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M A T R IZ D E N S ID A D E

mistura estatística. O sistema quântico inicial A (átomo radioactivo) torna-se gradual-mente entrelaçado com o ambiente (gato). A descrição deste processo, que se faz a seguir,pressupõe uma base de estados do ambiente He = |e0〉, |e1〉, |e2〉. O estado inicial dosistema múltiplo “sistema A + ambiente” , |0〉|e0〉, tem uma probabilidade p de se entre-laçar com |0〉|e1〉, e uma probabilidade 1 − p de não se entrelaçar. Se o estado inicialfor |1〉|e0〉, há uma probabilidade p de se entrelaçar com |1〉|e2〉, e uma probabilidade1− p de não se entrelaçar. Note-se que, segundo algumas das versões em voga, o sistemaA não sofre nenhuma transição — não há qualquer troca de energia, de momento ou dequalquer outra observável física com o ambiente33 . Esquematicamente:

|0〉|eo〉 ⇒ |0〉|e1〉 (3.146)

|1〉|eo〉 ⇒ |1〉|e2〉 (3.147)

Se o sistema estiver inicialmente numa sobreposição 1√2

(|0〉 + |1〉) |eo〉, evolui para uma

mistura 1√2

(|0〉|e1〉 + |1〉|e2〉), isto é

1√2(〈|0〉 + |1〉)|eo〉 ⇒

1√2

(|0〉|e1〉 + |1〉|e2〉) (3.148)

ou, no exemplo da experiência do gato de Schrödinger,

1√2(| átomo não decaído 〉 + | átomo decaído 〉)| gato vivo 〉 ⇒

⇒ 1√2(| átomo não decaído 〉| gato vivo 〉 + | átomo decaído 〉| gato morto 〉) (3.149)

Tal pode verificar-se fazendo os traços parciais das matrizes densidade do estado iniciale do estado final.

Assim, para o estado inicial,

ρA = trE ρ =1

2(|0〉|e0〉 + |1〉|e0〉)(〈0|〈e0| + 〈1|〈e0|) =

=1

2(|0〉〈0|〈e0|e0〉 + |0〉〈1|〈e0|〉 + |1〉〈0|〈e0|e0〉 + |1〉〈1|〈e0|e0〉) =

=1

2(|0〉〈0| + |0〉〈1| + |1〉〈0| + |1〉〈1|)

ou seja:

ρA = trE ρ =1

2

(

1 1

1 1

)

(3.150)

33Este ponto é muito controverso. Muitos físicos, como por exemplo Leggett (já citado), considera estaversão (aquela em que não há qualquer troca de momento, energia ou outra coisa) uma falsa descoerência.

A verdadeira descoerência ocorre com interacções reais (trocas de qualquer coisa) e é um processoirreversível, com aumento de entropia do sistema.

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F O R M A L I S M O D A M E C Â N IC A Q U Â N T IC A

É portanto um estado puro — o átomo radioactivo está num estado de sobreposição.

Por outro lado, o estado final tem a seguinte densidade:

ρA = trE ρ =1

2(|0〉|e1〉 + |1〉|e2〉)(〈0|〈e1| + 〈1|〈e2|) =

=1

2(|0〉〈0|〈e1|e1〉 + |0〉〈1|〈e2|e1〉 + |1〉〈0|〈e1|e2〉 + |1〉〈1|〈e2|e2〉) =

=1

2(|0〉〈0| + |1〉〈1|)

ou seja:

ρA = trE ρ =1

2

(

1 0

0 1

)

=1

21 (3.151)

Como se pode ver, tr ρ2 = 1/2 < 1. E os elementos diagonais desapareceram — o sistematornou-se uma mistura. Por outras palavras, tornou-se clássico!

Nesse processo, o sistema evolui de um estado puro (no qual a matriz densidade éρ = |ψ〉〈ψ|) para um sistema que deve ser descrito como uma mistura estatística:

ρ = |ψ〉〈ψ| ⇒ ρ =∑

i

pi|ψi〉〈ψi| =∑

i

piρi (3.152)

em que pi é a probabilidade de obter o estado i. Por outras palavras, a matriz densidadeno estado puro tem elementos diagonais não nulos (se o estado do sistema for uma sobre-posição), enquanto na mistura estatística (incoerente) todos os elementos não diagonaissão nulos. A população da mistura é exactamente a prevista pela teoria.

A descrição da evolução do sistema em termos de histórias consistentes alternativas evitaqualquer tipo de paradoxo ou mistério. Das duas (histórias), uma! (veja-se a expressão3.149): ou o átomo não decaiu e o gato está vivo, ou o átomo decaiu e o gato está morto.As duas histórias são complementares e mutuamente exclusivas. Note-se que não sãoincompatíveis pois pertencem à mesma família.

O fenómeno descoerência consiste num processo de evolução temporal durante o qual oselementos não diagonais da matriz densidade se vão tornando cada vez mais pequenos atéserem nulos, numa dada base. Esse processo é descrito pelo hamiltoniano de interacçãoentre o sistema e o ambiente .

Na teoria corrente, a evolução de um sistema (quântico) pode ser representada pelaaplicação de um superoperador $, que actua sobre a matriz densidade, ρ do sistema(sistema A), segundo uma equação do tipo

$ ρ = ρ′ (3.153)

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M A T R IZ D E N S ID A D E

O operador $ é um operador de evolução temporal relativamente complexo no qual figu-ram elementos matriciais entre o estado inicial e final do sistema B.

A aplicação da teoria à evolução de um sistema de dois estados (espaço de Hilbert dedimensão 2, como por exemplo um qubit), de matriz densidade ρ, pode escrever-se como

$ ρ = ρ′=

(

ρ00 (1 − p)ρ01

(1 − p)ρ10 ρ11

)

⇒ tempo (aplicações sucessivas de $) ⇒(

ρ00 0

0 ρ11

)

em que p representa uma probabilidade (de processos colisionais com elementos do am-biente). A equação anterior traduz a evolução da matriz densidade na qual os elementosnão diagonais vão decaindo até serem nulos. Os elementos diagonais mantêm-se.

Se a probabilidade de uma colisão por unidade de tempo for Γ, após um intervalo detempo ∆t, será p = Γ∆t. A evolução ao fim do tempo t = n∆t será governada por $n, demodo que os termos não diagonais diminuem de acordo com (1 − p)n = (1 − Γ∆t)t/∆t ⇒e−Γt (quando ∆t → 0). Assim, um estado puro da forma a|0〉 + b|1〉, depois de umtempo t < Γ−1, decai para uma sobreposição incoerente ρA = |a|2|0〉〈0| + |b|2|1〉〈1|. Adescoerência ocorre na base |0〉, |1〉.

Há vários cálculos de tempos de descoerência que dão sempre valores extremamentebaixos. Para objectos macroscópicos, os tempos de descoerência são em geral estimadoscomo menores do que 10−16 s.

De um modo geral, parece poder afirmar-se que as sobreposições quânticas de estadosmacroscopicamente distintos não existem na natureza. Há, no entanto, manifestações denatureza quântica em sistemas macroscópicos, como no caso dos SQUID34 e outras mani-festações espectaculares envolvendo moléculas de dimensões razoáveis como os fenómenosde interferência com C60, em que a coerência sobrevive.

34SQUID (Superconducting Quantum Interference Devices) são dispositivos construídos com materiaisno estado supercondutor. Num anel de material supercondutor, interrompido por uma junção isoladora,ocorrem correntes eléctricas em estados de sobreposição (correntes que circulam no sentido dos ponteirosdo relógio em sobreposição com correntes que circulam no sentido inverso).

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C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 3

3A ALGUNS ASPECTOS ADIC ION A IS DO FORMALIS M O

i) Transformações de Semelhança ou Mudanças de Base

É conveniente considerar transformações lineares do tipo

U′ = US (3A.1)

em que S é uma transformação linear com determinante não nulo. Neste caso, S−1 existe,e podemos fazer

U = U′S−1 (3A.2)

podendo escrever-se um vector na base U:

x = Uc = U′S−1

c = U′c′ (3A.3)

que mostra que U′ é também uma base e que os coeficientes da expansão sofrem atransformação:

c′ = S−1c (3A.4)

Para a representação matricial do operador T podemos escrever

TU′ = TUS = UTS = U′(S−1TS) = U′T′

ou seja:T′ = S−1TS (3A.5)

Esta relação, que é uma transformação de semelhança1, representa a mudança de basedo operador T .

As matrizes T que comutam com as suas adjuntas, i.e., T†T = TT† são chamadasmatrizes normais.

As matrizes dizem-se unitárias, se

U†U = UU† = 1 (3A.6)

Numa mudança de base, U′ = US, a condição para que os novos eixos sejam ortonor-mados é

S† = S−1 (3A.7)

1Numa transformações de semelhança, os valores próprios permanecem invariantes.

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A L G U N S A S PE C T O S A D IC IO N A I S D O F O R M A L I S M O

O determinante detT é um número, e é portanto um funcional2 da matriz T. Usandoa regra relativa aos determinantes det (αβ) = det (α) det (β), e atendendo a que osdeterminantes são números e que portanto comutam, obtém-se

det T′ = det S−1 det Tdet S = det T (3A.8)

que mostra que o determinante detT é independente da escolha da base — é um invari-ante

ii) Prova de Que Um Operador é Hermitiano

A título de exemplo, consideremos o operador de momento angular segundo z, Lz, parao caso do átomo de hidrogénio. Nota-se que o momento angular é o produto externo (ouvectorial) L = r × p. Uma vez que (usando apenas os módulos dos vectores) p = ~k,vem L = r~k. Como já vimos, no modelo de Bohr, o perímetro de uma órbita tem deser um múltiplo do comprimento da onda que descreve o movimento do electrão, isto é,2πr = mλ, com m = 1, 2, 3, ... . Retomando L = r~k, e atendendo a que k = 2π

λ , vemL = r~ 2π

λ = 2πrλ = m~. Isto é, os valores possíveis do momento angular (componente em

z) são múltiplos de ~. O operador do momento angular (componente em z) é Lz = ~

i∂∂φ

em que φ é o ângulo no plano da órbita. Vejamos se o operador Lz = ~

i∂∂φ é ou não

hermitiano. Para tal, vamos supor que ele é hermitiano e que actua sobre uma das suasfunções próprias, da forma |um〉 = 1√

2eimφ. Supomos, ainda, que 〈um| = 1√

2e−imφ.

Por um lado, 〈um|L† = (L|um〉)∗ = (~

i∂∂φ

1√2eimφ)∗ = m~|um〉∗

por outro lado, se L = L†, vem 〈um|L = (L†|um〉)∗ = (~

i∂∂φ

1√2eimφ)∗ = m~|um〉∗

que dá o mesmo resultado, provando que L = L† e que L é portanto hermitiano.

Numa notação matricial vem por definição de adjunto

L†mm′ = L∗

m′m

De facto, L∗m′m = (〈m|L|m′〉)∗ = m′

~δmm′ , que é igual a Lmm′ = 〈m′|L|m〉 = m~δmm′

iii) Equação de Valores Próprios. Dedução Alternativa da EquaçãoSecular

SejaT C = λC (3A.9)

2Por definição, funcional é uma correspondência biunívoca entre objectos (e.g., operadores) e números.

110

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 3

em que T é o operador e C = ci representa vectores coluna de componentes ci adeterminar. As soluções não triviais, C, são os vectores próprios e as constantes λ osvalores próprios. Note-se que a equação tem n soluções C, a determinar. Tem tambémn valores próprios.

Reformulemos a equação de valores próprios (3A.9) do seguinte modo:

(T − λI)C = 0 para C 6= 0 (3A.10)

em que I é o operador identidade. Isto implica que o operador (T −λI) não tem inverso.

Se expandirmos o vector próprio C em termos de uma base U = u1, u2, ..., un, temos

C = Uc com c = ci

Consideremos também a matriz T = Tki de T constituída pelos elementos

Tki = 〈uk|T |ui〉 (3A.11)

Substituindo na equação (3A.10), vem

(T − λI)C = (T − λI)Uc = U(T − λ1)c = 0

(1 = matriz unidade) que corresponde ao sistema de equações lineares:

(T − λ1)c = 0 (3A.12)

com uma solução não trivial c 6= 0, se e só se

det (T − λ1) = 0 (3A.13)

Podemos explicitar a equação (3A.12) sob a forma de um sistema de equações homogé-neas:

i

(Tki − λδki)ci = 0 com k = 1, 2, 3, ..., n (3A.14)

cujas soluções não triviais podem ser obtidas resolvendo a equação secular

det (Tki − λδki) = 0 (3A.15)

em que det (Tki − λδki) é o determinante relativo ao sistema (3A.14)

Uma demonstração talvez mais simples pode ser obtida, partindo da equação Tx = λx,e projectando-a nos vários vectores da base U = uk:

〈uk|T |x〉 = λ〈uk|x〉

111

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A L G U N S A S PE C T O S A D IC IO N A I S D O F O R M A L I S M O

Inserindo o operador de decomposição da unidade∑

i

|ui〉〈ui| , vem

i

〈uk|T |ui〉〈ui|x〉 = λ〈uk|x〉

Fazendo

〈uk|T |ui〉 = Tki

〈ui|x〉 = ci

〈uk|x〉 = ck

podemos escrever∑

i

Tkici = λck

ou∑

i

(Tkici − λδki)ci = 0 (3A.16)

que é a equação (3A.14)

112

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 3

3B PARADOXO DE EPR

O chamado paradoxo de EPR (Einstein, Podolsky e Rosen) tem origem num artigopublicado em 19353, o qual levantou um dos problemas mais fundamentais da teoriaquântica — o problema de saber se a mecânica quântica é uma teoria completa ou se, pelocontrário, contém variáveis escondidas. Muita da literatura sobre este assunto é obscura,especulativa ou mesmo errónea, pelo que lhe faremos aqui uma breve referência, quepretende ser clara e objectiva. A questão colocada por EPR foi abordada posteriormentepor Bell4, que estabeleceu certas desigualdades que são, em geral, violadas em sistemas departículas com correlações quânticas. Muitas das experiências sobre este tema consistemem demonstrar a violação das Desigualdades de Bell. Uma das mais decisivas foi aexperiência de Alain Aspect5 em 1982, que, pela sua simplicidade, vale a pena descrevermesmo que resumidamente. Neste caso, vale mesmo a pena ler o artigo original na“Physical Review Letters” — é mais claro e esclarecedor do que toda a restante literatura.

Na experiência de Aspect, um par de fotões era produzido numa fonte S, por decaimentoradiativo de um átomo de cálcio, excitado (Figura 3B.1), e cada fotão era dirigido paraum dos analisadores, A ou B, cuja orientação (de polarização) era escolhida ao acaso,após a separação dos fotões (recordar Figuras 1.3 e 1.4). A polarização dos fotões eraentão medida em cada um dos analisadores, colocados a cerca de 12 m um do outro.

Como o estado inicial e final dos estados atómicos têm J = 0, a teoria quântica prevê(e a experiência confirma) que os fotões apresentem a mesma polarização nos dois analisa-dores, qualquer que seja a sua orientação, desde que fiquem orientados paralelamente umao outro (Figura 3B.1.a)). Note-se que isso acontece, mesmo que os polarizadores sejamrodados aleatoriamente para novas orientações depois da separação dos fotões (desde quefiquem com orientações paralelas). Se pensarmos bem, isso é muito estranho. Implicaque os dois fotões sejam sempre observados em coerência de fase, mesmo que separadospor grandes distâncias. Como é que um fotão sabe a polarização que foi medida no outro,que, na nossa perspectiva ingénua, pode até ter sido alterada após a separação, se nãocomunicar com ele? Numa carta a Einstein, de 9 de Maio de 19486, Max Born dizia,em resposta a objecções de Einstein a certos aspectos da teoria quântica, que objectosdistantes no espaço, que provêm de uma origem comum, não têm de ser necessariamenteindependentes, mas Einstein não concebia como tal fosse possível, dizendo que isso seriaspooky action at a distance (acção fantasma à distância).

Mas os resultados da experiência têm ainda mais surpresas. Se os analisadores forem

3A. Einstein, B. Podolsky, and N. Rosen, “Can quantum-mechanical description of physical reality beconsidered complete?”, Phys. Rev. 47 777 (1935).4J. S. Bell, Physics (N.Y.) 1, 195 (1965).5Aspect, A., Grangier, P. & Roger, G., Phys. Rev. Lett. 49, 91 (1982).6Max-Born, The Born-Einstein Letters 1916-1955, MacMillan, New York, (2005)

113

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PA R A D O X O D E E PR

rodados aleatoriamente e independentemente um do outro, mesmo depois da separaçãodos fotões, a probabilidade de serem detectados com a mesma polarização é proporcionala cos2 θ (Figura 3B.1. b)) sendo θ o ângulo entre as orientações dos analisadores.

Sx

y

x

y

x

y

A Bq

Fotão 1 Fotão 2

Sx

y

Aa)

b)

B

Fotão 1 Fotão 2zy

x

Figura 3B.1: Esquema de uma experiência do tipo da de Aspect: um parde partículas (e.g., fotões) é gerado numa fonte S, saindo cada uma para seulado, em direcção aos analisadores A e B, (representados pelos vectores A eB, respectivamente) cujas orientações finais são paralelas, em a); fazem umângulo θ, em b).

Tais resultados parecem quase intuitivos, se nos recordarmos das experiências com fotõesdescritas no primeiro capítulo, e atendermos a que |〈A|B〉|2 = cos2 θ. Como é que épossível compreender estes resultados?

É fácil chegar a estes resultados se considerarmos que os dois fotões formam um sistemamúltiplo, representado pelo estado entrelaçado

ψ =1√2

(|xx〉 + |y y〉) (3B.1)

Tal como vimos em 3.6.5, quando o fotão 1 (representado pelo primeiro índice de cadaket) tem polarização x, o fotão 2 (representado pelo segundo índice) terá necessariamentepolarização x; quando, o fotão 1 tem polarização y, o fotão 2 terá polarização y. Istoexplica a situação em que os dois polarizadores têm orientações paralelas. O factor 1√

2em (3B.1) implica que a probabilidade de ambos os fotões terem polarização x é 1/2, ea de ambos terem polarização y é também 1/2. Mas têm ambos sempre a mesma.

De um modo geral, quando os analisadores têm orientações que fazem um ângulo θ entresi, podemos prever os seguintes resultados

Probxx = Probyy = 12 cos2 θ

Probxy = Probyx = 12 sen 2θ

(3B.2)

114

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 3

em que Probxx significa a probabilidade de observar polarização x para o fotão 1 etambém x para o fotão 2, nos respectivos analisadores. Probxy significa a probabilidadede observar polarização x para o fotão 1 e polarização y para o fotão 2. Se θ = 0 seráProbxx = Probyy = 1/2. O factor de correlação é definido como fcorr = Probxx +

Probyy − Probxy − Probyx.

Em termos das histórias consistentes de Griffiths podemos considerar, para o caso deanalisadores paralelos, o sistema múltiplo (fotões + analisador A). Supomos que a basede A é A0, Ax, Ay (correspondente ao estado inicial e aos estados correspondentes aosresultados das observações, x e y).

No instante inicial, o estado entrelaçado dos dois fotões é

ψ0 =1√2

(|xx〉 + |y y〉) (3B.3)

sendo o estado do sistema fotões + analisador A, dado por

|Ψ0〉 = |ψ0〉 |A0〉 (3B.4)

ou seja o produto tensorial7 do vector do estado inicial dos fotões com o vector do estadoinicial do analisador A (índice 0) (ver 3.6.5.2).

Uma das famílias de histórias do sistema múltiplo será dada por

[Ψ0]

x1x2 Ax1 ⇒ Bx2

y1y2 Ay1 ⇒ By2(3B.5)

que significa que o sistema global, de matriz densidade [Ψ0], pode evoluir de dois modosdiferentes: um dos ramos dá como resultado final Ax1 (foi observado o fotão 1 compolarização x no analisador A); o outro ramo dá como resultado Ay1 (foi observado ofotão 1 com polarização y no analisador A). Os resultados das medições em B estãocorrelacionados como os observados em A. O factor de correlação é proporcional a cos2θ.É curioso notar que, se a experiência for feita com electrões, o factor cos2 θ deve sersubstituído por cos2(θ/2). Isso deve-se ao facto de que para partículas de spin 1/2,como os electrões, é preciso uma rotação de 4π para obter o mesmo vector de estado,contrariamente às partículas de spin inteiro, como os fotões, em que uma rotação de 2π

reproduz o estado inicial (ver Complemento 5A, mais à frente).

Muitas experiências deste género têm sido feitas, as quais confirmam a validade da teoria.

“Temos de concluir que um par de fotões entrelaçados é um objecto não separável; ouseja, é impossível atribuir propriedades locais (realidade física local) a cada fotão. Em

7O produto tensorial é aqui representado pelo símbolo , por representar produtos em que cada factorcorresponde a tempos diferentes, mas em sucessão.

115

Page 136: Química Computacional - Livro completo

PA R A D O X O D E E PR

certo sentido, ambos os fotões permanecem em contacto através do espaço e do tempo.Convém que se diga, no entanto, que a não separabilidade, que é a base da teleportaçãoquântica, não implica a possibilidade prática de comunicação, a velocidade superior à daluz”. Dizia ainda Aspect em 19998.

Existem já aplicações tecnológicas potenciais e algumas já realizadas, que utilizam oentrelaçamento de fotões, como a criptografia quântica, a computação quântica e a tele-portação quântica (a teleportação de Star Trek !). Existe extensa literatura na Internet,sobre estes temas, pelo que nos dispensamos de dar referências.

Para terminar, talvez seja oportuno citar Richard Feynman em 19829: “... ainda não éóbvio, para mim, que não há um problema real (com a mecânica quântica). Não possodefinir o problema, portanto suspeito que não há problema, mas não estou seguro de quenão há problema. Por isso, gosto de investigar as coisas.”

8A. Aspect, Nature, vol. 398 (1999) 189.9R. Feynman; Inter. Journ, of Theoret. Phys. 21, 467 (1982).

116

Page 137: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 3

3C PROBLE M AS

1. Considere a experiência da “moeda ao ar” e suponha que a moeda se comportacomo um sistema quântico. Suponha que a moeda no ar pode ser representada porum vector (ket), ψ1, que forma um ângulo de 30ocom o eixo “caras” (ver Fig.).

q= 30º

Caras

Coroas

y

y

1

2

a) Escreva o ket em termos da base “caras”, “coroas”, i.e., na forma ψ=c1φ1+c2φ2,explicitando os coeficientes c1 e c2.

b) Calcule a probabilidade de a moeda cair “caras”.

c) Considere o ket ψ2, perpendicular a ψ1. Mostre que os vectores da base formadapor ψ1 e ψ2 são ortonormados.

2. Considere as funções φ1 = 1√2πeiφ e φ2 = 1√

2πe−iφ que constituem um conjunto

completo de funções próprias para o operador de momento angular de uma dadapartícula. Sabe-se que o operador de momento angular é da forma L = ~

i∂∂φ (em

que φ é o ângulo no plano da órbita).

a) Determine os valores possíveis do momento angular da partícula. Qual a suainterpretação física?

b) Verifique se as funções próprias indicadas são ortonormadas.

c) Suponha que a partícula está num estado que é descrito pela função de ondaψ =

√3

2 φ1 + 12φ2. Se fizer uma só medida do momento angular da partícula

neste estado, qual o valor que espera encontrar?

d) Se fizer um grande número de medidas, qual o valor que vai, em média, obter?

3. Considere as matrizes

Sx =~

2

(

0 1

1 0

)

; Sy =~

2

(

1 −ii 0

)

; Sz =~

2

(

1 0

0 −1

)

chamadas matrizes de Pauli, que representam os operadores das componentes dospin, segundo x, y e z.

117

Page 138: Química Computacional - Livro completo

PR O B L E M A S

a) Mostre que o comutador entre Sx e Sy é i~Sz, ou seja, [Sx, Sy] = i~Sz.

b) Determine os valores próprios do operador Sy. Note que isso é equivalente adiagonalizar a matriz Sy.

c) Quais os valores possíveis da componente em y do spin?

d) Como interpreta a resposta anterior?

4. a) Explique o que são operadores lineares e hermitianos e porque é que os operadoresque representam observáveis devem ser hermitianos.

b) Diga se os operadores Sx, Sy, Sz, são hermitianos.

c) Conhecendo a correspondência entre grandezas físicas e operadores lineares ehermitianos, para a posição e para a componente em x do momento linear:

x→ x px → ~

i

∂x

construa operadores lineares e hermitianos para i) a energia cinética a umadimensão e para ii) a componente em x do momento dipolar (note que o momentodipolar é µ = er (e = carga do electrão, r = vector distância entre cargas,r = x+ y + z).

5. Na química quântica são relevantes os operadores de permuta, que têm o efeito depermutar dois electrões, isto é, se considerar a função de onda para dois electrõesψ(x1,x2) o efeito do operador de permuta P12 é o de permutar as coordenadas doselectrões (incluindo as coordenadas de spin), mudando o sinal da função de onda10.Ou seja:

P12ψ(x1,x2) = −ψ(x2,x1)

a) Considere a expressão [P12, P23]ψ(1, 2, 3) em que [P12, P23] é o comutador dosoperadores de permuta de electrões e ψ(1, 2, 3) é a função de onda para os trêselectrões, nas coordenadas-spin x1,x2,x3, respectivamente. Mostre que P12 eP23 não comutam para a função de onda ψ(1, 2, 3).

b) Mostre que P12 é hermitiano.

6. Mostre que dois vectores próprios de uma variável dinâmica real pertencentes avalores próprios diferentes são ortogonais.

7. Demonstre que nenhuma combinação linear de funções próprias não degeneradasde um operador linear é função própria deste operador.

10Veremos quando estudarmos os átomos que a permuta de dois electrões muda o sinal da função de onda,por razões que estão associadas ao princípio de exclusão de Pauli.

118

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 3

8. Num espaço linear a duas dimensões de base U = u1, u2 considere o operador Rque tem o seguinte efeito:

Ru1 = u2; Ru2 = u1

a) Escreva a matriz que representa o operador.

b) Diga se o operador é hermitiano.

c) Determine os valores próprios de R.

d) Determine os vectores próprios de R.

9. a) Para um espaço de Hilbert a duas dimensões, com uma base U = u1, u2, nãoortogonal mas normada, calcule os valores próprios, λ, de um operador H e os seusvectores próprios, c. Suponha o sistema perfeitamente isolado.

Considere: U=u1, u2, S=〈u1|u2〉=〈u2|u1〉, H11 =H22 =α; H12 =H21 =β

b) Verifique que os vectores próprios, c, diagonalizam a matriz H.

c) Calcule a matriz densidade para cada um dos vectores próprios.

10. Considere um sistema cujo espaço (de Hilbert) tem uma base α, β. Considere,também, duas observáveis A e B, tais que

A =(

0 1

1 0

)

B =(

1 0

0 −1

)

Nota: Este sistema é semelhante ao de um electrão, sendo a base, os estados despin, e A e B as componentes de spin segundo x e segundo z, respectivamente (sóque os valores do spin segundo z são ±1 e não ±1/2, como para o electrão.

Os valores próprios de A são +1 e −1, e os respectivos vectores próprios são, nabase α, β:

u1 = 1√2

(

1

1

)

u2 = 1√2

(

1

−1

)

Naturalmente que os vectores próprios de B são, na baseα, β: α=

(

1

0

)

;β=

(

0

1

)

a) Mostre que os valores próprios de A e B são +1 e −1.

b) Mostre que o vector próprio u1 (acima indicado) é o correspondente ao valorpróprio +1.

119

Page 140: Química Computacional - Livro completo

PR O B L E M A S

c) Suponha que o sistema está num estado correspondente ao vector

ψ =( √

3/2

1/2

)

Qual a probabilidade de, numa medição da observável A, obter o valor +1? Emque estado fica o sistema?

d) Suponha agora que efectua duas medições sucessivas, partindo do sistema noestado ψ. Primeiro mede a observável A e imediatamente a seguir mede B.Qual é a probabilidade de obter o valor +1 para A e o valor −1 para B?

e) E se medir B em primeiro lugar e depois A, qual a probabilidade de obter ovalor −1 para B e o valor +1 para A?

f) Compare os resultados das alíneas d) e e). Explique.

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Parte IIIM E C Â N I C A Q U Â N T I C A N A Q U Í M I C A

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Page 143: Química Computacional - Livro completo

4OSCILADOR

LINEAR. VIBRAÇÕES MOLECULARES

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Page 145: Química Computacional - Livro completo

O S C IL A D O R H A R M Ó N IC O L IN E A R . V IB R A Ç Õ E S M O L E C U L AR ES

4 . 1 V IBRAÇÕE S EM MOLÉCUL AS DIATÓMIC A S

Este capítulo tem por objectivo o estudo do oscilador harmónico linear, como modelofísico das vibrações moleculares. Discutem-se as funções próprias e os valores própriosda equação de Schrödinger, quer para vibrações simples quer para os modos normais devibração. O problema das vibrações moleculares não fica, no entanto, esgotado, uma vezque o oscilador harmónico linear é um modelo apenas aproximado. No Capítulo 6, serádiscutida a teoria das perturbações que permite fazer correcções ao modelo aqui exposto.

O espectro de infravermelho do HCl apresenta uma única risca a 2886 cm−1. Vamostentar explicar porquê.

O modelo físico que, em primeira aproximação, está de acordo com os resultados expe-rimentais consiste em admitir que a molécula de HCl é constituída pelos átomos de H ede Cl que interactuam entre si como duas massas pontuais ligadas por uma mola, a umadistância de equilíbrio de 1,26 Å, e que oscilam harmonicamente em torno dessa posiçãode equilíbrio, Figura 4.1

a) b) c)

d = 1,26 Å 8,652x10 ν/s13 -1 2886 ν/cm -1

HCl

%T%T

Figura 4.1: a) Molécula de HCl. b) Espectro vibracional do HCl em frequên-cia. c) Espectro vibracional do HCl em kaiser (cm−1).

O espectro de infravermelho é o resultado da absorção de energia, sob a forma de luzno infravermelho, resultante de transições entre estados da molécula. Na Figura 4.2,representa-se a forma do potencial de interacção, V = 1

2kx2, que implica uma força

de restituição F = −∇V = −Kx, sendo x o afastamento relativamente à posição deequilíbrio. Na figura, representa-se também a forma de um potencial que está mais deacordo com os resultados experimentais, nomeadamente a possibilidade de dissociaçãoda molécula.

Sabe-se, do modelo clássico, que a frequência de um oscilador harmónico é dada por

ω = 2πν =

K

µ(4.1)

125

Page 146: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G E R

V V = Kx21

2

V = D 2

(1- e )1,9 x

D = Energia de dissociação

1,26 d/Å

e

e

Figura 4.2: Forma do potencial de interacção, V = 12Kx

2. Representa-se também o potencial V = De(1 − e−1,9x)2 mais realista e que dá conta dapossibilidade de dissociação da molécula.

em que K é a constante de força e µ é a massa reduzida. Neste caso:

µ =MCl.MH

MCl +MH

1

NA⇒ e portanto: K = 480 N m−1

sendo MCl = massa atómica do Cl, MH = massa atómica do H e NA = no de Avogadro.Uma vez que estamos interessados apenas nas vibrações internas da molécula, o problemareduz-se à resolução da equação de Schrödinger para uma massa µ em torno do centrode gravidade.

4 . 2 EQUAÇÃO DE SCHRÖDIN G ER

Vamos resolver a equação de Schrödinger para o caso de uma partícula de massa m,oscilante no eixo x:

m x

A evolução no tempo é dada pela Equação de Schrödinger dependente do tempo:

i~∂

∂tΨ(x, t) = HΨ(x, t) (4.2)

em que H é o hamiltoniano, i.e.,

H = − ~2

2m∇2 + V (x) (4.3)

126

Page 147: Química Computacional - Livro completo

O S C IL A D O R H A R M Ó N IC O L IN E A R . V IB R A Ç Õ E S M O L E C U L AR ES

tal que[

− ~2

2m∇2 + V (x)

]

ψ(x) = Eψ(x) (4.4)

Ψ(x, t) é a função de onda dependente do tempo, a qual é, separando a variável tempo,pela resolução da equação (4.2) e recorrendo à equação (4.4):

Ψ(x, t) = ψ(x)e−iωt com ω = E/~ (4.5)

Podemos admitir, como no modelo clássico, que a posição da partícula oscila com afrequência ω, ao longo do eixo x, tal que

x = x0e−iωt

em que x0 é a amplitude máxima da oscilação, sendo ω =√

Km → K = ω2m; V = 1

2 Kx2.

O hamiltoniano pode ser escrito sob a forma

H =p2

2m+

1

2Kx2 ,

[

H, p, x são operadores: p = px = −i~ ∂

∂x; x = x

]

Ou, atendendo a que K = ω2m,

H =p2

2m+

1

2ω2mx2 (4.6)

Para resolver a equação de valores próprios (4.4) de uma maneira simples e elegante sãopostulados os seguintes operadores:

a =1√2

(

X +∂

∂X

)

=1√2(X + iP ) com X =

~x

a+ =1√2

(

X − ∂

∂X

)

=1√2(X − iP ) com P =

1√m~ω

p

(4.7)

Usando as definições1 e fazendo as devidas substituições, pode demonstrar-se que

H =

(

a+a+1

2

)

~ω (4.8)

Nada impede que se escreva este hamiltoniano sob a forma

H =

(

n+1

2

)

~ω (4.9)

1Embora os operadores a+ e a sejam adjuntos um do outro e pudéssemos usar os símbolos a e a† em (4.7),seguiremos a tradição, usando a+ para o operador que faz subir o número quântico n, como veremosadiante, ou cria um quantum, e que por isso também se chama operador de criação. O seu adjunto a éo operador que destrói um quantum, e por isso também se chama operador de aniquilação.

127

Page 148: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G E R

definindo, assim, um novo operador:

n = a+ a (4.10)

a que podemos atribuir um significado físico concreto. De facto, sabemos, da experiência,que as transições observáveis obedecem à condição ∆E = nhν = n~ω, o que sugere quese escrevam os valores da energia, En, sob uma forma idêntica à do hamiltoniano (4.9),isto é:

En =

(

n+1

2

)

~ω (4.11)

Atribuímos assim um significado ao operador n: é o operador cujo valor próprio é onúmero quântico n (n = 0, 1, 2, 3, ...,∞) que representa o índice do estado ou do nível deenergia — o número quântico vibracional.

Pode também demonstrar-se que [tente fazer as demonstrações!]

[a, a+] = aa+ − a+a = 1 (4.12)

[aa+, H ] = [n,H ] = nH −Hn = 0 (4.13)

Da última expressão, vê-se que o hamiltoniano comuta com n, tendo portanto as mesmasfunções próprias, isto é,

H ψn = En ψn com En =

(

n+1

2

)

~ω (4.14)

nψn = nψn (4.15)

(note-se que o n do primeiro membro é um operador, e o do segundo é um valor próprio)

constituindo os ψn o conjunto completo das soluções da equação de Schrödinger para ooscilador harmónico linear.

Atendendo a (4.12), (4.15) e (4.9) podemos calcular

a+a(a+ψn) = a+(aa+ψn) = a+(n+ 1)ψn = (n+ 1)(a+ψn)

concluindo que

n(a+ψn) = (n+ 1)(a+ψn) ,

o que implica que o operador a+ aplicado a ψn faz subir o índice n de 1. De facto,aplicando a+ a ψn vem

a+ψn =√n+ 1 ψn+1

128

Page 149: Química Computacional - Livro completo

O S C IL A D O R H A R M Ó N IC O L IN E A R . V IB R A Ç Õ E S M O L E C U L AR ES

O factor√n+ 1 pode ser obtido se impusermos que ψn+1 seja normada e fazendo com que o factor

c que relaciona ψn com ψn+1 seja real: tomando a+ψn = cψn+1 e fazendo 〈ψn+1|ψn+1〉 = 1,vem

〈ψn+1|ψn+1〉 = 1 = (1/c2)〈a+ψn|a+ψn〉 = (1/c2)〈ψn|aa+|ψn〉atendendo a (4.10) e (4.12)

aa+ = n+ 1

pelo que

〈ψn+1|ψn+1〉 = (1/c2)〈ψn|n+ 1|ψn〉 =n+ 1

c2〈ψn|ψn〉 =

n+ 1

c2= 1

dondec =

√n+ 1

Analogamente, poderíamos mostrar que a é um operador, tal que

aψn =√nψn−1

Os operadores a+ e a são chamados operadores de criação e de aniquilação, respectiva-mente, porque, quando aplicados a uma função de onda, criam ou aniquilam um quantumde energia, ~ω. Também podem ser chamados operadores de subida e de descida, porquefazem subir e descer, respectivamente, o número quântico n.

Uma vez que n representa o índice do estado ψn (n = 0, 1, 2, 3, ...,∞), podemos construira seguinte tabela:

Estado Função de onda Energia

n = 0 ψ0 E0 = 12~ω

n= 1 ψ1 E0 = 32~ω

... ... ...

n = n ψn E0 =(

n+ 12

)

Como podemos agora determinar a forma explícita das funções de onda, ψn?

Sabemos que ψ0 é a função de menor índice do conjunto, e que portanto, se aplicarmoso operador de descida a ψ0 devemos obter como resultado “zero!”, isto é:

aψ0 = 0

ou seja, de acordo com (4.7):

aψ0 =(mω

2~

)1/2 (

x+ ip

)

ψ0 = 0

Se fizer as substituições: α = mω~

; x = x ; p = −i~ ∂∂x , obtemos (a uma dimensão)

2

)1/2(

xψ0 +1

α

dψ0

dx

)

= 0

129

Page 150: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D IN G E R

que é uma equação diferencial simples, cuja solução é da forma

ψ0 = N0e−(1/2)αx2

N0 pode ser determinado, recorrendo à condição de normação∫

ψ∗0ψ0dx = 1. Vem:

N0 =(α

π

)1/4

(4.16)

Para determinar ψ1 faria ψ1 = a+ψ0, e o mesmo esquema para ψn = a+ψn−1

De um modo geral, obteria

ψn = Nne−(1/2)αx2

Hn(z) (4.17)

em que Hn(z) são os polinómios de Hermite, conhecidos da matemática, e z =√αx.

Os polinómios de Hermite são da forma

H0(z) = 1

H1(z) = 2z

H2(z) = 4z2 − z

· · ·Hn(z) = (−1)nez

2 dn

dzn(e−z

2

) → fórmula de Rodrigues

A Figura 4.3 mostra as primeiras 3 funções de onda para o oscilador harmónico linear.

0 1 2 3-1-2-3 0 1 2 3-1-2-3 0 1 2 3-1-2-3

y1

y0 y

2

z z z

Figura 4.3: As primeiras 3 funções de onda para o oscilador harmónico linear.

Recorde-se que o problema que resolvemos foi o de uma massa pontual oscilante. Note-seque |ψn(z)|2 é a densidade de probabilidade de encontrar o sistema na posição descritapela coordenada z, sendo z =

√αx e num dado instante t, x = x0e

−iωt .

Vê-se também que o estado fundamental, no qual classicamente a massa estaria emrepouso e portanto com energia nula, tem na versão quântica uma energia E0 = 1

2~ω.

130

Page 151: Química Computacional - Livro completo

O S C IL A D O R H A R M Ó N IC O L IN E A R . V IB R A Ç Õ E S M O L E C U L AR ES

4 . 3 MODOS NORMAIS

O problema das vibrações (oscilações dos átomos) de uma molécula com N átomos é,em princípio, um pouco mais complicado. No âmbito do modelo do oscilador harmónico,o problema resolve-se sem grande dificuldade, uma vez que é possível diagonalizar ohamiltoniano num sistema de coordenadas normais.

Comecemos com o hamiltoniano de uma molécula com N átomos que se movem em trêsdimensões:

H =

3N∑

i

− ~2

2mi

∂2

∂x2i

+ V (4.18)

em que o índice i identifica cada uma das 3N coordenadas (graus de liberdade) dosN átomos. O potencial tem um mínimo para a geometria de equilíbrio, identificadapelas coordenadas xei , cujo conjunto se pode escrever sob a forma de um vector coluna,x0 = xei . Para vibrações de pequena amplitude, o potencial pode ser expandido emsérie de Taylor e tomam-se apenas os primeiros termos. Vem2

V (xi) = V (xei ) +∑

i

∂V

∂xi

xei

(xi − xei )+

+1

2

i

j

∂2V

∂xi∂xj

xeix

ej

(xi − xei )(xj − xej) + ...

(4.19)

ou na forma matricial:

V (x) ∼= V (x0) +

(

dV

dx

)T

(x − x0) +1

2(x − x0)

T

(

d2V

dx2

)

(x − x0) + ... (4.20)

em que o índice superior T significa vector linha (matriz transposta). Nestas expressões,a primeira derivada de V é nula (segundo termo), porque o potencial tem um mínimopara a geometria de equilíbrio. Por outro lado, o primeiro termo, V (x0), é constante epode ser ignorado quando se considera a energia vibracional. Podemos então escrever,usando só um termo (o terceiro!),

V (∆x) =1

2∆xTF∆x (4.21)

em que F é a matriz das constantes de força (a chamada hessiana3 do potencial),

2Expansão de f(x) em série de Taylor, em torno de a:

f(x) = f(a) + f ′(a) (x−a)1!

+ f ′′(a) (x−a)22!

+ f ′′′(a) (x−a)33!

+ ...3A hessiana de f(x) é a matriz simétrica n× n

∇2f(x) =

∂2f

∂x21

... ∂2f∂xn∂x1

... ... ...∂2f

∂x1∂xn... ∂2f

∂x2n

131

Page 152: Química Computacional - Livro completo

M O D O S N O R M A IS

de elementos

Fi,j =∑

j

∂2V

∂xi∂xj

∣xeix

ej

(4.22)

A equação de Schrödinger pode então escrever-se

3N∑

i=1

− ~2

2mi

∂2

∂x2i

+1

2∆xTF∆x

Ψ = EΨ (4.23)

Para resolver a equação de Schrödinger, convém introduzir coordenadas independentesda massa, yi com dimensões de (massa)1/2 (comprimento), e uma matriz G definidas por

yi =√mi∆xi

∂2

∂y2i

=1

mi

∂2

∂x2i

Gij =1

√mimj

(4.24)

Então a equação de Schrödinger vem, definindo a nova matriz, L = FG.

3N∑

i=1

−~2

2

∂2

∂y2i

+1

2yTLy

Ψ = EΨ (4.25)

Para obter os valores próprios de L, λk, e os respectivos vectores próprios qk (as coorde-nadas normais), basta diagonalizar a matriz, mediante uma transformação unitária, queconverte as coordenadas yi em coordenadas normais qk:

q = Uy (4.26)

A equação de Schrödinger vem finalmente, em coordenadas normais,

3N∑

k=1

−~2

2

∂2

∂q2k

+1

2qT(

ULUT)

q

Ψ = EΨ

ou3N∑

k=1

−~2

2

∂2

∂q2k

+1

2λkq

2k

Ψ = EΨ (4.27)

Nas coordenadas normais q, a equação de Schrödinger de dimensão 3N pode ser separadaem 3N equações de Schrödinger a uma dimensão, que têm a forma da equação padrãopara o oscilador harmónico linear. Os vectores próprios da matriz L são as coordenadasnormais ponderadas (pela massa), e os valores próprios λk estão relacionados com asfrequências vibracionais pela expressão

ωk =√

λk (4.28)

132

Page 153: Química Computacional - Livro completo

O S C IL A D O R H A R M Ó N IC O L IN E A R . V IB R A Ç Õ E S M O L E C U L AR ES

As equações anteriores mostram que o papel das coordenadas normais é o de converter ohamiltoniano (4.18), em que todos os graus de liberdade do sistema estão acoplados, numhamiltoniano como o da equação (4.27), que é uma soma de hamiltonianos independentes.Embora a matriz L que permite essa transformação seja de dimensão 3N , existem apenas3N − 6 graus de liberdade vibracionais (ou 3N − 5 para moléculas lineares). A razão éque 6 (ou 5) das frequências que resultam da diagonalização do hamiltoniano da equação(4.27) são nulas. Estas frequências correspondem às três translações e às rotações damolécula. Para estes modos, as constantes de força são nulas, e a única contribuiçãopara a energia vem dos termos de energia cinética.

