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r 1. INTRODUÇAO - 317 - III.4 - EVOLUÇAO DA PLATAFORMA NOS OLTIMOS 18 000 ANOS Os dados sedimentologicos, morfologicos e radiocronologicos apontados no capitulo anterior, embora não possibilitassem a de uma curva de variação do nIvei do mar para a plataforma portuguesa setentrional, permitem estimar a forma como os principais episodíos detectados em areas comparÃveis estão "marcados" na plataforma estudada. o faseamento da deglaciação e das consequentes modificações marinhas (nivei relativo do mar, temperatura, salinidade, circulação), climÁticas e bi6ticas por ela induzidas é complexo e não esta, ainda, bem estabelecido. A maior parte das cronologias propostas têm por base os resultados obtidos, numa região, com o estudo das modificações de um dos parâmetros atras apontados. Actualmente verifica-se tendência f!ra balizar os vArios episodios com datações "absolutas" obtidas pelo metodo do C. Muitos dos resultados obtidos baseiam-se no estudo das modificações faunisticas (principalmente das tanatocenoses de foraminiferos), da sua composi,ão isotopica (de onde ressalta a varia,ão de 180 ) e dos contrastes texturais e composicionais registados nos sedimentos oceânicos. No entanto, estes sedimentos são muitas vezes sujeitos a modificações induzidas pela bioturbação e por correntes, em resultado das quais, o impacto das variações climàticas, registado em sondagens que amostram as camadas sedimen- tares mais superficiais do fundo oceânico, tende a ser esbatido. Outro factor a ter em atenção nesses estudos é o do "tempo de reacção" às variações ambientais. A este proposito refere-se, por exemplo, que CLARK & LIN- GLE (1977) calcularam que o nive1 do mar levaria cerca de 8 000 anos a resta- belecer o equillbrio apos uma modificação da calote antàrctica. As modificações imediatas na biosfera parecem ser bastante mais rApidas. Todavia, o seu registo nos sedimentos pode mostrar atraso. Basta, para tal, considerar o tempo que particulas como os polens levam a atingir o fundo do oceano, apos a introdução, na região continental adjacente, das espécies que os produziram. A nivel mundial, a região cuja evolução climAtica, nos últimos 18 000 anos, é melhor conhecida, e a do Atlântico Norte, na margem leste do qual se situa a plataforma estudada. Este conhecimento é resultante do trabalho realizado no âmbito do projecto CLIMAP (acronimo de Climate Long-range Investigation Mapping And Prediction), ao qual se vieram juntar os estudos desenvolvidos por um grupo de investigadores da Universidade de Bordéus. O conjunto de todas as conclusões obtidas foi recentemente sumarizado por RUDDIMAN & McINTYRE (1981). Consideram estes autores a existência de 5 fases principais nos últimos 20 000 anos, nas quais a localização da frente polar seria a que estA expressa nos mapas da fig.110. O máximo glaciário ocorreu cerca de 22 000 anos no hemisferio Sul e cerca de 18 000-19 000 anos no hemisferio Norte (SALINGER, 1981). Nesta altura, cerca de 8% da terra emersa estaria coberta por gelos, isto é, quase o triplo da área correspondente actual (KING, 1975). Desde esse periodo verificou-se um aquecimento climático gradual que atingiu o máximo há cerca de 9 000 anos na zona Australia Nova Zelândia, e ha 6 000 anos no hemisferio setentrional

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1. INTRODUÇAO

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III.4 - EVOLUÇAO DA PLATAFORMA NOS OLTIMOS 18 000 ANOS

Os dados sedimentologicos, morfologicos e radiocronologicos apontados no capitulo anterior, embora não possibilitassem a constru~ão de uma curva de variação do nIvei do mar para a plataforma portuguesa setentrional, permitem estimar a forma como os principais episodíos detectados em areas comparÃveis estão "marcados" na plataforma estudada.

o faseamento da deglaciação e das consequentes modificações marinhas (nivei relativo do mar, temperatura, salinidade, circulação), climÁticas e bi6ticas por ela induzidas é complexo e não esta, ainda, bem estabelecido. A maior parte das cronologias propostas têm por base os resultados obtidos, numa região, com o estudo das modificações de um dos parâmetros atras apontados. Actualmente verifica-se tendência f!ra balizar os vArios episodios com datações "absolutas" obtidas pelo metodo do C. Muitos dos resultados obtidos baseiam-se no estudo das modificações faunisticas (principalmente das tanatocenoses de foraminiferos), da sua composi,ão isotopica (de onde ressalta a varia,ão de 180 ) e dos contrastes texturais e composicionais registados nos sedimentos oceânicos. No entanto, estes sedimentos são muitas vezes sujeitos a modificações induzidas pela bioturbação e por correntes, em resultado das quais, o impacto das variações climàticas, registado em sondagens que amostram as camadas sedimen­tares mais superficiais do fundo oceânico, tende a ser esbatido.

Outro factor a ter em atenção nesses estudos é o do "tempo de reacção" às variações ambientais. A este proposito refere-se, por exemplo, que CLARK & LIN­GLE (1977) calcularam que o nive1 do mar levaria cerca de 8 000 anos a resta­belecer o equillbrio apos uma modificação da calote antàrctica. As modificações imediatas na biosfera parecem ser bastante mais rApidas. Todavia, o seu registo nos sedimentos pode mostrar atraso. Basta, para tal, considerar o tempo que particulas como os polens levam a atingir o fundo do oceano, apos a introdução, na região continental adjacente, das espécies que os produziram.

A nivel mundial, a região cuja evolução climAtica, nos últimos 18 000 anos, é melhor conhecida, e a do Atlântico Norte, na margem leste do qual se situa a plataforma estudada. Este conhecimento é resultante do trabalho realizado no âmbito do projecto CLIMAP (acronimo de Climate Long-range Investigation Mapping And Prediction), ao qual se vieram juntar os estudos desenvolvidos por um grupo de investigadores da Universidade de Bordéus. O conjunto de todas as conclusões obtidas foi recentemente sumarizado por RUDDIMAN & McINTYRE (1981). Consideram estes autores a existência de 5 fases principais nos últimos 20 000 anos, nas quais a localização da frente polar seria a que estA expressa nos mapas da fig.110.

O máximo glaciário ocorreu há cerca de 22 000 anos no hemisferio Sul e há cerca de 18 000-19 000 anos no hemisferio Norte (SALINGER, 1981). Nesta altura, cerca de 8% da terra emersa estaria coberta por gelos, isto é, quase o triplo da área correspondente actual (KING, 1975). Desde esse periodo verificou-se um aquecimento climático gradual que atingiu o máximo há cerca de 9 000 anos na zona Australia Nova Zelândia, e ha 6 000 anos no hemisferio setentrional

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Dias, J. M. Alveirinho (1987) - Dinâmica Sedimentar e Evolução Recente da Plataforma Continental Portuguesa Setentrional.. Dissertação de Doutoramento, 384p., Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
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(OLAUSSON, 1985).

Cerca de metade dos gelos fundidos na sequência deste aquecimento climático foram drenados para o oceano no periodo compreendido entre 13 000 e 9 000 anos AP (Antes do Presente), e pelo menos 25% após essa data. Por consequência, a malor parte da água introduzida nos oceanos em consequência da deglacia~ão ocorreu nesse perlodo, sendo cerca de 80% drenada para os oceanos Atlântico e Ártico, 5% para o Pacifico Norte e o restante para os oceanos do hemisfério Sul (OLAUSSON, 1985).

Fig.110 - Posi~ões da frente polar nos per!odos indicados (em anos antes do presente). Segundo RUDDIHAN & HclNTYRE (1981).

