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HABEAS CORPUS N. 152.415-ES (2009/0215256-0)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: Ana Maria Mauro e outros

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

Paciente: Andre Luiz Garcia Elias

EMENTA

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de

entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.

Medida imprescindível à sua otimização. Efetiva proteção ao direito

de ir, vir e fi car. 2. Alteração jurisprudencial posterior à impetração

do presente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesa e o

devido processo legal. 3. Omissão da Corte Estadual no exame das teses

apontadas pela defesa no recurso de apelação. Não ocorrência. Expresso

acolhimento de tese contrária sobre questão fática. Fundamentação tácita.

Constrangimento ilegal não evidenciado. 4. Ordem não conhecida.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando

a racionalidade do ordenamento jurídico e na funcionalidade do

sistema recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de

ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às

hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Louvando o entendimento de que o Direito é dinâmico, sendo

que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição

Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as

mudanças de relevo que se verifi cam na tábua de valores sociais, esta

Corte passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do

habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de

remédio constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.

Precedentes.

2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal

Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas

corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente

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cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, considerando que

a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se após a impetração do

presente mandamus, devem ser analisadas as questões suscitadas

na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal

evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,

evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça, não carece de fundamentação a decisão que explicita suas

razões de fato e de direito, afi rmando tese contrária à das partes, ainda

que não seja esta expressamente mencionada. Precedentes.

4. No caso, ao confirmar a autoria do crime, com base em

depoimentos coletados em juízo e na esfera policial, da própria vítima

e de corréus, todos uníssonos no sentido de que o paciente, aos 27 de

maio de 1997, encontrava-se na cidade descrita na denúncia (Vitória),

refutou o Tribunal a tese articulada pela defesa - negativa de autoria,

tendo em vista que na data do sequestro o paciente estaria participando

de evento festivo na comarca diversa (Alpercata), inexistindo, portanto,

ilegalidade manifesta ou teratologia apta a ensejar a excepcional

concessão de habeas corpus de ofício.

5. Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Marilza Maynard

(Desembargadora convocada do TJ-SE).

Brasília (DF), 11 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 17.12.2012

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RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 583

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado

em benefício de André Luiz Garcia Elias, apontando-se como autoridade

coatora o Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Depreende-se dos autos que o paciente - denunciado, com outros corréus,

pela suposta prática da conduta descrita no art. 159, § 1º, última parte, na forma

do art. 69, todos do Código Penal - foi condenado à pena de 18 (dezoito) anos

de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado.

Contra essa decisão insurgiu-se a defesa.

Contudo, a Primeira Câmara Criminal negou provimento ao recurso.

Ainda inconformada, opôs a defesa embargos de declaração. Na

oportunidade, apontou omissões no acórdão embargado, tendo em vista que

deixara de apreciar a tese relativa à existência de álibi apto a confirmar a

negativa de autoria.

No entanto, o Tribunal de Justiça rejeitou os embargos.

No Superior Tribunal de Justiça, sustenta o impetrante a ilegalidade, ante

a falta de fundamentação idônea, da decisão que manteve a condenação do

paciente. Argumenta que não existem nos autos provas sufi cientes da autoria

do delito. Sublinha que as provas carreadas aos autos não foram devidamente

valoradas, não havendo manifestação do Tribunal de Justiça sobre “o álibi

defensivo, prova suporte de argumento central da defesa, na negativa de autoria”

(fl . 6).

Pondera que, “desde o seu interrogatório o paciente negou qualquer

participação nos dois sequestros em que Paulo Marcos da Costa fi gurava como

vítima”. Esclarece que, durante a instrução criminal, demonstrou que estava na

cidade de Alpercata quando da consumação do segundo sequestro, participando

de evento festivo, denominado Festival do Quiabo. Assere que, no entanto, o

“acórdão que julgou a apelação, em fl agrante ofensa ao devido processo legal,

onde se compreende o direito do réu à prova, simplesmente ignorou seus

argumentos e conteúdo probatório, no cerne da questão de mérito, o que se

constata à sua simples leitura” (fl . 5).

Ressalta que o pedido não é de “que não se aceitou a prova que favorece ao

paciente, mas do fato de não ter sido ela sequer alvo de juízo de valoração em

sede de apelação. Era o mínimo que se haveria de se esperar de um acórdão, que,

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julgando apelo defensivo, terminou por manter a sentença condenatória, calcada

em mera inaceitação do que se provou em favor do paciente” (fl . 6).

Diante disso, pede a anulação do acórdão impugnado, para que outro

julgamento se realize, com a devida valoração das provas juntadas pela defesa.

O pedido liminar foi indeferido (fl s. 256-257).

Dispensadas as informações, foram os autos encaminhados ao Ministério

Público Federal, que se manifestou pela denegação da ordem (fl s. 260-262).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): O remédio constitucional

do habeas corpus nasceu historicamente como uma necessidade de contenção do

poder e do arbítrio do Estado. A Carta Magna de 1988 manteve a garantia

constitucional, prevista, sabemos todos, desde a Constituição Republicana,

destacando no inciso LXVIII do art. 5º que “conceder-se-á habeas corpus sempre

que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O Código de

Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe no art. 647, que “dar-se-á habeas

corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou

coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

Enquanto não encontre eu, nos dispositivos mencionados acima,

argumentos para elastecer o cabimento do remédio constitucional a questões

que não envolvem diretamente o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

talvez como refl exo da redemocratização do país depois de mais de vinte anos

de ditadura militar, na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos

poucos, o cabimento do habeas corpus a fi m de salvaguardar direitos que apenas

indiretamente poderiam refl etir na liberdade de locomoção.

No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito

fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem

por Juno; passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na

Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas

corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta

e imediata ao direito de ir, fi car e vir, inviabilizando, consequentemente, a

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proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefi nida do processo

compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, “na

medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos

estatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª

Edição. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 100.)

Em razão disso, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior

Tribunal de Justiça a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento

do remédio constitucional, destacando-se que o habeas corpus é antídoto de

prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente,

incontroverso, indisfarçável e que, portanto, se mostra de plano comprovável

e perceptível ao julgador. Logo, não se destina à correção de equívocos ou

situações as quais, ainda que eventualmente existentes, demandam para sua

identifi cação e correção o exame de matéria de fato ou da prova que sustentou o

ato ou a decisão impugnada.

Mais que isso, observou a jurisprudência desta Corte ser o habeas corpus

remédio constitucional voltado ao combate de constrangimento ilegal específi co,

de ato ou decisão que afete, potencial ou efetivamente, direito líquido e certo do

cidadão, com refl exo direto em sua liberdade. Assim, não se presta à correção

de decisão sujeita a recurso próprio, previsto no sistema processual penal, não

sendo, pois, substituto de recursos ordinários, especial ou extraordinário (AgRg

no HC n. 239.957-TO, Relatora a Ministra Maria Th ereza de Assis Moura,

DJe de 11.6.2011 e HC n. 201.483-SP, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJe de

27.10.2011).

O Supremo Tribunal Federal, atento a essa evolução hermenêutica, passou

a proferir decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por

objetivo substituir o recurso ordinário constitucional. A mudança jurisprudencial

consolidou-se a partir dos seguintes julgamentos: Habeas Corpus n. 109.956-PR,

Relator o Ministro Marco Aurélio; Habeas Corpus n. 104.045-RJ Relatora a

Ministra Rosa Weber; Habeas Corpus n. 114.550-AC, Relator o Ministro Luiz

Fux e Habeas Corpus n. 114.924-RJ, Relator o Ministro Dias Toff oli.

Entendo que boa razão aqui têm os Ministros do Supremo Tribunal

Federal quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses

previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias

recursais ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de

dedução de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem

sido esquecidas, sobrecarregando os Tribunais, desvirtuando a racionalidade do

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ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a

mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo

a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal

de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal

brasileira.

No entanto, a par de não se ter utilizado, na espécie, do recurso previsto na

legislação ordinária para a impugnação da decisão, em homenagem à garantia

constitucional constante do art. 5º, inciso LXVIII, passo a análise das questões

suscitadas na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal

evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-

se, desse modo, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

Como vimos do relatório, neste caso, o impetrante questiona a decisão

do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que negou provimento ao recurso de

apelação. Sustenta que o acórdão não dedicou palavra alguma às teses postas nas

razões recursais, violando, desse modo, a garantia inserta no art. 93, inciso IX, da

Constituição Federal. Noutras palavras, alega a ocorrência de cerceamento de

defesa, a propósito do que, na origem, disse o seguinte o desembargador relator:

Os apelantes André Luiz Garcia Elias e Adriano Rogério Damasceno alegam

que não há, nos autos, provas bastantes para ensejar suas condenações.

Assim, haja vista o inconformismo dos recorrentes, passo a verifi car o teor das

provas questionadas.

Consta da denúncia que, no dia 27 de Maio de 1997, por volta de 21 horas, a

vítima Paulo Marcos da Costa Júnior saía de um curso de inglês nas proximidades

da Igreja Católica Santa Rita, na Praia do Canto e, ao abrir seu veículo Tipo Gol,

foi surpreendido pela ação dos denunciados André Luiz Garcia Elias, Gilmar Nunes

da Conceição e outro elemento de nome Germano José da Costa, já falecido,

sendo que estes, se aproximaram da vítima pelas costas e apontaram-lhe uma

arma obrigando-a a entrar no veículo Kadet cor vinho, dirigido por André Luiz e

daí levado para um apartamento localizado na Praia do Morro em Guarapari, de

propriedade de André Luiz, e que serviu de cativeiro para a vítima durante vinte horas

aproximadamente.

Consta mais dos autos, que cerca de cinco meses antes deste fato, ou seja,

no mês de dezembro de 1996, a vítima Paulo Marcos da Costa Júnior havia sido

seqüestrado pelo mesmo grupo, sendo rendido na Praça de Eucalipto em Maruipe

e levado em uma caminhonete S-10 para o cativeiro, desta feita num apartamento

localizado no Ed. Itabuna, em Jardim da Penha, também de propriedade de André

Luiz, tendo a vítima permanecido por cerca de vinte horas naquela localidade,

até o pagamento do resgate na importância de duzentos mil reais, que também

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foi dividido por André Luiz, que pagou cinco mil reais a cada um, fi cando com o

restante, liberando a vítima em Camburi, próximo ao Hotel Alvetur.

Em razão das ameaças recebidas, a vitima e seus familiares silenciaram quanto

ao primeiro seqüestro, o quê, de certa forma, incentivou a ação dos denunciados

para realizarem o segundo antes relatado, posto que, sabedores de que o pai

da vítima é proprietário da rede de Farmácias Avenida, e achando muito fácil o

recebimento do dinheiro sem intervenção da polícia e sem problemas, resolveram

repetir o seqüestro contra a mesma vitima, tudo sob a coordenação de André

Luiz.

Foi assim que, alguns meses depois, resolveram seqüestrar a vítima Adriana

Vila-Forte Lisboa, fi lha do proprietário de postos de gasolina Franel, cuja ação se

dera no município de Vila Velha e em virtude do qual foram presos, ocasião em

que foram reconhecidos como autores dos dois seqüestros de Paulo Marcos da

Costa Júnior.

Por fi m, consta da denúncia que o denunciado André Luiz Garcia Elias agia com

tanta audácia que usava seus próprios veículos para conduzir suas vítimas e receber

o dinheiro correspondente aos resgates, assim como usava apartamentos de sua

propriedade para servirem de cativeiro, sendo quem, ajudado por Adriano, escolhia

as vítimas e passava a investigar seus hábitos para garantir o sucesso de sua ação e

de seus comparsas.

Vejamos alguns dos depoimentos que servem de base para a condenação dos

recorrentes. O apelante Gilmar Nunes da Conceição, na esfera policial, afi rmou:

Que nesta oportunidade o André Elias afi rmou para o declarante que

tudo era muito fácil, pois já havia praticado um seqüestro e o dinheiro vinha

na mão; Andre não forneceu detalhes do anterior; Que com o seqüestro

de Adriana em andamento, ou seja, já no cativeiro em conversa com o

Germano seu comparsa, este comentou que já havia participado de um

seqüestro com o André e foi tudo fácil, pois o dinheiro chegou rápido durou

menos de 24 horas; certo momento o declarante questionou quem pegaria

o dinheiro, sendo que a resposta foi dada por André que disse que ele mesmo

pegaria, chegando a comentar que em outro seqüestro foi ele quem pegou o

dinheiro do resgate.

Esclarecedor o depoimento do denunciado marco Antônio Marques Aguiar, já

falecido, que passo a transcrever:

Que inicialmente conhecia Germano, pois este trabalhava numa fábrica

de biscoito em Cobilândia; que em dezembro de 1996 o declarante estava

bebendo num bar em Cobilândia juntamente com Germano, André e

Adriano, neste local saiu uma conversa onde o declarante foi convidado a

participar de um seqüestro, cuja vítima era um comerciante proprietário de

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várias farmácias e que morava para o lado de Jardim da Penha em Vitória

que o declarante acha que o convite foi em virtude de Germano já conhecê-

lo, e saber que já havia dado uns tiros numa pessoa no bairro; que no

convite inicialmente informaram ao declarante que era para apenas dirigir,

mas depois informou que a parte do declarante era para fi car com as armas,

e caso aparecesse alguém era para trocar tiros; que o declarante informa

que não aceitou; que foi oferecido a quantia de dez mil reais para que

aceitasse; que o declarante pode informar que Gilmar Nunes da Conceição

que era uma pessoa que estava sempre ajudando a mexer com os cavalos

e bois do pai do declarante ouviu toda conversa; que na ocasião André que

usava uma caminhonete S-10, chegou a comentar na conversa que o cativeiro

seria no seu próprio apartamento e tudo seria muito fácil, que mesmo após

muita insistência vendo que o declarante não aceitava desistiram do

convite; que meados de junho ou julho do ano de 1997 Gilmar Nunes da

Conceição que o declarante conhece por Juninho, apareceu na região e

estava “bonito” ou seja com dinheiro, inclusive havia comprado uma moto

CG do comerciante de nome Cimarone que tem um bar próximo a casa

do declarante, chegando a pagar rodadas de bebidas; que o declarante

conhecia bem Gilmar Nunes da Conceição e pode afi rmar que em conversa

com o mesmo acabou confessando que havia aceitado o convite que havia

sido feito ao declarante, ou seja de participar de seqüestros; que comentou,

ainda, com o declarante que a vitima havia sido o fi lho de um proprietário

de farmácia, e que este havia sido vítima por duas vezes; que o declarante

confi rma que por volta do mês de maio do ano passado estava com o pé

engessado; que Gilmar confi rmou ao declarante que participou juntamente

com André, Germano e Adriano; que o declarante pode informar que

soube através do próprio Gilmar Nunes que este havia sido convidado,

novamente, pelo André a participar de um outro seqüestro, desta vez seria

de uma moça da Praia da Costa; que o declarante chegou a alertar ao

Gilmar, dizendo se caso fossem presos ninguém iria tirá-lo da cadeia, pois

sua mãe era uma coitada, e quanto aos outros tinham dinheiro, com carrões

e teriam mais facilidade; que o declarante não fi cou sabendo de detalhes,

mas depois pelos jornais, soube da prisão da quadrilha por envolvimento

no seqüestro de uma moça cujo pai é proprietário da fi rma Franimel.

Vejamos o depoimento do apelante Adriano Rogério, na fase do Inquérito

Policial:

Que perguntado ao declarante sobre o primeiro seqüestro que

realizaram contra Paulo Marcos da Costa Júnior foi respondido que confi rma

sua participação, bem como a de Andre Luiz Garcia Elias, Germano Jose

da Costa e um elemento conhecido por Marquinhos que é morador de

Cobilândia, para achá-lo é só entrar na rua do semáforo da Transportadora

Continental e virar a primeira rua à esquerda, lá chegando perguntar pelo

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fi lho de Mutum; que o período de sequestro ocorreu no mês de dezembro

do ano de 1996, na oportunidade os familiares da vítima não denunciaram

a polícia; que no período de dezembro de 1996 o declarante trabalhava

para André Luiz Garcia Elias que era proprietário de uma Distribuidora

de brinquedos situada em Jucutuquara; que os negócios andavam mal e

Andre quebrou financeiramente; que André desesperado resolveu realizar

um seqüestro; que foi o declarante quem indicou a pessoa de Paulo Marcos

da Costa Júnior; que a indicação foi em virtude do declarante já conhecer

a vitima, pois era cliente de um dentista cujo consultório o declarante já

havia trabalhado; que André perguntou ao declarante se arranjaria mais

elementos para participarem, nesta oportunidade indicou seu irmão de

orfanato Germano José da Costa, este aceitou prontamente participar, foi

Germvano quem convidou ao Marquinhos, pois ambos eram de Cobilândia

em Vila Velha; que a quadrilha fi cou composta dos quatro elementos sendo

André Luiz Garcia Elias, Germano Jose da Costa, Marquinhos e o próprio

declarante; que o carro usado na ocasião foi do próprio Andre, sendo uma

S-10 de cor prata metálica; que a vitima foi arrebatada na Praça de Eucalipto

em Maruípe; que do arrebatamento participaram Marquinhos, Andre Luiz

e Germano; que a vítima foi levada para um cativeiro no Ed. Itabuna em

Jardim da Penha situado à rua Gecenco Encarnação, no apartamento 206, este

apartamento foi alugado pelo próprio André que morava lá; que o declarante

chegou a estar no cativeiro, mas depois foi para rua com o André pois este

fi cava ligando para a família da vítima pedindo dinheiro do resgate; que a

duração do seqüestro foi de aproximadamente vinte horas; que foi exigido

da família um resgate de duzentos mil reais; que a família aceitou efetuar o

pagamento exigido, sendo marcada a entrega do dinheiro para Praia de

Camburi, nas proximidades do Hotel Alvetur; que foi Andre e Germano que

pegaram o dinheiro das mãos do pai da vítima, Sr. Paulo; que o declarante

informa que passou a conhecer Sr. Paulo Marcos da Costa quando este

e seu filho Paulo Marcos da Costa Júnior eram clientes do dentista para

quem o declarante trabalhou; que recebido o dinheiro do resgate a vítima

foi tirada do cativeiro e levada para ser libertada nas proximidades do bairro

Mata da Praia em Vitória; que a vítima foi levada num Kadet de cor vinho que

era do pai de André Luiz Garcia Elias; que após o recebimento do dinheiro

do resgate, André, que era o mentor do crime, efetuou o pagamento aos

participantes, sendo que o declarante e Marquinhos receberam cinco mil

reais, e Germano recebeu oito mil reais; que o restante do dinheiro fi cou

com André; que o declarante voltou a trabalhar para o dentista e passados

alguns meses, ou seja, no mês de maio do corrente ano, o declarante foi

procurado por André e este lhe convidou para praticar o segundo sequestro,

e que a vítima seria a mesma do primeiro, pois havia sido fácil demais, e

dariam o chamado “repique”; que os participantes da quadrilha seriam os

mesmos, mas em virtude de Marquinhos, na época, estava com a perna

quebrada, foi indicado outro elemento de nome Gilmar Nunes da Conceição,

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que era parceiro de Marquinhos de Cobilândia; que o planejamento para

pegar a vítima era feito por André, pois foi quem estudou a rotina da

vítima; que no dia 27.5.1997, quando Paulo Marcos da Costa Júnior saía

de um curso de inglês, nas proximidades da Igreja Santa Rita, na Praia

do Canto, foi arrebatado e levado para o cativeiro; que do arrebatamento

participaram Andre, Germano e Gilmar; que o declarante afi rma não ter

participação direta no seqüestro, pois quando a vítima foi arrebatada

estava em casa; que afi rma que sua participação foi somente acompanhar

Andre quando este estava fazendo negociações com a família da vítima;

que após pegarem a vítima levaram para o apartamento de Andre, que

fica em Guarapari; que como no primeiro, o segundo seqüestro durou

cerca de vinte horas; que a família aceitou pagar o resgate; que quem fi cou

tomando conta da vítima no cativeiro em Guarapari foi Gilmar, Germano e

o próprio André; que o declarante não foi a Guarapari em momento algum

para participar do seqüestro, afi rmando ter recebido sua parcela por ter,

apenas, acompanhado André quando este estava em Vitória ligando para

familiares da vítima para pagamento do resgate; que as armas do seqüestro

sempre foram fornecidas pelo André; que a família aceitou o pagamento do

resgate para libertação da vítima, pagando o valor de duzentos e dez mil

reais; que o resgate foi recebido pelo próprio André, sendo que desta feita

foi só receber o resgate; que a divisão desta vez ocorreu da seguinte forma:

o declarante recebeu cinco mil reais por apenas acompanhar André aqui

em vitória quando negociava com a família o pagamento do resgate, e os

outros participantes também receberam cinco mil reais cada um, e o André

fi cou com todo o resto do dinheiro; que para receber o dinheiro do resgate

André usou o carro de sua irmã, um Corsa cor vinho quatro portas; que o

pagamento do resgate ocorreu na Praia do Canto, próximo a lanchonete

Mcdonald’s; que o declarante fi cou sabendo que a vítima foi libertada na BR

101, num trecho entre Guarapari e Vitória; que passados mais alguns meses

o dinheiro de André tornou a acabar e procurou o declarante novamente

para convidá-lo para participar de um terceiro seqüestro, mas desta vez

tudo saiu errado, foi quando realizaram o seqüestro da Adriana Vila-Forte

de Oliveira, cujo pai é proprietário da Distribuidora de Combustível Frannel,

toda quadrilha foi presa em fl agrante quando negociavam um resgate para

libertar a vítima.

Os depoimentos acima transcritos não foram mantidos em juízo, no entanto,

não foi dada nenhuma explicação plausível para tais retratações. Ademais, o

depoimento da vítima não deixa dúvida quanto à autoria do delito. Vejamos:

[...]

Cabe mencionar, que a vítima reconheceu o apartamento do apelante André

Luiz Garcia Elias como sendo o local de seu cativeiro. Vale ainda lembrar, que não

há qualquer nulidade no reconhecimento dos acusados, uma vez que estes foram

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mantidos em juízo. Também, não há que se questionar a validade dos depoimentos

colhidos na esfera policial, haja vista que tais relatos não foram isolados, mas se

integraram a todo farto conjunto material formado.

Assim, embora os recorrentes busquem alegar ausência de provas para

caracterizar o delito que lhes foi imputado, a autoria do crime fi ndou plenamente

comprovada, bem como a materialidade delitiva.

Desta forma, não merece progredir a alegação dos apelantes para a reforma da

sentença de piso, pois, a conduta delituosa está inserida no artigo 159 do Código

Penal. Vejamos a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

[...]

Isto posto, nego provimento ao recurso de André Luiz Garcia Elias e Adriano

Rogério Damasceno.

A motivação das decisões judiciais busca, sabemos todos, assegurar a efi cácia

do princípio constitucional do contraditório, legitimando o poder contido no

ato decisório. De fato, só a fundamentação “permite avaliar se a racionalidade

da decisão predominou sobre o poder, principalmente se foram observadas as

regras do devido processo penal”. No entanto, entendo que a perpetuação do

processo penal, além do tempo necessário para assegurar a máxima efi cácia dos

direitos fundamentais, viola a própria garantia constitucional do contraditório,

na medida em que a prolongação excessiva da ação penal cria relevantes

empecilhos ao exercício ideal da resistência processual. Dessa forma, parece-me

que, ao declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual tese jurídica,

não é preciso que o magistrado gaste “folhas e folhas para demonstrar erudição

jurídica ou discutir obviedades. O mais importante é explicitar o porquê da

decisão, o que o levou a conclusão sobre a autoria e materialidade”. (Aury Lopes

Júnior. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Lumen

Juris: Rio de Janeiro. p. 202.)

Em razão disso, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Supremo

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a tendência de se aceitar a

denominada motivação implícita em casos singulares, nos quais “os motivos

que justifi cam a solução de uma questão servem, implicitamente, para atender

a mesma fi nalidade em relação a outro ponto em que não foram explicitadas as

razões do convencimento judicial”. Esclarece a doutrina, noutras palavras, que a

justifi cação tácita - caracterizada como aquela em que a superação das omissões

e lacunas torna-se possível em razão da relação lógica existente entre aquilo que

fi cou expresso na decisão e aquilo que deveria ter sido objeto de análise mas não

o foi -, será aceita “quando a decisão se limitar à escolha entre duas alternativas

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- uma excluindo a outra por absoluta incompatibilidade e propiciando assim o

aproveitamento a contrario da mesma justifi cação”. (Antônio Magalhães Gomes

Filho. A Motivação das Decisões Penais. RT: São Paulo, p. 197.)

Corroborando esse entendimento, colaciono os seguintes julgados:

A - Habeas corpus. Furto qualificado tentado. Nulidade. Apelação criminal.

Teses defensivas apresentadas nas razões recursais. Manutenção da condenação.

Decisão fundamentada. Art. 93, inciso IX, da CF. Constrangimento ilegal não

evidenciado. Ordem denegada.

1. O Tribunal a quo, ao contrário do aventado no mandamus, ainda que de

forma concisa, procedeu a análise das teses sustentadas pela defesa em suas

razões recursais, asseverando que os fundamentos trazidos pelo édito repressivo

seriam aptos a sustentar a condenação do paciente, asseverando, ainda, que

a materialidade e autoria do delito estariam comprovadas pelo boletim de

ocorrência, pelo auto de exibição e apreensão, pelo laudo pericial, bem como

pelas declarações da vítima e pelos depoimentos dos policiais militares que

efetuaram a prisão em fl agrante do acusado.

2. Ao magistrado não se impõe o ônus de refutar expressamente todas as

alegações defensivas, desde que a condenação seja fundamentada com base em

contexto fático-probatório válido para demonstrar o crime e sua autoria. Precedentes.

3. Tendo o acórdão, ainda que de maneira sucinta, apresentando

fundamentação suficiente à manutenção da condenação do paciente, em

conformidade com o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, não se vislumbra

o aventado constrangimento ilegal a ensejar a nulidade do acórdão objurgado.

4. Ordem denegada.

(HC n. 192.326-SP, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 13.10.2011).

B - Habeas corpus. Processo Penal. Crimes de uso de documento falso e

falsidade ideológica. Falta de provas para a condenação. Impossibilidade. Exame

aprofundado do conjunto probatório. Não enfrentamento das teses de defesa.

Inocorrência.

1. A via escolhida do habeas corpus não comporta o exame da análise de

insufi ciência de provas para a condenação, em razão da necessidade do exame

acurado de todo o conjunto probatório até então colhido, mormente se as

instâncias ordinárias procederam, nos autos do processo-crime e do recurso

defensivo de apelação, minuciosamente ao seu exame e, a partir do cotejo

probatório produzido na instrução criminal, vislumbraram elementos probatórios

coerentes e válidos a ensejar a sua condenação pela prática do crime de roubo

qualifi cado.

2. Depreende-se dos acórdãos proferidos pelo Tribunal a quo, que todas as

teses defensivas foram, ao contrário do alegado na impetração, rechaçadas,

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RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 593

direta ou indiretamente. A condenação de primeiro grau foi mantida com apoio

no material probatório colhido na instrução processual e em observância ao

Princípio do Livre Convencimento Motivado, segundo o qual o juiz forma sua

convicção por meio da livre apreciação da prova, sendo-lhe facultada a crítica aos

elementos coligidos.

3. Não se tem como omisso um acórdão que, embora não se referindo,

expressamente, às teses defensivas, fundamenta a manutenção da sentença com

base nos elementos probatórios reputados válidos para demonstrar o crime e sua

autoria.

4. Embora seja necessário que o Magistrado aprecie as teses ventiladas pela

defesa, torna-se despiciendo a menção expressa a cada uma das alegações se, pela

própria decisão condenatória, resta claro que o Julgador adotou posicionamento

contrário.

5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, na parte conhecida, denegado.

(HC n. 61.715-RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJ de 8.10.2007.)

C - Habeas corpus. Processo Penal. Homicídio qualificado e receptação

qualifi cada. Sentença de pronúncia. Nulidade por ausência de fundamentação.

Omissão quanto às teses da defesa. Inocorrência. Imprestabilidade das provas.

Rejeição. Indícios sufi cientes de autoria. Ordem denegada.

1. Não se vislumbra defi ciência de fundamentação ou omissão na sentença de

pronúncia, se as questões postas pela defesa foram afastadas pelo magistrado,

ou por serem improcedentes, ou porque o momento não seria o adequado para

enfrentar as afi rmações concernentes à imprestabilidade das provas de autoria do

delito, já que caberia ao Júri apreciá-las com maior profundidade.