Podemos agora reintroduzir os operadores de subida e de descida (4.7) em coordenadasnormais:

ak =1√2

(Qk + iPk)

e

a+k =

1√2

(Qk − iPk)

com

Qk =

mkωk~

qk e Pk =1√

mk~ωkpk (4.29)

e obter a energia vibracional, identicamente a (4.11)

E =

3N−6∑

k=1

(

nk +1

2

)

~ωk (4.30)

sendo nk o número quântico associado ao modo normal k.

As funções próprias são expressas sob a forma de produtos de funções da forma (4.17)

Ψn1...n3N−6 =3N−6∏

k=1

(αkπ

)1/4 e−αkq2k/2

(2nknk!)1/2Hnk

(zk) com zk =

ωk~qk (4.31)

133

Page 154: Química Computacional - Livro completo

M O D O S N O R M A IS

A título de exemplo, mostram-se na Figura 4.4 os modos normais de vibração da moléculade água, bem como o espectro de infravermelho.

qq q2 31

3625 cm

3756 cm

1545 cm

-1

-1

-1

Figura 4.4: Modos normais de vibração da molécula de água, bem comoo espectro de infravermelho. As coordenadas normais são os deslocamentoscombinados indicados por q1, q2 e q3.

134

Page 155: Química Computacional - Livro completo

C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 4

4A PROBLE MA S

1. Uma esfera com a massa m = 1 kg oscila, num pêndulo, com uma constante deforça de 4 N m−1 e com amplitude da oscilação de 50 cm. Considere a esfera noâmbito do modelo do oscilador harmónico linear quântico.

m x

a) Calcule a frequência da oscilação em s−1. Calcule o número de ondas (emcm−1).

b) Qual é a força exercida sobre a massa m quando está afastada de 2 cm daposição de equilíbrio.

c) Para que valor do desvio à posição de equilíbrio, a aceleração é máxima?

d) Calcule a ordem de grandeza do número quântico n.

e) Quanto tempo decorre entre duas passagens sucessivas pela posição de equilí-brio?

2. Uma partícula que oscila em torno de um ponto numa recta, com uma força derestituição F = −Kx (K = constante de força), é descrita, pelo modelo do oscilador

harmónico linear. Note que F = −∇V , ou seja, V = 12Kx

2, com ω =√

Km .

a) Escreva equação de Schrödinger para o oscilador harmónico com a energia po-tencial em termos de ω.

b) Sabendo que a função de onda para o estado fundamental é da forma

ψ0 = N0e−(1/2)αx2

com α =mω

~

calcule o factor de normação N0.

c) Para o estado fundamental, calcule a energia cinética no ponto x = 0.

d) Para o estado fundamental, calcule a energia total.

3. a) Calcule a energia cinética média de um oscilador harmónico linear no estadofundamental, sabendo que a expressão da função de onda é da forma ψ0(x) =

Ne−(1/2)αx2

; sendo N o factor de normação e α = mω/~. Comece por determinaro factor de normação.

b) Qual a relação com a energia total. Explique! (teorema do virial!).

Page 156: Química Computacional - Livro completo

PR O B L E M A S

4. Sabendo que as funções de onda do oscilador harmónico linear, para o estado fun-damental e para o primeiro estado excitado, são respectivamente

ψ0 =(α

π

)1/4

e−12αx

2

e ψ1 =

(

4α3

π

)1/4

xe−12αx

2

com α =mω

~

Calcule a probabilidade da transição entre o estado fundamental e o primeiro estadoexcitado, sabendo que a transição é mediada pelo momento dipolar µ = ex, em quee é o valor absoluto da carga eléctrica do electrão e x é o operador que correspondea multiplicar pela coordenada x. Nota: o resultado deve vir em função de e e α.

5. Demonstre as seguintes equações:

a) H = (a+a+1

2)~ω

b) [a, a+] = aa+ − a+a = 1

c) [aa+, H ] = [n,H ] = nH −Hn = 0

6. Determine os seguintes elementos matriciais para estados do oscilador harmónicounidimensional:

a) 〈0|a+aa+ |0〉b) 〈0|aa+aa+ |0〉

7. Considere o hamiltoniano para o oscilador harmónico linear.

a) Mostre que pela escolha apropriada de uma coordenada adimensional z podeobter o hamiltoniano

H =~ω

2

− d2

dz2+ z2

b) Verifique que as primeiras soluções normadas podem ser

ψ0 =(mω

π~

)1/4

e−12 z

2

ψ1 =

(

4mω

π~

)1/4

ze−12 z

2

c) Determine os valores próprios de ψ0 e ψ1

d) Suponha que o sistema está num estado cuja função de onda é ψ =(

2mωπ~

)1/4e−z

2

.Qual é a probabilidade de obter o valor E0? E qual a probabilidade deobter E1?

136

Page 157: Química Computacional - Livro completo

5Á T O M O D E H I D R O GN I O

Page 158: Química Computacional - Livro completo

Página 138 (propositadamente em branco).

Página 138 (propositadamente em branco).

Page 159: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

5 . 1 INTROD U Ç ÃO

O problema do átomo de hidrogénio pode reduzir-se ao problema de dois corpos, umprotão com massa mp = 1, 673× 10−27 kg e um electrão com massa me = 9, 109× 10−31

kg, que se movimenta na sua vizinhança, a uma distância da ordem de 5 × 10−11 m(o raio de Bohr é a0 = 5, 29177 × 10−11 m) atraído pela força electrostática, derivadado potencial de Coulomb V (r) = − e2

4πε0r. Nesta expressão, −e é a carga eléctrica do

electrão (e = 1, 602× 10−19 C) e ε0 é a permitividade do vácuo (ε0 = 8, 85419× 10−12CV−1 m−1).

O problema pode ser separado no movimento do centro de massa e no movimento re-lativo das duas partículas. No problema do átomo de hidrogénio, o que nos interessa édeterminar os níveis de energia e as funções de onda associadas ao movimento relativo.Para este, define-se uma massa reduzida:

µ =memp

me +mpou

1

µ=

1

me+

1

mp(5.1)

e a equação de Schrödinger independente do tempo deve escrever-se

− ~2

[

∂2

∂x2+

∂2

∂y2+

∂2

∂z2

]

+ V (x, y, z)

ψ(x, y, z) = E ψ(x, y, z) (5.2)

É deste movimento relativo que resultam os níveis de energia do átomo de hidrogénio.Os correspondentes valores da energia são os valores possíveis de E, dados pelas soluçõesda equação.

A equação (5.2) só é, no entanto, resolúvel em determinados sistemas de coordenadasem que as variáveis possam ser separadas. Dado o facto de o campo ser central ou desimetria esférica, há vantagem em usar coordenadas polares esféricas, tais que:

q

P

r

Protão

Electrão

y

x

z

f

Figura 5.1: Coordenadas polares esféricas.

139

Page 160: Química Computacional - Livro completo

IN T R O D U Ç Ã O

x = r sen θ cosφ

y = r sen θ senφ

z = r cos θ

(5.3)

Das transformações (5.3) podemos obter as transformações inversas:

r2 = x2 + y2 + z2; cos θ =z

x2 + y2 + z2; tg φ =

y

x(5.4)

a partir das quais se podem calcular as derivadas parciais:

∂r

∂z= cos θ;

∂r

∂y= sen θ senφ;

∂r

∂x= sen θ cos φ;

∂θ

∂z= − sen θ

r

∂θ

∂y=

=cos θ sen φ

r

∂φ

∂z= 0;

∂φ

∂y=

cos θ

r sen θ

Neste caso, o laplaciano

[

∂2

∂x2+

∂2

∂y2+

∂2

∂z2

]

, que se representa por ∇2, ou ∆, tem a

forma

∇2 =1

r2

[

∂r

(

r2∂

∂r

)

+1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2

∂φ2

]

(5.5)

A equação de Schrödinger pode escrever-se então:

− ~2

1

r2

[

∂r

(

r2∂

∂r

)

+1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2

∂φ2

]

+ V (r)ψ(r, θ, φ) = E ψ(r, θ, φ)

(5.6)

As soluções desta equação, ψ(r, θ, φ), são produtos de 3 funções: uma função só de r,outra só de θ, e outra só de φ, isto é:

ψ(r, θ, φ) = R(r)Θ(θ)Φ(φ) (5.7)

Tal como no caso do problema da partícula numa caixa a uma dimensão, em que aenergia dependia de um número quântico, n, aqui, que o problema é a três dimensões, aenergia vai depender de três números quânticos, um para cada coordenada (ou grau deliberdade): um para a coordenada r, e outros dois para as coordenadas θ e φ.

De facto, as soluções da equação de Schrödinger são da forma

ψn`m(r, θ, φ) = Rn`(r)Θ`m(θ)Φm(φ) (5.8)

significando que a função chamada radial, Rn`(r), depende dos números quânticos n e `,a função Θ`m(θ), dos números quânticos ` e m, e a função Φm(φ), do número quânticom. Os números quânticos n, ` e m são respectivamente o número quântico principal , onúmero quântico azimutal ou de momento angular orbital e o número quântico magnético.

140

Page 161: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

É comum escreverψn`m(r, θ, φ) = Rn`(r)Y`m(θ, φ) (5.9)

associando as funções Θ`m(θ) e Φm(φ) nas chamadas harmónicas esféricas, Y`m(θ, φ).

Vejamos como se pode separar a equação (5.6) e resolver cada uma das equações parciais.

5 . 2 EQUAÇÃO DE ONDA A TRÊS D IMENSÕ E S . MOMENTOANGULAR

5.2.1 Separação da Equação

Fazemos ψ(r, θ, φ) = R(r)Y (θ, φ) ou, abreviadamente, ψ(r, θ, φ) = RY , não esquecendoas dependências em r, e em θ e φ, respectivamente. Substituindo em (5.6), vem

Y

− ~2

1

r2

[

d

dr

(

r2dR

dr

)]

−R~

2

1

r2

[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂Y

∂θ

)

+

+1

sen2θ

∂2Y

∂θ2

]

+ V RY − E RY = 0

(5.10)

Multiplicando ambos os membros por − 2µ~2

r2

RY , vem, pondo a parte em θ e φ no segundomembro:

1

R

d

dr

(

r2dR

dr

)

+2µ

~2r2(E − V ) = − 1

Y

[

1

sen θ

d

(

sen θdY

)

+1

sen2θ

d2Y

dφ2

]

(5.11)

O primeiro membro de (5.11) é só função de r, enquanto o segundo membro é só função deθ e φ. Pode concluir-se, pois, que qualquer deles é igual a uma constante independente der, θ e φ. Se representarmos por ζ (zeta) essa constante, podemos escrever para o primeiromembro:

1

R

d

dr

(

r2dR

dr

)

+2µr2

~2(E − V ) = ζ (5.12)

Multiplicando ambos os membros por Rr2 e pondo tudo no primeiro membro, obtém-se a

chamada equação radial:

1

r2d

dr

(

r2dR

dr

)

+

[

~2(E − V ) − ζ

r2

]

R = 0 (5.13)

Para o segundo membro de (5.11) vem

− 1

Y

[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂Y

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2Y

∂φ2

]

= ζ (5.14)

141

Page 162: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E O N D A A T R Ê S D IM E N S Õ E S . M O M E N T O A N G U L A R

Multiplicando ambos os membros por −Y , obtém-se a equação harmónica esférica:

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂Y

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2Y

∂φ2+ ζY = 0 (5.15)

Está assim separada a equação (5.6). Esta separação só pode fazer-se quando o potencialé só função de r, i.e., esfericamente simétrico.

Se considerarmos o operador

Ω =1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2

∂φ2(5.16)

a equação (5.15) pode escrever-se

ΩY (θ, φ) = ω Y (θ, φ) (5.17)

que é uma equação de valores próprios ω, tais que

ω = −ζ (5.18)

Trata-se agora de resolver a equação radial e a equação harmónica esférica.

Vamos começar por resolver a equação harmónica esférica.

5.2.2 Equação Harmónica Esférica

Em primeiro lugar, vamos mostrar que o operador Ω está ligado com o quadrado dooperador de momento angular. O problema do momento angular surge na resolução daequação de Schrödinger para o átomo de hidrogénio e é particularmente importante, namedida em que ao momento angular está associado o momento magnético resultante dacarga em movimento.

O momento angular clássico é L = r× p, sendo p, o momento linear, (p = mv, sendo v

a velocidade linear e r o raio da “órbita”1 ).

Em mecânica quântica, os vectores (associados a observáveis) são substituídos por ope-radores. Atendendo a que, como já vimos em 3.3.1, o operador de momento angular2 ép = −i~∇, podemos obter as suas componentes, fazendo a correspondência

L = Lx + Ly + Lz ⇔ −i~(r×∇) (5.19)

1Nota: usamos o símbolo “×” para o produto externo ou vectorial.2Note que ~

i= −i~.

142

Page 163: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

em que r = (x, y, z) é o vector posição, e ∇ o gradiente, ∇ =(

∂∂x ,

∂∂y ,

∂∂z

)

, a que devem

fazer-se corresponder os respectivos operadores, ou seja3:

Lx = −i~[

y∂

∂z− z

∂y

]

Ly = −i~[

z∂

∂x− x

∂z

]

Lz = −i~[

x∂

∂y− y

∂x

]

(5.20)

Verifica-se, também, que L2 = L2x + L2

y + L2z.

As relações de comutação podem obter-se a partir das relações anteriores.

]Lx, Ly] = LxLy − LyLx = i~Lz

]Ly, Lz] = i~Lx

]Lz, Lx] = i~Ly

]L2, Lz] = 0

(5.21)

Isto é, os operadores Lx, Ly e Lz, componentes de L, não comutam entre si. Ou seja,as duas observáveis, momento angular na direcção do eixo dos x e momento angular nadirecção do eixo dos y, por exemplo, não têm funções próprias comuns, como se viu noCapítulo 3. O mesmo sucede para qualquer outro par das componentes do momentoangular. Por outro lado, L2 comuta com cada uma das componentes.

Para obter Lx, Ly, Lz e L2 em coordenadas polares esféricas, basta usar as relações (5.3)nas expressões (5.20)4. Interessa-nos sobretudo Lz e L2:

Lz = −i~ ∂

∂φ(5.22)

L2 = −~2

[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2

∂φ2

]

(5.23)

Vê-se facilmente que o operador L2 se relaciona com o operador Ω introduzido anterior-mente na equação (5.16):

L2 = −~2Ω (5.24)

Há ainda dois operadores importantíssimos que podem derivar-se a partir destes:

L+ = Lx + iLy (5.25)

L− = Lx − iLy (5.26)

3Como facilmente se pode verificar escrevendo o determinante correspondente ao produto externo)4Por exemplo, Lz = −i~[x ∂

∂y− y ∂

∂x] = −i~[r sen θ cosφ( ∂r

∂y∂∂r

+ ∂θ∂y

∂∂φ

+ ∂φ∂y

∂∂φ

) − r sen θ senφ...etc.]

143

Page 164: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E O N D A A T R Ê S D IM E N S Õ E S . M O M E N T O A N G U L A R

Estes operadores têm a propriedade de fazer subir ou descer, respectivamente, o valorpróprio da componente em z do momento angular. São os operadores de subida e dedescida para o momento angular.

Para resolver a equação harmónica esférica (5.15) ou (5.17), comecemos por resolver asequações de valores próprios:

L2 Y (θ, φ) = λY (θ, φ) (5.27)

Lz Y (θ, φ) = λz Y (θ, φ) (5.28)

Como L2 e Lz comutam (eqs. 5.21), têm funções próprias comuns.

A equação mais fácil de resolver é a segunda. Vem

−i~ ∂

∂φY (θ, φ) = `zY (θ, φ) (5.29)

que se integra facilmente, dando

Y (θ, φ) = P (θ)ei~`zφ (5.30)

Para que Y (θ, φ) seja unívoca, é necessário que seja periódica em φ (de período 2π),isto é:

`z~

= m (5.31)

em que m é um número inteiro, m = 0,±1,±2, ..., donde `z = m~, ou seja:

Lz Ym(θ, φ) = m~Ym(θ, φ) com m = 0,±1,±2, ... (5.32)

Pôs-se o índice m para evidenciar que se trata da função própria correspondente ao valorpróprio m~. m é o número quântico magnético!

As funções próprias de Lz são então, incluindo o factor de normação,

Ym(θ, φ) = (2π)−1/2P (θ)eimφ com m = 0,±1,±2, ... (5.33)

Vejamos agora a determinação de valores próprios da equação (5.27). Podemos escrever

(L2x + L2

y + L2z)Yλm = λYλm (5.34)

Podemos escrever Yλm uma vez que os operadores L2 e Lz admitem, como já sabemos,um conjunto completo de funções próprias simultâneas — os operadores comutam e assoluções das equações de valores próprios constituem um conjunto completo.

Da equação (5.32) pode concluir-se que

L2z Yλm = m2

~2 Yλm (5.35)

144

Page 165: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

substituindo na equação (5.34) vem

(L2x + L2

y +m2~

2)Yλm = λYλm

ou(L2

x + L2y)Yλm = (λ−m2

~2)Yλm (5.36)

Mas os valores próprios de L2, L2x e L2

y são necessariamente positivos, visto que os valorespróprios dos operadores hermitianos são reais. Podemos então, desde já, concluir que

(λ−m2~

2) ≥ 0 (5.37)

ou seja, que0 ≤ |m~| ≤

√λ (5.38)

Vamos empregar agora os operadores L+ e L− definidos em (5.25) e (5.26). Esses ope-radores aplicados à equação (5.32) têm a propriedade de fazer subir e descer de umaunidade, respectivamente, os valores de m.

Obter-se-áLzL

+ Yλm = (m+ 1)~L+ Yλm

LzL− Yλm = (m− 1)~L− Yλm

L2L+ Yλm = λL+ Yλm

L2L− Yλm = λL− Yλm

(5.39)

De facto, como se pode ver, por exemplo, para a primeira igualdade, basta mostrarque

LzL+ = L+(Lz + ~),

recordando os comutadores

[Lz, Lx] = LzLx − LxLz = i~Ly e [Ly, Lz ] = LyLz − LzLy = i~Lx

LzL+ = Lz(Lx + iLy) = LzLx + iLzLy = LxLz + i~Ly + iLzLy =

= LxLz + i~Ly + i(−i~Lx) + LyLz = LxLz + i~Ly + ~Lx + iLyLz =

= (LxLz + ~Lx) + iLy(~ + Lz) = Lx(Lz + ~) + iLy(~ + Lz) =

= (Lx + iLy)(Lz + ~)

= L+(Lz + ~)

Agora pode fazer-seL+(Lz + ~) Yλm = L+(m~ + ~) Yλm = L+(m + 1)~ Yλm = (m + 1)~ L+Yλm

Isto é, se Yλm é a função própria de Lz correspondente ao valor próprio m~, a funçãoL+Yλm também é função própria do mesmo operador, mas correspondente ao valorpróprio (m+1)~. Analogamente, à função L−Yλm corresponderá o valor próprio (m−1)~.Estas funções são também funções próprias de L2, correspondentes ao mesmo valorpróprio, λ.

145

Page 166: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E O N D A A T R Ê S D IM E N S Õ E S . M O M E N T O A N G U L A R

Podem exprimir-se estas relações pela notação

L+ Yλm = C+λm Yλ,m+1

L− Yλm = C−λm Yλ,m−1

(5.40)

em que C+λm e C−

λm são valores reais.

Podemos supor que se aplica de novo às funções obtidas pela aplicação de L± nas equações(5.40), o mesmo operador. Verifica-se mais um salto de uma unidade no número quântico.Podemos imaginar, assim, duas sucessões de funções próprias, uma de números quânticoscrescentes, e outra, de números quânticos decrescentes, formadas a partir de uma Yλmparticular:

Yλm, Yλ,m+1, Yλ,m+2, ...

Yλm, Yλ,m−1, Yλ,m−2, ...(5.41)

Mas estas sucessões não são ilimitadas: terminam necessariamente de acordo com arelação (5.37) ou seja:

λ ≥ m2~

2 (5.42)

Ora, se as sucessões (5.41) fossem ilimitadas, haveria um termo a partir do qual a desi-gualdade deixaria de ser válida, quer na sucessão decrescente, quer na crescente. Isto é,há-de haver um valor máximo, m2, e um valor mínimo m1, tais que

L+ Yλm2 = 0

L− Yλm1 = 0(5.43)

Aplicando à primeira igualdade, o operador L− e à segunda, o operador L+ pode obter-se

L−L+ Yλm2 = 0 (5.44)

L+L− Yλm1 = 0 (5.45)

A primeira dá[L2x + L2

y + i(LxLy − LyLx)] Yλm2 = 0 (5.46)

Atendendo a que L2x + L2

y = L2 − L2z e ao valor do comutador (eq. (5.21)) vem

[L2L2z + i(i~Lz)] Yλm2 = 0

Substituindo pelos respectivos valores próprios, e simplificando, vem

(λ−m22~

2 −m2~2) Yλm2 = 0

Então, como, por hipótese,Yλm2 6= 0

146

Page 167: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

temos

(λ−m22~

2 −m2~2) = 0

λ = m2(m2 + 1)~2(5.47)

Analogamente, a partir de (5.45):

L+L− = L2x + L2

y + i(LyLx − LxLy) = [L2 − L2z + i(−i~Lz)] = L2 − L2

z + ~Lz

e podemos escrever

(L2 − L2z + ~Lz) Yλm1 = 0

(λ−m21~

2 +m1~2) Yλm1 = 0

λ−m21~

2 +m1~2 = 0

λ = m1(m1 − 1)~2

(5.48)

Eliminando λ entre as duas relações (5.47) e (5.48), temos

m2(m2 + 1) = m1(m1 − 1)

m22 +m2 = m2

1 −m1

m21 −m2

2 − (m1 +m2) = 0

(m1 +m2)(m1 −m2 − 1) = 0

Esta equação tem duas soluções:

m1 = −m2

m1 = m2 + 1

A primeira é consistente com a hipótese m2 > m1, e a segunda não interessa, porque m2

é o valor máximo.

Podemos assim concluir que o menor valor de m é simétrico do maior. É costume fazer

` = m2

e então tem-seλ = `(`+ 1)~2 (5.49)

Podemos pois escreverL2 Y`m = `(`+ 1)~2 Y`m (5.50)

e tambémLz Y`m = m~ Y`m (5.51)

147

Page 168: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E O N D A A T R Ê S D IM E N S Õ E S . M O M E N T O A N G U L A R

Uma vez fixado `, então m pode assumir todos os valores entre −` e +`, ou seja:

−`,−`+ 1, ..., 0, ..., `− 1, `

Temos ao todo 2` + 1 funções próprias linearmente independentes, todas soluções daequação (5.50). O operador L2 é pois degenerado de ordem 2` + 1. É o operadorLz que levanta a degenerescência. Na verdade, introduzindo o operador Lz, isto é, sesimultaneamente medirmos Lz, desaparece a degenerescência, pois obrigamos as funçõesa serem funções próprias simultâneas dos dois operadores, L2 e Lz, e m fica determinado.

Há uma representação vectorial que se usa para ajudar a compreender a questão domomento angular. Trata-se de uma representação que vem da antiga teoria quânticae que não é absolutamente rigorosa. Nesse modelo (ver Figura 5.2), o momento angu-lar do electrão é representado por um vector L de módulo |L| =

`(`+ 1)~, sendo acomponente em z, Lz = m~ (ao longo de uma direcção pré-estabelecida, só definida napresença de um campo aplicado), quantizada5. A verdadeira orientação do vector L, nãopode ser exactamente especificada, apenas podendo afirmar-se que se situa algures numa

0

-h

-2h

h

h2

L z

f

q

z

yx

L =2hz

|L|= 6 h

|L|= 6 h

Figura 5.2: Representação vectorial para o caso ` = 2. O vector L, de módulo|L| =

`(`+ 1)~ =√

6~ pode ter uma posição que não é bem determinada,sobre a superfície de um cone, com vértice na origem e cujo ângulo ao centroθ é tal que cos θ = m√

`(`+1)(m = −2,−1, 0, 1, 2). A componente Lz é bem

definida, mas o mesmo não sucede com Lx e Ly. Estão apenas sujeitos à condiçãoL2x+L2

y = L2 −L2z = L2 −m2

~2. Aliás, já atrás vimos que Lx, Ly e Lz não têm

funções próprias comuns, pois não comutam entre si.

5Note-se que estamos a representar valores próprios de operadores com a mesma notação que os opera-dores, sendo facilmente distinguíveis estas situações em face do contexto.

148

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Á T O M O D E H ID R O G É N IO

superfície cónica que faz um ângulo θ com o eixo z. Na teoria quântica, as componentesem x e y não são bem determinadas, o que está de acordo com o facto de que os operadoresLx e Ly não comutam com Lz. Como todas as representações clássicas de resultadosda mecânica quântica, o modelo vectorial pode induzir em erros e deve ser usado comcuidado. Pode, por exemplo, levar-nos a fazer perguntas que não fazem sentido em termosexperimentais, como, por exemplo, “em que direcção aponta o vector momento angularnum dado instante”.

A descrição do momento angular em termos de funções de onda está muito longe domodelo clássico de uma partícula que descreve uma órbita. Na função de onda temosuma distribuição de probabilidade para um grande número de sistemas idênticos numdado estado de momento angular. A descrição de uma partícula localizada numa órbitarequer uma sobreposição de funções de onda, análoga ao grupo de ondas que descreve omovimento de uma partícula livre (ver Capítulo 2).

Um exercício interessante e típico das técnicas da mecânica quântica, é o de calcular os valorespróprios C+

`m e C−`m (equação 5.40). Para tal consideremos o produto escalar 〈L+Y`m|L+Y`m〉.

Atendendo a que L+Y`m = [Lx + iLy]Y`m = C+`mY`(m+1), podemos escrever

〈L+Y`m|L+Y`m〉 = 〈C+`mY`(m+1)|C+

`mY`(m+1)〉 = (C+`m)2〈Y`(m+1)|Y`(m+1)〉 = (C+

`m)2, pois asfunções Y`m são ortonormadas.Ora é fácil verificar que [Lx+ iLy ]† = Lx− iLy e em virtude da definição de operador adjunto6eda relação de comutação,

〈[Lx + iLy]Y`m|[Lx + iLy]Y`m〉 = 〈Y`m|[Lx − iLy] [Lx + iLy ]Y`m〉 =

= 〈Y`m|[Lx − iLy ] [Lx + iLy]Y`m〉 = 〈Y`m|[L2 − L2z − ~Lz ]Y`m〉 =

= 〈Y`m|[`(`+ 1)~2 −m2~2 −m~

2]Y`m〉 = ~2[`(`+ 1) −m(m + 1)] =

= ~2[(`−m)(` +m+ 1)]

ou seja C+`m = ~

(`−m)(` +m+ 1). Identicamente C−`m = ~

(`+m)(` −m+ 1)

As funções próprias Y`m

Atendendo às relações (5.23) e (5.50) podemos escrever

L2 Y`m = −~2

[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2

∂φ2

]

Y`m = `(`+ 1)~2 Y`m (5.52)

As soluções desta equação são, como já vimos (5.33),

Y`m(θ, φ) = (2π)−1/2P`m(θ)eimφ (5.53)

6Da definição de adjunto: α†|P 〉 = (〈P |α)∗, ou 〈Q|α†P 〉 = 〈αQ|P 〉.

149

Page 170: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O D E O N D A A T R Ê S D IM E N S Õ E S . M O M E N T O A N G U L A R

Resta-nos achar a forma das funções P`m(θ), substituindo em (5.52).

[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+1

sen2θ

∂2

∂φ2

]

P`m(θ)eimφ = −`(`+ 1)P`m(θ)eimφ

atendendo a que ∂∂φP`m(θ) = 0, calculando ∂2

∂φ2 eimφ e dividindo ambos os membros por

eimφ, vem

[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

− m2

sen2θ

]

P`m(θ) = −`(`+ 1)P`m(θ) (5.54)

ou[

1

sen θ

∂θ

(

sen θ∂

∂θ

)

+ `(`+ 1) − m2

sen2θ

]

P`m(θ) = 0 (5.55)

Esta equação é a chamada equação de Legendre. Não vamos resolvê-la, pois isso temapenas um interesse matemático. Mas vamos ver alguma coisa sobre as funções P`m(θ)

que são chamadas funções associadas de Legendre e podem ser obtidas, já devidamentenormadas, pela fórmula:

Plm(θ) = (−1)`1

2``!

2`+ 1

2

(`− |m|)!(`+ |m|)! ( sen θ)|m| d`+|m|

d(cos θ)`+|m| ( sen θ)2` (5.56)

As funções esféricas de Laplace, ou harmónicas esféricas, serão então

Y`m = (2π)−1/2P`m(θ)eimφ com m = 0,±1,±2, ... (5.57)

Vejamos explicitamente, a título de exemplo, alguns dos polinómios de Legendre e res-pectivas harmónicas esféricas

Tabela 5.1: Algumas harmónicas esféricas.

P`m(θ) Y`m(θ, φ)

` = 0 m = 0 1√2

Y0,0 = 1(4π)1/2

` = 1 m = 0√

32 cos θ Y1,0 =

(

34π

)1/2cos θ

m = ±1√

34 sen θ Y1,±1 =

(

38π

)1/2sen θ e±iφ

150

Page 171: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

5 . 3 EQUAÇÃO RADIAL

Vamos agora debruçar-nos sobre a Equação radial, retomando a expressão (5.13).

1

r2d

dr

(

r2dR

dr

)

+

[

~2(E − V ) − ζ

r2

]

R = 0 (5.58)

Atendendo a (5.17 ), (5.16), (5.24) e (5.50), conclui-se que ζ = `(`+ 1), e portanto

1

r2d

dr

(

r2dR

dr

)

+

[

~2(E − V ) − `(`+ 1)

r2

]

R = 0 (5.59)

que pode ser transformada em[

− ~2

(

d2

dr2+

2

r

d

dr

)

+~

2

`(`+ 1)

r2+ V

]

R = E R

FaçamosR = F/r (5.60)

obter-se-á, simplificando, nomeadamente, atendendo a que(

d2

dr2 + 2rddr

)

Fr = 1

rd2Fdr2 ,

[

− ~2

d2

dr2+

~2

`(`+ 1)

r2+ V

]

F = E F (5.61)

Esta equação tem a mesma forma que a equação do oscilador harmónico mas com umpotencial

~2

`(`+ 1)

r2+ V (5.62)

O primeiro termo corresponde ao potencial centrífugo clássico L2

2mr2 . Note-se que o valorpróprio de L2 (quadrado do momento angular) é L2 = `(` + 1)~2. É este potencial quemantém o electrão afastado do núcleo (Figura 5.3).

Façamos agora, para átomos hidrogenóides (de número atómico Z e com apenas umelectrão) e considerando o caso do estado estacionário, em que a energia é negativa, oupor outras palavras, em que |E| é a energia de ligação:

V = − Ze2

4πε0re E = −|E| (5.63)

e substituamos na equação (5.61). Para maior simplificação, é conveniente ainda tornara equação adimensional, introduzindo um novo parâmetro n, tal que

E = − µe4Z2

32π2ε20~2

1

n2(5.64)

151

Page 172: Química Computacional - Livro completo

E Q U A Ç Ã O R A D IA L

r

V +V(r)c

V(r)

V

Figura 5.3: Potencial de Coulomb, V (r) = − e2

4πε0re soma do potencial de

Coulomb com o potencial centrífugo Vc = L2

2µr2 = `(`+1)~2

2µr2 .

e uma nova variável ξ (csi) definida por

ξ = αr (5.65)

α2 =8µ|E|

~2(5.66)

Chegamos, assim à equação[

d2

dξ2− 1

4+n

ξ− `(`+ 1)

ξ2

]

F = 0 (5.67)

Uma das questões que agora se põe é a de determinar os valores de n para os quais asfunções próprias são fisicamente aceitáveis.

Esta é uma equação conhecida da matemática. É chamada equação hipergeométricaconfluente e pode ser resolvida por vários métodos.

As soluções são do tipo

R =F

r= u(ξ)ξ`e−ξ/2 (5.68)

notando que F = rR, como se postulou em (5.60). Verificamos que u(ξ) tem de satisfazera seguinte equação diferencial:

ξd2u

dξ2+ (2`+ 2 − ξ)

du

dξ+ (n− `− 1)u = 0 (5.69)

Acontece que esta equação, também conhecida da matemática e da física, só tem soluçõessatisfatórias se o termo (n− `− 1) for inteiro e positivo, isto é, se

(n− `− 1) ≥ 0 (5.70)

152

Page 173: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

Uma vez que, como vimos, ` só pode assumir os valores 0, 1, 2, etc., n poderá assumir osvalores 1, 2, 3, ...`+ 1.

Sendo assim, os valores possíveis da energia são dados por

E = − µe4Z2

32π2ε20~2

1

n2com n = 1, 2, 3, ... (5.71)

que são idênticos aos obtidos no âmbito do modelo do átomo de Bohr.

Por sua vez, as funções próprias completas da Equação radial são da forma

Rn`(r) = −√

(n− `− 1)!

2n[(n+ `)!]3

(

2Z

na

)3/2(2

)`

L2`+1n+`

(

2

)

e−ρ/n (5.72)

em que L2`+1n+` são os chamados polinómios associados de Laguerre de grau n− `− 1 e de

ordem 2` + 1, a = 4πε0~2

µe2 e ρ = Zra . Notar que o raio de Bohr é a0 = 4πε0~

2

mee2, ou seja,

tem expressão idêntica em que substituímos a massa reduzida, µ, pela massa do electrãome. Na Tabela 5.2 dão-se explicitamente algumas das funções Rn`(r).

Tabela 5.2: Algumas das funções Rn`(r).

Rn`(r)

n = 1 ` = 0 R1s = 2(

Za

)3/2e−ρ

n = 2 ` = 0 R2s = 12√

2

(

Za

)3/2(2 − ρ)e−ρ/2

` = 1 R2p = 12√

6

(

Za

)3/2ρe−ρ/2

Estão assim obtidos os valores próprios da energia do átomo de hidrogénio, ou melhor,dos átomos hidrogenóides (núcleo de carga +Ze, com apenas um electrão) e as funçõespróprias das equações harmónicas esféricas (expressão (5.57)) e da equação radial (ex-pressão (5.72)).

153

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F U N Ç Õ E S D E O N D A D O S Á T O M O S H ID R O G E N Ó ID ES

5 . 4 FUNÇÕES DE ONDA DOS ÁTOMOS HIDROGE N ÓID E S

As funções de onda completas (ou orbitais) de um átomo hidrogenóide (funções própriasda equação de Schrödinger (5.6) são, como vimos, da forma

ψn`m = Rn`(r)Y`m(θ, φ) (5.73)

Estas funções, de acordo com os requisistos do formalismo (ver Capítulo 3), constituemum conjunto completo de funções ortonormadas, isto é:

〈ψn`m|ψn′`′m′〉 = 〈n`m|n′`′m′〉 =

∫ ∞

0

∫ π

0

∫ 2π

0

ψ∗n`mψn′`′m′r2 sen θ dr dθ dφ =

=

∫ ∞

0

R∗n`(r)Rn′`′(r)

∫ π

0

[∫ 2π

0

Y ∗`m(θ, φ) Y (θ, φ)dφ

]

sen θ dθ

r2 dr =

= δnn′δ``′δmm′

(5.74)

Note-se que o elemento de volume em coordenadas polares esféricas é dτ = r2 sen θ dθ dφ dr.

A energia, que logicamente só depende da distância do electrão ao protão, i.e., de r, vaidepender de um número quântico, n, chamado número quântico principal, e do númeroatómico Z, e a sua expressão é, com já vimos,

En = − µe4Z2

32π2ε20~2

1

n2com n = 1, 2, 3, ... (5.75)

Verifica-se, assim, que Bohr tinha razão ao escrever que as transições observadas para oátomo de hidrogénio eram da forma

νnm = R

(

1

n2− 1

m2

)

(5.76)

(note-se que a constante de Rydberg, em unidades de energia, é RH = hR)

uma vez que as riscas do espectro correspondem a diferenças entre níveis de energia, porexemplo, entre o nível n e o nível m, ∆E = En − Em.

Os outros dois números quânticos são o número quântico orbital ` e o número quânticomagnético m, que correspondem à quantificação do momento angular e portanto sãonúmeros quânticos associados às coordenadas angulares θ e φ.

Os valores de n, ` e m satisfazem as condições:

n = 1, 2, 3, 4, ...

` = 0, 1, 2, 3, ..., n− 1 para cada valor de n

m = −`,−`+ 1, ...,+` para cada valor de `

154

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Á T O M O D E H ID R O G É N IO

Os níveis de energia associados ao número quântico principal n têm os nomes de nívelou camada K, para n = 1; L, para n = 2; M , para n = 3; N , para n = 4; O, paran = 5; etc.

Às orbitais associadas ao número quântico ` dão-se os nomes de s (de sharp), p (deprincipal), d (de diffuse), f (de fundamental) etc., respectivamente para ` = 0, 1, 2, 3, etc.

Assim, por exemplo, quando se diz que o electrão está na orbital 2s, isso significa quea função de onda que o descreve será a que corresponde aos números quânticos n = 2

e ` = 0 (o valor de m será necessariamente m = 0, único possível para ` = 0). Seráportanto ψ2s = ψ200(r, θ, φ).

Note-se que se usou a designação de orbital, em vez de órbita, para significar a região doespaço onde o electrão pode mover-se. Enquanto a órbita clássica é uma trajectória bemdefinida, a orbital da mecânica quântica é uma função de onda, a que se atribui o signifi-cado de uma amplitude de probabilidade — o quadrado do seu módulo é uma densidade deprobabilidade. Assim, a probabilidade de encontrar o electrão num elemento de volumedτ , centrado no ponto de coordenadas r, θ, φ é |ψ(r, θ, φ)|2dτ, (dτ = r2 sen θ dr dθ dφ).

Atendendo a que a forma das harmónicas esféricas é complexa (expressão 5.57) comum termo em eimφ, é conveniente, para efeitos de representação gráfica, ou outros, usarfunções de onda angulares que sejam reais. Uma vez que, como vimos em 3.3.3, qualquercombinação linear de funções próprias degeneradas é uma função própria com o mesmovalor próprio, podemos sempre fazer combinações lineares de pares de funções complexascom o mesmo ` e |m|, nomeadamente Y`m ± Y`−m, para obter funções reais. Como aenergia de um átomo hidrogenóide não depende de m, qualquer combinação linear defunções próprias de H e de L2 (correspondentes aos números quânticos n e `) com m

diferente dará uma função de onda que continua a ser solução da equação de Schrödinger.É claro que a combinação linear não será função própria de outros operadores como, porexemplo, Lz, mas isso não é importante para muitas aplicações.

Assim, atendendo a que e±imφ = cosmφ ± i senmφ, se fizermos a soma eimφ + e−imφ,obtemos eimφ + e−imφ = 2 cosmφ e, se fizermos a diferença, obtemos eimφ − e−imφ =

2i senmφ. Se agora notarmos que x = r sen θ cosφ e que y = r sen θ senφ, concluímosque é lógico chamar npx e npy (n = 2, 3, ...) às combinações lineares do tipo

ψnpx =1√2

(

ψnp+1 + ψnp−1

)

ψnpy =1

i

1√2

(

ψnp+1 − ψnp−1

)

(5.77)

De igual modo, as funções ψ3dxz e ψ3dyz são obtidas como combinações lineares dasfunções ψ3,2,−1 e ψ3,2,1, e as funções ψ3dx2

−y2 e ψ3dxy são obtidas como combinaçõeslineares das funções ψ3,2,−2 e ψ3,2,2.

155

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F U N Ç Õ E S D E O N D A D O S Á T O M O S H ID R O G E N Ó ID ES

Na Tabela 5.3 apresentam-se algumas funções de onda completas dos átomos hidroge-nóides (átomos com um núcleo de número atómico Z e um único electrão), em que7

a0 = 4πε0~2

mee2e ρ = Zr

a0.

Tabela 5.3: Algumas funções de onda dos átomos hidrogenóides (átomos comum núcleo de número atómico Z e um único electrão).

n = 1: camada K ` = 0 m = 0 ψ1s = 1√π

(

Za0

)3/2e−ρ

n = 2: camada L ` = 0 m = 0 ψ2s = 14√

(

Za0

)3/2(2 − ρ) e−ρ/2

` = 1 m = 0 ψ2pz = 14√

(

Za0

)3/2ρe−ρ/2 cos θ

m = ±1 ψ2px = 14√

(

Za0

)3/2ρe−ρ/2 sen θ cosφ

ψ2py = 14√

(

Za0

)3/2ρe−ρ/2 sen θ senφ

n = 3: camada M ` = 0 m = 0 ψ3s = 181

√3π

(

Za0

)3/2(27 − 18ρ+ 2ρ2)e−ρ/3

` = 1 m = 0 ψ3pz =√

281

√π

(

Za0

)3/2(6 − ρ) ρe−ρ/3 cos θ

m = ±1 ψ3px =√

281

√π

(

Za0

)3/2(6 − ρ)ρe−ρ/3 sen θ cos φ

ψ3py =√

281

√π

(

Za0

)3/2(6 − ρ)ρe−ρ/3 sen θ senφ

` = 2 m = 0 ψ3dz2

= 181

√6π

(

Za0

)3/2ρ2e−ρ/3(3 cos2θ − 1)

m = ±1 ψ3dxz =√

281

√π

(

Za0

)3/2ρ2e−ρ/3 sen θ cos θ cos φ

ψ3dyz =√

281

√π

(

Za0

)3/2ρ2e−ρ/3 sen θ cos θ senφ

m = ±2 ψ3dx2

−y2= 1

81√

(

Za0

)3/2ρ2e−ρ/3 sen2θ cos 2φ

ψ3dxy = 181

√2π

(

Za0

)3/2ρ2e−ρ/3 sen2θ sen 2φ

Na Figura 5.4 representam-se as funções ψ1s, ψ2s e ψ2p (e.g., 2pz na direcção z) em funçãode r para o átomo de hidrogénio.

7Notar que se definiu a constante a = 4πε0~2

µe2, que difere do raio de Bohr, pelo uso da massa reduzida,

µ, em vez da massa do electrão em repouso, me. De facto, a0 ≈ a.

156

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Á T O M O D E H ID R O G É N IO

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

- 0,11 2 3 4 5 6 7 8 9 10

y(r)

2s

1s

2p

r

Figura 5.4: Funções 1s, 2s e 2p (e.g., 2pz na direcção z) em função de r

para o átomo de hidrogénio, em unidades atómicas, para as quais a0 = 1 (verApêndice A7).

Na Figura 5.5 representam-se as funções de distribuição radial P1s = 4πr2|ψ1s|2 ,P2s = 4πr2|ψ2s|2 e P2p = 4πr2|ψ2p|2 que definem a probabilidade de encontrar o electrãoa uma distância r do núcleo para os estados 1s, 2s e 2p, respectivamente. Note-se que,para o estado 1s, a distância à qual é mais provável encontrar o electrão é o raio deBohr, a0.

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

- 0,11 2 3 4 5 6 7 8 9 10

2s

1s

2p

r

P = 4pr |y(r)|2 2

Figura 5.5: Funções de distribuição radial P1s = 4πr2|ψ1s|2, P2s = 4πr2|ψ2s|2e P2p = 4πr2|ψ2p|2 que definem a probabilidade de encontrar o electrão a umadistância r do núcleo para os estados 1s, 2s e 2p, respectivamente. Note-se omáximo de P1s para r = 1 unidade atómica, u.a. (ou seja a0). O factor 4πr2

vem da integração em θ e φ.