Tentar-se-ão, deduzir, em seguida, a partir dos elementos disponlveis, as caracteristicas principais das repercussões da deglacia~ão na região estudada. Ensaiar-5e-à, tambem, a interpreta9ão das variações presentes nalguns testemunhos de sondagens de sedimentos efectuadas em 1982, no decurso do cruzeiro FAEGAS IV, promovido pela Universidade de Bordeus(*). Os dados de base estão publiçados em FAUGERES et alo (1984). Correspondem a linha de amostragem (KS8207 a KS82l3), com disposição~E-SW, localizada ao largo do Porto - Aveiro; a três sondagens efectuadas na vertente continental junto ao canhão da Nazare (KS8214 a KS8216); e a outras três correspondentes à parte distal do referido canhão (KS8217 a KS8219). Nos elementos de datação considerados tiveram-se em conta dados de indole biológica e de indole fisico-quimica (FAUGERES et al.j 1984). A descrição gráfica dos resultados encontra-se na fig.111. --

(*) - Agradecemos a J.-C. Faugeres e a E. Gonthier, da Universidade de Bordeus I, a cedência de alguns elementos complementares, bem como de amostras dos niveis granulometricamente mais grosseiros dos testemunhos, as quais estamos agora a come~ar a estudar.

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Fig.11lb - Descri~ões grÁficas dos testemunhos das sondagens FAEGAS IV publica­das em FAUCtRES ~~. (1984). Os estÁdios isotopicos estão assinalados entre parenteses, encontrando-se tamb~m marcadas as localizações das terminações IA e 18. Os grÁficos que não estão limitados inferiormente por traço continuo representam apenas as partes superiores dos testemunhos. A localização das son­dagens esta assinalada no mapa integrado na figura. 1 - litologiaj e - estru­tura; c - % carbonatos; m - m~dia; i - idade.

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2 • o GLACIARIO

2.1. o Maximo Glaciario

No maximo glaciario (fase I de RUDDIMAN & McINTYRE, 1981), a configura,ão dos processos de fornecimento de partlculas para o depositario da plataforma, bem como os de distríbui~ão, eram substancialmente diferentes dos actuais. Os dados obtidos nas Áreas de compara~ão que têm sido referidas permitem pressupôr que o nlvel relativo do mar estaria, na plataforma estudada, abaixo da cota -120m. As áreas das bacias hidrográficas eram, portanto, nessa altura, bastante maiores que as actuais, e a competência dos rios bastante mais elevada. Tambem do ponto de vista climático e de tipo de cobertura vegetal as caracterlsticas eram muito diferentes.

A frente polar constitui .gradiente bem marcado da temperatura das aguas superficiais, reconhecido como fronteira entre as águas polares, caracterizadas pela associa~ão mono-especifica de Globoguadrina pachyderma sinistrógira, e as aguas subpolares em que se desenvolve maior diversidade de foraminiferos planctonicos (RUDDlMAN & McINTYRE, 1977). Localizava-se, no último maximo glaciario, à latidude (ou imediatamente a Norte ou a Sul) da plataforma estudada (McINTYRE et al., 1976; PUJOL, 1980; MOLINA-CRUZ & THIEDE, 1978; RUDDIMAN & McINTYRE, ~981). O inlandsis escandinavo atingia, nessa altura, a sua latitude mais baixa (ROGNON, 1976), encontrando-se a glacia,ão das montanhas do ocidente iberico no seu maximo (DAVEAU, 1980).

Existiram grandes assimetrias espaciais, climáticas e cronológicas entre as capas de gelo do hemisfério Norte. Com efeito, no máximo glaciário, as maiores penetra~ões latitudinais das calotes glaciárias ocorreram nas regiões circun­vizinhas do Atlântico. Na Eurásia, embora se tivessem constituido zonas glaciárias na Sibéria, a maior expansão dos gelos verificou-se na parte ociden­tal (Feno-Escândia). Estas correspondiam, no entanto, apenas a um sexto ou um setimo das areas glaciadas na America do Norte (VELICHKO, 1981). A expansão das calotes glaciarias chegou abaixo da latitude 40 0 N na margem ocidental do Atlântico, enquanto na Europa apenas teria atingido os SOoN (McINTYRE et al., 1976). Tambem do ponto de vista climÁtico existia contraste entre estas regiões glaciadas, verificando-se maiores precipitações e menores temperaturas na parte americana (VELICHKO, 1981). Como se referira ma's à frente, a historia da deglacia,ão foi tambem bastante diferente de um e outro lado do Atlântico.

As grandes regiões climáticas a sul da frente polar, nomeadamente na Europa, estavam, nessa altura, restringidas a comprimento latitudinal bastante menor que o actual, o que provocava intensos contrastes regionais, com fortes gradientes térmicos não 50 no sentido Norte-Sul mas também verticais. O ces lo­camento das depressões atmosféricas efectuava-se, no Inverno, mais a Sul do que se verifica actualmente. A região da ilha da Madeira constituía, provavelmente, o seu centro de formação, progreJindo depois em direcção ao estreito de Gibral­tar, ou mesmo do Sahara, sendo as águas muito frias do Mediterrâneo pouco favoraveis à regenera,ão destas depressões vindas do Atlântico (DAVEAU, 1980).

A temperatura superficial do Atlântico era, ao largo da Galiza, da ordem dos 20 C no Inverno, aumentando rapidamente para Sul (McINTYRE, 1976). Na 'região estudada, junto ao litoral de ha 18 000 anos, a temperatura das aguas era infe­rior a 40 C no Inverno, existindo gradiente térmico E-W de intensidade bastante superior à do gradiente latitudinal. Com efeito, apenas a cerca de 200Km mais ao largo, registavam-se ja temperaturas entre 120 C e 14 0 C (MOLINA-CRUZ & THIEDE, 1978; THIEDE, 1980). A distribui,ão dos conjuntos faunlsticos de foraminlferos planctonicos "polares" sugere a existência, neste periodo, de uma corrente costeira de águas polares frias, dirigida de Norte para Sul, ao longo da margem portuguesa (MOLINA-CRUZ & THIEDE, 1978).

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t provável que icebergs passassem então frente a Portugal, em estado de fusão acelerada (CUILLIEN,1962), chegando a atingir a margem marroquina, o que e atestado pela existência, nos sedimentos, de materiais com indicias de tran­sporte pelos gelos (KUDRASS, 1973). Aliás, o único foraminifero planctonico ver­dadeiramente polar, a Globoquadrina pachyderma levogira, geralmente associada a sedimentos que recebem contribui~ão consideravel de materiais transportados por gelos flutuantes, parece ocorrer,com maior incidência, nos depositas desta idade, no golfo da Biscaia. Pode, no entanto, ser seguida mais para Sul, ao longo da margem portuguesa (THIEDE, 1980), o que tende a confirmar a existência, no per!odo glaciario, de estreita extensão para Sul, ao longo da margem oeste­ibérica, da massa de agua polar incorporada no sistema de correntes da parte oriental do Atlântico (paleo-correntes de Portugal e Canárias?). O estudo da microfauna, principalmente dos foraminlferos, sugere ainda a existência de fenómenos de "upwelling", possivelmente mais intensos que os actuais, na zona de Marrocos (ROCNON, 1980) e provavelmente, maIS para Norte, até à região onde se situa a plataforma estudada (MOLINA-CRUZ & THIEDE, 1978).