2. Não é necessário que haja menção expressa de cada tese defensiva se, pela

fundamentação do decisum, for possível extrair que o juiz de primeiro grau adotou

razões suficientes para a conclusão a que chegou, não incorrendo em vício por

ausência de fundamentos, nem incidindo em excesso de linguagem.

[...]

8. Habeas corpus denegado.

(HC n. 75.794-ES, Relator o Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador

convocado do TJ-CE), DJe de 17.10.2011.)

O Supremo Tribunal Federal, possui idêntica orientação, destacando-se:

A - Habeas corpus. Roubo qualificado (CP, art. 157, § 2º, II). Pretensão de

reconhecimento de nulidade em razão de alegada falta de análise específi ca do

pedido de desclassifi cação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões

(CP, art. 345) formulado pela defesa. Não ocorrência. Rejeição implícita. Alegada

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inexistência de provas das elementares do tipo de roubo. Necessidade de análise

de fatos e provas. Inadequação da via do writ. Precedentes. Ordem denegada.

1. A conclusão da Corte Superior de Justiça não divergiu do entendimento

desta Suprema Corte, preconizado no sentido de que “quando a decisão acolhe

fundamentadamente uma tese, afasta implicitamente as que com ela são

incompatíveis, não sendo necessário o exame exaustivo de cada uma das que não

foram acolhidas” (HC n. 76.420-SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Maurício

Côrrea, DJ de 14.8.1998).

2. Para operar-se a desclassifi cação pretendida, afastando-se as circunstâncias

que levaram o julgador de primeiro grau a reconhecer o exercício arbitrário das

próprias razões, faz-se necessário o reexame de fatos e provas, o qual é incabível

na via estreita do habeas corpus.

3. Ordem denegada.

(HC n. 105.697-MG, Relator o Ministro Dias Toff oli, DJe de 10.5.2012.)

B - Recurso ordinário em habeas corpus. Sentença. Nulidade. Não-apreciação da

tese defensiva pelo juiz de primeiro grau. Inocorrência. Exame das questões de fato e

de direito suscitadas pela defesa. Recurso improvido. Ao contrário do que alega o

ora recorrente, a sentença explicitou devidamente as razões de fato e de direito

que levaram a sua condenação bem como apreciou os argumentos da defesa no

sentido de que o ato por ele cometido seria na realidade uma cobrança forçada de

dívida e, portanto, confi guraria crime de exercício arbitrário das próprias razões

(art. 345 do Código Penal), e não os crimes que lhe foram imputados. Evidente,

portanto, que a tese de desclassifi cação formulada pela defesa não foi acolhida pelo

juiz de primeiro grau. Este considerou que o acusado não juntara prova alguma para

corroborar suas afi rmações e que, por outro lado, todos os outros indícios do processo

apontavam na direção contrária. Recurso improvido. (RHC n. 84.296-PR, Relator o

Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 29.4.2005.)

Consoante se depreende das transcrições acima, contra a versão da

denúncia, a defesa se alicerçou nos depoimento de três testemunhas ouvidas em

juízo, bem assim em declaração formalizada por meio de escritura pública, que

confi rmariam o álibi invocado, no sentido de que o acusado estava, na data do

segundo fato - 27 de maio de 1997 -, na cidade de Alpercata, Estado de Minas

Gerais.

Sustenta o impetrante que nenhuma alusão a essas provas se encontra

no acórdão de apelação, situação que, a seu ver, viola a garantia constitucional

do devido processo legal, incidindo o Tribunal, assim, em manifesto vício de

obscuridade.

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RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 595

Entretanto, entendo que a afi rmação da defesa sustenta-se em evidente

paralogismo, pois, como vimos dos ensinamentos doutrinários, bem assim dos

precedentes acima transcritos, não carece de fundamentação a decisão que

explicita suas razões de fato e de direito, afi rmando tese contrária à das partes,

ainda que não seja esta expressamente mencionada.

Observem que o Tribunal de Justiça apontou elementos concretos, extraídos

dos autos, aptos a demonstrar que no dia dos fatos o paciente estava na Comarca

de Vitória, participando ativamente do evento criminoso, destacando que todos

indícios e provas coletados durante a instrução criminal vão de encontro aos

depoimentos e documentos apresentados pela defesa com o fi m de sustentar a

tese de negativa de autoria, fundamentação que entendo sufi ciente para manter

a condenação, não sendo necessário ao julgador rebater individualmente pontos

de fato e de direito que se contrapõem logicamente àqueles que o juiz assentou

em sua decisão.

Ora, confi rmar a autoria do crime, com base em depoimentos coletados

em juízo e na esfera policial, da própria vítima e de corréus, todos uníssonos

no sentido de que o paciente, aos 27 de maio de 1997, encontrava-se na cidade

descrita na denúncia, vale pela refutação da tese articulada pela defesa - negativa

de autoria, pois na data do sequestro o paciente estaria participando de evento

festivo na Comarca de Alpercata. Logo, irretocável o acórdão que confi rmou,

no pormenor, a sentença condenatória, repelindo os argumentos da defesa,

inexistindo, portanto, ilegalidade manifesta ou teratologia na decisão apta a

ensejar a excepcional concessão de habeas corpus de ofício.

Há mais: no caso dos autos salta aos olhos que a impetração deste habeas

corpus se presta justamente à fi nalidade combatida por este Tribunal Superior,

que conta, agora, com o louvável reforço da Suprema Corte.

Isso porque, de acordo com as informações prestadas pela autoridade

apontada como coatora, ante a ausência de prequestionamento e, portanto,

do preenchimento de requisito indispensável à interposição do recurso

constitucionalmente previsto para a fi nalidade buscada, e não satisfeita, ainda, com

o ingresso de agravo nesta Corte contra a decisão do Tribunal de origem que não

admitiu o recurso especial, a defesa passou a depositar no manejo do habeas corpus

a expectativa de ver alcançada, por via oblíqua, a pretensão que deixou escoar,

o que denota inequívoco intento de desvirtuamento do ordenamento recursal

ordinário, como se o habeas corpus se prestasse à revisão de decisão sujeita a recurso

próprio e adequado, previsto no sistema processual penal.

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Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, inexistindo ilegalidade a ser

sanada de ofício.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 189.563-ES (2010/0203641-2)

Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo

Advogado: Th iago Piloni - defensor público e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

Paciente: Luiz Araújo dos Santos

Advogado: Gustavo Zortéa da Silva - Defensor Público da União

EMENTA

Habeas corpus. Crime contra a vida. Homicídio qualificado

praticado antes da entrada em vigor da Lei n. 11.689/2008. Intimação

por edital da decisão de pronúncia. Possibilidade. Normas de natureza

processual. Aplicação imediata. Desenvolvimento regular do feito.

Precedentes. Ordem não conhecida.

1. No âmbito do direito processual penal vige o princípio do

efeito imediato da norma, tempus regit actum, conforme previsão

contida no artigo 2º do Código de Processo Penal.

2. Dentre as alterações promovidas pela entrada em vigor da

Lei n. 11.689/2008, está a possibilidade de intimação, por edital, da

decisão de pronúncia do acusado solto, em lugar incerto e não sabido.

Tal dispositivo possui natureza processual, motivo pelo qual deve ser

aplicado, imediatamente, sobre os atos pendentes. Precedentes.

3. In casu, a intimação por edital foi realizada de acordo com a

lei vigente na época do ato processual (em 19.5.2009), respeitando-se,

assim, os princípios da legalidade e do devido processo legal.

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RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 597

4. Habeas corpus não conhecido, por ser substitutivo do recurso

cabível.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em não conhecer do pedido. Os Srs. Ministros

Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz, Jorge

Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 23 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR),

Relator

DJe 26.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR):

Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor

de Luiz Araújo dos Santos, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito

Santo.

Consta dos autos que o paciente foi denunciado como incurso no art.

121, § 2º, II, do Código Penal, por fato ocorrido em 21.11.1993. No curso da

instrução criminal, o ora paciente foi preso, citado, acompanhou pessoalmente

toda a instrução criminal, entretanto, fugiu da prisão antes de ser pessoalmente

intimado para tomar ciência da sentença de pronúncia.

No presente mandamus, alega a impetrante que o constrangimento ilegal

imputado ao paciente deve ser desconstituído, pois, apesar de a nova redação do

art. 420 do Código de Processo Penal autorizar a intimação da pronúncia pela

via editalícia, o Juízo de piso não poderia assim proceder, tendo em vista que,

possuindo a referida norma natureza material, não seria possível a sua retroação

para atingir fatos ocorridos em momento pretérito.

Postula, em caráter liminar, a suspensão do julgamento da paciente pelo

Tribunal do Júri, até ser intimado, pessoalmente, da decisão da pronúncia.

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Quanto ao mérito, pede a anulação da sentença proferida pelo Tribunal do

Júri, caso tenha havido o julgamento, com a consequente suspensão do processo,

até que o paciente possa ser intimado pessoalmente da sentença de pronúncia.

A liminar foi indeferida às fl s. 80-81 pelo então Relator, Ministro Honildo

Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP).

Informações foram prestadas pela autoridade coatora às fl s. 92-187.

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fl s. 191-

194).

Informações atualizadas, extraídas do site do Tribunal de origem, na

internet, dão conta que o paciente, levado a julgamento pelo Tribunal do Júri

da Comarca de São Gabriel da Palha-ES, no dia 22.6.2011, foi condenado nos

termos da pronúncia, tendo o decisum transitado em julgado em 21.11.2011.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR) (Relator): De início, é importante destacar que o habeas corpus, conforme

reiterada jurisprudência desta Corte, presta-se a sanar coação ou ameaça ao

direito de locomoção, sendo restrito às hipóteses de ilegalidade evidente,

incontroversa, relativa a matéria de direito, cuja constatação independa de

qualquer análise probatória.

Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102, inciso II, alínea

a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos da Lei n. 8.038/1990,

a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a não

mais admitir o manejo do habeas corpus em substituição a recursos ordinários

(apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco como sucedâneo de

revisão criminal.

Essa orientação foi aplicada pela Primeira Turma da Corte Suprema, no

julgamento do HC n. 109.956-PR, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, e

do HC n. 114.550-AC, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Destaco, ainda, o

HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber:

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 599

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado.

O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da

Colenda Corte, passou também a restringir as hipóteses de cabimento do

habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em

substituição do recurso cabível.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:

Habeas corpus. Extorsão mediante sequestro. Condenação. Apelação julgada.

Writ substitutivo de recurso especial. Inviabilidade. Dosimetria da pena. Incidência

de agravante. Teses não alegadas na apelação. Supressão de instância. Não

conhecimento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

600

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de

se prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do writ

são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em

substituição ao recurso cabível, vale dizer, o especial.

2. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via restrita, imprescindível

que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação

seja evidente e independa de qualquer análise probatória, sendo de rigor a

observância do devido processo legal,

3. Hipótese em que as teses arguidas sequer foram objeto da apelação, razão

pela qual não foras enfrentadas pelo Tribunal de origem, o que impede seu

exame por esta Corte, sob pena de supressão de instância.

4. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 131.970, Rel. Ministra Maria Thereza de

Assis Moura, Julgamento realizado em 28.8.2012, DJe 5.9.2012).

No entanto, considerando que este remédio constitucional foi impetrado

antes da alteração do entendimento jurisprudencial, a fi m de evitar prejuízos à

ampla defesa e ao devido processo legal, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se examine a possibilidade de eventual concessão de habeas

corpus de ofício.

Busca-se, neste writ, o reconhecimento da nulidade decorrente da

intimação, por edital, do paciente, acerca do conteúdo da sentença de pronúncia

proferida em seu desfavor.

A irresignação não merece prosperar.

Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado como incurso

no art. 121, § 2º, II, do Código Penal, por fato ocorrido em 21.11.1993. No

curso da instrução criminal, o ora paciente foi preso, citado, acompanhou

pessoalmente toda a instrução criminal, entretanto, fugiu da prisão antes de ser

pessoalmente intimado para tomar ciência da sentença de pronúncia, a qual foi

prolatada no dia 15.7.2004.

Tendo em vista que ele encontrava-se em lugar incerto e não sabido, o

Juízo de piso determinou a sua intimação, por edital, acerca do conteúdo da

sentença de pronúncia, tendo sido publicado no dia 19.5.2009 (fl . 16), sendo

que o trânsito em julgado da decisão de pronúncia ocorreu em 27.7.2009,

conforme certidão à fl . 17.

A Lei n. 11.689/2008, promulgada em 9 de junho de 2008, trouxe

importantes modifi cações no iter procedimental dos processos submetidos a

julgamento pelo Tribunal do Júri, visando adequá-los aos ditames da ciência

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 601

processual contemporânea, que preza pela efetividade e, sobretudo, pelo respeito

às garantias constitucionais individuais.

Até o advento da referida lei, a antiga redação dos arts. 413 e 414 do

Código de Processo Penal estipulava a necessidade de intimação pessoal do

réu acerca da sentença de pronúncia, não prosseguindo o feito sem que fosse

adotada tal providência. No entanto, com a nova redação operada pelo aludido

regramento, foi introduzida a possibilidade de intimação, por edital, do acusado

solto que não for encontrado, sendo que o julgamento não será adiado pela

sua ausência, pela do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido

regularmente intimado.

A Lei n. 11.689/2008 trouxe modifi cações de cunho processual ao rito

procedimental dos processos submetidos ao Tribunal do Júri, sendo que, por

este motivo, aplica-se-a, imediatamente, na instrução criminal em curso, em

decorrência do princípio tempus regit actum, respeitando-se, contudo, a efi cácia

jurídica dos atos processuais já constituídos. Assim, o referido dispositivo

legal não criou, não modifi cou e nem extinguiu qualquer relação jurídica afeta

ao denunciado, limitando-se a concretizar a sua comunicação em relação à

sentença de pronúncia.

A propósito, confi ram-se:

Habeas corpus. Homicídio. Crime praticado antes da vigência da Lei n.

11.689/2008. Réu foragido. Intimação por edital. Julgamento pelo Tribunal do Júri.

Possibilidade. Art. 420 do Código de Processo Penal. Tempus regit actum. Norma

de natureza processual. Aplicação imediata. Precedentes.

1. O art. 420, parágrafo único, do Código de Processo Penal, na redação

atribuída pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, estabelece que “será intimado

por edital o acusado solto que não for encontrado.”

2. À luz do princípio do tempus regit actum, as normas processuais penais têm

aplicação imediata e devem ser aplicadas ainda que o crime tenha ocorrido em

data anterior à sua vigência. Precedentes.

3. Ordem denegada.

(HC n. 165.373-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 10.5.2012).

Recurso especial. Tentativa de homicídio praticado antes da entrada em vigor

da Lei n. 11.689/2008. Intimação pessoal da decisão de pronúncia. Inexigibilidade.

Nova redação dos arts. 420, parágrafo único e 457, ambos do CPP. Normas de

natureza processual. Aplicação imediata. Provimento da irresignação.

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602

1. No âmbito do direito processual penal vige o princípio do efeito imediato da

norma, representado pelo brocardo latino tempus regit actum, conforme previsão

contida no artigo 2º do Código de Processo Penal.

2. Os arts. 420, parágrafo único e 457 da Lei Adjetiva Penal, alterado com a

edição e entrada em vigor da Lei n. 11.689 de 9.6.2008, permitem a intimação,

por edital, da decisão de pronúncia do acusado solto, bem como deixa de exigir a

presença do réu na sessão plenária.

3. Tais dispositivos possuem natureza processual, motivo pelo qual devem ser

aplicadas de forma imediata sobre os atos pendentes.

4. Recurso provido para, reconhecendo a natureza processual das norma

previstas nos arts. 420, § único e 457, ambos do CPP, determinar o regular

prosseguimento do feito criminal.

(REsp n. 1.201.301-RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 4.4.2011).

No mesmo sentido: HC n. 172.369-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJe

15.6.2011 e HC n. 156.941-SP, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador

convocado do TJ-SP), DJe 1º.7.2010.

Ressalto não ter havido qualquer prejuízo às garantias do contraditório

e ampla defesa que assistem ao paciente, vez que ele foi regularmente citado e

intimado, e, mesmo assim, não apresentou qualquer motivo que justifi casse a sua

ausência, conforme o seguinte trecho do edital de intimação:

“(...) atualmente em lugar incerto e não sabido, fi ca devidamente intimado da

sentença contra sí proferida nos autos da Ação Penal n. 2.707/03 (04503001691-4),

que lhe move a justiça pública desta comarca, cujo teor fi nal é o seguinte: “feitas

estas considerações e por tudo mais que dos autos consta, julgo procedente a

denúncia, para pronunciar, como de fato pronuncio o acusado Luiz Araujo dos

Santos (...).” (fl . 115).

Assim, tendo em vista a possibilidade de intimação, por edital, do paciente,

devidamente citado e com defensor constituído nos autos, que se encontra em

lugar incerto e não sabido, e, na esteira dos recentes julgados desta Egrégia

Corte, não se verifi ca ato cabível de reparação pela via eleita.

Diante do exposto, tendo em vista os argumentos inicialmente expendidos,

não conheço do habeas corpus.

É como voto.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 603

HABEAS CORPUS N. 231.133-MG (2012/0009906-2)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

Advogado: Fabiano Torres Bastos - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Paciente: Bruno Coutinho Vieira (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso

especial cabível. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto

na Carta Magna. Não conhecimento.

1. Nos termos do inciso III do artigo 105 da Constituição

Federal, o Superior Tribunal de Justiça é competente para julgar, em

recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,

pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados,

do Distrito Federal e Territórios, nas hipóteses descritas de forma

taxativa nas suas alíneas a, b e c.

2. Com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder

Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais,

necessária a racionalização da utilização do habeas corpus, o qual não

deve ser admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão

de recurso específi co no ordenamento jurídico.

3. Em se tratando de direito penal, destinado a recuperar as

mazelas sociais e tendo como regra a imposição de sanção privativa

de liberdade, o direito de locomoção, sempre e sempre, estará em

discussão, ainda que de forma refl exa. Tal argumento, entretanto, não

pode mais ser utilizado para que todas as matérias que envolvam a

persecutio criminis in judictio até a efetiva prestação jurisdicional sejam

trazidas para dentro do habeas corpus, cujas limitações cognitivas

podem signifi car, até mesmo, o tratamento inadequado da providência

requerida.

4. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator

acórdão proferido por ocasião do julgamento de recurso em

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

604

sentido estrito, contra a qual seria cabível a interposição do recurso

especial, depara-se com fl agrante utilização inadequada da via eleita,

circunstância que impede o seu conhecimento.

5. Como o writ foi impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial desta Corte Superior de Justiça, o

alegado constrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a

possibilidade de eventual concessão de habeas corpus de ofício.

Homicídio qualifi cado (artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do Código

Penal). Alegada nulidade do processo pela falta de intimação pessoal da

defensoria pública acerca da audiência de instrução. Inobservância aos

artigos 44, inciso I, da Lei Complementar n. 80/1994, 370, § 4º, do Código

de Processo Penal, e 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950. Arguição em momento

oportuno. Comprovação dos prejuízos suportados pelo paciente. Mácula

caracterizada. Concessão da ordem de ofício.

1. O inciso I do artigo 44 da Lei Complementar n. 80/1994, o

§ 4º do artigo 370 do Código de Processo Penal e o § 5º do artigo

5º da Lei n. 1.060/1950 prevêem que a Defensoria Pública deve ser

pessoalmente intimada dos atos processuais.

2. No caso dos autos, a Defensoria Pública responsável pelo

patrocínio do paciente em juízo não foi pessoalmente notifi cada da

data em que seria realizada audiência para a oitiva de testemunha.

3. Ao contrário do que consignado pelas instâncias de origem, a

falta de intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da audiência

em que ouvida testemunha é, sim, causa de nulidade do processo,

sendo totalmente desprovido de lógica o argumento de que a

mencionada formalidade poderia ser suprida pelo fato de o órgão estar

em funcionamento quando da realização do citado ato processual.

4. Ademais, há que se destacar que embora a autoridade apontada

como coatora tenha aduzido que a presença de defensora dativa

na audiência em questão afastaria o prejuízo em tese suportado

pelo paciente, o certo é que os danos por ele suportados foram

oportunamente arguidos e se encontram devidamente comprovados

pelo fato de o magistrado singular haver dispensado a testemunha

faltante em razão da ausência da defesa ao ato.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 605

5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para

anular o processo criminal em tela a partir da audiência de instrução

e julgamento para a qual a Defensoria Pública não foi pessoalmente

intimada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador

convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 18 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 1º.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido de

liminar impetrado em favor de Bruno Coutinho Vieira, apontando como

autoridade coatora a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais, que negou provimento ao Recurso em Sentido Estrito n.

1.0349.06.056936-5/001, mantendo a decisão que pronunciou o paciente como

incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, na forma do artigo 29,

todos do Código Penal.

Sustenta o impetrante que o paciente seria vítima de constrangimento

ilegal, uma vez que a Defensoria Pública, que o patrocinava em juízo, não

teria sido pessoalmente intimada sobre a data da audiência para a oitiva de

testemunha.

Afirma que o fato de a Defensoria Pública estar em horário de

funcionamento quando da realização do mencionado ato processual não

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

606

afastaria a nulidade da falta de sua notifi cação acerca do dia em que se realizaria,

já que o mencionado órgão não teria como averiguar todos os dias, todas as

horas e em todas as varas judiciais se haveria audiências marcadas.

Alega que durante a audiência teria sido dispensada a oitiva de testemunha

arrolada pela defesa por advogada que sequer tinha conhecimento do processo, o

que reforça a mácula suscitada na impetração.

Defende que a ausência de intimação pessoal do defensor público

caracterizaria vício insanável, que não demanda a demonstração de prejuízo, por

confi gurar ofensa ao princípios da ampla defesa e do contraditório.

Requer a concessão da ordem para que seja decretada a nulidade do

processo a partir da audiência para a qual a defensora do paciente não foi

pessoalmente intimada.

A liminar foi indeferida pelo eminente Ministro Presidente desta Corte

Superior de Justiça, nos termos da decisão de fl . 623.

Prestadas as informações (e-STJ fl . 630), o Ministério Público Federal, em

parecer de fl s. 643-645, manifestou-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este

habeas corpus pretende-se, em síntese, a anulação da ação penal instaurada

contra o paciente a partir da audiência para a qual sua defensora não teria sido

pessoalmente intimada.

Prefacialmente, cumpre assinalar que o pleito deduzido na inicial não

comporta conhecimento na via eleita, já que formulado em fl agrante desrespeito

ao sistema recursal vigente no âmbito do Direito Processual Penal pátrio.

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este

Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma

originária, os habeas corpus impetrados contra ato de Tribunal sujeito à sua

jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou

da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na

alínea a do mesmo dispositivo constitucional.

Por outro lado, prevê o inciso III do artigo 105 que o Superior Tribunal

de Justiça é competente para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 607

única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais

dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, nas hipóteses descritas de forma

taxativa nas suas alíneas a, b e c.

Embora se tratem de meios distintos de impugnação de decisões judiciais,

inclusive de naturezas jurídicas diversas, no âmbito do Direito Processual

Penal acabaram por se confundir, talvez por uma pontual ânsia de se afi rmarem

as garantias constitucionais de liberdade dispostas em favor do cidadão em

momentos nas quais foram abruptamente suprimidas.

Com efeito, na seara penal o recurso especial, dotado de requisitos específi cos

de admissibilidade, estabelecidos justamente em razão da missão constitucional

deste Tribunal da Cidadania, que não é outra senão a de uniformizar a

jurisprudência pátria acerca da interpretação da legislação infraconstitucional

vigente no país, passou a cair em desuso, dando-se preferência à impetração do

habeas corpus originário, pois desprovido de qualquer formalidade processual.

Sob a premissa de que se estaria homenageando o direito à liberdade

de locomoção, passou-se a admitir, então, o processamento do aludido

remédio constitucional de maneira irrestrita, como verdadeiro recurso capaz

de desconstituir até mesmo decisões já alcançadas pelo trânsito em julgado,

prática que acabou por relegar alguns postulados de suma importância para a

manutenção da higidez da prestação jurisdicional estatal, como a segurança

jurídica e a unirrecorribilidade das decisões judiciais.

Transmudando-se o habeas corpus em regra à impugnação das decisões

proferidas no segundo grau de jurisdição, e com o consequente acréscimo em

progressão geométrica no número de impetrações tramitando neste Superior

Tribunal de Justiça, a tutela do direito de locomoção efetivamente ameaçado ou

ilegalmente constrangido, um dos bens mais caros ao indivíduo que se situa no

corpo social, deixou de receber a célere prestação jurisdicional que lhe deveria

ser inerente, e passou a ser alvo de críticas por parte daqueles que efetivamente

necessitam de uma resposta urgente do Poder Judiciário.

Entretanto, a celeridade que se exige na resposta a um pedido de habeas

corpus somente é compatível com a excepcionalidade da sua utilização, de

acordo com as normas dispostas no ordenamento jurídico, mormente porque as

arbitrariedades que poderiam ser consideradas como regra em tempos pretéritos

hoje se mostram apenas como exceção, fruto da introspecção das garantias

constitucionais no atuar dos agentes públicos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

608

Desta forma, com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder

Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais, o atual

estágio em que se encontra a sociedade brasileira clama pela racionalização da

utilização de uma ferramenta importantíssima para a garantia do direito de

locomoção, a qual não deve ser admitida para contestar decisão contra a qual

exista previsão de recurso específi co no ordenamento jurídico.

Não é demais rememorar que, em se tratando de direito penal, destinado

a recuperar as mazelas sociais e tendo como regra a imposição de sanção

privativa de liberdade, o direito de locomoção, sempre e sempre, estará em

discussão, ainda que de forma refl exa. Tal argumento, entretanto, não pode mais

ser utilizado para que todas as matérias que envolvam a persecutio criminis in

judictio até a efetiva prestação jurisidicional sejam trazidas para dentro do habeas

corpus, cujas limitações cognitivas podem signifi car, até mesmo, o tratamento

inadequado da providência requerida.

Com estas considerações e tendo em vista que a impetração se destina a

atacar acórdão proferido em sede de recurso em sentido estrito, contra o qual

seria cabível a interposição do recurso especial, depara-se com fl agrante utilização

inadequada da via eleita, circunstância que impede o seu conhecimento.

Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da

alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal

será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de

habeas corpus de ofício.

Segundo consta dos autos, o paciente foi denunciado pela participação no

delito de homicídio qualifi cado, extraindo-se da peça acusatória os seguintes

trechos:

Noticiam os autos de inquérito policial que, cerca das 3h40min do dia 6.8.2006,

na Rua José Máximo Ribeiro, Bairro João XXIII, nesta cidade, o primeiro denunciado

supra qualifi cado, livre e conscientemente, com animus necandi, desferiu diversos

disparos de arma de fogo em direção a Flávio Pires de Souza, que veio a falecer

em conseqüência das lesões sofridas, conforme laudo de necropsia de fl s. 74-77.

Segundo se apurou, os três denunciados encontravam-se no interior do

estabelecimento denominado “Sabor do Forro”, sendo que, em determinado

momento, a namorada de Carlos Adriano, Daniela Oliveira Mendes, desentendeu-

se com terceira pessoa, motivo pelo qual Flávio, que trabalhava como segurança,

interveio no sentido de acalmar os ânimos, ensejo em que Daniela cuspiu em seu

rosto, tendo a vítima a empurrado após tal atitude.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 609

Em razão do ocorrido, os denunciados se apoderaram de dois revólveres

que haviam sido escondidos nas proximidades de referido estabelecimento e

adentraram num táxi, rumando em direção ao centro desta cidade, retornando, a

seguir, ao Bairro João XXIII, sendo que, no momento em que o automóvel passava

em frente ao “Sabor do Forró”, o primieiro denunciado, apoiado pelos demais,

efetuou os disparos que ceifaram a vida da vítima.

O denunciado Carlos Adriano agiu por motivo torpe, contrastando

violentamente com o senso ético comum, amuando imbuído do prazer de matar,

não tendo rendido qualquer oportunidade de defesa à vítima, pois chegou ao

local dos fatos no interior de um veículo alugado, lançando mão da arma de fogo

que portava.

Os outros dois agentes, por sua vez, concorreram para a prática do delito, haja

vista que, durante todo o tempo, apoiaram a atitude do primeiro denunciado,

chegando, inclusive, a empunhar também um revólver, com o qual, segundo

consta dos autos, foi efetuado um disparo.” (e-STJ fl s. 13-14).

Sobreveio decisão pela qual o paciente foi pronunciado como incurso

nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, na forma do artigo 29, todos do

Código Penal (e-STJ fl s. 416-429).