157

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F U N Ç Õ E S D E O N D A D O S Á T O M O S H ID R O G E N Ó ID ES

Nas Figuras 5.6 e 5.7 representam-se esquematicamente as formas (contornos) das orbitais1s, 2s, 2p e 3d do átomo de hidrogénio. Nestas figuras evidencia-se que a distribuição daprobabilidade de encontrar o electrão é direccional, isto é, depende da direcção do espaço.

x

y

z

x

y

zz

x

y

z

x

y

z

x

y

z

++

+

2p 2p 2px yz

1s 2s

Figura 5.6: Forma (contornos) das orbitais 1s, 2s, 2px, 2py, e 2pz do átomode hidrogénio. Nestas figuras evidencia-se que a distribuição da probabilidadede encontrar o electrão é direccional, isto é, depende da direcção do espaço.Note-se que na orbital 2s há um nodo, para r = 2 assinalado a tracejado, e deacordo com a Figura 5.4.

x

y

z

y

z

x

y

z

x

y

z

x

y

z

x

3dx −y2 23dz 2

3dxy 3dxz 3dyz

+

+

++

+

+

+

+

+

+

Figura 5.7: Forma das orbitais dz2 , dx2−y2 , dxy, dxz e dyz do átomo de hidro-génio.

158

Page 179: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

Note-se que, tal como no caso das orbitais p, as funções ψdx2−y2 , ψdxy , ψdyz , ψdxz são

combinações lineares das funções ψ3,2,−2, ψ3,2,−1, ψ3,2,1 e ψ3,2,2.

WebSites onde se podem ver orbitais:http://www.shef.ac.uk/chemistry/orbitron/admin/references.htmlhttp://antoine.frostburg.edu/chem/senese/101/electrons/faq/f-orbital-shapes.shtmlhttp://www.humboldt.edu/∼chem_dpt/resources/C109_AOSup_fs.htm

5 . 5 MOMENTOS MAGNÉTIC OS ORBITA L E DE SPIN

Um electrão que se move numa órbita circular deve ter um momento magnético geradopela carga eléctrica em movimento. O momento angular clássico é L = mev × r; (v é avelocidade do electrão e r o raio da órbita).

O momento magnético (Figura 5.8) é o produto da corrente eléctrica, i = − e2πrv, asso-

ciada ao movimento do electrão, pela área da órbita, πr2, ou seja,

µ = −ev × r

2= − e

2meL (5.78)

L

r

v

µ

Figura 5.8: Momento angular e momento magnético do electrão no átomo dehidrogénio.

Em mecânica quântica, a expressão é idêntica mas os vectores devem ser substituídospor operadores. Em princípio, os valores do momento magnético orbital serão dados pelaexpressão (5.78), em que o vector L é substituído pelo operador do momento angularL. Isto é, se aplicarmos um campo magnético numa direcção, a que convencionamoschamar direcção z, ele vai interactuar com o momento magnético do electrão do átomo,e este pode ser medido. Os valores expectáveis devem ser discretos e satisfazer a equação(5.78), com L substituído pelos valores próprios de Lz da forma m~ (m = 0,±1, ...,±`).

No entanto, ...

159

Page 180: Química Computacional - Livro completo

M O M E N T O S M A G N É T IC O S O R B IT A L E D E SPIN

5.5.1 A Famosa Experiência de Stern e Gerlach

A primeira experiência para testar se o momento angular de um átomo neutro individualera quantizado, num campo magnético, foi realizada por Stern e Gerlach no início dosanos 20 do século passado8. Usaram átomos de prata (produzidos por um fio de prataaquecido), que fizeram passar através de um orifício, até serem projectados num alvo,por acção de vácuo. Na sua trajectória, o feixe era sujeito a um gradiente de campomagnético numa direcção, que convencionamos ser a do eixo z. A experiência foi assimplaneada, uma vez que a força que actua sobre um momento magnético é da formaF = µ∂B∂z (supondo o campo magnético B na direcção z).

Se o momento angular não fosse quantizado (comportamento clássico), deveria ser obser-vada, no alvo, uma mancha contínua na direcção z. O comprimento da mancha deveriapermitir a medição do momento magnético. No entanto, como esperavam, observaramduas manchas separadas, concluindo que o momento magnético, e consequentemente omomento angular, era, de facto, quantizado (ver Figura 5.9).

N

S

N

S

N

S

dB/dz

N

S

dB/dz

N

S

dB/dz

Alvo

Alvo

Feixe

Feixe

Feixe

a)

b)

c)

Alvo

dB/dy

N

S

Figura 5.9: Experiência de Stern e Gerlach. a) Um feixe de átomos de prataé submetido a um gradiente de campo magnético, separando-se em dois. b) Seaplicar novo gradiente de campo magnético com a mesma direcção a cada um dosnovos feixes, nada acontece. c) Se o novo gradiente de campo for perpendicularao primeiro, observa-se novo desdobramento.

8O. Stern and W. Gerlach, Z. Phys. 8, 110 (1921); W. Gerlach, und O. Stern, Z. Phys. 9, 349 (1922).

160

Page 181: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H ID R O G É N IO

Entusiasmado com os resultados, Walter Gerlach apressou-se a comunicar a Niels Bohr,enviando-lhe um postal, na parte de trás do qual colou os resultados da experiência(obtidos na ausência e na presença de campo magnético, para comparação). A mensagem(em alemão) dizia assim9:

“Meu Estimado Sr. Bohr, junto os resultados da continuação do nosso trabalho (videZeitschr. f. Phys. 8, 110 (1921)): a prova experimental da quantização direccional.Damos-lhe os parabéns pela confirmação da sua teoria! Com respeitosos cumprimentos.Seu muito humilde Walter Gerlach”.

Outras variantes da experiência permitem uma melhor análise dos resultados:

— Se fizer passar qualquer dos feixes produzidos na experiência (Figura 5.9.a) por umnovo gradiente de campo com a mesma direcção (Figura 5.9.b), não se verifica novodesdobramento.

— Se fizer passar um dos feixes produzidos na experiência a) por um novo gradiente decampo com uma direcção perpendicular ao primeiro (e.g.: na direcção y, Figura 5.9.c),verifica-se novo desdobramento.

A interpretação dos resultados estava, no entanto, errada! De facto, na teoria quânticado momento angular orbital, um momento angular correspondente ao número quântico `daria origem a 2`+1 orientações possíveis, isto é, a 2`+1 manchas (um número impar!).Nunca duas! Para que fossem observadas duas manchas, seria necessário que ` fosse 1/2contrariamente à condição que implica que ` seja inteiro. Por outro lado, no caso deátomos como a prata (todas as camadas preenchidas mais um electrão numa orbital se, portanto, com momento angular orbital nulo, ` = 0), o feixe não deveria apresentarqualquer desvio devido ao gradiente do campo magnético.

Nestas circunstâncias era necessário abandonar a hipótese de que o momento angularobservado era devido ao momento angular do electrão no seu movimento em torno donúcleo. A alternativa seria admitir que o electrão teria um momento angular intrínseco,eventualmente associado a um movimento de rotação em torno de si próprio. Mesmoassim, os resultados experimentais implicavam a existência de números quânticos frac-cionários (1/2 para o electrão).

5.5.2 SPIN do Electrão

Se admitirmos que o electrão (de carga −e) tem um movimento de rotação em torno de sipróprio, haverá um momento angular intrínseco (spin), e respectivo momento magnético,

9Citado de A. P. French and Edwin F. Taylor, An Introduction to Quantum Physics.

161

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M O M E N T O S M A G N É T IC O S O R B IT A L E D E SPIN

que deveria ser dado por uma expressão idêntica a (5.78). No entanto, pelo argumentofinal do número anterior, os valores próprios da componente em z do momento angularintrínseco, Sz, só poderão ser ±1/2. Surge assim a necessidade de postular um novo nú-mero quântico — o número quântico de spin, ms, que no caso do electrão pode assumiros valores ± 1/2. Por analogia com o momento angular, Uhlenbeck e Goudsmit10 pos-tularam em 1925 (enquanto ainda eram estudantes de pós-graduação) um novo númeroquântico, s (equivalente a `, cujo valor para o electrão é s = 1/2), e naturalmente osnúmeros quânticos ms = ±1/2 (equivalentes a m = −`, ...,+`).

Por analogia com o momento angular, postulam-se as seguintes equações de valorespróprios:

S2 ψspin = s(s+ 1)~2 ψspin (5.79)

Sz ψspin = ms~ ψspin (5.80)

em que ψspin será a função própria de spin.

Pauli postulou ainda as seguintes matrizes (chamadas matrizes de Pauli), que represen-tam os operadores de spin:

σx =

(

0 1

1 0

)

; σy =

(

0 −io 0

)

; σz =

(

1 0

0 −1

)

(5.81)

cuja base vectorial são os vectores próprios α e β tais que

Sz α =1

2~ α

Sz β = −1

2~ β

(5.82)

Em notação matricial, na base α, β:

α =

(

1

0

)

; β =

(

0

1

)

(5.83)

Em resumo:Um electrão num átomo deve ser descrito pelos seguintes números quânticos:n, `,m, s,ms

n ≡ número quântico principal` ≡ número quântico orbitalm ≡ número quântico magnéticos ≡ número quântico de spin = 1/2

ms ≡ número quântico de spin (componente em z) = ±1/2

10G. E. Uhlenbeck and S. Goudsmit, Naturwiss, 13, 953 (1925); Nature 117, 264 (1926).

162

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Á T O M O D E H ID R O G É N IO

O momento magnético devido ao momento angular orbital é, como vimos

µz = − e

2meLz ⇒ µz = − e

2mem`~ = −m`µB (5.84)

em que µB é o magnetão de Bohr, que tem o valor µB = e~2me

= 9, 27 × 10−24 J T−1

(joule por tesla); m` é, naturalmente, o número quântico magnético (m` = 0,±1, ..., `).

Por sua vez, o momento magnético devido ao spin é, para um electrão,

µs = − e

meSz ⇒ µs = − e

mems~ = −gsmsµB (5.85)

em que g tem agora o valor11 g = 2, sendo ms = 1/2.

11O valor previsto pela teoria de Dirac é exactamente g = 2. Os desenvolvimentos experimentais e teóricosmais recentes propõem o valor g = 2, 00231911 ± 0, 00000006. A precisão com que este valor pode sercalculado é considerada um dos grandes êxitos da mecânica quântica.

163

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C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 5

5A SPIN E S IMETR I A DAS FUNÇÕES DE ONDA .PARTÍCU L A S IDÊNTIC AS

Na mecânica quântica não relativista, o spin tem de ser postulado. Só na resolução daequação de onda relativista — equação de Dirac — o spin surge como resultado da neces-sidade de introduzir um novo grau de liberdade intrínseco para o electrão. O facto de ospin de algumas partículas poder ser semi-inteiro (e o de outras ser inteiro) tem impli-cações importantes sobre a simetria das funções de onda e sobre o tipo de estatística queas partículas seguem. Assim, para as partículas com spin semi-inteiro (s = 1/2, 3/2, ...),como os electrões (s = 1/2), as funções de onda são anti-simétricas, isto é, mudam desinal quando se permutam duas partículas, ou seja:

ψ(x1,x2) = −ψ(x2,x1) (5A.1)

em que ψ(x1,x2) é a função de onda de um sistema de 2 partículas, sendo x1 o conjuntodas coordenadas de espaço e de spin da partícula que convencionei designar por partícula1, e x2, o conjunto das coordenadas de espaço e de spin da partícula 2. De facto, podemosdefinir funções ψ(x) como produtos de funções de onda espaciais ψ(r) pelas componentesde spin σ(ω) = α ou β, da forma ψ(x) = ψ(r)σ(ω).

No segundo membro de (5A.1), as partículas foram trocadas, isto é, a partícula, inicial-mente designada por 1 ocupa as coordenadas da partícula inicialmente designada por 2.Este comportamento da função de onda é equivalente ao princípio de exclusão de Pauli(para electrões), segundo o qual (em qualquer sistema, como um átomo ou molécula),dois electrões não podem ocupar o mesmo estado (incluindo o spin). Diz-se que seguema estatística de Fermi-Dirac, ou que são fermiões.

Para partículas de spin inteiro (e.g., fotões), as funções de onda são simétricas, isto é,não mudam de sinal quando se permutam as partículas, ψ(x1,x2) = ψ(x2,x1). Diz-seque seguem a estatística de Bose-Einstein, ou que são bosões .

Tentemos explicar a relação entre spin e simetria das funções de onda, através de ummodelo simples.

Se admitirmos, por hipótese, que o spin é uma espécie de momento angular que pode assu-mir valores semi-inteiros (1/2, 3/2, ...), podemos também admitir que as funções própriasde spin são, a menos de um factor de normação, da forma

ψspin = Φms(φ) = eimsφ com ms = ±1/2,±3/2, ...,±s (5A.2)

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SPIN E S IM E T R IA D A S F U N Ç Õ E S D E O N D A . PA R T ÍC U L AS

ID Ê N T IC A S

Estas funções, se existissem1, teriam propriedades estranhas, como se pode ver, substi-tuindo ms por 1/2, ou qualquer outro semi-inteiro, em (5A.2). Façamos, por exemplo,

ψspin(φ+ 2π) = ei(φ+2π)/2 = eiφ/2eiπ = −ψspin(φ) (5A.3)

Isto significa que uma rotação de 2π (isto é, de 360o) muda o sinal da função de onda.Será necessária uma rotação de 4π (2 voltas completas) para que o “objecto” apresentea mesma função de onda. Um “objecto” que precisa de ser rodado de 4π para voltar aoestado inicial é aparentemente um “objecto” estranho! É, no entanto, possível conceber“objectos”, com esta propriedade. Dirac demonstrou2 que fazer uma rotação completa de360o é distinto de “não fazer nada”. De facto, é fazer duas rotações completas de 360o oque é equivalente a “não fazer nada” ! Experimente. Coloque um copo, com uma marcavirada para frente, em pé, na sua mão direita, com o braço estendido para baixo. Façao movimento da mão em torno do braço, de modo a rodar o copo no sentido inverso aodos ponteiros do relógio, até ver de novo a marca. Note que o copo rodou de 360o, maso seu braço ficou todo torcido. Precisa de continuar o movimento do braço e da mão,dando a volta por cima da cabeça, de modo a rodar o copo de mais 360o, até estar tudocomo no princípio.

A regra sobre a relação entre o tipo de estatística e o spin pode ser formulada como sesegue:

“O efeito da troca de duas partículas sobre a função de onda é o mesmo que o efeito derodar o referencial de uma delas relativamente ao da outra, de 360o”

Para verificar que esta afirmação é verdadeira, imagine3 dois objectos A e B nas extremi-dades de uma fita, Figura 5A.1. Pode verificar-se que os dois referenciais rodam de 360o

relativamente um ao outro quando se trocam as posições dos objectos A e B movendo-osparalelamente a si próprios. A troca dos objectos é equivalente a uma rotação de 360o,dos referenciais.

Uma vez que a permuta (troca) de duas partículas implica uma rotação de 360o doreferencial de uma delas relativamente ao da outra, há razão para esperar um factor defase −1 na função de onda, originado pela rotação dos referenciais quando se trocamduas partículas de spin 1/2.

Se o spin for inteiro, o problema não se põe, uma vez que ψspin(φ + 2π) = ψspin(φ) (ms

inteiro).

1Porque a existência de tais funções não é trivial, designam-se por α e β as funções de spin (±1/2,respectivamente), que não têm representação analítica.2R. Penrose and W. Rindler (1984); Spinors and Space-Time, vol. 1, pag. 43, Cambridge U. Press.3Ideia de David Finkelstein.

166

Page 187: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 5

x‘

y‘

x

y

AB

Figura 5A.1: Permuta de dois objectos nas extremidades de uma fita. In-icialmente, A e o seu referencial estão para a frente. Depois de rodar de 360o oreferencial de B, B passa para a frente.

Tentemos agora explicar a relação entre a simetria da função de onda e o tipo de esta-tística.

Suponhamos então que, num dado sistema e num dado instante, há duas partículasde coordenadas de espaço e spin x′

1 e x′2 (ver Figura 5A.2). Algum tempo depois, as

partículas são observadas nas coordenadas x1 e x2. No entanto, uma vez que as partículassão indiscerníveis e não podemos seguir as suas trajectórias, não sabemos qual delas foiencontrada em x1 e qual em x2.

x‘1

x1

x‘1

x1 x1

x‘1

x‘2

x2

x‘2

x2

x‘2

x2

a) b) c)

Figura 5A.2: Partículas idênticas na teoria quântica. a) Num dado instantehá duas partículas nas coordenadas x′

1 e x′2. Algum tempo depois, são obser-

vadas nas coordenadas x1 e x2. b) e c) No entanto, uma vez que as partículassão indiscerníveis não sabemos qual o percurso de cada partícula e, consequen-temente, qual das partículas foi encontrada em x1 e qual em x2.

O estado do sistema das duas partículas tanto pode ser descrito por ψ(x1,x2) comopor ψ(x2,x1), estando ψ(x2,x1) relacionado com ψ(x1,x2) através de um operador de

167

Page 188: Química Computacional - Livro completo

SPIN E S IM E T R IA D A S F U N Ç Õ E S D E O N D A . PA R T ÍC U L AS

ID Ê N T IC A S

permuta, P1,2, tal queP1,2ψ(x1,x2) = ψ(x2,x1) (5A.4)

Mas uma vez que o sistema após a permuta é idêntico (ou melhor, indiscernível), teráde ser descrito por uma função de onda que só pode diferir por um factor constante, c,eventualmente complexo (como se viu no Capítulo 3):

P1,2ψ(x1,x2) = ψ(x2,x1) = c ψ(x1,x2)

Aplicando novamente o operador de permuta, deveremos voltar à situação inicial:

P 21,2ψ(x1,x2) = c2ψ(x1,x2) = ψ(x1,x2) (5A.5)

pelo que c2 = 1, ou c = ±1, ou seja

ψ(x2,x1) = ± ψ(x1,x2) (5A.6)

isto é, a função de onda, quando muito, muda de sinal quando se permutam duas par-tículas. Do que se disse antes, as funções de onda das partículas de spin semi-inteiromudam de sinal, e as de spin inteiro, não.

Uma vez que as partículas podem estar ou não trocadas, o sistema só pode ser correctae completamente descrito por uma combinação linear do tipo

Ψ (1, 2) =1√2

[ψ (x1,x2) ± ψ (x2,x1)] (5A.7)

em que o sinal menos se aplica a partículas de spin semi-inteiro e o sinal mais, a partículasde spin inteiro. De facto, quando o sinal é menos, (5A.7) satisfaz a condição (5A.1).

Consideremos então dois electrões (spin 1/2) supostos, a priori, independentes. De acordocom a secção 3.3.6, a função de onda total poderia ser escrita como o produto (tensorial)simples

ψ (x1,x2) = χa (x1)χb(x2) (5A.8)

em que χa(x1) significa que a partícula de coordenadas x1 está no estado χa e χb(x2)

significa que a partícula de coordenadas x2 está no estado χb.

No entanto, como as partículas são indiscerníveis, devemos usar uma função de onda dotipo (5A.7)

Ψ(1, 2) =1√2

[χa (x1)χb(x2) ± χa(x2)χb (x1)] =

=1√2

[χa (x1)χb (x2) ± χb (x1)χa(x2)]

(5A.9)

168

Page 189: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 5

devendo o sinal menos ser usado para partículas de spin semi-inteiro, e o sinal mais parapartículas de spin inteiro.

Vejamos o que acontece quando se supõem as duas partículas no mesmo estado, ou seja,χb = χa. Será

Ψ(1, 2) =1√2

[χa (x1)χa(x2) ± χa(x2)χa (x1)] =

=1√2

[χa (x1)χa(x2) ± χa (x1)χa(x2)]

(5A.10)

que é nula para o sinal menos e não nula para o sinal mais.

O facto de Ψ(1, 2) ser nula significa que o estado não existe. Logo duas partículasde spin semi-inteiro, como os electrões, não podem ocupar o mesmo estado (funçãodas coordenadas de espaço e spin). É o princípio de exclusão de Pauli!, que implica aestatística de Fermi-Dirac!

Se o spin for inteiro, pode haver duas ou mais partículas no mesmo estado. Este é ocomportamento correspondente à estatística de Bose-Einstein. Deve concluir-se, tam-bém, que um sistema de duas ou mais partículas deve ser descrito, não por um produto(tensorial) simples, como (5A.8), mas sim por uma combinação linear de todas as permu-tações possíveis de pares de partículas. Se as partículas tiverem spin semi-inteiro, cadapermutação de um par de partículas muda o sinal da função de onda. Um sistema dedois electrões deve portanto ser representado por uma função de onda do tipo:

Ψ(1, 2) =1√2

[χa (x1)χb(x2) − χa (x2)χb (x1) ] =

=1√2

[χa (x1)χb(x2) − χb (x1)χa(x2)]

(5A.11)

em que χa e χb são duas funções de onda diferentes, nas coordenadas de espaço e spin.

É curioso notar que, de acordo com o que se disse em 3.3.9 e 3.6.4, num sistema com maisdo que uma partícula, independentemente de quaisquer interacções (de natureza clássica)entre elas, as partículas estão correlacionadas (entrelaçadas), em consequência de seremidênticas, o que se traduz formalmente pelo facto de que a função de onda global não éum produto (tensorial) simples.

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Page 190: Química Computacional - Livro completo

PR O B L E M A S

5B PROBLE MA S

1. Os valores expectáveis de várias potências de r para orbitais de átomos hidrogenói-des, 〈rk〉, podem ser calculados por expressões da forma:

〈r〉 =n2a0

Z

[

3

2− ` (`+ 1)

2n2

]

〈r−1〉 =Z

a0n2

a) Calcular 〈r〉 para as orbitais 1s, 3s, 3p e 3d, do átomo de hidrogénio.

b) No caso da orbital 1s, confirmar o resultado com o cálculo do respectivo integral.

c) Calcular a energia potencial média do electrão para o estado de números quân-ticos n, `,m.

d) Calcular a velocidade média do electrão nos estados 1s, 3s, 3p e 3d, em km/h.

2. Considere a função de onda para a orbital 2px de um átomo hidrogenóide.

a) Calcule o valor de 〈r〉 usando a parte radial da orbital 2px e compare-o com oobtido pela expressão

〈r〉 =n2a0

Z

[

3

2− ` (`+ 1)

2n2

]

b) Calcule a energia potencial média do electrão para o estado correspondente àorbital 2p.

c) Sabendo que a energia total do electrão é a soma da sua energia cinética médiacom a sua energia potencial média, e que a energia total é 1/2 da energia poten-cial média (teorema de virial), isto é, E = 〈T 〉 + 〈V 〉 = 1

2 〈V 〉, calcule a energiacinética média e a velocidade média de um electrão na orbital 2px.

d) Sabendo que a função radial para n = 2 e ` = 1 é R2,1 = 12√

6

(

Za

)3/2ρe−ρ/2,

com ρ = Zr/a, deduza expressões reais para as orbitais 2px e 2py. Sem calcularintegrais, verifique se os factores de normação estão correctos.

3. Considere os estados de um átomo hidrogenóide correspondente às orbitais 2p.

a) Qual ou quais os valores possíveis do módulo do momento angular orbital?

b) Qual ou quais os valores possíveis da componente em z do momento angularorbital?

c) Explique como é que é possível que para qualquer |L| diferente de zero, nuncapossa ser < Lz >= |L|.

170

Page 191: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 5

d) Calcule o efeito do operador L+ = Lx+ iLy sobre os vectores de estado |3, 2, 1〉,|3, 2, 2〉 e |3, 2,−2〉. Justifique, determinando o valor próprio λ na equaçãoLzL

+|`m〉 = λL+|`m〉.

4. Considere o átomo de boro [1s22s22p].

a) Em qual das orbitais p estará o electrão desemparelhado, na px, na py ou na pz?Explique.

b) Mostre que, se o electrão estiver numa combinação linear das três orbitaisp (px, py, pz ou p1, p0, p−1), a probabilidade de distribuição electrónica (parauma direcção arbitrária), P (r), é independente de θ e φ (tem simetria esférica),com o valor

P (r) =(

ψ22px

+ ψ22py

+ ψ22pz

)

=1

32π

(

Z

a

)3

ρ2e−ρ

com

ρ = Zr/a; a =4πε0~

2

µe2

Note que cos2θ + sen2θ cos2φ+ sen2θ sen2φ = cos2θ + sen2θ(cos2φ+ sen2φ) = 1.

c) Determine o valor (numérico) de r, para o qual a probabilidade P (r) é máxima.

5. Tratando o núcleo como se tivesse massa infinita, o hamiltoniano para o átomo dehidrogénio é

H = − ~2

2me∇2 − e2

4πε0r(5B.1)

em que ∇2 é o laplaciano.

Se se definir a0 = 4πε0~2

mee2e Eh = e2

4πε0a0, podemos escrever o hamiltoniano como

H

Eh= −1

2∇′2 − 1

r′(5B.2)

sendo ∇′2 e r′ expressos nas coordenadas reduzidas x/a0, y/a0 e z/a0, ou seja,

∇′2 =∂2

∂x′2+

∂2

∂y′2+

∂2

∂z′2= a2

0∇2 (5B.3)

r′ = r/a0 (5B.4)

[O sistema de unidades atómicas (ver Apêndice A7), no qual a unidade de com-primento é a0 (o bohr) e a unidade de energia é Eh (o hartree), é o sistema deunidades adequado para usar no cálculo computacional de estruturas electrónicasde átomos e moléculas].

171

Page 192: Química Computacional - Livro completo

PR O B L E M A S

a) Mostre que, de facto, se obtém a expressão (5B.1) substituindo (5B.3) e (5B.4),e as expressões de a0 e Eh em (5B.2).

Responda às alíneas seguintes usando unidades atómicas.

b) Mostre que a função de onda

ψ1s =

1

πe−r

é a função própria da equação de Schrödinger para o átomo de hidrogénio. Qualé o valor próprio da energia em hartree

c) Mostre que a função ψ1s =√

1π e

−r é normada.

d) Determine a expressão da probabilidade de encontrar o electrão 1s numa coroaesférica de raio r e espessura dr e mostre que a distância mais provável doelectrão ao núcleo é 1 borh.

e) Calcule os valores expectáveis da energia potencial, 〈V 〉 = 〈−1/r〉, e da energiacinética, 〈T 〉 = 〈H〉 − 〈V 〉, de um electrão 1s e confirme que satisfaz o teoremade virial 〈T 〉 = −(1/2)〈V 〉.

172

Page 193: Química Computacional - Livro completo

6M É T O D O S A P R O X I M A D O S D E R E S O L U Ç Ã O D A

E Q U A Ç Ã O D E S C H R Ö D I N G E R

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M É T O D O S A PR O X IM A D O S D E R E S O L U Ç Ã O D A E Q U A Ç Ã O D E

S C H R Ö D IN G ER

6 . 1 MÉTODO VARIAC IO N AL

Alguns dos mais poderosos métodos de cálculo em química quântica baseiam-se no prin-cípio variacional, que pode enunciar-se através do teorema seguinte:

Teorema: Consideremos um sistema descrito pelo hamiltoniano completo H e uma qual-quer função de onda, ψarb, arbitrária que satisfaz as necessárias condições aos limitesassociadas com o problema de interesse. Verifica-se que

W [ψarb] ≡ 〈ψarb|H |ψarb〉〈ψarb|ψarb〉

=

ψ∗arbHψarbdτ

ψ∗arbψarbdτ

≥ E0 (6.1)

em que W [ψarb] é o funcional1 de ψarb definido em (6.1) e E0 é a verdadeira energia doestado fundamental do sistema, tal que Hψ0 = E0ψ0.

Demonstração: Admitamos que são conhecidas as funções próprias do hamiltoniano, ψi,tais que

H ψi = Ei ψi (6.2)

que como se sabe constituem uma base ψi na qual se pode expandir qualquer funçãode onda correspondente ao mesmo domínio e condições aos limites.

Seja entãoψarb =

i

ciψi (6.3)

Substituindo (6.3) em (6.1) obtemos a equação

W [ψarb] =

i

k

c∗i ck〈ψi|H |ψk〉∑

i

k

c∗i ck〈ψi|ψk〉=

i

k

c∗i ckEkδik∑

i

k

c∗i ckδik=

i

c∗i ciEi∑

i

c∗i ci≥ E0 (6.4)

Subtraindo E0, energia do estado fundamental, em ambos os membros, obtemos

W [ψarb] − E0 =

i

c∗i ci(Ei − E0)

i

c∗i ci> 0 (6.5)

Uma vez que qualquer dos Ei é maior, ou quando muito igual a E0, (porque E0 é oestado fundamental), e que os coeficientes c∗i ci são positivos ou nulos, o lado direito daequação é positivo ou, quando muito, nulo. Ou seja,

W [ψarb] > E0 (6.6)

1Dá-se uma definição de funcional por comparação com a noção de função. Numa função y = f(x), acada valor de x corresponde um valor de y. Num funcional w = F [f(x)], a cada função f(x) corresponde

um valor de w. Um exemplo simples é o integral definido F [f(x)] =b∫

af(x)dx. A especificação da função

f(x) produz um número definido em termos das constantes a e b.

175

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M É T O D O V A R IA C IO N A L

como queríamos demonstrar. A igualdade é satisfeita quando ψarb for a função própriade H para o estado fundamental, isto é, se ψarb = ψ0, então W [ψ0] ≡ 〈ψ0|H|ψ0〉

〈ψ0|ψ0〉 = E0

De acordo com (6.1), o valor expectável da energia do sistema descrito por qualquerfunção de onda aproximada ψarb excede sempre o valor próprio mais baixo desse ha-miltoniano. Este princípio pode assim ser usado para obter soluções aproximadas daequação de Schrödinger quando não é possível obter soluções exactas. No método varia-cional (baseado no respectivo princípio), devem ser ensaiadas funções de onda conside-radas aceitáveis, com parâmetros ajustáveis, fazendo variar esses parâmetros de modo aminimizar W [ψarb]. É claro que deve haver bom senso na escolha, quer do tipo de funçãode onda quer da natureza e do número de parâmetros ajustáveis.

De um modo geral, se escolhermos um conjunto de N funções com um conjunto de parâ-metros ajustáveis λ (que em 6.3, podem corresponder aos ci), ψarb1

(λ), ψarb2(λ), ψarb3

(λ),

..., ψarbk(λ), ..., ψarbN

(λ) e calcularmos os valores W1[ψarb1(λ)], W2[ψarb2

(λ)],W3[ψarb3

(λ)], ...,Wk[ψarbk(λ)], ...,WN [ψarbN

(λ)] correspondentes, então cada um dos valores deW é maior do que a energia E0. O menor deles é o mais próximo de E0. Podemosescolher um conjunto de funções ψarb1 , ψarb2 , ψarb3 , ..., ψarbk

, ..., ψarbN que apenas difi-ram umas das outras através de um número pequeno de parâmetros. Se minimizarmoso funcional W [ψarb] relativamente a esses parâmetros, obteremos a melhor aproximaçãopara E0 admitida pela forma da função ψarb (Figura 6.1).

W(l)

l 0 l

W t E0

Figura 6.1: O teorema variacional permite obter soluções aproximadas daequação de Schrödinger, para o estado fundamental, minimizando W relativa-mente aos parâmetros λ.

Note-se que o princípio variacional, tal como enunciado, se aplica apenas à energia e nãoa quaisquer outras observáveis. É, no entanto possível aplicar critérios variacionais aoutros operadores2. Sucede também que, nem sempre a melhoria dos valores da energiapor aplicação do método a diversos tipos de funções é acompanhada da optimização dosvalores de outras observáveis. Um exemplo é a aplicação do método de Hartree-Fock ao

2Para uma análise mais profunda e aplicações do princípio variacional a outros operadores, sugere-sea consulta da Secção 4.5 da excelente obra de Per-Olof Lövdin, citada na bibliografia recomendada noprefácio.

176

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M É T O D O S A PR O X IM A D O S D E R E S O L U Ç Ã O D A E Q U A Ç Ã O D E

S C H R Ö D IN G ER

cálculo de orbitais moleculares, que veremos no Capítulo 7, em que as funções de ondaque permitem obter os melhores valores da energia pelo aumento da complexidade dasfunções de onda, implicam maus valores para os momentos dipolares. Algumas destasdificuldades podem ser ultrapassadas no método variacional constrangido3 (constrainedvariational method), no qual se introduzem restrições adicionais que consistem em exi-gir, simultaneamente, que os valores médios de outras observáveis se situem dentro deintervalos estipulados.

O método variacional contém ainda outra limitação importante, na medida em que sópermite obter aproximações da energia e das funções de onda para o estado de menorenergia (estado fundamental). Veremos em 6.1.2, como se pode estender o método aestados excitados. Agora vamos aplicá-lo a funções de onda expressas como combinaçõeslineares de outras funções (de uma dada base).

6.1.1 Aplicação a Funções Expressas como Combinações Lineares deOutras Funções. Minimização da Energia pelo Método dos Mul-tiplicadores de Lagrange

O problema da minimização da energia (pelo método variacional) consiste em encon-trar o mínimo do funcional W [ψ], sendo ψ uma combinação linear, ψ =

i

ciφi, cujos

coeficientes ci são os parâmetros variacionais.

Poderia, em princípio calcular-se o mínimo de W [ψ(ci)] fazendo ∂W/∂ci = 0. Esseprocedimento não é, no entanto, formalmente correcto, na medida em que, quando seintroduz uma variação elementar em ψ altera-se não só 〈ψ|H |ψ〉, mas também 〈ψ|ψ〉, que,segundo a condição de normação, deve ser mantido sempre 〈ψ|ψ〉 = 1. Assim, o problemadeve ser colocado do seguinte modo: minimizar 〈ψ|H |ψ〉 com o constrangimento de semanter sempre 〈ψ|ψ〉 = 1.

O método dos multiplicadores de Lagrange é um método poderoso para minimizar oumaximizar uma função sujeita a condições. Uma maneira de visualizar a questão éatravés do chamado problema da pastora (milkmaid problem), que se pode descrevercomo se segue. A pastora quer ir ter com o namorado, mas primeiro tem de ir ao campoordenhar a vaca. Em dada altura está no ponto M , avista a vaca no ponto C mas temde ir primeiro ao rio lavar a vasilha do leite. O rio é a curva g(x, y) = 0. O problemaconsiste em encontrar o caminho mais curto, para ir de M a C, passando no ponto do rioa que corresponde o menor trajecto. Em termos matemáticos, a pastora quer encontraro ponto P para o qual a distância MP + PC é mínima (por hipótese, o terreno é plano

3A. Mukherji e M. Karplus, J. Chem. Phys. 38,44, 1963.

177

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M É T O D O V A R IA C IO N A L

e o rio é acessível em todo o seu percurso). Formalmente, é preciso minimizar a função

f(P ) = MP + PC (6.7)

com a condição de P estar sobre a curva g(x, y) = 0, ou seja

g(P ) = 0 (6.8)

É fácil ver qual é a solução, fazendo uma representação gráfica, Figura 6.2. Desenhemoselipses com os focos em M e C. Sabemos que a soma das distâncias de cada foco a umponto da elipse é constante. Se considerarmos a elipse que toca tangencialmente a curvag(x, y) = 0, no ponto P , temos a solução: MP + PC é mínima para o ponto P em queuma das elipses é tangente à curva, ou seja, o ponto por onde passa a normal comumà elipse e à curva. Ora sabe-se do cálculo diferencial que, a menos de uma constante, anormal à curva sobre a qual uma dada função f é constante é dada pelo gradiente dessafunção, i.e.,

n = grad[f(P )]

Neste caso, há duas funções com a mesma normal:

grad[f(P )] = λ grad[g(P )]

em que λ é uma constante, necessária porque os dois gradientes podem ter módulosdiferentes. O problema pode ser colocado de outro modo: como minimizar uma funçãof(P ) com a restrição g(P ) = 0. A maneira usual de minimizar uma função é naturalmentefazer grad[f(P )] = 0. Para impor a restrição g(P ) = 0, podemos definir uma nova função

L(P, λ) = f(P ) − λg(P ) (6.9)

que vamos minimizar, fazendograd[L(P, λ)] = 0

No nosso caso, devemos minimizar 〈ψ|H |ψ〉 com a restrição 〈ψ|ψ〉 − 1 = 0. Devemosportanto fazer f = 〈ψ|H |ψ〉 e g = 〈ψ|ψ〉 − 1. Pondo λ = ε, vem

L(ψ) = 〈ψ|H |ψ〉 − ε(〈ψ|ψ〉 − 1) (6.10)

Substituindo ψ =N∑

i

ciφi em (6.10) vem

L =∑

i,j

c∗i cj〈φi|H |φj〉 − ε(

i,j

c∗i cj〈φi|φj〉 − 1)

(6.11)

178

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S C H R Ö D IN G ER

g(x,y) = 0

P

n

M

C

Figura 6.2: Problema da pastora: a pastora está no ponto M e tem de irordenhar a vaca ao ponto C, passando pelo rio para lavar a vasilha do leite.Qual o caminho mais curto?

Fazendo 〈φi|H |φj〉 = Hij e 〈φi|φj〉 = Sij , vem

L =∑

i,j

c∗i cjHij − ε(

i,j

c∗i cjSij − 1)

Se agora fizermosδL = 0 (6.12)

vem∑

i,j

δc∗i cjHij +∑

i,j

c∗i δcjHij − ε∑

i,j

δc∗i cjSij − ε∑

i,j

c∗i δcjSij = 0

ou seja:∑

i

δc∗i

[

j

cj(Hij − εSij)]

+∑

j

δcj

[

j

c∗i (Hij − εSij)]

= 0 (6.13)

em que se usou a condição Hij = Hji e Sij = Sji.

Uma vez que os ci são arbitrários, as chavetas terão de ser nulas, isto é,∑

j

cj(Hij − εSij) = 0 (6.14)

sendo a outra equivalente.

Obtém-se, assim, uma equação secular cujas soluções não triviais podem ser obtidasresolvendo a equação

det (Hij − εSij) = 0 (6.15)

Uma vez obtidos os valores possíveis de ε podem obter-se os coeficientes ci substitu-

179

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M É T O D O V A R IA C IO N A L

indo cada um dos valores de ε no sistema (6.14) e recorrendo à condição de normação∑

i,j

c∗i cjSij = 1 (como já vimos no Capítulo 3).

6.1.2 Extensão do Método Variacional a Estados Excitados

Como vimos, o método variacional só permite obter aproximações da energia e dasfunções de onda para o estado fundamental. Para níveis de energia relativos a esta-dos excitados, o teorema variacional assume a seguinte forma: a energia associada auma função ortogonal a todas as funções de onda exactas até a um dado nível k − 1 énecessariamente maior, ou igual, à energia exacta, Ek.

Comecemos pelo primeiro estado excitado, cuja energia é E1. Se considerarmos a ex-pressão

W =

i

c∗i ciEi∑

i

c∗i ci≥ E0 (6.16)

concluímos que, se não existirem parcelas em c0, verificar-se-á com E1 uma desigualdadesemelhante à que se estabeleceu com o estado fundamental. Sabe-se que os coeficientesci são as componentes de ψ em ψi, ou seja:

ci = 〈ψi|ψ〉 (6.17)

pelo que a hipótese c0 = 0 equivale a impor a ortogonalidade entre a função a optimizar,ψ e ψ0. Conclui-se, então que

W [ψ] = 〈ψ|H |ψ〉 ≥ E1 se 〈ψ0|ψ〉 = 0 (6.18)

Esta condição pode generalizar-se para qualquer estado excitado. Para um estado geral,k, é necessário que a função a optimizar seja ortogonal a todas as funções próprias dohamiltoniano dos estados de energia inferiores a Ek:

W [ψ] = 〈ψ|H |ψ〉 ≥ Ek se 〈ψ0|ψ〉 = 〈ψ1|ψ〉 = ... = 〈ψk−1|ψ〉 = 0

Estas restrições levantam, em geral, problemas de cálculo, na medida em que as funçõesψi (com i = 0, 1, ..., k − 1) não são conhecidas com precisão. Por vezes certos requisitosde simetria ou de ortogonalidade imposta pela natureza dos estados envolvidos (e.g.,estados singuleto e tripleto) ajudam a resolver o problema.

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S C H R Ö D IN G ER

6 . 2 TEORIA DAS PERTURB AÇ ÕE S INDEPE N DE N T ES DOTEMPO

6.2.1 Caso de Estados Não Degenerados

Outro método aproximado para resolver a equação de Schrödinger é o método baseadona teoria das perturbações. Este método aplica-se a situações em que o sistema é sujeitoa uma perturbação que modifica a sua energia apenas ligeiramente. Veremos que, emprimeira ordem, a energia da perturbação pode ser calculada supondo que o estadodo sistema perturbado pode ser descrito por uma combinação linear de estados nãoperturbados.

Consideremos a equação de Schrödinger

H ψ = E ψ (6.19)

Vamos supor que é possível escrever o verdadeiro hamiltoniano em termos de um parâ-metro (positivo e menor do que 1), λ, de acordo com a expressão seguinte

H = H0 + λH ′ + ... (6.20)

na qual λ é escolhido de modo a que a equação que se obtém quando λ tende para zero:

H0ψ0 = E0ψ0 (6.21)

possa ser resolvida. Esta equação é considerada a equação não perturbada, e os ter-mos λH ′ + ... constituem uma perturbação. Supõe-se que a equação não perturbadatem soluções ψ0

i que satisfazem a equação H0ψ0i = E0

i ψ0i . E que a equação verdadeira

(incluindo a perturbação) tem soluções da forma Hψi = Eiψi.

Dada a forma do hamiltoniano, admite-se que

ψi = ψ0i + λψ′

i + λ2ψ′′

i + ... (6.22)

Ei = E0i + λE

i + λ2E′′

i + ... (6.23)

Se a perturbação for pequena, os termos destas séries tornam-se rapidamente pequenosao tomar potências crescentes de λ, e as séries convergem.

Substituindo (6.20), (6.22) e (6.23) em (6.19), obtêm-se os termos de várias ordens em λ

— termo de ordem zero, que é nulo:

H0ψ0i − E0

i ψ0i = 0 (6.24)

181

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T E O R IA D A S PE R T U R B A ÇÕE S IN D E PE N D E N T E S D O T E M PO

— termo de 1a ordem:H

ψ0i +H0ψ

i = E′

iψ0i + E0

i ψ′

i (6.25)

— termos de ordem superior.

Podemos considerar que, por hipótese, ψ′

i uma combinação linear dos ψ0:

ψ′

i =∑

k 6=icikψ

0k (6.26)

em que os cik são coeficientes. Note-se que fazer k 6= i na equação (6.26) implica que〈ψ′

i|ψ0k〉 = 0 para quaisquer k e i, significando que a perturbação causa alterações à

função de onda, que é ortogonal à função de onda não perturbada.

Substituindo (6.26) em (6.25), vem

H′

ψ0i +

k 6=icikH

0ψ0k = E

iψ0i + E0

i

k 6=icikψ

0k (6.27)

Fazendo o produto interno à esquerda por 〈ψ0i | vem

〈ψ0i |H

′ |ψ0i 〉 +

k 6=icik〈ψ0

i |H0|ψ0k〉 = E

i〈ψ0i |ψ0

i 〉 + E0i

k 6=icik〈ψ0

i |ψ0k〉

que atendendo a que 〈ψ0i |ψ0

k〉 = δik e que 〈ψ0i |H0|ψ0

k〉 = E0i 〈ψ0

i |ψ0k〉 = 0 dá

E′

i = 〈ψ0i |H

′ |ψ0i 〉 (6.28)

que nos dá a energia da perturbação de primeira ordem.