~ provavel que, há 18 DOO anos, as esta~ões chuvosas tenham sido muito mais duradouras do que as que se verificam actualmente, ocorrendo as malares precipita,ões no Outono e Primavera (DAVEAU, 1980). Segundo esta autora, devia existir contraste muito forte entre o ambiente frio da faixa atlântica, com muita neve, ventos violentos e nebulosidade elevada, e o resto da Pen!nsula, muito mais seco e soalheiro. As analises polinicas sugerem que na reglao do Bis­caia a vegeta,ão dominante era do tipo herbáceo (PUJOL & TURON, 1974). O Sul da Peninsula Iberica e o NW africano estavam, então, cobertos por florestas de car­valhos e pinheiros (FLORSCHUTZ ~ al., 1971).

A analise detalhada da batimetria sugere que o rio Vouga desaguava, então, no canhão de Aveiro e o rio Ave no canhão do Porto, parecendo existir tambem alguma rela~ão entre alguns dos principais barrancos que sulcam a vertente con­tinental e alguns rios que afluem a esta zona da plataforma (fig.112). O litoral encontrar-se-ia, há 18 000 anos, entre 25Km e mais de 45Km (consoante as zonas) para ocidente e a cerca de 120m (ou mais) abaixo do litoral actual. As caracteristicas climaticas conferiam aos rios aspectos muito diversos dos que hoje apresentam.

As principais serras desta região (Estrela, peneda, Gerês e Cabreira) ostentavam, nas partes mais elevadas, espessas acumula~ões de gelo (DAVEAU, 1977; 1986; COUDt-CAUSSEN, 1978; COUDt, 1983), que se insinuavam depois nas gar­gantas inclinadas perifericas, acabando rapidamente devido aO forte gradiente térmico vertical (DAVEAU, 1980). Tambem junto ao litoral, indicias vários de ordem sedimentologica e geomorfologica permitem deduzir manifesta~ões de frio a baixa altitude (CARVALHO, 1964, 1983; DAVEAU, 1973, 1986; RAYNAL, 1985), presumivelmente neste periodo.

A erosão flavio-glaciaria, a fusão estival dos gelos e as pluviosidades primaveris e outonais intensas, conferiam aos rios fortes caudais h!dricos que provocavam o transporte de grandes cargas solidas, em que a quantidade de materiais grosseiros era elevada. Como o nivel de base estava muito abaixo do actual, as zonas hoje ocupadas pelos tro~os terminais dos rios correspondiam,1 nesses tempos, a vales bastante mais profundos, os quais se encontravam em fase erosiva intensa. A existência de sedimentos grosseiros nas partes mais profundas de sondagens efectuadas nos vales dos rios, os quais se podem correlacionar com o maximo glaciário, tendem a confirmar as ila~ões atras expressas.

Atendendo ao nÚmero de rios, regime de escoamento e caracteristicas das áreas drenadas, o sector setentrional da plataforma era, nesse perlodo (como, aliás, actualmente), bastante melhor ab~stecido do que o meridional. Os ventos e a ondula,ão dominante provinham, então, provavelmente, de Oeste (PUJOL, 1980). A

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anAlise da orientação presurnlvel do paleo-litoral permite concluir que a deriva litoral seria, no sector a norte do canhão do Porto, menos intensa do que a actual e com resultante N-S, verificando-se o inverso a Sul deste canhão. Assim, a zona do canhão do Porto constituiria região de divergência da ondulação, onde e passivel que se tenham constituldo cordões arenosos, do tipo barreira, presumivelmente relacionados, tambem, com a paleo-desembocadura do rio Ave.

Considerando a rela~ão que parece existir actualmente entre a largura das plataformas continentais e a amplitude das mares (REDFIELD, 1958; CRAM, 1979), a pequena largura da plataforma portuguesa então imersa permite pressupôr que a amplitude das mares era, então, bastante menor que a actual. Este ambiente provàvel de micro a meso-mares, propicio ao desenvolvimento de ilhas barreira (HAYES, 1979), ter-se-ia conjugado com a convergência da deriva litoral e o fraco pendor da região, para gerar amplos meios lagunares. t provàvel que os depositos que temos designado por "complexo sedimentar das cabeceiras do canhão do Portolt e que apresentam algumas semelhanç.as com a "Grande Vasiere ll do Golfo da Biscaia (VANNEY, 1969/70) e com as lagunas colmatadas do Golfe da Guine (TASTET, 1981), tenham a sua genese inicial relacionada com os meios lagunares que se desenvolveram sob protecç.ão dos cordões litorais referidos.

Como, nesta região, o litoral se localizava muito próximo do bor-do da pla­taforma, quase não existia circulaç.ão na plataforma. O forte pendor do fundo e refracç.ão muito limitada a que a ondulaç.ão de maior comprimento de onda era SUJeita, conjugavam-se para tornar o litoral zona muito energetica, que facili­tava a transferência de particulas para maiores profundidades. Assim, grande parte da carga solida trans?ortada pelos rios acabava por se depositar junto ao bordo da plataforma e na vertente continental superior, o que era tambem facili­tado pelos elevados caudais hidricos que se registavam, principalmente, na Pri­mavera. O fluxo de cheia devia então ser muito forte, transportando grandes quantidades de materiais directamente para a vertente continental superior. Ocasionalmente, verificar-se-iam grandes movimentaç.ões de sedimentos acumulados (devidas a movimentos rotacionais de tipo grav!tico, a remobilizaç.ão por tempes­tades maiores, ou a correntes de turbidez induzidas por fenómenos diversos), em consequência das quais se efectuava a transferência e dispersão dos materiais para maiores profundidades.

Com o inicio da deglaciaç.ão verificou-se uma subida eustàtica e o esta­belecimento de desequilibrios isostaticos. De acordo com o modelo de Clark (CLARK et ~., 1978), na zona em que a plataforma estudada se localiza, verificou-se inicialmente submergência moderada seguida de emergência, o que parece ser confirmado pelas curvas de variaç.ão do nivel do mar reproduzidas na fig.109. O inicio desta subida do nivel marinho relativamente ao continente teria deixado como vestigio a ruptura de pendor Rd (fig.l04).

2.2. Q Principio da Deglaciação

Com o começ.o da fusão dos gelos das calotes glaciàrias, a qual se deve ter iniciado, embora de forma moderada, ha 18 000 anos (RUDDIMAN & McINTYRE, 1981), inicia-se um processo de desequilibrio. Das zonas glaciadas e libertada grande quantidade de àgua, a qual e redistribulda pelos oceanos. Verifica-se, portanto, diminuiç.ão de pressão, numas regiões, e aumento de pressão noutras.! Esta transferência de pressões implica movimentos de reajustamento isostàtico, o tipo e intensidade dos quais varia consoante as regiões.

Como atràs se referiu, verificou-se provavelmente neste periodo, na pla­taforma estudada, submergência inicial da parte continental, seguida de ligeira emergência, o que parece ser comprovado pelas curvas de variaç.ão do nivel relativo do mar das zonas seleccionadas para comparação (fig.109). A falta de sincronismo por elas evidenciado pode ser atribuido não so às contingências

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inerentes às data~ões, mas tambem aos diferentes tempos de reac~ão dos factores envolvidos e a fen6menos de "ressonância". Com efeito, e a titulo exemplifica­tivo, refere-se que as variações eustaticas podem ser consideradas rápidas, mas induzem respostas isostaticas lentas. Estas variações conduzem a modificações climàticas (cuja velocidade pode não ser tão ràpida como a das modificações eustaticas) que acabam por alterar os padrões de circulação atmosférica e oceanlca, os quais podem induzir novas variações climaticas que, eventualmente, se reflectem no nlvel eustatico, gerando novos desequil!brios isostaticos. Acresce ainda que a ausência de sincronismo entre a retirada dos gelos na Europa e na América provocou, certamente, perturba~ões de ordem maior, CUjas consequências precisas estão ainda por determinar~

t provavel que, na plataforma portuguesa, o nivel relativo do mar tenha subido a ritmo moderado ate hà cerca de 16 000 anos, atingindo profundidades actuais da ordem dos 100m (ou, possivelmente, menos). Ter-se-ia, então, regIs­tado periodo de estabilização ou de pequena descida do nivel relativo do mar, o qual se teria prolongado ate hà cerca de 13 000 anos. As caracteristicas climáticas não eram, então, substancialmente diferentes das que foram descritas atràs .