Irresignada, a defesa interpôs recurso em sentido estrito, que foi desprovido

em acórdão que restou assim ementado:

Ementa: Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado. Pronúncia.

Preliminares de cerceamento de defesa e de inépcia da inicial. Afastada. Decote das

qualifi cadoras. Impossibilidade. Competência Tribunal do Júri. Recurso não provido.

- A ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da audiência

para oitiva de testemunhas não pode ser considerada causa de nulidade do feito,

porquanto não se verifi cou prejuízo para defesa do réu, sendo nomeado para o

ato defensor dativo. - Não há como ser acatada a alegação de inépcia da peça

acusatória, porquanto as condutas dos réus foram sufi cientemente narradas, bem

como as circunstância em que ocorreram os fatos. - Nos termos do art. 413 do CPP,

para a decisão de pronúncia, que sempre deverá apresentar-se motivada, basta o

convencimento do julgador acerca da existência do crime e de indícios da autoria.

- O princípio a ser aplicado nesta fase processual é o “in dubio pro societate” e não

o “in dlubio pro reo”.

Destarte, para a aludida decisão é sufi ciente a existência de indícios, posto

que a pronúncia não se traduz em julgamento, mas sim em mero juízo de

admissibilidade da acusação. - Aplicação da Súmula n. 64 do TJMG: Deve-se

deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite

decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente

improcedentes. (e-STJ fl . 606).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

610

Pois bem. De tudo quanto consta dos autos, tem-se que a impetração

merece acolhida.

Nos termos do artigo 44, inciso I, da Lei Complementar n. 80/1994, do

artigo 370, § 4º, do Código de Processo Penal, e do artigo 5º, § 5º, da Lei n.

1.060/1950, a intimação da Defensoria Pública deve ser pessoal, formalidade

que, caso não cumprida, gera, via de regra, a nulidade do processo.

Essa é a letra dos dispositivos legais em comento:

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:

I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com

vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância

administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos;

Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas

que devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for

aplicável, o disposto no Capítulo anterior.

(...)

§ 4º A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal.

Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá

julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e

duas horas.

(...)

§ 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles

mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado

pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-

se-lhes em dobro todos os prazos.

No caso dos autos, verifica-se que o paciente foi considerado revel,

oportunidade em que foi nomeada a Defensoria Pública para patrociná-lo em

juízo (e-STJ fl . 180).

Conquanto conste da ata de fl . 365 que as partes e seus procuradores

teriam sido intimados da data da audiência realizada, o certo é que da íntegra

da ação penal em tela não há qualquer mandado ou certidão dando conta que a

Defensoria Pública tenha sido pessoalmente notifi cada sobre a implementação

do mencionado ato processual.

Ademais, o próprio juízo singular, ao pronunciar o paciente, admitiu que

a mencionada formalidade não foi observada, afastando, contudo, a mácula

suscitada pela defesa.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 611

Confi ra-se:

Bruno Coutinho Vieira requereu nulidade do feito por cerceamento de defesa,

tal como impronúncia por negativa de autoria e decote das qualifi cadoras.

Percebe-se a impossibilidade de acatar a referida preliminar de nulidade, uma

vez que as testemunhas foram regularmente intimadas, fl . 236, houve nomeação

de Defensor Dativo para o ato, f. 249, e, do horário de realização da audiência -

15:00 -, a Defensoria Pública atuante na Comarca estava em pleno funcionamento.

Afasto, portanto, a nulidade argüida, uma vez garantia a plenitude de defesa

do réu Bruno Coutinho Vieira. (e-STJ fl . 419).

Por sua vez, a Corte Estadual também considerou inexistir vício a

contaminar o feito em tela, assim se pronunciando sobre a nulidade aventada

pela Defensoria Pública:

Inicialmente, não merecem ser acolhidas as preliminares arguidas pelo

recorrente Bruno Coutinho Vieira.

A ausência de intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da audiência

para oitiva de testemunhas não pode ser considerada causa de nulidade do feito,

porquanto não se verifi cou prejuízo para defesa do réu.

Além disso, tal nulidade deve ser considerada relativa, sendo que, na ocasião

da audiência citada, foi nomeado defensor dativo ao acusado para o ato,

conforme se verifi ca à fl . 249, e, consoante anotado pelo juiz à fl . 291, no horário

da realização da audiência - 15h00min - a Defensoria Pública atuante na Comarca

estava em funcionamento. (e-STJ fl . 609).

Ora, ao contrário do que consignado pelas instâncias de origem, a falta de

intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da audiência em que ouvida

testemunha é, sim, causa de nulidade do processo, sendo totalmente desprovido

de lógica o argumento de que a mencionada formalidade poderia ser suprida

pelo fato de o órgão estar em funcionamento quando da realização do citado ato

processual.

Isso porque, como visto, a legislação pátria prevê que o referido órgão deve

ser pessoalmente intimado dos atos do processo, prerrogativa que não pode ser

ignorada ou afastada sob o argumento de que a entidade estaria em horário de

funcionamento durante a realização da audiência.

Assim, se o paciente está sendo patrocinado pela Defensoria Pública

em juízo, e tendo sido agendada audiência para a oitiva de testemunhas,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

612

imprescindível a intimação pessoal do órgão acerca do dia e horário em que o

ato será implementado, sob pena de nulidade.

Ademais, há que se destacar que embora a autoridade apontada como

coatora tenha aduzido que a presença de defensora dativa na audiência em

questão afastaria o prejuízo em tese suportado pelo paciente (e-STJ fl . 609),

o certo é que os danos por ele suportados foram arguidos oportunamente, em

sede de alegações fi nais, e depois em recurso em sentido estrito, e se encontram

devidamente comprovados, como bem frisado pelo impetrante.

Com efeito, durante o ato processual em comento o magistrado de origem

decidiu encerrar a instrução processual, por entender que “diante da ausência

das partes, bem como da testemunha, apesar de devidamente intimadas”, “os

réus abriram mão da testemunha faltante” (e-STJ fl . 365).

Como se pode perceber, diante do não comparecimento da Defensoria

Pública à audiência, o togado singular dispensou a oitiva de testemunha que não

compareceu à audiência, fi nalizando a fase instrutória e abrindo vista às partes

para o oferecimento de alegações, o que, sem dúvidas, demonstra o prejuízo

sofrido pelo acusado, que restou pronunciado sem que pudesse insistir na

inquirição de pessoa arrolada pelas partes para depor em juízo.

Resta patente, portanto, o constrangimento ilegal de que está sendo vítima

o paciente, que foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri sem que sua

defesa técnica tivesse sido adequadamente exercida.

Ante o exposto, por se afi gurar manifestamente incabível, não se conhece do

writ, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654,

§ 2º, do Código de Processo Penal, para anular o processo criminal em tela a

partir da audiência de instrução e julgamento para a qual a Defensoria Pública

não foi pessoalmente intimada.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 237.578-BA (2012/0063834-8)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Defensoria Pública da União

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 613

Advogado: Vitor de Luca - Defensor Público da União

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

Paciente: Luís Cláudio Sousa Andrade

EMENTA

Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso

especial. Reclamo não admitido na origem. Interposição de agravo

de instrumento não conhecido por este sodalício. Impossibilidade.

Respeito ao sistema recursal previsto na Carta Magna. Não

conhecimento.

1. Nos termos do inciso III do artigo 105 da Constituição

Federal, o Superior Tribunal de Justiça é competente para julgar, em

recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,

pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados,

do Distrito Federal e Territórios, nas hipóteses descritas de forma

taxativa nas suas alíneas a, b e c.

2. Com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder

Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais,

necessária a racionalização da utilização do habeas corpus, o qual não

deve ser admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão

de recurso específi co no ordenamento jurídico.

3. Em se tratando de direito penal, destinado a recuperar as

mazelas sociais e tendo como regra a imposição de sanção privativa

de liberdade, o direito de locomoção, sempre e sempre, estará em

discussão, ainda que de forma refl exa. Tal argumento, entretanto, não

pode mais ser utilizado para que todas as matérias que envolvam a

persecutio criminis in judictio até a efetiva prestação jurisdicional sejam

trazidas para dentro do habeas corpus, cujas limitações cognitivas

podem signifi car, até mesmo, o tratamento inadequado da providência

requerida.

4. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator

acórdão proferido por ocasião do julgamento de apelação criminal,

contra o qual foi interposto recurso especial, ao qual foi negado

seguimento, depara-se com fl agrante utilização inadequada da via

eleita, circunstância que impede o seu conhecimento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

614

5. Como o writ foi impetrado antes da alteração do

entendimento jurisprudencial desta Corte Superior de Justiça, o

alegado constrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a

possibilidade de eventual concessão de habeas corpus de ofício.

Tentativa de homicídio qualifi cado. Alegações fi nais. Ausência. Falta

de defesa técnica. Caracterização. Nulidade. Ocorrência. Ordem concedida

de ofício.

1. A garantia constitucional à ampla defesa nos processos

judiciais, prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal,

engloba a autodefesa, exercida pelo próprio acusado, e a defesa técnica,

a qual deve ser plena e efetiva, sob pena de ofensa ao aludido preceito.

No caso do procedimento do Tribunal do Júri, o direito à defesa

ganha destaque até mesmo pela Carta Política, na qual se assegura aos

acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida a plenitude de

defesa (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea a).

2. Embora haja entendimentos doutrinários e jurisprudenciais

em sentido contrário, a falta de apresentação de alegações fi nais,

ainda que se trate do procedimento do Tribunal do Júri, certamente

não se coaduna com a aludida garantia constitucional, já que esta é a

oportunidade colocada à disposição da defesa para que possa arguir

teses defensivas capazes de, inclusive, evitar a submissão do acusado a

julgamento pelos seus pares, exsurgindo, daí, a sua imprescindibilidade.

3. Na hipótese em apreço o não oferecimento de alegações

fi nais não decorreu de estratégia defensiva, mas sim da inércia da

advogada contratada pelo paciente que, embora notifi cada, deixou de

se manifestar nos autos.

4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para

anular a decisão de pronúncia, reabrindo-se prazo para a Defensoria

Pública apresentar alegações fi nais em favor do paciente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 615

Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador

convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 18 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 1º.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

impetrado em favor de Luís Cláudio Sousa Andrade, apontando como autoridade

coatora o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que negou provimento ao

Recurso em Sentido Estrito n. 0150700-34.2004.805.0001-0.

Noticiam os autos que o paciente foi pronunciado como incurso nas

sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV, combinado com o artigo 14, inciso II,

ambos do Código Penal.

Irresignada, a defesa interpôs recurso em sentido estrito para o Tribunal de

Justiça do Estado da Bahia, ao qual foi negado provimento.

Sustenta o impetrante que o paciente seria vítima de constrangimento

ilegal, sob o argumento de que teria sido pronunciado sem que fossem

apresentadas as alegações fi nais defensivas.

Alega que o Juízo singular deveria ter nomeado defensor para representar o

acusado ante a inércia de sua defensora constituída no oferecimento da referida

peça processual, nos termos do artigo 408 do Código de Processo Penal.

Ressalta que a ausência das alegações fi nais defensivas seria causa de

nulidade da ação penal por cerceamento de defesa, uma vez que na mencionada

peça processual o magistrado poderia ser convencido da inocência do acusado,

absolvendo-o.

Requer a concessão da ordem para que seja reconhecida a nulidade da

decisão de pronúncia, reabrindo-se o prazo para a apresentação da alegações

fi nais defensivas.

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl s. 373-374.

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616

Prestadas as informações (e-STJ fl . 385), o Ministério Público Federal,

em parecer de fl s. 398-401, manifestou-se pelo não cabimento do writ e, caso

cabível, pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, a anulação da decisão pronúncia do paciente, que

teria sido proferida sem que fossem ofertadas alegações fi nais pela defesa.

Prefacialmente, impende assinalar que o pleito deduzido na inicial não

comporta conhecimento na via eleita, já que formulado em fl agrante desrespeito

ao sistema recursal vigente no âmbito do Direito Processual Penal pátrio.

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este

Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma

originária, os habeas corpus impetrados contra ato de Tribunal sujeito à sua

jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou

da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na

alínea a do mesmo dispositivo constitucional.

Por outro lado, prevê o inciso III do artigo 105 que o Superior Tribunal

de Justiça é competente para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em

única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais

dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, nas hipóteses descritas de forma

taxativa nas suas alíneas a, b e c.

Embora se tratem de meios distintos de impugnação de decisões judiciais,

inclusive de naturezas jurídicas diversas, no âmbito do Direito Processual

Penal acabaram por se confundir, talvez por uma pontual ânsia de se afi rmarem

as garantias constitucionais de liberdade dispostas em favor do cidadão em

momentos nas quais foram abruptamente suprimidas.

Com efeito, na seara penal o recurso especial, dotado de requisitos específi cos

de admissibilidade, estabelecidos justamente em razão da missão constitucional

deste Tribunal da Cidadania, que não é outra senão a de uniformizar a

jurisprudência pátria acerca da interpretação da legislação infraconstitucional

vigente no país, passou a cair em desuso, dando-se preferência à impetração do

habeas corpus originário, pois desprovido de qualquer formalidade processual.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 617

Sob a premissa de que se estaria homenageando o direito à liberdade

de locomoção, passou-se a admitir, então, o processamento do aludido

remédio constitucional de maneira irrestrita, como verdadeiro recurso capaz

de desconstituir até mesmo decisões já alcançadas pelo trânsito em julgado,

prática que acabou por relegar alguns postulados de suma importância para a

manutenção da higidez da prestação jurisdicional estatal, como a segurança

jurídica e a unirrecorribilidade das decisões judiciais.

Transmudando-se o habeas corpus em regra à impugnação das decisões

proferidas no segundo grau de jurisdição, e com o consequente acréscimo em

progressão geométrica no número de impetrações tramitando neste Superior

Tribunal de Justiça, a tutela do direito de locomoção efetivamente ameaçado ou

ilegalmente constrangido, um dos bens mais caros ao indivíduo que se situa no

corpo social, deixou de receber a célere prestação jurisdicional que lhe deveria

ser inerente, e passou a ser alvo de críticas por parte daqueles que efetivamente

necessitam de uma resposta urgente do Poder Judiciário.

Entretanto, a celeridade que se exige na resposta a um pedido de habeas

corpus somente é compatível com a excepcionalidade da sua utilização, de

acordo com as normas dispostas no ordenamento jurídico, mormente porque as

arbitrariedades que poderiam ser consideradas como regra em tempos pretéritos

hoje se mostram apenas como exceção, fruto da introspecção das garantias

constitucionais no atuar dos agentes públicos.

Desta forma, com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder

Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais, o atual

estágio em que se encontra a sociedade brasileira clama pela racionalização da

utilização de uma ferramenta importantíssima para a garantia do direito de

locomoção, a qual não deve ser admitida para contestar decisão contra a qual

exista previsão de recurso específi co no ordenamento jurídico.

Não é demais rememorar que, em se tratando de direito penal, destinado

a recuperar as mazelas sociais e tendo como regra a imposição de sanção

privativa de liberdade, o direito de locomoção, sempre e sempre, estará em

discussão, ainda que de forma refl exa. Tal argumento, entretanto, não pode mais

ser utilizado para que todas as matérias que envolvam a persecutio criminis in

judictio até a efetiva prestação jurisidicional sejam trazidas para dentro do habeas

corpus, cujas limitações cognitivas podem signifi car, até mesmo, o tratamento

inadequado da providência requerida.

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618

Com estas considerações e tendo em vista que a impetração se destina

a atacar acórdão proferido em sede de apelação criminal, contra o qual foi

interposto recurso especial, ao qual esta Relatoria negou seguimento, depara-se

com fl agrante utilização inadequada da via eleita, circunstância que impede o

seu conhecimento.

Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da

alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal

será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de

habeas corpus de ofício.

Segundo consta dos autos, o paciente foi denunciado pela prática do

delito de tentativa de homicídio qualifi cado, extraindo-se da peça acusatória os

seguintes trechos:

Consta dos inclusos autos de inquérito policial, tombado sob o n.

003.5.40819/04, oriundo da 04ª Circunscrição Policial que no dia 8 de agosto

de 2004, por volta das 04h00min horas, durante a realização de um comício

partidário, nas intermediações do local denominado “Fonte do Capim”, no Bairro

San Martim, nesta comuna, o denunciado, agindo livre e conscientemente, de

posse de um revolver calibre 38, com “animus necandi”, após discutir com a vítima

Manoel Alvaro Ferreira dos Santos, defl agrou contra esta, vários disparos os

quais atingiram seu rim esquerdo, fêmur esquerdo, região glútea e região dorsal,

causando-lhe os ferimentos descritos no Laudo de Lesões Corporais de fl s. 16-17.

Consta, ainda, que o fato criminoso iniciou-se de uma discussão somenos

importância entre vítima e denunciado, vez que aquela ao perceber que este

discutia com terceiro, inclusive apontando e disparando sua arma de fogo contra

o mesmo, resolveu intervir na contenda a fi m de acalmar os ânimos e evitar que

ocorresse algo pior.

A vítima então procurou o denunciado e lhe disse que relevasse os fatos, vez

que todos eram moradores daquela localidade. Ato contínuo e sem nenhum

motivo que justifi casse sua atitude naquele momento, o acusado sacou de sua

arma e começou a disparar em direção da vítima a qual ao receber o primeiro

tiro resolveu sair do local, sendo seguida pelo acusado que continuou efetuando

vários disparos contra o corpo da mesma, inclusive quando já se encontrava

prostrada ao solo.

Ao perceber aquela cena de terror, a mãe da vítima jogou-se sobre o corpo

desta a fim de que o acusado cessasse os disparos, ao mesmo tempo várias

acorreram várias pessoas em auxílio da vítima, o que fez o acusado se retirar do

local, não efetivando o crime de homicídio por circunstâncias totalmente alheias

à sua vontade.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 619

É dos autos, ainda, que o acusado e seu genitor, pessoa conhecida pela alcunha

de “Carlinhos Coalhada”, constantemente e fazendo uso de armas de fogo, vivem

aterrorizando as pessoas residentes naquela localidade, inclusive ameaçando a

vítima e seus familiares, caso estes insistam em levar este processo adiante.

Ressalte-se, ainda, que acerca de 01 (um) ano antes do fato, acusado e vítima

tiveram uma pequena desavença, sendo certo que aquele aguardou pelo melhor

momento para se vingar da vítima e assim satisfazer sua ira incontida.

Torpe, portanto, a motivação do delito, haja vista que o acusado tendo

discutido com a vítima anteriormente esperou cerca de 01 (um) ano para se

vingar da mesma.

Certo, também, que o denunciado praticou o crime de forma que

impossibilitou qualquer chace de defesa da vítima já que naquele momento o

ataque era totalmente inesperado, tendo a vítima, inclusive, ao receber o primeiro

disparo, fugido do local, sendo perseguida pelo acusado o qual ainda disparou

várias vezes contra o corpo da vítima que se encontrava prostrado ao solo. (e-STJ

fl s. 21-23).

Sobreveio decisão na qual o paciente foi submetido a julgamento pelo

Tribunal do Júri como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II e IV,

combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Irresignada, a defesa interpôs recurso em sentido estrito, que foi desprovido

em acórdão que restou assim ementado:

Direito Processual Penal. Recurso em sentido estrito. Ausência de alegações fi nais.

Nulidade processual. Inocorrência. Improvimento.

I – “(...) A ausência de alegações finais nos processos de competência do

Tribunal do Júri não enseja a declaração de nulidade, pois, na sentença de

pronúncia, não há julgamento de mérito, e sim mero juízo de admissibilidade,

positivo ou negativo, da acusação formulada. (...)” (AgRg no REsp n. 757.464-PE,

Rel. Ministro Nilson Naves).

II - In specie, evidencia-se que a advogada do recorrente, malgrado intimada,

permaneceu queda e inerte, não ofertando alegações finais. Posteriormente,

aproximadamente, três (3) meses depois, a patronesse do acusado pleiteou

a abertura de novo prazo para oferecimento de alegativas derradeiras, sem,

contudo, demonstrar qualquer fato, que justifi casse sua anterior inércia.

Numa palavra, a própria defesa do recorrente foi a responsável pela ausência

de alegações derradeiras, considerando-se que o juízo de primeiro grau viabilizou

a oferta de tal peça processual.

Logo, não se vislumbra nulidade, por isso que, diante da inércia da defesa

do recorrente, não cabia ao juiz a quo intimá-lo para constituir novo patrono,

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620

ou conceder vista dos autos à Defensoria Pública, considerando-se que não é

obrigatória a oferta de alegações fi nais, nos processos do júri.

III - Parecer da Procuradoria de Justiça pelo improvimento do recurso.

IV - Recurso improvido. (e-STJ fl s. 364-365).

Pois bem. De tudo quanto consta dos autos, tem-se que a impetração

merece acolhida.

Não se desconhece os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no

sentido de que, tratando-se do procedimento previsto para o julgamento dos

crimes da competência do Tribunal do Júri, a falta das alegações fi nais poderia

ser interpretada como estratégia de defesa.

Nesse sentido:

Habeas corpus. Processual Penal. Homicídio qualificado. Tribunal do

Júri. Ausência de defesa prévia e de alegações finais. Advogado constituído

regularmente intimado. Nulidade não evidenciada. Matérias não examinadas

no Tribunal de origem. (...) Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão,

denegada.

1. A ausência de defesa prévia, peça facultativa na antiga redação do art.

395 do Código de Processo Penal, não possui o condão de, por si só, nulifi car a

condução procedimental. Precedentes.

2. Consoante reiterada orientação dos Tribunais Superiores, nos processos

da competência do Júri Popular, o não oferecimento de alegações fi nais não é

causa de nulidade do feito, pois o juízo de pronúncia é provisório, não havendo

antecipação do mérito da ação penal. Ademais, a ausência da referida peça pode

constituir, até mesmo, estratégia da Defesa, que opta por apresentar suas teses

apenas no julgamento em plenário. Precedentes desta Corte e do Supremo

Tribunal Federal.

(...)

5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.

(HC n. 158.355-AP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

6.12.2011, DJe 19.12.2011).

Habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Nulidades. Falta de apresentação de

alegações fi nais, antes da decisão de pronúncia. Matéria não analisada pela Corte

de origem. (...) Impetração conhecida em parte. Ordem denegada.

1) Se a questão constante da inicial não foi analisada pelo Tribunal de origem,

não compete a esta E. Corte dela conhecer e analisar, sob pena de indevida

supressão de instância.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 621

2) A falta de alegações finais, nos processos de competência do Tribunal

do Júri, não acarreta nulidade. No caso em exame, o defensor constituído fora

devidamente intimado para manifestação, deixando, no entanto de fazê-lo.

(...)

5) Impetração conhecida em parte. Ordem de denegada.

(HC n. 143.474-SP, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do

TJ-SP), Sexta Turma, julgado em 6.5.2010, DJe 24.5.2010).

Tribunal do Júri (pronúncia). Defensor devidamente intimado (caso).

Alegações fi nais (ausência). Nulidade (não ocorrência).

1. A ausência das alegações fi nais nos processos de competência do Tribunal

do Júri não enseja a declaração de nulidade, pois, na sentença de pronúncia,

não há julgamento de mérito, e sim mero juízo de admissibilidade, positivo ou

negativo, da acusação formulada.

Precedentes.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 757.464-PE, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado

em 29.9.2009, DJe 14.12.2009).

Todavia, não se pode perder de vista a garantia à ampla defesa conferida

pela Constituição Federal ao acusado em qualquer processo judicial, a qual

ganha relevância na persecução penal, já que por meio desta é que o Estado

alcança a legitimidade para coarctar a liberdade do indivíduo responsável pela

prática de conduta descrita como fato delituoso.

Aliás, a defesa não deve ser vista apenas como um direito do acusado, mas

como uma garantia de desenvolvimento regular do processo, tratando-se de

interesse público.

A ampla defesa constitucionalmente garantida, assim, deve abranger tanto

o direito do acusado ser assistido por profi ssional habilitado, conhecida por

defesa técnica, como o direito de autodefesa, cujo exercício é facultado em

determinados atos processuais, como o interrogatório.

Segundo os ensinamentos de Antonio Scarance Fernandes, “a defesa

técnica, para ser ampla como exige o texto constitucional, apresenta-se no

processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva.” (in Processo penal

constitucional. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.

295). Ao discorrer acerca da defesa plena, o ilustre professor assevera:

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622

(...) não se deve prescindir da defesa nos momentos culminantes do processo,

como sucede nas alegações fi nais e nas razões de recurso ou quando se produza

prova relevante.

Assim, se de alguma forma o defensor de confi ança do acusado não realizar

algum desses atos relevantíssimos, incumbe ao juiz nomear substituto, ainda que

provisoriamente ou só para o ato, tendo inteira aplicação o art. 265, parágrafo

único, do CPP. (...) Não deve ser aplicado apenas aos atos instrutórios, mas também

aos atos em que o defensor se pronuncia sobre a prova (alegações fi nais) ou sobre

a sentença fi nal (razões ou contra-razões de recurso). (Op. cit. p. 298.)

Prosseguindo nos seus ensinamentos, ao expor suas idéias acerca da defesa

efetiva, o respeitável doutrinador tece as seguintes considerações:

O fato de ter o réu defensor constituído, ou de ter sido nomeado advogado

para sua defesa, não é suficiente. É preciso que se perceba, no processo,

atividade efetiva do advogado no sentido de assistir o acusado. Por isso mesmo,

acrescentou-se com a Lei n. 10.792/2003 parágrafo único ao artigo 261 do

CPP, a fim de se exigir que a defesa técnica, quando realizada por defensor

público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.

De que adiantaria defensor designado que não arrolasse testemunhas, não

reperguntasse, oferecesse alegações finais exageradamente sucintas, sem

análise da prova, e que culminassem com pedido de Justiça? Haveria, aí, alguém

designado para defender o acusado, mas a sua atuação seria tão defi ciente como

se não houvesse defensor. Em casos como este, o processo deve ser anulado por

falta de defesa. (Op. cit. p. 299).

Tais considerações ganham relevo quando se trata do procedimento do

Tribunal do Júri, no qual a Constituição Federal garante aos acusados a plenitude

de defesa, já que estes serão julgados por um conselho de sentença formado por

juízes leigos. E, de acordo com ensinamentos doutrinários, a utilização dos

termos “ampla defesa” e “plenitude de defesa” não teria sido feita pelo poder

constituinte originário apenas para evitar a repetição de adjetivos, mas, sim, para

enfatizar a importância de uma defesa efetiva em tal procedimento, tendo em

vista a ausência de conhecimentos técnicos do destinatário das argumentações e

provas que serão produzidas.

Nessa ordem de ideias, confi ra-se lição de Guilherme Souza Nucci:

Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno equivale a completo,

perfeito, absoluto. Somente por esse lado já se pode visualizar a intencional

diferenciação dos termos. E, ainda que não tenha sido proposital, ao menos foi

providencial.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 623

O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa,

valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer

forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita,

dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos. (Tribunal do júri.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 25).

Ademais, é nas alegações fi nais que se abre oportunidade à defesa sustentar

teses que, com base nos elementos de prova colhidos durante a fase instrutória,

caso acolhidas, poderiam evitar a submissão do paciente a julgamento perante o

Tribunal do Júri, seja em razão de eventual absolvição sumária, ou por conta de

possível desclassifi cação da conduta atribuída na exordial acusatória, exsurgindo,

daí, a importância da atuação da defesa técnica neste estágio do processo.

No caso dos autos, constata-se que o magistrado de origem abriu vista

às partes para o oferecimento de alegações finais (e-STJ fl. 254), tendo a

causídica contratada pelo paciente para patrociná-lo em juízo sido intimada,

pela imprensa ofi cial, para apresentar a mencionada peça processual em 6.7.2006

(e-STJ fl . 259).

Aproximadamente 3 (três) meses depois, a defesa requereu a abertura de

novo prazo para apresentar memoriais (e-STJ fl s. 291-292), sobrevindo decisão

que pronunciou o paciente pela prática de tentativa de homicídio qualifi cado, na

qual o togado singular registrou que “a Defesa, embora devidamente intimada

para oferecer Alegações Finais, quedou-se em silêncio” (e-STJ fl . 316).

Como se pode observar, na hipótese em apreço o não oferecimento

de alegações fi nais não decorreu de estratégia defensiva, mas sim da inércia

da advogada contratada pelo paciente que, embora notifi cada, deixou de se

manifestar nos autos.

E, a reforçar a desídia da advogada do paciente, observa-se que, apesar de

haver interposto recurso em sentido estrito contra a sentença provisional (e-STJ

fl . 331), a mencionada causídica deixou de apresentar as razões recursais, o que

ensejou o ingresso da Defensoria Pública no feito (e-STJ fl s. 336-341).

