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4 Mario Tolentino Romeu C. Rocha-Filho A o cunhar o conceito de átomo, os filósofos da antiga Grécia tentavam explicar a natureza do mundo em que viviam, criando uma base lógica para a existência das coisas. Por portentoso que fosse já esse primeiro objetivo, acabou tornan- do-se acanhado frente às descobertas e invenções tecnológicas que esse conceito possibilitou nos últimos séculos. Nós e os elétrons O modelo atômico evoluiu, indo em um enorme salto de Rutherford para as idéias de Bohr, concepções com- plementadas mais tarde pelas de Sommerfeld. O elétron torna-se uma entidade que ora com- porta-se como partícula ora como onda, e os trabalhos de Pauli, Hei- senberg, Dirac, Schrö- dinger e muitos outros acabaram tornando quase indefinível a nu- vem eletrônica dos áto- mos. Mas não importa o que realmente sejam os elétrons e de que maneira eles se disponham no átomo. Em certo momento, os conhe- cimentos sobre o comportamento dos elétrons transferiram-se dos laborató- rios para as fábricas, e o que era an- tes uma curiosidade de laboratório transformou-se em instrumento da tecnologia. Os elétrons emitem radiações O fato fundamental do modelo de Bohr, a quantização, implica na absor- ção ou emissão de energia pelos elétrons, conforme eles saltem de uma órbita de energia mais baixa para outra mais elevada (absorção) ou vice- versa, retornando a órbitas de menor energia e emitindo radiação eletro- magnética — luz de determinada freqüência, isto é, monocromática. A cor (freqüência) da luz emitida depende dos átomos cujos elétrons são ex- citados. Essa é a es- sência do colorido dos fogos de artifício, já conhecidos pelos chi- neses há séculos. No século 19, a descober- ta das descargas elé- tricas em gases rare- feitos levou à observação de que os gases iluminavam-se com cores variadas. Imediatamente, a tecnologia desenvolveu as fontes de luz emitidas por lâmpadas contendo gases rarefei- tos, excitados pela eletricidade. Entre elas estão as lâmpadas de vapor de mercúrio ou de sódio e as lâmpadas de gases raros ou de halogênios. Estas últimas emitem luz intensa e são usadas, por exemplo, em faróis de automóveis e na iluminação de aero- portos, edifícios, monumentos etc. A excitação dos elétrons de certas substâncias produz emissão de luz por fluorescência ou por fosforescência. São as substâncias usadas no reves- timento interno dos tubos de vidro das lâmpadas chamadas fluorescentes, ou adicionadas a plásticos usados na confecção de interruptores e tomadas elétricas. A pesquisa de dispositivos espe- ciais para excitação elétrica em cristais ou gases levou à produção da luz la- ser (light amplification by stimulated emission of radiation, ou seja, amplifi- cação de luz por emissão estimulada de radiação). Uma tecnologia que até pouco tempo atrás era limitada a uni- versidades e centros de pesquisa, o laser hoje já é comum, usado em apa- relhos de compact discs (CDs). Esse sistema de ‘leitura’ de dados armaze- nados por meio de um feixe de luz la- ser já avançou para a informática (CD- ROM), a medicina, a indústria etc. Mas não é só luz que pode ser pro- duzida pelos ‘saltos’ dos elétrons. Se um feixe de elétrons acelerado por um intenso campo elétrico incidir sobre átomos de metais pesados (multiele- trônicos), a decorrente excitação pode dar origem aos raios X, descobertos por Röntgen, hoje com aplicações inestimáveis na indústria e, sobretudo, na medicina. Neste caso, a versão mais avançada desta técnica de diagnóstico é a chamada tomografia, que consiste na obtenção de várias imagens radio- gráficas, melhoradas posteriormente por técnicas de computação. O uso de raios X em laboratórios de pesquisa de materiais levou à A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando sempre que possível analisar o potencial e as limitações da ciência na solução de problemas sociais. A tendência moderna no ensino da química é relacionar seu conteúdo com o que ocorre no dia-a-dia. Isso vem sendo chamado de “o cotidiano no ensino de química” e, por vezes, de “química aplicada ao setor produtivo”. Este artigo apresenta o ensino da estrutura do átomo como um rico manancial de fatos que resultaram em aplicações importantes ou explicaram fenômenos do dia-a-dia. átomo, elétrons, estrutura atômica, tecnologia A essência do colorido dos fogos de artifício, já conhecidos pelos chineses há séculos, é a excitação de diferentes átomos, que emitem luz de freqüências diferentes QUÍMICA NOVA NA ESCOLA O Átomo e a Tecnologia N° 3, MAIO 1996 QUÍMICA E SOCIEDADE

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Mario TolentinoRomeu C. Rocha-Filho

Ao cunhar o conceito de átomo,os filósofos da antiga Gréciatentavam explicar a natureza

do mundo em que viviam, criando umabase lógica para a existência dascoisas. Por portentoso que fosse jáesse primeiro objetivo, acabou tornan-do-se acanhado frente às descobertase invenções tecnológicas que esseconceito possibilitou nos últimosséculos.