Atribuimos a este periodo de estabilização ou descida temporària do nivel relativo do mar (que poderà corresponder à fase II de RUDDlMAN & McINTYRE, 1981), a formação dos Depósitos da Plataforma Externa, nomeadamente da faixa central, granulometricamente mais grosseira, e em que se denota um aumento da percentagem de bioclastos de moluscos relativamente às zonas lateralmente adja­centes. Esta faixa podera estar relacionada com um paleo-litoral correspondente a uma posi~ão mais baixa do nivel do mar, apos a qual se verificou eleva~ão muito ràpida do nivel marinho. Todavia, não e de excluir a hipótese de parte destes Depositas da Plataforma Externa estarem geneticamente relacionados com a fase I (màximo glaciário) de RUDDlMAN & McINTYRE (1981). No decurso deste per iodo de estacionamento ou varia~ão lenta do nivel relativo do mar, ter-se-iam constituido terra~os (Tf, Tg) e, em zonas propicias, desenvolveram-se arribas, como as que se situam ao largo do Minho (fig.104 e 113).

Como os ventos e a ondula~ão dominante continuavam a vIr de Oeste, a deriva litoral era, ainda, provavelmente pequena. No entanto, atendendo a que a pla­taforma submersa tinha ja maior largura, os fenómenos de refrac~ão da ondula~ão ganhavam maior amplitude. A divergência da ondula~ão na zona do canhão submarino do Porto teria conduzido à manuten~ão e amplia~ão do presumlvel ambiente lagunar ligado ao rio Ave, e sua provavel coalescência com o que se teria desenvolvido em ligação com a paleo-foz do rio Douro. A presença de acidentes morfológicos interpretados como cordões litorais, frente a estes rios e a profundidades compatlveis, podem constituir rellquias das barreiras arenosas que então confi­navam, pela parte externa, esses ambientes lagunares. Os afloramentos de rochas cretacicas existentes frente ao Minho emergiam, nessa altura, no litoral, con­stituindo a sua parte setentrional pequena pen!nsula, rapidamente transformada em ilha pela transgressão subsequente. Os cordões litorais atras referidos estariam "ancorados" nestas rochas consolidadas.

Embora não existam elementos de !ndole sedimentológica, é possivel que se tenha desenvolvido sistema analogo em conexão com o canhão submarino de Aveiro. A possibilidade de divergência da ondulação, a liga,ão presumivel ao rio Vouga e a existência de cordões litorais nessa zona, a profundidades da ordem da centena de mBtros, apontam nesse sentido. Teria, no entanto, amplitude muito menor que o do canhão do Porto porquanto, nem a Norte, nem a Sul, se encontraram vest!gíos sedimentologicos concludentes de tal sistema. Acresce, ainda, que o abastecimento em areias seria, aqui, muito menor que no sector setentrional, pois apenas o rio Vouga se apresenta como contribuinte importante. Com efeito, as areias debitadas pelos rios setentrionais, so dificilmente aqui poderiam

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chegar, porquanto o litoral não (devido à curta dura~ão deste atras, pouco intensa.

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teria oportunidade de entrar em período) e a deriva litoral era, como

equilibrio se referiu

A data~ão por 14C que obtivemos (amostra a NW da Figueira da Foz, colhida a 120m de profundidade) revelou idade superior a 14 000 anos AP. Não foi possivel determinar idade mais precisa porque o fundo (background) era, na altura, muito elevado. Ainda assim, esta idade parece coadunar-se com o esquema expresso atrase As rupturas de pendor designadas como Rc estão, possivelmente, aSSOCla­

das a este periodo e à transgressão rÁpida que se lhe seguiu (fig.113).

A anÁlise dos resultados obtidos com o estudo das sondagens FAEGAS IV parece estar de acordo com as interpreta~ões paleo-geograficas efectuadas. O per iodo atrÁs referido corresponde ao estÁdio isotópico 2, sendo limitado superiormente pela termina~ão IA, para a qual se aceita actualmente a idade de 13 SOO anos AP (DUPLESSY et al., 1981; DEVAUX, 1984). Verifica-se que, nas SOn­dagens efectuadas mais próximo do continente (KS8207 e KS8208), o estÁdio 2 não foi reconhecido. Como a drenagem, para maiores profundidades, dos materiais debitados pelos rios, se efectuava, preferencialmente, pelos canhões submarinos do Porto e de Aveiro, e de pressupôr taxas de acumula~ão muito pequenas na ver­tente continental superior situada entre os canhões, onde foram colhidos os testemunhos referidos.

Litologicamente, estes testemunhos são constituldos por vasas silto­argilosas carbonatadas ou pouco carbonatadas, exibindo laminações e lentlculas argilosas ou arenosas. Os contactos entre os diferentes niveis são, com frequência, do tipo erosivo. Reconhecem-se, tambem, niveis turbidlticos e de "debris-flow" com elementos, retomados, de argila compac~ada. Estes factos con­substanciam a hipótese da existência frequente, na vertente, de correntes turbiditicas e de deslocamentos do tipo gravitacional e, mesmo, de correntes de contorno.

Nas zonas mais profundas da vertente constata-se tendência para que as taxas de acumula~ão, neste estadio 2, aumentem com a profundidade. Assim, verifica-se que as taxas, que se podem considerar nulas, das sondagens efectua­das a cerca de 800m de profundidade, passam para valores de l,lcm/l 000 anos a 2 OOOm, superiores a 6cm/1000 anos a cerca de 3 SOOm, e superiores a llcm/l 000 anos perto de 3 800m de profundidade. Estes dados adequam-se bem a uma dispersão de materiais a partir, principalmente, dos troços superiores dos canhões do Porto e de Aveiro. ~ de referir ainda que se verifica, frequen­temente, elevação do valor da media granulometríca na metade superior dos sedi­mentos correspondentes a este estadia, em geral associado a depressão no conteúdo em carbonatos. Tal podera reflectir uma maior contribuição terrlgena associada ao perlodo regressivo que se tem vindo a referir, e/ou a aumento da contribuí~ão de materiais provenientes da fusão de icebergs.

Os testemunhos colhidos na parte distal do canhão da Nazare corresponcem ao flanco sul, ao eixo, e ao flanco norte deste canhão. As profundidades de colheita são, respectivamente, 4 360m, 4 9S0m e 4 020m. Os testemunhos pro­venientes dos flancos nor~e e sul do' canhão são constituldos, essencialmeIlte, por vasas silto-argilosas carbonatadas e pouco carbonatadas, com lamir.ações, apresentando-se, por vezes, bioturbados.

~ sondagem efectuada no eixo do canhão revelou dep6sitos grosseiros (areias finas a grosseiras e cascalhos) dispostos em sequências turbidlticas, entre os quais se intercalaram vasas muito pobres de micro-fauna. Apesar de não ter sido passiveI datar, com precisão, os diferentes nlveis deste testemunho (apenas foi passiveI atribuir-lhe idade correspondente ao Quaternário superior), os dados obtidos com estas sondagens apontam para funcionamento activo do canhão da

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Nazare ate à actualidade, o que por nós já foi defendido em capItulo anterior. O facto de, no estádio 2, as taxas de acumula,ão serem grandes (20cm/1 OOOanos) no flanco norte e pequenas (1,6cm/1 OOOanos) no flanco sul sugerem que as correntes de turbidez sofriam acentuado desvio para a direita, provavelmente devido à for,a de Coriolis (FAUGERES ~ ~., 1984).