Não há como não reconhecer, portanto, que o paciente foi submetido à

persecução penal sem a observância da garantia constitucional à ampla defesa,

a qual, inclusive, culminou com a sua pronúncia pelo crime de homicídio

qualifi cado, fazendo transparecer o prejuízo necessário para a decretação da

nulidade do processo.

Em caso análogo, esta Corte assim se pronunciou:

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624

Recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Tribunal do Júri.

Advogado constituído que, sem o conhecimento dos réus, deixou de apresentar

alegações fi nais, contrariedade ao libelo e recorrer da sentença de pronúncia.

Prejuízo à defesa evidente. Recorrentes que, logo que cientes da inação de seu

patrono, revogaram os poderes a ele conferidos, nomeando novo causídico, que

imediatamente postulou a reabertura do prazo para alegações fi nais. Inocorrência

de preclusão temporal. Constrangimento ilegal evidenciado. Parecer do MPF pelo

desprovimento do recurso. Recurso ordinário provido, todavia, para reconhecer o

cerceamento de defesa e determinar a renovação dos atos processuais, mantida a

situação prisional dos recorrentes.

1. No processo penal, para o reconhecimento da invalidade dos atos

processuais não basta a desconformidade do ato com o modelo traçado pelo

legislador, cabendo ao magistrado verifi car a eventual ocorrência de prejuízo

ao réu diante de cada caso concreto, de modo que os automatismos devem ser

evitados.

2. In casu o defensor constituído pelos réus deixou de apresentar três peças

processuais (alegações finais, recurso em sentido estrito e contrariedade ao

libelo); assim, é evidente o prejuízo à defesa dos recorrentes, não sendo crível a

tese esposada pelo acórdão hostilizado, de que a inércia do advogado poderia ser

mera estratégia defensiva.

3. Somente após a não apresentação de contrariedade ao libelo, ou seja,

passados quase dez meses sem qualquer manifestação defensiva nos autos, os

réus foram intimados para informar se o advogado à época constituído ainda

continuava patrocinando seus interesses; quando o recomendado seria que os

recorrentes logo após o transcurso do prazo para a apresentação de alegações

fi nais fossem cientifi cados que estavam sem defesa e, no caso de eventual inércia,

fosse nomeado defensor dativo, dando-se, assim, efetividade ao princípio da

plenitude de defesa.

4. Quando cientes da inação de seu patrono, os réus revogaram imediatamente

os poderes a ele conferidos, nomeando novo causídico, que imediatamente

postulou a reabertura do prazo para alegações fi nais ante o patente cerceamento

de defesa, não se podendo falar, portanto, que as nulidades foram sanadas em

razão da preclusão temporal.

5. A Constituição Federal de 1988 garante aos que serão submetidos a

julgamento pelo Júri Popular a plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII), princípio

muito mais amplo e complexo do que a ampla defesa, sendo, desta forma,

inadmissível que os réus fi quem tanto tempo indefesos em processo que apura a

suposta prática de homicídio qualifi cado.

6. Parecer do MPF pelo desprovimento do recurso.

7. Recurso provido, para reconhecer o cerceamento de defesa decorrente da

inércia do advogado em apresentar alegações fi nais, recurso em sentido estrito

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 625

e contrariedade ao libelo, determinando-se a renovação dos atos processuais

de acordo com as alterações incluídas pela Lei n. 11.689/2008 no CPP, mantida

a situação prisional dos recorrentes. (RHC n. 22.919-RS, Rel. Ministro Napoleão

Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 18.6.2009, DJe 3.8.2009).

Ante o exposto, por se afi gurar manifestamente incabível, não se conhece do

writ, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654, §

2º, do Código de Processo Penal, para anular a decisão de pronúncia, reabrindo-

se prazo para a Defensoria Pública apresentar alegações fi nais em favor do

paciente.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 238.677-DF (2012/0071005-3)

Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR)

Impetrante: Carolina Nunes Pepe

Impetrado: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Paciente: Fernando Carlo de Brito Brasil (preso)

Paciente: Wellington Sousa Nogueira (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Pacientes condenados por importação e venda de

produto terapêutico ou medicinal adulterado e sem registro na Anvisa.

Artigo 273, § 1º-B, do Código Penal. Pretensão de reconhecimento

de insuficiência de prova para condenação. Análise do conjunto

probatório. Impossibilidade na via estreita do writ. Ocorrência do

trânsito em julgado. Habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal.

Impossibilidade. Declaração de inconstitucionalidade do tipo penal

por ofensa ao princípio da proporcionalidade. Impossibilidade.

Necessidade de instauração de incidente de inconstitucionalidade.

Art. 97 da CF. Reserva de plenário. Incompatibilidade com a via célere

do habeas corpus. Precedentes. Habeas corpus não conhecido.

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- A análise do pleito de absolvição dos pacientes diante da

insufi ciência das provas, em relação ao crime previsto no art. 273, §

1º-B do Código Penal, demandaria exame aprofundado do arcabouço

fático-probatório constante dos autos, inviável por meio de habeas

corpus.

- O habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de

revisão criminal, salvo em situações excepcionais, quando o pleito

prescindir de revolvimento de provas e a ilegalidade for manifesta,

o que não se verifi ca, in casu, onde a pretensão é de acolhimento de

alegação de insufi ciência de provas para a condenação.

- Na linha da jurisprudência desta Corte, a instauração do

incidente de inconstitucionalidade é absolutamente incompatível com

a via célere do habeas corpus. Precedentes.

Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em não conhecer do pedido.

Os Srs. Ministros Marilza Maynard (Desembargadora convocada do

TJ-SE), Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 23 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR),

Relator

DJe 26.11.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR):

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor dos pacientes Fernando Carlo de

Brito Brasil e Wellington Sousa Nogueira, condenados, em sede de apelação

interposta pelo Ministério Público, pela prática do crime descrito no art. 273,

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 627

§ 1º-B, incisos I, V e VI, c.c., o art. 29, ambos do Código Penal, a uma pena de

dez (10) anos e três (3) meses e 10 (dez) anos, de reclusão, respectivamente, em

regime fechado, em acórdão assim ementado:

Penal e Processual Penal. Apelação. Produto destinado a fi ns terapêuticos.

Art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI do CP. Confi ssão na fase inquisitorial. Riqueza de

detalhes. Retratação em juízo. Irrelevância. Condenação de rigor. Pena. Primeiro

réu. Reincidência. Segundo réu. Condições judiciais totalmente favoráveis.

Mínimo legal. Recurso provido.

1. A simples retratação em juízo não tem o poder de infi rmar a dinâmica dos

fatos relatada na fase inquisitorial, mormente se a confi ssão é corroborada por

prova testemunhal.

2. Pratica o crime capitulado no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do Código

Penal, o agente que mantém em depósito e venda medicamentos (anabolizantes,

Citotec, etc) sem o competente registro no órgão de vigilância sanitária, de

procedência ignorada, e adquiridos de estabelecimentos (ou pessoas físicas) sem

licença da autoridade competente.

3. A declaração incidente - controle difuso - de inconstitucionalidade somente

tem razão de ser quando vislumbrado decreto condenatório para o acusado,

ocasião em que, afastado o preceito tido por ofensivo, aplica-se regra mais

benéfi ca.

4. Circunstâncias judiciais favoráveis exigem a aplicação de penas próximas ao

mínimo legal, à exceção daquele réu que ostenta condenação, com trânsito em

julgado por fato anterior (reincidente).

5. Recurso provido para julgar procedente a denúncia (fl . 282).

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fl s. 311-315).

Foram, ainda, interpostos recursos especial (fl s. 317-328) e extraordinário

(fl s. 329-340), aos quais não foram admitidos na origem (fl s. 369-372), e o

agravo no recurso especial (AREsp n. 20.647-DF) não foi conhecido nesta

Corte, tendo ocorrido o trânsito em julgado em 20.3.2012.

A impetrante alega, em resumo, que os pacientes sofrem constrangimento

ilegal, quer por ausência de provas aptas para a justifi car a condenação, quer

por inconstitucionalidade do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, por ofensa ao

princípio da proporcionalidade.

Afi rma que o preceito primário não é inconstitucional, contudo o preceito

secundário, alterado pelo legislador na Lei n. 9.677/1998, por critério de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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conveniência político-criminal, se mostra excessivo e desproporcional à conduta

praticada.

Argumenta que “a pena mínima cominada/aplicada ao crime do art. 273, §

1º-B (e incisos) do CP, excede em mais de três vezes a pena máxima do homicídio

culposo (CP, art. 121, § 3º), corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio

doloso simples (CP. art. 121, caput), é igual â pena máxima do aborto provocado sem

consentimento da gestante (CP, art. 125), além de corresponder à cinco vezes a pena

mínima da lesão corporal de natureza grave (CP. art. 129. § 1º)” (fl . 9, destaque do

original).

Sustenta, ainda, que o paciente tem o direito de aguardar o julgamento do

recurso em liberdade, porque possui residência e emprego fi xos, compareceu a

todos os atos do processo, bem como não oferece perigo de frustrar a aplicação

da lei penal.

Caso não seja acolhida a alegação de inconstitucionalidade da norma penal,

pugna que a pena seja fi xada com base no preceito secundário do artigo 273, na

antiga redação, do Código Penal, ou mesmo do art. 33 da Lei n. 11.343/2007, e

que seja fi xado o regime aberto para cumprimento da pena.

O Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-

RJ), antigo relator, indeferiu a liminar, em razão da defi ciência da instrução do

feito (fl . 116).

Recebidas as informações (fl s. 125-390).

O Ministério Público Federal, no parecer de fl s. 394-406, opinou pela

denegação da ordem (fl s. 394-406).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)

(Relator): No presente writ, a impetrante busca, em síntese, o reconhecimento

da ausência de provas para a condenação dos pacientes, a declaração de

inconstitucionalidade do § 1º-B, do art. 273 do Código Penal ou a alteração do

preceito secundário.

Verifica-se dos autos que os pacientes foram presos em flagrante e

denunciados, como incursos no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, e art. 29,

ambos do Código Penal, nos seguintes termos:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 629

No dia 14.3.2006, por volta de 9h30, na cidade de Samambaia-DF, os

denunciados, agindo consciente e voluntariamente, previamente acordados

e com identidade de propósitos tinham em depósito, vendiam e distribuíam

produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem registro, de

procedência ignorada e adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade

sanitária competente.

Conforme apurado, os denunciados, como fi m de auferirem lucro, em data

anterior, adquiriram ilegalmente, de estabelecimento sem licença da autoridade

sanitária competente, diversos medicamentos, entre os quais alguns sem registro,

outros de procedência ignorada, produtos estes que eram por eles vendidos e

distribuídos.

Entre os produtos com fi ns terapêuticos e medicinais adquiridos por ambos,

foram mantidos em depósito, na residência de Fernando Carlos, 5 (cinco) caixas

de Estanozol 50 mg; 355 (trezentos e cinquenta e cinco) cartelas de Brontel; 8

(oito) ampolas de Primobolan Depot 1 ml e 24 (vinte e quatro) ampolas de Testek

Elmu Prolongatum 2 ml, 49 (quarenta e nove) unidades de Deca Durabolin, 50

(cinqüenta) frascos de Oxandrolona, os quais foram apreendidos por policiais civis,

em decorrência de cumprimento de mandado de busca e apreensão, conforme

auto de apresentação e apreensão de fl s. 16-17.

Encontravam-se, ainda, em depósito na residência de Wellington Sousa, 43

(quarenta e três) cartelas de Brontel, 30 (trinta) ampolas de Primobolan Depot e

1 (uma) ampola de Testex Elmu Prolongatum 2 ml, 10 (dez) ampolas Derasteston;

12 (doze) cartelas de Hemogenin, 110 (cento e dez) francos de Deca Durabolin;

100 (cem) cápsulas de Oxandrolona, além de 73 (setenta e três) comprimidos

de Cytotec, medicamento este que possui venda adstrita a estabelecimentos

hospitalares devidamente cadastrados e credenciados junto à autoridade

sanitária competente, não dispondo de registro no Brasil (auto de apresentação

e apreensão de fl s. 18-19).

Na divisão de tarefas para a consumação da infração penal, competia ao

primeiro denunciado a aquisição, o depósito, e a venda dos medicamentos nas

condições acima indicadas e ao segundo, o depósito, o transporte e a distribuição

de tais produtos, tanto assim que, no momento da ação policial, foi também

encontrado em seu poder vários medicamentos (fl . 129).

O Juízo da 2ª Vara Criminal e dos Delitos de Trânsito da Circunscrição

Judiciária da Samambaia, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios, declarou a inconstitucionalidade, incidenter tantum, do 1º-B, incisos

I, V e VI, do art. 273 do Código Penal por violação a princípios constitucionais,

e absolveu os pacientes por insufi ciência de provas de provas (fl s. 39-54), nos

seguintes termos:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

630

Como se observa, embora a quantidade de produto apreendido gere uma

presunção de que tinha destinação comercial, o que, inclusive, embasou a

acusação formal por parte do Ministério Público, o certo é que esses indícios e

presunção não se confi rmaram sufi cientemente ao longo da instrução processual.

Resta, portanto, tão-somente a presunção decorrente da quantidade de

produto apreendido, e os indícios baseados na confi ssão dos réus na fase policial,

elementos que se mostram insufi cientes para afi rmar-se categoricamente que

os produtos estavam armazenados para a venda. Quanto aos relatos dos réus

na fase policial, admitindo a finalidade de venda dos medicamentos, devem

ser analisados com parcimônia, posto que não foram colhidos sob o crivo do

contraditório.

Como se observa, embora não se possa excluir a hipótese de os medicamentos

estarem em poder dos acusados com a fi nalidade de venda, também não se

podem ignorar as dúvidas e incertezas que permeiam a situação, devendo a

questão ser apreciada à luz do princípio do in dubio pra reo.

Ora, sabe-se que indícios e presunções, se se prestam a embasar a acusação

formal - momento.em que se privilegia o interesse público - o certo é que se não

restarem sufi cientemente comprovados ao longo da instrução processual, não

poderão embasar um decreto condenatório, posto que na fase fi nal do processo

o critério a ser utilizado é o do direito individual do réu (in dubio pro reo) (fl s. 230-

231).

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, contudo, por ocasião do

julgamento do recurso de apelação do Ministério Público Federal, reformou a

sentença absolutória e condenou os pacientes, no que interesse, nos seguintes

fundamentos:

Conforme anotado pela d. autoridade judiciária (fl. 217), a expressiva

quantidade de produto apreendido gera presunção de que tinha destinação

comercial.

As informações prestadas pelo d. Conselho Federal de Farmácia (fl s. 69-78),

bem como o laudo de resposta a quesitos (fl s. 79-98), elaborado pelo IC – Instituto

de Criminalística da Polícia Civil -, dão conta do espectro preocupante das

fórmulas dos medicamentos vendidos pelos réus.

Esse poder ofensivo de tais medicamentos, conforme aludido, motivou o

legislador a optar, em sede de política criminal, a punir mais severamente as

condutas negativas de ter em depósito e vender produtos destinados a fins

terapêuticos ou medicinais, sem a devida licença do órgão de vigilância sanitária.

Alguns medicamentos sequer são produzidos no país (fl s. 79-98), a exemplo

do Cytotec (Espanha), Brontel (Espanha), Deca Durabolin (Holanda), Primobolan

Depot (Alemanha) e Estanozolol (Argentina).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 631

Além do mais, constituía ônus da defesa comprovar que a quantidade de

remédio, apesar de exorbitante, destinava-se a tratamento de gastrite, conforme

argumentação do réu Wellington (fl . 158).

É curial que alguém que faça uso contínuo de anabolizante, medicamento de

alto custo, não precisaria ter em casa uma gama inominável, como sói ocorrer com

a lista de remédios apreendidos em poder dos réus (fl s. 29 e 30).

Pedindo vênia à nobre prolatora, entendo que a prova produzida foi sufi ciente

para confi rmar as ilações de que os remédios eram comercializados pelo réu

Fernando, cujas entregas eram feitas pelo corréu Wellington.

Abro parênteses acerca da atuação do réu Wellington, vez que imputada

participação no delito (art. 29, CP). Todavia, entendo que não era de menor

importância, pois, quando do acidente de Fernando, passou a guardar os

medicamentos em sua residência, como forma de atender à clientela de modo

mais efi ciente.

Como fundamento utilizado pela d. julgadora para absolver os réus, foi

declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 273, § 1º-B, incisos

I, V e VI, do Código Penal.

Possível a declaração de inconstitucionalidade de determinado preceito, se

optasse o julgador pela condenação dos acusados. Ocasião em que se afasta a

aplicação do preceito, sob fundamento de inconstitucionalidade da norma.

Portanto, a medida adota pela ilustre juíza sentenciante, na primeira instância,

mostra-se inócua.

Aqui, registro que já perfi lhei entendimento de que o preceito secundário da

norma seria inconstitucional, e que, por questão de justiça, aplicar-se-ia aquela

estabelecida para o tráfi co de drogas (art. 33, caput, Lei n. 11.343/2006) (destaques

do original, trecho extraído da consulta ao sítio eletrônico do TJDFT da Apelação

Criminal n. 2006.091009403-8 (www.tdjft.jus.br).

Registro, por oportuno, que a transcrição supracitada foi extraída do

sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, tendo em vista que

nas informações prestadas pela autoridade coatora, o acórdão trazido estava

incompleto.

Ao que se verifi ca da transcrição supracitada, o Tribunal local se valeu das

provas contidas nos autos para reformar a sentença de primeiro grau e condenar

os ora pacientes.

Desse modo, a discussão acerca da ausência de provas sufi cientes para

condenação dos ora pacientes, por demandar a análise do conjunto fático-

probatórios dos autos, é vedada na estreita via do habeas corpus. Existem

inúmeros precedentes desta Corte nesse sentido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Em verdade, o presente writ sequer merece ser conhecido, no ponto,

porque conforme informações prestadas pela autoridade coatora, bem como

em consulta, por meio da rede mundial de computadores (internet), ao sítio

eletrônico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e desta Corte,

verifi quei que o acórdão objeto do deste habeas corpus transitou em julgado em

20.3.2012.

O presente writ foi impetrado em 10.4.2012 (fl . 1), ou seja, após o trânsito

em julgado da condenação para a defesa.

É consabido que, em respeito à própria Constituição, a impetração de

habeas corpus deve ser compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal,

para que não se perca a razão lógica e sistemática dos recursos ordinários, até

mesmo dos excepcionais.

Desse modo, a discussão acerca da ausência de provas aptas para a

condenação dos ora pacientes, quando já transitado em julgado a condenação,

na via eleita, somente seria possível quando prescindisse de revolvimento de

provas e a ilegalidade fosse manifesta, o que não se verifi ca no caso em apreço.

Nessa ordem de decidir, os seguintes precedentes desta Corte:

Habeas corpus. Roubo circunstanciado pelo emprego de arma e pelo concurso

de pessoas, extorsão com emprego de arma, extorsão mediante seqüestro e

estupro. Condenação com trânsito em julgado. Revisão criminal indeferida.

Pedido de absolvição por insufi ciência de provas. Necessidade de revolvimento

aprofundado de matéria fático-probatória. Impossibilidade na via estreita do writ.

Fragilidade do conjunto probatório não demonstrada. Autoria e materialidade

comprovada por elementos idôneos. Ordem denegada.

1. A alegada insufi ciência probatória, a ensejar a pretendida absolvição, é

questão que demanda aprofundada análise de provas, o que é vedado na via

estreita do remédio constitucional, que possui rito célere e desprovido de dilação

probatória, máxime tratando de ação penal com trânsito em julgado já submetida

a revisão criminal, como na espécie.

2. No processo penal brasileiro vigora o princípio do livre convencimento,

em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela

condenação, não cabendo, então, na angusta via do writ, o exame aprofundado

de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as instâncias

anteriores formaram convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor

do paciente.

3. Nos crimes contra os costumes a palavra da vítima se torna preponderante,

se coerente e em consonância com as demais provas coligidas nos autos, como

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RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 633

é o caso da hipótese vertente, em que a ofendida expôs os fatos com riqueza de

detalhes, tudo em conformidade com os demais elementos probantes.

4. No caso, as decisões hostilizadas afastaram as teses defensivas, fazendo, na

sequência, cotejo das provas carreadas aos autos, concluindo pela condenação do

paciente, com fundamento em contexto fático-probatório válido para demonstrar

o crime e sua autoria.

5. Ordem denegada (HC n. 150.812-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Julgamento

realizado em 28.6.2011, DJe de 1º.8.2011).

Habeas corpus. Apropriação indébita previdenciária. Trânsito em julgado

da condenação. Pretensão absolutória. Análise do conjunto probatório.

Impossibilidade.

1. Não se permite, na seara do writ, a reapreciação do conjunto probatório,

especialmente para afastar a comprovação fática delineada pela Instância local

em relação à prática delitiva.

2. Ademais, inviável se mostra utilizar-se da via heróica em substituição ao

procedimento da revisão criminal.

3. A confi guração advinda com a introdução no Código Penal do art. 168-A

não alterou a incriminação da denominada apropriação indébita previdenciária,

constante da previsão do artigo 95, alínea d e § 1º, da Lei n. 8.212/1991, razão

por que inviável admitir-se a existência de nulidade da condenação por fatos

pretéritos à nova ordem legal.

4. Ordem denegada (HC n. 115.148-MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis

Moura, Julgamento realizado em 17.3.2011, DJe de 4.4.2011).

Habeas corpus. Penal. Latrocínio. Tese de erro judicial por ser o réu inocente

das acusações. Via imprópria. Necessidade de exame aprofundado do conjunto

probatório. Pedido a ser deduzido por meio de revisão criminal.

1. O exame da tese de inocência do Paciente quanto à prática do crime

de latrocínio por demandar, inevitavelmente, profundo reexame do material

cognitivo produzido nos autos, não se coaduna com a via estreita do writ,

sobretudo se a instância ordinária, soberana na análise fático-probatória, restou

convicta sobre a existência do crime e sua respectiva autoria.

2. Tendo em vista o trânsito em julgado da condenação, o pedido deve ser

deduzido perante a Corte de origem, mediante revisão criminal.

3. Ordem denegada (HC n. 84.000-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Julgamento

realizado em 27.5.2008, DJe de 23.6.2008.

Assim sendo, não há falar em constrangimento ilegal sofrido pelos

pacientes, de modo que não conheço do habeas corpus, no ponto. O meio

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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processual adequado para a análise da pretensão da impetrante, a meu ver, é a

revisão criminal, não podendo o habeas corpus ser utilizado como sucedâneo dele.

Noutro giro, a impetrante requer, na via eleita, a declaração de

inconstitucionalidade do disposto no art. 273, § 1-B, do Código Penal, por

ofensa ao princípio da proporcionalidade.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, examinando o tema, concluiu

que a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal impedia a

pretendida declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo, nos

seguintes fundamentos:

Como fundamento utilizado pela d. julgadora para absolver os réus, foi

declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 273, § 1º-B, incisos

I, V e VI, do Código Penal.

Possível a declaração de inconstitucionalidade de determinado preceito, se

optasse o julgador pela condenação dos acusados. Ocasião em que se afasta a

aplicação do preceito, sob fundamento de inconstitucionalidade da norma.

Portanto, a medida adota pela ilustre juíza sentenciante, na primeira instância,

mostra-se inócua.

Aqui, registro que já perfi lhei entendimento de que o preceito secundário da

norma seria inconstitucional, e que, por questão de justiça, aplicar-se-ia aquela

estabelecida para o tráfi co de drogas (art. 33, caput, Lei n. 11.343/2006).

Ocorre, todavia, que, na segunda instância, essa providência esbarra-se na

cláusula de reserva de plenário (art. 97, CF), consagrada no verbete de Súmula

Vinculante n. 10, do Excelso Supremo Tribunal Federal.

Anote-se:

Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de

órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua

incidência, no todo ou em parte.

Deste modo, querendo, poderão os réus provocar as instâncias superiores para

solução da questio juris.

Com efeito, embora o ordenamento jurídico pátrio possibilite que o juiz

declare a inconstitucionalidade, no caso concreto, de uma determinada lei,

deixando de aplicá-la, o artigo 97 da Constituição Federal prevê a chamada

cláusula de reserva do plenário, por meio da qual, somente pelo voto da maioria

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 635

absoluta dos membros do respectivo órgão especial poderão os Tribunais

declarar a inconstitucionalidade de lei.

Em assim sendo, para o afastamento do § 1º-B, do art. 273, do Código

Penal, como pretende a impetrante, com fundamento na violação ao princípio

da proporcionalidade, é imprescindível a observância da referida norma

constitucional, bem como do disposto na Súmula Vinculante n. 10 do Supremo

Tribunal Federal.

Ocorre que, na linha da jurisprudência desta Corte, a instauração do

incidente de inconstitucionalidade, é absolutamente incompatível com a via

célere do habeas corpus, porque a celeridade exigida fi caria comprometida com a

suspensão do feito e afetação do tema à Corte Especial, para exame do pedido.

Nessa linha de pensamento, destaco os seguintes precedentes desta Corte: HC

n. 227.982-RS, Rel. Ministro Vasco Della Guistina (Desembargador convocado

do TJ-RS), julgado em 17.4.2012, DJe de 30.4.2012 e HC n. 144.359-SP, Rel.

Ministra Laurita Vaz, Julgado em 8.11.2011, DJe de 21.11.2011.

Acrescente-se que, esta Turma, por ocasião do julgamento do HC n.

93.870-RJ, da relatoria do em. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado

em 29.10.2009, publicado no DJe de 23.11.2009, apreciou pretensão idêntica, e

também concluiu pela impossibilidade de conhecimento do writ, no ponto, nos

seguintes fundamentos:

1. Ao prever um sistema misto de controle de constitucionalidade de normas,

o sistema jurídico brasileiro confere, a par do Supremo Tribunal Federal, a cada

Magistrado, singularmente, a possibilidade de não aplicação de determinada

regra jurídica (tomada aqui em sentido lato), porquanto inconstitucional.

2. Ainda dentro do sistema difuso, se deduzida a pretensão de

inconstitucionalidade de forma principal - isto é, sendo o pedido feito pela

parte, para que o Juiz declare a inconstitucionalidade, no caso concreto, de uma

determinada lei, deixando, conseguintemente, de aplicá-la -, prevê o art. 97 da

Constituição Federal a chamada cláusula de reserva de plenário, por meio da qual

somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do

respectivo órgão especial poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo do Poder Público.

3. Ora, mostra-se evidente que o incidente previsto para a análise da pretensão

de inconstitucionalidade deduzida diretamente a esta Corte Superior se mostra

absolutamente incompatível com a via célere do Habeas Corpus, mormente pela

celeridade exigida - que fi caria de todo comprometida com a suspensão do feito e

afetação do tema à Corte Especial deste STJ, para a análise do pedido -, ou porque

demandaria atividade investigativa inadmissível na sede do writ.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

636

4. Assim, quanto à pretensão de inconstitucionalidade do art. 273 do CPB,

deixo de conhecer o Habeas Corpus.

Por fi m, no que tange à pretensão de aplicação do preceito secundário da

antiga redação do art. 273 do Código Penal ou do art. 33 da Lei n. 11.343/2007,

em substituição à pena aplicada com base no art. 273, § 1º-B, do Código Penal,

por ofensa ao princípio da proporcionalidade, entendo que a aspiração não

merece prosperar, porque implicaria, ao meu sentir, em indisfarçável pretensão

de controle de constitucionalidade, porque na prática, alteraria uma pena do

Código Penal, o que demandaria a observância do art. 97 da Constituição, o

que, como já demonstrado, é incompatível com a estreita via do habeas corpus.

Ademais, como bem assinalou o Ministério Público Federal, no parecer

lançado de fl s. 394-406, “não pode o Juiz, a pretexto de aplicar os princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade, substituir o legislador, alterando o Código

Penal para modifi car a pena de um delito, criando, assim, uma terceira norma,

como pretende o impetrante” (fl . 404). Na mesma oportunidade, o parquet

destacou, com muita propriedade, os seguintes precedentes do STF, que por

oportuno, adoto como fundamento para denegar a ordem:

Constitucional e Penal. Agravo regimental em recurso extraordinário criminal.

Acórdão que se baseou em fundamentos infraconstitucionais. Ofensa refl exa ao

texto constitucional. Agravo improvido.

I – Este Tribunal entende não ser cabível o recurso extraordinário quando a

apreciação dos temas constitucionais demanda o prévio exame de legislação

infraconstitucional (Código Penal). Assim, a afronta à Constituição, se ocorrente,

seria indireta. Incabível, portanto, o apelo extremo.