Nós e os elétronsO modelo atômico evoluiu, indo em

um enorme salto de Rutherford paraas idéias de Bohr, concepções com-plementadas mais tarde pelas deSommerfeld. O elétron torna-se umaentidade que ora com-porta-se como partículaora como onda, e ostrabalhos de Pauli, Hei-senberg, Dirac, Schrö-dinger e muitos outrosacabaram tornandoquase indefinível a nu-vem eletrônica dos áto-mos. Mas não importao que realmente sejam os elétrons ede que maneira eles se disponham noátomo. Em certo momento, os conhe-cimentos sobre o comportamento doselétrons transferiram-se dos laborató-rios para as fábricas, e o que era an-

tes uma curiosidade de laboratóriotransformou-se em instrumento datecnologia.

Os elétrons emitemradiações

O fato fundamental do modelo deBohr, a quantização, implica na absor-ção ou emissão de energia peloselétrons, conforme eles saltem de umaórbita de energia mais baixa para outramais elevada (absorção) ou vice-versa, retornando a órbitas de menorenergia e emitindo radiação eletro-magnética — luz de determinadafreqüência, isto é, monocromática.

A cor (freqüência) da luz emitidadepende dos átomoscujos elétrons são ex-citados. Essa é a es-sência do colorido dosfogos de artifício, jáconhecidos pelos chi-neses há séculos. Noséculo 19, a descober-ta das descargas elé-tricas em gases rare-

feitos levou à observação de que osgases iluminavam-se com coresvariadas. Imediatamente, a tecnologiadesenvolveu as fontes de luz emitidaspor lâmpadas contendo gases rarefei-tos, excitados pela eletricidade. Entre

elas estão as lâmpadas de vapor demercúrio ou de sódio e as lâmpadasde gases raros ou de halogênios.Estas últimas emitem luz intensa e sãousadas, por exemplo, em faróis deautomóveis e na iluminação de aero-portos, edifícios, monumentos etc.

A excitação dos elétrons de certassubstâncias produz emissão de luz porfluorescência ou por fosforescência.São as substâncias usadas no reves-timento interno dos tubos de vidro daslâmpadas chamadas fluorescentes,ou adicionadas a plásticos usados naconfecção de interruptores e tomadaselétricas.

A pesquisa de dispositivos espe-ciais para excitação elétrica em cristaisou gases levou à produção da luz la-ser (light amplification by stimulatedemission of radiation, ou seja, amplifi-cação de luz por emissão estimuladade radiação). Uma tecnologia que atépouco tempo atrás era limitada a uni-versidades e centros de pesquisa, olaser hoje já é comum, usado em apa-relhos de compact discs (CDs). Essesistema de ‘leitura’ de dados armaze-nados por meio de um feixe de luz la-ser já avançou para a informática (CD-ROM), a medicina, a indústria etc.

Mas não é só luz que pode ser pro-duzida pelos ‘saltos’ dos elétrons. Seum feixe de elétrons acelerado por umintenso campo elétrico incidir sobreátomos de metais pesados (multiele-trônicos), a decorrente excitação podedar origem aos raios X, descobertospor Röntgen, hoje com aplicaçõesinestimáveis na indústria e, sobretudo,na medicina. Neste caso, a versão maisavançada desta técnica de diagnósticoé a chamada tomografia, que consistena obtenção de várias imagens radio-gráficas, melhoradas posteriormentepor técnicas de computação.

O uso de raios X em laboratóriosde pesquisa de materiais levou à

A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizamaspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurandosempre que possível analisar o potencial e as limitações da ciênciana solução de problemas sociais.A tendência moderna no ensino da química é relacionar seuconteúdo com o que ocorre no dia-a-dia. Isso vem sendo chamadode “o cotidiano no ensino de química” e, por vezes, de “químicaaplicada ao setor produtivo”. Este artigo apresenta o ensino daestrutura do átomo como um rico manancial de fatos que resultaramem aplicações importantes ou explicaram fenômenos do dia-a-dia.