3. ~ DEGLACIAÇAO

3.1. Os Periodos de Bolling ~ Allerod

o mÁximo da descarga para o Atlântico Norte, de agua proveniente da fusão de gelos, registou-se entre 13 000 e 9 000 anos AP (OLAUSSON, 1985), perlodo este que corresponde à fase III de RUDDIMAN & McINTYRE (1981). Esta introdu,ão de àguas frias e pouco salinas a partir das regiões mais a Norte induziu fortes perturba,ões no geóide e consequentes desequillbrios isostáticos.

As modifica~ões no clima e na circulação atlântica foram profundas. Assim, a reapari,ão da corrente do Golfo verificou-se entre 13 000 e 11 000 anos AP, o que provocou o desaparecimento rapido dos gelos no mar ao largo da Europa Ocidental (RUDDlMAN & McINTYRE, 1973). Tal modifica,ão induziu subida latitudi­nal rápida da circula,ão ciclónica (ROGNON, 1980) e recuo da frente polar para o NW do Atlântico (RIDDIMAN & McINTYRE, 1981).

Com base no estudo da variação das faunas de insectos dos niveis de turfa da Grã-Bretanha, CoaPE (1977) inferiu a existência de forte e abrupto aquecimento nessa região há cerca de 13 000 anos. O estudo das faunas de moluscos litorais revelou que a frente polar se localizava, por volta de 12 600 anos AP, já a Norte da costa SW da Noruega e que as águas atlânticas, mais quentes, penetravam no mar da Noruega (MANGERUD, 1977), o que e confirmado pelo estudo dos foraminiferos presentes em testemunhos colhidos no fundo do mar (PUJOL, 1980). As Terras Altas da Escócia encontravam-se, nesta altura, já livres de gelo (SISSON & WALKER, 1974).

Este per iodo de aquecimento climático corresponde aos estádios intergla­CiaiS de Bolling e de Allerod da sequência clássica da deglacia,ão na Europa (Van der HAMMEN, 1957). Todavia, na sequência clássica, estes interglaciais estão separados por periode mais frio, muitas vezes designado por Dryas media. A reinterpreta~ão recente desta sequência (MANGERUD et al., 1974; MANGERUD, 1977; BERGLUND, 1979) sugere que este per lodo mais-rri;-foi muito curto e de apenas pequeno arrefecimento, constituindo ° Bolling e o Allerod um ànico estadia interglaciário, essencialmente continuo, verificado entre 13 000 anOs AP e 11 000 anos AP (RUDDlMAN & McINTYRE, 1981).

Neste estádio (fase IIIa ou interglacial de Bolling-Allerod) a situa,ão no Atlântico NE era já parecida com a actual, send.o m'esmo as temperaturas das águas no golfo da Biscaia mais quentes que as que hoje se registam (DUPLESSY et al., 1981). A flora acompanhou esta melhoria climática gradual. A vegeta,ão predom­inantemente herbácea (embora com alguns Pinus) que caracterizava a paisagem do golfo da Biscaia e, possivelmente, da parte N da Peninsula Iberica (ai incluindo a região estudada), foi substituida por vegeta,ão de porte arbóreo (MENENDEZ­AMOR & FLORSCHUTZ, 1963; DUPLESSY ~ al., 1981).

Durante este per Iodo de rápida transgressão, os estuários dos rios teriam ficado em desequillbrio, tornando-se local de deposi~ão da maioria da carga sedimentar transportada pelos rios, bem como de muitos dos materiais transporta­dos ate aI por deriva litoral. Verificar-5e-ia, assim, intenso assoreamento das zonas estuarinas. A plataforma continental propriamente dita, estaria, neste perlodo, sujeita a regime de sedimenta~ão predominantemente autoctone. O mecan­ismo de transporte por deriva continental teria, nestas circunstâncias,

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Litoral actual / Paleo-Htoral " , Bordo da plata­forma

/ Deriva litoral / Ondul89ão dominante

Fig.lI2 - Configura~ão presumlvel do paleo-litoral da plataforma portuguesa setentrional hã 18 000 anos AP, 15 000 anos AP, 10 000 anos AP e quando o nivel do mar atingiu a cota actual (cerca de 2 500 AP).

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competência muito elevada (SWIFT, 1976b).

No final deste per!odo transgressivo, com a taxa de subida do nivel do mar mais lenta, os estuarios teriam tido possibilidade de entrar em equíllbrio com os respectivos deltas de jusante. A lenta translação litoral através da zona intracostal dos estuarios e lagunas teria provocado a forma~ão de pântanos e salgados atravessados por canais altamente energéticos. Estes sistemas consti­tuiriam autênticos filtros pois que as fracções finas da carga sedimentar flu­vial seriam as que eram sujeitas, preferencialmente, a transporte, conseguindo ser drenadas para a plataforma. As fracções mais grosseiras ficavam, assim, na maior parte, retidas no sistema. Este perlodo teria sido caracterizado por debito fluvial de carga sólida, para a plataforma, bastante reduzido, constituido essencialmente por areias finas e muito finas, siltes e argilas. Como estes materIaIS são susceptlveis de redistribui~ão rÁpida, não e de surpreender que não tenham deixado, na plataforma portuguesa, vestlgios facil­mente identificáveis com os metodos que utilizámos.

3.2. Q Dryas Recente

A seguir ao periodo da melhoria climática atrás referido (Bolling-Allerod) verificou-se, há cerca de 11 000 anos, grande deteriora~ão do clima no golfo da Biscaia e Atlântico NE, tendo as características de interglacial quente, sido substituidas por condi,ões glaciais bem marcadas (DUPLESSY et al., 1981). Este episodio frio e conhecido, entre outras designa~ões, por -Uryas recente, e corresponde à fase IIIb de RUDDlMAN & McINTYRE (1981). Não obstante ser de curta dura~ão, parece ter-se reflectido à escala mundial. Os glaciares ameri­canos e europeus voltam a expandir-se (EMILIANI, 1955; CURRAY, 1960; SISSONS, 1979; DUPLESSY et ~., 1981). A frente polar torna a descer em latitude. A fauna de moluscos que vive a Sul desta linha desaparece da costa SW da Noruega (MANCERUD, 1977) e verifica-se um arrefecimento generalizado das águas do Atlântico Norte (RUDDlMAN et al., 1977; DUPLESSY et al., 1981; RUDDlMAN & McIN-TYRE, 1981). - - - -

Proximo da região estudada, verifica-se novo avan~o, para Sul, das Águas polares. A frente polar torna a descer, instalando-se à latitude da Galiza (RUDDIMAN & McINTYRE, 1981). As temperaturas calculadas para o golfo da Biscaia são quase tão frias quanto o eram no máximo glaciário (DUPLESSY et al., 1981), o que permite pensar que, na plataforma portuguesa, a temperatura das-Xguas difi­cilmente atingiria os 100C.

o tipo de vegeta,ão dominante e sujeito a grandes modifica,ões neste perlodo. No litoral da Galiza, nomeadamente um pouco a Norte da foz do rio Minho, há indica,ães de que a um cl~ma litoral moderado (provavelmente correspondente ao Allerod), se seguiu uma crise climatica ao mesmo tempo seca e fria, com desapari,ão brusca das árvores, por volta de 11 650 anos AP (NONN, 1966).