II – Não pode esta Suprema Corte substituir-se ao Legislativo para, sob o pálio

dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, alterar o Código Penal

brasileiro e modifi car a pena de um delito, criando, assim, uma terceira norma,

como pretende o recorrente. Precedente.

III – Agravo regimental improvido (AgRg no RE n. 634.601, Rel. Ministro Ricardo

Lewandowski, Julgamento realizado em 23.8.2011, DJe de 8.9.2011).

Habeas corpus. Crime de bagatela. Tese não submetida às instâncias inferiores.

Não conhecimento. Crime de furto e crime de roubo. Concurso de agentes.

Aumentos de pena diferenciados. Princípio da proporcionalidade. Violação

inocorrente. Diversidade dos parâmetros. Impossibilidade de combinação entre

preceitos normativos. Princípio da separação de poderes e da reserva legal.

Ordem parcialmente conhecida e denegada.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 637

1. A alegação de insignifi cância da conduta por cuja prática o paciente foi

condenado não foi objeto de impugnação nas instâncias inferiores, razão pela

qual o pleito não pode ser conhecido, nesta parte.

2. Não se constata a alegada desproporcionalidade da pena imposta pelo

legislador ao furto qualifi cado pelo concurso de agentes, quando comparada

ao roubo agravado pela mesma circunstância (art. 155, § 4º, e art. 157, § 2º, do

Código Penal).

3. O parâmetro adotado pelo legislador para a elevação da pena no crime de

roubo é a pena prevista para o referido delito, praticado na modalidade simples.

4. Por esta razão, é impossível aplicar, à pena do furto simples, a fração prevista

pelo legislador para incidir sobre uma pena muito maior, que é a do roubo

simples. A diversidade dos parâmetros confere integral legitimidade à diferença

das frações de aumento.

5. Ademais, não é dado ao Poder Judiciário combinar previsões legais, criando

uma terceira espécie normativa, não prevista no ordenamento, sob pena de

ofensa ao princípio da Separação de Poderes e da Reserva Legal. Não há pena

sem prévia cominação legal. É um atentado contra a própria democracia permitir

que o Poder Judiciário institua normas jurídicas primárias, criadoras de direitos ou

obrigações. Ausência de legitimidade democrática.

6. Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada (HC n. 92.628, Rel.

Ministro Joaquim Barbosa, Julgamento realizado em 19.8.2008, DJe de 18.12.2008).

Diante de todo o exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 247.239-MS (2012/0133661-5)

Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul

Advogado: Elias Cesar Kesrouani - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul

Paciente: Renato Aparecido Sanga Gomes (preso)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

638

EMENTA

Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial.

Descabimento. Modifi cação da orientação jurisprudencial do STJ,

em consonância com orientação adotada pelo pretório excelso. Tráfi co

ilícito de entorpecentes. Substituição da pena privativa de liberdade

por restritiva de direitos. Impossibilidade. Grande quantidade de

droga. Ordem não conhecida.

- O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou

a adotar orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR,

Ministro Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012, e HC n. 104.045-RJ,

Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre outros.

- Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal entendimento,

tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem perder de

vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do devido

processo legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado as

questões suscitadas na exordial a fi m de se verifi car a existência de

constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de

ofício. A propósito: HC n. 221.200-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe

de 19.9.2012.

- A jurisprudência é pacífica no sentido de que a grande

quantidade de droga é causa sufi ciente para afastar a substituição da

pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Na hipótese dos

autos, embora as circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao paciente e

a pena defi nitiva tenha sido estabelecida em 3 (três) anos e 4 (quatro)

meses de reclusão, é inviável a concessão da benesse legal diante da

expressiva quantidade de droga apreendida em seu poder (2.088g de

cocaína). Precedentes.

- Ordem não conhecida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 639

conhecer do pedido. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi, Marco Aurélio

Bellizze e Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) votaram

com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 20 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE),

Relatora

DJe 27.11.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE):

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Renato Aparecido Sanga Gomes,

contra v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso

do Sul.

Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado como incurso nas

sanções do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, a pena de 3 (três) anos e 9 (nove)

meses de reclusão, em regime fechado e ao pagamento de 364 (trezentos e

sessenta e quatro) dias-multa.

Irresignada, a defesa apelou. Em 23.4.2012, o e. Tribunal a quo deu parcial

provimento ao apelo para reduzir a reprimenda imposta ao paciente e modifi car

o regime inicial para o semiaberto.

Eis a ementa do v. julgado:

Ementa. Apelação criminal. Tráfico de entorpecentes. Recurso da defesa.

Pedido de diminuição da pena base. Cabível. Maioria das circunstâncias judiciais

favoraveis ao réu. Pedido de aumento do quantum de diminuição pela confi ssão

espontânea pedido de umento do patamar de diminuição pelo art. 33 § 4° da

Lei n. 11.343/2006. Incabível. De ofício fixado o regime semiaberto. Recurso

parcialmente provido.

Não há falar em aumento exagerado da pena base quando a maioria das

circunstancias judiciais são favoráveis ao réu.

Não há falar em aumento do quantum de diminuição pela confissão

espontânea, quando este foi muito bem sopesado pelo magistrado.

Da mesma forma não há falar em aumento do patamar de diminuição de pena

pela causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º da Lei n. 11 343/2006

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

640

quando este foi muito bem fundamentado pelo magistrado, principalmente

quando por erro material, fi cou a maior do que previsto.

Há de se conceder o regime prisional semiaberto quando fi car constatado que

o condenado preenche os requisitos do art. 33, § 2º, B do Código Penal. (fl . 100).

No presente mandamus, alega o impetrante que o paciente tem direito a

substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos

do disposto do art. 44, I e II, do CP. Afi rma que o paciente pratica o crime de

tráfi co de drogas de forma eventual, não registra antecedentes criminais e não

participa de organização criminosa. Assim, a decisão do Tribunal de origem

que negou a referida benesse “por entender não ser sufi ciente à prevenção e

repressão do crime” constitui manifesta ilegalidade.

Pedido de liminar indeferido (fl . 106).

Informações prestadas às fl s. 112-122.

A Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pela denegação da

ordem (fl s. 128-130).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE) (Relatora): De início, saliento que, recentemente, o Supremo Tribunal

Federal, pela sua Primeira Turma, visando combater o excessivo alargamento da

admissibilidade da ação constitucional do habeas corpus pelos Tribunais, passou

a adotar orientação no sentido de não mais admiti-lo quando substitutivo de

recurso ordinário. Confi ra-se:

Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do

disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,

proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão

da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do

substitutivo do habeas corpus. Processo-crime. Diligências. Inadequação. Uma

vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na

condução do processo, indeferi-las (HC n. 109.956-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe

de 11.9.2012).

Em seqüência, no julgamento do HC n. 104.045-RJ, na sessão do dia

28.8.2012, da relatoria da Exma. Ministra Rosa Weber, a aludida Turma

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 641

julgadora foi além entendendo não mais ser cabível habeas corpus “como

substitutivo de recurso no processo penal”. Por oportuno, transcrevo os seguintes

excertos do julgado, in verbis:

A preservação da racionalidade do sistema processual e recursal, bem como

a necessidade de atacar a sobrecarga dos Tribunais Recursais e Superiores, desta

forma reduzindo a morosidade processual e assegurando uma melhor prestação

jurisdicional e a razoável duração do processo, aconselham seja retomada a

função constitucional do habeas corpus, sem o seu emprego como substitutivo de

recurso no processo penal.

Sobre os feitos já ajuizados destacou, litteris:

Como a não admissão do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário

constitucional representa guinada da jurisprudência desta Corte, entendo que,

quanto os habeas corpus já impetrados, impõem-se o exame da questão de

fundo, uma vez que possível o concessão de habeas corpus de ofício diante de

fl agrante ilegalidade ou arbitrariedade.

A ementa do aresto restou assim sintetizada:

Ementa Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e

desvirtuamento. Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade

ou arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

642

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado (HC n. 104.045-RJ, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de

6.9.2012).

Este Superior Tribunal de Justiça, adotando a nova orientação da Suprema

Corte, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem perder de vista,

contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal e da

ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial

a fi m de se verifi car a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso,

deferir-se a ordem de ofício.

A propósito:

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento. Competência

das Cortes Superiores. Matéria de direito estrito. Modifi cação de entendimento

do STJ, em consonância com o STF. Violência doméstica contra a mulher.

Medida protetiva de urgência. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública.

Fundamentação idônea. Ausência de ilegalidade fl agrante que, eventualmente,

pudesse ensejar a concessão da ordem de ofício. Habeas corpus não conhecido.

1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta

para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas

corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR, Primeira

Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 7.8.2012, publicado no DJe de

11.9.2012; HC n. 104.045-RJ, Primeira Turma, Rel. Ministra Rosa Weber, julgado

em 28.8.2012, publicado no DJe de 6.9.2012; HC n. 108.181-RS, Primeira Turma,

Relator Min. Luiz Fux, julgado em 21.8.2012, publicado no DJe de 6.9.2012.

Decisões monocráticas dos ministros Luiz Fux e Dias Tóff oli, respectivamente,

nos autos do HC n. 114.550-AC (DJe de 27.8.2012) e HC n. 114.924-RJ (DJe de

27.8.2012).

2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro Marco

Aurélio, no sentido de que, “no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 643

substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente,

ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício.”

3. Hipótese em que o Paciente teve a prisão preventiva decretada a fi m de

assegurar a execução de medida protetiva de urgência, porque, “usuário de

drogas, já se envolveu em outras situações de violência doméstica contra a

mulher, estando, inclusive, respondendo por tentativa de homicídio de [sua

esposa], de onde se infere que a sua custódia é necessária para a garantia da

ordem pública e, sobretudo, da segurança da ofendida”.

4. Ausência de ilegalidade fl agrante que, eventualmente, ensejasse a concessão

da ordem de ofício.

5. Habeas corpus não conhecido (HC n. 221.200-DF, Quinta Turma, Rel. Min.

Laurita Vaz, DJe 19.9.2012).

Assim, deixo de conhecer o presente writ por se cuidar de substitutivo de

recurso especial.

Ademais, não vislumbro manifesta ilegalidade imposta ao paciente a ser

sanada de ofício.

Embora a personalidade e conduta social não terem sido valoradas

negativamente, a grande quantidade de droga apreendida em poder do paciente

impede a concessão da benesse, pois a conversão não se mostraria sufi ciente para

fi ns de reprovação e prevenção do delito, conforme se exige o inciso III do art.

44 do CP.

A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a grande

quantidade de droga, in casu, 2.088 g de cocaína, é causa sufi ciente para afastar

a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Nesse

sentido, os seguintes precedentes:

Agravo regimental em habeas corpus. 1. Tráfi co de entorpecentes. Substituição

da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Modifi cação do regime

prisional. Não cabimento. Razoável quantidade de droga apreendida (500 g de

pasta base de cocaína). 2. Recurso improvido.

1. O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC n. 97.256-RS,

admitiu a possibilidade de substituição, como também de regime de cumprimento

de pena mais brando que o fechado, observadas a proporcionalidade e a

razoabilidade na aplicação do princípio da individualização da pena, medida que

seria compatível com a benesse concedida.

2. No caso em apreço, consoante preceituam os arts. 33, §§ 2º e 3º, do Código

Penal, e 42 da Lei de Tóxicos, ainda que a pena tenha sido fi xada em 1 (um) ano, 11

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

644

(onze) meses e 9 (nove) dias de reclusão, a substituição da pena privativa de liberdade

pela restritiva de direitos e a fi xação do regime prisional mais brando não se mostram

adequadas, haja vista a natureza e a quantidade de droga apreendida em poder do

paciente (500g de pasta-base de cocaína). Precedentes do STJ.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 243.539-MT,

Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe de 15.10.2012).

Agravo regimental. Processual Penal e Penal. Lei de Drogas. Tese de absolvição

por insufi ciência de provas. Inviabilidade do exame na via do especial. Incidência

da Súmula n. 7-STJ. Causa de diminuição de pena. Art. 33, § 4º, da Lei n.

11.343/2006. Fixação do grau de diminuição. Juízo discricionário do julgador.

Limites. Circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, com preponderância

da natureza e quantidade de droga apreendida, personalidade e conduta social

do agente. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Descabimento. Não preenchimento dos requisitos legais. Quantidade e qualidade

da droga. Regime inicial fechado. Descabimento. Crime praticado após a edição

da Lei n. 11.464/2007. Declaração de inconstitucionalidade pela Suprema Corte.

Observância dos requisitos do art. 33 do Código Penal. Agravo regimental

parcialmente provido.

1. Não comporta conhecimento o recurso especial no que se refere à

pretensão de absolvição por insufi ciência de provas, na medida em que o exame

do inconformismo demandaria, obrigatoriamente, o revolvimento dos fatos e

provas dos autos para afastar os fundamentos do acórdão recorrido, o que é

descabido na presente via do especial, a teor do entendimento sufragado na

Súmula n. 7-STJ. Precedentes.

2. A defi nição do percentual da causa de redução da pena prevista no art.

33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, integra o juízo de discricionariedade do julgador,

que encontra suas balizas nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código

Penal e, com preponderância, na natureza e quantidade de droga apreendida,

personalidade e conduta social do agente. Precedentes.

3. É cabível o afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por

restritiva de direitos, a despeito de o Acusado ter sido condenado defi nitivamente

à pena inferior a 4 anos de reclusão, com alicerce no exame das circunstâncias

judiciais e na quantidade e qualidade das drogas apreendidas em seu poder, pois

esses parâmetros podem evidenciar que a substituição pretendida não se mostrará

sufi ciente para a prevenção e repressão do delito perpetrado, a teor do disposto no

art. 44, III, do Código Penal. Precedentes.

4. Após a prolação da decisão ora agravada ocorrida em 25.6.2012, o Plenário

do Supremo Tribunal Federal, no dia 27.6.2012, ao julgar o HC n. 111.840-ES, por

maioria, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei

n. 8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/2007, afastando,

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 645

dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por

crimes hediondos e equiparados.

5. Nesses termos, tendo sido mantido o regime prisional inicial fechado com

base apenas no art. 2º, § 1º, da Lei n. 11.464/2007, tem o Acusado direito ao

regime aberto de cumprimento da pena, já que condenado à pena de 02 (dois) e

06 (seis) meses de reclusão e consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais, a

teor do art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal.

6. Agravo regimental parcialmente provido para fi xar o regime prisional aberto,

nos termos do art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal. (AgRg no AREsp n. 162.280-

PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 26.9.2012).

Ante o exposto, não conheço do presente writ.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 252.247-AL (2012/0176818-7)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: Welton Roberto e outros

Advogado: Welton Roberto e outro(s)

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas

Paciente: Patricia Henrique Rocha

Paciente: Damião dos Santos

Paciente: Roberto Cavalcante da Silva

EMENTA

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de

entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.

Medida imprescindível à sua otimização. Efetiva proteção ao direito

de ir, vir e fi car. 2. Alteração jurisprudencial posterior à impetração

do presente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesa e o

devido processo legal. 3. Crime de quadrilha. Incompetência da 17ª Vara

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Criminal de Maceió. Inexistência de elementos aptos a caracterizar uma

organização criminosa. 4. Crime do art. 288 do Código Penal afastado pelo

Tribunal de Justiça. Manutenção da competência da vara especializada

com fundamento na Lei Estadual. ADI n. 4.414-STF. Constrangimento

ilegal caracterizado. 5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de

ofício.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando

a racionalidade do ordenamento jurídico e na funcionalidade do

sistema recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de

ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às

hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Louvando o entendimento de que o Direito é dinâmico, sendo

que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição

Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as

mudanças de relevo que se verifi cam na tábua de valores sociais, esta

Corte passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do

habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de

remédio constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.

Precedentes.

2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal

Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas

corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente

cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, considerando que

a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se após a impetração do

presente mandamus, devem ser analisadas as questões suscitadas

na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal

evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,

evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

3. A par de alguns elementos da defi nição de crime organizado

comunicarem-se com os do tipo descrito no art. 288 do Código

Penal, a imputação do crime de quadrilha não justifi ca, só por si,

a competência da 17ª Vara Criminal - criada exclusivamente para

processar e julgar delitos envolvendo o crime organizado.

4. No caso, a competência da vara especializada foi estabelecida

em razão da imputação aos pacientes da prática do crime de quadrilha,

cujos elementos foram afastados pelo Tribunal de Justiça, sustentando-

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 647

se a distribuição do processo, portanto, em evidente paralogismo, o

que caracteriza constrangimento ilegal apto a ensejar a concessão de

habeas corpus de ofício.

5. Além disso, o Tribunal de Justiça de Alagoas, ao manter a

competência da 17ª Vara Criminal de Maceió, apoiou tal decisão

no art. 9º da Lei n. 6.806/2007. No entanto, o Supremo Tribunal

Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.

4.414, que questionava a criação da citada vara criminal, declarou

inconstitucional “a expressão ‘crime organizado, desde que cometido

por mais de dois agentes, estabelecida a divisão de tarefas, ainda que

incipiente, com a perpetração caracterizada pela vinculação com os

poderes constituídos, ou por posição de mando de um agente sobre

os demais, praticados através do uso de violência física ou psíquica,

fraude, extorsão, com resultados que traduzem signifi cante impacto

junto à comunidade local ou regional, nacional ou internacional’,

constante do art. 9º”.

5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício,

para, reconhecendo a incompetência da 17ª Vara Criminal de Maceió,

anular, relativamente aos pacientes, a Ação Penal n. 001.09.500037-

9, a partir do recebimento da denúncia, com aproveitamento dos

atos não decisórios já praticados, determinando o envio imediato do

processo à Comarca de Pilar-AL.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder

habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz e

Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 6 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 12.12.2012

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado

em favor de Patrícia Henrique Rocha, Damião dos Santos e Roberto Cavalcante

da Silva, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de

Alagoas.

Depreende-se dos autos que os pacientes - e outros 8 (oito) corréus -

foram denunciados pela suposta prática das condutas descritas no art. 89, caput,

da Lei n. 8.666/1993, e nos arts. 312, 359-D e 288, caput, do Código Penal.

Conforme noticiado na denúncia, os fatos vieram a lume em razão de

investigação policial instaurada para apurar possíveis irregularidades praticadas

no âmbito do Poder Legislativo Municipal.

Delineou o Procurador de Justiça que, as conclusões extraídas dos

relatórios apresentados pela Diretoria de Fiscalização Municipal do Tribunal

de Contas do Estado de Alagoas apontaram indícios de práticas ilícitas na

Presidência da Câmara Municipal de Pilar, notadamente a utilização de verba

de custeio por parte dos respectivos vereadores, a aquisição de material de

serviço, gastos excessivos com combustíveis e locação de veículos para uso

particular, contratação desnecessária de serviços de terceiros e excessiva despesa

com material de construção e limpeza, tudo sem a realização de procedimento

licitatório.

Infere-se da inicial que os relatórios mencionados acima descreveram,

ainda, que os representantes da Presidência da Casa Legislativa, nos exercícios

correspondentes aos anos de 2005, 2006 e 2007, realizaram diversas despesas

com materiais de construção, expediente, limpeza, consumo, contratação de

serviços gráfi cos, contribuições para eventos comemorativos, sem a necessária

realização de procedimento licitatório.

A inicial acusatória foi recebida aos 2 de julho de 2009, oportunidade

em que foi ordenada a citação dos acusados para que apresentassem defesa

preliminar, bem assim decretada a prisão preventiva dos pacientes e demais

denunciados.

Encerrada a instrução criminal, a paciente Patrícia Henrique Rocha foi

condenada, pela prática dos crimes descritos nos arts. 288, caput, 359 e 312 do

Código Penal e no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, à pena de 8 (oito) anos

de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 649

Damião dos Santos e Roberto Cavalcante da Silva foram condenados,

como incurso nas sanções do art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, e dos arts. 312

e 288, caput, do Código Penal, às penas de 7 (sete) anos de reclusão, no regime

inicial semiaberto.

Contra essa decisão, insurgiu-se a defesa.

Na oportunidade, sustentou-se a incompetência da 17ª Vara Criminal

da Capital, violação do princípio do promotor natural, inépcia da denúncia,

ausência dos elementos necessários à confi guração do crime de quadrilha, bem

como ilegalidade na fi xação da pena-base, em razão de ter sido esta cominada de

maneira genérica, em manifesta ofensa ao princípio da individualização da pena.

A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, deu

parcial provimento ao recurso para excluir a imputação relativa ao crime de

quadrilha para todos os recorrentes, absolver Damião dos Santos e Roberto

Cavalcante da Silva do delito descrito no art. 89 da Lei n. 8.666/1993,

redimensionar a pena de Patrícia Henrique Rocha para 6 (seis) anos de reclusão,

a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, e fi xar as reprimendas de

Damião dos Santos e de Roberto Cavalcante em 2 (dois) anos de reclusão, em

regime aberto.

Vieram os impetrantes, então, ter ao Superior Tribunal de Justiça com

estas alegações e com estes pedidos:

Basicamente o imbróglio gira em torno da competência de natureza absoluta

desde o início apontada pela defesa dos pacientes, porém ignorada por ambas as

instâncias. Ocorre que a nulidade do processamento e julgamento por autoridade

absolutamente incompetente, fi cou ainda mais gritante diante da última decisão

da autoridade coatora, que defi niu que a competência para processar réu da

mesma lide (porém em autos apartados) era justamente daquele juízo que a

defesa dos pacientes reclamava ab initio.

Assim, por se tratar de matéria de competência absoluta que afronta o

princípio constitucional do Juiz Natural com conteúdo extraído de fonte dúplice,

a saber, art. 5º XXXVII (não haverá juízo ou Tribunal de Exceção) e art. 5º LIII

(ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente)

é que o writ merece ser conhecido e julgado procedente pela fl agrante nulidade

absoluta ora constatada como teratologia jurídica.

Como já mencionado alhures os pacientes, que são Vereadores da Comarca de

Pilar-AL, foram denunciados por terem cometido os crimes de peculato, dispensa

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de licitação e formação de quadrilha ou bando perante a 17ª Vara Criminal da

Comarca de Maceió-AL.

O fundamento legal para fi xar a competência em outro Juízo (17ª vara Criminal

da Capital) seria a Lei Estadual n. 6.806/2007 (em anexo) que, contrariando o

Código de Processo Penal, estabeleceu que os crimes cometidos por quadrilha

ou bando e os crimes cometidos por organização criminosa, independente do

lugar da infração seriam processados e julgados pela 17ª Vara Criminal da Capital

alagoana.

Ocorre que, quando do julgamento da Apelação, a Egrégia Câmara Criminal do

TJ-AL absolveu, por unanimidade de votos, os pacientes pelo crime de formação

de quadrilha ou bando, pois entenderam ou doutos Julgadores que, “não há nada

que indique a convergência de intenções voltadas a constituírem uma associação

sólida, consistente, consolidada, que tivesse, por fi m, a programação de práticas

criminosas”.

Ora, tal reconhecimento resultaria na necessidade de declarar a incompetência

do Juízo a quo, anular os atos decisórios e remeter o processo para o Juízo

competente, pois em se tratando de juiz incompetente, não pode haver

aproveitamento dos atos não-decisórios e decisórios, uma vez que o artigo 5º,

inciso LIII, da Constituição Federal de 1988 estabelece como garantia fundamental

que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade

competente”.

Pois bem, para surpresa dos pacientes, a decisão da Câmara Criminal foi no

sentido de manter a competência, desta feita por entender, que apesar de não

ser um bando ou uma quadrilha, tratava-se de uma organização criminosa, fato

sequer dito pelo Órgão acusador (vide, por exemplo, a denúncia que em nenhum

momento menciona a existência de ORCRIM).

[...]

Ora, como bem disse o venerando acórdão - que absolveu os pacientes do

crime de formação de quadrilha - não há crime de quadrilha ou bando, já que

nunca houve estabilidade, nem convergência de intenções ou de vontades,

conluio fraudulento, programação específi ca para realização dos supostos crimes.

E se não há nenhum dos elementos acima citados, como dizer que se trata de

organização criminosa? Para ser uma organização criminosa, para além dos

citados elementos inexistentes, seriam necessários a presença de outros, tais

como, padrão hierárquico, recursos tecnológicos sofi sticados, divisão de tarefas

etc.

Portanto, como o suposto grupo, não se trata de quadrilha ou bando (fato

reconhecido pelo Tribunal de Justiça de Alagoas) e muito menos de uma

organização criminosa, de se reconhecer a incompetência absoluta do Juízo

processante, a saber, a 17ª Vara Criminal da Capital alagoana, anulando os atos

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 651

decisórios e encaminhando os autos à Vara competente, qual seja, a Vara Criminal

da Comarca de Pilar, em Alagoas.

[...]

Seguindo, o Ministério Público Estadual, por meio de sua Procuradoria Geral,

denunciou o Sr. Oziel de Alves Barros perante o Tribunal de Justiça em processo

tombado no 2º grau sob o n. 2009.004184-5. Contudo, recentemente, o Sr. Oziel

Barros renunciou ao cargo de prefeito e consequentemente perdeu o foro por

prerrogativa.

Assim, conforme reza o princípio da atualidade do exercício da função, o

Ministério Público Estadual de 2º grau, em 9 de maio do corrente, requereu a

baixa dos autos ao Juízo de primeira instância, o que foi deferido pelo Tribunal

de Justiça de Alagoas. E eis que é dado o xeque-mate sobre a incompetência da

17ª Vara Criminal da Capital: é que o processo fora baixado para a Comarca de

Pilar, comarca do local do fato, juízo competente, juiz natural (...) mas a 17ª havia

reconhecido a quadrilha ou bando, o TJ é q não a conheceu e baixou para a outra

vara Ora, o Tribunal fi nalmente reconheceu que o juízo competente para julgar o

caso é o de Pilar-AL, conforme a defesa dos pacientes vinha guerreando. A decisão

que ordena a baixa dos autos ao juízo de Pilar, que aliás, lá já estão, é o fulcro para

se demonstrar que as garantias constitucionais dos pacientes foram aviltadas e

precisam urgentemente ser restabelecidas por esta Corte Superior por medida da

mais augusta justiça!

Logo, por se tratar do mesmo caso, como já demonstrado acima e como

pode ser constado pela leitura de ambas as denúncias (anexas) as quais têm

praticamente o mesmo conteúdo, como pode a Autoridade Coatora dizer que

o processamento do corréu Oziel Barros deve ser realizado pelo juízo de Pilar

e que os pacientes foram corretamente processados, julgados e condenados

pelo juízo da 17ª Vara Criminal da Capital? Como dito no cabimento, trata-se de

teratologia jurídica! Inicialmente, registre-se que é inviável o exame de afronta a

dispositivos constitucionais em sede de recurso especial, instrumento processual

que se destina a garantir a autoridade e aplicação uniforme da legislação federal.

Assim, por mais essa razão, de se reconhecer a incompetência absoluta do Juízo

processante, a saber, a 17ª Vara Criminal da Capital alagoana, anulando todos os

atos decisórios e encaminhando os autos à vara competente, qual seja, a Vara

Criminal da Comarca de Pilar, em Alagoas.

Não houve pedido liminar.

Prestadas as informações (fls. 175-185), foram os autos com vista ao

Ministério Público Federal, que se manifestou pela denegação da ordem (fl s.

313-323).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): A liberdade de locomoção

do indivíduo, independentemente dos transtornos dos procedimentos, da

gravidade dos fatos criminosos, há muito ocupa lugar de destaque na escala

de valores tutelados pelo Direito, razão pela qual sempre mereceu especial

tratamento nos ordenamentos jurídicos das sociedades civilizadas.

Lembremo-nos que a República Federativa brasileira assenta-se na

dignidade da pessoa humana, e não há dignidade sem que haja proteção aos

direitos fundamentais, tampouco há dignidade sem que o ordenamento jurídico

estabeleça garantias que possibilitem aos indivíduos fazer valer, frente ao Estado,

esses direitos.

Entre nós, com os parâmetros que lhe dá a Constituição Federal e o

Código de Processo Penal, é reconhecida a garantia constitucional do habeas

corpus, criado com o objetivo de evitar ou fazer cessar violência ou coação à

liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.

O remédio constitucional do habeas corpus nasceu historicamente como

uma necessidade de contenção do poder e do arbítrio do Estado. A Carta

Magna de 1988 manteve a garantia constitucional, prevista, sabemos todos,

desde a Constituição Republicana, destacando no inciso LXVIII do art. 5º que

“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado

de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade

ou abuso de poder”. O Código de Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe

no art. 647, que “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na

iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo

nos casos de punição disciplinar”.