átomo, elétrons, estrutura atômica, tecnologia

A essência do coloridodos fogos de artifício,já conhecidos pelos

chineses há séculos, éa excitação de

diferentes átomos, queemitem luz de

freqüências diferentes

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elétrons de certos metais (alcalinos,alumínio etc.) é o chamado efeito foto-elétrico, que consiste na expulsão deelétrons de certos metais quando suasuperfície é atingida por fótons de fre-qüência muito elevada (geralmente luzultravioleta). Esse efeito é usado naconstrução de células fotoelétricas, nasquais os elétrons são acelerados porcampos elétricos, dando origem acorrentes elétricas que podem acionaralarmes, motores, campainhas etc.

Outros dispositivos podem gerarenergia elétrica pela excitação de

elétrons provocada pe-la incidência da luz. Es-ses geradores ou pilhasfotovoltaicas represen-tam uma maneira inte-ressante de se aprovei-tar a energia da luz so-lar para o acionamentode aparelhos elétricosou eletrônicos. Seu usojá é comum em satéli-tes artificiais e sondasespaciais.

A corrente elétrica e oselétrons

O conhecimento da estrutura dosmetais e da natureza dos elétrons livresno interior do retículo cristalino (arranjoordenado dos átomos do metal) permi-tiu entender a corrente elétrica: um fluxode elétrons dentro da rede cristalina

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Feixes de elétronsgerados por efeito

termoiônico podem serrefratados por camposeletromagnéticos e, aoincidir sobre materiais

devidamentepreparados, geramimagens ampliadas

milhares de vezes. É omicroscópio eletrônico

construção das microssondas eletrô-nicas, cuja essência de funcionamentoconsiste na emissão de raios X típicos(freqüência específica) por átomos demateriais. A análise das freqüênciasdos raios X emitidos permite identificaros elementos existentes no material.Por outro lado, a difração de raios Xprovocada por substâncias cristalinasé um método rotineiro para a análisede minerais, ligas metálicas e materiaisem geral.

Por fim, os elétrons existentes nosmetais, quando excitados por energiade alta freqüência, emitem radiaçãoeletromagnética na faixa das onipre-sentes ondas de rádio, portadoras dossinais de radiotelegrafia, radiotelefonia(telefones celulares e sem fio, porexemplo), rádio e televisão.

Os elétrons são arrancadosdos metais

Sabe-se que os metais possuemuma estrutura singular formada por íonsdispostos numa rede cristalina (ouretículo cristalino). Nos espaços vaziosdessa rede agitam-se os elétronsperiféricos que abandonaram os áto-mos e que passam a constituir um ver-dadeiro gás de elétrons.

Alguns efeitos de importância tec-nológica resultam da existência desse‘gás de elétrons’: se um fio metálico éaquecido, a intensa agitação dos elé-trons faz com que eles escapem darede cristalina e formem uma nuvem deelétrons ao redor do fio. Esse efeito,chamado termoiônico, é tão maisintenso quanto mais alta for a tempera-tura do metal. Assim, só certos metaisde alto ponto de fusão (platina, tungs-tênio etc.) são usados para esse tipode filamento. Essa excitação múltiplados elétrons determina a emissão deluz branca (isto é, policromática), comoocorre nas lâmpadas chamadas incan-descentes. Nas lâmpadas elétricas co-muns, o filamento é geralmente consti-

tuído de tungstênio, sendo o sistemamantido dentro de uma ampola de vidroque contém um gás raro (geralmenteargônio) sob pressão reduzida.

O efeito termoiônicopermitiu que um físicoamericano, Lee De Fo-rest, inventasse em1906 um dispositivochamado válvula ele-trônica, posteriormentemuito aperfeiçoada. Es-sas válvulas permitiramo desenvolvimento daradiotelegrafia e da ra-diofonia, sendo aindahoje usadas na retifica-ção de corrente elétrica (passagem decorrente alternada a contínua) emfornos de microondas, em emissorasde rádio e televisão etc.

O efeito termoiônico deu origemainda a outras aplicações tecnológicas,como os cinescópios. Neles, feixes deelétrons oriundos de um filamento aque-cido são modulados por campos elétri-cos e/ou magnéticos. Quando essesfeixes atingem um anteparo de vidro re-vestido de material fluorescente, produ-zem o desenho de símbolos e imagensmovimentadas. Descendentes dosantigos tubos de raios catódicos, essesdispositivos constituem o equipamentoessencial de aparelhos de televisão,monitores de computador, osciloscó-pios etc.

Feixes de elétrons também geradospor efeito termoiônico podem ser refra-tados por campos eletromagnéticos(enrolamentos ou bobinas, funcionandocomo verdadeiras lentes) e, ao incidirsobre materiais devidamente prepa-rados, geram imagens muito ampliadas— milhares de vezes mais do que asproduzidas por um microscópio óptico.Esse dispositivo é o microscópioeletrônico, de que existem versõesaltamente sofisticadas.