Fazendo o produto interno à esquerda por 〈ψ0k|, vem

〈ψ0k|H

′ |ψ0i 〉 + cikE

0k = cikE

0i

ou

cik =〈ψ0k|H

′ |ψ0i 〉

E0i − E0

k

(6.29)

que nos dá os coeficientes da função de onda perturbada como uma combinação lineardas funções de onda não perturbadas.

Se considerarmos os termos em λ2, obteremos a perturbação de 2a ordem

E′′

i =′∑

k

H′

ikH′

ki

E0i − E0

k

com H′

ik = 〈ψ0i |H ′|ψ0

k〉 (6.30)

A verdadeira energia do sistema será dada aproximadamente por:

Ei = E0i + λE

i + λ2E′′

i + ... (6.31)

182

Page 203: Química Computacional - Livro completo

M É T O D O S A PR O X IM A D O S D E R E S O L U Ç Ã O D A E Q U A Ç Ã O D E

S C H R Ö D IN G ER

6.2.2 Caso de Estados Degenerados

Se o nível do estado (não perturbado) i for degenerado, i.e., se houver um conjunto de nfunções de onda ψ0

iα(α = 1, 2, ..., n) com a mesma energia E0i , então qualquer combinação

linear dos ψ0iα é função própria do hamiltoniano H0. Nestas circunstâncias a energia de

primeira ordem deve satisfazer a correspondente equação matricial:

E′

i = 〈Ψ0i |H ′|Ψ0

i 〉 (6.32)

sendoΨ0i =

(

ψ0i1 ψ

0i2 ... ψ

0iα ... ψ

0in

)

e E′

i uma matriz diagonal de componentes E′

iα. Como habitualmente, os valores de E′

obtêm-se diagonalizando o hamiltoniano, H′, isto é:

det(H′

αβ − E′

iδαβ) = 0 sendo H′

αβ = 〈ψ0iα|H ′|ψ0

iβ〉 (6.33)

As soluções desta equação secular são os valores da energia da perturbação de 1a ordem.

A título de exemplos, faremos no Complemento 6A aplicações às espectroscopias deressonância magnética electrónica e de ressonância magnética nuclear.

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C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 6

6A ESPECTROS C OP I AS DE RESSON Â N CI A MAGNÉTI CAELECTRÓ N IC A E DE RESSON ÂN C IA MAGNÉTIC ANUCLEAR PARA O ÁTOMO DE HIDROGÉ N I O

Atendendo a que a energia de um momento magnético (ou dipolo magnético) em presençade um campo magnético, B, é da forma E = −µ.B, podemos escrever o hamiltonianoda perturbação, H ′, para um electrão, sob a forma :

H ′ = −µe.B = gβBSz (6A.1)

(supõe-se B = Bz = B, isto é o campo dirigido segundo o eixo zz), g é o chamado factorde Landé ou simplesmente factor g, e tem o valor g = 2, 002319 para o electrão, e β (ouµB) é o magnetão de Bohr (β = e~

2me= 9, 27408 × 10−24 J T−1), o qual incorpora o ~

dos valores próprios do operador de spin, donde o operador Sz da equação (6A.1) ter porvalores próprios ms = ±1/2.

A aplicação da fórmula (6A.1) implica o uso das funções de onda não perturbadas, queseriam as funções de onda do electrão no átomo de hidrogénio.

Os valores da energia da perturbação de primeira ordem são E′ = gβBms = (±1/2)gβB.Isto significa que quando aplicamos um campo magnético ao átomo de hidrogénio, numdado estado, vamos originar dois níveis de energia E′

1 = (1/2)gβB e E′2 = −(1/2)gβB.

Identicamente para um protão (mI = ±1/2) :

H ′ = −µN .B = −gNβNBIz (6A.2)

sendo gN o factor g do protão e βN , o magnetão nuclear (βN = e~2mp

= 5, 05082× 10−27

J T−1). Neste caso, os níveis são E′ = gβBmI = (±1/2)gβB. Note-se que o sinal em(6A.2) é simétrico do sinal em (6A.1).

O campo magnético B funciona como o parâmetro λ, na medida em que quando λ→ 0,o problema reduz-se ao problema do átomo de Hidrogénio na ausência de campos.

As experiências de ressonância paramagnética electrónica (RPE) e de ressonância ma-gnética nuclear (RMN) estão esquematizadas na Figura 6A.1.

Page 206: Química Computacional - Livro completo

E S PE C T R O S COP IA S D E R E S S O N Â N C IA M A G N É T IC A

E L E C T R Ó N ICA E D E R E S S O N Â N C IA M A G N É T IC A N U C L E A R

PA R A O Á T O M O D E H ID R O G É N IO

1/2gbB

-1/2gbB

-1/2gbB

1/2g b BNN

EE

hn = g b BNN hn = gbB

Campo

nulo

Campo

não nulo Campo

nulo

Campo

não nulo

Figura 6A.1: A experiência de RPE para um electrão (à esquerda) e a expe-riência de RMN para um protão (à direita).

g = 2, 0023 gN = 5, 5857

β = 9, 27408× 10−24 J T−1 βN = 5, 05082× 10−27 J T−1

ν ≈ 10 GHz ν ≈ 42, 576 MHzB = 0, 3 T B = 1 T

Para o caso do átomo de hidrogénio, incluindo as interacções do momento magnético despin do electrão e do protão, vem :

H ′=−µe.B−µN .B+(interacção de µe com µN )=gβBSz−gNβNBIz+aS.I (6A.3)

O primeiro termo é a contribuição do spin electrónico; o segundo é a contribuição do spinnuclear e o terceiro é o resultado da interacção entre o spin electrónico e o spin nucleare chama-se interacção hiperfina. A constante a é a constante de interacção hiperfina.

1/2gbB

-1/2gbB

E

Campo

nulo

Campo não nulo

-1/2g b BN N

1/2g b BN N

-1/2g b BN N

1/2g b BN N

-1/4 a

1/4 a

1/4 a

-1/4 a

m = 1/2

m = -1/2

m = -1/2

m = 1/2

I

I

I

I

Figura 6A.2: Transições observadas em EPR (ressonância paramagnéticaelectrónica) para o átomo de hidrogénio. Na parte direita do diagrama vê-se oefeito da interacção hiperfina.

186

Page 207: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 6

Na espectroscopia de ressonância paramagnética electrónica, RPE, só se observam astransições de spin electrónico e a interacção hiperfina. Para tal usam-se valores decampo magnético da ordem dos 0, 3 T e as transições são provocadas por um campoelectromagnético com frequências da ordem dos 1010 Hz (Figura 6A.2).

187

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PR O B L E M A S

6B PROBLE MA S

1. Aplique o método variacional à obtenção dos níveis de energia e das funções deonda para o ião H+

2 , usando como funções de base as funções de onda 1s de cadaátomo H, fazendo as seguintes aproximações:

a) H12 = 〈1s(1)|H |1s(2)〉 = V ; (V < 0); Sij = 〈1s(1)|1s(2)〉 = δij

b) H12 = V, S12 = S > 0

c) Mostre que a matriz C = 1√2

(

1 1

1 −1

)

diagonaliza o hamiltoniano H = Hij,

nas condições da alínea a).

d) Mostre que as funções de onda para o ião H+2 , obtidas nas condições da alínea a),

são ortonormadas.

2. Considere uma função ψ = Ne−cx2

, em que N é a constante de normação, e c, umparâmetro variacional.

a) Determine a função correspondente ao estado fundamental do oscilador harmó-nico a uma dimensão e a sua energia.

b) Determine N .

3. Parta das funções de onda e dos valores próprios da energia de uma partícula numacaixa unidimensional.

a) Calcule a energia da perturbação de 1a ordem para um sistema cujo hamil-toniano tem como termo de perturbação, H ′(x) = −b, para 0 ≤ x ≤ L/2, eH ′(x) = b, para L/2 ≤ x ≤ L, sendo L o comprimento da caixa. Sugestão:comece por fazer um esquema.

b) Em que zona da caixa haverá maior probabilidade de encontrar a partículaquando sujeita à perturbação?

4. Obtenha o valor aproximado da energia do estado fundamental de um sistema cujohamiltoniano é

H = − ~2

2m∇2 +

1

2kx2 + ax3 + bx4

Note que este hamiltoniano difere do hamiltoniano do oscilador harmónico linearpelos termos em x3 e x4. Aplique o método das perturbações a este problema, emque a perturbação é H ′ = ax3 + bx4. [Note que o segundo termo da perturbação éuma função ímpar].

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7T E O R I A D A S O R B I T A I S

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

7 . 1 INTROD U Ç ÃO

Os métodos de cálculo da estrutura electrónica da matéria (átomos, moléculas e sólidos)baseiam-se, em geral, no conceito de orbitais, de electrões independentes, que se movemnum campo médio. A teoria pressupõe que os electrões se movem independentementeuns dos outros no campo do(s) núcleo(s), considerado(s) fixo(s) (aproximação de Born-Oppenheimer), e num campo médio, das interacções com os outros electrões. A estruturaelectrónica é descrita em termos de um conjunto de orbitais ocupadas e orbitais nãoocupadas (orbitais virtuais), as quais são funções monoelectrónicas. As energias dasorbitais são representadas em diagramas de níveis, que podem ser ocupados por um oudois electrões, neste caso, de spins opostos.

Nos métodos de Hartree-Fock (HF), ainda os mais usados, define-se uma função de ondapolielectrónica, Ψ para os estados estacionários que pode ser calculada, em princípio,pela resolução da equação de Schrödinger não relativista1:

H Ψ = E Ψ (7.1)

sendoH o hamiltoniano que contém os termos de energia cinética dos electrões, a atracçãoentre os electrões e o(s) núcleo(s), as interacções entre os vários electrões e, no caso demoléculas, a repulsão entre os núcleos.

A teoria do funcional da densidade (density functional theory, ou DFT), que usa a den-sidade electrónica como variável fundamental (em vez da função de onda), é a base deuma nova classe de métodos de cálculo da estrutura electrónica, em plena expansão ecom grandes potencialidades.

Em ambos os casos, existe a noção de orbitais monoelectrónicas embora na teoria DFTelas sejam ainda mais irreais do que na teoria de HF.

Começaremos pela teoria de HF, cujos conceitos e tratamento matemático serão expli-cados. Faremos, no final do capítulo, a extensão à teoria DFT.

Não entraremos em pormenor, na enumeração e descrição de todos os métodos, nestetexto introdutório, onde apenas se pretendem introduzir os conceitos, o formalismo e osprocedimentos de cálculo que os suportam, até porque rapidamente ficaria obsoleto.

As soluções da equação (7.1) estão sujeitas a restrições importantes. Em primeiro lugar, afunção de onda Ψ tem de ser normalizável e, em segundo lugar, tem de ser anti-simétricacom respeito à permuta de quaisquer dois electrões, porque os electrões são fermiões.

1A aproximação não relativista é válida para átomos de número atómico baixo (até cerca de Z=30).Para átomos com Z > 30 é conveniente fazer uma correcção relativista.

191

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H A M IL T O N IAN O

A natureza da teoria de HF implica o uso de métodos iterativos, sendo por isso uma teoriado campo autocoerente (self consistent field, SCF). É também uma teoria aproximadaque se baseia no método variacional 2. Isso implica que a energia total do sistema podeescrever-se sob a forma de uma função de um conjunto de parâmetros variacionais, λ,podendo a energia total do estado fundamental ser calculada como o mínimo do funcional,E[Ψ(λ)], ou seja, E0 = minE[Ψ(λ)].

O nosso objectivo é chegar a uma equação envolvendo a energia electrónica total, a qualpossa ser minimizada relativamente a um conjunto de parâmetros variacionais, de modoa obter um valor limite superior para a energia do sistema.

Para tal é necessário:

i) definir, explicitar e compreender o operador hamiltoniano;

ii) determinar a função de onda apropriada, Ψ, a partir da qual se possa calcular aenergia electrónica;

iii) examinar os possíveis parâmetros variacionais que permitam minimizar a energia.

7 . 2 HAMILTON I AN O

O hamiltoniano electrónico, para um sistema de N electrões e M núcleos (de carganuclear Ze) (Figura 7.1), deixa de fora a energia cinética do(s) núcleo(s), de acordo coma aproximação de Born-Oppenheimer e a repulsão entre os núcleos (no caso de moléculas).

r

R0

1

2

i

k

r -rik

Núcleos

Electrões

Figura 7.1: Molécula com N electrões de coordenadas r e M núcleos decoordenadas R.

Em unidades atómicas (ver Apêndice A7), esse hamiltoniano é da forma

He = −N∑

i

1

2∇2i −

N∑

i

M∑

A

ZA|ri − RA|

+N∑

i

N∑

k>i

1

|rk − ri|= T + Vne + Vee (7.2)

2Ver Capítulo 6.

192

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

em que o primeiro termo, T , é o termo de energia cinética dos N electrões; o segundo,Vne, o de energia potencial, atractivo, dos electrões para os núcleos; e o terceiro termo,Vee, o termo das interacções electrão-electrão.

A resolução da equaçãoHeΨe(r) = EeΨe(r) (7.3)

dá a função de onda electrónica Ψe e a energia electrónica Ee. Ψe depende das coorde-nadas dos electrões, enquanto as coordenadas nucleares entram apenas sob a forma deparâmetros. A energia total ETOTAL é a soma de Ee e do termo de repulsão nuclear, que

é constante, ERN =M∑

A=1

M∑

B>A

ZAZB

RAB, i.e.,

ETOTAL = Ee + ERN (7.4)

Note-se que esta expressão é relativa à configuração de núcleos fixos. Para uma análiseda aproximação de Born-Openheimer e da energia total, incluindo as contribuições as-sociadas aos movimentos moleculares (translações, rotações e vibrações), que são nulaspara configurações de núcleos fixos, deve ser consultado o Apêndice A2.

Note-se, ainda, que Ee depende parametricamente das coordenadas dos núcleos, Ee[R], eETOTAL descreve a variação da energia total da molécula em função dessas coordenadas3.Se não se conhecerem, a priori, as coordenadas nucleares, pode minimizar-se ETOTAL[R],e obter a configuração geométrica da molécula no estado de equilíbrio.

Para átomos, o segundo termo de (7.2) tem apenas uma parcela, pois os átomos só têmum núcleo.

Para simplificar a notação, passaremos, daqui em diante, a designar o hamiltonianoelectrónico apenas por H e a função de onda electrónica apenas por Ψ.

7 . 3 FUNÇÃO DE ONDA

É claro que não é possível resolver a equação de Schrödinger envolvendo o hamiltoniano(7.2). Por essa razão, comecemos por considerar um problema mais simples, envolvendoo hamiltoniano h para um único electrão, sem interacções com os outros:

h = −1

2∇2 −

M∑

A

ZA|r − RA|

(7.5)

3As posições dos núcleos podem, em princípio, ser obtidas experimentalmente por difracção de raios X,no estado sólido, ou por técnicas de RMN para moléculas em solução.

193

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F U N Ç Ã O D E O N D A

A equação de Schrödinger para este hamiltoniano pode ser resolvida na aproximaçãode Born-Oppenheimer (se M = 1, é o caso do átomo de hidrogénio), dando soluçõesψi(r). Se considerarmos também coordenadas de spin, podemos definir funções χi(x)

nas coordenadas de espaço e spin, x, como os produtos das orbitais espaciais ψi(r) pelascomponentes de spin σi(ω) = α ou β, da forma

χi(x) = ψi(r)σi(ω) (7.6)

devendo usar-se o termo orbitais-spin para as χi(x) e o termo orbitais para as ψi(r).

As funções χi(x) satisfazem as equações de valores próprios

hχi(x) = εi χi(x) (7.7)

com a interpretação de que o electrão ocupa a orbital-spin χi, de energia εi. Se igno-rarmos as interacções electrão-electrão, podemos imaginar um sistema de N electrõesindependentes com o hamiltoniano:

H =

N∑

i=1

h(i) (7.8)

e a respectiva equação de Schrödinger:

H Ψ = EΨ (7.9)

que se reduz a um conjunto de N equações iguais a (7.7), sendo Ψ o produto (versecção 3.3.6)

Ψ(x1, x2, . . . , xN ) = χa(x1)χb(x2) . . . χn(xN ) (7.10)

eE = εa + εb + ...+ εn (7.11)

como facilmente se pode verificar, atendendo a que as funções de onda têm sempreuma dependência temporal da forma χ(x, t) = χ(x)ei(E/~)t. Na expressão (7.10) de-signamos propositadamente as orbitais-spin pelos índices a, b, c, ..., n (minúsculo) e oselectrões pelos números 1, 2, 3, ..., N (maiúsculo), para evidenciar que, embora o númerode orbitais-spin ocupadas seja igual ao número de electrões, qualquer electrão pode estarem qualquer orbital-spin, e que os electrões permutam.

Uma função de onda do tipo (7.10) não é, no entanto, fisicamente aceitável, na medidaem que não satisfaz a condição de anti-simetria com respeito à permuta de quaisquerdois electrões. Esse requisito é equivalente ao princípio de exclusão de Pauli, segundo oqual dois electrões do mesmo spin não podem ocupar a mesma orbital, como se viu noComplemento 5A. Os electrões não se movem, de facto, como partículas independentes.

194

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

Independentemente de quaisquer interacções (de natureza clássica) entre os electrões,existe uma correlação quântica (entrelaçamento ), em consequência de os electrões seremidênticos, que se traduz formalmente pelo facto de que a função de onda global não éum produto (tensorial) simples. Quando, se diz, no quadro da aproximação de Hatree-Fock, que os electrões são independentes, isso significa que os consideramos independentes(classicamente) uns dos outros, mas sujeitos a um campo médio resultante das interacçõescom os outros, como veremos adiante. Ao considerar funções de onda anti-simétricas,estamos a incluir alguma correlação quântica.

A função de onda de um sistema com N electrões será então uma sobreposição (com-binação linear) de todas as possíveis permutações de pares de electrões, com a con-dição de que em cada troca de dois electrões a função de onda muda de sinal, isto é,Ψ(...,xi, ...,xk, ...) = −Ψ(...,xk, ...,xi, ...). Um modo de obter funções de onda anti-simétricas consiste em construir o chamado determinante de Slater4, que é da forma

Ψ =1√N !

χa(x1) χb(x1) ... χn(x1)

χa(x2) χb(x2) ... χn(x2)

... ... ... ...

χa(xN ) χb(xN ) ... χn(xN )

(7.12)

e que é hábito escrever abreviadamente de qualquer das formas seguintes,

Ψ =1√N !

|χa(x1) χb(x2) ... χn(xN )| ≡ |χa(x1) χb(x2) ... χn(xN )〉

Consideremos um sistema de dois electrões como o átomo de hélio.O respectivo determinante de Slater é

Ψ =1√2

χa(x1) χb(x1)

χa(x2) χb(x2)=

1√2

[χa(x1)χb(x2) − χb(x1)χa(x2)]

O princípio de exclusão de Pauli segue directamente quando tentamos ocupar a mesma orbital-spin com os dois electrões:

Ψ =1√2

[χa(x1)χa(x2) − χa(x1)χa(x2)] = 0

Uma forma de função de onda para um sistema de N electrões independentes apropriada

ao hamiltoniano H =N∑

i

h(i) pode ser portanto um determinante de Slater.

4Poderíamos escrever a função de onda como a combinação linear de todas as possíveis permutaçõesde pares de electrões: Ψ = 1√

N!

P(−1)PPχ1(x1)χ2(x2)...χi(xi)...χN(xN ), sendo P o operador que

permuta dois electrões, e os coeficientes (−1)P = ±1, consoante o número de permutações, P , for parou ímpar.

195

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E X PR E S S Õ E S D A E N E R G IA . A PR O X IM A Ç Ã O D E

H A R T R E E - F OCK

Na teoria de HF fazem-se várias aproximações que permitem que os sistemas de muitoselectrões possam ser tratados deste modo. Se assumirmos que o sistema de N electrõespode ser descrito como uma “soma” de N sistemas de um electrão que se move numcampo gerado pelos núcleos estacionários e num campo médio resultante da distribuiçãoespacial de todos os outros electrões, o problema reduz-se ao problema de N electrõesindependentes. A teoria de HF, nesta aproximação, obriga a construção de orbitais-spin,χ(x), que minimizem a energia do estado fundamental do sistema (método variacional).

A função de onda, em si, não é uma observável. A sua interpretação física só é possívelem termos do quadrado do seu módulo, segundo o qual

|Ψ(x1,x2, . . . ,xN )|2dx1dx2 . . . dxN

representa a probabilidade de encontrar os N electrões no elemento de volumedτ = dx1dx2 . . . dxN .

7 . 4 EXPRESS ÕE S DA ENERGIA . APROXIM AÇ ÃO DE HAR-TREE -FO CK

Consideremos então que a função de onda é um determinante de Slater e procuremosuma expressão para o valor expectável da energia. Para o estado fundamental, seria

〈E0〉 = 〈Ψ0|H |Ψ0〉 =

Ψ∗0HΨ0dτ (7.13)

em que dτ é o elemento de volume nas coordenadas de espaço e spin de todos os electrões.

Analisando o hamiltoniano (7.2) vê-se que contém operadores envolvendo um só electrãocomo o operador (7.5) e operadores envolvendo dois electrões. Podemos escrever

H =

N∑

i

h(i) +

N∑

i

N∑

k>i

1

|rk − ri|= Hmono + Vee , (7.14)

em que Hmono é a soma de operadores monoelectrónicos h(i) (o índice superior monosignifica operador monoelectrónico). Vee é o operador que representa as interacçõeselectrão-electrão — é uma soma de operadores de dois electrões.

Vejamos, em primeiro lugar, a contribuição para a energia total do estado fundamental,relativa a Hmono. Será, usando simplesmente Ψ para designar Ψ0.

〈Ψ|Hmono|Ψ〉 =

N∑

i=1

〈Ψ|h(i)|Ψ〉 (7.15)

196

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

Para tornar a dedução mais clara, consideremos o caso mais simples de um sistema dedois electrões, como o átomo de hélio, sendo portanto

Ψ =1√2

[χa(x1)χb(x2) − χb(x1)χa(x2)] (7.16)

Para simplificar a notação, que começa a complicar-se, façamos

χa = a χb = b (7.17)

e coloquemo-los pela ordem correspondente à enumeração dos electrões, isto é, ab significaque o electrão de coordenadas x1 está na orbital-spin a, e o electrão de coordenadas x2

está na orbital-spin b; ba significa que o electrão de coordenadas x1 está na orbital-spinb e o electrão de coordenadas x2 está na orbital-spin a.

Será então

Ψ =1√2

(ab− ba) (7.18)

Vem para o termo em h(1)

〈h(1)〉 =1

2〈ab− ba|h(1)|ab− ba〉 (7.19)

Pode ver-se que há dois integrais em (7.19):

I1 = 〈ab|h(1)|ab− ba〉 (7.20)

I2 = 〈ba|h(1)|ab− ba〉 (7.21)

sendo

〈h(1)〉 =1

2(I1 − I2) (7.22)

mas como a permuta de electrões implica ba = −ab, teremos I2 = −I1, pelo que

〈h(1)〉 = I1 = 〈ab|h(1)|ab− ba〉 (7.23)

ou seja:〈h(1)〉 = 〈ab|h(1)|ab〉 − 〈ab|h(1)|ba〉 (7.24)

Agora, notemos que o operador h(1) só actua sobre o electrão 1, e vem

〈h(1)〉 = 〈a|h(1)|a〉 〈b|b〉 − 〈a|h(1)|b〉 〈b|a〉 (7.25)

O segundo termo é nulo, porque 〈b|a〉 = 0. E o primeiro termo dá

〈h(1)〉 = 〈a|h(1)|a〉 = haa (7.26)

197

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E X PR E S S Õ E S D A E N E R G IA . A PR O X IM A Ç Ã O D E

H A R T R E E - F OCK

uma vez que 〈b|b〉 = 1 (todas as funções são consideradas ortonormadas). Identicamenteobteríamos o termo h(2), sendo portanto

〈Hmono〉 = 〈a|h(1)|a〉 + 〈b|h(2)|b〉 = haa + hbb (7.27)

Generalizando, para N electrões, e usando a como um índice para as orbitais, vem

〈Hmono〉 =

osoc∑

a=1

〈a|h(i)|a〉 =

osoc∑

a=1

haa (7.28)

em que, no somatório, “osoc” significa todas as orbitais-spin ocupadas.

Conclui-se que cada orbital-spin ocupada contribui com um termo da forma 〈χa|h|χa〉 =

haa para a energia electrónica.

Vejamos agora a contribuição devida ao termo Vee.

De modo semelhante ao que fizemos para 〈h(i)〉, e usando os mesmos argumentos, pode-mos escrever para o operador de dois electrões, 〈Vee〉, fazendo r12 = |r2 − r1|

〈Vee〉 = 〈ab| 1

r12|ab〉 − 〈ab| 1

r12|ba〉 (7.29)

Esta expressão pode rearranjar-se, agrupando em bra-kets, as orbitais-spin do electrãode coordenadas x2, que ficam na parte de dentro:

〈Vee〉 = 〈a|〈b| 1

r12|b〉|a〉 − 〈a|〈b| 1

r12|a〉|b〉 (7.30)

notando que os bra-kets exteriores se referem ao electrão de coodenadas x1. Assim, aexpressão (7.30) é a soma dos valores expectáveis de dois operadores, J e K, em que osegundo tem sinal negativo, significando que representa um potencial atractivo, enquantoo primeiro é repulsivo:

J = 〈b| 1

r12|b〉 (7.31)

K = 〈b| 1

r12|a〉 (7.32)

Estes operadores chamam-se, respectivamente, operadores de Coulomb e operadores depermuta ou de Pauli .

Vem〈Vee〉 = 〈a|J |a〉 − 〈a|K|b〉 (7.33)

que é o valor expectável da interacção sentida pelo electrão que está em x1 devido àpresença do electrão que está em x2.

198

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

Podemos assim definir, para o átomo de hélio, o operador das interacções electrão-electrão, como a soma de um operador de Coulomb, J , e de um operador de permuta, K.

Vee = J −K (7.34)

Atendendo a que as orbitais-spin podem ser escritas como produtos de funções de ondaespaciais por componentes de spin, e, atendendo a que Vee = 1/r12 (com r12 = |r1 − r2|),não contém variáveis de spin, pode separar-se 〈Vee〉 em dois factores, um nas coordenadasde espaço e outro nas coordenadas de spin, sendo este último fácil de calcular, poisenvolverá só produtos internos de vectores ortonormados, que são zero ou um (sugere-se,nesta altura, uma leitura atenta do Complemento 7A sobre o átomo de hélio).

Assim os operadores (espaciais) de Coulomb e de permuta assumem a forma simples:

J =

|ψb(r2)|21

r12dτ2 (7.35)

K =

ψ∗b (r2)ψa(r2)

1

r12dτ2 (7.36)

Note-se que a integração é feita nas coordenadas r2 (do electrão 2), sendo dτ2, o ele-mento de volume. Recorda-se que o termo |ψ2(r2)|2dτ2, no operador de Coulomb, é aprobabilidade de encontrar o electrão 2 no elemento de volume dτ2, e portanto o integralrepresenta a repulsão de Coulomb (total) sentida pelo electrão 1 devida à presença doelectrão 2, supostamente distribuído por todo o espaço.

Note-se também que o operador K permuta os electrões.

Vê-se, assim, que tanto a interacção de Coulomb como a interacção de permuta sentidaspelo electrão 1 dependem apenas das suas coordenadas, ou seja, de r1. Podemos escreverVee(1) = Vee(r1) = J −K (ver Figura 7.2).

J (ou Jab) representa a repulsão de Coulomb entre os electrões (na orbital-spin a e naorbital-spin b). K (ou Kab) é chamado o integral de permuta (ou escambo) e não temanalogia clássica. Em linguagem de físicos, diz-se que correlaciona os movimentos doselectrões das orbitais-spin a e b, quando têm spins paralelos, baixando a energia, umavez que esses electrões se evitam.

O hamiltoniano monoelectrónico, da teoria de Hatree-Fock, também chamado operadorde Fock pode então escrever-se, para o caso do átomo de hélio (sistema de dois electrões),e atendendo a (7.2), (7.5) e (7.34):

f = h+ J −K (7.37)

em que se usa o símbolo h para representar o conjunto dos operadores de um electrão,sendo J e K os operadores de dois electrões.

199

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E X PR E S S Õ E S D A E N E R G IA . A PR O X IM A Ç Ã O D E

H A R T R E E - F OCK

b)a)

r

rr

O+Ze 2

1 12

1

2

r

rr

O+Ze

22

1 12

1

dr

Figura 7.2: a) Esquema do átomo de hélio. b) Potencial central visto peloelectrão 1. Na figura mostra-se a interacção com o electrão 2, quando está numelemento de volume dr2 na posição r2 (aproximação de Hartree).

Para o caso geral, de um sistema de N electrões e M núcleos e notando que o somatóriodeve estender-se a todas as orbitais-spin ocupadas (osoc) temos, para o operador de Fock ,

f = h+

osoc∑

b=1

(Jb −Kb) (7.38)

com h = − 12∇2−

M∑

A

ZA

|r−RA| , expressão (7.5), e em que o primeiro e o segundo termos são

respectivamente a energia cinética e o potencial atractivo electrão-núcleos. J e K são osoperadores de Coulomb e de permuta, respectivamente (idênticos a (7.35) e (7.36)):

Jb =

|ψb(r2)|21

r12dτ2 (7.39)

Kb =

ψ∗b (r2)ψa(r2)

1

r12dτ2 (7.40)

Note-se que nos integrais, e na medida em que se consideram as interacções de cadaelectrão com cada um dos outros, é hábito designar por electrão 1, de coordenadas r1,o electrão que “está” na posição de referência, e electrão 2, de coordenadas r2, o outroelectrão cuja interacção o electrão 1 está a sentir. Para um sistema com N electrões,podemos escrever Vee(1) ≡ Vee(r1) ≡ Vee(r), ver Figura 7.3).

Note-se, também, que em (7.38) o somatório vai de b = 1 e estende-se por todas asorbitais-spin ocupadas, incluindo b = a (a orbital de referência, onde está o electrão 1).O facto de incluir b = a, que significa contar a interacção do electrão 1 consigo próprio(self-interaction), não traz nenhum problema, na medida em que, se fizermos b = a em(7.39) e (7.40) fica J = K, que cancelam em Vee.

Conclui-se assim, que é possível escrever o hamiltoniano para um sistema de N electrões

200

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

r

R

O

1

2

i

k

r − rk i

Núcleos Electrões

Figura 7.3: Na aproximação de Hartree-Fock, as interacções de cada electrãocom os outros N − 1 são reduzidas a um potencial V (r), que depende só dassuas próprias coordenadas. Na figura, r são as coordenadas dos electrões, e R,as coordenadas dos núcleos. Mostra-se o electrão de coordenadas r1 na orbitali e o electrão de coordenadas r2 na orbital k. Os electrões 1 e 2 permutam-semediante o operador de permuta, K.

e M núcleos como a soma de operadores de Fock:

H =

N∑

i=1

f (i) (7.41)

sendo as orbitais-spin χa(x), as soluções das equações de Hartree-Fock da forma

f χa = εa χa a = 1, 2, ..., n (7.42)

Há aqui um problema! Para construir o operador f (7.38) precisamos de usar as funçõesχa que são as soluções das equações de HF. Por essa razão, precisamos de fazer iterações,começando por um conjunto de orbitais-spin χa à nossa escolha.

Supostas conhecidas as orbitais-spin χa, podemos escrever uma expressão para a ener-gia, tendo em conta que

i) os integrais monoelectrónicos contribuem com um termo haa para cada electrão naorbital-spin a;

ii) os integrais de dois electrões contribuem com um termo Jab para cada par deelectrões, e −Kab para cada par de electrões de spins idênticos5.

Convém, nesta altura, distinguir se a molécula ou o átomo tem todas as camadas com-pletas ou não. Se tiver camadas incompletas é necessário usar a versão não restrita dométodo de Hartree-Fock (UHF, de unrestricted Hartree-Fock), segundo a qual a energia

5Para melhor visualizar esta questão, ver o exemplo do átomo de hélio, no Complemento 7A.

201

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E X PR E S S Õ E S D A E N E R G IA . A PR O X IM A Ç Ã O D E

H A R T R E E - F OCK

deve ser calculada considerando todas as orbitais-spin ocupadas (com um único electrão).Se a molécula ou o átomo tiverem todas as camadas completas, o estado é singuleto e asorbitais (espaciais) estão ocupadas com dois electrões de spins opostos. Neste caso podeusar-se a versão restrita do método de Hartree-Fock (RHF, de restricted Hartree-Fock).

A energia electrónica no método de Hartree-Fock, na versão não-restrita, é então

EUHF =osoc∑

a=1

haa +1

2

osoc∑

a,b=1

(Jab −Kab) (7.43)

Note-se que os somatórios se estendem a todas as orbitais-spin ocupadas, “osoc”, sendo

Jab = 〈ab| 1

r12|ab〉 = 〈ab|ab〉 (7.44)

Kab = 〈ab| 1

r12|ba〉 = 〈ab|ba〉 (7.45)

em que a última notação é uma abreviatura comum.

É comum aparecerem, na literatura, várias notações para os integrais de Coulomb e de permuta.As mais usadas são as seguintes:Notações usadas pelos físicos, para os integrais de dois electrões, envolvendo orbitais-spin:

Jab = 〈ab| 1

r12|ab〉 = 〈ab|ab〉

Kab = 〈ab| 1

r12|ba〉 = 〈ab|ba〉

Jab −Kab = 〈ab|ab〉 − 〈ab|ba〉 = 〈ab||ab〉

Note-se que, numa sequência como ab, o electrão de referência (electrão 1) está na primeiraorbital (neste caso, a), e o segundo electrão, na segunda orbital (neste caso, b). Explicitando,seria, por exemplo, para K,

Kab = 〈a(1)b(2)| 1

r12|b(1)a(2)〉 = 〈a(1)b(2)|b(1)a(2)〉 = 〈ab|ba〉

Para os integrais envolvendo orbitais espaciais, os físicos usam, muitas vezes, parênteses curvosem vez de kets e bras, por exemplo:

(ab|ab) = 〈ab|ab〉

Os químicos usam, por vezes, notações correspondentes mas com parênteses rectos para os inte-grais envolvendo orbitais-spin, por exemplo

Jab −Kab = [aa|bb] − [ab|ba] = [aa||bb]

e parênteses curvos para as orbitais espaciais, mas, em ambos os casos, a primeira sequência,antes dos traços verticais, diz sempre respeito ao electrão 1 e a sequência depois dos traçosverticais diz respeito ao electrão 2. Por exemplo, para K, envolvendo orbitais-spin:

Kab = 〈ab|ba〉 = 〈a(1)b(2)|b(1)a(2)〉 =[

a(1)b(1)| 1

r12|b(2)a(2)

]

= [a(1)b(1)|b(2)a(2)] = [ab|ba]

202

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

É também habitual escrever

Jab −Kab = 〈ab|ab〉 − 〈ab|ba〉 = 〈ab||ab〉

pelo que se pode escrever (7.43) sob a forma

EUHF =

osoc∑

a=1

haa +1

2

osoc∑

a,b=1

〈ab||ab〉 (7.46)

Atendendo a (7.38), a energia de cada orbital-spin χa é, naturalmente,

εa = haa +

osoc∑

b=1

(Jab −Kab)

sendo a soma das energias de todas as orbitais-spin ocupadas

osoc∑

a

εa =

osoc∑

a=1

haa +

osoc∑

a,b=1

(Jab −Kab) (7.47)

É portanto óbvio que

E0 = EUHF 6=osoc∑

a

εa

significando que a energia do estado fundamental não é simplesmente a soma das energiasdas orbitais-spin ocupadas. De facto, εa inclui as interacções de Coulomb e de permutade um electrão na orbital χa com os electrões em todas as orbitais-spin ocupadas (emparticular, χb). Mas εb inclui as interacções entre um electrão em χb e os electrões emtodas as outras orbitais-spin ocupadas (em particular, χa). De modo que, quando sesoma εa com εb estamos a contar as mesmas interacções duas vezes. Essa é a razão dofactor 1/2 nas expressões (7.43) e (7.46).

Quando o sistema tem só camadas completamente preenchidas (closed shell), pode usar-se o método de Hartree-Fock restrito (RHF ) que implica o uso de orbitais (espaciais)duplamente ocupadas. Nesse caso:

ERHF = 2

odoc∑

a=1

haa +

odoc∑

a,b=1

(2Jab −Kab) (7.48)

que também é habitual escrever

ERHF = 2odoc∑

a=1

haa +odoc∑

a,b=1

[2(ab|ab) − (ab|ba)] (7.49)

203

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E X PR E S S Õ E S D A E N E R G IA . A PR O X IM A Ç Ã O D E

H A R T R E E - F OCK

e em que “odoc” significa “orbitais (moleculares) espaciais duplamente ocupadas”6.

Note que, (ver 7.46), 12

N(osoc)∑

Jab =N/2(odoc)∑

2Jab. De facto,

N(osoc)∑

Jab =N/2(odoc)∑

〈aα bα|aα bα〉 +N/2(odoc)∑

〈aβ bα|aβ bα〉+

+N/2(odoc)∑

〈aα bβ|aα bβ〉 +N/2(odoc)∑

〈aβ bβ|aβ bβ〉 =

=N/2(odoc)∑

〈ab|ab〉〈αα|αα〉 +N/2(odoc)∑

〈ab|ab〉〈βα|βα〉+

+N/2(odoc)∑

〈ab|ab〉〈αβ|αβ〉 +N/2(odoc)∑

〈ab|ab〉〈ββ|ββ〉

dando 4 termos em 〈ab|ab〉 que devem ser multiplicados por 1/2. Note ainda que para os termosKab vem

N(osoc)∑

Kab =N/2(odoc)∑

〈aα bα|bα aα〉 +N/2(odoc)∑

〈aβ bα|bα aβ〉+

+N/2(odoc)∑

〈aα bβ|bβ aα〉 +N/2(odoc)∑

〈aβ bβ|bβ aβ〉 =

=N/2(odoc)∑ 〈ab|ba〉〈αα|αα〉 +

N/2(odoc)∑ 〈ab|ba〉〈βα|αβ〉+

+N/2(odoc)∑

〈ab|ba〉〈αβ|βα〉 +N/2(odoc)∑

〈ab|ba〉〈ββ|ββ〉

=N/2(odoc)∑

〈ab|ba〉〈αα|αα〉 +N/2(odoc)∑

〈ab|ba〉〈ββ|ββ〉

ficando apenas os termos em que os spins são paralelos. Note, ainda, que os termos, em quea = b com spins idênticos, cancelam, satisfazendo assim o princípio de exclusão de Pauli.

Na Figura 7.4 representam-se exemplos tipo dos diagramas habituais dos níveis de ener-gia do sistema, nas modalidades UHF e RHF.

Os valores εa têm um significado físico. De acordo com o teorema de Koopmans εa é opotencial de ionização (energia necessária para a remoção de um electrão) da orbital χa,isto é:

IP = −εa (7.50)

6É interessante notar que, embora Hartree não tenha originalmente deduzido a expressão da energiado método autocoerente pela aplicação do princípio variacional, é possível demonstrar que a aplicaçãodo princípio conduz aos mesmos resultados (ver, por exemplo, o texto de Teixeira Dias, referido nabibliografia).

204

Page 225: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

0

i j

g h

f

c

c

d

d

a ab

b

e

e

0

E/eVE/eV

UHF RHF

HOMO

LUMO

Figura 7.4: Diagramas dos níveis de energia moleculares, nas versões nãorestrita, UHF, e na versão restrita, RHF. Note-se que na versão UHF, níveiscorrespondentes com spins opostos não têm necessariamente a mesma energia.Na figura mostra-se uma situação em que se usa a versão UHF para um sistemaem que poderia, em princípio, usar-se a versão RHF, adequada para sistemasde camada completa (closed shell)— a versão UHF pode ser usada quer parasistemas de camada completa quer para sistemas de camada incompleta. Parasistemas de camadas incompletas é necessário usar a versão UHF, sendo possívelcalcular as orbitais duplamente ocupadas separadamente pela versão RHF.

Por sua vez a afinidade electrónica é

EA = −εv (7.51)

ou seja, a energia para colocar um electrão na orbital χv (Figura 7.5).

IP EA

X + e X

0 0

c

d

c

d

a

b

a

b

E/eV E/eV

HOMO LUMO

X X + e− −−+

Figura 7.5: Potencial de ionização IP e afinidade electrónica EA, para aremoção de um electrão da orbital-spin χb e colocação de um electrão na orbitalχb, respectivamente.

205

Page 226: Química Computacional - Livro completo

E X PR E S S Õ E S D A E N E R G IA . A PR O X IM A Ç Ã O D E

H A R T R E E - F OCK

Teorema de Koopmans

Consideremos um sistema com N electrões, descrito pelo determinante de Slater

NΨ0 = |χa χb χc ... χn〉

ao qual removemos o electrão da orbital-spin χc de modo a produzir o estado de N − 1 electrõescom o determinante de Slater

N−1Ψ = |χa χb χd ... χn〉

que naturalmente não contém a orbital-spin χc que fica vazia e em que as restantes N−1 orbitais-spin permanecem idênticas às de NΨ0. O potencial de ionização de Ψ0 para este processo é

IP = N−1E − NE0

em que N−1E e NE0 são os valores expectáveis da energia dos dois estados N−1Ψ e NΨ0,respectivamente

N−1E = 〈 N−1Ψ|H| N−1Ψ〉NE0 = 〈 NΨ0|H| NΨ0〉

Dependendo de qual das orbitais-spin χc foi removido o electrão, o estado N−1Ψ pode ser ounão o estado fundamental da espécie ionizada. Uma vez que N−1Ψ é um estado diferente deNΨ0, as suas orbitais-spin não serão idênticas às de NΨ0, mas vamos supor que são, paramaior simplicidade. Podemos assim mais facilmente calcular a diferença de energia entre os doisestados, usando a expressão (7.43):

NE0 =osoc∑

a=1

haa +1

2

osoc∑

a,b=1

〈ab||ab〉

em que os índices a, b, ... se referem a orbitais-spin ocupadas em NΨ0. Identicamente temos

N−1E =osoc∑

a 6=chaa +

1

2

osoc∑

a 6=c,b6=c〈ab||ab〉

O potencial de ionização é a diferença entre N−1E e NE0:

IP = N−1E − NE0 =

= −hcc −1

2

osoc∑

a

〈ac||ac〉 − 1

2

osoc∑

b

〈cb||cb〉

= −hcc −osoc∑

b

〈cb||cb〉

Ora, de acordo com (7.38), εc = hcc +osoc∑

b=1(Jcb −Kcb) = hcc +

osoc∑

b=1〈cb||cb〉, sendo portanto

IP = −εc

De modo idêntico, poderíamos calcular a afinidade electrónica EA = NE0 − N+1E = −εv.

Na química quântica, a estrutura electrónica dos átomos ou moléculas é assim descritaem termos de orbitais e níveis de energia calculados para um electrão, que se move nocampo dos núcleos e no campo médio resultante das interacções com todos os outros

206

Page 227: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

electrões. A distribuição dos electrões pelas orbitais espaciais constitui a configuraçãoelectrónica. Os estados polielectrónicos resultantes das configurações são os chamadostermos das configurações. Como se descreve no Apêndice A1, os estados polielectrónicosde átomos e moléculas só podem ser descritos em termos de funções próprias do mo-mento angular total, uma vez que os momentos angulares individuais dos electrões nãosão observáveis — as interacções de vários tipos, nomeadamente as de Coulomb, spin epermuta, impedem que as funções de onda polielectrónicas sejam produtos simples dasfunções de onda monoelectrónicas. É portanto pertinente distinguir entre níveis (e or-bitais), configurações e estados polielecrónicos, o que se ilustra na Figura 7.6. Devemainda ter-se em conta as nomenclaturas: para os átomos, letras minúsculas para níveis (eorbitais), e letras maiúsculas para estados polielectrónicos; para moléculas, as correspon-dentes letras gregas.