Enquanto não encontre eu, nos dispositivos mencionados acima,

argumentos para elastecer o cabimento do remédio constitucional a questões

que não envolvem diretamente o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

talvez como refl exo da redemocratização do país depois de mais de vinte anos

de ditadura militar, na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos

poucos, o cabimento do habeas corpus a fi m de salvaguardar direitos que apenas

indiretamente poderiam refl etir na liberdade de locomoção.

No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito

fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 653

por Juno; passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na

Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas

corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta

e imediata ao direito de ir, fi car e vir, inviabilizando, consequentemente, a

proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefi nida do processo

compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, “na

medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos

estatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª

Edição. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 100.)

Desse modo, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior

Tribunal de Justiça a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento

do remédio constitucional, destacando-se que o habeas corpus é antídoto de

prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente,

incontroverso, indisfarçável e que, portanto, se mostra de plano comprovável

e perceptível ao julgador. Logo, não se destina à correção de equívocos ou

situações as quais, ainda que eventualmente existentes, demandam para sua

identifi cação e correção o exame de matéria de fato ou da prova que sustentou o

ato ou a decisão impugnada.

Mais que isso, observou a jurisprudência desta Corte ser o habeas corpus

remédio constitucional voltado ao combate de constrangimento ilegal específi co,

de ato ou decisão que afete, potencial ou efetivamente, direito líquido e certo do

cidadão, com refl exo direto em sua liberdade. Logo, não se presta à correção

de decisão sujeita a recurso próprio, previsto no sistema processual penal, não

sendo, pois, substituto de recursos ordinários, especial ou extraordinário.

Nesse contexto, peço, respeitosamente, licença à Ministra Maria Th ereza

de Assis Moura (AgRg no HC n. 239.957-TO, DJe de 11.6.2012) e ao

Ministro Gilson Dipp (HC n. 201.483-SP, DJe de 27.10.2011) para valer-me

das seguintes passagens de seus votos: (I) “O habeas corpus não é panacéia e não

pode ser utilizado como um ‘super’ recurso, que não tem prazo nem requisitos

específi cos, devendo se conformar ao propósito para o qual foi historicamente

instituído, é dizer, o de impedir ameaça ou violação ao direito de ir e vir”;

(II) “É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de

se prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função

constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou

ameaça à liberdade de locomoção, inexistente na espécie”; (III) “Conquanto o

uso do habeas corpus em substituição aos recursos cabíveis - ou incidentalmente

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como salvaguarda de possíveis liberdades em perigo - crescentemente fora de

sua inspiração originária tenha sido muito alargado pelos Tribunais, há certos

limites a serem respeitados, em homenagem à própria Constituição, devendo

a impetração ser compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal

preexistente e coexistente para que não se perca a razão lógica e sistemática dos

recursos ordinários, e mesmo dos excepcionais, por uma irrefl etida banalização

do habeas-corpus”.

O Supremo Tribunal Federal, atento a essa evolução hermenêutica, passou

a adotar, recentemente, decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus

que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário constitucional. A mudança

jurisprudencial consolidou-se no julgamento do Habeas Corpus n. 109.956-PR,

Relator o Ministro Marco Aurélio, impetrado contra decisão que indeferiu

diligências requeridas pela defesa. Na oportunidade, destacou o Ministro

Relator:

O habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, além de não estar abrangido

pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não

existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o

desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea a, e 105, inciso II, alínea a,

tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo,

para o Supremo, contra decisão proferida por Tribunal Superior indeferindo

ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de Tribunal Regional

Federal e de Tribunal de Justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-

se novo habeas, embora para julgamento por Tribunal diverso, impugnando

pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de

outras situações em que requerida, a jurisdição. Cumpre implementar – visando

restabelecer a efi cácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não

o habeas substitutivo, mas o recurso ordinário – a correção de rumos. Consigno

que, no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso

constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-

se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício. (STF, Primeira Turma, HC n. 109.956-

PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, j. em 7.8.2012).

Aos 21 de agosto de 2012, a Ministra Rosa Weber, no julgamento do

Habeas Corpus n. 104.045-RJ, destacou que o meio recursal ordinariamente

previsto para a análise de eventual ofensa à legislação federal relativa à dosimetria

da pena é a apelação e, a depender do caso concreto, o recurso especial ou

extraordinário:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 655

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado. (STF, Primeira Turma, HC n. 104.045-RJ, Relatora a

Ministra Rosa Weber, j. em 21.8.2012.)

Essa orientação foi aplicada, aos 22 de agosto de 2012, pelo Ministro Luiz

Fux, que negou seguimento ao Habeas Corpus n. 114.550-AC, tendo em vista

a incompetência do Supremo Tribunal Federal para examinar habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário constitucional.

Recebeu a decisão os seguintes fundamentos:

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656

A prevalência do entendimento de que o Supremo Tribunal Federal deve

conhecer de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional

contrasta com os meios de contenção de feitos, remota e recentemente

implementados: Súmula Vinculante e Repercussão Geral, com o objetivo viabilizar

o exercício pleno, pelo Supremo Tribunal Federal, da nobre função de guardião

da Constituição da República. E nem se argumente com o que se convencionou

chamar de jurisprudência defensiva. Não é disso que se trata, mas de necessária,

imperiosa e urgente reviravolta de entendimento em prol da organicidade do

direito, especifi camente no que tange às competências originária e recursal do

Supremo Tribunal Federal para processar e julgar habeas corpus e o respectivo

recurso ordinário, valendo acrescer que essa ação nobre não pode e nem deve

ser banalizada a pretexto, em muitos casos, de pseudonulidades processuais com

refl exos no direito de ir e vir. (STF, Primeira Turma, HC n. 114.550-AC, Relator o

Ministro Luiz Fux, j. em 22.8.2012.)

Mesmo vencido no leading case, o Ministro Dias Toff oli rendeu-se ao

entendimento fi rmado pela Primeira Turma da Corte Constitucional e, com

fundamento na nova orientação, recusou trânsito a habeas corpus impetrado em

substituição ao recurso ordinariamente previsto no art. 102, inciso II, alínea a, da

Constituição Federal (Primeira Turma, HC n. 114.924-RJ, Relator o Ministro

Dias Toff oli, j. em 29.8.2012).

Entendo que boa razão aqui têm os Ministros do Supremo Tribunal

Federal quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses

previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias

recursais ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de

dedução de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem

sido esquecidas, sobrecarregando os Tribunais, desvirtuando a racionalidade do

ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a

mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo

a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal

de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal

brasileira.

Em suma, louvando-me no entendimento de que o Direito é dinâmico,

sendo que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição Federal

há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as mudanças de relevo que se

verifi cam na tábua de valores sociais, tenho ser necessário amoldar a abrangência

do habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de remédio

constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 657

Contudo, em homenagem à garantia constitucional constante do art. 5º,

inciso LXVIII, e considerando que a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se

após a impetração do presente mandamus, passo à análise das questões suscitadas

na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal evidente, a

ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se, assim,

prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

Depreende-se do relatório que o cerne da questão reside na alegação de

incompetência da 17ª Vara Criminal de Maceió para o processo e julgamento da

Ação Penal n. 001.09.500037-9.

Numa e noutra passagem da irresignação, há alegações deste porte:

(I) a decisão do Tribunal de Justiça, que entendeu estarem presentes os

elementos necessários a caracterizar uma organização criminosa, “logo após

negar a presença dos indícios necessários para a quadrilha ou bando, encontra-se

um tanto quanto contraditória e equivocada, visto que os elementos necessários

para se configurar tal organização, muitos deles, são comuns ao crime de

quadrilha” (fl . 4);

(II) ainda que assim não fosse, no julgamento da ADI n. 4.414, o

Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da expressão “crime

organizado”, presente no art. 9º da Lei n. 6.806/2007, entendimento apto

a demonstrar que a 17ª Vara Criminal da Capital “nunca teve competência

legítima e constitucionalmente adequada” para a ação penal (fl . 6).

E foram tais alegações ter ao Tribunal de Justiça de Alagoas, e lá o Relator

sorteado - Desembargador Otávio Leão Praxedes - assim decidiu (fl s. 25-119):

Nos Recursos, os Apelantes sustentaram a inconstitucionalidade da Lei

que instituiu a 17ª Vara Criminal da Capital - Lei Estadual n. 6.806/2007. Para

tanto, articularam que somente uma lei nacional poderia legislar sobre matéria

processual penal. Desse modo, a referida Lei Estadual feriu a competência

estabelecida pelo critério ratione loci, eis que não poderia o Ente Federativo lançar

mão de leis próprias quando o âmbito legislativo refere-se ao processo penal,

matéria de competência privativa da União.

De outra banda, levantaram que não foi aprovada até hoje qualquer lei

complementar que delegasse aos Estados-Membros legislar sobre a matéria

processual penal em referência. Acrescentaram que, ao dispor sobre matéria

processual penal, o Estado de Alagoas quebrou o pacto federativo, infringindo a

norma constitucional estabelecida no art. 22, I, da CF/1988. Para além, assentiu

que, ao legislar sobre a dita competência, criando uma vara com possibilidade

de processar e julgar infrações penais ocorridas em outros foros (comarcas)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

658

infringiu o que foi estabelecido pela Lei Federal (art. 70 do CPP). Portanto,

segundo a Defesa, há de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei Estadual

que criou a 17ª Vara Criminal e, por conseguinte, a incompetência daquele Juízo

para processar e julgar os crimes em análise. Por conseqüência, pugnaram pela

remessa dos autos ao Juízo competente.

Em exame ao ponto impugnado, esclareça-se que a matéria já foi objeto de

apreciação em diversas Sessões do Pleno deste Tribunal de Justiça, quando os

seus integrantes reconheceram a constitucionalidade do Diploma Legal que

criou o aludido Juízo. Enfi m, o Órgão colegiado de maior relevância desta Casa

já assentou a posição no sentido da adequação formal e material da 17ª Vara

Criminal da Capital ao ordenamento jurídico.

Colaciono, a título ilustrativo, os seguintes julgados, que, de maneira expressa,

demonstram esse entendimento:

[...]

Como se depreende da sentença, todos os apelantes - então Presidentes,

Vereadores e Diretores Financeiros - foram condenados pelo delito de quadrilha.

Todavia, em seus Recursos, asseveraram os Réus que a denúncia descreveu de

forma genérica a imputação do delito de quadrilha ou bando, argumentação essa

não considerada na elaboração da sentença, em que pese articulada em meio às

alegações fi nais.

Em seguida, dissertaram a respeito do conteúdo normativo do delito em

estudo, concluindo que não se demonstrou a estabilidade do suposto grupo, não

havendo que se falar, portanto, no delito de quadrilha.

Mais à frente, argüiram que não se mostrou evidente que as condutas

empreendidas foram perpetradas em conjunto, em comunhão de desígnios,

de modo que não foi comprovado o vínculo associativo entre os Apelantes, até

porque cada conduta teria sido praticada em uma determinada época.

No mais, impugnaram a avaliação dos requisitos do ilícito em exame,

demonstrando-se, as supostas condutas, muito mais relacionadas ao concurso

de pessoas, em face da inexistência, como dito, do caráter de estabilidade da

quadrilha ou bando.

De início, avalio que, para o exame da pertinência das considerações

levantadas pelos Recorrentes, é relevante a colação do dispositivo que tipifi ca as

elementares do ilícito penal em estudo, de modo que possam elas ser analisadas,

com a devida profundidade, inclusive no que tange à sua identificação, por

meio da tarefa da subsunção às hipóteses fáticas narradas na peça acusatória e

visualizadas nos autos. Para tanto, confi ra-se o citado texto normativo:

[...]

Extrai-se do dispositivo invocado que, por quadrilha ou bando, entende-se

a associação de mais de 03 (três) pessoas, com o objetivo de praticar crimes,

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 659

desde que presentes os fatores da estabilidade e da durabilidade. Difere-se do

concurso de agentes, por ser uma associação estável, que tem como pretensão o

cometimento de vários delitos.

Noutro âmbito, anote-se que o tipo subjetivo desse crime consiste no dolo

voltado à vontade consciente de se associar em quadrilha ou bando. Assim, com

amparo no dispositivo mencionado, podem ser elencados os elementos do tipo

penal em tela, quais sejam:

1) Associação ou reunião de mais de três pessoas;

2) Propósito de cometimento de vários delitos, não sendo necessária efetiva

consumação;

3) Vínculo permanente e estável, não sendo aceitável um agrupamento

meramente acidental;

Enunciados tais pressupostos, passemos ao exame do tipo penal no caso

concreto.

Em relação ao primeiro dos requisitos, não há o que se discutir, tendo em vista

a denúncia ter sido apresentada em face de 10 (dez) supostos agentes, todos

teoricamente envolvidos nos delitos atribuídos, na medida de suas respectivas

responsabilidades.

Em segundo plano, havia, entre os Réus, no mínimo, um propósito

individualmente considerado no sentido do cometimento de delitos, tanto é que,

de fato, alguns foram reconhecidos por meio da sentença condenatória e aqui

mantidos.

Já quanto ao denominado vínculo associativo permanente e estável, verifi co

que, neste momento, é imprescindível um estudo mais criterioso de suas

proporções.

Isso porque, a meu sentir, por vínculo estável e permanente, consubstancia-se

aquela associação instituída com caráter não acidental, estrito, forte e totalmente

palpável diante das características fáticas de afi nidade e de substancial liame

subjetivo.

Todavia, na hipótese vertente, não identifi co qualquer elemento ou mesmo

indicativos que me transmitam a verdadeira existência do dolo direcionado

ao propósito dos Agentes de formalizarem um grupo estável e permanente

enquanto fi m em si mesmo.

Em outras palavras, não há nada que indique a convergência de intenções

voltadas a constituírem uma associação sólida, consistente, consolidada, que

tivesse, por fi m, a programação de práticas criminosas.

Na mesma perspectiva, insta esclarecer que, para a confi guração do delito

de quadrilha, é necessário que exista um vínculo associativo relativamente forte

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

660

entre os agentes, que se unem com o intuito de formar um grupo voltado à

prática de delitos em geral (ainda que atentem contra o mesmo bem jurídico).

No caso em espécie, há de se mencionar que a estabilidade requerida pelo tipo

penal do crime quadrilha ou bando não restou tão delimitada e consubstanciada,

a ponto de se observar a existência desse grupo fi rme, assente e consolidado.

Em conclusão, não restou caracterizado esse conluio independente, a ponto de

ser ele próprio tipifi cado criminalmente. Na verdade, o que se percebe é que a relação

existente entre os Denunciados é meramente objetiva, de caráter fático, já que todos

eles eram Vereadores ou funcionários da mesma Instituição Pública. Sendo assim,

todos eles, de algum modo, seja por meio de ação ou omissão, foram elementos

importantes para a produção dos resultados dos crimes, compondo, assim, um grupo

organizado, que produziu uma seqüência de atos ilícitos, sem que, contudo, existisse

um conluio fraudulento e uma programação específica para a formalização da

quadrilha, dotada de estreito liame subjetivo.

Por isso, entendo que, in casu, apesar de não caracterizado o crime de

quadrilha, estão presentes elementos que compõem o conceito de crime

organizado, como passo a explicar.

De acordo com a Lei Estadual n. 6.806/2007, que instituiu a 17ª Vara Criminal

da Capital, considera-se crime organizado, desde que cometido por mais de

dois agentes, estabelecida a divisão de tarefas, ainda que incipiente, com

perpetração caracterizada pela vinculação com os Poderes constituídos, ou por

posição de mando de um agente sobre os demais (hierarquia), praticados através

do uso da violência física ou psíquica, fraude, extorsão, com resultados que

traduzem signifi cante impacto junto à comunidade local ou regional, nacional ou

internacional (art. 9º).

Como dito acima, na espécie, verifi cou-se a formação de um agrupamento

de mais de dois agentes, vinculados a um Poder Constituído, ou seja, o

Legislativo Municipal, onde cada um, desde o Presidente ao Diretor Financeiro,

desempenhava sua função dentro das atribuições que lhe eram pertinentes,

possibilitando e facilitando, com fraude à legislação, o desvio de dinheiro público,

o que gerou substancial prejuízo à comunidade de Pilar, Município de pequeno

porte, onde o ingresso de verba pública é por demais escasso.

Assim entendo porque, a meu ver, a tênue relação que existia entre eles,

configuradora da organização criminosa, estava voltada apenas a anuir e

possibilitar a realização dos crimes. Isso não quer dizer, entretanto, que teria

havido prévio, expresso e sólido ajuste para se mancomunar e formar uma

sociedade estável, elemento indispensável à caracterização do delito de

quadrilha.

Em contrapartida, esclareço que, pelo que avalio, o crime de quadrilha

ou bando, como uma das razões para sua criminalização enquanto delito

independente, e essa é justamente uma das cruciais diferenças para com a

organização criminosa, visa, como fi nalidade imediata, à sua própria constituição

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 661

em si, estando o intuito do cometimento de crimes em um segundo plano, o

tipo penal da quadrilha importa na criminalização da própria formação do grupo

com essas fi nalidades ilícitas; o que não ocorre no caso da organização criminosa,

que se exaure com a mera intermediação dos ilícitos por meio de uma forma

estruturada e concatenada.

Quero dizer, com isso, que o cerne do crime de formação de quadrilha ou

bando é a existência da estabilidade criada entre mais de três indivíduos que se

ligam subjetivamente com a fi nalidade de praticar crimes, sendo que o fato de

os delitos ocorrerem efetivamente representa mero exaurimento; enquanto que,

no caso da organização criminosa, a punição parle de um crime qualquer em si,

que, caso cometido por uma associação estruturada, é julgado por meio de um

procedimento diferenciado, previsto em legislação especial, que tem por objetivo

dar efetividade aos trâmites investigativos e judiciais em casos de complexidade e

repercussão, em meio à sociedade e à próprias Instituições Públicas.

Portanto, não é que a organização criminosa esteja de todo afastada desse

conceito de relação entre agentes com a fi nalidade da prática de crimes, não

c isso. Por outro lado, o que se sobressai é que seu caráter principal traduz-se

na utilização de um aparato mais qualifi cado, de uma verdadeira estrutura, e

não necessariamente de pessoas reunidas em um grupo com relações íntimas,

uníssonas e anteriormente ajustadas.

Por toda a exposição levantada acima, afasto a configuração do crime de

quadrilha, ante a ausência de comprovação do liame subjetivo entre os Agentes

e da estabilidade do mesmo grupo, ao tempo em que rejeito a preliminar de

incompetência da 17ª Vara Criminal da Capital, reconhecendo-a como o órgão

devidamente competente para a apreciação do caso em análise.

Como vimos do relatório, neste feito - ao menos à luz dos dados que

instruem a impetração - ao tempo em que oferecida a denúncia, o objeto da

investigação compreendia o crime de quadrilha, o que foi sufi ciente para fi rmar

a competência da 17ª Vara Criminal. Durante o julgamento do recurso de

apelação, entendeu o Tribunal de Justiça inexistirem indícios em relação aos

elementos necessários à confi guração daquele crime, situação que, regra geral,

não afetaria a validade das decisões precedentes. No entanto, o caso guarda

peculiaridades que merecem maiores considerações.

Sabemos todos que, a despeito de serem submetidas ao Poder Judiciário,

cada vez mais frequentemente, questões que envolvem as denominadas

organizações criminosas, o legislador não ofereceu descrição típica do fenômeno.

No Código Penal não há descrição do delito de associação criminosa

organizada. Nele encontramos apenas o art. 288, norma incriminadora que não

corresponde ao conceito doutrinário de crime organizado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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A criminalidade organizada pode ser entendida como a delinquência

em bloco conexo e compacto, incluída no contexto social de modo pouco

transparente ou sob rotulagem econômica ilícita. Logo, parece-me que para

a existência de uma organização criminosa, não basta a reunião de quatro ou

mais pessoas para a prática de crimes. É indispensável a combinação de agentes,

capitais e tecnologia para a consecução de determinados fi ns. Não se trata de

crime episódico, cometido por agentes isolados - ou eventualmente ligados -,

porém de verdadeiras sociedades delinquenciais, tendo por base essencialmente

a divisão de trabalhos entre os seus integrantes.

A par de não demandar muito esforço distinguir doutrinariamente uma

simples quadrilha de uma organização criminosa, o problema conceitual em

torno da segunda fi gura persistiu mesmo após a edição da Lei n. 9.034/1995,

alterada pela Lei n. 10.217/2001, de natureza puramente processual penal,

pois o legislador não ofereceu, na oportunidade, conceito ao instituto e ainda

incorreu em equívoco ao atribuir a este e ao crime de quadrilha tratamento

absolutamente semelhante no que diz respeito aos meios de prova e

procedimentos de investigação.

Em razão disso, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior

Tribunal de Justiça, a tendência de se adotar o conceito de crime organizado

estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado -

Convenção de Palermo -, cujos elementos compreendem um grupo “estruturado

de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente

com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na

presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um

benefício econômico ou outro benefício material”.

A propósito, confi ra-se o seguinte precedente:

Habeas corpus. Tráfico de drogas e associação para o comércio ilícito

de entorpecentes. Dosimetria. Pena-base. Fixação acima do mínimo legal.

Culpabilidade. Policial militar. Maior reprovabilidade da conduta. Natureza e

quantidade de drogas. Art. 42 da Lei n. 11.343/2006. Exasperação da reprimenda.

Fundamentação concreta e idônea. Ausência de constrangimento ilegal.

[...]

Associação para o narcotráfi co. Causa especial de diminuição prevista no § 4º

do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Pretendida aplicação. Requisitos subjetivos. Não

preenchimento. Integração em organização criminosa. Conceito. Convenção de

Palermo. Indeferimento da minorante justifi cado. Coação não demonstrada.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 663

1. Revela-se inviável a aplicação da causa especial de diminuição prevista no §

4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, porquanto o conjunto de provas colacionado,

derivado de meses de investigação policial, levaram a conclusão que o paciente

seria integrante de organização voltada à prática de tráfi co de drogas.

2. A definição de organização criminosa é aquela estabelecida na Convenção

das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo),

aprovada pelo Decreto Legislativo n. 231/2003 e promulgada pelo Decreto n.

5.015/2004, que dita que grupo criminoso organizado é aquele “estruturado de

três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com

o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente

Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício

econômico ou outro benefício material”.

Execução. Regime. Concurso material. Fixação com base nos somatório das

penas. Reprimenda superior a oito anos de reclusão. Modo fechado justificado.

Constrangimento não evidenciado.

[...]

2. Ordem denegada.

(HC n. 163.422-MG, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 15.2.2012.)

Sem dúvida que alguns elementos da definição de crime organizado

comunicam-se com os do tipo descrito no art. 288 do Código Penal. No entanto,

a indagação que me veio neste caso é se a imputação do crime de quadrilha aos

pacientes justifi caria, só por si, a competência da 17ª Vara Criminal - exclusiva

para processar e julgar delitos envolvendo o crime organizado. Segundo o que

pude constatar, os elementos que legitimaram a distribuição da ação penal

à Comarca de Maceió não se confundem com aqueles aptos a caracterizar a

criminalidade organizada, na qual, repita-se, se verifi ca a especialização de

funções, a participação de agentes públicos ou de pessoas com grande infl uência

sob a comunidade local. Aliás, o Tribunal de Justiça também isso reconhece, ao

afi rmar “que a relação existente entre dos denunciados é meramente objetiva,

de caráter fático, já que todos eles eram vereadores ou funcionários na mesma

instituição” (fl . 84).

Ora, é preciso ter presente, neste ponto - considerada a importância do

princípio da naturalidade do juízo, que representa uma das matrizes político-

ideológicas que conformam a atividade legislativa do Estado e que condiciona

o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter penal,

notadamente quando exercidas em sede judicial - que se impõe, para se

excepcionar o critério de determinação de competência descrito no art. 70 do

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

664

Código de Processo Penal, a demonstração dos contornos especiais inerentes

às equipes organizadas, verdadeiras empresas do crime, que tornam mais difícil

a investigação e justifi cam a fl exibilização de alguns institutos processuais. Isso

aqui não ocorreu.

Vimos linhas acima que a competência da 17ª Vara Criminal foi

estabelecida em razão da imputação aos pacientes da prática do crime de

quadrilha, cujos elementos foram afastados pelo Tribunal de Justiça de Alagoas.

Na oportunidade, ponderou o relator “que a estabilidade requerida pelo tipo

penal não restou tão delimitada e consubstanciada a ponto de se observar a

existência desse grupo fi rme, assente e consolidado” (fl . 83).

Tal o contexto, antecipo a procedência da alegação de violação do

princípio constitucional do juiz natural, tendo em vista que, a meu ver, os

fatos e conclusões apontados na inicial, no máximo meros indícios, com a

narrativa genérica, imprecisa e vaga que lhes deu a denúncia, desacompanhada

de elementos mínimos aptos a atraírem a incidência do mencionado tipo

penal, o que foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça quando do julgamento

do recurso de apelação, afi rmando a Corte Estadual, categoricamente, não

ter fi cado “caracterizado conluio independente a ponto de ser ele tipifi cado

criminalmente” (fl . 83), não podem ser considerados sufi cientes para que se

conclua, sem mais, pela competência descrita na Lei n. 6.806/2007.

Observem que, quando o Magistrado da 17ª Vara Criminal da Comarca

de Maceió proferiu sua primeira manifestação, não havia nenhum indício de

participação dos pacientes no crime de quadrilha e muito menos elementos que

apontassem a existência de uma organização criminosa. Dessa forma, entendo

que a distribuição do processo à vara especializada sustentou-se em evidente

paralogismo, pois, como vimos das transcrições acima, além de o tipo do art.

288 do Código Penal não se confundir com o fenômeno do crime organizado,

concluiu a Corte Estadual que a denúncia não foi capaz de descrever, de

modo a permitir aos pacientes o desembaraçado e mínimo exercício da ampla

defesa, uma aliança associativa permanente para a perpetração de uma série

indeterminada de crimes.

Entendo, por isso mesmo, que não há como sustentar a validade de processo

penal inaugurado e desenvolvido perante juiz incompetente. Reparem que nada

há que justifi que a conclusão tirada pelas instâncias ordinárias, tendo em vista

que o material coletado durante as investigações é claramente insufi ciente à

atribuição do crime de quadrilha aos pacientes, afora não ser possível equiparar

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 665

a este a fi gura da organização criminosa, hodiernamente defi nida pela Lei n.

12.964/2012.

Não bastasse isso, o exame da impetração revela que o corréu Oziel Alves

de Barros, Prefeito do Município de Pilar à época da denúncia, foi processado

perante o Tribunal de Justiça de Alagoas. No entanto, com o fi m do mandato,

o Ministério Público requereu a baixa dos autos ao Juízo de primeira instância,

pedido que foi deferido pela Corte Estadual, determinando-se a remessa

do processo à Comarca de Pilar. Desse modo, a medida levada a efeito pela

autoridade apontada como coatora demonstra que o juiz natural para o processo

sempre foi o do lugar da infração, donde se impõe, a meu sentir, a proclamação

da incompetência da 17ª Vara Criminal de Maceió.

Há mais: o Tribunal de Justiça de Alagoas, ao manter a competência da 17ª

Vara Criminal de Maceió, apoiou tal decisão no art. 9º da Lei n. 6.806/2007,

salientando, no referido julgamento, que, “apesar de não caracterizado o crime

de quadrilha, estão presentes elementos que compõem o conceito de crime

organizado” pois, “verifi cou-se a formação de um agrupamento de mais de dois

agentes, vinculados a um Poder Constituído, ou seja, o Legislativo Municipal,

onde cada um, desde o Presidente ao Diretor Financeiro, desempenhava

sua função dentro das atribuições que lhe eram pertinentes, possibilitando e

facilitando, com fraude à legislação, o desvio de dinheiro público” (fl . 84).