Na plataforma portuguesa setentrional, o nivel relativo do mar, que teria subido, talvez, ate cotas da ordem dos -40m no decurso do Allerod, pode ter baixado neste per iodo (Dryas recente) ate abaixo dos -60m. Com efeito, os dados sedimentologicos sugerem regressão acentuada, para a qual parece lícito pressu­pôr origem eustatica, amplificada por forte sedimenta~ão litoral e passiveI compensa~ão isostÁtica, seguida por nova transgressão rÁpida.

Ao nivel dos acidentes morfológicos, a situação não é clara. No entanto, tendo em atenção que a dura~ão total das mudanças de interglacial para glacial e deste novamente para interglacial não teria durado mais que 4 000 anos (DUPLESSY et a1., 1981), isto e, que as oscila,ões do nivel do mar (subida muito rápida -pequena descida muito rápida - nova subida muito rápida) se teriam verificado

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nesse curto per!odo de tempo, não e de estranhar que exista interpenetração dos acidentes morfológicos associados aos sucessivos litorais.

As arribas identificadas frente ao Minho foram, se o esquema atrAs sugerido e correcto, retomadas no decurso do per!odo regressivo. Os terraços podem estar associados aos periodos de inflexão, ou seja, aos perlodos em que o nivel do mar inverteu a tendência de subida ou descida, pois o litoral teria permanecido nes­sas cotas durante mais tempo possuindo, por consequência, maior aptidão morfogenetica. Assim, é passivel que os terraços situados a cotas da ordem dos -40m correspondam ao nivel marinho mais elevado que precedeu o per!odo regres­SIVO, no auge do qual se teriam constituido os terraços localizados a -60m (fig.113).

Sob a influência deste regime regressivo, o litoral constituiria mais um local de deposição de materiais do que uma zona de transferência de sedimentos por deriva litoral. Os rios teriam aumentado a competência em virtude do abaix­amento do nivel base. Nos estuarios verificar-se-ia intensa erosão dos dep6sitos que ai se formaram durante o periodo transgressivo precedente. As areias suficientemente grosseiras, bem como os cascalhos, anteriormente deposi­tados e agora remobilizados e transportados pelo fluxo da mare vazante, libertar-se-iam do sistema estuarino e seriam capturadas pelo mecanismo da deriva litoral, acabando por constituir depositas litorais. As areias mais finas e os materiais silto-argilasos, transportados dos estuarios para o exte­rior em suspensão pelo fluxo da mare vazante, eram então redistribuidas pelo sistema dispersivo da plataforma. Estar-se-ia, portanto, em presença de um regime de sedimentação aloctone caracterizado por afluxo maciço de sedimentos fluviais, cujas caracteristicas texturais eram modificadas pela passagem atraves da zona costeira.

Os Dep6sitos da Plataforma Média ter-se-iam constituido neste periodo. As caracteristicas granulometricas que evidenciam (areias grosseiras, cascalhos) tendem a confirmar a amplitude e velocidade da regressão. As patinas que os grãos frequentemente exibem denunciam a exposição sub-aerea a que foram sujeitas.

As determinações de 14C a que procedemos parecem coadunar-se com este esquema de evolu,ão. As idades obtidas de 10 415~120 anos AP (amostra colhida frente a Aveiro, a 62m de profundidade) e de 11 120±180 anos AP (amostra colhida a SW do Porto, a 55m de profundidade) estão no dominio de idades (11 000 a 10 000 anos AP) apontado para este periodo. Considerando que o material anal­isado corresponde a particulas presumivelmente depositadas na praia submarina e que foram, certamente, sujeitas a remobilização (provavelmente limitada) e a exposição subaerea, e assinalavel a coincidência entre as idades e profundidades desta amostras e os valores atras apontados para estes depositos.

Comb se referiu atras, a temperatura das aguas era baixa, sendo provavel que, tal como hÁ 18 000 anos, se fizesse sentir a acção de uma corrente costeira de aguas polares, onde os icebergs não eram raros. Sob estas condições ter-se­ia desenvolvido um deserto litoral, pelo menos ate à latitude de Sintra, a jul­gar pelos depositas de vertente que testemunham um clima frio ate ao nivel actual do mar (DAVEAU, 1980, 1986), e por vestigios de solifluxão heterometrica e outros indicios sedimento16gicos no litoral minhoto (CARVALHO, 1964, 1982). Foi neste ambiente de deserto litoral que os grãos adquiriram as pÁtinas alaran­jadas e avermelhadas que ainda hoje revelam. Grande parte dos carbonatos teria então sido dissolvido (o que se coaduna com a escassez de clastos de moluscos do tipo IIR

I1 nestes depositos), sendo provÁvel que ocorressem fenómenos de consolidação de areias utilizando esse carbonato como matriz. Parte dos fragmentos de arenito com cimento carbonatado que hoje se encontram em amostras colhidas na plataforma teria aqui a sua orlgem.

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~ passivel que as rupturas de pendor Rb estejam associadas ao limite mais profundo das praias submarinas que se desenvolveram neste per lodo de abaixamento do nivel do mar e à acelerada transgressão que se lhe seguiu (fig.113).

Os resultados obtidos para as sondagens FAEGAS IV, no periodo compreendido entre as terminações IB e IA, às quais se atribui idade de 13 500 anos AP e 10 000 anos AP (DUPLESSY et aI., 1981; DEVAUX, 1984), parece ajustarem-se ao esquema evolutivo atras--descrito. Com efeito, nas sondagens menos profundas efectuadas na vertente continental (KS8207 e KS8208) verificam-se taxas de acumulação muito reduzidas, nulas ou negativas, consequência da reduzida deposição no glaciário, do estabelecimento e desenvolvimento da barreira energetica do bordo da plataforma no deglaciário, de deslocamentos graviticos, da erosão turbidltica e da actuação passiveI de correntes de contorno.

Nos testemunhos provenientes de maiores profundidades constata-se que as taxas de acumula~ão são, em geral, elevadas (10cm a 20cm/l OOOanos). O aumento da granulometria media observÁvel em vÁrios testemunhos, neste periodo, geral­mente associado a diminui~ão da percentagem de carbonatos, pode estar rela­cionado com o epis6dio regressivo do Dryas recente. Esta interpreta~ão parece estar de acordo, tambem, com os resultados obtidos por THIEDE (1977) em testemunhos de sondagens efectuadas na vertente e rampa continentais ibero­marroquinas, nos quais se verifica aumento de terrigenos grosseiros e depressão do conteúdo em carbonatos nos niveis cujo inicio de deposição foi estimado em 11 000 anos AP.

Este epis6dio regressivo terminou, provavelmente, hã pouco maIS de 10 000 anos, seguindo-se-lhe perfodo de subida do nivel do mar extremamente rÁpida, a qual marca o inicio do Holocenico, e que devido á grande velocidade de migra~ão do litoral, apenas induziu pequenas modifica~ões nos Depósitos da Plataforma Externa e nos acidentes morfológicos.

3.3. O Holocenico Antigo

O periodo frio e regressivo do Dryas recente terminou há cerca de la 000 anos. Foi seguido, como atrÁs se referiu, por aquecimento climÁtico general­izado e eleva~ão do nivel do mar extremamente rápida, a qual pode ter chegado a atingir valores superiores a 2crn/ano. Esta rnodifica~ão drÁstica marca o limite entre o Pleistocenico e o Holocénico (OLAUSSON, 1984). Há cerca de 8 000 anos, o nlvel marinho encontrava-se ja, na costa atlântica francesa, a cotas da ordem dos -25m (TERS, 1973; 1976; ARBOUILLE et aI., 1986). Entre 5 000 anos AP e 2 SOO anos AP teria atingido aproximadam;nt;-o nivel actual.

