Quotidiano e Poder Em Sao Paulo No Sec XIX

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DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX: Ana Gertrudes de Jesus. São Paulo: Brasiliense, 1984. Lidiane Álvares Mendes* A obra tem seu foco central nas relações femininas da sociedade paulista do século XIX, esmiuçando de forma ímpar as fontes documentais, Maria Odila, analisa e problematiza a condição feminina, enxergando nas entrelinhas destas fontes, o processo de sobrevivência, e de ser da condição feminina. A estrutura de sua obra tem como base a constante relação das mulheres em potencializar seu espaço, o que neste período gerou conflitos tanto com o poder público, que diante dessas mulheres consideradas libertárias, viam-se continuamente em conflitos, os aparatos normatizadores delimitavam através das leis, os espaços nos quais essas mulheres pobres, sozinhas ou chefes de família deveriam permanecer. Quanto ao setor privado, que não empregava em suas residenciais ou comércios, mulheres nessas condições, transferindo para o Estado a responsabilidade da permanência dessa mulheres na sociedade. Porém, as quitandeiras, lavadeiras, artesãs, bordadeiras, cozinheiras, domésticas e sobretudo arreio de família necessitavam burlar o sistema e trabalhar, levar o sustento para suas casas, sobreviverem as normas impostas por uma sociedade masculina. Dessa forma, o trabalho autônomo e temporário fora a solução encontrada por elas, trabalho esse realizado de porta em porta, na vizinhança ou por encomendas, tornando uma afronta aos comerciantes, pois seus preços mais

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A obra tem seu foco central nas relações femininas da sociedade paulista do século XIX, esmiuçando de forma ímpar as fontes documentais, Maria Odila, analisa e problematiza a condição feminina, enxergando nas entrelinhas destas fontes, o processo de sobrevivência, e de ser da condição feminina.

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DIAS, Maria Odila Leite da Silva.Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX:

Ana Gertrudes de Jesus. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Lidiane Álvares Mendes*

A obra tem seu foco central nas relações femininas da sociedade paulista do século

XIX, esmiuçando de forma ímpar as fontes documentais, Maria Odila, analisa e problematiza

a condição feminina, enxergando nas entrelinhas destas fontes, o processo de sobrevivência, e

de ser da condição feminina.

A estrutura de sua obra tem como base a constante relação das mulheres em

potencializar seu espaço, o que neste período gerou conflitos tanto com o poder público, que

diante dessas mulheres consideradas libertárias, viam-se continuamente em conflitos, os

aparatos normatizadores delimitavam através das leis, os espaços nos quais essas mulheres

pobres, sozinhas ou chefes de família deveriam permanecer. Quanto ao setor privado, que não

empregava em suas residenciais ou comércios, mulheres nessas condições, transferindo para o

Estado a responsabilidade da permanência dessa mulheres na sociedade.

Porém, as quitandeiras, lavadeiras, artesãs, bordadeiras, cozinheiras, domésticas e

sobretudo arreio de família necessitavam burlar o sistema e trabalhar, levar o sustento para

suas casas, sobreviverem as normas impostas por uma sociedade masculina. Dessa forma, o

trabalho autônomo e temporário fora a solução encontrada por elas, trabalho esse realizado de

porta em porta, na vizinhança ou por encomendas, tornando uma afronta aos comerciantes,

pois seus preços mais baixos provocavam perdas ao comércio, gerando um processo de

segregação, empurrando-as aos lugares mais distantes de São Paulo.

A autora analisa em seu primeiro capítulo, este espaço reservado às mulheres pobres,

ou pobres mulheres que buscam entender a relação de trabalho, onde procuravam entender o

porque elas poderiam circular oferecendo suas mercadorias e mão de obra em determinados

lugares e em outros eram repreendidas. Nesta mesma parte do texto podem-se perceber as

inúmeras teias de relações desses sujeitos sociais: o compadrio, a amizade, a vizinhança, o

concubinato, a proteção, tais relações que formavam uma rede de proteção ao redor dessas

desprovidas.

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*Lidiane Álvares Mendes, mestranda em História / UFAM/ Bolsista FAPEAM

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Considerando que a maioria da população desse período era analfabeta, a autora

esmiúça nas fontes documentais o fazer-se ouvir dessa mulheres, que através de seus gritos

engendravam suas atividades, além disso, os trejeitos, os gestos, o balançar das “cadeiras” e o

rosto dos que as viam passar, não constam nas fontes documentais dessa forma resta aos

historiadores imaginar, o quão essas mulheres brancas empobrecidas, moças brancas sem

dotes, negras forras e escravas, mulatas agregadas, enfim mulheres que viviam de suas

agências e batalhavam pela sua sobrevivência, incomodavam a elite.

As análises documentais seguem abordando a figura dessas mulheres, que

envergonhadas de seu status quo, escondiam-se atrás de suas mercadorias, algumas mulheres

brancas empobrecidas, sem dotes, viviam em concubinato, sujeitando-se a essa situação para

sobreviverem, outras rechaçadas de seus ciclos sociais, necessitavam fazer trabalhos que antes

repugnavam, na outra ponta as negras forras, escravas livres, filhas da colonização viviam a

seu modo, e de forma geral, muitas se entregavam a prostituição para complementar a renda.

Nas reflexões finais a autora reitera pontos que expostos em sua obra se firmam no

contexto como a família matrifocal, os agregados, os filhos criados sem a presença ou ajuda

financeira dos pais, a relação de dependência que se construiu em torno dessa mulher.

Quotidiano e Poder, faz jus ao título, pois as referências documentais que sustentam as

discussões propostas ao longo da obra, problematizam o papel da mulher pobre em toda a sua

essência e existência e os conflitos com a sociedade elitizada, os comerciantes e o poder

público.