No entanto, aos 31 de maio de 2012, o Supremo Tribunal Federal concluiu

o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.414, que questionava

a criação da citada vara criminal, competente, repita-se, para processar e julgar

crimes praticados por meio de organizações criminosas. A decisão manteve a

existência da vara especializada, porém declarou inconstitucional os “arts. 7º e

8º, a expressão ‘crime organizado, desde que cometido por mais de dois agentes,

estabelecida a divisão de tarefas, ainda que incipiente, com a perpetração

caracterizada pela vinculação com os poderes constituídos, ou por posição de

mando de um agente sobre os demais, praticados através do uso de violência

física ou psíquica, fraude, extorsão, com resultados que traduzem signifi cante

impacto junto à comunidade local ou regional, nacional ou internacional’,

constante do art. 9º”. No particular, o Supremo Tribunal Federal “deliberou

modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a partir da sessão,

para se estabelecer que ela não se aplica aos processos com sentenças já

proferidas e aos atos processuais já praticados, ressalvados os recursos e habeas

corpus pendentes, que tenham como fundamento a inconstitucionalidade da lei”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Dessa forma, no caso destes autos, não posso deixar de reconhecer,

também por esse motivo, a incompetência da 17ª Vara Criminal de Maceió,

pois o fundamento apontado pelo Tribunal para manter a competência da

vara especializada foi considerado inválido pelo Supremo Tribunal Federal,

conclusão a que se atribui efi cácia retroativa - ex tunc -, tendo em vista que a

inconstitucionalidade da lei estadual foi sustentada pela defesa desde o princípio

da instrução criminal.

Diante de todas essas considerações, meu voto é no sentido de não conhecer

do mandamus, concedendo, contudo, habeas corpus de ofício para, reconhecer

a incompetência da 17ª Vara Criminal de Maceió, e anular, relativamente

aos pacientes, a Ação Penal n. 001.09.500037-9, a partir do recebimento

da denúncia, com aproveitamento dos atos não decisórios já praticados,

determinando o envio imediato do processo à Comarca de Pilar-AL.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.212.946-RS (2010/0178524-3)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Vanessa de Freitas Bitencourt

Recorrido: Graciela da Paixão Fenalti

Recorrido: Roberta Correa de Assis

Recorrido: Antônio Renato dos Santos Vargas

Recorrido: Dalberon Motta do Canto

Recorrido: Mario Pavão da Silva

Recorrido: Cleber Giordani Tesche

Advogado: Ricardo Henrique Alves Giuliani - Defensor Público da União

EMENTA

Recurso especial. Penal. Delito de contrabando. Máquinas caça-

níqueis e materiais relacionados com a exploração de jogos de azar.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 667

Recurso ministerial. Princípio da insignifi cância. Inaplicabilidade.

Ausência de demonstração da divergência. Recurso parcialmente

conhecido e, nessa extensão, provido.

1. Para demonstrar o dissídio jurisprudencial, é indispensável o

cotejo analítico de sorte a demonstrar a devida similitude fática entre

os julgados recorrido e paradigma, o que não se verifi ca na espécie.

2. Considerando as peculiaridades do caso concreto, as condutas

imputadas aos Recorridos não se inserem na concepção doutrinária e

jurisprudencial de crime de bagatela.

3. Com efeito, trata-se de contrabando de máquinas caça-níqueis,

bem assim de outros materiais relacionados com a exploração de jogos

de azar, por um grupo organizado e com atividades bem defi nidas. Na

hipótese, não é possível considerar tão somente o valor dos tributos

suprimidos, pois os atos imputados aos Acusados têm, ao menos em

tese, relevância na esfera penal.

4. “A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial

exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além

da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é

necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do

caso concreto, no sentido de se verifi car a ocorrência de alguma lesão

grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado”

(STF, HC n. 97.772-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de

19.11.2009.)

5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e,

nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques

(Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora

convocada do TJ-SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

668

Brasília (DF), 4 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 11.12.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto pelo

Ministério Público Federal, contra acórdão proferido no Recurso em Sentido

Estrito n. 0004237-84.2008.404.7102-RS, pelo Tribunal Regional Federal

da Quarta Região, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da

Constituição Federal.

Consta nos autos que os Recorridos foram denunciados como incursos

no art. 334, § 1º, alínea c, do Código Penal. O Juiz de primeiro grau rejeitou a

denúncia, com base no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

A apelação criminal da Acusação foi desprovida, nos termos da seguinte

ementa:

Penal. Contrabando. Insignifi cância. Atipia.

1. Inobstante no delito de contrabando não seja o erário público o único

atingido, já defi niu a Seção Criminal desta Corte pela não diferenciação entre

as fi guras do artigo 334 do Código Penal para fi ns de aplicação do princípio da

insignifi cância.

2. Mantido o reconhecimento da atipia quanto ao delito do art. 344 do CP. (fl .

312).

Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso

especial, alegando dissídio jurisprudencial e violação ao art. 334, § 1º, alínea c,

do Código Penal. Argumenta a impossibilidade de reconhecer o princípio da

insignifi cância quando se tratar de crime de contrabando, pois a norma jurídica

incriminadora visa obstar a entrada ou saída de mercadorias ilícitas em território

nacional, para salvaguardar interesses que vão além da lesão ao Fisco.

Aduz que no caso, ainda, o elevado grau de censurabilidade da conduta,

uma vez que a importação de 07 máquinas de “caça-cédulas/caça-níqueis” tem

relação direta com a exploração de jogos de azar.

Contrarrazões às fl s. 344-352.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 669

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo

provimento do recurso (fl s. 396-399).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Quanto à alínea c, observa-se que

o cotejo analítico não foi efetuado nos moldes legais e regimentais, ou seja, com

transcrição de trechos dos acórdãos recorrido e paradigma, que demonstrem

a identidade de situações e a diferente interpretação dada à lei federal. Dessa

forma, não merece ser conhecido o recurso, pois a sugerida divergência não foi

demonstrada na forma preconizada nos arts. 541, parágrafo único, do Código de

Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de

Justiça.

Com relação à arguida violação à lei federal, passo à análise do mérito.

O acórdão hostilizado fundamenta-se nos seguintes termos:

A denúncia assim narrou o fato (fl s. 127-128):

No dia 12 de junho de 2008, na Rua José Bonifácio, 2.558 - fundos, nesta

cidade, os denunciados, em comunhão de esforços e unidade de desígnios,

utilizaram em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial,

mercadorias de procedência estrangeira que sabiam ser produto de

introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta

por parte de outrem.

Na ocasião, em cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão, Policiais

Federais da Delegacia de Polícia Federal em Santa Maria, após denúncia

anônima e investigação, arrecadaram 07 (sete) máquinass “caça-

cédulas/caça-níqueis”, que se encontravam em uso no interior de uma

sala localizada no endereço retrocitado, além de documentos e outros

materiais relacionados com a exploração de jogos de azar, conforme

Auto de Arrecadação de Mercadorias (fl s. 04-05 e 23-24).

Os denunciados, em conluio, exploravam jogos de azar com máquinas

eletrônicas montadas com componentes contrabandeados, obtendo,

assim, lucros diários.

O denunciado Cleber Giordani Tesche era o proprietário das máquinas

eletronicamente programáveis, fato este confirmado quando de seu

depoimento prestado em sede policial (Termo de depoimento de fl s. 69-

71).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

670

Por seu turno, a denunciada Roberta Correa de Assis exercia as funções

de gerente do negócio, sendo a responsável pela “leitura” e administração

das máquinas, além da contratação e pagamento dos salários das pessoas

que trabalhavam no recinto, recebendo, para tanto, metade do lucro líquido

arrecadado com os equipamentos de jogos (Termos de Depoimentos de fl s.

50-51, 69-71, 79 e 80.

De igual modo, cabia a Mario Pavão da Silva o controle de toda a

atividade de jogos, razão pela qual permanecia durante o dia e a noite no

local (Termo de Depoimento de fl s. 78-79).

À Vanessa de Freitas Bitencourt e Graciela da Paixão Fenalti competia-

lhes o pagamento dos “prêmios”, bem como recebimento de valores dos

jogadores (Termos de depoimentos de fl s. 50-51 e 78-79).

Por último, os denunciados Dalberon Motta do Canto exercia as funções

de porteiro e recepcionista e Antonio Renato dos Santos Vargas era o

responsável pela segurança do local onde as máquinas eram postas à

disposição dos jogadores (Termos de depoimentos de fl s. 78-79).

É importante salientar que todos os denunciados tinham pleno

conhecimento de que a exploração de jogos de azar por meio de

equipamentos eletrônicos contrabandeados contritui conduta ilícita, sendo

suas participações fundamentais para a consecução do crime.

Por outro vértice, o Laudo Pericial atestou que as máquinas objeto do

lote n. 07 possuíam componentes de origem estrangeira (Taiwan), cuja

importação para referida finalidade (caça-níqueis) é terminantemente

proibida pela legislação pertinente, consoante Portaria Secex n. 14/2004

(fl s. 25-30).

A Receita Federal lavrou Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda

Fiscal em desfavor de Roberta Correa de Assis (fl s. 39-43), confi rmando a

origem estrangeira das máquinas e avaliando-as em R$ 8.400,00 (oito

mil e quatrocentos reais).

[...]

Na espécie tem-se em lide penal a manutenção em depósito e uso de 07

(sete) máquinas “caça-cédulas/caça-níqueis”, avaliadas em R$ 8.400,00 (oito mil e

quatrocentos reais), conforme denúncia ofertada.

Inobstante no delito de contrabando não seja o erário público o único atingido,

já defi niu a Seção Criminal desta Corte pela não diferenciação entre as fi guras do

artigo 334 do Código Penal para fi ns de aplicação do princípio da insignifi cância:

Penal. Art. 334 do CP. Importação ilegal de cigarros. Contrabando e

descaminho. Delitos similares. Princípio da insignifi cância. Critérios. Valor

limite. Reiteração da conduta. Dano à saúde pública.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 671

1. A jurisprudência desta Corte tem dado tratamento uniforme ao

julgamento dos casos de importação de cigarros estrangeiros sem o

pagamento dos tributos devidos (descaminho) e reintrodução no país

daqueles de fabricação nacional destinados à exportação (contrabando)

uma vez que se trata de infrações similares, traduzindo idêntico potencial

lesivo ao mercado, à saúde pública, bem como à União. 2. Não há qualquer

evidência indicando que os cigarros originários do Paraguai ou de outros

países trazem mais danos à saúde do que os produzidos pela indústria

nacional, de modo a tornar-se irrelevante a distinção entre as duas espécies

delitivas. 3. O limite de R$ 10.000,00 para o ajuizamento de execuções

fi scais, instituído pela Lei n. 11.033/2004, não merece aplicação na esfera

criminal, para efeito de reconhecimento do princípio da insignifi cância,

eis que destoante da realidade social. Mantido o parâmetro de R$ 2.500,00

fixado nos precedentes desta Corte. 4. A reiteração da conduta, assim

considerada a existência de processos anteriores relativos ao mesmo

delito, indicando habitualidade criminosa, afasta a incidência do apontado

preceito.

(HC n. 2004.04.01.034885-7, Quarta Seção, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro,

julgamento por maioria em 18.4.2005, Re. Para acórdão Des. Federal Élcio

Pinheiro de Castro).

A segurança jurídica da decisão esperada recomenda o prestigiamento dos

precedentes, especialmente da Suprema Corte, a dar a solução defi nitiva em

tema de tipicidade - na via do habeas corpus. Desse modo, tendo já em dois

precedentes (HC n. 92.438 e HC n. 95.089) definido a 2ª Turma do Supremo

Tribunal Federal, por unanimidade, que o desinteresse fazendário na execução

fi scal torna certa a impossibilidade de incidência do mais gravoso e substitutivo

direito penal, veio a acolher também esta Corte (EI n. 2006.70.07.000110-1) a

compreensão de que o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), do art. 20 da Lei

n. 10.522/2002, é objetivamente indicador da insignifi cância para o crime de

descaminho - ainda que tal fato se verifi que em mais de uma oportunidade (STF-

HC n. 77.003 e AI-QO n. 559.904), pois não cabe o exame de condições pessoais

do agente, inclusive reiteração no crime, em questão de tipicidade, como é o caso

da tese da insignifi cância.

Desse modo, sendo certo que o montante de tributos iludidos é inferior a R$

10.000,00 (dez mil reais), é de se reconhecer a atipia da conduta, impondo-se a

manutenção da sentença no ponto. (fl s. 300-311; sem grifos no original.)

Nos termos do entendimento firmado pela Terceira Seção deste

Tribunal Superior de Justiça no julgamento do Recurso Especial Repetitivo

Representativo da Controvérsia n. 1.112.748-TO, incide o princípio da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

672

insignifi cância aos débitos tributários que não ultrapassem o limite de R$

10.000,00 (dez mil reais).

É certo, porém, que o pequeno valor da vantagem patrimonial ilícita não

se traduz, automaticamente, no reconhecimento do crime de bagatela, sendo

necessário, para tanto, observar as peculiaridades do caso concreto, de forma

a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, para identifi car a

necessidade ou não da utilização do direito penal como resposta estatal.

Com efeito, diante do caráter fragmentário do direito penal moderno,

segundo o qual se devem tutelar apenas os bens jurídicos de maior relevo,

somente justifi cam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que

implicam lesões de signifi cativa gravidade.

Nesses termos, verifi ca-se que, no delito de contrabando, a aplicabilidade

do princípio da insignifi cância é cabível quando se evidencia que o bem jurídico

tutelado (a administração pública) sofreu mínima lesão e a conduta do agente

expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.

No caso dos autos, porém, não há como se afi rmar o desinteresse estatal

à repressão do delito praticado pelos Recorridos, tendo em vista que estes são

acusados de inserir no território nacional máquinas caça-níqueis, documentos

e outros materiais relacionados com a exploração de jogos de azar, o que afeta

diretamente a ordem pública e demonstra a reprovabilidade da conduta.

De fato, no caso em tela, é inviável a aplicação do princípio da

insignifi cância, pois a lei seria inócua se fosse tolerada a entrada em território

nacional de itens cuja fi nalidade presta única e exclusivamente a atividades

ilícitas.

E mais: seria um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal,

mormente tendo em conta aqueles que fazem de atividades ilícitas um meio de

vida.

A eminente Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar

o HC n. 97.772-RS, de que foi Relatora, mencionou que “A tipicidade penal

não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto

à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a confi guração da

tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias

do caso concreto, no sentido de se verifi car a ocorrência de alguma lesão grave,

contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado” (1ª Turma, DJe

de 19.11.2009.)

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 673

Mutatis mutandis, o Supremo Tribunal Federal, analisando a aplicação

do princípio da insignifi cância quando se tratar de contrabando de cigarros,

posicionou-se pela impossibilidade de se excluir a tipicidade, tendo em vista o

bem juridicamente tutelado. Confi ram-se:

Habeas corpus. 2. Contrabando. 3. Aplicação do princípio da insignifi cância. 4.

Impossibilidade. Desvalor da conduta do agente. 5. Ordem denegada. (STF, HC n.

110.964, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 7.2.2012,

Processo Eletrônico DJe-066 Divulg 30.3.2012 Public 2.4.2012.)

Penal. Habeas corpus. Contrabando (art. 334, caput, do CP). Princípio da

insignificância. Não-incidência: ausência de cumulatividade de seus requisitos.

Paciente reincidente. Expressividade do comportamento lesivo. Delito não

puramente fi scal. Tipicidade material da conduta. Ordem denegada. 1. O princípio

da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes

condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b)

nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do

comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes:

HC n. 104.403-SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 1º.2.2011; HC n. 104.117-

MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26.10.2010; HC n. 96.757-RS,

rel. Min. Dias Toff oli, 1ª Turma, DJ de 4.12.2009; RHC n. 96.813-RJ, rel. Min. Ellen

Gracie, 2ª Turma, DJ de 24.4.2009) 2. O princípio da insignifi cância não se aplica

quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que se falar em

reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo. Precedentes: HC n.

107.067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26.5.2011; HC n. 96.684-MS, Rel.

Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 23.11.2010; HC n. 103.359-RS, rel. Min. Cármen

Lúcia, 1ª Turma, DJ 6.8.2010. 3. In casu, encontra-se em curso na Justiça Federal

quatro processos-crime em desfavor da paciente, sendo certo que a mesma é

reincidente, posto condenada em outra ação penal por fatos análogos. 4. Em

se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há

não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas

a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas,

confi gurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora

também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de

mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos

órgãos de saúde nacionais. 6. A insignifi cância da conduta em razão de o valor

do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei n. 10.522/2002)

não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fi scal.

7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada.

(STF, HC n. 100.367, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 9.8.2011,

DJe-172 Divulg 6.9.2011 Public 8.9.2011 Ement Vol-02582-01 PP-00189; sem

grifos no original.)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

674

Nesse sentido, os precedentes desta Corte Superior de Justiça:

Processual Penal. Habeas corpus. Contrabando. Munição de arma de

fogo. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Tráfico internacional de

entorpecentes. Incompetência absoluta do juízo federal. Apreciação. Dilação

probatória. Impossibilidade. Ausência do alegado constrangimento ilegal. Ordem

denegada.

1. O princípio da insignifi cância não pode ser aplicado ao delito de contrabando

de munição de arma de fogo, em razão do alto grau de reprovabilidade da

conduta delituosa e da potencialidade lesiva do objeto.

2. Ainda que a mercadoria proibida não possa ser aferida economicamente,

há de se dar maior importância à sua natureza do que ao seu valor econômico.

O ingresso proibido de munição põe em risco a incolumidade pública, a

segurança nacional e a paz social, pois um único projétil apto a uso e com perfeito

desempenho é capaz de produzir efeitos negativos irreparáveis.

3. Quanto ao argumento de incompetência do Juízo, é matéria que não

comporta apreciação pela via estreita do habeas corpus. Isso porque a verifi cação

se houve tráfi co internacional de entorpecentes ou se a substância foi trafegada

apenas dentro dos limites do território brasileiro, conforme alegado, implica

reapreciação do quadro fático-probatório, procedimento incompatível com o rito

célere do writ. Precedentes.

4. Contudo, declarada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão

de 23.2.2006 (HC n. 82.959-SP), a inconstitucionalidade incidental do art. 2º, §

1º, da Lei n. 8.072/1990, que veda a progressão de regime nos casos de crimes

hediondos e a eles equiparados, afastado restou o óbice à execução progressiva

da pena, motivo pelo qual deve ser reconhecida, na hipótese, a existência de

ilegalidade fl agrante.

5. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de ofício para afastar a proibição

da progressão do regime de cumprimento da pena imposta ao paciente, cuja

efetivação dependerá da análise, por parte do Juízo das Execuções Criminais, dos

requisitos legais exigidos para a concessão do benefício reclamado. (HC n. 45.099-

AC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 4.9.2006.)

Recurso especial. Contrabando (art. 334, do CP). Mercadoria de fabricação

nacional, cuja reintrodução, após a exportação, é proibida. Aplicação do princípio

da bagatela ou da insignifi cância. Inocorrência.

A quantidade da mercadoria apreendida em poder do acusado (cerca de

4.000 maços de cigarros de fabricação nacional, destinados à exportação) não

autorizam, in casu, a aplicação do princípio da insignifi cância.

Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 193.367-RO, 5ª Turma, Rel. Min.

José Arnaldo da Fonseca, DJ de 21.6.1999.)

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 675

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão,

dou-lhe provimento para, cassando o acórdão recorrido e a sentença de primeiro

grau, afastar a incidência do princípio da insignificância e determinar a

devolução dos autos à instância de origem, a fi m de que prossiga no julgamento

do feito.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.326.030-MT (2011/0147472-3)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Lucivaldo Tiburcio de Alencar e outros

Advogado: Roberto Catarino da Silva Sobral

EMENTA

Recurso especial. Penal e Processual Penal. Crime contra a

segurança de transporte aéreo. Alegada violação aos arts. 261, § 3º,

263, e 258, do Código Penal. Absolvição sumária de dois controladores

de voo. Insurgência do Ministério Público Federal, que pretende o

processamento da ação penal. Necessidade de revolvimento do acervo

fático-probatório. Via imprópria. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.

Recurso especial desprovido.

1. Conforme apurado pelas instâncias ordinárias após exaustivo

exame das provas, os controladores de voo, ora Recorridos, ao

assumirem suas posições de trabalho no console, substituindo seus

antecessores, receberam a errônea informação de que a aeronave

“legacy” estava mantendo o nível de voo 360 (36.000 pés), quando,

na verdade, perfazia seu voo no nível 370 (37.000 pés), mesmo da

aeronave da GOL, que se deslocava em sentido contrário na mesma

aerovia. O controlador do Centro de Controle de Área Manaus

recebera a mesma informação errônea e não tinha na tela radar

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

676

dados que sugerissem a necessidade de adoção de alguma medida

de separação das aeronaves referidas. E, por isso, concluíram ser

desimportante a conduta dos ora Recorrentes, afastando ab initio a

imputação de culpa por negligência.

2. Obiter dictum, é anotado que o quadro fático delineado pelas

instâncias ordinárias parece evidenciar uma grave e inegável falha do

Centro de Controle de Área Brasília – órgão responsável pelo controle

do tráfego aéreo na região em questão –, quando autorizou duas

aeronaves a ocupar o mesmo nível de voo, na mesma rota, em sentidos

opostos, em aerovia superior, espaço aéreo controlado, vale dizer, onde

todas as aeronaves devem seguir estritamente o que ordenar o Centro

de Controle que, repita-se, é o responsável por prover a separação e

segurança das aeronaves no setor.

3. Contudo, os ora Recorridos não deram tal autorização.

Receberam informações errôneas tanto do equipamento quanto de seus

antecessores no Setor. Nem a tela-radar nem o sistema automatizado

lhes desmentiam tais informações. Nesse cenário, mostra-se subsistente

e fundamentada a conclusão tanto do magistrado singular quanto da

Corte Regional pela absolvição sumária desses Réus.

4. E, de fato, a Corte de origem, após minucioso cotejo do

conjunto fático probatório, afastou a tipicidade da conduta culposa

prevista no art. 261, § 3º, do Código Penal, por considerar que não

estava presente a negligência na conduta dos controladores de voo

Recorridos.

5. Assim, para se infi rmar a conclusão exarada pelas instâncias

ordinárias, seria necessário proceder à aprofundada reapreciação das

provas produzidas no feito, o que não é possível na via do recurso

especial, em face do óbice previsto na Súmula n. 7 deste Superior

Tribunal de Justiça.

6. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 677

negar provimento. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze,

Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard

(Desembargadora convocada do TJ-SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 24.10.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto pelo

Ministério Público Federal, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal

da 1ª Região, que deu parcial provimento ao apelo Ministerial e provimento

ao recurso da Assistente de Acusação para, “reformando a decisão impugnada,

determinar que os apelados Jan Paul Paladino e Joseph Lepore também

respondam pela acusação de conduta negligente na adoção do procedimento

regulamentar código 7600, relativo a falha de comunicações” (fl . 3.102).

Consta dos autos que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia

perante o Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Sinop-MT

contra os controladores de vôo Jomarcelo Fernandes dos Santos, Lucivando Tibúrcio

de Alencar, Leandro José Santos de Barros, Felipe Santos dos Reis, e os pilotos Joseph

Lepore (comandante) e Jan Paul Paladino (co-piloto), pela prática de crimes de

atentado contra a segurança de transporte aéreo previstos no art. 261, caput, §

3º, c.c. o art. 263, com pena cominada no art. 258, c.c. o art. 121, § 4º, todos do

Código Penal, responsabilizando-os pelas 154 mortes no trágico acidente aéreo

ocorrido em 29 de setembro de 2006, quando o avião Boeing/737-800, prefi xo

PR-GTD, da companhia Gol Transportes Aéreos S/A, colidiu em pleno vôo,

sob o céu do Estado de Mato Grosso, com o jato Embraer/Legacy 600, prefi xo

N600XL.

O Juízo Federal processante, após a defesa preliminar, em decisão proferida

às fl s. 2.843-2.894:

(1) absolveu sumariamente os Acusados Felipe Santos dos Reis e Leandro

José Santos de Barros;

(2) desclassificou, para a modalidade culposa, a conduta atribuída a

Jomarcelo Fernades dos Santos;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

678

(3) absolveu sumariamente o Acusado Lucivando Tibúrcio de Alencar

relativamente às condutas relacionadas a negligência no estabelecimento de

comunicação com a aeronave Legacy, bem como na transmissão de um Centro

de Controle de Área a outro, continuando o denunciado a responder à ação

penal quanto à conduta relacionada a omissão que teria havido na confi guração

das frequências de comunicação no console;

(4) absolveu Jan Paul Paladino e Joseph Lepore pela conduta relacionada

com negligência na adoção de procedimentos de emergência quanto à falha

de comunicação com o Centro, continuando os denunciados a responder pelas

demais condutas descritas na denúncia.

Contra essa decisão, o Ministério Público Federal e a Assistente de

Acusação interpuseram apelação perante o Tribunal Regional Federal da

1ª Região. O Parquet Federal concordou com a desclassifi cação da conduta

de Jomarcelo, mas insurgiu-se contra a absolvição de Felipe Santos dos Reis,

Lucivando Tibúrcio de Alencar, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, pleiteando, por

conseguinte, suas condenações pela prática do crime previsto no art. 261, § 3º,

do Código Penal. A assistente de acusação insurgiu-se tão somente contra a

absolvição dos pilotos (Joseph Lepore e Jan Paul Paladino).

A Corte Regional, por sua vez, deu parcial provimento ao apelo Ministerial

e provimento ao recurso da Assistente de Acusação para, “reformando a

decisão impugnada, determinar que os apelados Jan Paul Paladino e Joseph

Lepore também respondam pela acusação de conduta negligente na adoção do

procedimento regulamentar código 7.600, relativo a falha de comunicações” (fl .

3.102), consoante a ementa a seguir transcrita:

Penal e Processual Penal. Crime contra a segurança de transporte aéreo. Art.

261, § 3º, CP. Absolvição sumária prematura dos pilotos da aeronave legacy.

Presença de elementos de prova que exigem a continuidade da instrução para

esclarecer a real responsabilidade dos denunciados.

I – Revela-se prematura a absolvição sumária de Joseph Lepore e Jan Paul

Paladino com base no novo procedimento introduzido ao CPP pela Lei n.

11.719/2008 quando há elementos de prova recolhidos que não permitem excluir

os apelados da conduta culposa contida na denúncia.

II – Deve prosseguir a Ação Penal para que se desvende a responsabilidade

dos denunciados no trágico acidente aéreo que vitimou 154 (cento e cinquenta e

quatro) pessoas em setembro de 2006, investigando-se melhor acerca de suposto

defeito do equipamento transponder, a consequente falha de comunicação e a

adoção das providências descritas no ICA 100-12.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 679

III – Determinada a imediata baixa dos autos à Vara de origem para regular

processamento da Ação Penal, devendo a Coordenadoria da Terceira Turma

providenciar o traslado por instrumento de inteiro teor dos autos para viabilizar a

publicação e o processamento de eventuais recursos interpostos posteriormente.

IV – Apelação da Assistente de Acusação provida. Apelo do Ministério Público

Federal parcialmente provido. (fl . 3.110).

Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs recurso especial, com

fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição da República,

alegando violação aos arts. 258, 261, § 3º, e 263, todos do Código Penal.

Contudo, expressamente consignou que “deixa de recorrer em relação à

absolvição de Felipe dos Santos Reis” (fl . 3.132).

Adverte o Recorrente que “não pretende discutir matéria probatória, não

encontrando, pois, qualquer óbice na Súmula n. 7 do E. Superior Tribunal de

Justiça. A tese cinge-se exclusivamente à matéria de direito” (fl . 3.127).

Pondera que “a valoração de provas feitas pelo v. acórdão violou o disposto

no parágrafo 3º do art. 261 do Código Penal, ao entender que Lucivando

Tibúrcio não agiu com negligência, vez que tinha ele o dever legal de empreender

diligências para evitar o acidente, quer seja comunicando o fato (da ausência de

comunicação do avião Legacy, e do desligamento do transponder) ao Centro de

Manaus” (fl s. 3.136-3.137).

Afi rma que o acórdão recorrido manteve a absolvição de Leandro Barros

violando, dessa forma, o art. 261, § 3º, do Código Penal. Aduz que “se os

apelados tivessem o cuidado que lhes exige a profi ssão, informado corretamente

ao Cindacta IV da real situação da aeronave N600XL aquele centro poderia ter

encetado várias medidas para evitar o acidente” (fl . 3.140).

Requer, assim, o provimento do recurso especial, “reformando-se o r.

acórdão regional para receber a denúncia e determinar o prosseguimento da

ação penal” (fl . 3.141).

Lucivando Tibúrcio de Alencar e Leandro José Santos de Barros ofereceram

contrarrazões às fl s. 3.148-3.164, pugnando pelo desprovimento do recurso

especial a fi m de que sejam mantidas as decisões absolutórias.