E

2p2s2p

1s2s

2s

1s1s2

P

P

S

S

S1

1

1

3

3

ÁTOMOS

Níveis

monoelectrónicos

(orbitais) Configurações

electrónicas

Estados

(polielectrónicos)

E

MOLÉCULAS

Níveis

monoelectrónicos

(orbitais) Configurações

electrónicas

Estados

(polielectrónicos)

sg

sg

2sg

su*

su*

su*

2 S1g

+

S1u

+

S3g

+

S1g

+

Figura 7.6: Ilustração das diferenças entre níveis das orbitais, configuraçõese estados.

Estão assim completadas as duas primeiras tarefas para chegar à energia do estado funda-mental de um sistema de N electrões. Resta examinar quais os parâmetros variacionais,o que faremos a seguir.

207

Page 228: Química Computacional - Livro completo

PA R Â M E T R OS V A R IA C IO N A IS . A PR O X IM A Ç ÃO D A S

C O M B IN A Ç ÕES L IN E A R E S

7 . 5 PARÂMETROS VARIAC ION A IS . APROXIMAÇ ÃO DASCOMBINAÇÕ ES L INEAR E S

7.5.1 Aproximação das Combinações Lineares

Até agora admitimos a existência de conjuntos de orbitais moleculares7 (espaciais) ψi,ou orbitais-spin χi, supostamente soluções das equações de Hartree-Fock (7.42), masnão dissemos como realmente se obtinham. É aqui que entra o método variacional.Vamos propor que as ψi sejam combinações lineares de uma dada base de dimensão L,φp(r − Rp), centradas no(s) núcleo(s) (portanto, em princípio, orbitais atómicas):

ψa(r) =

L∑

p

capφp(r − Rp) =

L∑

p

capφp p = 1, 2, ...L (7.52)

Os coeficientes cap são os parâmetros a determinar pelo método variacional. São tambémos coeficientes que constituem a matriz de transformação da base das orbitais (atómicas),φp, na base das orbitais (moleculares), ψa. Uma vez escolhida a base φp, o problemado cálculo da energia do sistema reduz-se a uma simples mudança de base.

7.5.2 Bases das Combinações Lineares

A ideia de orbital molecular como uma função de onda abrangendo toda uma moléculafundamenta-se no princípio da sobreposição, segundo o qual os electrões da moléculapodem ser descritos por funções de onda que envolvem toda, ou parte, da molécula.Essa sobreposição pode ser concretizada por uma combinação linear de orbitais atómicas(centradas nos núcleos).

Em princípio, as funções de base deveriam ser parecidas com as orbitais atómicas verda-deiras e uma vez que o átomo de hidrogénio pode ser resolvido exactamente, poderiamusar-se as suas funções próprias. A orbital 1s é da forma Ne−ζr que é relativamentesimples e satisfaz as condições aos limites. As funções com momento angular superior,como as p e d, podem ser facilmente construídas a partir das s, multiplicando por factoresenvolvendo x, y e z. Funções base deste tipo chamam-se orbitais do tipo Slater ou STO(Slater type orbitals) e são essencialmente da forma

φSTO = Nrn−1e−ζrY`m(θ, φ)

ouφSTO = Nxaybzce−ζr (7.53)

7O método é também usado para átomos polielectrónicos, não sendo nesse caso a designação molecular

aplicável. Ver Complemento 7C.

208

Page 229: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

em que ζ é o chamado expoente orbital zeta (que pode associar-se a Z∗/n, sendo Z∗ o“número atómico efectivo”). N é a constante de normalização, e os factores em x, y e zdão conta das orbitais px, py, pz, dxy, etc., consoante os expoentes a, b e c. Um conjuntode base pode ser identificado pelos expoentes ζ para cada tipo de orbital usada.

Se usarmos um função de base, φSTO, para cada uma das orbitais atómicas ocupadas(e.g., 1s, 2s, 2p para o átomo de carbono), então o conjunto de base (basis set) é chamadouma base mínima. Se usarmos duas funções para cada uma das orbitais ocupadas, diz-seque a base é de qualidade zeta dupla.

Para minimizar problemas inerentes ao cálculo de integrais com funções exponenciais,usam-se frequentemente formas gaussianas, exp(−αr2), para a parte radial da função:

φGTO = Nxaybzce−αr2

(7.54)

em que a, b, c são inteiros e, α é um parâmetro fixo, sendo em geral usadas somas devárias destas gaussianas, para cada φ (contracted gaussian function):

φCGFp =

r

krpφGTOr (7.55)

As formas das gaussianas são obtidas por ajustamento às exponenciais. Surgem assimsiglas como STO-3G em expressões do tipo “cálculos realizados com uma base STO-3G”.STO-3G é a sigla para Slater type orbitals-3 gaussians e significa que foi usada uma basemínima de orbitais do tipo Slater formadas pela soma de três gaussianas ajustadas.

A escolha da base e simultaneamente do nível de teoria que se pretende usar é essencialpara determinar a qualidade do cálculo. Para testar a qualidade da base usa-se o teoremade virial 〈T 〉 = − 1

2 〈V 〉, o qual também pode ser usado para optimizar os parâmetros ζ dasSTO, calculando ζ de modo a satisfazer a relação 〈T (ζ)〉 = − 1

2 〈V (ζ)〉. Pode demonstrar-se que isso é equivalente a minimizar a energia, fazendo dE

dζ = 0.

7.5.3 Expressões da Energia na Base das Combinações Lineares

Retomando o raciocínio, podemos escrever os integrais para o cálculo da energia na baseφ. Vamos depois usar (7.46 ou 7.49), vindo para o primeiro termo, em haa

haa = 〈ψa|h|ψa〉 =

L∑

p

L∑

q

capca∗

q 〈φp|h|φq〉 =

L∑

p

L∑

q

capca∗

q Hpq (7.56)

Os termos haa transformam-se, na base φp, numa matriz H de elementos

Hpq = 〈φp|h|φq〉 (7.57)

209

Page 230: Química Computacional - Livro completo

PA R Â M E T R OS V A R IA C IO N A IS . A PR O X IM A Ç ÃO D A S

C O M B IN A Ç ÕES L IN E A R E S

vindo para a primeira parcela da energia (7.46 e 7.49)

n

oc∑

a=1

haa = n

oc∑

a

L∑

p

L∑

q

capca∗

q Hpq = n

L∑

p

L∑

q

(

oc∑

a

capca∗

q

)

Hpq (7.58)

sendo n = 1 ou 2 consoante, a versão do método for RHF ou UHF.

Convém introduzir aqui a matriz densidade8 D

D = nCC†

de elementos

Dpq = noc∑

a

capc∗

q (7.59)

vindo para a primeira parcela da energia

noc∑

a=1

haa =L∑

pq

DpqHpq (7.60)

Cada elemento Dpq, da matriz densidade, é o somatório, estendido a todas as orbitaismoleculares ocupadas, dos quadrados ou produtos cruzados dos coeficientes associados acada orbital atómica (afectados do factor n), tendo portanto um significado probabilísticoque analisaremos mais adiante.

Nota muito importante: Em notação matricial devemos escrever D = n|C〉〈C| = nCC† em

que C é a matriz de elementos cap agrupados em colunas ca, cada uma das quais constitui o vec-

tor que representa a orbital molecular a na base Φ = φp (ou seja, ψa(r) =L∑

pcapφp). Para maior

clareza, escrevamos a matriz densidade para o caso de duas orbitais a e b ocupadas, numa base

de três orbitais atómicas (L = 3). Seja C =

ca1 cb1ca2 cb2ca3 cb3

. Vem C† =

(

ca∗

1 ca∗

2 ca∗

3

cb∗

1 cb∗

2 cb∗

3

)

e

D = nCC† = n

ca1ca∗

1 + cb1cb∗

1 ca1ca∗

2 + cb1cb∗

2 ca1ca∗

3 + cb1cb∗

3

ca2ca∗

1 + cb2cb∗

1 ca2ca∗

2 + cb2cb∗

2 ca2ca∗

3 + cb2cb∗

3

ca3ca∗

1 + cb3cb∗

1 ca3ca∗

2 + cb3cb∗

2 ca3ca∗

3 + cb3cb∗

3

=

=

D11 D12 D13

D21 D22 D23

D31 D32 D33

A matriz densidade é, portanto, necessariamente quadrada, como se vê, embora a matriz C

normalmente não o seja. Para uma melhor compreensão sugere-se a resolução dos problemas doComplemento 7G. Esclarece-se, ainda, que o uso de C

†C, em vez de CC

†, daria um resultadoque não corresponde ao significado da matriz densidade.

8A matriz densidade é, por definição, D = |C〉〈C| = CC† (ver Capítulo 3). É no entanto vantajoso que D

absorva o factor n, que é o grau de ocupação das orbitais (1 ou 2, consoante as orbitais estão ocupadas comum ou com dois electrões), definindo-se assim algo que poderia chamar-se mais propriamente densidade

electrónica.

210

Page 231: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

Por sua vez, na segunda parcela de (7.49), para a versão RHF, os integrais envolvendodois electrões, ou seja, os integrais da forma geral9 (ab|cd) são facilmente convertidos deacordo com

(ab|cd) =

L∑

p

L∑

q

L∑

r

L∑

s

capcbqcc∗

r cd∗

s (pq|rs) (7.61)

Podemos então escrever a expressão da energia nas aproximações de Hartree-Fock restritae das combinações lineares (RHF-LC (linear combination)):

ERHF =∑

pq

DpqHpq +1

2

pqrs

DpqDrs

[

(pq|sr) − 1

2(pr|sq)

]

(7.62)

ou

ERHF =1

2

pq

Dpq

2Hpq +∑

rs

Drs

[

(pq|sr) − 1

2(pr|sq)

]

(7.63)

sendo habitual chamar G à matriz de elementos:

Gpq =∑

rs

Drs

[

(pq|sr) − 1

2(pr|sq)

]

(7.64)

e F à matriz de elementos:

Fpq = Hpq +∑

rs

Drs

[

(pq|sr) − 1

2(pr|sq)

]

(7.65)

sendoF = H + G (7.66)

Podemos assim escrever a energia (sem incluir a repulsão nuclear) sob a forma10

ERHF =1

2

pq

Dpq(Hpq + Fpq) (7.67)

ou em termos do traço da matriz [D(H + F)]:

ERHF =1

2tr[D(H + F)] (7.68)

De modo semelhante podemos calcular a energia pelo método das combinações lineares(Hartree-Fock) para camadas incompletas. Em princípio, nesse caso, há a possibilidade detratar os electrões emparelhados, separadamente, mas a versão não restrita, unrestricted

9Pode assumir-se que as funções base são reais e fazer uso da simetria dos integrais de dois electrões:(pq|rs) = (qp|rs) = (rs|pq), etc.

10Não esquecer que o grau de ocupação, n, neste caso, RHF, n = 2, está absorvido na matriz densidade,

Dpq =oc∑

a2capc

a∗q .

211

Page 232: Química Computacional - Livro completo

PA R Â M E T R OS V A R IA C IO N A IS . A PR O X IM A Ç ÃO D A S

C O M B IN A Ç ÕES L IN E A R E S

Hartee-Fock (UHF), que utiliza orbitais-spin ocupadas por um só electrão, é mais geral.Normalmente usam-se dois conjuntos de orbitais espaciais separados, sendo os electrõesde spin α descritos por um conjunto de orbitais espaciais ψαj (r) e os electrões de spin

β por um conjunto diferente de orbitais espaciais ψβj (r) (ver Figura 7.4). Ao introduziruma base, as orbitais espaciais não restritas são da forma

ψαa (r) =

L∑

p

caαp φp

ψβa (r) =

L∑

p

caβp φp

podendo definir-se duas matrizes densidade, Dα e Dβ cuja soma é a matriz densidadetotal,

DT = Dα + Dβ Dα = Dβ = (1/2)DT com D = CC†

Vem assim, para a energia UHF,

EUHF =1

2

pq

(

DTqpHpq +Dα

qpFαpq +Dβ

qpFβpq

)

(7.69)

ouEUHF =

1

2tr(

DTH + DαFα + DβFβ)

(7.70)

Pode definir-se aqui a matriz densidade de spin como

DS = Dα − Dβ

7.5.4 Cálculo das Energias das Orbitais e dos Coeficientes das Combi-nações Lineares

Resta saber como calcular os coeficientes das combinações lineares cap, bem como osvalores das energias das orbitais εa, minimizando a energia total ao mesmo tempo.

Precisamos de resolver a equação de valores próprios (equação 7.42) fχa = εaχa, em quef é o operador de Fock (ver 7.38) e χa são as orbitais-spin. Uma vez que as componentesde spin dão para os integrais valores 0 ou 1 e são fáceis de calcular11, vamos ocupar-nosapenas das orbitais espaciais12. As equações de HF são

f ψa = εa ψa (7.71)

11Ver Complemento 7A.12Embora não apareça aqui nenhum critério de minimização do funcional da energia E[Ψ(cp)], esse critérioestá escondido na equação secular obtida pelo método dos multiplicadores de Lagrange (ver Capítulo 6).

212

Page 233: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

sendo

ψa =

L∑

p

capφp (7.72)

Substituindo (7.71) em (7.72), vem

f

L∑

p

capφp =

L∑

p

capfφp = εa

L∑

p

capφp (7.73)

Fazendo o produto interno à esquerda com φq, vem

L∑

p

cap〈φq|f |φp〉 = εa

L∑

p

cap〈φq |φq〉 para cada q (7.74)

com

〈φq |f |φp〉 =

φ∗p(r − Rp)f(r)φq(r − Rq)dτ = Fpq (7.75)

e (para os integrais de sobreposição)

〈φq|φp〉 =

φ∗p(r − Rp)φq(r − Rq)dτ = Spq (7.76)

dandoL∑

p

capFpq = εa

L∑

p

capSpq (7.77)

e finalmenteL∑

p

(Fpq − εaSpq) cap = 0 q = 1, 2, ...L (7.78)

que é um sistema de equações homogéneas (equações seculares) que tem soluções nãotodas nulas para os cap, se for atendida a condição

det (Fpq − εaSpq) = 0 (7.79)

Para calcular as energias, basta resolver o equação (7.79), que se transforma numaequação polinomial de grau L. As soluções são os valores εa das energias das váriasorbitais moleculares. Note-se que o número de valores de εa (e orbitais moleculares)obtidas é L, sendo algumas ocupadas e outras não (estas chamadas orbitais virtuais).

As equações 7.78 são as equações de Roothaan. Para o método UHF as equações cor-respondentes, uma para os electrões de spin α e outra para os electrões de spin β estãoacopladas e são chamadas as equações de Pople-Nesbet. Note-se que, em geral,Nα 6= Nβ ,caso contrário existe uma solução restrita para a qual as equações de Pople-Nesbet de-generam nas equações de Roothaan.

213

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PA R Â M E T R OS V A R IA C IO N A IS . A PR O X IM A Ç ÃO D A S

C O M B IN A Ç ÕES L IN E A R E S

Substituindo os valores de εa no sistema (7.78), obtêm-se relações entre os coeficientesque juntamente com a condição de normação

L∑

pq

ca∗

q capSpq = 1 (7.80)

permitem calcular os cap.

Uma vez determinados os coeficientes cap podemos escrever as funções de onda (orbitais)

como ψa =L∑

pcapφp. Com esses valores podemos construir a matriz densidade de elemen-

tos Dpq = noc∑

pqcapc

a∗

q e com ela calcular a energia electrónica pela expressão (7.67) ou

equivalente. A matriz densidade permite-nos ainda calcular várias propriedades relevan-tes, como veremos adiante.

Para efeitos de cálculo computacional convém usar notação matricial. Pode ver-se que aexpressão (7.78) se pode escrever em notação matricial sob a forma (F − εS)C = 0, ou

FC = εSC (7.81)

em que C é a matriz cujas colunas são as orbitais moleculares de coeficientes ca = cap.F e S são respectivamente as matrizes de Fock e de sobreposição de componentes Fpq eSpq.

A forma (7.81) não é, no entanto, muito conveniente, por não ter a forma simples deuma equação de valores próprios (a base de C não é ortogonal). Precisamos pois detransformar a equação (7.81) numa equação da forma

F′C′ = εC′ (7.82)

o que se consegue usando a matriz de transformação X = S−1/2. De facto, multiplicando(7.81) à esquerda por S−1/2, vem

S−1/2FC = εS−1/2SC (7.83)

Introduzindo entre F e C, o factor S−1/2S1/2 (que é igual a 1) e notando que S−1/2S =

S1/2, vem

S−1/2FS−1/2S1/2C = εS1/2C (7.84)

Fazendo S−1/2FS−1/2 = F′ e S1/2C = C′ vem

F′C′ = εC′ (7.85)

214

Page 235: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

que tem a forma desejada, sendo

F′ = X†CX, com X = S−1/2 (7.86)

X = S−1/2 pode calcular-se a partir da matriz de sobreposição S: em primeiro lugardiagonaliza-se S, obtendo-se a matriz s (diagonal), e com os seus elementos constrói-sea matriz X = Us−1/2, tais que Xik = Uik/s

1/2k . U é a matriz que diagonaliza S, sendo

U†SU = s. Recorda-se que para diagonalizar uma matriz há vários métodos como porexemplo o método de Jacobi. Para diagonalizar uma matriz “à mão” podemos resolvero determinante secular det(Spq − λδpq) = 0. Para melhor visualizar os pormenores destemétodo, vejam-se os complementos deste capítulo.

7 . 6 MÉTODO DO CAMPO AUTOCOE R E N TE (SCF ) . CÁLCU -LOS AB INITIO

O ponto de partida para um cálculo ab initio13 é naturalmente a geometria da moléculae a natureza e coordenadas dos átomos que a constituem. Note-se que, no hamiltonianofiguram as coordenadas dos núcleos fixos, R, para além das coordenadas dos electrões,r. Em alternativa, pode determinar-se a geometria de equilíbrio da molécula, por mini-mização do funcional E[Ψ(R)], sendo R os parâmetros variacionais.

Para efeitos de cálculo computacional, podemos adoptar o seguinte procedimento:

PROCEDIMENTO RHF-SCF

1. Especificar a molécula (conjunto de coordenadas nucleares RA; números atómicosZA; número de electrões N) e base φp.

2. Calcular os integrais S, T , Vne, Vee e construir as matrizes S,T,Vne e H = T+Vne.

3. Diagonalizar a matriz S, para obter a matriz de transformação X, usando X =

Us−1/2. (U é a matriz que diagonaliza S: U†SU = s).

4. Escolher uma primeira versão da matriz D = 2CC† (e.g., D = 0).

5. Construir a matriz G = Gpq, com Gpq =∑

rsDrs[(pq|sr) − 1

2 (pr|sq)].

6. Construir a matriz de Fock, F = H + G.

7. Converter F em F′ = X†FX.

13ab initio significa desde o princípio. Neste caso, significa usar o hamiltoniano completo e resolver aequação de Schrödinger na aproximação de Hartree-Fock.

215

Page 236: Química Computacional - Livro completo

A N Á L I S E D E PO PU L A Ç Õ E S E L E C T R Ó N ICAS

8. Diagonalizar F′ para obter ε e C′, (resolvendo a equação det(F ′pq − εSpq) = 0 e

calculando os coeficientes (matriz C′) através do sistema secular).

9. Converter C′ em C = XC′.

10. Calcular a nova matriz densidade D = 2CC†.

11. Calcular a nova matriz G usando a matriz densidade, D, calculada em 10.

12. Calcular F = H + G (usando G calculada em 11).

13. Calcular a energia total ERHF = 12 tr[D(H + F)].

Nesta altura temos uma (nova) versão da energia total, ERHF; das energias das orbitaismoleculares, matriz ε; dos coeficientes das orbitais moleculares, matriz C; e consequen-temente da matriz densidade, D.

A matriz D calculada em 10 é usada para voltar ao passo 5 e iterar até autocoerência daenergia total e da matriz densidade.

De modo idêntico se procederia para o método não restrito UHF .

7 . 7 ANÁL ISE DE POPULAÇ ÕE S ELECTRÓ N IC AS

A partir da função de onda Ψ é possível calcular várias propriedades moleculares. Emparticular, é possível calcular mapas de distribuição da densidade electrónica. De facto,os postulados da mecânica quântica estabelecem que, embora a função de onda não tenhasignificado físico, pode definir-se uma quantidade física, a densidade electrónica, ρ, quetem um valor definido, ρ(r), em cada ponto de coordenadas r e que, na teoria das orbitaispode ser associada às orbitais moleculares, sendo

ρi(r) = ni|ψi(r)|2 (7.87)

a densidade electrónica no ponto de coordenadas r, associada à orbital molecular ψi(r),suposta ocupada por ni electrões. A densidade electrónica total será o somatório esten-dido a todas as orbitais ocupadas:

ρ(r) =

oc∑

i

ni|ψi (r)|2 (7.88)

A integração da função densidade electrónica para todo o espaço da molécula dá o númerototal de electrões:

ρ(r)dr = N (7.89)

216

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

A função de distribuição da densidade electrónica, ρ(r), é de importância fundamentalnas aplicações à química, permitindo a construção de mapas de densidade de carga e aanálise das populações electrónicas. As superfícies que constituem os lugares geométricosdos pontos de igual densidade electrónica, ou seja, de iguais valores de ρ(r) constituema informação teórica equivalente aos mapas de densidade electrónica obtidos pelos cris-talógrafos, por difracção de, por exemplo, raios X .

Partindo do princípio que as orbitais moleculares são combinações lineares de um con-junto de orbitais atómicas (base φp), normada, mas não necessariamente ortogonal,podemos escrever

ρ(r) =

oc∑

i

ni|ψi(r)|2 =

oc∑

i

ni∑

p

q

cipci∗

q φ∗p(r)φq(r) =

p

q

Dpqφ∗p(r)φq(r) (7.90)

supondo que as orbitais estão ocupadas pelo mesmo número de electrões, ni = n (1 ou

2, consoante a versão do cálculo é RHF ou UHF) e sendo Dpq =oc∑

i

ncipci∗

q os elementos

da matriz densidade.

De acordo com (7.89), e atendendo a que∫

φ∗p(r)φq(r)dr = Spq, conclui-se que o númerototal de electrões da molécula, N , deverá satisfazer a expressão

ρ(r)dr =∑

p

q

DpqSpq = tr(DS) = N (7.91)

em que tr(DS) é o traço da matriz produto das matrizes D e S.

Há vários métodos para determinar o número de electrões associados a cada núcleo numamolécula. Um dos mais usados é o método de Mulliken14, que passamos a expor.

7.7.1 Método de Mulliken

A análise populacional de Mulliken usa uma matriz

M = DpqSpq (7.92)

Note-se que a matriz M de elementos DpqSpq não é o produto matricial usual das ma-trizes D e S, mas sim a matriz cujos elementos são os produtos dos elementos correspon-dentes15 nas matrizes D e S.

14R. S. Mulliken, J. Chem. Phys., 23, 1833 (1955).15Note-se que os elementos da matriz A = DS são Apr =

q=1DpqSqr enquanto os da matriz M são

DpqSpq. Por essa razão evitámos usar a notação DS, para a matriz de Mulliken, como é feito em muitada literatura.

217

Page 238: Química Computacional - Livro completo

A N Á L I S E D E PO PU L A Ç Õ E S E L E C T R Ó N ICAS

A matriz M, chamada matriz de Mulliken, é usada para distribuir os electrões pelascontribuições atómicas. Um elemento diagonal Mpp = DppSpp é o número de electrõesna orbital atómica p. Os elementos não diagonais Mpq = DpqSpq são metade do númerode electrões partilhados pelas orbitais atómicas p e q (havendo um elemento correspon-dente Mqp). As contribuições de todas as orbitais atómicas localizadas num dado átomosomam-se para dar o número de electrões (a população) associados a esse átomo. Issorequer a decisão de como dividir as contribuições que envolvem orbitais atómicas cen-tradas em diferentes átomos. No esquema de Mulliken, essa contribuição é igualmentepartilhada pelos dois átomos envolvidos. A população electrónica de Mulliken, para umdado átomo A é dada por

nA =

OA∑

p∈A

OA∑

q

DpqSpq =

OA∑

p∈A

OA∑

q

Mpq (7.93)

Esta população inclui a população líquida do átomo A (nAlíq=

OA∑

p∈ADppSpp =

OA∑

p∈AMpp,

relativa às orbitais atómicas centradas nesse átomo) mais as populações de sobreposiçãopartilhadas por esse átomo, podendo escrever-se essas quantidades separadamente:

nA =

OA∑

p∈AMpp +

1

2

OA∑

p∈A

OA∑

q 6=pMpq (7.94)

Note-se que a população (total) nA do átomo A, é dada directamente pela soma doselementos diagonais da matriz DS relativos às orbitais atómicas centradas no átomo A.

A carga eléctrica (total) no átomo A é a soma da carga nuclear com as contribuiçõeselectrónicas:

qA = ZA − nA (7.95)

A interpretação dos resultados de uma análise populacional deve ser cuidadosa, na medidaem que é preciso ter em conta que podem existir vários modos de atribuir carga electrónicaa um dado átomo numa molécula. Qualquer comparação de distribuições de carga e decargas atómicas para um dado conjunto de moléculas só é válida para cálculos feitos coma mesma base e ao mesmo nível de aproximações.

No caso de haver orbitais com dois electrões e orbitais só com um, é mais simples fazero cálculo separado das duplamente ocupadas e das simplesmente ocupadas.

7.7.2 Método de Löwdin

O método de Löwdin usa a matriz D′ = S1/2DS1/2 para a análise populacional e éequivalente à análise populacional feita directamente a partir da matriz densidade na

218

Page 239: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

base ortonormada Φ′, obtida pela transformação da base inicial através da matriz detransformação S−1/2 (ver expressão (7.82) e seguintes). De facto

tr(DS) = N

tr[S1/2D(S1/2S1/2)] = tr(S1/2N)

tr[S1/2DS1/2(S1/2S−1/2)] = tr(S1/2NS−1/2)

tr(S1/2DS1/2) = trD′ = N

Note-se que a matriz D′ é diagonal!...

As análises de Mulliken e de Löwdin dão valores diferentes para as populações atómicas,mas do ponto de vista formal não pode concluir-se qual é a melhor opção, havendoproblemas com qualquer dos métodos, dependendo da base usada.

A matriz densidade (ou a matriz de Mulliken) pode ser usada para gerar informaçãosobre as ordens de ligação. Segundo Mulliken, a ordem de ligação entre dois átomos A eB é dada por

OLAB =∑

p∈A

q∈BMpqMqp (7.96)

Nos métodos semiempíricos em que a matriz S é a matriz unidade (como no caso dométodo de Hückel), a análise populacional pode ser feita directamente a partir da matrizdensidade. Em alguns casos faz-se uma análise de Mulliken com a matriz M, o que requero cálculo explícito da matriz S.

7.7.3 Análise da Estrutura de Lewis

Ao discutir deslocalização e reactividade em termos de ligações σ e π é, por vezes, con-veniente considerar hibridações e calcular as populações de sobreposição directamenteentre as várias orbitais híbridas.

Se considerarmos um par de átomos A e B, podemos construir orbitais híbridas hA e hBfazendo combinações lineares de orbitais atómicas centradas nos átomos A e B. Cadaorbital atómica híbrida pode ser escrita como uma combinação linear das OA:

hA =

K∑

k

αAk φAk (7.97)

hB =

L∑

`

αB` φB` (7.98)

219

Page 240: Química Computacional - Livro completo

C O R R E L A ÇÃ O E L E C T R Ó N ICA . M É T O D O S PÓ S - H A R T RE E - FOCK

Por exemplo, a estrutura electrónica (exterior) do metano, CH4, pode ser descrita emtermos de orbitais híbridas sp3 do átomo de carbono, que se combinam com as orbitais1s dos átomos de hidrogénio. Esta análise, que se pode considerar como uma análiseda estrutura de Lewis, pode ser feita, de modo semelhante à análise de Mulliken daspopulações electrónicas, que fizemos no número anterior. A diferença entre a análise deMulliken e esta (“natural Bond orbital ”, NBO) está em que nesta a matriz densidade D éseparada em blocos, um bloco para cada átomo. Assim cada bloco na diagonal principalestá centrado num átomo, e os blocos não diagonais estão associados a orbitais atómicaspertencendo a todos os pares de átomos. Cada bloco diagonal é então diagonalizadousando o bloco da matriz de sobreposição associada. Se considerarmos o átomo A, porexemplo, a diagonalização com respeito a SAA do bloco a ele associado dá os valoresn

(A)i , para o número de electrões numa dada orbital hAi , que é o seu vector próprio:

DAAh(A)i = n

(A)i h

(A)i (7.99)

neste esquema esperamos ni = 2 para cada orbital duplamente ocupada (lone pair) eni = 1 para cada orbital semipreenchida disponível para covalência. As orbitais cova-lentes ligantes duplamente ocupadas são obtidas de modo semelhante, diagonalizando osub-bloco 2 × 2 DAB com respeito ao correspondente sub-bloco SAB expresso por

D(AB)h(AB)i = n

(AB)i S(AB)h

(AB)i (7.100)

D(AB) =

(

DAA DAB

DBA DBB

)

(7.101)

7 . 8 CORREL AÇ ÃO ELECTRÓN IC A . MÉTODOS PÓS -HA R -TREE -FO CK

Há pelo menos quatro fontes de erro importantes nos cálculos ab initio (de Hartree-Fock),nomeadamente: i) a não inclusão ou tratamento incompleto da correlação electrónica,ii) o facto de a base ser incompleta, iii) efeitos relativistas, e iv) desvios à aproximaçãode Born-Oppenheimer. De facto, as energias de átomos leves, por exemplo, calculadaspelo método de Hartree-Fock enfermam em geral de um erro da ordem de 0,5 por cento.Embora esse erro não pareça muito grande em termos absolutos, o facto de que ele é,em muitos casos, da ordem de grandeza da energia da ligação química, torna o métodoinsuficiente para muitas aplicações.

O erro devido ao facto de, na prática, termos de usar sempre bases incompletas, namedida em que, em princípio, só uma base infinita daria soluções exactas, pode sercontrolado por uma escolha adequada, atendendo às dimensões do sistema, aos meios decálculo disponíveis e à exigência requerida.

220

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

Os erros devidos a efeitos relativistas e à aproximação de Born-Oppenheimer são de menorimportância, sobretudo, para átomos leves, no primeiro caso. Assim, a fonte de erromais problemática é a energia de correlação. Como vimos, no método de Hartree-Fockas interacções entre os electrões são apenas consideradas como valores médios, enquantoas interacções reais são instantâneas. Os valores médios não têm, por exemplo, em contao facto de que os electrões tendem a mover-se de modo a minimizar, em cada instante,a repulsão entre eles, para além de interacções spin-spin. Segundo a aproximação deHartree-Fock, a probabilidade de encontrar um electrão na proximidade de outro electrãocom o mesmo spin é pequena, sendo que esta aproximação inclui um termo de correlaçãopara electrões do mesmo spin.

Em face das dificuldades em conhecer claramente todas as parcelas da energia devidasa estas contribuições, que se designam, de um modo geral, por correlação electrónica,define-se esta como a diferença entre a energia exacta numa aproximação não relativista,En−rel, e a energia calculada na aproximação de Hartree-Fock não relativista, EHF:

Ecorr ≡ En−rel − EHF (7.102)

Este é ainda um tema de intensa investigação, embora já existam métodos relativamentesatisfatórios para grande número de aplicações. De entre os métodos recentes, com maissucesso, destacam-se o método da interacção de configurações e o método de Møller-Plesset, que é um método de perturbações.

A teoria do funcional da densidade (DFT), que analisaremos em separado, por não serpropriamente um método de Hartree-Fock, supera muitos destes problemas, e por issoestá a ter uma enorme expansão.

7.8.1 Método da Interacção de Configurações (CI)

O método da interacção de configurações (CI) baseia-se no teorema da expansão, segundoo qual, para obedecer ao princípio de exclusão de Pauli, a função de onda para um sistemade N electrões pode ser uma combinação linear de todos os possíveis determinantes deSlater, que podem ser construídos com um dado conjunto de orbitais-spin, incluindoestados excitados).

Um cálculo deste tipo inclui os seguintes passos:

i) Definição de uma base de orbitais atómicas adequada.

ii) Cálculo autocoerente para obter as orbitais ocupadas e virtuais (não ocupadas) e ascorrespondentes orbitais-spin.

221

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C O R R E L A ÇÃ O E L E C T R Ó N ICA . M É T O D O S PÓ S - H A R T RE E - FOCK

iv) Uso das orbitais-spin obtidas para formar um conjunto adequado de configurações,(determinantes de Slater).

v) Escrita da função de onda total como uma combinação linear dos vários determinantesde Slater.

vi) Uso do princípio variacional para obter os melhores coeficientes da combinação linear.

É importante escolher as configurações que têm as propriedades de simetria do estado queestá a ser alvo do cálculo. Em geral, a função de onda total inclui não só a configuraçãodo estado fundamental, mas também configurações de estados excitados. Uma análisepormenorizada permite ver que o número de configurações cresce exponencialmente como número de electrões. É, assim, evidente que, na prática, há necessidade de limitar onúmero de configurações.

7.8.2 Métodos Perturbacionais. Teoria das Perturbações de Møller-Plesset

Um método alternativo ao método variacional para a determinação da energia de corre-lação é o método das perturbações. Como vimos no Capítulo 6, o método das pertur-bações é aplicável a situações em que a verdadeira energia do sistema é a soma de umtermo correspondente a um hamiltoniano H0, (não perturbado), cujas funções de ondae valores próprios são conhecidos, e de um termo muito menor cujo hamiltoniano, H ′,pode ser considerado uma perturbação ao primeiro. Neste caso, os métodos de cálculoda energia de correlação, partem das energias e funções de onda obtidas pelo método deHartree-Fock.

De entre os vários métodos perturbacionais destaca-se o de Møller-Plesset (MP), origina-riamente proposto em 193416, mas que só adquiriu importância em cálculos de químicaquântica por volta de 1975.

Neste método, o hamiltoniano é constituído por duas partes

H = H0 +H ′ (7.103)

em que H0 é o hamiltoniano de Hartree-Fock (ver expressão 7.41):

H0 =∑

i

f(i) =∑

i

[

T (i) + Vne(i) +

osoc∑

b=1

(Jb −Kb)

]

(7.104)

16C. Møller and M. S. Plesset, Phys. Rev., 46b, 618 (1934).

222

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

e a perturbação H ′ é a diferença entre o potencial de interacção electrão-electrão exacto,Vee, e o correspondente potencial na aproximação de Hartree-Fock,

H ′ =∑

i

[

Vee(i) −osoc∑

b=1

(Jb −Kb)

]

(7.105)

Por sua vez, a energia é também a soma da energia correspondente ao hamiltoniano nãoperturbado e dos termos da perturbação de várias ordens.

E = E0 + E′

+ E′′

+ ... (7.106)

E0 = 〈Ψ0|H0|Ψ0〉 =osoc∑

a

εa =osoc∑

a

〈χa|T + Vne +osoc∑

b=1

(Jb −Kb)|χa〉 (7.107)

E′ = 〈Ψ0|H ′|Ψ0〉 = 〈Ψ0|Vee −osoc∑

b=1

(Jb −Kb)|Ψ0〉 =

= −1

2

osoc∑

a,b

(〈ab|ab〉 − 〈ab|ba〉) (7.108)

uma vez que

〈Ψ0|Vee|Ψ0〉 =1

2

osoc∑

a,b

(〈ab|ab〉 − 〈ab|ba〉) (7.109)

e

〈Ψ0|osoc∑

b=1

[Jb −Kb]|Ψ0〉 =

osoc∑

a,b

(〈ab|ab〉 − 〈ab|ba〉) (7.110)

Tomadas em conjunto, as energias de ordem zero e de primeira ordem, (E0 +E′), dão aenergia de Hartree-Fock do estado fundamental. Poderia parecer que E0 fosse a energia

de Hartree-Fock do estado fundamental, mas, como vimos em (7.47), E0 6=osoc∑

aεa. O

valor expectável de H0 éosoc∑

aεa e é o que serve aqui de referência.

A energia da perturbação de segunda ordem é, de acordo com (6.30),

E′′ =∑

b6=a

|〈Ψ0a|H ′|Ψ0

b〉|2E0a − E0

b

(7.111)

em que o somatório é sobre os determinantes de Slater correspondentes a estados simples-mente excitados, ou duplamente excitados, que envolvem orbitais ocupadas e não ocu-padas (no estado fundamental)

E′′ =1

2

osoc∑

a,b

osoc∑

r,s

〈ab|rs〉(〈rs|ab〉 − 〈sr|ab〉)(εa + εb) − (εr + εs)

(7.112)

223

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M É T O D O S S E M IE M P ÍR ICOS

A derivação desta expressão é relativamente elaborada, mas pode ser facilmente encon-trada na bibliografia. Não a faremos aqui, para não tornar este texto ainda mais densoe longo.

Na gíria da química quântica, o método que permite calcular a energia de segunda ordemE

′′

chama-se MP2 (Møller-Plesset 2).

As energias de perturbação de ordens superiores são mais complicadas, e não vamos aquiincluí-las.

7 . 9 MÉTODOS SEMIEMPÍR IC OS

Nem sempre os métodos ab initio são satisfatórios, no que respeita à reprodução dosresultados experimentais, e além disso requerem meios de cálculo, por vezes, dispendiososou inacessíveis. Existe uma grande variedade de métodos semiempíricos, nos quais sefazem várias aproximações adicionais, de modo a reduzir as dificuldades de cálculo e aaumentar a precisão. Pelas razões já referidas, não tentaremos sequer enumerar os váriosmétodos semiempíricos actualmente disponíveis em pacotes de software. Referiremosapenas as ideias mais importantes e as aproximações que sustentam alguns dos maisutilizados. Em geral, os métodos semiempíricos limitam-se aos electrões de valência,não considerando explicitamente os electrões do cerne, que pouco contribuem para ocomportamento químico das moléculas. O operador de Fock é então da forma

f = hcerne +osoc∑

b=1

(Jb −Kb) (7.113)

em que hcerne inclui o termo de energia cinética e de atracção para o cerne (em vezde para os núcleos, nus). Os integrais envolvendo hcerne são em geral substituídos porparâmetros empíricos ou calculados separadamente.

As energias e as orbitais moleculares são calculadas, de modo idêntico ao descrito ante-riormente, através de uma equação secular.

7.9.1 Método de Hückel Simples

O método de Hückel simples aplica-se a moléculas com electrões π em sistemas de duplasligações conjugadas. O sistema de ligações σ, que constitui o esqueleto da molécula éconsiderado como que o seu cerne, e apenas os electrões π são equiparados a electrõesde valência. Os cálculos das energias das orbitais π baseiam-se na anulação dos integraisde sobreposição, i.e., Spq = δpq. O método não considera explicitamente as interacções

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Page 245: Química Computacional - Livro completo

T E O R IA D A S O R B IT A I S

electrão-electrão, pelo que os elementos matriciais F da expressão (7.65) e (7.66) sãogeralmente substituídos pelo primeiro termo H .

É habitual usar a seguinte notação:

Hpp = α integrais de Coulomb

Hpq = β se p e q forem adjacentes integrais de ressonância (7.114)

Spq = δpq

No Complemento 7F faz-se uma descrição mais pormenorizada do método de Hückel.Dada a sua simplicidade, este método é particularmente adequado a fins pedagógicos.

7.9.2 Método de Hückel Estendido

Um dos métodos semiempíricos mais usados para moléculas não planas é o método deHückel estendido, o qual é semelhante ao método de Hückel simples, mas estendido atodos os electrões de valência. O hamiltoniano para os electrões de valência é consideradocomo a soma de hamiltonianos monoelectrónicos efectivos não explícitos. Cada orbitalmolecular de valência contém contribuições de todas as orbitais atómicas envolvidasno sistema (de electrões de valência), as quais são, em geral, STO com expoentes fixosdeterminados pelas conhecidas regras de Slater. O cálculo recorre à equação secular, masnão despreza os integrais de sobreposição. Tal como no método de Hückel simples, osintegraisHpp e Hpq envolvendo orbitais atómicas são parâmetros empíricos ou estimados.

7.9.3 Método de Pariser-Parr-Pople (PPP)

O método de Pariser-Parr-Pople (PPP) também se aplica a electrões π, mas tem em contaas interacções electrão-electrão e usa determinantes de Slater das orbitais-spin π, paraas funções de onda polielectrónicas, sendo bastante melhor do que o método de Hückelsimples. Para as combinações lineares, usa bases 2pπSTO, para as orbitais 2pz em cadaátomo de carbono envolvido em ligações conjugadas. Para além da não inclusão explícitado sistema de ligações σ, o método de PPP recorre a outras aproximações, nomeadamenteà anulação dos integrais de sobreposição, como no método de Hückel, e ainda à chamadaaproximação da sobreposição diferencial nula (zero diferential overlap, ZDO), que comoo nome indica, considera que φ∗p(r)φq(r)dτ = 0, para p 6= q. Desta aproximação resultaque os integrais do tipo (pq|rs) se reduzem a (pq|rs) = δpqδrs(pp|rr), ignorando portantomuitos (mas não todos) os integrais de repulsão electrónica, o que simplifica os cálculos.

225

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M É T O D O S S E M IE M P ÍR ICOS

7.9.4 Métodos de CNDO e INDO

Estes métodos, hoje em dia já muito pouco utilizados, são generalizações do método dePPP, aplicáveis a moléculas planas e não planas e tratam apenas os electrões de valênciaexplicitamente. Os métodos de CNDO (complete neglect of differential overlap) usam aaproximação de ZDO, para todos os pares de orbitais atómicas em sobreposição e inte-grais de repulsão (ver método anterior). Os métodos de INDO (intermediate neglect ofdifferential overlap) envolvem aproximações menos radicais, distinguindo, por exemplo,entre estados singuletos e estados tripletos, nos quais os dois electrões (em orbitais dife-rentes do mesmo átomo) estão, respectivamente, emparelhados ou têm spins paralelos.Integrais do tipo 〈p|q〉 não são desprezados, se φp e φq estão centrados no mesmo átomo.

7.9.5 Métodos Paramétricos (MINDO, MNDO, AM1, PM3, SAM1 e MIN-DO/d)

Este conjunto é representativo de uma classe de métodos especialmente adaptados ao cál-culo de energias de ligação, onde os métodos ab initio falham redondamente. Baseiam-sena escolha de parâmetros semiempíricos e dão melhores resultados do que os métodosab initio, pois a escolha criteriosa desses parâmetros permite compensar, em parte, oserros associados à energia de correlação. Tratam apenas os electrões de valência e usam,em geral, bases mínimas de orbitais atómicas (OA) s e p do tipo STO, com expoentesdeterminados por parametrização. Têm como suporte as teorias de Dewar, nas quais aparametrização é feita de modo a dar valores correctos para as entalpias de formação-padrão (em fase gasosa), ∆H0

f,298. São seleccionados conjuntos de átomos que pertençama conjuntos razoáveis de moléculas (constituídas só por esses átomos), cujas entalpias deformação-padrão, geometria molecular e momento dipolar sejam conhecidos experimen-talmente. A determinação do melhor conjunto de parâmetros é feita por minimizaçãodos erros nos cálculos das entalpias de formação, geometria e momento dipolar.

De entre os mais comuns destes métodos, destacam-se os seguintes, cujas siglas represen-tam nomes que traduzem as aproximações que os suportam:

— MINDO/3 (Modified INDO, versão 3), baseia-se na aproximação de INDO.

Os restantes métodos baseiam-se na aproximação de NDDO (neglect of diatomic diffe-rential overlap), para a qual a sobreposição diferencial, φ∗p(r)φq(r)dτ , só é desprezadapara orbitais atómicas centradas em átomos diferentes.