Outro fenômeno associado aosFigura 2: Diferentes fronteiras da tecnologia: ochip e a válvula eletrônica.

Figura 1: Esquema do tubo de Coolidge.

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metálica, provocado pela ação de umcampo elétrico ou magnético.

Não é preciso entrar em grandesdetalhes para perceber o valor tecnoló-gico da corrente elétrica. Os condutoreselétricos estão presentes em todos osequipamentos eletrodomésticos, resi-dências, casas de comércio, edifíciosindustriais etc. Isto permite que hajailuminação artificial, que sejam aciona-dos os motores elétricos que impulsio-nam máquinas, ônibus e trens, que fun-cionem os dispositivos de comunicaçãoe toda a parafernália elétrica, desdebrinquedos até aparelhos médico-hospitalares.

Os elétrons transferem-se deum átomo a outro

É sabido que nas reações de oxir-redução ocorrem transferências de elé-trons que passam de um átomo (ou íon)para outro átomo (ou íon). Essa movi-mentação de elétrons também poderesultar em aplicações tecnológicas degrande importância. A indústria meta-lúrgica utiliza esse tipo de reação paraobter metais de interesse para o setorprodutivo, como insumos para a fabri-cação de máquinas e utensílios. O ferro,o alumínio e o estanho são exemplosde metais obtidos a partir de óxidos re-duzidos por agentes (adequados) quefornecem elétrons aos cátions metáli-cos, transformando-os nos átomos quevão constituir os respectivos metais.

Em alguns casos, a transferência deelétrons é feita por intermédio de um

circuito elétrico. A eletrólise que resultadaí é usada tecnologicamente para aprodução de alguns metais, de subs-tâncias de uso industrial e de reves-timentos protetores ou embelezadores(niquelação, cromeação, anodizaçãodo alumínio etc.).

Essa transferência de elétrons dáorigem também aos geradores eletro-químicos (pilhas), cujo protótipo foidesenvolvido por Volta. Desde essaépoca (início do século XIX), as pilhaselétricas evoluíram para as sofisticadasbaterias hoje utilizadas em aparelhoscomo marcapassos, aparelhos eletrô-nicos, relógios e computadores.

Mas também pode ocorrer o trans-porte de elétrons de um metal a outrodiferente sem que isso possa ser clas-sificado como uma reação de oxirredu-ção. O aquecimento de dois metaisadequados unidos por um ponto desolda ocasiona a passagem de elétronsde um metal para outro. Esses parestermoelétricos são usados para medi-das de temperaturas em fornos e emoutros ambientes aquecidos, funcio-nando como um termômetro elétrico.

O núcleo atômico e atecnologia nuclear

Sabe-se que o núcleo é extrema-mente pequeno em relação ao átomoem si. Ele é estruturado e formado porprótons e nêutrons e estes, por sua vez,por quarks. A coesão do núcleo éresultado da atuação sobre os prótonse nêutrons de uma força que veio a serchamada força forte. Em situaçõesespeciais, que dizem respeito principal-mente à relação entre o número de pró-tons e o de nêutrons, o núcleo torna-seinstável e passa a ser radioativo. Os ele-mentos naturalmente radioativos emi-tem basicamente três tipos de radiação:alfa, beta e gama. As duas primeirassão corpusculares e a terceira é denatureza eletromagnética.

O homem produz aradioatividade artificial

Em 1934, o casal Iréne e FrédéricJoliot Curie, bombardeando lâminasfinas de alumínio por partículas alfa,conseguiu produzir átomos radioativosde fósforo 30. No ano seguinte, ganha-ram o Prêmio Nobel de Química por sua“síntese de novos elementos radioati-

vos”. Seguiu-se uma longa série deexperimentos que levaria à produção deradioisótopos de novos elementos, istoé, com número atômico acima de 92.Atualmente, grande número de isótoposradioativos é produzido em reatores nu-cleares, expondo os elementos ao bom-bardeio de intensos feixes de nêutrons.

A princípio mera curiosidade cientí-fica, os radioisótopos logo passaram aser usados pela indústria, pela medicinae pela própria pesquisa científica. Naindústria, são usados radioisótoposemissores de radiação gama de altaenergia que em muitas ocasiões subs-tituem os raios X. São, então, empre-gados para examinar junções e soldasde estruturas metálicas (gamagrafia),controlar a espessura de chapasmetálicas em laminadores da indústriametalúrgica etc. Radioisótopos gasosospodem ser usados na detecção devazamentos em tubulações subterrâ-neas, cabos condutores de eletricidade,gasodutos etc.