O Presidente Tribunal Regional Federal da 1ª Região proferiu a decisão de

fl s. 3.167-3.168, inadmitindo o recurso especial, por óbice da Súmula n. 7 desta

Corte Superior de Justiça.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

680

Inconformado o Ministério Público Federal interpôs agravo contra essa

decisão, afi rmando que “o que se pretende é apenas a revaloração das provas

coligidas, o que certamente levará a conclusão diversa da que chegou a E. Corte

Regional, inclusive com voto vencido de um dos Juízes, que dava provimento ao

recurso ministerial” (fl . 3.176). Alegou que “o conjunto de provas revela que os

controladores de vôo agiram com culpa no exercício do cargo, o que ocasionou o

acidente de duas aeronaves [...]” (fl . 3.176).

Sustentou que o recurso não demanda revolvimento de provas, uma

vez que “sequer a defesa nega o fato de que o acusado/agravado não tentou

manter contato com a aeronave N600XL por outras frequências, mas apenas de

interpretação e/ou revaloração da prova, para dizer se tal fato caracteriza ou não

crime” (fl . 3.183).

Dessa forma, requereu o “conhecimento e provimento do [...] agravo, para

que se conheça do recurso especial interposto e lhe dê provimento” (fl . 3.183).

A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se às fl s. 3.197-

3.200, opinando pelo provimento do agravo em recurso especial, em parecer que

guarda a seguinte ementa:

Agravo contra decisão que inadmitiu recurso especial. Exame das alegações

de violação aos artigos 258, 261, § 3º e 263, todos do CP que não necessita de

reexame de provas. Parecer pelo provimento do agravo em recurso especial.

Por estarem atendidos os pressupostos formais de admissibilidade, com

base no art. 28, § 3º, da Lei n. 8.038/1990, c.c. o art. 34, inciso XVI, do

Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, proferi a decisão de fl s.

3.202-3.207, dando provimento ao agravo para convertê-lo em recurso especial,

para melhor exame da matéria perante esta Eg. Quinta Turma.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): De início, conforme já anotado

quando da decisão que converteu o agravo em recurso especial, o Ministério

Público Federal, tanto no recurso especial quanto no agravo, apontou como

“recorridos” e “agravados”, respectivamente, os controladores de vôo Jomarcelo

Fernandes dos Santos, Lucivando Tibúrcio de Alencar, Leandro José Santos de Barros,

Felipe Santos dos Reis, e os pilotos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 681

Todavia, compulsando os autos, vê-se que se trata de mero erro material, na

medida em que, de forma expressa, afi rmou ter concordado com a desclassifi cação

da conduta de Jomarcelo, promovida pelo Juiz Federal processante, bem como ter

deixado de recorrer “em relação à absolvição de Felipe dos Santos Reis”.

Outrossim, quanto aos pilotos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, embora

conste seus nomes na folha de rosto das petições recursais, nenhuma linha

foi dedicada a contradizer o acórdão recorrido, no que se refere à absolvição

sumária ratifi cada no julgamento da apelação.

Resta, portanto, a análise do presente recurso especial tão somente em face

dos controladores Lucivando Tibúrcio de Alencar e Leandro José Santos de Barros,

contra os quais se restringiram as razões recursais.

No ponto, o acórdão recorrido consignou, in verbis:

[...]

II) Da absolvição dos acusados Lucivando Tibúrcio de Alencar e Leandro José

Santos de Barros.

Segundo a denúncia, o réu Lucivando Tibúrcio teria assumido o controle do

console n. 8, do Cindacta 1, Brasília-DF, às 19h17m do dia em que ocorreu a tragédia

objeto dos autos. No desempenho da tarefa de controlador de vôo deixou de

levar em consideração a existência de falha no transponder do Legacy, de

fácil visualização no painel de controle. Essa omissão teria sido de relevância

ainda maior, vez que apesar de haver tentado quatro contatos com o Legacy, a

primeira tentativa ocorrera somente às 19h26m, cerca de 10min após assumir

sua posição.

O retardo no contato, portanto, caracterizaria negligência, tanto pela

inoperância do transponder quanto pela iminência da aeronave entrar na

chamada área crítica, considerada pelos controladores como de “não radar”.

Mais adiante, conclui a denúncia:

Por isso, providências imediatas faziam-se ainda mais urgentes. A

segunda tentativa, também frustrada, veio em seguida, às 19h27m12s.

Após sete minutos (19h34m07s), ocorreu nova chamada, igualmente sem

resposta. A ultima mensagem foi passada às cegas, às 19h53m38s, para

informar a freqüência do Centro de Controle Amazônico, a que a aeronave

estaria, dali em diante, vinculada.

O denunciado Lucivando Tibúrcio de Alencar foi igualmente displicente

quanto aos procedimentos previstos no ICA 100-12 para casos de falha de

comunicação. A partir da primeira tentativa de contato frustrada, ele deveria

ter-se utilizado das demais freqüências válidas para o setor, consoante

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

682

preconiza o item 7.14.2 daquele instrumento normativo. Para tanto, bastaria

programar em seu console as cinco freqüências auxiliares existentes (f. 867).

Suas mensagens passariam, então, a ser transmitidas concomitantemente

em todas elas, ao passo que também captaria mensagens emitidas em

qualquer uma. Isso propiciaria contato com a aeronave N600XL, vez que o

piloto, entre as 19h48m13s e as 19h52m56s, fez nada menos do que doze

tentativas de comunicação com o Cindacta 1, utilizando várias freqüências

que, malgrado listadas na carta de rota, não estavam programadas no

console n. 8. O denunciado Lucivando Tibúrcio de Alencar insistiu numa

mesma e única freqüência, até a última chamada, apesar de vê-la malograr

repetidamente. (fl s. 13.)

Quanto ao acusado Leandro Santos de Barros, diz a inicial acusatória que

o mesmo teria assumido o console n. 8 às 19h30min, apenas como assistente.

Nessa condição, teria presenciado todas as tentativas frustradas de comunicação

realizadas pelo acusado Lucivando Tibúrcio. Assim, chega a conclusão de que

ambos incorreram na omissão de aviso ao Cindacta 4 (Amazônia) acerca das

falhas de transponder e de comunicação com o Legacy, que se impunha em tais

situações a teor do que dispõem os itens 7.14.6 e 14.4.10 do ICA 100-12.

Sustenta, por último, que Leandro, na condição de assistente, tinha o dever de

“fazer a coordenação da N600XL com o centro amazônico, deu a entender que

as comunicações por rádio com a aeronave ocorriam perfeitamente”.

Contudo, apesar da contundência das imputações, tenho que in casu

uma vez mais não pode merecer reparo a decisão impugnada, que absolveu

parcialmente o acusado Lucivando Tibúrcio e completamente o denunciado

Leandro Santos de Barros.

Senão vejamos:

Com efeito, ao analisar a conduta desses dois controladores quando em

operação no console nº 8, do CINDACTA de Brasília, S. Exa. o MM. Juiz Federal

sentenciante, atento ao conjunto probatório até então colhido, asseverou:

Diz o Ministério Público Federal, primeiramente, que ambos “incorreram,

juntos, na omissão do aviso ao Cindacta 4 sobre as falhas de transponder

e de comunicação com a aeronave N600XL”. Aqui cumpre uma análise da

prova produzida.

Os elementos dos autos registram dois dados a meu ver sufi cientes para

que se absolva sumariamente os acusados desse conduta. Em Manaus, havia

apenas um controlador de vôo, o servidor Francisco Roberto Agustinho

Freire.

Ouvido na fase inquisitorial o controlador declarou a autoridade

policial o seguinte: “que indagado se visualizou em sua tela do console

a aeronave Legacy com uma imprecisão quanto aos dados de matrícula,

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 683

altitude e velocidade, afi rma que sim, mas creditou essa divergência ao

não funcionamento do radar secundário que cobria aquele espaço aéreo;

que no briefi ng, antes do início de seu expediente, teve a informação de

que o radar secundário de Sinop estava com problemas; que o radar de

Sinop cobria a área onde estava a aeronave Legacy; que a aeronave Gol era

captada pelo radar secundário de Cachimbo-PA” (fl s. 582 da ação penal).

De outra parte, consta do laudo pericial realizado pela Polícia Federal

informação de que desde 19h51m55s a aeronave Legacy já “aparecia” no

console do controlador do centro Amazônico – o já mencionado Francisco

Roberto Augustinho Freire. “Foram objeto de análise os dados disponíveis

no anexo digital da Informação n. 571/2006-SEPAEL/DPER, contendo telas

capturadas de console do ACC-AZ, mostrando as aeronaves N600XL e PR-

GTD entre 19:51:55 e 20:03:00. Essas telas foram capturadas a uma taxa de

aproximadamente 1 tela a cada 10 segundos, de modo que a determinação

do horário dos eventos fi ca restrita ao erro máximo de 10 segundos. A

região mostrada nas telas é centrada nos fi xos Istar e Nabol, os quais são

atravessados pela aerovia UZ6 tal limite corresponde ao fixo Nabol. As

primeiras telas mostram a aeronave N600XL ainda dentro da UTA Brasília,

sem comunicação entre o radar secundário e o transponder da aeronave,

de modo que não foi mostrado ao controlador a identifi cação do vôo e sua

altitude foi estimada pelo radar primário, sendo que essa altitude variou

entre 37.200 e 48.800 pés no período entre 19:51:55 e 19:55:20” (fl s. 872 da

ação penal). Depois o laudo indica que o avião da Gol trafegava na mesma

aerovia em sentido contrário. A prova de que aeronave Legacy aparecia na

tela do console “de Manaus” imagens capturadas do próprio console. Essas

imagens que o controlador tinha em sua tela estão registradas no processo.

Quanto à alegação de que a omissão, quando feita a passagem de um

centro a outro, da falha do transponder contribuiu para a ocorrência do

acidente, essa não é uma conclusão a que se possa chegar depois da análise

de prova pericial produzida. A falha do radar secundário de Sinop, que

cobria a região do fixo Nabol, já era de conhecimento do controlador

de Manaus antes mesmo de assumir, de fato, o serviço. Além do mais, a

falha do transponder da aeronave Legacy era perfeitamente visualizada

(ou visualizável) por ele desde 19:51:55, cerca de dois minutos antes da

transmissão da mensagem que foi lhe passada pelo “centro” de Brasília.

Analisada assim a prova, pode-se dizer que omissão quanto à falha do

transponder na mensagem passada por Lucivando e Leandro não influiu

em nada no comportamento do servidor de Manaus, que – é bom observar

– já tinha na tela de seu console essa informação. Assim como tinha, e aí

com precisão, a posição do avião da Gol: identifi cação, altitude e direção

(proa). O servidor de Manaus, portanto, sabia dos problemas do transponder,

tinha exato conhecimento da altitude e rumo da aeronave da Gol e recebeu a

mensagem de Brasília de que o avião Legacy voava no nível “360”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

684

No que diz respeito à omissão quanto à impossibilidade que o “centro” de

Brasília teve para se comunicar com o Legacy, cumpre fazer, uma vez mais,

considerações sobre o que de fato ocorreu – matéria já abordada quando

da análise da conduta de Lucivando. Essa alegação, de rigor, não está na

denúncia. Há quem possa considerá-la, no entanto, implicitamente narrada.

O fato que é que, ainda que o servidor de Manaus tivesse sido advertido da

“falha de comunicação”, não teria ele como estabelecer contato efetivo com

o Legacy. O Legacy, depois daquela mensagem que recebeu o denunciado

Lucivando (e única), em que este transmitiu “às cegas” a freqüência de

Manaus, fi cou tentando estabelecer contato com o “centro” de Brasília até o

momento da colisão. Os pilotos não entenderam a mensagem que indicava

a freqüência. Como não a entenderam, não a sintonizaram no avião. Se o

controlador de Manaus tentasse algum contato – e isso supondo que ele

tentaria -, não conseguiria realizá-lo, por absoluta descoincindência entre

a freqüência do “centro” que operava e aquela – ou aquelas – que estavam

sendo utilizados pelo avião.

É importante aqui transcrever diálogo havido na cabine da aeronave

Legacy, que demonstra que, depois de terem recebido a mensagem às

cegas, não entendida, os pilotos continuaram tentando contato com

Brasília: “Ele não está me respondendo de volta. Então, eu estou tentando

pegá-lo de volta no rádio exatamente agora. Mas essa freqüência que eu

tinha ele disse para trocar”. O piloto está dizendo que não entendera a

mensagem passada por Lucivando. E continuava, por isso, chamando o

“centro” de Brasília. Há, nos autos, prova de que ele fazia seguidas tentativas

de contato com Brasília (fl s. 351-2).

E há um aspecto decisivo que demonstra que a tentativa de comunicação

que se pudesse imaginar que seria feita pelo controlador do centro Amazônico

seria mal sucedida. Depois do acidente, ele tentou estabelecer, por seis vezes,

comunicação com a aeronave. Todas frustradas. Nenhuma delas chegou ao

avião Legacy (fl s. 886-7 da ação penal).

Ainda que o servidor de Manaus tivesse sido avisado da falha de

comunicação, nada indica que ele conseguiria estabelecer contato com

o Legacy, antes pelo contrário. E isso na pressuposição de que ele agiria

prontamente, considerando-se que ele recebeu a informação de Manaus

– informação de passagem – cerca de 02 minutos antes do acontecimento

fatal.

A tese do “desvio do avião” pelo “centro” Manaus, após saber das falhas de

comunicação me parece – com todo o respeito – que está situada no campo

da mera suposição. O controlador tinha duas informações indiscutíveis: 1)

que o avião da Gol voava no nível “370” e 2) que a aeronave Legacy voava

no nível “360”, informação esta que lhe foi repassada pelo denunciado

Leandro – November meia zero zero X-Ray Lima – denúncia. Somente

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 685

por suposição se pode imaginar que o controlador de Manaus, tendo a

altitude das duas aeronaves, fosse, ao ser informado de que o “centro”

de Brasília encontrara problemas de comunicação com o Legacy, adotar

procedimento de “desvio” do avião da Gol. Para o controlador de Manaus,

embora inoperante o sistema, os aviões voavam em altitude compatível

com o setor. E aqui caberia uma pergunta. Ele faria a tal “manobra evasiva”

determinando o desvio do avião para onde? Se ele tivesse porventura

dúvida sobre a posição vertical do jato Legacy, como escolheria a altura

para a qual mandaria o avião da Gol? E como prever que o controlador

de Manaus agiria daquela forma rápida que a denúncia sugere? Note-se

que ele já sabia da falha do transponder desde 19:51:55. Assim como o

Ministério Público exigiu que Lucivando atuasse “prontamente” no sentido

de se comunicar com o Legacy, pois sabia que o equipamento de segurança

não estava funcionando, a mesma exigência poderia ser feita em relação ao

controlador de Manaus. Tão-logo houvesse a transmissão de controle, ele

deveria tentar entrar em contato com o Legacy. Não foi assim que procedeu.

Ainda que tivesse tentado o contato, já se viu que ele não se realizaria.

Enfi m, imaginar que o agente de Manaus agiria rapidamente para desviar o

avião da Gol (e não se sabe para onde, porque a efi cácia de procedimento

de desvio imaginado dependeria de que ele prévio conhecimento sobre a

altitude do Legacy) é uma afi rmação que somente pode ser feita mediante

um exercício de conjectura. E esse exercício não serve, no meu entender,

para que se impute a alguém conduta delituosa, ainda que por crime

culposo. (fl s. 2.438-2.441.)

Irrepreensível, ao meu sentir, a análise do material probatório realizado

por sua excelência, razão pela qual, de igual modo, no particular, reconheço

remanescer apenas quanto ao acusado Lucivando Tibúrcio a imputação

relativa ao comportamento omisso levado a efeito na configuração das

frequências da rádio do console em que operava, consoante exaustivamente

demonstrado seja pela acusação seja pelo decisum impugnado, sendo certo

que nesse ponto inclusive a defesa conformou-se com o resultado.

[...]

Por tais razões, dou parcial provimento ao apelo do Ministério Público Federal

e provimento ao recurso da assistente de acusação para, reformando a decisão

impugnada, determinar que os apelados Jan Paul Paladino e Joseph Lepore também

respondam pela acusação de conduta negligente na adoção do procedimento

regulamentar código 7.600, relativo a falha de comunicações.[...] (fl s. 3.091-3.102;

sem grifos no original.)

O Ministério Público Federal afi rma em seu recurso especial, litteris:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

686

A denúncia imputou a Lucivando Tibúrcio duas condutas a saber: a) Negligência

relacionada com as comunicações que tentou realizar com a aeronave Legacy e b)

Negligência ao não manter no console as freqüências alternativas para comunicação

com as aeronaves (sentença de fl s. 2.435-3.436).

A r. sentença o absolveu da imputação de ter agido com negligência no

estabelecimento de comunicação com a aeronave N600XL, recebendo a denúncia

quanto à imputação de negligência por não ter mantido no console as freqüências

alternativas para comunicação com as aeronaves, decisão que foi confi rmada pelo

r. acórdão vergastado.

[...]

Ao assim decidir o v. Acórdão negou vigência ao art. 261, § 3º do Código

Penal, pois a correta valoração das provas demonstra que em verdade Lucivando

Tibúrcio também agiu com negligência no estabelecimento de comunicação com a

aeronave Legacy. (fl s. 3.132-3.133; sublinhei).

O v. acórdão recorrido também confi rmou a absolvição de Leandro Barros

(fl s. 2.337-2.340), no que também violou o parágrafo 3º do art. 261 do Código

Penal.

A denúncia imputou a este acusado a conduta negligente quanto ao

procedimento para transferência da aeronave N600XL para o Centro de

Controle de Manaus nos seguintes termos:

Às 19h30m, o denunciado Leandro José Santos de Barros tomou assento

no console n. 08, na condição de assistente. Presenciou, assim, as duas últimas

malfadadas tentativas de comunicação realizadas por Lucivando Tibúrcio

de Alencar. Ambos incorreram, juntos, na omissão de aviso ao Cindacta 4

(Amazônico) sobre as falhas de transponder e de comunicação com a aeronave

N600XL, medida de rigor nessas situações, ex vi dos itens 7.14.6 e 14.4.10

da ICA 100-12. Andou pior, todavia, o assistente que incumbido de fazer a

coordenação da N600XL com o Centro Amazônico, deu a entender que as

comunicações por rádio com a aeronave ocorriam perfeitamente (...) (fls.

3.137).

Nesse contexto, o Ministério Público Federal se insurge contra a decisão

do Juízo Federal processante que absolveu sumariamente os ora Agravados,

a qual foi mantida pela Corte Regional, prosseguindo a ação penal contra os

demais denunciados, bem como contra Lucivando Tibúrcio de Alencar, em parte.

A controvérsia suscitada no recurso especial reside na confi guração ou não

de negligência dos controladores de vôo: Lucivando Tibúrcio de Alencar, por não

ter tentado imediato contato com a aeronave “legacy”, quando assumiu a posição

de controlador radar do Setor n. 8, a fi m de informar o não-funcionamento do

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 687

“transponder” cujo sinal não fora detectado pelo radar secundário do Centro

de Controle de Área Brasília; e Leandro José Santos de Barros, bem como

Lucivando, por não ter transmitido a informação das falhas de comunicação e

do “transponder” ao Centro de Controle de Área Manaus (próximo órgão de

controle do espaço aéreo na rota daquela aeronave).

O Recorrente, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional,

argui violação ao art. 261, § 3º; art. 263; e art. 258, todos do Código Penal, que

possuem, respectivamente, a seguinte redação, in verbis:

Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fl uvial ou aéreo

Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou

praticar qualquer ato tendente a impedir ou difi cultar navegação marítima, fl uvial

ou aérea:

[...]

Modalidade culposa

§ 3º - No caso de culpa, se ocorre o sinistro:

[...]

Forma qualifi cada

Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de

desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258.

(...)

Formas qualifi cadas de crime de perigo comum

Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza

grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte,

é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena

aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio

culposo, aumentada de um terço.

O caso dos autos revela fatos gravíssimos que implicaram a morte de

154 pessoas, uma verdadeira tragédia na história da aviação nacional, com

repercussão internacional, diante da colisão de duas aeronaves, em pleno vôo, em

espaço aéreo controlado pelo Centro de Controle de Área Brasília (ACC-BS),

sediado na Unidade Militar Cindacta-I (Primeiro Centro Integrado de Defesa

Aérea e Controle de Tráfego Aéreo) em Brasília-DF.

O avião Boeing/737-800, prefixo PR-GTD, da companhia Gol

Transportes Aéreos S/A, partiu de Manaus-AM, com destino a Brasília-DF;

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o Embraer/Legacy 600, prefi xo N600XL, recém adquirido pela empresa Excel

Air Service, decolou de São José dos Campos-SP, com destino a Manaus-AM.

O que aconteceu naquele fatídico acidente, em suma, foi a colisão dessas

duas aeronaves quando, seguindo a autorização recebida pelos órgãos de controle

envolvidos, voavam em aerovia superior, no mesmo nível de voo 370 (37.000

pés), em sentidos opostos. Com o choque, apenas o Boing/737-800 da GOL

se desestabilizou e sofreu vertiginosa queda até o solo; o Embraer/Legacy 600,

embora avariado, logrou efetuar pouso de emergência na Base Aérea da Serra do

Cachimbo, sul do Estado do Pará.

O presente recurso do órgão acusador se volta contra a decisão do Juiz

Federal processante que, analisando o complexo material fático-probatório,

concluiu pela absolvição sumária de alguns dos acusados, o que foi revisto e

mantido pela Corte Regional.

Como é sabido e consabido, o recurso especial não transmuda este Superior

Tribunal de Justiça em “terceira instância” revisora dos fatos e provas coligido e

analisados pelas instâncias ordinárias. Com efeito, a discussão que se trava

na via recursal especial, nos termos da competência estabelecida no art. 115,

inciso III, da Constituição Federal, fi ca adstrita a questões em torno de teses

jurídicas, na medida em que a missão atribuída pela Carta Magna ao Superior

Tribunal de Justiça é, precipuamente, a uniformização da interpretação do

direito infraconstitucional. Por isso, a Súmula n. 7 desta Corte: “A pretensão de

simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

E foi justamente esse o óbice processual levantado, com acerto, pelo

Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para

inadmitir o recurso especial.

Embora o combativo membro do Ministério Público Federal, de antemão

até, tenha sustentado que pretendia, não a simples revisão de provas, mas a mera

valoração, concessa venia, não é disso que o recurso deduzido trata.

Observa-se que o zeloso Juiz Federal processante, debruçando-se

sobre o extenso e complexo acervo probatório – com particular destaque às

declarações prestadas pelo controlador de voo do Centro Manaus Francisco

Roberto Agustinho Freire e ao laudo pericial realizado pela Polícia Federal,

descrevendo, com detalhes, toda a informação disponível na tela do console

do Centro Manaus – concluiu, de forma assertiva e fundamentada, no sentido

de que, “Analisada assim a prova, pode-se dizer que omissão quanto à falha

do transponder na mensagem passada por Lucivando e Leandro não infl uiu

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 25, (229): 579-691, janeiro/março 2013 689

em nada no comportamento do servidor de Manaus, que – é bom observar –

já tinha na tela de seu console essa informação. Assim como tinha, e aí com

precisão, a posição do avião da Gol: identifi cação, altitude e direção (proa). O

servidor de Manaus, portanto, sabia dos problemas do transponder, tinha exato

conhecimento da altitude e rumo da aeronave da Gol e recebeu a mensagem de

Brasília de que o avião Legacy voava no nível ‘360’.”

E, mais uma vez, a partir da análise percuciente do caderno probatório,

concluiu que, “Ainda que o servidor de Manaus tivesse sido avisado da falha de

comunicação, nada indica que ele conseguiria estabelecer contato com o Legacy,

antes pelo contrário. E isso na pressuposição de que ele agiria prontamente,

considerando-se que ele recebeu a informação de Manaus – informação de

passagem – cerca de 02 minutos antes do acontecimento fatal.”

A Corte Regional manteve a absolvição dos ora Recorridos, ao

entendimento de que não restara demonstrada a negligência nas condutas.

Afirmou categoricamente ser “Irrepreensível [...] a análise do material

probatório realizado por sua excelência, razão pela qual, de igual modo, no

particular, reconheço remanescer apenas quanto ao acusado Lucivando Tibúrcio

a imputação relativa ao comportamento omisso levado a efeito na confi guração

das frequências da rádio do console em que operava, consoante exaustivamente

demonstrado seja pela acusação seja pelo decisum impugnado, sendo certo que

nesse ponto inclusive a defesa conformou-se com o resultado.”

É oportuno ressaltar que, conforme apurado pelas instâncias ordinárias

após exaustivo exame das provas, os controladores de voo, ora Recorridos, ao

assumirem suas posições de trabalho no console, substituindo seus antecessores,

receberam a errônea informação de que a aeronave “legacy” estava mantendo

o nível de voo 360 (36.000 pés), quando, na verdade, perfazia seu voo no nível

370 (37.000 pés), mesmo da aeronave da GOL, que se deslocava em sentido

contrário na mesma aerovia. O controlador do Centro de Controle de Área

Manaus recebera a mesma informação errônea e não tinha na tela radar dados

que sugerissem a necessidade de adoção de alguma medida de separação das

aeronaves referidas. E, por isso, concluíram ser desimportante a conduta dos ora

Recorrentes, afastando ab initio a imputação de culpa por negligência.

Obiter dictum, anoto que o quadro fático delineado pelas instâncias

ordinárias parece evidenciar uma grave e inegável falha do Centro de Controle

de Área Brasília – órgão responsável pelo controle do tráfego aéreo na região em

questão –, quando autorizou duas aeronaves a ocupar o mesmo nível de voo, na

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mesma rota, em sentidos opostos, em aerovia superior, espaço aéreo controlado,

vale dizer, onde todas as aeronaves devem seguir estritamente o que ordenar

o Centro de Controle que, repita-se, é o responsável por prover a separação e

segurança das aeronaves no setor.

Contudo, os ora Recorridos não deram tal autorização. Receberam

informações errôneas tanto do equipamento quanto de seus antecessores no

Setor. Nem a tela-radar nem o sistema automatizado lhes desmentiam tais

informações. Nesse cenário, mostra-se subsistente e fundamentada a conclusão

tanto do magistrado singular quanto da Corte Regional pela absolvição sumária

desses Réus.

E, de fato, a Corte de origem, após minucioso cotejo do conjunto fático

probatório, afastou a tipicidade da conduta culposa prevista no art. 261, § 3º,

do Código Penal, por considerar que não estava presente a negligência na

conduta dos controladores de voo ora Recorridos, Lucivando Tibúrcio de Alencar

e Leandro José Santos de Barros.

Assim, para se infi rmar a conclusão exarada pelas instâncias ordinárias,

seria necessário proceder à aprofundada reapreciação das provas produzidas no

feito, o que não é possível na via do recurso especial, em face do já referido óbice

previsto na Súmula n. 7 deste Superior Tribunal de Justiça.

No mesmo sentido, ilustrativamente, os seguintes precedentes:

Penal. Reconhecimento da atipicidade da conduta do agravante. Rejeição

da denúncia. Impossibilidade. Necessidade de exame das provas dos autos.

Incidência da Súmula n. 7-STJ. Decisão mantida por seus próprios fundamentos.

1. É cediço que em sede de recurso especial não é possível a reanálise dos fatos.

Tendo o acórdão objurgado decidido a lide com fulcro nos elementos probatórios

colacionados ao feito, reavaliar se encontram-se presentes os requisitos para o

oferecimento da denúncia esbarra no óbice contido na Súmula n. 7-STJ.

2. Agravo a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 1.345.287-MG, 5ª Turma,

Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 29.9.2011.)

Agravo regimental no agravo de instrumento. Roubo seguido de morte.

Alegação de ofensa ao art. 29, § 2º, do Código Penal. Pretensão de reexame do

material fático-probatório. Impossibilidade. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.

1. Observa-se que o Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias

fáticas da causa, concluiu que os elementos de convicção acostados aos autos são

sufi cientes para alicerçar a condenação do recorrente pela prática do crime de

roubo seguido de morte.

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2. Com efeito, ao contrário do sustentado pelo ora agravante, a questão submetida

ao Superior Tribunal de Justiça não se limita à valoração das provas dos autos, pois a

sua intenção, na realidade, esbarra no óbice da Súmula n. 7 desta Corte, razão pela

qual a decisão agravada deve ser mantida por seu próprios fundamentos.

3. Cumpre notar que “A chamada ‘valoração de prova’ a ensejar o recurso especial

é aquela em que há errônea aplicação de um princípio legal ou negativa de vigência

a norma pertinente ao direito probatório (AgRg no Ag n. 16.138-SP, Relator Ministro

Barros Monteiro, DJ 4.10.1993), questões essas não alegadas pelo recorrente ao

manejar o recurso especial.

[...]

6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 1.309.014-SC,

Sexta Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe de 21.2.2011.)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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