— MNDO (Modified Neglect of Diatomic Overlap).

226

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

— AM1 (Austin Model 1, nome associado à Universidade de Austin, Texas).

— PM3 (Parametric Method 3 ).

— SAM1 (Semi-ab initio model 1 ).

— MINDO/d (Modified INDO, incluindo orbitais d).

7 . 1 0 TEORIA DO FUNCION AL DA DENS IDADE

Um dos métodos de cálculo da estrutura electrónica de átomos, moléculas e sólidos, commaior sucesso actualmente, é o do funcional da densidade.

A teoria é baseada na noção de que a energia total de um sistema, incluindo todas asinteracções (permuta e correlação), é um funcional único da densidade electrónica, e queo mínimo desse funcional é a energia do estado fundamental17. O interesse deste métodoreside no facto de que, em princípio, a função de onda para um sistema com N electrões,que é uma função de 4N coordenadas (3N de espaço e N de spin) pode ser substituídapela densidade electrónica, que é apenas função das três coordenadas de espaço.

O problema de N electrões resolve-se, então, recorrendo a um sistema de equações mo-noelectrónicas autocoerentes — as equações de Kohn-Sham18. Estas equações, idênticasàs equações de Hartree-Fock (7.42), podem ser resolvidas por métodos iterativos seme-lhantes.

As Equações de Kohn-Sham são da forma

fKSχa = εaχa (7.115)

em que o operador de Kohn-Sham, fKS, desempenha um papel idêntico ao do operadorde Fock. Por analogia, definem-se as orbitais-spin de Kohn-Sham (ou simplesmenteorbitais-spin KS ), χa, e as respectivas energias monoelectrónicas.

O operador de Kohn-Sham tem a forma

fKS = T + VKS(r) (7.116)

e é a soma da energia cinética T = − 12∇2 e de um potencial efectivo, designado por

potencial de Kohn-Sham, VKS , que é um funcional da densidade electrónica, ρ(r), eassume a forma

VKS [ρ(r)] = Vext(r) + VHartree [ρ(r)] + VXC [ρ(r)] (7.117)

17P. Hohenberg and W. Kohn. Phys. Rev. B 76, 6062 (1964).18W. Kohn and L. J. Sham. Phys. Rev. 140, A1133 (1965).

227

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T E O R IA D O F U N C IO N A L D A D E N S ID A D E

Vext(r) é um potencial externo, normalmente, o potencial atractivo entre os electrões eos núcleos, Vne.

Vext(r) = Vne(r) = −∑

A

ZA|r− RA|

(7.118)

VHartree é o termo relativo à aproximação de Hartree, ou seja, o campo médio sentidopelo electrão, devido à interacção de Coulomb com todos os outros,

VHartree =

dτ ′ρ(r′)

|r − r′| (7.119)

É idêntico ao operador J (7.35), mas agora funcional de ρ, ou seja, VHartree = J [ρ]. Fi-nalmente, VXC é o termo de permuta-correlação (exchange-correlation, ou XC ) e contémas contribuições de permuta, VX , e as correlações VC ; (VXC = VX + VC).

É formalmente definido como

VXC =δEXCδρ

(7.120)

e é, naturalmente, o termo mais problemático, havendo (na literatura) mais de umacentena de funcionais aproximados, por onde escolher. O mais simples é o da densidadelocal (local density approximation, LDA), para o qual a energia de permuta-correlação,EXC , é a energia por unidade de volume do gás de electrões, homogéneo, de densidadeconstante ρ, havendo tabelas de valores calculados pelo método de Monte Carlo. Nãofaremos aqui uma análise mais pormenorizada dos vários potenciais VXC por sair doâmbito do presente texto.

A densidade electrónica é definida em termos das orbitais-spin de Kohn-Sham:

ρ0(r) = ρKS(r) =

osoc∑

a

|χa(r)|2 (7.121)

(recorda-se que o somatório se estende a todas as orbitais-spin ocupadas, daí o termoosoc).

As equações (7.115) constituem um sistema de equações não lineares acopladas que de-pendem da densidade electrónica, a qual surge, assim, como uma variável fundamental.Para efeitos de cálculo computacional, podemos usar um procedimento, que se inicia poruma densidade ρ0(r) criteriosamente escolhida e com a qual se calcula um primeiro VKS .Esse potencial é introduzido nas equações de Kohn-Sham, que, resolvidas, dão as orbi-tais e as energias. Com as orbitais calcula-se nova densidade ρ(r), com a qual se calculanovo VKS , e assim por diante, até se obter convergência. O ciclo autocoerente é dadopor terminado quando é alcançado o critério de convergência preestabelecido. Os doiscritérios mais comuns baseiam-se nas diferenças das energias totais ou das densidadespara duas iterações sucessivas. Por outras palavras, quando |E(i) − E(i−1)| < δE ou

228

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

|ρ(i) − ρ(i−1)|dτ < δρ em que E(i) e ρ(i) são os valores da energia total ou da densidadepara a iteração i, e δE e δρ são as tolerâncias definidas pelo utilizador.

Quando se usa uma base para as orbitais de Kohn Sham (que podem ser funções do tipoGauss ou Slater, torna-se necessário diagonalizar a matriz FKS (tal como no método deHartree-Fock-Rootham é preciso diagonalizar a matriz F). Nota-se que a minimização daenergia é feita pelo método dos multiplicadores de Lagrange, em que a condição restritiva,equivalente à condição de normalização, é na teoria DFT,

ρ(r)dτ = N .

No final, podemos calcular várias observáveis, a mais importante das quais é a energiatotal. A partir da energia total, podem obter-se configurações de equilíbrio (minimizandoE(R)), energias de ionização, etc.

Na teoria de Konh-Sham, a energia total é dada por expressões idênticas às da teoriade Hartree-Fock, mas tendo em conta o operador de Kohn-Sham e o facto de que avariável fundamental é a densidade electrónica. Recorda-se que, no método de HF, o

operador de Fock é da forma f = h +osoc∑

b

(Jb − Kb) na base das orbitais-spin, χ, com

h = − 12∇2 −∑

A

ZA

|r−RA| , sendo a energia electrónica total

EHF =

osoc∑

a

haa +1

2

osoc∑

a

(Jab −Kab) (7.122)

Na base Φ, das combinações lineares, com X = ΦC (de componentes χ(x) = ψ(r)σ(ω)

e considerando a matriz densidade D = CC†, vem (atendendo a que para qualqueroperador T , é 〈T 〉 = tr(DT) ver (3.121)):

EHF = tr(DH) +1

2tr(DJ) − 1

2tr(DK) (7.123)

que se pode comparar à expressão (7.68). Na teoria DFT teremos, identicamente

EDFT = tr(DH) +1

2tr(DJ) + EX [D] + EC [D] (7.124)

em que os termos EX [D] e EC [D] são os termos de permuta e correlação respectivamente,o último dos quais é omitido na teoria de HF. Assim, a teoria de HF é, na verdade, umcaso particular da teoria DFT, em que EX [D] = − 1

2 tr(DK) e EC [D] = 0.

Qual o significado das orbitais-spin de Kohn-Sham? Em princípio, não têm significadofísico. São usadas apenas como uma ferramenta, para o cálculo da densidade electrónicaque é a variável fundamental da teoria. A sua única ligação à realidade é que a soma dosseus quadrados é igual à densidade electrónica real. Note-se que as orbitais da teoria deHartree-Fock ainda são piores — não têm em conta os efeitos de correlação, nem dão adensidade real.

229

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C O M PA R A Ç ÃO D E M É T O D O S E F U T U R O D A Q U ÍM IC A

Q U Â N T IC A

Também não devemos confundir determinantes de Slater, construídos com orbitais-spinde KS, com a função de onda verdadeira do sistema de N electrões. Na teoria dofuncional da densidade (DFT), não existe uma função de onda “exacta” do sistema.Também as energias εa não têm significado, pois não existe nada equivalente ao teoremade Koopmanns, que relacione as energias das orbitais com os potenciais de ionização, àexcepção de que εmax (a energia da HOMO-KS) é igual ao simétrico do primeiro potencialde ionização:

εHOMO−KS = −IP (7.125)

7 . 1 1 COMPARAÇ ÃO DE MÉTODOS E FUTURO DA QUÍMIC AQUÂNTIC A

7.11.1 Breve Comparação dos Métodos mais Comuns

Os cálculos ab initio (de HF) com a base mínima de STO-3G dão resultados razoáveispara os comprimentos das ligações e para os ângulos de ligação. O sucessivo aumentoda base de orbitais atómicas, através da série de STO-3G, 3-21G, 3-21G∗ e 6-31G∗, dáresultados cada vez mais precisos para as propriedades moleculares, nomeadamente, aenergia total, o potencial de ionização, os comprimentos de ligação, os momentos di-polares e outras. A título de exemplo, dão-se, na Tabela 7.1, alguns resultados para amolécula H2, e na Tabela 7.2 para a molécula H2O

Tabela 7.1: Resultados de cálculos de HF representativos para a molécula H2.

Base Energia Potencial de Comprimentototal/u.a. ionização/u.a. da ligação/u.a.

STO-3G −1, 117 0,578 1,3464-31G −1, 127 0,596 1,3806-31G∗∗ −1, 131 0,595 1,385Experimental −1, 164 0,584 1,401

Como já vimos ao longo deste texto, uma das principais fontes de erro dos métodosab initio é a energia de correlação electrónica. Esses erros podem ser corrigidos emparte através de vários métodos, como o método das perturbações e o método da in-teracção de configurações, CI. Por exemplo, o resultado de um cálculo MP2/6-31G dá,para a molécula H2O, Ecorrel(MP2)= −0, 2818 u.a., e um resultado do método CI dáEcorrel(CI)= −0, 296 u.a., valores que permitem aproximar consideravelmente os valorescalculados dos valores experimentais.

230

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T E O R IA D A S O R B IT A I S

Tabela 7.2: Resultados de cálculos de HF representativos para a molé-cula H2O.

Base Energia 1o Potencial de Comprimento Ângulo H-O-Htotal/u.a. ionização/u.a. da ligação/u.a.

STO-3G −74, 963 0,391 1,871 100,04-31G −75, 907 0,500 1,797 111,26-31G∗∗ −76, 023 0,498 1,791 105,5Experimental −76, 4804 0,463 1,810 104,45

Os métodos semiempíricos como os de CNDO e INDO são pobres e já de pouca utilização,a não ser em casos especiais, enquanto os métodos ab initio são razoáveis, especialmentepara sistemas de camadas completas (closed shell), se usarmos uma base decente (e.g.,6-31G∗).

7.11.2 O Futuro da Química Quântica

Em 1929, Dirac previu que o cálculo de propriedades de sistemas quânticos, como átomose moléculas, seriam, em princípio, problemas de matemática aplicada, uma vez que asleis fundamentais da física quântica eram já conhecidas.

No entanto, nos anos 50, ainda se considerava utópico realizar cálculos ab initio, porexemplo, para compostos orgânicos. Em 1959, Mulliken e Roothann localizaram asdificuldades inerentes ao cálculo da estrutura electrónica de moléculas nos integrais demais do que um centro, dificuldade que já foi ultrapassada.

Cálculos ab initio de HF e determinação da geometria de equilíbrio para moléculas de ta-manho médio são hoje rotina, e os métodos mais avançados, como os de DFT e MP2, queincluem correlação, estão já incluídos na maior parte dos pacotes de software comerciaise disponíveis gratuitamente em centros de investigação e universidades de todo o mundo,e correm facilmente nos actuais computadores pessoais. E como cada 18 meses a capaci-dade dos processadores duplica19 (pelo menos) a capacidade de realizar esses cálculos écada vez maior. A utilidade desses cálculos é inegável para todos os que pretendem fazerprevisão de propriedades, reactividades, conformação de moléculas biológicas, etc., e nasimulação de espectros de RMN ou infravermelhos, particularmente úteis no desenvolvi-mento de novos medicamentos e outros produtos da indústria química, especialmente da

19Lei de Moore, segundo a qual o número de componentes por chip duplica cada 18 meses. Moore, G. E.,Electronics 38, 114–116 (1965).

231

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C O M PA R A Ç ÃO D E M É T O D O S E F U T U R O D A Q U ÍM IC A

Q U Â N T IC A

química fina. Em muitos casos, os cálculos teóricos podem não dar respostas definitivas,mas são, em geral, de grande utilidade.

O Prémio Nobel de Química de 1998, atribuído a Walter Kohn, um dos autores dateoria DFT, e a John Pople, que desenvolveu uma série de programas usando basesgaussianas, os métodos de Pariser-Parr-Polple, CNDO, INDO e a aplicação da teoriade Møller-Plesset, é uma confirmação de que “a química quântica computacional está arevolucionar toda a química” como salientou a Comissão Nobel.

Os recentes desenvolvimentos no domínio da física quântica fundamental, ainda longe deaplicações relevantes à química, mostram, no entanto, que apenas estamos a ver a pontado iceberg.

É claro que uma utilização cega de software disponível pode conduzir a erros com gravesconsequências, pelo que um conhecimento mínimo dos fundamentos que suportam estatecnologia é indispensável.

232

Page 253: Química Computacional - Livro completo

C O M P L E M E N T O S D O C A P Í T U L O 7

7A ÁTOMO DE HÉL IO — UMA PRIMEIR A APROXIMAÇ ÃO

Estado Fundamental do Átomo de Hélio, de Configuração 1s2

Para o estado fundamental, de configuração He(1s2), temos

χ1 = 1sα χ2 = 1sβ (7A.1)

Podemos então escrever1

Ψ =1√2[1sα(1) ⊗ 1sβ(2) − 1sβ(1) ⊗ 1sα(2)] =

= 1s(1)⊗ 1s(2)⊗ 1√2[α(1) ⊗ β(2) − β(1) ⊗ α(2)]

ou abreviadamente, e separando a parte espacial da parte de spin:

Ψ = 1s.1s⊗ 1√2(αβ − βα) = 1s2 ⊗ 1√

2(αβ − βα) (7A.2)

Como se pode ver facilmente, a função de onda (7A.2) é anti-simétrica e corresponde aum sistema de dois electrões com spin total S = 0. É um estado que se designa porsinguleto e se denomina por 1S. [O símbolo “S” designa o valor do momento angularorbital total2, que é L = 0, e o índice superior esquerdo designa a multiplicidade de spin(2S + 1)].

Calculemos 〈Vee〉. Vem:

〈Vee〉 = 〈Ψ| 1

r12|Ψ〉 = 〈Ψespacial|

1

r12|Ψespacial〉 〈Ψspin| Ψspin〉

〈Vee〉 = 〈1s.1s| 1

r12|1s.1s〉 1

2〈αβ − βα| αβ − βα〉

Calculemos separadamente. A parte espacial é

〈Vee〉espaço = J (7A.3)

1Usaremos por vezes o símbolo do produto tensorial, ⊗, para tornar mais clara a separação de funçõesde onda, embora seja redundante.2Ver Apêndice A1, sobre operadores do momento angular para sistemas de muitos electrões.

Page 254: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H É L IO — U M A PR IM E IR A A PR O X IM A Ç Ã O

O factor de spin é:

factorspin =1

2〈αβ − βα| αβ − βα〉 = 〈αβ| αβ〉 − 〈αβ| βα〉 =

= 〈α|α〉〈β|β〉 − 〈α|β〉〈β|α〉 = 1 − 0 = 1

A energia do estado fundamental do átomo de hélio é então

E0 = 2εs(Z = 2) + J (7A.4)

εs(Z = 2) é a energia de um átomo hidrogenóide de número atómico Z = 2, ε1s(Z = 2) = Z2ε1s(H), em que ε1s(H) é a energia de um átomo de hidrogénio no estado1s (ver átomo de hidrogénio). Em unidades atómicas, ε1s(H)= −1/2 Eh, (Eh = hartree= 27, 21150 eV), J pode ser calculado (ver Apêndice 6) e dá J = (5/8)Z. Vem portanto

E0 = −4 + 5/4 = −2, 75 Eh = −74, 82 eV (7A.5)

Este valor está bastante longe do valor experimental, que éEexp = −79, 02 eV (−2, 904 Eh).

Podemos melhorar este resultado, usando funções de onda com um parâmetro variacionalζ = Z∗/n, sendo Z∗ o “número atómico efectivo” associado à carga nuclear efectivadefinida como Z∗e = (Z − σ)e, em que σ é o coeficiente de blindagem, e n é o número

quântico principal. De facto, se calcularmos E(ζ) com 1s(r) = ζ3/2

√πe−ζr, vem

E(ζ) = 2〈1s|(1/2)∇2|1s〉 − 2 × 2〈1s|1/r|1s〉+ J = 2ζ2

2− 2 × 2 × ζ +

5

8ζ = ζ2 − 27

e fizermos (método variacional):∂E

∂ζ= 0

vem

2ζ − 27

8= 0

que dá

ζmin = 27/16 = 1, 6875

valor que corresponde a um coeficiente de blindagem de σ ≈ 0, 31. O valor da energia é

E0 = minE(ζ) = ζ2opt − (27/8)ζopt = −2, 84766 Eh = −77, 48911 eV

Um pouco melhor, mas o nosso objectivo, não é estudar em pormenor o átomo de hélio,mas apenas usá-lo como exemplo para extrapolação para o caso geral de átomos commuitos electrões.

234

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C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

Estados excitados de configuração 1s2s

Vejamos agora os estados excitados de configuração He:(1s2s). Há quatro determinantesde Slater a considerar:

Ψ1 =1√2(1sα.2sα− 2sα.1sα) =

1√2(1s.2s− 2s.1s)⊗ αα⇒ S = 1, MS = 1 (7A.6)

Ψ2 =1√2(1sβ.2sβ − 2sβ.1sβ) =

1√2(1s.2s− 2s.1s) ⊗ ββ ⇒ S = 1, MS = −1 (7A.7)

Ψ3 =1√2(1sα.2sβ − 2sβ.1sα)

Ψ4 =1√2(1sβ.2sα− 2sα.1sβ)

Se fizermos combinações lineares (e.g., a soma e a diferença) de Ψ3 e Ψ4, vem, explicitandoos coeficientes de normação para a parte espacial e para o factor de spin,

ΨIII =1√2(1s.2s− 2s.1s) ⊗ 1√

2(αβ + βα) ⇒ S = 1, MS = 0 (7A.8)

ΨIV =1√2(1s.2s+ 2s.1s) ⊗ 1√

2(αβ − βα) ⇒ S = 0, MS = 0 (7A.9)

Obtém-se assim um conjunto de funções de onda anti-simétricas: Ψ1,Ψ2,ΨIII e ΨIV,tendo Ψ1,Ψ2, ΨIII a mesma parte espacial e portanto a mesma energia (na ausênciade campos magnéticos). O spin total desse tripleto é S = 1, admitindo portanto ascomponentes em z do spin total, MS = 1, 0,−1. O tripleto designa-se por 3S.

A outra função de onda, ΨIV, corresponde a um estado com energia diferente, na medidaem que tem uma componente espacial diferente. O spin total é S = 0 e consequentementeMS só pode ter um valor, MS = 0. É um estado singuleto, 1S.

A energia total será

E1s2s = ε1s(Z = 2) + ε2s(Z = 2) + 〈Vee〉 (7A.10)

Calculemos 〈Vee〉 para cada um dos determinantes de Slater:

i) Para Ψ1 = 1√2(1s.2s− 2s.1s)⊗ αα, vem

〈Vee〉 =

(

〈1s.2s| 1

r12|1s.2s〉 − 〈1s.2s| 1

r12|2s.1s〉

)

〈αα|αα〉

〈Vee〉1 = J −K (7A.11)

235

Page 256: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H É L IO — U M A PR IM E IR A A PR O X IM A Ç Ã O

ii) Para Ψ2 = 1√2(1s.2s− 2s.1s)⊗ ββ

〈Vee〉2 =

(

〈1s.2s| 1

r12|1s.2s〉 − 〈1s.2s| 1

r12|2s.1s〉

)

〈ββ|ββ〉

〈Vee〉2 = J −K (7A.12)

iii) Para ΨIII = 1√2(1s.2s− 2s.1s) ⊗ 1√

2(αβ + βα).

Para melhor clareza, consideremos as partes espacial e de spin separadamente e tendosempre em conta (7.23) quer para a parte espacial quer para a parte de spin:

〈Vee〉IIIespaço = 〈1s.2s| 1

r12|1s.2s〉 − 〈1s.2s| 1

r12|2s.1s〉 = J −K

factorIIIspin = 〈αβ|αβ〉 + 〈αβ|βα〉 = 〈α|α〉〈β|β〉 + 〈α|β〉〈β|α〉 = 1

Vem portanto

〈Vee〉III = J −K (7A.13)

iv) Para ΨIV = 1√2(1s.2s+ 2s.1s) ⊗ 1√

2(αβ − βα):

〈Vee〉IVespaço = 〈1s.2s| 1

r12|1s.2s〉 + 〈1s.2s| 1

r12|2s.1s〉 = J +K

factorIIIspin = 〈αβ|αβ〉 − 〈αβ|βα〉 = 〈α|α〉〈β|β〉 − 〈α|β〉〈β|α〉 = 1

Então

〈Vee〉IV = J +K (7A.14)

Em resumo, o estado tripleto (S = 1,MS = −1, 0, 1) tem energia

E(3S) = ε1s(Z = 2) + ε2s(Z = 2) + J −K = E0 + J −K (7A.15)

e o estado singuleto

E(1S) = ε1s(Z = 2) + ε2s(Z = 2) + J +K = E0 + J +K (7A.16)

sendo E0 = ε1s(Z = 2) + ε2s(Z = 2).

Na Figura 7A.1, representam-se os níveis de energia para a configuração He(1s 2s)

236

Page 257: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

-54

-56

-58

-60

-62

-64

-66

-68

E/eV

Eo

E +Jo

E +Jo

+K

E +Jo

-K

Estados 1s2s

Singuleto

Tripleto

Correlação

Figura 7A.1: Diagrama de níveis de energia para os estados de configuração1s 2s do He, mostrando as várias contribuições para a energia.

Na Tabela 7A.1 dão-se os valores das várias componentes da energia do estado funda-mental He(1s2) e do estado excitado He(1s 2s).

Tabela 7A.1: Valores das componentes da energia do estado fundamentalHe(1s2) e do estado excitado He(1s 2s).

Estado E0/eV J/eV K/eV Ecalculado/eV Observado Correlação

1s2 singuleto −108, 8 34 0 −77, 5 var −79, 0

1s 2s singuleto −68, 0 11, 4 1, 2 −55, 4 −58, 4 3, 0

tripleto −68, 0 11, 4 1, 2 −57, 8 −59, 2 1, 4

Embora já nesta aproximação se tenha conseguido uma relativamente boa compreensãodo átomo de hélio, os valores da energia calculados estão ainda aquém dos valores obser-vados experimentalmente, mostrando que a teoria ainda é deficiente.

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Á T O M O D E H É L IO E M A PR O X IM A Ç Õ ES S C F - L C B F

7B ÁTOMO DE HÉL IO EM APROXIMAÇ ÕE S SCF -LCB F

Para ilustrar o método das combinações lineares (SCF-LCBF) aplicado a um átomopolielectrónico vamos analisar mais uma vez o átomo de hélio1. Desta vez vamos usaruma base zeta-dupla2 1s, 1s′, em que

1s(r) =ζ3/21

π1/2e−ζ1r, 1s′(r) =

ζ3/22

π1/2e−ζ2r (7B.1)

e com estas funções de base vamos fazer combinações lineares da forma

ψ(r) = c11s(r) + c21s′(r)

que são novas orbitais atómicas do átomo de hélio.

Deveríamos começar por arbitrar os parâmetros ζ1 e ζ2 e os coeficientes c1 e c2 dacombinação linear. Neste exemplo, para simplificar, vamos usar valores de zeta ζ1 = 1, 45

e ζ2 = 2, 90, previamente determinados pelo método variacional para esta base3.

Para melhor visualizar o método geral descrito no procedimento do parágrafo 7.6, vamossegui-lo, passo a passo.

1. Escolha da Base

1s(r) =ζ3/21

π1/2e−ζ1r 1s′(r) =

ζ3/22

π1/2e−ζ2r ζ1 = 1, 45 e ζ2 = 2, 90

2. Cálculo dos Integrais e Construção das Matrizes S,T,V , e H = T + V .

Usando a fórmula∞∫

0

xne−axdx = n!an+1 , e notando que dr = dτ = 4πr2dr, vem

1Este exemplo é descrito como exercício de laboratório em Exploring Aspects of Computational Che-

mistry. Exercises de J. M. André et al, Presses Universitaires de Namur.2Chama-se zeta dupla porque usa duas funções base com valores de zeta diferentes.3C. Roetti and E. Clementi, J. Chem. Phys., 60, 4725 (1974).

238

Page 259: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

S =

(

〈s|s〉 〈s|s′〉〈s′|s〉 〈s′|s′〉

)

=

1 8[

ζ1ζ2(ζ1+ζ2)2

]3/2

8[

ζ1ζ2(ζ1+ζ2)2

]3/2

1

=

(

1 (1 − τ2)3/2

(1 − τ2)3/2 1

)

=

(

1 0, 8381

0, 8381 1

)

T =

(

〈s| − 12∇2|s〉 〈s| − 1

2∇2|s′〉〈s′| − 1

2∇2|s〉 〈s′| − 12∇2|s′〉

)

=

=

(

12ζ

21

18 (ζ1 + ζ2)

2(1 − τ2)5/2

18 (ζ1 + ζ2)

2(1 − τ2)5/2 12ζ

22

)

=

(

1, 05125 1, 76202

1, 76202 4, 20500

)

V =

(

〈s| − 2/r|s〉 〈s| − 2/r|s′〉〈s′| − 2/r|s〉 〈s′| − 2/r|s′〉

)

=

=

(

−2ζ1 −(ζ1 + ζ2)(1 − τ2)3/2

−(ζ1 + ζ2)(1 − τ2)3/2 −2ζ2

)

=

(

−2, 9000 −3, 6455

−3, 6455 −5, 8000

)

Note-se que estas matrizes são simétricas.

Vem para H,

H = T + V =

(

−1, 8488 −1, 8835

−1, 8835 −1, 5950

)

Os integrais de Coulomb e de permuta são 16. Por simetria (pq|rs) = (qp|rs) =

(rs|pq), pelo que só é necessário calcular 6 integrais diferentes. Podem calcular-se,expandindo 1/r12 nas harmónicas esféricas (ver Apêndice A5), usando a fórmula∞∫

0

xne−axdx = n!an+1 , e notando que dr = 4πr2dr. Constam da Tabela 7B.1.

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Page 260: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H É L IO E M A PR O X IM A Ç Õ ES S C F - L C B F

Tabela 7B.1: Integrais de Coulomb e de permuta.

Os 16 Integrais Só 6 valores diferentes

V 1111 V 1111 =∫ ∫ φ1(1)2φ1(2)2

r12dτ1dτ2 (ss|ss) = 5

8Z1 = 0, 90625

V 1112

V 1121 V 2111 =∫ ∫ φ1(1)φ2(1)φ1(2)2

r12dτ1dτ2 (ss|ss′) = 1

32(1 − τ2)(1 − τ ′2)(5 − τ ′2)(3ζ1 + ζ2)

V 1122 = 0, 90409

V 2111

V 1211

V 2211

V 2121 V 2211 =∫ ∫ φ2(1)φ2(2)φ1(1)φ1(2)

r12dτ1dτ2 (ss|s′s′) = 1

16(1 − τ2)(5 − τ2)(ζ1 + ζ2)

V 2112 = 1, 18148

V 1221 V 2121 =∫ ∫ φ1(2)2φ2(1)2

r12dτ1dτ2

V 1212 (ss′|ss′) = 516

(1 − τ2)3(ζ1 + ζ2) = 0, 95473

V 2221

V 2212 V 2221 =∫ ∫ φ2(1)2φ2(2)φ1(2)

r12dτ1dτ2 (ss′|s′s′) = 1

32(1 − τ2)3/2(1 − τ

′′2)(5−V 2122 −τ ′′2)(ζ1 + 3ζ2)

V 1222 = 1, 29666

V 2222 V 2222 =∫ ∫ φ2(1)2φ2(2)2

r12dτ1dτ2 (s′s′|s′s′) = 5

8ζ2 = 1, 81250

com τ =ζ1 − ζ2ζ1 + ζ2

; τ ′ =ζ1 − ζ23ζ1 + ζ2

; τ ′′ =ζ1 − ζ2ζ1 + 3ζ2

3. Diagonalização da matriz S

S =

(

1, 8381 0, 0000

0, 0000 0, 1619

)

U =

(

0, 7071 0, 7071

0, 7071 −0, 7071

)

s−1/2 =

(

0, 7376 0, 0000

0, 0000 2, 4849

)

X = Us−1/2 =

(

0, 5216 1, 7571

0, 5216 −1, 7571

)

X† =

(

0, 5216 0, 5216

1, 7571 −1, 7571

)

240

Page 261: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

4. Escolha da primeira versão das matrizes C e D (só orbitais ocupadas)

C=

(

1, 0000

0, 0000

)

C†=(

1, 0000 0, 0000)

D=2|C〉〈C|=2CC†=

(

2, 0000 0, 0000

0, 0000 0, 0000

)

5. Construção da matriz G: Gpq =∑

rsDrs[(pq|rs) − 1

2 (ps|rq)]

Os elementos da matriz G podem obter-se a partir dos integrais (pq|rs) usando aexpressão Gpq =

rsDrs[(pq|rs) − 1

2 (ps|rq)].

Assim, vem, por exemplo para

G11 = D11 × 0, 5 × V 1111 +D12 × V 1112 +D22 × V 1122− 0, 5 ×D22 × V 1212

etc.;

G =

(

0, 9063 0, 9041

0, 9041 1, 4082

)

6. Construção da matriz F = H + G:

F = H + G =

(

−0, 9425 −0, 9794

−0, 9794 −0, 1868

)

7. Conversão de F em F′ = X†FX:

FX =

(

−1, 0024 0, 0649

−0, 6082 −1, 3928

)

F′ = X†FX =

(

−0, 8400 −0, 6926

−0, 6926 2, 5612

)

8. Resolução da equação F′C′ = εC′ (diagonalização de F′:

ε =

(

−0,9757 0, 0000

0, 0000 2,6968

)

C′ =

(

0, 9814 0, 1922

0, 1922 −0, 9814

)

9. Conversão de C′ em C:

C = XC =

(

0,8495 −1, 6241

0,1742 1, 8246

)

C† =

(

0,8495 0,1742

−1, 6241 1, 8246

)

241

Page 262: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H É L IO E M A PR O X IM A Ç Õ ES S C F - L C B F

10. Cálculo da nova matriz densidade D:

D = 2|C〉〈C| = 2

(

0, 7217 0, 1480

0, 1480 0, 0303

)

=

(

1, 4433 0, 2959

0, 2959 0, 0607

)

11. Cálculo da nova matriz G:

G =

(

0, 9643 0, 9408

0, 9408 1, 4550

)

12. Cálculo de F = H + G:

F = H + G =

(

−0, 8845 −0, 9427

−0, 9427 −0, 1400

)

Cálculo de F + H:

F + H =

(

−2, 7332 −2, 8262

−2, 8262 −1, 7350

)

13. Cálculo da energia electrónica:

ERHF = 12 tr[D(F + H)] = −2, 8615Eh

Ao fim desta primeira iteração os coeficientes e os níveis de energia são os seguintes:

C =

(

0,8495 −1, 6241

0,1742 1, 8246

)

ε =

(

−0,9757 0

0 2, 6968

)

Chegámos assim ao fim da primeira iteração.

Nas iterações seguintes, vamos usar esta matriz C para calcular a nova matriz D, e voltarao passo 5, para construir a nova matriz G, com a qual se faz a iteração seguinte. Eassim sucessivamente.

Apresentam-se a seguir os resultados das várias iterações até obter um valor da energiaidêntico ao anterior.

1. C =

(

0,8495 −1, 6241

0,1742 1, 8246

)

ε =

(

−0,9757 0

0 2, 6968

)

ERHF = −2,8615Eh

2. C =

(

0,8413 −1, 6284

0,1834 1, 8237

)

ε =

(

−0,9216 0

0 2, 7882

)

ERHF = −2,8617Eh

242

Page 263: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

3. C =

(

0,8409 −1, 6286

0,1838 1, 8236

)

ε =

(

−0,9183 0

0 2, 7928

)

ERHF = −2,8617Eh

4. C =

(

0,8409 −1, 6286

0,1838 1, 8236

)

ε =

(

−0,9182 0

0 2, 7930

)

ERHF = −2,8617Eh

5. C =

(

0,8409 −1, 6286

0,1839 1, 8236

)

ε =

(

−0,9182 0

0 2, 7930

)

ERHF = −2,8617Eh

6. C =

(

0,8409 −1, 6286

0,1839 1, 8236

)

ε =

(

−0,9182 0

0 2, 7930

)

ERHF = −2,8617Eh

Verifica-se, assim, que, ao fim de seis iterações os valores da energia e dos coeficientesconvergiram, (a menos de 10−4).

Conclui-se que o estado fundamental tem a função de onda:

ψ0 = 0, 8409 1s+ 0, 1839 1s′

correspondendo ao nível de energia

ε0 = −0, 9182Eh

e uma energia electrónica

ERHF = −2, 8617Eh = −77, 87 eV;

que se contrapõe com o valor experimental de

Eexperimental = −79, 0 eV

O estado correspondente à combinação linear:

ψ∗ = −1, 6286 1s+ 1, 8236 1s′ tem energia 2, 793Eh

Este cálculo pode ser feito com a ajuda de uma comum máquina de calcular, ou usandoo Mathematica ou mesmo o MsExcel. Na Figura 7B.1 representam-se quer as funções dabase, 1s e 1s′, quer as combinações lineares ψ0 e ψ∗.

243

Page 264: Química Computacional - Livro completo

Á T O M O D E H É L IO E M A PR O X IM A Ç Õ ES S C F - L C B F

0,0

- 0,5

0,5

0,5

1,0

1,0

1,5

1,5

2,0

2,0

2,5

2,5

3,0

3,0

3,5

1s

1s’

y = 0,8409 1s + 0,1839 1s’0

y* = - 1,6286 1s + 1,8236 1s’

r

y

Figura 7B.1: Representação das funções da base, 1s e 1s′, bem como dascombinações lineares ψ0 e ψ∗.

244

Page 265: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

7C IÃO H+2

Consideremos o ião H+2 , (com um só electrão), e vamos fazer um cálculo sem usar o

procedimento computacional.

O hamiltoniano respeitante ao electrão (para a configuração de núcleos fixos) é o seguinte:

H = −1

2∇2 − 1

|r − RA|− 1

|r − RB|+

1

RAB(7C.1)

e a equação de Schrödinger independente do tempo e não relativista, HeΨ = EΨ podeser separada e resolvida em coordenadas elípticas. Para nós, é, no entanto, mais útilusar o método das combinações lineares como introdução ao caso geral do método deHF. Consideremos os núcleos fixos, e portanto o termo 1/R (com R ≡ RAB) pode ficarde fora e ser adicionado quando se calcula a energia total.

Br-R

Ar-R

A BR BRA

ABR

y

x

z

r

Figura 7C.1: Ião H+2 .

Com estas funções de base vamos fazer combinações lineares da forma

ψ(r) = c11sA + c21sB

A aplicação do método das combinações lineares implica, como vimos, a resolução dosistema secular:

q

(hpq − εSpq)cq = 0 (7C.2)

o qual implica a equação

det (hpq − εSpq) = 0∣

hAA − ε hAB − εS

hBA − εS hBB − ε

= 0

245

Page 266: Química Computacional - Livro completo

IÃ O H+2

em que S = SAB = SBA = 〈1sA|1sB〉. Resolvendo em ordem a ε, dá as seguintessoluções.

ε1 =hAA + hAB

1 + S→ estado fundamental (7C.3)

ε2 =hAA − hAB

1 − S→ 1o estado excitado (7C.4)

sendo

hAA = 〈1sA|h|1sA〉hAB = hBA = 〈1sA|h|1sB〉

Atendendo a que hAB < 0, o estado fundamental é o de energia ε1, e o primeiro estadoexcitado, o de energia ε2.

Substituindo o valor de ε1 na equação (7C.2) e atendendo à condição de normação〈ψ|ψ〉 = 1, obtêm-se os valores de c1 e c2 para a função de onda do estado fundamental.

ψ1 =1

2(1 + S)(1sA + 1sB) (7C.5)

Substituindo o valor de ε2, vamos obter

ψ2 =1

2(1 − S)(1sA − 1sB) (7C.6)

As funções moleculares ψ1 e ψ2 são designadas por orbitais moleculares. As constantesde normação podem ser facilmente obtidas pelas condições 〈ψi|ψk〉 = δik.

Resta-nos calcular os integrais. Comecemos pelo integral hAA:

hAA = 〈1sA|h|1sA〉 = 〈1sA| −1

2∇2 − 1

rA− 1

rB+

1

R|1sA〉 =

= 〈1sA| −1

2∇2 − 1

rA|1sA〉 + 〈1sA| −

1

rB|1sB〉 +

1

R

com rA = |r − RA|, rB = |r − RB|. A primeira parcela é a energia de um electrãona orbital 1s centrada no núcleo A, que em unidades atómicas é − 1

2 . O integral〈1sA| − 1

rB|1sA〉 (a que chamaremos J , pode calcular-se, sem grande dificuldade4 —

corresponde à energia electrostática de um carga unitária, aproximadamente à distânciaR do centro de uma nuvem electrónica cuja densidade de carga é |1sA|2. O seu valor é

J =< 1sA| −1

rB|1sA〉 = e−2R

(

1 +1

R

)

− 1

R

4Ver, por exemplo, W. Kauzmann, Quantum Chemistry, Academic Press. 1958.

246

Page 267: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

O termo 1R não aparece dentro do integral porque, na aproximação de Born-Openheimer

consideram-se os núcleos fixos e, portanto, R é uma constante.

O valor de hAA é então:

hAA = −1

2+ J +

1

R(7C.7)

O integral S = 〈1sA|1sB〉 = 1π

e−(rA+rB)dτ pode ser calculado em coordenadas elípti-cas5:

S = e−R(

1 +R+1

3R2)

(7C.8)

O integral hAB dá

hAB = 〈1sB|h|1sA〉 = 〈1sB| −1

2∇2 − 1

rB− 1

rB+

1

R|1sA〉 =

= 〈1sB| −1

2∇2 − 1

rA+

1

R|1sA〉 + 〈1sB| −

1

rB|1sA〉 =

=

(

−1

2+

1

R

)

S + 〈1sB| −1

rB|1sA〉

uma vez que(

− 12∇2 − 1

rA

)

| 1sA 〉 = − 12 u.a. e R é um parâmetro. O integral

〈1sB| − 1rB

|1sA〉, que designaremos por K dá ( usando coordenadas elípticas):

K = 〈1sB| −1

rB|1sA〉 = −(R+ 1)e−R

pelo que

hAB =(

−1

2+

1

R

)

S +K (7C.9)

Substituindo estes integrais na equação (7C.3), obtemos a energia do estado fundamental:

ε1 = −1

2+

1

R+J +K

1 + S

Uma vez que há apenas um electrão, a energia electrónica (total) é E = ε1.

Explicitando a dependência de E em R, vem

E = −1

2+

1

R+

(R + 1)e−2R −R(R+ 1)e−R − 1

R[(1 +R+ 13R

2)e−R + 1](7C.10)

função que pode ser minimizada relativamente a R para determinar o valor de R deequilíbrio e a energia do estado fundamental.

Substituindo os valores dos integrais em (7C.4), obtém-se a energia do 1o estado excitado.

5µ = (rA+rB)R

; ν = (rA+rB)R

; φ = rotação em torno do eixo A− B; dτ = R3

8(µ2 − ν2)dµ dν dφ.

247

Page 268: Química Computacional - Livro completo

IÃ O H+2

Na Figura 7C.2, representa-se esquematicamente E em função de R para o estado fun-damental, ψ1 = σg, e para o primeiro estado excitado, ψ2 = σ∗

u.

E/u.a.

- 0,5

0R

DE

R

sg

s*u

Figura 7C.2: Energia dos dois estados de mais baixa energia de H+2 em função

da distância entre os protões.

Para valores muito grandes de R, dá o valor − 12 , que é a energia de um átomo de

hidrogénio isolado. À medida que R diminui, a energia passa por um mínimo emR0 = 2, 495 u.a. (1,32 Å) com o valor da energia de 0, 0648Eh (1,76 eV) abaixo dovalor para R = ∞. Os valores experimentais de R e da energia de dissociação são respec-tivamente, R0exp. = 2, 00 u.a.= 106 pm e DE = 0, 1024Eh = 4, 46 × 10−19 J = 2, 79

eV.

Em resumo, no estado fundamental de H+2 , o electrão está na orbital molecular ψ1 = σg,

a que corresponde o estado Σ+g . O primeiro estado excitado, Σ+

u tem o electrão na orbitalσ∗u. Na Figura 7C.3 representam-se as funções (orbitais moleculares) ψ1 e ψ2.

RA B

y

y = sg

a)RA B

y

y = s*u2

1

b)

Figura 7C.3: Representação das orbitais moleculares σg e σ∗u.

248

Page 269: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

Note-se que, uma vez que a base U = 1sa, 1sb não é ortogonal — o integral de sobre-posição S é não nulo (S > 0)— as funções (amplitudes) ψ1 e ψ2 têm, no primeiro caso,uma contribuição de interferência construtiva na região internuclear e, no segundo caso,uma contribuição de interferência destrutiva.

As densidades de probabilidade σ2g e σ∗2

u mostram claramente as contribuições das inter-ferências construtiva e destrutiva. Ver Figura 7C.4.

RA Ba)

RA B

y

b)

y 2

sg2

1sA2 1sB

2

1sA2

1sB2

2

s*u

2

Figura 7C.4: Representação das densidades de probabilidade σ2g e σ∗2

u .

De facto:

σ2g =

1

2(1 + S)

(

1s2A + 1s2B + 2 × 1sA1sB)

;

σ∗2u =

1

2(1 − S)

(

1s2A + 1s2B − 2 × 1sA1sB)

Na medida em que, com σ2g , ocorre um aumento de densidade de probabilidade de

2 × 1sA1 sB na região internuclear, enquanto com σ∗2u ocorre uma diminuição de proba-

bilidade de 2×1sA 1sB, diz-se que σg é uma orbital ligante e σ∗u, uma orbital antiligante.

A Figura 7C.5 mostra os contornos das funções de onda (superfícies de igual valor de ψ)para as duas orbitais.

Figura 7C.5: Contornos das funções de onda σg e σ∗u (superfícies de igual

valor de ψ).

249

Page 270: Química Computacional - Livro completo

IÃ O H+2

A ligação química surge assim como o resultado de uma deslocalização e redistribuiçãode carga, envolvendo a sobreposição de orbitais atómicas, com interferência construtivano espaço internuclear. Em consequência dessa sobreposição, que se concretiza numacombinação linear da forma ψ = c1φ1 + c2φ2, surgem, na resolução da equação de va-lores próprios Hψ = Eψ, contribuições para a energia, da forma 〈φ1|h|φ2〉, que podemassociar-se a amplitudes de probabilidade de permuta do electrão entre as duas orbitaisatómicas.

250

Page 271: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

7D MOLÉCUL A HeH+

Para nos familiarizarmos com o procedimento comum da química quântica computacionalvamos fazer um cálculo para a molécula de HeH+, usando uma base mínima STO-3G.Este sistema tem todos os ingredientes do caso mais geral (heteroátomos e mais do que umelectrão), mas tem a vantagem de poder ser calculado sem recorrer a qualquer programacomputacional, pois as matrizes são 2 × 2.

ABR BRA

ABR

y

x

z

r1r

2

1 2r12

Ar -

R1 B

r -R2

B

r -R1

Ar

-R2

O

Figura 7D.1: O ião HeH+ com indicação das várias interacções.