Em medicina, os radioisótopos sãousados na detecção de anomalias, porexemplo, na glândula tireóide, nocérebro e no pâncreas. Nesses casos,os radioisótopos devem atender acertas condições especiais, em espe-cial a absorção seletiva da radiação pordeterminados órgãos e meia-vida curta.

Na pesquisa científica, os radioisó-topos são usados em fisiologia animale vegetal, para indicar o caminho se-guido e as regiões de acumulação denutrientes, o volume de sangue de umanimal etc. Na chamada medicina nu-clear, as radiações gama de alta energia(do cobalto 60 e do césio 127) têm sidousadas em radioterapia para o trata-

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Figura 4: Pilha nuclear

Figura 3: Em ilustração de 1800, as Pilhas deVolta (Alessandro Volta, 1743-1820), as primeirasbaterias dignas desse nome.

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mento de tumores cancerígenos. O usode tais fontes fortemente radioativasexige blindagens especiais e manipu-lação cuidadosa para que a radioativi-dade não provoque danos irreversíveisaos pacientes. Descuidos podem levara conseqüências sérias, como ocorreuem Goiânia, em setembro de 1987,quando uma fonte de césio abandona-da teve a sua blindagem destruída e omaterial radioativo foi indevidamentemanipulado.

Alguns empregos menos comunsainda podem ser citados:• esterilização de alimentos por radia-ção gama, o que favorece a conser-vação dos mesmos;• análise por ativação com neutrons,que consiste em bombardear o mate-rial com intenso feixe de nêutrons e emseguida analisar o espectro da radioa-tividade induzida, o que permite carac-terizar quais os elementos constituintesdo material;• geradores de energia elétrica basea-dos no calor produzido naturalmentepor substâncias radioativas — o calorliberado serve para aquecer séries determopares que então geram correnteelétrica. Tais geradores são usados emestações meteorológicas isoladas, emsondas espaciais e satélites artificiais.

Em 1934, o físico italiano EnricoFermi mostrou que o bombardeio deátomos de urânio por nêutrons provo-cava a fissão dos átomos — osnúcleos eram partidos, gerando novosnêutrons e libertando energia (fenôme-no que também pode ocorrer com oplutônio 239). Iniciava-se a era nuclear.A fissão dos átomos de urânio, emespecial do isótopo 235, deu origem

aos reatores nuclea-res — a grandequantidade de ener-gia liberada sob aforma de calor mo-vimenta turbinas egeradores elétricos.A operação dessesreatores exige tec-nologia refinada eequipamentos pe-sados e precisos,além de um rígidoesquema de segu-rança, para evitaracidentes como osde Chernobyl.

Outra fonte de energia nuclear é afusão de átomos leves, que leva à pro-dução de outros mais pesados (porexemplo, dois átomos de deutérioresultando em um de hélio), comliberação de enormes quantidades deenergia. A fusão, entretanto, exigetemperaturas e pressões muito altas,que ainda não se conseguiu controlar;assim, ela ocorre apenas na formaexplosiva (bomba de hidrogênio),usando como detonador as condiçõesgeradas pela explosão de uma bombade urânio ou plutônio.

Uma aplicação sui generisUma aplicação tecnológica de

fenômenos nucleares é a ressonância

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nuclear magnética (RNM). Esse fenô-meno é baseado no fato de algunsnúcleos atômicos serem magnéticos(por exemplo, 1H, 13C e 31P) e em seucomportamento quando submetidos àação de radiação hertziana e de umcampo magnético bastante intenso.Inicialmente, a ressonância nuclearmagnética foi empregada em análisequímica, mas desenvolvimentos pos-teriores transformaram esse processoem instrumento de diagnóstico médi-co por imagens, fornecendo-as comextraordinário poder de resolução.

Não são necessários mais exem-plos para mostrar como podem seramplas as aplicações científicas etecnológicas, nos mais variados cam-pos, de assuntos eventualmentetratados sob um ponto de vista pura-mente teórico. Não causará surpresase alguma teoria hoje incipienterevelar-se fértil em aplicações tecnoló-gicas, bastando para isso que alguémse aventure a pesquisá-la.

Mario Tolentino é doutor honoris causa pelaUniversidade Federal de São Carlos, da qual é apo-sentado como professor titular do Departamento deQuímica.Romeu C. Rocha-Filho é licenciado em química,doutor em ciências (área de físico-química) pela USPe docente do Departamento de Química da Univer-sidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP.

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Figura 5: RNM em uso na medicina.