Este periodo corresponde às fases IIIc (10 000 a 9 000 anos AP) e IV (9 000 a 6 000 anos AP) de RUDDIMAN & McINTYRE (1981). Segundo estes autores, na fase IIIc as águas do Atlântico Norte teriam aquecido ate valores prbximos dos actuais, tendo a frente polar migrado para NW (mar do Labrador). No final da fase IV, o regime de circula~ão oceânica era já, eS'sencialme,nte, o mesmo que conhecemos actualmente.

A existência dos dois periodos fortemente transgressivos (Bolling-Allerod, há cerca de 13 000 - 11 000 anos e o do inicio do Holocenico, há 10 000 anos) parece estar associado a assimetrias cronológicas, espaciais e climÁticas entre as capas de gelo da Laurência e da Feno-Escândia. Com efeito, a retirada dos gelos parece ter ocorrido na Europa bastante antes do que na América do Norte (PUJOL, 1980; VELICHKO, 1981). Na Escandinávia, há 10 000 anos, a área coberta por gelo tinha-se reduzido já a um ter~o, tendo quase desaparecido por completo há 8 000 anos (ANDERSEN, 1981; VELICHKO, 1981). O modelo de circula~ão profunda no mar da Noruega era parecido com o actual (PUJOL, 1980). Na Laurência, pelo contrario, os glaciares continuavam a dominar grandes extensões (ANDREWS,1980;

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MILHARES DE ANoa ANTES DO PRESENTE

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Profundidade a que se dispõem os:

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~ Faixa Central mais Grosseira (OPE)

• - Datação por C14 (a seta indica que as amostras sofreram remobilização provável)

Na parte esquerda do diagrama indicaram-se as profundidades de ocorrência das rupturas de pendor. dos "terraços", das "arribas" e dos "cordões litorais", As maiores larguras das manchas pretendem expressar as profundidades de maior incidência.

1111/111- Perlodos provãveis de desenvolvimento de "terraços"

o -Perlodos provãveis de desenvolvimento de "arribas"

Perlodos provãveis de constituição dos Oepõsitos da Plataforma Externa (OPE), dos Oepõsitos da Plataforma Média (OPM) e dos Oepõsitos Litorais (OL).

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I I plataforma portuguesa setentrional

Fig.ll3 - Distribuição, segundo a profundidade, dos elementos morfologicos, sedimentologicos e radiocronol6gicos d:l plataforma portuguesa setentrional, e presumiveis per iodos gen~ticos desses elementos. As curvas a tracejado delimi­tam a àrea em que, possivelmente, se localiza a curva de variação do nivel do mar nesta plataforma.

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Dias, J. M. Alveirinho (1987) - Dinâmica Sedimentar e Evolução Recente da Plataforma Continental Portuguesa Setentrional.. Dissertação de Doutoramento, 384p., Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
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t passiveI que as rupturas de pendor Rb estejam associadas ao limite mais profundo das praias submarinas que se desenvolveram neste per iodo de abaixamento do nIvel do mar e à acelerada transgressão que se lhe seguiu (fig.113).

Os resultados obtidos para as sondagens FAEGAS IV, no perIodo compreendido entre as terminações IB e IA, às quais se atribui idade de 13 500 anos AP e la 000 anos AP (DUPLESSY et aI., 1981; DEVAUX, 1984), parece ajustarem-se ao esquema evolutivo atras--de;crito. Com efeito, nas sondagens menos profundas efectuadas na vertente continental (KS8207 e KS8208) verificam-se taxas de acumulação muito reduzidas, nulas ou negativas, consequência da reduzida deposição no glaciÁrio, do estabelecimento e desenvolvimento da barreira energética do bordo da plataforma no deglaciàrio, de deslocamentos gravIticos, da erosão turbidltica e da actuação passivel de correntes de contorno.

Nos testemunhos provenientes de maiores profundidades constata-se que as taxas de acumula~ão são, em geral, elevadas (10cm a 20cm/l OOOanos). O aumento da granulometria media observavel em varias testemunhos, neste periodo, geral­mente associado a diminui~ão da percentagem de carbonatos, pode estar rela­cionado com o episodio regressivo do Dryas recente. Esta interpreta~ão parece estar de acordo, também, com os resultados obtidos por THIEDE (1977) em testemunhos de sondagens efectuadas na vertente e rampa continentais ibero­marroquinas, nos quais se verifica aumento de terrigenos grosseiros e depressão do contendo em carbonatos nos niveis cujo inicio de deposi~ão foi estimado em 11 000 anos AP.

Este episodio regressivo terminou, provavelmente, ha pouco maIS de 10 000 anos, seguindo-se-lhe periodo de subida do nivel do mar extremamente rapida, a qual marca o inIcio do HOlocénico, e que devido à grande velocidade de migra~ão do litoral, apenas induziu pequenas modificações nos Depositos da Plataforma Externa e nos acidentes morfologicos.

3.3. O Holocénico Antigo

O perIodo frio e regressivo do Dryas recente terminou hÁ cerca de 10 000 anos. Foi seguido, como atras se referiu, por aquecimento climático general­izado e eleva~ão do nIvel do mar extremamente ràpida, a qual pode ter chegado a atingir valores superiores a 2cm/ano. Esta modificação drástica marca o limite entre o Pleistocénico e o Holocénico (OLAUSSON, 1984). HÁ cerca de 8 000 anos, o nivel marinho encontrava-se ja, na costa atlântica francesa, a cotas da ordem dos -25m (TERS, 1973; 1976; ARBOUILLE et aI., 1986). Entre 5 000 anos AP e 2 500 anos AP teria atingido aproximadamente-o nivel actual.

Este perIodo corresponde às fases IIIc (la 000 a 9 000 anos AP) e IV (9 000 a 6 000 anos AP) de RUDDIMAN & McINTYRE (1981). Segundo estes autores, na fase IIIc as águas do Atlântico Norte teriam aquecido ate valores proximos dos actuais, tendo a frente polar migrado para NW (mar do Labrador). No final da fase IV, o regime de circulação oceânica era já, essencialmente, o mesmo que conhecemos actualmente.

A existência dos dois periodos fortemente transgressivos (Bolling-Allerod~ hÁ cerca de 13 000 - 11 000 anos e o do inIcio do Holocénico, hà la 000 anos) parece estar associado a assimetrias cronologicas, espaciais e climaticas entre as capas de gelo da Laurência e da Feno-Escândia. Com efeito, a retirada dos gelos parece ter ocorrido na Europa bastante antes do que na América do Norte (PUJOL, 1980; VELICHKO, 1981). Na Escandinàvia, hÁ la 000 anos, a àrea coberta por gelo tinha-se reduzido já a um terço, tendo quase desaparecido por completo hÁ 8 000 anos (ANDERSEN, 1981; VELICHKO, 1981). O modelo de circu1a~ão profunda no mar da Noruega era parecido com o actual (PUJOL, 1980). Na Laurência, pelo contrario, os glaciares continuavam a dominar grandes extensões (ANDREWS,1980;

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~Faixa Central mais Grosseira (OPE)

• - Oatação por C14 (a seta indica que as amostras sofreram remobilização provável)

Na parte esquerda do diagrama indicaram-se as profundidades de ocorrência das rupturas de pendor, dos "terraços". das "arribas" e dos "cordões 1 itorais". As maiores larguras das manchas pretendem expressar as profundidades de maior incidência.

IIIIIIII~ Períodos prováveis de desenvolvimento de "terraços"

D - Períodos prováveis de desenvolvimento de "arribas"

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Períodos prováveis de constltulÇão dos Depósitos da Plataforma Externa (DPE), dos Depósitos da Plataforma Medla (DPM) e dos Depósltos Lltorals (Ol).