Vamos, no entanto, seguir todos os passos do procedimento computacional:

1. Especificação da distância internuclear RAB ≡ R; números atómicos ZA; númerode electrões N) e base φp.Vamos usar uma base STO-3G, e o valor de R exacto, R = 1, 4632 u.a., para o quala energia total é ETOTAL = −2, 97867 u.a.

Seja o núcleo A o núcleo do He, e B, o do H. A base será formada por combinaçõesde gaussianas, CGTO (contracted gaussian type orbitals), que melhor se ajustam àsorbitais de Slater, com ζA = 2, 0925 e ζB = 1, 24:

φSTO1sHe ≈

(

ζ3A

π

)1/2

e−ζA|r−RA| ; com ζA = 2, 0925 (7D.1)

φSTO1sH ≈

(

ζ3B

π

)1/2

e−ζB |r−RB | ; com ζB = 1, 24 (7D.2)

em que o valor ζB = 1, 24 é o valor médio para funções de base do tipo 1s em átomosde hidrogénio em moléculas.

251

Page 272: Química Computacional - Livro completo

M O L É C U L A HeH+

As orbitais do tipo de Gauss (gaussianas) φGTO são da forma

φGTO1sA =

(

π

)3/4

e−α|r−RA|2 (7D.3)

em que os α são os chamados expoentes das gaussianas. Para tornar o cálculo dosintegrais mais fácil, é comum usar combinações de várias (normalmente 3 a 6) gaus-sianas, de modo a simular uma orbital do tipo de Slater. Assim, vamos consideraruma combinação de três gaussianas (CGTO) para simular uma STO, donde o nomeSTO-3G:

φCGTO1sA (r − RA) =

r

drpφGTOr (αrp, r − RA) (7D.4)

A CGTO que melhor se ajusta6 a uma orbital de Slater 1s para o átomo de H é

φCGTO1s (ζ = 1, 24; STO-3G) = 0, 444635φGTO

1s (0, 168856)+

+0, 535328φGTO1s (0, 623913) + 0, 154329φGTO

1s (3, 42525)(7D.5)

e identicamente para a orbital do hélio.

2. Cálculo dos integrais de sobreposição S, da energia cinética T , das energias de inter-acção de cada electrão com cada um dos núcleos Vne, e da interacção electrão-electrãoVee. Construção das matrizes S,T,Vne, (na base STO-3G):

S =

(

1 0, 4508

0, 4508 1

)

T =

(

2, 1643 0, 1670

0, 1670 0, 7600

)

Vne1 =

(

−4, 1398 −1, 1029

−1, 1029 −1, 2652

)

Vne2 =

(

−0, 6772 −0, 4113

−0, 4113 −1, 2266

)

H = T + Vne1 + Vne2 =

(

−2, 6527 −1, 3472

−1, 3472 −1, 7318

)

6O ajuste pode ser feito pelo método dos mínimos quadrados.

252

Page 273: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

Cálculo dos integrais de Vee: dos 24 = 16 integrais (pq|rs), só 6 têm valores diferentes:

(11|11) = 1, 3072 u.a.

(22|11) = 0, 6057 u.a.

(21|11) = 0, 4373 u.a.

(22|21) = 0, 3118 u.a.

(21|21) = 0, 1773 u.a.

(22|22) = 0, 7746 u.a.

3. Diagonalização da matriz S, para obter a matriz de transformação X, usando X =

Us−1/2. (U é a matriz que diagonaliza S : U†SU = s).

Os valores próprios da matriz S são: s1 = 1+S = 1, 4508, s2 = 1−S = 0, 5492. Paradiagonalizar a matriz S podemos usar

U =1√2

(

1 1

1 −1

)

Para obter a ortogonalização canónica, precisamos da matriz

s−1/2 =

(

s−1/21 0

0 s−1/22

)

=

(

0, 8302 0

0 1, 3493

)

e da matriz

X = Us−1/2 =

(

0, 5871 0, 9541

0, 5871 −0, 9541

)

4. Resta fazer as iterações, começando por escolher uma primeira versão da matriz D

(e.g., D = 0), o que equivale a ignorar nesta primeira iteração as interacções Vee.

5. Construção da matriz G = Gpq, com Gpq =∑

rsDrs[(pq|rs) − 1

2 (ps|rq)]:

Nesta primeira iteração G = 0.

6. Construção da matriz de Fock, F = H + G:

F ≈ H =

(

−2, 6527 −1, 3472

−1, 3472 −1, 7318

)

7. Conversão de F em F′ = X†FX:

F′ = X†FX =

(

−2, 4397 −0, 5158

−0, 5158 −1, 5387

)

253

Page 274: Química Computacional - Livro completo

M O L É C U L A HeH+

8. Diagonalização de F′ para obter ε e C′, (resolvendo a equação det(F ′pq − εSpq) = 0 e

calculando os coeficientes (matriz C′) através do sistema secular):

F′C′ = C′ε

vem

C′ =

(

0, 9104 0, 4136

0, 4136 −0, 9104

)

com os valores próprios

ε =

(

−2, 6741 0

0 −1, 3043

)

energias das OM

9. Conversão de C′ em C = XC′:

C = XC′ =

(

0, 9291 −0, 6259

0, 1398 1, 1115

)

MO

Estes são os valores da primeira iteração. Com eles podemos calcular a primeiratentativa da matriz densidade.

10. Cálculo da nova matriz densidade D=2CC†. Note-se que a matriz D usa só a orbital

ocupada, ou seja, só a primeira coluna de C: vem C =

(

0, 9291

0, 1398

)

;

C† = (0, 9291 0, 1398)

D = 2CC† = 2

(

0, 8634 0, 1299

0, 1299 0, 0195

)

=

(

1, 7268 0, 2598

0, 2598 0, 0390

)

11. Cálculo da nova matriz G usando a matriz densidade, D, calculada em 10; comGpq =

rsDrs[(pq|rs) − 1

2 (ps|rq)].

G =

(

1, 2623 0, 3740

0, 3740 0, 9890

)

12. Cálculo F = H + G (usando G calculada em 11).

F = H + G =

(

−1, 3904 −0, 9732

−0, 9732 −0, 7429

)

13. Cálculo da energia EHF = 12 tr[

D(F + H)]

= 12

p

qDpq(Hpq + Fpq).

254

Page 275: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

(Note-se que a energia total é ETOTAL = EHF + Vnn

EHF = −4, 1417 u.a.

Chegámos ao fim da primeira iteração.

Com os valores de D voltamos ao passo 5, para obter nova matriz G = Gpq, etc.

Na tabela seguinte dão-se os valores relevantes obtidos nas várias iterações:

Tabela 7D.1: Valores relevantes obtidos nas várias iterações.

Iteração ε C EHF/u.a.

1 ε =

(

−2, 6741 0

0 −1, 3043

)

C =

(

0, 9291 −0, 6259

0, 1398 1, 1115

)

−4, 1417

2 ε =

(

−1, 5045 0

0 −0, 0716

)

C =

(

0, 8168 −0, 7668

0, 3163 1, 0747

)

−4, 2263

3 ε =

(

−1, 5880 0

0 −0, 0612

)

C =

(

0, 8031 −0, 7811

0, 3352 1, 0690

)

−4, 2274

4 ε =

(

−1.5966 0

0 −0.0617

)

C =

(

0, 8020 −0, 7822

0, 3367 1, 0685

)

−4, 2274

5 ε =

(

−1.5973 0

0 −0.0617

)

C =

(

0, 8019 −0, 7823

0, 3368 1, 0685

)

−4, 2274

6 ε =

(

−1, 5974 0

0 −0, 0617

)

C =

(

0, 8019 −0, 7823

0, 3368 1, 0685

)

−4, 2274

Vê-se assim que os valores convergem após 5 iterações, dando os valores

C =

(

0, 8019 −0, 7823

0, 3368 1, 0684

)

ε =

(

−1, 5975 ua 0

0 −0, 0617 ua

)

ou ε =

(

−43, 47 eV 0

0 −1, 68 eV

)

Conclui-se assim que as duas orbitais moleculares relevantes (nesta base) são

ψ1 = 0, 8019φ1(He) + 0, 3368φ2(H) ε1 = −43.47 eV (MO ocupada)

ψ2 = −0, 783φ1(He) + 1, 0684φ2(H) ε2 = −1.68 eV

A partir daqui pode fazer-se uma análise de Mulliken da população, usando os elementosda matriz de Mulliken, M, de elementos Mpq = DpqSpq.

D =

(

1, 2861 0, 5402

0, 5402 0, 2269

)

; S =

(

1 0, 4508

0, 4508 1

)

⇒ M=

(

1, 2861 0, 2435

0, 2435 0, 2269

)

255

Page 276: Química Computacional - Livro completo

M O L É C U L A HeH+

Essa análise associa 1,53 electrões ao átomo de hélio e 0,47 ao átomo de hidrogénio. Essesvalores obtêm-se fazendo:

Para o átomo de He: 1, 2861 + 0, 5(0, 2435 + 0, 2435) = 1, 53

Para o átomo de H: 0, 2269 + 0.5(0, 2435 + 0, 2435) = 0, 47

atendendo a que o número de electrões de cada elemento não diagonal é dividido igual-mente pelos átomos correspondentes. Assim, neste caso, cada valor 0, 2435 é repartidopelos dois átomos. Naturalmente, a soma de todos os valores da matriz M dá o númerototal de electrões: 1, 2861 + 0, 2435 + 0, 2269 + 0, 2435 = 2, 0000.

A energia total pode ser calculada adicionando a repulsão nuclear 2/R

ETOTAL = −2, 860662 u.a.

Na Figura 7D.2, dá-se um diagrama dos níveis de energia e dos contornos das funções deonda da HOMO e da LUMO (superfícies de igual valor de ψ).

E/eV

0

LUMO-1,68 eV

-43,47 eVHOMO

HeH

+-

Figura 7D.2: Níveis de energia do ião HeH+ e contornos das funções de ondada HOMO e da LUMO (superfícies de igual valor de ψ).

256

Page 277: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

7E CÁLCULO DE HARTREE -FOC K PARA A MOLÉCUL A H2 O

A título de mais um exemplo, dão-se a seguir os resultados de um exercício de cálculocomputacional para a molécula H2O, usando o programa Spartan [Spartan’04 for Ma-cintosh, Wavefunction, Inc., Irvine, CA].

Foi usada uma base intitulada 6-311G∗ de 24 orbitais atómicas:

18 para o O:

i) 1 do tipo s (do cerne: soma de 6 gaussianas (daí a designação 6 )

ii) 3 do tipo s (de valência) 1s, 2s, 3s

iii) 3 conjuntos de 3 (3 × 3 = 9) orbitais do tipo p (de valência) px, py, pz

iv) 5 orbitais do tipo d (polarização) dz2 , dy2−z2 , dxy, dxz, dyz

6 para cada H:

v) 3 orbitais do tipo s

Nota: No nome 6-311G∗, o 6 significa o uso de 6 gaussianas com coeficientes fixos, para asorbitais internas (do cerne). O 311 significa que são usados um grupo de três (para O) e doisgrupos de uma (um para cada H) ), para orbitais de valência. O * significa adição de funções depolarização (as orbitais 5d para o O).

Coordenadas cartesianas da molécula H2O, calculadas por minimização do funcional daenergia:

Átomo x y zH1 0,000 0,768 0,187O 0,000 0,000 -0,374H2 0,000 -0,768 0,187

Resultados do cálculo

Energia total calculada: −76, 0321Eh; Energia total experimental: −76, 4804EhE HOMO : −13, 5899 eVE LUMO : 4, 0457 eVDistância O-H calculada: 0, 951 Å; Valor experimental: 0,958 Å

257

Page 278: Química Computacional - Livro completo

C Á L C U L O D E H A RT R E E - FO CK PA R A A M O L É C U L A H2O

Ângulo H-O-H calculado: 107,7 o; Valor experimental: 104,45 o

Momento Dipolar calculado: 2,32 D; Valor experimental: 1,85 D

Os níveis de energia e os coeficientes das orbitais moleculares constam da tabela 7E.1:

Coeficientes das orbitais moleculares [base 6-311G∗]

[Spartan’04 for Macintosh, Wavefunction, Inc., Irvine, CA]

Tabela 7E.1: Coeficientes das orbitais moleculares para a molécula H2O.

OM STO ψ1 ψ2 ψ3 ψ4 ψ5 ψ6 ψ7 ψ8

ε/Eh −20, 544 −1, 3467 −0, 7204 −0, 5670 −0, 4994 0, 14867 0, 21540 0, 5722

ε/eV −559, 03 −36, 644 −19, 6024 −15, 4270 −13, 590 4, 0456 5, 8613 15, 570

1 H1 S 0, 000 0, 097 0,154 −0,088 0, 000 −0, 036 0, 023 0, 080

2 H1 S 0, 000 0, 033 0,178 −0,098 0, 000 0, 047 −0, 107 1, 470

3 H1 S 0, 000 −0, 002 0, 053 −0, 032 0, 000 −0,839 1, 545 −0, 744

4 O S 0,551 −0, 114 0, 000 −0, 038 0, 000 −0, 034 0, 000 0, 000

5 O S 0,472 −0, 191 0, 000 −0, 064 0, 000 −0, 055 0, 000 0, 000

6 O PX 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 −0,292 0, 000 0, 000 0, 000

7 O PY 0, 000 0, 000 0,222 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 121 −0, 127

8 O PZ 0, 002 0, 035 0, 000 −0,255 0, 000 0, 074 0, 000 0, 000

9 O S 0, 006 0,543 0, 000 0,199 0, 000 0, 104 0, 000 0, 000

10 O PX 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 439 0, 000 0, 000 0, 000

11 O PY 0, 000 0, 000 0,371 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 140 −0, 184

12 O PZ −0, 001 0, 079 0, 000 −0,388 0, 000 0, 120 0, 000 0, 000

13 O S 0, 000 0,450 0, 000 0,260 0, 000 0,870 0, 000 0, 000

14 O PX 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 489 0, 000 0, 000 0, 000

15 O PY 0, 000 0, 000 0,241 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 515 −1, 157

16 O PZ 0, 000 0, 052 0, 000 −0,391 0, 000 0,215 0, 000 0, 000

17 O DZ2 0, 000 0, 004 0, 000 −0, 022 0, 000 0, 006 0, 000 0, 000

18 O DX2-Y2 0, 000 −0, 016 0, 000 0, 008 0, 000 −0, 004 0, 000 0, 000

19 O DXY 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000

20 O DXZ 0, 000 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 021 0, 000 0, 000 0, 000

21 O DYZ 0, 000 0, 000 0, 041 0, 000 0, 000 0, 000 −0, 010 0, 018

22 H2 S 0, 000 0, 097 −0,154 −0,088 0, 000 −0, 036 −0, 023 −0, 080

23 H2 S 0, 000 0, 033 −0,178 −0,098 0, 000 0, 047 0, 107 −1, 470

24 H2 S 0, 000 −0, 002 −0, 053 −0, 032 0, 000 −0,839 −1, 545 0, 744

258

Page 279: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

yy y

yyy

13

4 5 6

2

Figura 7E.1: Representação das 6 primeiras orbitais moleculares da moléculaH2O, (base 6-311G∗ ).

Comentários e breve interpretação

Note-se que só estão ocupadas as orbitais ψ1 a ψ5, uma vez que a molécula tem 10electrões.

Uma análise dos coeficientes e do esquema das orbitais permite concluir o seguinte:

A orbital de mais baixa energia, ψ1, está fortemente localizada perto do núcleo do oxigéniosendo essencialmente a sua orbital 1s, e não está envolvida na ligação.

A orbital ψ2 tem um superfície nodal, esférica, à volta do átomo de oxigénio. É essen-cialmente a orbital 2s do oxigénio sobreposta com pequenas contribuições das orbitaisdos hidrogénios.

259

Page 280: Química Computacional - Livro completo

C Á L C U L O D E H A RT R E E - FO CK PA R A A M O L É C U L A H2O

As orbitais ligantes mais importantes são ψ3 e ψ4, ambas com contribuições importan-tes das orbitais do oxigénio (py) e dos hidrogénios, sendo semelhante a uma orbital pyenvolvendo também os átomos de hidrogénio, enquanto ψ4 é semelhante a uma orbital pz.

ψ5 é a orbital ocupada de mais alta energia, (HOMO). É essencialmente a orbital pxdo oxigénio, sem qualquer contribuição das orbitais dos hidrogénios. É uma orbital nãoligante. Ver esquema simplificado da Figura 7E.2.

2p

2s

1s

1s

O H, HH O2

y

y

y

y

1

y2

y3

y4

5

6

7

Figura 7E.2: Esquema tradicional simplificado das orbitais moleculares damolécula H2O.

260

Page 281: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

7F MÉTODO DE HÜCKEL S IMPLES

O método de Hückel simples aplica-se a moléculas com electrões π. O sistema de ligaçõesσ, que constitui o esqueleto da molécula é considerado como que o seu cerne e apenas oselectrões π são equiparados a electrões de valência. Os cálculos das energias das orbitaisπ, baseiam-se na anulação dos integrais de sobreposição diferencial, i.e., Spq = δpq.

É habitual usar a seguinte notação:

Hpp = α integrais de Coulomb

Hpq = β se p e q forem adjacentes — integrais de ressonância

Spq = δpq (S = 1 se p = q e S = 0 se p 6= q)

A título de exemplo, apliquemos o método de Hückel à molécula de butadieno. Vamosconsiderar apenas os electrões π e tomar como base de orbitais atómicas as orbitais pz

de cada átomo de carbono, i.e., ψ =L=4∑

p=1cpφp com φp = pzp.

Butadieno

Na Figura 7F.1 representam-se as orbitais pz de cada átomo de carbono, do butadieno eque constituirão a base Φ = p1, p2, p3, p4

+ + ++

----

C C C C

p p pp1 2 3 4

Figura 7F.1: Orbitais pz do butadieno, que se combinam para formar orbitaismoleculares π .

A equação secular éL=4∑

p=1

(Hpq − εSpq)cp = 0 q = 1, ..., 4 (7F.1)

261

Page 282: Química Computacional - Livro completo

M É T O D O D E H Ü C KE L S IM PL E S

O determinante seculardet(Hpq − εSpq) = 0

que dá, fazendo Hpp = α,Hpq = β se p e q forem adjacentes, e nulos, se não; e Spq = δpq:∣

α− ε β 0 0

β α− ε β 0

0 β α− ε β

0 0 β α− ε

= 0 (7F.2)

Se fizermos, para simplificar,

x =α− ε

β(7F.3)

vem∣

x 1 0 0

1 x 1 0

0 1 x 1

0 0 1 x

= 0 (7F.4)

que, expandido, dáx4 − 3x2 + 1 = 0 (7F.5)

cujas raízes sãox = ±0, 62 e x = ±1, 62 (7F.6)

As energias podem então ser calculadas pela expressão ε = α− xβ:

Ea = α+ 1, 62β

Eb = α+ 0, 62β

Ec = α− 0, 62β

Ed = α− 1, 62β

(7F.7)

correspondendo a duas orbitais moleculares ligantes e a duas orbitais moleculares anti-ligantes. Os valores de α e β são negativos, pelo que o nível de mais baixa energia éεa = α+ 1, 62β.

Os coeficientes cap das orbitais moleculares podem calcular-se substituindo os valores daenergia (ou directamente, de x) nas equações seculares, que a seguir se explicitam:

xc1 + c2 = 0

c1 + xc2 + c3 = 0

c2 + xc3 + c4 = 0

c3 + xc4 = 0

262

Page 283: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

E

e = a + 1,62 b

e = a + 0,62 b

e = a - 0,62 b

e = a - 1,62 b

a

b

c

d

Figura 7F.2: Diagrama dos níveis de energia.

Para o valor de energia εa(x = −1, 62) vem

c2 = 1, 62c1

c3 = −c1 + 1, 62c2 = 1, 62c1

c3 = 1, 62c4

c2 = c3

c1 = c4

Usando a condição de normação1L=4∑

p=1c2p = 1, ou seja, c21 + c22 + c23 + c24 = 1, dá

ψa = 0, 37p1 + 0, 60p2 + 0, 60p3 + 0, 37p4

Analogamente, podemos calcular os restantes coeficientes.

ψb = 0, 60p1 + 0, 37p2 − 0, 37p3 − 0, 60p4

ψc = 0, 60p1 − 0, 37p2 − 0, 37p3 + 0, 60p4

ψd = 0, 37p1 − 0, 60p2 + 0, 60p3 − 0, 37p4

(7F.8)

Na Tabela 7F.1, estão reunidos os valores das energias e os coeficientes das respectivasorbitais moleculares.

1Note que, na condição de normação ,( L∑

pca∗q cpSpq = 1

)

, Spq = δpq(S = 1 se p = q e S = 0 se p 6= q).

263

Page 284: Química Computacional - Livro completo

M É T O D O D E H Ü C KE L S IM PL E S

Tabela 7F.1: Valores das energias e dos coeficientes das orbitais molecularesdo butadieno.

Ea c1 c2 c3 c4

α+ 1, 62β 0, 37 0, 60 0, 60 0, 37

α+ 0, 62β 0, 60 0, 37 −0, 37 −0, 60

α− 0, 62β 0, 60 −0, 37 −0, 37 0, 60

α− 1, 62β 0, 37 −0, 60 0, 60 −0, 37

A energia dos electrões π pode ser calculada, atendendo ao grau de ocupação das orbitais:

Eπ = 2(α+ 1, 62β) + 2(α+ 0, 62β) = 4α+ 4, 48β (7F.9)

Se os electrões estivessem localizados, isto é, se as duplas ligações estivessem localizadasentre os carbonos 1-2 e 3-4, poderíamos calcular, resolvendo o determinante secularcorrespondente (note que H23 agora seria nulo):

Eπlocalizadas = 2(α+ β) + 2(α+ β) = 4α+ 4β (7F.10)

Pelo que a energia de deslocalização será a diferença

EDESLOCALIZAÇÃO = (4α+ 4, 48β)− (4α+ 4β) = 0, 48β com β < 0 (7F.11)

A energia de deslocalização, ou energia de ressonância, de 0, 48β < 0, significa umaestabilização devida à deslocalização. A atribuição de um significado físico a β (associadoà energia de ressonância) permite, por exemplo, usar o método de Hückel como métodosemiempírico —β seria um parâmetro empírico. Identicamente se poderia dar um valorparamétrico a α.

Se quiséssemos fazer uma representação esquemática das orbitais moleculares do buta-dieno, poderíamos, por exemplo, imaginar vectores saindo verticalmente de cada átomode carbono de comprimento proporcional aos coeficientes das orbitais p1 a p4 (posi-tivo, para cima; negativo para baixo) e desenhar a envolvente que passa pelos extremosdesses vectores e pelos átomos de carbono. Para ψb, por exemplo, teríamos um vector decomprimento +0, 60, no primeiro carbono, um vector de comprimento 0, 37, no segundocarbono, um vector de comprimento −0, 37 (para baixo) no terceiro carbono e, finalmenteum vector de comprimento −0, 60 (para baixo) no quarto carbono. Se desenhássemos aenvolvente que passa pelos extremos dos vectores, e pelos átomos de carbono, poderíamos

264

Page 285: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

obter uma representação gráfica esquemática da respectiva orbital molecular. Deveríamosobter n−1 nodos, em que n é o índice de ordem crescente da energia (n = 1 para ψa, n = 2

para ψb etc.)— Compare com partícula na caixa (Capítulo 2.2!). Essa representaçãoesquemática não deveria diferir muito da representação obtida pelo programa Spartan,da Figura 7F.3, em que os coeficientes são apenas mais exactos.

Análise de Populações Electrónicas

A Tabela 7F.1 pode servir para calcular as populações electrónicas π associadas a cadaátomo2:

qi =oc∑

a

naca2i

em que na é o número de electrões que ocupam a orbital ψa, e o somatório é estendidoàs orbitais moleculares ocupadas.

Assim, a densidade electrónica π na vizinhança do átomo 1 pode calcular-se tendo emconta que há 2 electrões na orbital ψa (coeficiente ca1 da linha 1 da tabela), e 2 na orbitalψb (cb1 da linha 2 da tabela):

q1 = 2c1a2 + 2cb

2

1 = 0, 994 ≈ 1

q2 = 2c2a2 + 2cb

2

2 = 0, 994 ≈ 1

q3 = 2c3a2 + 2cb

2

3 = 0, 994 ≈ 1

q4 = 2c4a2 + 2cb

2

4 = 0, 994 ≈ 1

A partir da matriz C (coeficientes da tabela 1) poderíamos calcular a matriz densidadeD fazendo o produto 2CC†, bem como a matriz de Mulliken.

Para efeitos de comparação do método de Hückel com um método ab initio, damos aseguir os resultados obtidos por um cálculo de Hartree-Fock, usando o programa Spartan[Spartan’04 for Macintosh, Wavefunction, Inc., Irvine, CA], numa base STO-3G dondese extraíram as energias e as superfícies de iso–ψ para as orbitais moleculares relativasaos electrões π:

2Nota: De facto deveria usar-se a matriz densidade. Quando houver mais do que uma orbital atómica(da base) associada a um dado átomo, torna-se necessário somar sobre todas elas.

265

Page 286: Química Computacional - Livro completo

M É T O D O D E H Ü C KE L S IM PL E S

Matriz C:

ψHOMO−1 ψHOMO ψHOMO+1 ψHOMO+2

0, 3769 −0, 5197 0, 62362 0, 51086

0, 4753 −0, 4068 −0, 47887 −0, 68665

0, 4753 0, 4068 −0, 47887 0, 68665

0, 3769 0, 5197 0, 62362 −0, 51086

ε = −10, 51 eV ε = −7, 328 eV ε = 7, 06110 ε = 11, 04862

Como se vê, os valores dos coeficientes obtidos pelo método de Hückel são qualitativa-mente correctos, havendo naturalmente diferenças consideráveis nos seus valores numéri-cos.

Damos também a seguir a matriz S, que na aproximação de Hückel fizemos com os elementosdiagonais iguais a 1 e todos os outros nulos.

Matriz S p1 p2 p3 p4

p1 1 0, 2407 0, 02197 0, 00082

p2 0, 2407 1 0, 1672 0, 02197

p3 0, 02197 0, 1672 1 0, 2407

p4 0, 00082 0, 02197 0, 2407 1

Na Figura 7F.3 faz-se a representação gráfica das orbitais (superfícies de iso-ψ).

y = 0,38 p + 0,48 p +0,48 p +0,38 pa 1 2 3 4 y = - 0,52 p - 0,41 p + 0,41 p + 0,52 p

b 1 2 3 4

y = 0,51 p - 0,69 p +0,69 p -0,51 pd 1 2 3 4

y = 0,62 p - 0,47 p - 0,47 p + 0,62 pc 1 2 3 4

+ +

+

+

+

+

+

-

-

-

-

-

-

-+

+

+

-

-

-

Figura 7F.3: Representação gráfica das orbitais (superfícies de iso-ψ) obtidapelo programa Spartan.

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Page 287: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

7G PROBLEM A S

1. Considere o radical alilo, CH2 = CH-CH2, no âmbito do método de Hückel para asorbitais π.

[Hpp = α; Hpq = β se p e q forem adjacentes e Hpq = 0; se não forem, Spq = δpq]

a) Escreva o determinante secular.

b) Calcule os níveis de energia e faça um esquema desses mesmos níveis, indicandoo grau de ocupação pelos electrões π.

c) Calcule a energia total π e a energia de deslocalização.

d) Calcule a população total de electrões π em cada átomo de carbono.

Note que neste caso em que há orbitais com dois electrões e orbitais só com um, é maissimples fazer o cálculo separado das duplamente ocupadas e das simplesmente ocupadas.Note também que o cálculo das populações associadas a cada átomo só envolve (no casodo método de Hückel, pois Sp6=q = 0), os elementos diagonais da matriz densidade. Omais simples é recorrer ao significado dos coeficientes: a população electrónica não é maisdo que a soma dos quadrados dos coeficientes das orbitais atómicas relativas a cada átomomultiplicadas pelo número de electrões nas respectivas orbitais moleculares.

e) Sabendo que β ≈ 22000 cm−1, faça uma estimativa do comprimento de onda aque se observa a transição para o primeiro estado excitado.

2. As orbitais moleculares (do sistema π) para o ciclopropenilo (C3H3) obtidas pelométodo de Hückel são as seguintes:

ψa =1√3(p1 + p2 + p3); ψb =

1√6(2p1 − p2 − p3); ψc =

1√2(p2 − p3)

em que os símbolos têm os significados usuais.

a) Escreva o determinante secular.

b) Sabendo que uma das raízes é x = 1 (raiz dupla), determine os valores dasenergias dos vários níveis.

c) Confirme que a orbital ψb se encontra normada.

d) Faça uma representação esquemática das orbitais moleculares.

e) Calcule a matriz densidade D = 2CC†.

f) Calcule as populações electrónicas π associadas a cada átomo de carbono.

267

Page 288: Química Computacional - Livro completo

PRO B L E M A S

3. Considere o birradical trimetilenemetano, no âmbito do método e Hückel para asorbitais π.

CH C

CH

CH

2

2

2

a) Escreva o determinante secular (considere os electrões π totalmente desloca-lizados).

b) Determine os valores das energias dessas orbitais π.

c) Quantos electrões π há? Faça um esquema dos níveis de energia indicando ograu de ocupação.

d) Faça uma representação esquemática das orbitais moleculares ocupadas.

e) Calcule as populações π associadas a cada átomo de carbono.

4. Foi feito um cálculo ab initio para a molécula de água usando uma base 3-21G,tendo sido obtida a seguinte combinação linear para a HOMO:

ψHOMO = 0, 52105py(O) + 0, 63233py(O)

sendo todos os restantes coeficientes nulos. As py(O) são orbitais do tipo Slatersemelhantes a orbitais py centradas no átomo O. A matriz S relativa a estas orbitaisatómicas é

S =

(

1 0, 498767

0, 498767 1

)

a) Calcule a matriz densidade relativa a esta orbital, DHOMO.

b) Calcule a população electrónica associada ao átomo de oxigénio na HOMO.

c) Como interpreta o resultado obtido na alínea anterior?

5. Num cálculo de Hartree-Fock para a molécula BeH2 Be(1s2 2s2); H(1s) foram

268

Page 289: Química Computacional - Livro completo

C O M PL E M E NTO S D O C A P ÍT U L O 7

obtidos os coeficientes e energias (em hartree) que constam da tabela junta.

C ψ1 ψ2 ψ3

φ1 = 1sH1 −0, 0061 0, 454 0, 4266

φ1 = 1sH2 −0, 0061 0, 454 −0, 4266

φ3 = 1sBe 0, 9892 −0, 2034 0

φ4 = 2sBe 0, 0501 0, 4048 0

φ5 = 2pzBe 0 0 −0, 4593

εi/Eh −4, 5092 −0, 5024 −0, 4625

A seguir representam-se esquematicamente as orbitais.

2pBe

2sBe

1sBe

1sH

Be H, HBe H 2

X

Y

Z

Nota: os coeficientes das orbitais 2pxBe e 2pyBe são nulos para as 3 primeiras OMs.

É dada a matriz S (note que é uma matriz simétrica):

S φ1 = 1sH1 φ2 = 1sH2 φ3 = 1sBe φ4 = 2sBe φ5 = 2pzBe

φ1 = 1sH1 1 0,08344 0,08718 0,56716 −0, 58284

φ2 = 1sH2 0,08344 1 0,08718 0,56716 0,58284

φ3 = 11sBe 0,08718 0,08718 1 0,2189 0

φ4 = 2sBe 0,56716 0,56716 0,2189 1 0

φ5 = 2pzBe −0, 58284 0,58284 0 0 1

a) Identifique as orbitais X , Y e Z, do esquema, dizendo qual dos ψ é cada umadelas.

b) Com base nos dados da tabela, pode dizer se a molécula é linear ou não? Justi-fique a resposta.

c) Calcule a matriz densidade.

d) Calcule a população electrónica associada a cada um dos átomos.

e) Verifique a condição tr(DS) = N .

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AA PN D I C E S

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A PÊ N D IC E S

A1 OPERAD OR E S DO MOMENTO ANGULAR PARA S ISTE -MAS DE MUITOS ELECTRÕE S

Embora, na aproximação de Hartree-Fock, o hamiltoniano possa escrever-se como umsomatório de operadores de Fock (ver expressões (7.38) e (7.41)), que são operadores deum electrão, os operadores monoelectrónicos de momento angular L2

1 e L1z não comutam,de facto, com o operador de repulsão entre electrões 1/r12:

[L1z, 1/r12] 6= 0 (A1.1)

como se pode verificar fazendo

L1z = −i~ ∂

∂φ1

r12 =√

r21 + r22 − 2r1r2 cosχ

em que χ é o ângulo entre os vectores1 r1 e r2. Em coordenadas polares r, θ e φ,

cosχ = cos θ1 cos θ2 + sen θ1 sen θ2 cos(φ1 − φ2) . (A1.2)

Uma vez que cosχ depende da diferença (φ1 − φ2), a sua derivada com respeito a φ1

não será zero, e o comutador, também não. Isto significa que os números quânticosde electrões individuais, `1 e `2, não serão bons números quânticos para um sistema demuitos electrões. Significando que esses números quânticos não correspondem a nenhumaobservável. Contudo a soma dos operadores de momento angular:

Lz = L1z + L2z (A1.3)

comuta com 1/r12 e com o hamiltoniano. De facto, o comutador [Lz, 1/r12] envolve asoma das derivadas ∂

∂φ1+ ∂

∂φ2actuando sobre cosχ que depende de (φ1 − φ2), que se

anulam, ficando[Lz, 1/r12] = 0 . (A1.4)

Outro operador que comuta com 1/r12 é L2 = L2x + L2

y + L2z, em que L = L1 + L2.

Assim, Lz e L2 (momentos angulares totais) comutam com H , e os respectivos númerosquânticos são bons números quânticos.

Os operadores L2, Lx, Ly e Lz satisfazem as mesmas propriedades de comutação que osoperadores de momento angular de electrões individuais: [L2, Lz] = 0, [Lx, Ly] = i~Lz,

1De facto, (r2 − r1)2 = r22 + r2

1 − 2(r1.r2) = r22 + r2

1 − 2 cos χ.

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Page 294: Química Computacional - Livro completo

O PE R A D O R E S D O M O M E N T O A N G U L A R PA R A S I S T E M A S D E

M U IT O S E L E C T RÕE S

etc., pelo que as suas funções de onda (polielectrónicas) comportam-se como harmónicasesféricas, podendo definir-se números quânticos totais ou resultantes L e ML tais que

L2|LML〉 = L (L+ 1) ~2|LML〉 (A1.5)

Lz|LML〉 = ML~|LML〉 (A1.6)

Há, no entanto, constrangimentos relativamente aos valores de L e ML permitidos de-vido à conservação do momento angular. Temos, ainda, que ter em atenção as regras damecânica quântica para o momento angular.

Momento Angular em Átomos Polielectrónicos

Nos átomos com camadas completas (closed shell) em que todos os electrões estão em-parelhados, os momentos angulares e de spin cancelam-se mutuamente, dando comoresultante um estado com número quântico de spin total S = 0, um singuleto, que podeser descrito por um único determinante de Slater, formado por um único conjunto deorbitais espaciais duplamente ocupadas.

Nos átomos com camadas incompletas, a uma dada configuração electrónica correspon-dem vários determinantes de Slater. E, havendo vários determinantes de Slater degene-rados (i.e., com a mesma energia), os electrões vão distribuir-se por todos eles (princípioda sobreposição). Já encontrámos o exemplo do estado excitado do hélio em que a confi-guração electrónica 1s 2s corresponde a quatro determinantes de Slater que dão origem aum singuleto e um tripleto. Este tipo de comportamento é observado em todos os átomoscom camadas incompletas e dá origem à chamada estrutura de multipletos de uma dadaconfiguração electrónica.

Em virtude da indiscernibilidade das partículas idênticas — neste caso, os electrões — osmomentos angulares orbitais e de spin, de cada electrão de um átomo polielectrónico nãosão observáveis. As observáveis associadas aos momentos angulares para os átomos po-lielectrónicos são as resultantes ou somas vectoriais dos momentos angulares individuais.Para as camadas exteriores parcialmente preenchidas, podem considerar-se dois tipos deinteracções entre os electrões:

i) Um de natureza electrostática, donde resultam os níveis ou termos da estrutura demultipletos. A cada estado, ou termo, corresponde um número quântico de momentoangular total, L. No caso do primeiro estado excitado do hélio, com a configuração 1s

2s, temos, como vimos, os termos 3S e 1S, ambos com número quântico total, L = 0.

ii) Outro, que deriva da interacção spin-orbital. Esta interacção levanta a degenerescên-cia de grau 2L + 1, dos termos com número quântico orbital L, correspondente aosnúmeros quânticos ML = L,L− 1, ...− L, e dá origem à chamada estrutura fina dosespectros atómicos.

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A PÊ N D IC E S

O Problema da Adição de Momentos Angulares

Recordemos que os momentos angulares são vectores, da forma L = mev × r, e que,portanto, dois momentos angulares se adicionam como dois vectores. Temos, no entanto,de ter em atenção as regras da mecânica quântica para o momento angular. Já vimosque o módulo do momento angular orbital correspondente ao número quântico ` é |L| =√

`(`+ 1) (em unidades atómicas) e que a componente em z é Lz = m =√

`(`+ 1) cos θ,com m = −`...+ `. Vamos admitir que se trata de momentos angulares de qualquer tipo(orbital ou de spin) e que portanto ` pode assumir valores semi-inteiros, como no casodo spin, embora, em cada conjunto, eles estejam sempre separados de uma unidade.

Assim, suponhamos que queremos adicionar dois momentos angulares, L1 e L2, que ad-mitem várias posições relativas e que correspondem, por exemplo, aos números quânticos`1 = 2 e `2 = 3/2, respectivamente. Se fossem vectores clássicos os valores possíveis domódulo da resultante iriam desde |L1| + |L2| até ||L1| − |L2||. Se, por exemplo, fosse|L1| = 2 e |L2| = 3/2, as resultantes das várias orientações relativas possíveis teriammódulos que iriam de 2 + 3/2 = 7/2 a |2 − 3/2| = 1/2.

Em mecânica quântica, a regra é idêntica se substituirmos a palavra módulo por númeroquântico L, mas os valores possíveis das resultantes das várias orientações relativas dedois momentos angulares de número quântico `1 e `2 são L = `1 + `2, `1 + `2−1, `1 + `2−2, ...|`1 − `2|. No caso de `1 = 2 e `2 = 3/2, L = 7/2, 5/2, 3/2 e 1/2 (ver Figura A1.1).

L=7/2

L=5/2

L=3/2

l

l

l

l

l1 l

1 1

2

2

2

L=1/2

l

l1

2

Figura A1.1: Adição de dois momentos angulares correspondentes a númerosquânticos `1 = e `2 = 3/2. As possíveis resultantes, cujos número quânticostêm de estar separadas de uma unidade, vão desde a situação em que os doisvectores do momento angular estão alinhados paralelamente um com o outro, àsituação em que estão alinhados um com o outro, mas em sentidos opostos.

Há duas diferenças relativamente ao comportamento de vectores clássicos: i) nem todas asorientações são possíveis — só são possíveis aquelas cujos números quânticos resultantesdiferem de uma unidade; ii) Os módulos não são, de facto, os números quânticos — o

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O PE R A D O R E S D O M O M E N T O A N G U L A R PA R A S I S T E M A S D E

M U IT O S E L E C T RÕE S

módulo de um vector de número quântico `, como já sabemos, |L| =√

`(`+ 1) (emunidades atómicas).

Em conclusão, a adição de dois momentos angulares representados pelos números quânti-cos `1 e `2 origina um momento angular total cujo número quântico L assume os valores

L = `1 + `2; `1 + `2 − 1; ...|`1 − `2| (A1.7)

Para adicionar mais de 2 momentos angulares aplicamos esta regra repetidamente.

Uma vez determinado o número quântico L resultante, é possível determinar os númerosquânticos ML, correspondentes às componentes em z. Eles são

ML = −L; −L+ 1; ...L (A1.8)

Em resumo, para um sistema de dois electrões, com números quânticos de momentoangular orbital `1 e `2, os estados resultantes correspondem aos números quânticosL=`1+`2, `1+`2−1, · · · |`1−`2|, cada um destes com um grau de degenerescência 2L+ 1,correspondente aos valores de ML para cada valor de L. Os números quânticos `1, `2,m1

e m2 deixam de ser observáveis — as observáveis são os números quânticos totais L e ML.Estas regras são comuns a qualquer tipo de momento angular (orbital, de spin e misto).

Operadores, Valores Próprios e Números Quânticos

Para uma melhor compreensão do texto que se segue, indica-se na Tabela A1.1 a notaçãopara os operadores, valores próprios e números quânticos associados ao momento angular.

Tabela A1.1: Operadores, valores próprios e números quânticos associadosao momento angular.

Observáveis Operadores Valores próprios Nos quânticos

Momento angular de um electrão L2 `(`+ 1)~2 `

Componente em z Lz m~ m

Spin S2 s(s+ 1)~2 s

Componente em z do spin Sz ms~ ms

Momento angular total (2 electrões) L2 = L21 + L2

2 L(L+ 1)~2 L

Componente em z Lz = Lz1 + Lz2 ML~ ML = Σm`

Spin total S2 = S21 + S2

2 S(S + 1)~2 S

Componente em z Sz = Sz1 + Sz2 MS~ MS = Σm`

Momento angular total (L+ S) J2 = L2 + S2 J(J + 1)~2 J

Componente em z Jz = Lz + Sz MJ~ MJ

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A PÊ N D IC E S

Determinação dos Termos de Uma Configuração

Como já dissemos, no caso dos átomos polielectrónicos, os momentos angulares orbitaise de spin de cada electrão não são observáveis, o que significa que não têm valoresbem definidos. As observáveis associadas aos momentos angulares são as resultantes ousomas vectoriais dos momentos angulares de todos os electrões. Por outro lado, existeminteracções magnéticas entre os momentos angulares orbitais e de spin que afectam osníveis de energia, sendo usual considerar dois esquemas de acoplamento spin-orbital,nomeadamente, o acoplamento LS ou de Russell-Saunders que é válido para átomos quetêm até cerca de 50 electrões e o acoplamento jj válido para os átomos do fim da tabelaperiódica.

Acoplamento LS ou de Russell-Saunders

Neste caso, os “bons” números quânticos são L, ML, S, MS , J , MJ , pelo que se tornanecessário calcular esses números quânticos a partir nos números quânticos `, m, s, e ms

dos electrões individuais. Obtém-se assim a estrutura de multipletos.

Segundo este esquema de acoplamento somam-se os momentos angulares orbitais por umlado, os spins por outro, e depois faz-se o acoplamento J = L+ S.

Nomenclatura dos Estados de Sistemas Polielectrónicos

À semelhança da designação para os estados dos átomos hidrogenóides (orbitais),

s, p, d, f , g, etc., respectivamente, para ` = 0, 1, 2, 3, 4, etc., usa-se a designação

S, P,D, F,G, etc., para os estados L = 0, 1, 2, 3, 4, etc. de átomos polielectrónicos.

Para moléculas, usam-se as designações σ, π, δ, φ,... (letras gregas minúsculas),

para as orbitais monoelectrónicas, e Σ,Π,∆,Φ,... (letras gregas maiúsculas) para

estados polielectrónicos.

Designam-se por configurações as descrições em termos de orbitais, por exemplo,

1s2 e 1s 2s para o estado fundamental e para o primeiro estado excitado do hélio.

Os estados dos sistemas polielectrónicos, chamados termos de uma dada configu-

ração, são designados pela notação2S+1XJ

em que X é o símbolo que denota o valor de L. No índice superior esquerdo figura

o valor da multiplicidade de spin (2S + 1). Em índice inferior direito, figura o valor

de J , que pode assumir, como vimos, os valores J = L+ S,L+ S − 1, ...|L− S|.

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O PE R A D O R E S D O M O M E N T O A N G U L A R PA R A S I S T E M A S D E

M U IT O S E L E C T RÕE S

Com base nas regras da adição do momento angular podemos determinar os termosa partir da sua configuração electrónica (os chamados microestados).

Tomemos como exemplo a situação de uma configuração d2. Trata-se de dois electrões d:

s1 = 1/2, ms1 = ±1/2; `1 = 2, m1 = 2, 1, 0,−1,−2

s2 = 1/2, ms2 = ±1/2; `2 = 2, m2 = 2, 1, 0,−1,−2

Os valores possíveis de S são, como vimos: S = s1 + s2...|s1 − s2|, ou seja:

S = 1 MS = 1, 0,−1 tripletos

S = 0 MS = 0 singuletos

Por seu turno, os valores possíveis de L são: L = `1 + `2, `1 + `2 − 1, ...|`1 − `2|:

L = 4 ML = 4, 3, 2, 1, 0,−1,−2,−3,−4

L = 3 ML = 3, 2, 1, 0,−1,−2,−3

L = 2 ML = 2, 1, 0,−1,−2

L = 1 ML = 1, 0,−1

L = 0 ML = 0

Vejamos agora quais as combinações possíveis de MS e ML, recorrendo ao quadro se-guinte, que não é mais do que um arranjo dos valores de `1, `2,m1,m2, L e ML, tendo,para maior clareza ignorado os ML negativos, que se subentendem.

`1 = 2

m1 = 2 1 0 −1 −2

ML = 4 3 → 2 1 0 2

ML = 2 1 0 −1 1

ML = 0 −1 −2 0 `2 = 2

ML = −2 −3 −1

ML = −4 −2

m2

Para determinar os termos da configuração, deve ter-se em conta, em primeiro lugar, ospin.

• Para S = 1 (tripletos), ambos os electrões têm o mesmo ms, logo têm de ter valores dem diferentes, pelo princípio de exclusão de Pauli. Assim, o maior ML possível é ML = 3.

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Page 299: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

Quando S = 1, estamos portanto limitados às seguintes séries de valores de ML (verquadro):

i) ML=3, 2, 1, 0,−1,−2,−3, dando o termo L=3; S=1; J=L+S · · · |L−S|⇒ 3F4; 3; 2

ii) ML = 1, 0,−1, dando o termo L = 1; S = 1; J = L+ S · · · |L− S| ⇒ 3P2; 1; 0

Note-se que a utilização dos elementos diagonais do quadro (para S = 1) viola o princípio deexclusão de Pauli.

• Quando S = 0 (singuletos), os electrões diferem no spin ms, e não há qualquer restriçãono valor de ML, que pode ser combinado com S = 0. As combinações possíveis são:

iii) ML=4, 3, 2, 1, 0,−1,−2,−3,−4, dando o termo L=4; S=0; J=L+S · · · |L−S|⇒ 1G4

iv) ML = 2, 1, 0,−1,−2, dando o termo L = 2; S = 0; J = L+ S · · · |L− S| ⇒ 1D2

vii) ML = 0, que dá o termo L = 0; S = 0; J = L+ S · · · |L− S| ⇒ 1S0

Concluímos assim que os termos da configuração nd2 são 3F4,3,2,3P2,1,0,

1G4,1D2,

1S0.

Acoplamento j j

Neste caso, os bons números quânticos são os ji = `i+si e J =∑

i

Ji, devendo as funções

próprias ser designadas por |j1, j2, ..., J〉.

Nesta aproximação designada por jj, cada Li combina-se com o correspondente Si paradar um Ji = Li+Si. Só depois se considera a resultante. Por outras palavras, combinam-se primeiro os momentos angulares orbitais e de spin de cada electrão para obter ummomento angular resultante Ji. Os vários Ji combinam-se então para dar uma resultanteJ =

i

Ji.

Esquematicamente: (L1, S1)(L2, S2)(L3, S3) · · · = (J1, J2, J3, · · · ) = J

Consideremos, a título de exemplo, a configuração np n′s: formam-se em primeiro lugar,as resultantes dos momentos angulares e de spin para cada electrão:

`1 = 1 s1 = 1/2 → j1 = `1 + s1, `1 + s1 − 1, · · · , |`1 − s1| : j1 = 3/2, 1/2

`2 = 0 s2 = 1/2 → j2 = `2 + s2, `2 + s2 − 1, · · · , |`2 − s2| : j2 = 1/2

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O PE R A D O R E S D O M O M E N T O A N G U L A R PA R A S I S T E M A S D E

M U IT O S E L E C T RÕE S

Os valores possíveis de J serão então da forma:

j1 = 3/2, j2 = 1/2 → J = j1 + j2, j1 + j2 − 1, · · · , |j1 − j2| : J=2; 1

j1 = 1/2, j2 = 1/2 → J = j1 + j2, j1 + j2 − 1, · · · , |j1 − j2| : J=1; 0

Para comparação, podemos verificar que segundo o acoplamento LS obter-se-iam os níveis 3P2,1,0

e 1P1 conforme facilmente se pode verificar, notando que n 6= n’. (`1 = 1, m1 = 1, 0,−1; `2 =

m2 = 0 →ML = 1, 0,−1).No acoplamento LS a interacção entre L e S desdobra o termo 3P nos níveis J = 2, 1, 0 enquantoa 1P só corresponde J = 1. O número de níveis obtidos nos dois tipos de acoplamento é o mesmoe os valores de J são iguais, sendo possível correlacionar os estados jj com os estados LS, FiguraA1.2.

3/2 1/2

1/2 1/23

1

P

P

J J

01

1

1

1 2

0

2

1

2

j jE

Figura A1.2: Representação esquemática da transição do acoplamento LS (à es-

querda) para o acoplamento jj (à direita) para o caso de uma configuração np n′s.

Os valores das energias são relativamente fáceis de calcular usando teoria das pertur-bações.

Exemplo da risca D do Espectro do Sódio

O sódio, com a estrutura electrónica do estado fundamental 1s2 2s2 2p6 3s1, correspon-dendo ao termo 2S1/2, apresenta um espectro de emissão que pode ser interpretado combase no diagrama da Figura A1.3.

O estado fundamental corresponde ao termo 2S1/2, de estrutura 1s2 2s2 2p6 3s1. Os doisestados excitados de menor energia correspondem aos termos 2P1/2 e 2P3/2 de estruturaelectrónica 1s2 2s2 2p6 3s0 3p1.

280

Page 301: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

Microestados Multipletos (estrutura fina)

3s (l=0)

3p (l=1)2

3/2P

21/2

P

21/2

S

D 1D 2

589,6 nm 589,0 nm

E

Figura A1.3: A risca D do sódio é, de facto, um dupleto. Resulta das tran-sições 2P3/2 → 2S1/2 e 2P1/2 → 2S1/2 cujos comprimentos de onda diferem deapenas 6 Å. A configuração 3p dá origem a dois estados, degenerados (multiple-tos), em primeira aproximação. A degenerescência é levantada se se considerara interacção orbital-spin, que corresponde ao termo LS no hamiltoniano daperturbação (estrutura fina).

281

Page 302: Química Computacional - Livro completo

A PROX IM AÇ ÕES A D IA B ÁT IC A E D E B O R N - O PPE N H EIME R

A2 APROXIM AÇ ÕE S ADIABÁTIC A E DE BORN-OPPE N -HE IMER

O hamiltoniano total para uma molécula pode ser escrito como a soma dos operadoresde energia cinética dos núcleos e dos electrões, respectivamente Tn e Te, dos termos deenergia potencial Vne e Vnn (atracção electrões-núcleos e repulsão nuclear) e do termo deinteracção electrão-electrão Vee

HTOTAL = Tn + Te + Vne + Vee + Vnn (A2.1)

Em primeiro lugar, este hamiltoniano deve ser modificado para descrever o movimentorelativo ao centro de massa do sistema (como fizemos para o átomo de hidrogénio),

HTOTAL = Tn +He +Hpm (A2.2)

em que He é o hamiltoniano electrónico:

He = Te + Vne + Vee + Vnn (A2.3)

e Hpm é um termo resultante da separação do movimento do centro de massa. Chama-setermo de polarização da massa e é pequeno comparado com os restantes, pelo que édesprezado.

Se não fosse o termo Vne, que depende tanto das coordenadas dos electrões como dascoordenadas dos núcleos, representadas nos seus conjuntos, respectivamente, por r, e R,o hamiltoneano poderia ser separado em dois termos, um hamiltoneano electrónico quedependeria só de r e um hamiltoniano nuclear que dependeria só de R. Se assim fosse, deacordo com a secção 3.3.6, poderíamos escrever HTOTAL(r,R) = H1(r)+H2(R), e entãoa função de onda total seria o produto (tensorial) de uma função de onda electrónicae de uma função de onda nuclear: ΨTOTAL(r,R) = Ψ(r)Ψ(R), sendo a energia total asoma das respectivas energias parciais: ETOTAL = E1 + E2. A aproximação de Born-Oppenheimer consiste, justamente, em assumir que essa separação é aproximadamentecorrecta.

Suponhamos que são conhecidas as soluções ortonormadas Ψi(r,R) da equação de Schrö-dinger para o hamiltoniano He da expressão (A2.3) que contém as coordenadas nuclearescomo parâmetros:

He(R)Ψ(r,R) = E(R)Ψ(r,R) (A2.4)

Sem introduzir nenhuma aproximação, a função de onda total ΨTOTAL pode ser escritacomo uma combinação linear das funções de onda electrónicas Ψi(r,R) sendo os coefi-cientes da expansão função das coordenadas nucleares:

ΨTOTAL(R, r) =

∞∑

i=1

cni(R)Ψi(R, r) (A2.5)

282

Page 303: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

Podemos então escrever a equação de Schrödinger correspondente ao hamiltoniano equação(A2.2) (em que se desprezou Hpm), como

∞∑

i

(Tn +He)cni(R)Ψi(R, r) = ETOTAL

∞∑

i=1

cni(R)Ψi(R, r) (A2.6)

que podemos escrever abreviadamente:

∞∑

i

(Tn +He)cniΨi = ETOTAL

∞∑

i=1

cniΨi (A2.7)

Atendendo a que o operador de energia cinética nuclear, Tn, é essencialmente o laplaciano,

podemos substituí-lo momentaneamente, fazendo Tn =M∑

A

− 12MA

∇2A ⇒ ∇2

n

∞∑

i

[

∇2n(cniΨi) +HecniΨi

]

= ETOTAL

∞∑

i=1

cniΨi

∞∑

i

∇n [(Ψi∇ncni) + (cni∇nΨi)] + cniHeΨi) = ETOTAL

∞∑

i=1

cniΨi

∞∑

i

Ψi(∇2ncni) + 2(∇nΨi)(∇ncni) + Ψni(∇2

nΨi)

+ cniEiΨi) = ETOTAL

∞∑

i=1

cniΨi (A2.8)

em que usámos o facto de que He só actua sobre a função de onda electrónica e é umasolução da equação (A2.4). Recorde-se também que os coeficientes cni são funções de R.

Multiplicando (A2.7) à esquerda pelo bra 〈Ψj | e considerando que 〈Ψj |Ψi〉 = δji vem

∇2ncni + Ejcni +

∞∑

i=1

2〈Ψj|∇n|Ψi〉∇ncni + 〈Ψj|∇2n|Ψi〉cni

= ETOTALcnj (A2.9)

A função de onda electrónica foi assim removida dos dois primeiros termos enquanto quea chaveta contém termos de acoplamento entre os diferentes estados electrónicos. Naaproximação adiabática, só se tomam os termos de índices i = j. Vem

(

∇2n + Ej + 〈Ψj|∇2

n|Ψi〉)

cnj = ETOTALcnj (A2.10)

Retomando Tn,∇2n ⇒ Tn, vem

(

Tn + Ej + 〈Ψj |∇2n|Ψi〉

)

cnj = ETOTALcnj (A2.11)

283

Page 304: Química Computacional - Livro completo

A PROX IM AÇ ÕES A D IA B ÁT IC A E D E B O R N - O PPE N H EIME R

que é a equação de Schrödinger nuclear se fizermos cnj ≡ cnj(R) ≡ Ψnj(R) ou maisexplicitamente

[Tn + Ej(R) + U(R)]Ψnj(R) = ETOTALΨnj(R) (A2.12)

O termo U(R) é chamado correcção diagonal, e é mais pequeno do que Ej por um factorm/M em que m é a massa dos electrões, e M a dos núcleo.

Na aproximação de Born-Openheimer a correcção diagonal é desprezada, e a equação re-sultante assume a forma típica da equação de Schrödinger para o movimento dos núcleos:

[Tn + Ej(R)]Ψnj(R) = ETOTALΨnj(R) (A2.13)

ou[Tn + Vj(R)] Ψnj(R) = ETOTALΨnj(R) (A2.14)

Na aproximação de Born-Openheimer, os núcleos movem-se numa superfície de energiapotencial , que é a solução da equação de Schrödinger electrónica.

As soluções da última equação levam a níveis de energia para as vibrações moleculares erotações, as quais são de grande importância nas espectroscopias de infravermelhos, deRaman e de microondas.

284

Page 305: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

A3 SÉRIES DE FOURIER E TRANSFOR M A DA S DE FOURIER

Se f(x) for uma função periódica, de período L, isto é, f(x) = f(x+L) e se satisfizer asseguintes condições:

— Em qualquer período f(x) é contínua, excepto eventualmente para um número finitode descontinuidades.

— Em qualquer período f(x) tem um número finito de máximos e mínimos

Então f(x) pode ser representada por uma série de Fourier:

f(x) =

+∞∫

n=−∞

cneiknx com kn =

2πn

Le n = inteiro (A3.1)

cn =1

L

+L/2∫

−L/2

e−iknxf(x) dx (A3.2)

Ao conjunto cn chama-se espectro de Fourier.

É fácil provar a expressão de cn, multiplicando (A3.1) por e−ikpx e integrando entre −L/2e +L/2:

+L/2∫

−L/2

e−ikpxf(x) dx =

+∞∫

n=−∞

cn

+L/2∫

−L/2

ei(kn−kp)xf(x)dx = Lcpδnp

uma vez que o integral é igual a L, se n = p, e zero se n 6= p.

Transformadas de Fourier

Consideremos agora f(x) não necessariamente periódica. Seja fL(x) uma função perió-dica de período L igual a f(x) no intervalo [−L/2,+L/2]:

f(x) =

+∞∫

n=−∞

cneiknx

cn =1

L

+L/2∫

−L/2

e−iknxfL(x) dx (A3.3)

285

Page 306: Química Computacional - Livro completo

S É R IE S D E FO U R IE R E T R A N S FO R MADAS D E FO U R IE R

Quando L→ ∞, fL(x) = f(x). Se atender a que kn = 2πnL , posso fazer kn+1 − kn = 2π

L

e 1L = kn+1−kn

2π .

Substituindo em (A3.3):

fL(x) =

+∞∫

n=−∞

kn+1 − kn2π

+L/2∫

−L/2

e−iknξf(ξ)

eiknxdξ

Quando L → ∞, kn+1 − kn → 0, o somatório transforma-se em integral, função de k, efL(x) = f(x). Vem

f(x) =1√2π

+∞∫

−∞

eikxg(k) dk

g(k) =1√2π

+∞∫

−∞

e−ikxf(x) dx (A3.4)

f(x) e g(k) são transformadas de Fourier uma da outra.

Faz-se notar que k e x têm dimensões inversas, isto é, se x tem dimensões de espaço, ktem dimensões chamadas de espaço recíproco.

Igualmente se poderiam escrever as seguintes funções, substituindo x por t (tempo) e kpor ω (frequência):

f(t) =1√2π

+∞∫

−∞

eiωtg(ω) dω

g(ω) =1√2π

+∞∫

−∞

e−iωtf(t) dt (A3.5)

286

Page 307: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

A4 FUNÇÃO δ DE DIRAC

Dirac introduziu a função δ(x) que, por definição, satisfaz as seguintes condições:

δ(x) = 0 se x 6= 0 e δ(x) = ∞ se x = 0, sendo

∞∫

−∞

δ(x)dx = 1 (A4.1)

Para visualizar esta função, consideremos uma função de variável real x que é nula paratodo o valor de x excepto num pequeno intervalo, de tamanho ε em torno de x = 0, ecujo valor é tal que o seu integral sobre o domínio é a unidade. A forma exacta da funçãonão interessa desde que não apresente irregularidades desnecessárias. No limite ε → 0

essa função tende para a função δ(x). A função δ(x) é de certo modo a representação deuma risca espectral ideal. Tem largura nula e altura infinita, mas a área sob a curva é 1.δ(x) não é uma função convencional no sentido usual da matemática, que requer que afunção assuma um valor definido em cada ponto do seu domínio, mas é algo mais geralé o que se chama uma função imprópria.

x

d

e 0

A=1

0

a)

x

d(x)

0

b)

Figura A4.1: a) Visualização da função δ de Dirac. b) Representação es-quemática.

Uma das propriedades mais importantes de δ(x) é exemplificada pela equação∫ ∞

−∞f(x)δ(x)dx = f(0) (A4.2)

em que f(x) é uma qualquer função de x. Podemos facilmente ver a validade destaequação a partir do que acima foi dito. O primeiro membro da equação só depende de xna vizinhança da origem, x = 0, onde se pode substituir f(x) pelo seu valor na origem,sem erro considerável. Fazendo uma translação da origem pode também verificar-se:

∫ ∞

−∞f(x)δ(x − a)dx = f(a) (A4.3)

287

Page 308: Química Computacional - Livro completo

F U N Ç ÃO δ D E D IR AC

sendo a um número real. Assim, o processo de multiplicar uma função de x por δ(x−a)e integrar em x é equivalente a substituir x por a, na função.

Embora esta função imprópria não tenha um valor bem definido, quando ocorre comoum factor num integral, o integral assume um valor bem definido.

288

Page 309: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

A5 INTEGR AL DE REPULS ÃO ENTRE DOIS ELECTRÕE S

O integral de repulsão entre dois electrões em orbitais 1s é da forma

I = 〈1s(r1)1s(r2)|1

r12|1s(r1)1s(r2)〉 (A5.1)

Usando as funções 1s, do átomo de hidrogénio, vem

I =Z6

π2

dτ1

dτ2e−2Zr1e−2Zr2

1

r12(A5.2)

Para calcular este integral, devemos usar coordenadas esféricas e expandir 1/r12 nasharmónicas esféricas:

1

r12=

∞∑

`=0

m=−`

2`+ 1

r`<r`+1>

Y ∗`m(θ1, φ1)Y`m(θ2, φ2) (A5.3)

em que r< é o menor de r1 e r2, e r> é o maior de r1 e r2. Substituindo (A5.3) em (A5.2)

I = 16Z6∞∑

`=0

m=−`4π

2`+1

∞∫

0

∞∫

0

e−2Zr1e−2Zr2 r`<

r`+1>

r21dr1r22dr2×

×2π∫

0

π∫

0

Y ∗00(θ1, φ1)Y00(θ1, φ1) sen θ1dθ1dφ1

2π∫

0

π∫

0

Y ∗00(θ2, φ2)Y00(θ2, φ2) sen θ2dθ2dφ2

(A5.4)

Atendendo a que Y00 = (4π)−1/2, como se pode verificar nas tabelas, vem

I = 16Z6

∞∫

0

∞∫

0

e−2Zr1e−2Zr2r21r

22

r>dr1 dr2

Este integral pode ser calculado partindo a integração em duas partes, uma de 0 a r1, ea outra de r1 a ∞. Neste caso, r> = r1 na primeira parte e r> = r2 na segunda. Dá

I = 16Z6

∞∫

0

e−2Zr1r1

r1∫

0

e−2Zr2r22dr1

dr1

+

∞∫

0

e−2Zr1r1

r1∫

0

e−2Zr2r22dr1

dr1

O cálculo destes integrais dá

I =5

8Z (A5.5)

289

Page 310: Química Computacional - Livro completo

S I S T E M A IN T E R N AC ION AL D E U N IDA D E S ( S I O U M KS )

A6 S ISTEM A INTERN AC ION A L DE UNIDADES (S I OU MKS)

No sistema internacional de unidades (SI ou mks) são definidas 4 unidades fundamen-tais: o metro, o quilograma massa, o segundo e o ampère. Outras unidades básicas são oKelvin, o mole e a candela (para a intensidade luminosa). Todas as outras unidades sãoderivadas de acordo com a seguinte tabela:

Tabela A6.1: Unidades do sistema SI.

Grandeza Nome1 Símbolo Definição Nas unidades

fundamentais

Força newton N — kg m s−2

Energia joule J N m kg m2 s−2

Pressão pascal Pa N m−2 kg m−1 s−2

Carga eléctrica coulomb C J V−1 A s

Potência watt W J s−1 kg m2 s−3

Potencial eléctrico volt V W A−1 kg m2 A−1 s−3

Resistência eléctrica ohm Ω V A−1 kg m2 A−2 s−3

Fluxo magnético weber Wb V s kg m2 A−1 s−2

Campo magnético2, H ampère por metro A/m A m−1

Indução magnética, B tesla T Wb m−2 kg A−1 s−2

Indutância henry H Wb A−1 kg m2 A−2 s−2

Capacitância farad F C V−1 A2 s4 kg−1 m−2

1Os nomes das unidades devem ser escritos em caracteres minúsculos, mesmo que as unidades sejam emmaiúsculas.2Há dois formalismos: num deles define-se B = H + M

ε0c2. Neste formalismo B e H têm as mesmas

unidades, tesla = Wb m−2. No outro formalismo define-se B = µ0(H + M), sendo 1/µ0 = ε0c2, e asunidades de H são A m−1, como se indica na tabela. Comparando as duas definições vê-se que 1 T

= (1/µ0) A m−1 = ε0c2 A m−1 = 107

4πA m−1.

290

Page 311: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

Relações Fundamentais e Definições de Grandezas Electromagnéticasno Sistema SI

Equações de Maxwell no sistema SI:

∇.E = ρ/ε0

∇× E = − δBδt

∇.B = 0

∇× B = µ0

(

j + ε0δEδt

)

Outras relações fundamentais:

D = ε0E + P (A6.1)

D = Deslocamento eléctrico

ε0 = Permitividade do vácuo

E = Campo eléctrico

P = Polarização

B = µ0(H + M) (A6.2)

B = Indução magnética

µ0 = Permeabilidade magnética do vácuo

H = Campo magnético

M = Magnetização (momento magnético

por unidade de volume)

1/µ0 = ε0c2

Susceptibilidade Magnética:

χ = M

H(A6.3)

Das equações (A6.2) e (A6.3) pode deduzir-se

B = µ0(1 + χ)H

Onde se pode fazer µr = 1 + χ e

B = µH com µ = µ0µr

291

Page 312: Química Computacional - Livro completo

S I S T E M A IN T E R N AC ION AL D E U N IDA D E S ( S I O U M KS )

Conversão de Equações entre o Sistema cgs (Gauss) e o Sistema mks(SI):

As equações podem ser convertidas do sistema cgs (Gauss) para o sistema mks (SI) ouvice-versa, de acordo com a correspondência dada na Tabela seguinte:

Tabela A6.2: Correspondência entre os sistemas de unidades SI e MKS.

Grandeza mks (SI) cgs (Gauss)

Indução magnética B B/c

Campo magnético H c4πH

Fluxo magnético ΦB ΦB/c

Magnetização M cM

Dipolo magnético µm c µm

Permitividade do vácuo ε0 1/4π

Permeabilidade magnética do vácuo µ0 4π/c2

Deslocamento eléctrico D D/4π

292

Page 313: Química Computacional - Livro completo

A PÊ N D IC E S

A7 UNIDADES ATÓMICA S

A IUPAC recomenda a apresentação de resultados em termos das unidades atómicascomo se exemplifica a seguir:

Grandeza física Unidade atómica, X Valor de X

Comprimento a0 Raio de Bohr (bohr) 5, 2918 × 10−11 m

Massa me Massa do electrão 9, 1095 × 10−31 kg

Energia Eh Energia de Hartree (hartree) 4, 3598 × 10−18 J = 27, 211504 eV

Momento angular ~ h/2π 1, 0546 × 10−34 J s

Carga eléctrica e Módulo da carga do electrão 1, 6022 × 10−19 C

Tempo ~/Eh 2, 4189 × 10−17 s

k01

4πε0

Estas unidades resultam das seguintes definições:

me = 1

e = 1

~ = 1

k0 =1

4πε0= 1 (ε0 = permitividade do vácuo)

e são de particular vantagem nos cálculos computacionais, pois evitam lidar com númerosmuito pequenos ou muito grandes (em termos de potências de 10)

Exemplo: equação de Schrödinger para o átomo de hidrogénio:

Em unidades SI:(

− ~2

2me∇2 − e2

4πε0r

)

ψ(x, y, z) = Eψ(x, y, z)

Em unidades atómicas(

− 12∇2 − 1

r

)

ψ(x, y, z) = Eψ(x, y, z)

293

Page 314: Química Computacional - Livro completo

Página 294 (propositadamente em branco).

Página 294 (propositadamente em branco).

Page 315: Química Computacional - Livro completo

FORMULÁR IO

sen 2ax dx =x

2− sen (2ax)

4a∫

x sen ax dx =sen ax

a2− x cos ax

a∫

x sen 2ax dx =x2

4− x sen (2ax)

4a− cos (2ax)

8a2

sen (mx) sen (nx)dx =sen (m− n)x

2(m− n)− sen (m+ n)x

2(m+ n)

sen (ax) cos(ax)dx =sen 2ax

2a∫

sen 2(ax)dx =x

2− sen (2ax)

4a∫

x2 sen 2ax dx =x3

6−(

x2

4a− 1

8a3

)

sen (2ax) − cos (2ax)

4a2

xeax dx =eax(ax− 1)

a2

x2eax dx = eax(x2

a− 2x

a2+

2

a3

)

∞∫

0

xne−ax dx =n!

an+1; n > −1, a > 0

∞∫

0

e−ax2

dx =1

2

π

a; a > 0

∞∫

0

x2e−ax2

dx =1

4

π

a3

∞∫

0

x2n+1e−ax2

dx =n!

2an+1; a > 0

∞∫

0

x2ne−ax2

dx =1.3.5 · · · .(2n− 1)

2n+1an

π

a; a > 0, n = 0, 1, 2, · · ·

295

Page 316: Química Computacional - Livro completo

1∫

0

xme−ax dx =m!

am+1

[

1 − e−am∑

p=0

ap

p!

]

dτ = r2dr sen θ dθ dφ (elemento de volume em coordenadas polares esféricas)

296

Page 317: Química Computacional - Livro completo

SOLUÇÕES E SUGESTÕE S PARA ALGUNS PROBLEM A S

Dão-se a seguir as soluções de alguns dos problemas do texto. Para os menos fáceis,dão-se sugestões e, para os mais difíceis, a resolução completa ou quase.

1E.1.a) λ = 2, 00 × 10−3 m= 2 mm; b) λA = 9, 47×−37 m.

1E.2.a) λ = 4, 04 m.

1E.3.a) e = cos 45oex + sen 45oey = 1√2(ex + ey); b) N = 0; c) N = 25; d) N = 50.

1E.4.a) 1/2; b) 1.

1E.5.a) i) T = 2, 67×10−20 J; ii) frequência insuficiente para arrancar electrões do metal.

1E.7. rn =4πε0~

2

me2n2; b) 5, 29177× 10−11 m= 0, 529Å; c) En = − me4

32π2ε20~21n2 ;

d) E1 = 2, 17991× 10−18 J = 13, 60582107 eV; e) λ = 121, 5 nm; UV.

2A.1.a) A =√

2L .

2A.2.a) 〈x〉 =2

L

L∫

0

x sen 2kx dx⇒ 〈x〉 =L

2; b) ν = 9, 18313× 1011 s−1;

λ = 4, 00 × 10−09 m;

c) v = 1, 82 × 105 m s−1.

2A.4.a) L = 6, 5 × 10−10 m; b) v = 5, 6 × 103 m s−1; c) i) N =

1

2L;

ii) P (t) = Ψ∗Ψ = ψ21 + ψ2

2 + 2ψ1ψ2 cos[(ω1 − ω2)t].

3C.1.a) ψ1〉 =

√3

2|caras〉 +

1

2|coroas〉; b) prob(caras) = |〈caras|ψ1〉|2 =

3

4.

3C.2.a) ±~; c) ~ com probabilidade 3/4, ou −~ com probabilidade 1/4; d) ~/2.

3C.3.b) ±~/2; c) ±~/2.

3C.5.a) [P12, P23]ψ(1, 2, 3) ⇒ P12P23ψ(1, 2, 3) = P12ψ(1, 3, 2) = ψ(2, 3, 1)

P23P12ψ(1, 2, 3) = P23ψ(2, 1, 3) = ψ(3, 1, 2)

⇒ Não comutam!

297

Page 318: Química Computacional - Livro completo

b) Definição de hermitiano: T † = T : em que 〈ψ|T † = 〈Tψ| = (T |ψ〉)∗.

Ora 〈ψ(12)|P †12 = 〈P12ψ(12)| = 〈ψ(21)| = |ψ(21)〉∗ = 〈ψ(21)|.

Por outro lado, P12|ψ(12)〉 = |ψ(21)〉 e 〈ψ(12)|P12 = 〈ψ(21)|.

Donde se conclui que o efeito de P12 é o mesmo que o de P †12 ⇒ hermitianos

3C.8.a)

(

R11 R12

R21 R22

)

=

(

〈u1|R|u1〉 〈u1|R|u2〉〈u2|R|u1〉 〈u2|R|u2〉

)

=

(

〈u1|u2〉 〈u1|u1〉〈u2|u2〉 〈u2|u1〉

)

=

(

0 1

1 0

)

c) λ = ±1; d) Usar a equação secular e condição de normação para determinar os

coeficientes ⇒ φ1 =1√2(u1 + u2), φ2 = 1√

2(u1 − u2)

3C.9.a)

(

α β

β α

)

⇒ diagonalização ⇒∣

α− λ β − λS

β − λS α− λ

= 0 ⇒ λ1 = α+β1+S ;

λ2 =α− β

1 − S

c1 =1

2(1 + S)

(

11

)

, c2 =1

2(1 − S)

(

1−1

)

c) ρ = CC† ⇒ ρ1 =

1

2(1 + S)

1

2(1 + S)1

2(1 + S)

1

2(1 + S)

, ρ2 =

1

2(1 − S)− 1

2(1 − S)

− 1

2(1 − S)

1

2(1 − S)

3C.10. a) para A: diagonalizar A: A=

(

0 1

1 0

)

⇒∣

0 − λ 1

1 0 − λ

= 0 ⇒λ2−1 ⇒ λ=±1

B já é diagonal: λ = ±1

b) Pode fazer-se Au = λu ⇒(

0 1

1 0

)

12

(

11

)

=√

12

(

11

)

; portanto a equação é

válida para λ = 1.

c) Prob(λi) = |〈ui|ψ〉|2 com u1 =1√2

(

11

)

na base α, β; pA=1 = 0, 93

d) Ao medir A, obtenho A = 1 com probabilidade pA=1 = 0, 93 (ver alínea anterior). Osistema fica no estado u1.

298

Page 319: Química Computacional - Livro completo

Ao medir B no estado u1 =1√2

(

11

)

obtenho B = −1 com probabilidade

pB=−1 = |〈β|u1〉|2∣

(0 1)1√2

(

11

)

2

=

1√2

2

= 1/2 ⇒ pA=1; B=−1 = 0, 93×1/2 = 0, 47 .

e) pB=−1 = |〈β|ψ〉|2 =

(0 1)

( √3/2

1/2

)∣

2

= |12 |2 = 14 e fica no estado β =

(

01

)

.

Ao medir agora A no estado β obtém-se o valor A = 1 com probabilidade

pA=1 = |〈u1|β〉|2 =

1√2(1 1)

(

01

)

2

= | 1√2|2 =

1

2e fica no estado u1

pB=−1; A=1 = 1/4 × 1/2 = 1/8 = 0, 125.

f) Os resultados são diferentes porque os operadores A e B não comutam.

4A.1.a) ν=0, 31831 s−1; ν=1, 06177×10−11 cm−1; b) F =0, 08 N; c) x=xmax =0, 5 m;

d) n = 2, 37 × 1033; e) τ = π s.

4A.2.c) T = (1/2)~ω; d) E = (1/2)~ω.

4A.3.a) 〈T 〉 =1

4~ω; b) 〈V 〉 = ETOTAL − 〈T 〉

4A.4. P = e2/2α

4A.6.a) 〈0|a†a a†|0〉 = 0; b) 〈0|aa†aa†|0〉 = 1

4A.7. Prob(E0) = |P0|ψ〉|2 = |〈ψ0|ψ〉|2 =

+∞∫

−∞

ψ∗0(x)ψ(x)dx

2

; Prob(E1) = |〈ψ1|ψ〉|2 =

+∞∫

−∞

ψ∗1(x)ψ(x)dx

2

5B.1.a) 〈r〉1s = 1, 5a0; 〈r〉3s = 13, 5a0; 〈r〉3p = 12, 5a0; 〈r〉3d = 10, 5a0 ;

c) 〈Vnlm〉 = − Z2e2

4πε0a0n2

5B.3.a) |L| =√

2~; b) m = ±1, 0;

299

Page 320: Química Computacional - Livro completo

5B.4.c) 21, 2 pm

5B.5.b) E = −1

2Eh; e) 〈V 〉 = −1Eh, 〈T 〉 = 1

2 Eh

6.B.3.a) E′[0, L/2] = −b , E′[L/2, L] = b; b) A região em que é mais provável encontraa partícula é na região de mais baixa energia ou seja no intervalo [0, L/2]

6.B.4. E =1

2~ω +

3b~2

4m2ω2

7G.1.a)

α− ε β 0

β α− ε β

0 β α− ε

= 0, b) E1 = α+√

2β; E2 = α; E3 = α−√

2β;

c) Eπ = 3α+ 2√

2β, ∆Edesl = 0, 828β; d) q1 = q2 = q3 = 1; e) λ = 321 nm.

7G.2.b) E1 = α+ 2β, E2 = E3 = α− β

7G.4.a) D =

(

0, 2715 0, 3295

0, 3295 0, 3998

)

b) A população electrónica associada ao átomo de

oxigénio na HOMO é 2, sendo 0,8716 na primeira orbital atómica e 1,1283 na segunda.

c) Interpretação: As duas orbitais atómicas do tipo py centradas no átomo de oxigéniocontêm dois dos electrões não ligantes.

7G.5.c) e d)

D = 2CC† =

0, 7763 0, 0483 −0, 1968 0, 3669 −0, 3919

0, 0483 0, 7763 −0, 1968 0, 3669 0, 3919

−0, 1968 −0, 1968 2, 0398 −0, 0656 0

0, 3669 0, 3669 −0, 0656 0, 3327 0

−0, 3919 0, 3919 0 0 0, 4219

N(H1) = 1, 1997

N(H2) = 1, 1997

N(Be) = 3, 6045

N = 6, 0038

300

Page 321: Química Computacional - Livro completo

Í N D I C E R E M I S S I V O

3-21G, 230, 2686-31G, 230

ab initio, 215, 220, 226, 230, 231, 265,268

acoplamento jj, 277adiabática, 282adjunto, 76, 110, 149afinidade electrónica, 205, 206AM1, 226AM1 método, 226amplitude de probabilidade, x, 11, 14,

52, 69, 91, 155anticomutador, 75aproximação

das combinações lineares, 208de Born-Oppenheimer, 191–194de Hatree, 200de Hatree-Fock, 195, 196, 201

átomo de hélio, 102, 195, 197, 199, 201,233, 234, 237

átomo de hidrogénio, v, 5, 43, 67, 110,139, 248, 256, 282, 289, 293

átomos polielectrónicos, 274auto-adjunto, 77, 91

base mínima, 209, 230, 251bits quânticos, 99Bohr, 5, 18, 43, 44, 67, 110, 139, 154,

161átomo de, 18, 44, 153modelo de, 5, 43, 110raio de, 44, 139, 153, 156, 157

bohr (unidade atómica), 171, 293bons números quânticos, 273Bose-Einstein, 165, 169

estatística de, 165bosões, 165bra, 68, 73, 74, 76, 77

C60, 35, 93, 105, 108campo médio, 191, 196, 206, 228catástrofe do ultravioleta, 23CNDO, 226, 231, 232compatibilidade, 81computação quântica, 99, 116comutador, 75, 118, 146, 273comutatividade, 71configuração electrónica, 207, 274, 278constantes de normação, 246coordenadas elípticas, 245, 247coordenadas normais, 131–133coordenadas polares esféricas, 139, 143,

154corpo negro, 7, 23, 24correlação, 102, 115, 195, 220–222, 226,

227Coulomb

força de, 43integrais de, 239, 240interacção de, 199, 228operador de, 199potencial de, 44, 139repulsão de, 199

coulomb (unidade de carga eléctrica),290

criptografia quântica, 116

de Broglie, 6, 16, 28onda de, 36, 38, 41, 42, 48relação de, 16, 17, 19, 28, 36, 39,

40, 44decomposição espectral, 14, 70densidade

de probabilidade, 53, 54, 60, 67electrónica, v, 216funcional da, v, 221, 227local, 228matriz, 92, 94–96, 98, 101, 107

Page 322: Química Computacional - Livro completo

ÍN D IC E R E M IS S IV O

operador, xiii, 86, 95descoerência, 93, 94, 103–105, 107, 108desigualdades de Bell, 113DFT, 191, 221, 229, 231difracção, 6, 17

de electrões, 17de moléculas de C60, 105de raios X, 17, 193

Dirac, x, 6, 16, 65, 67, 69, 166equação de, 165estatística de Fermi-Dirac, 165função δ de, 287notação de, xii, 65, 68, 69, 73, 76teoria de, 163

dualidade onda-partícula, 34–36

efeitode Compton, 6, 25, 26de túnel, 47, 55fotoeléctrico, 8, 25

Einstein, 5, 8, 24, 25, 28, 89, 102, 113Einstein, Podolsky e Rosen, xii, 113energia

de deslocalização, 264, 267de ressonância, 264

entrelaçamento, 94, 102, 103, 116, 195EPR

paradoxo de, xii, 92, 102, 113equação de valores próprios, 110, 127,

142, 194, 212, 214equação radial, 141, 142, 151, 153equação secular, 79, 110, 111, 179, 183,

212, 224, 225, 261, 298equações de Kohn-Sham, 227equações de Roothaan, 213Escola de Copenhaga, xii, 67, 92, 93estados puros, 96experiência

das duas fendas, 6, 8, 10de Stern e Gerlach, 160

extensão de operadores, 85

Fermi-Dirac, 165fermiões, 165, 191Fock, 201

matriz de, 215operador de, 199–201, 212, 224,

227, 229fórmula de Rodrigues, 130frequência limiar, 25função

de trabalho, 26própria, 78, 118, 144, 145, 155, 162radial, 140, 170

funções associadas de Legendre, 150

gato de Schrödinger, 92, 105Gauss

funções do tipo, 229Gaussiana

distribuição, 37grupo de ondas, 35, 37–39, 49, 50, 149GTO, 252

hamiltoniano, 20, 47, 74, 92, 107, 126,127, 133, 136, 171, 175, 176,180, 181, 183, 185, 188,191–196, 199, 200, 215

harmónica esférica, 142hartree (unidades atómicas), 172Hartree-Fock, v, 176, 211, 220, 221,

265, 268, 273aproximação de, 215, 221, 223energia de, 223equações de, 227método de, 176, 201–203, 221, 222teoria de, 229

Heisenberg, 6, 18, 35, 39, 40, 50, 65, 90Hermite

polinómios de, 130hermitiano, 64, 77, 110

302

Page 323: Química Computacional - Livro completo

ÍN D IC E R E M IS S IV O

hessiana, 131hidrogenóide, 154, 155, 170, 234Hilbert, 64

espaço de, 65, 74, 83, 91, 94, 108,119

histórias consistentes, 93, 94, 107, 115HOMO, 256, 260, 268, 300Hyperchem, v

ião H+2 , 188, 245

ião HeH+, 256INDO, 226, 231, 232interacção de configurações, 221, 230

ket, 73, 76–78, 114, 117Kohn-Sham, 228

equações de, 227, 228operador de, 227potencial de, 227

Kronecker, 85símbolo de, 68, 73

Lagrangemultiplicadores de, 229

laplaciano, 20, 140, 171, 283Lewis

estrutura de, 219, 220Löwdin, 218, 219

método de, 218LUMO, 256, 257

magnetãode Bohr, 185nuclear, 185

massa reduzida, 126, 139, 153, 156método

de Hückel Estendido, 225de Hückel simples, 224variacional, 175–177, 180, 188, 192,

196, 208, 222métodos

paramétricos, 226perturbações, 222

MINDO, 226, 227misturas estatísticas, 96MNDO, 226modos normais, 131Møller-Plesset, 221, 222, 224, 232momento angular, 233, 273–276, 278MP2, 224, 230, 231Mulliken

matriz de, 255, 265método de, 217

número quântico, 234, 274azimutall, 140magnético, 140, 162momento angular orbital, 163principal, 140

observáveis, 74, 78, 81, 90, 176, 207,229, 274, 276, 277

operador, 20de Kohn-Sham, 227de subida e de descida, 144identidade, 90unidade, 75

orbitais, 158híbridas, 219virtuais, 213

orbital-spin, 195, 206ortonormado, 81

parâmetros variacionais, 177, 192, 207,215

Pariser-Parr-Pople, 225partículas idênticas, 165Pauli, 59, 117

matrizes de, 117, 162operadores de, 198princípio de exclusão de, 59, 165,

169, 194, 195, 204, 221, 278

303

Page 324: Química Computacional - Livro completo

ÍN D IC E R E M IS S IV O

permuta, 118, 166, 168, 191, 194operadores de, 118, 198

perturbaçõesteoria das, 222

Planck, xi, 5, 7, 20, 24constante de, 41, 53relações de Planck-Einstein, 8

PM3, 226, 227polinómios associados de Laguerre, 153populações electrónicas, 216, 217, 220,

265, 267postulados da mecânica quântica, 65,

90potencial de ionização, 204, 206, 230princípio

da sobreposição, 12, 35, 36, 39, 208variacional, 222

problema da pastora, 177, 179produto tensorial, 100, 101, 115, 233

resolução espectral, 80ressonância

integrais de, 225, 261magnética nuclear, 183paramagnética electrónica, 185,

187RHF, 216, 217, 242, 243RMN, 186, 193, 231Russell-Saunders, 277Rydberg

constante de, 154

SAM1, 226SCF-LCBF, 238Schrödinger

equação de, 6, 194, 215gato de, xiinotação de, xii

semiempíricosmétodos, 224, 225, 231

séries de Fourier, 71, 285

transformadas de Fourier, 286sistema múltiplo, 103, 106, 114, 115Slater

determinantes de, 195, 196, 206,221–223, 225, 230, 235, 274

orbital do tipo, 252, 268regras de, 225

sobreposição, ixSpartan, v, 257, 265, 266spin, 99SQUID, 108STO, 208, 209, 225, 226, 252superfície de energia potencial, 284

teleportação quântica, 116teorema

de Koopmanns, 204, 206, 230de virial, 135, 170, 172, 209

teoria do funcional da densidade, v,221, 227, 230

termos das configurações, 207traço, 104

da matriz, 217parcial, 104

UHF, 201, 204, 205, 210, 212, 213, 216,217

unidades atómicas, 157, 171, 192, 234,246, 275, 276, 293

valor expectável, 88, 95, 96, 99, 100,176, 196, 198, 223

variacional, 180, 188, 204, 222, 234, 238variáveis escondidas, 113vector próprio, 78, 80, 111, 119, 220

zeta dupla, 209, 238

304