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Fig.113 - Distribuição, segundo a profundidade, dos elementos morfológicos, sedimentológicos e radiocronologicos d~ plataforma portuguesa setentrional, e presumi veis per iodos geneticos desses elementos. As curvas a tracejado delimi­tam a àrea em Que, possivelmente, se localiza a curva de variação do nLvel do mar nesta plataforma.

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VELICHKO, 1981). esteja associado Holocenico.

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t passIvei que a principal retirada dos gelos na Feno-Escândía aos periodos Bolling-Allerod, e os da Laurêncía, ao inicio do

Esta diferente hist6ria deglaciaria das margens Este e Oeste do Atlântico foi tambem referida por MORNER (1975) e esta expressa na fig.108. Alias, tambem RUDDlMAN & McINTYRE (1981) apontam três grandes fases para a deglaciação no Atlântico Norte: 13 000 anos AP para as regiões central e sudeste; 10 000 anos AP para os sectores setentrional e central; e entre 9 000 e 6 000 anos AP para o sector ocidental (mar do Labrador).

Os resultados obtidos na plataforma portuguesa setentrional não revelam vestlgios evidentes desta transgressão extremamente ràpida. A avaliar pelo que se teria verificado na costa atlântica francesa (TERS, 1973; 1976), o nivel relativo do mar ter-sE-ia elevado cerca de 40 m em 2 000 anos, Ou seja, a uma taxa media de 2 cm/ano. Não ha razão para pensar que o comportamento na pla­taforma portuguesa fosse substancialmente diferente deste. Sob este regime for­temente transgressivo e compreenslvel que os vestlgíos deixados na plataforma sejam minimos. A referida elevação do nivel marinho parece não ter sido con­stante. Com efeito, assinalam-se episodios muito curtos em que o nivel relativo do mar teria regredido, embora muito pouco, o que leva a admitir taxas reais de elevação do nivel marinho ainda superiores as apontadas atras. TERS (1973) sugere mesmo elevação media de 5 cm/ano entre 8 200 e 7 900 anos AP, na costa atlântica francesa.

Segundo RUDDIMAN & McINTYRE (1981), a maior parte do volume hidrico pro­veniente da fusão dos glaciares foi introduzido no Atlântico Norte hã 13 000 anos, sendo o restante para ai debitado a ritmo mais lento. Porem, observando as curvas de varia~ão relativa do nivel do mar que se têm referido conclui-se que o ritmo transgressivo e idêntico no Bolling-Allerod e no inicio do Holocenico. Se os dados apresentados por estes autores estão correctos, estas idênticas taxas de subida do nivel do mar em rela~ão ao continente têm causas diferentes. O primeiro periodo teria sido dominado, principalmente, por elevação do nivel eustatico. O segundo periodo, mais recente, se bem que tenha reflectido uma elevação absoluta do nivel do mar, teria sido dominado por movimentos compensatorios dos desequilibrios gerados pelo aumento eustatico.

Assim, no Bolling-Allerod, ter-se-ia verificado transgressão eustática, enquanto o inicio do Holocenico se caracterizaria por transgressão predominan­temente hidro-isostatica. O modelo de Clark a que temos aludido (CLARK et al., 1978; CLARK, 1980) prevê, para esta região, submersão rapida iniciada ha cerca de 11 500 anos, a qual se teria prolongado ate ha 5 500 anos o que, atendendo a que se trata de modelo teorico com as limitações inerentes, parece estar de acordo com a ideia expressa atras.

Sondagens efectuadas proximo do litoral actual, nomeadamente nas zonas ves­tibulares dos rios, revelam sequências transgressivas, por vezes espessas, que certamente estão associadas a esta elevação do nivel marinho e ao consequente assoreamento da parte terminal desses rios. Tais sondagens evidenciam mesmo, por vezes, oscilações ocorridas no decurso da elevação geral do nivel relativq do mar. ~ o que parece verificar-se, por exemplo, nos depositas da foz do Le~a, pr6ximo do Porto, descritos por CARVALHO & RIBEIRO (1962).

Os testemunhos das sondagens FAEGAS IV revelam, em geral, aumento do conteúdo em carbonatos ap6s a termina,ão IB (idade provavel: 10 000 anos AP) O

que esta de acordo com a tendência para existência de mais carbonatos nos periodos transgressivos devido quer às condicionantes climaticas (THIEDE, 1977), quer à menor contribuição em terrigenos. Tambem RUDDIMAN & McINTYRE (1981) referem este aumento de carbonatos nos perfis de sondagens, efectuadas no

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Atlântico Norte, que estudaram. SimuLtâneamente, constata-se tendência para diminuição da media granulometríca, o que se coaduna com as ideias atras expres­sas.

Os terraços da plataforma localizados a menor profundidade, bem como as rupturas de pendor Ra, estão provavelmente associados aos episodios regressivos atras aludidos (fig.113). No decurso da fase de estabiliza~ão do nivel do mar (provavelmente nos ultimos 5 000 anos), o litoral entrou progressivamente em equilibrio tendo-se constituido os Depósitos Litorais.

3.4. Comportamento Diferencial na Evolução da Plataforma

Quer os dados de indole sedimentológica, quer os de cariz geomorfológico, sugerem que diferentes sectores da plataforma estudada se comportaram de forma diferente no decurso da transgressão flandriana. Podem, a este propôsito, considerar-se três sectores diferentes: o setentrional (a norte do canhão sub­marino do Porto); O medio (entre este canhão e o de Aveiro); e o meridional (entre os canhões de Aveiro e da Nazare).

o sector setentrional, cujo comportamento não se pode desligar com­pletamente do afundamento das rias galegas, esta profundamente afectado por zona de fractura maior (a continua~ão para Norte da falha Porto-Tomar), a qual passa na plataforma com orienta,ão NNW-SSE. Face aos desequilibrios hidro-isostaticos induzidos pela eleva~ão do nivel do mar, parece licito admitir que a plataforma localizad~ a ocidente desta falha tenha respondido de forma mais rapida que a parte que se lhe situa a oriente, e que os outros sectores da plataforma. De igual modo, o tipo de tectónica "em teclas de piano" (MACHADO, 1935, citado em TEIXEIRA, 1944) que parece caracterizar a região minhota, permitiu que cada um dos blocos respondesse de forma diferencial às solicita~ões de origem hidro­isostatica. Poder-se-iam, assim, explicar as aparentes anomalias de profundi­dade a que ocorrem alguns dos depósitos e algumas das estruturas morfológicas da plataforma. Alias, a hipótese da submersão das zonas litorais da Galiza ser devida a fenómenos do tipo isostatico tem sido, desde o trabalho de PACHECO (1934), repetidas vezes formulada.

O sector medio e limitado a Norte e a Sul pelos canhões do Porto e de Aveiro, instalados, muito provavelmente, em acidentes tectonicos importantes. Parece estar, no entanto, bastante menos compartimentado que o sector seten­trional, pelo que as respostas ao aumento de pressão hidrostatica gerada pela transgressão, e aOs desequil!brios isostaticos da! resultantes, seriam menos rapidas. Verificar-se-ia, assim, tendência para este sector reagir como um todo e, consequentemente, de forma mais lenta.

o sector meridional, tambem limitado por canhões submarinos a que correspondem acidentes tectonicos importantes esta, todavia, sujeito a tectonica do tipo diapirico. Face ao aumento de carga provocado pela eleva~ão do nIvel marinho e possivel que fracturas relacionadas com o diapirismo tenham sido reac­tivadas. Estas, respondendo de forma diferencial às solicitações a que estavam SUJeItas, acabaram por induzir maior complexidade no padrão de distribuição dos sedimentos e das estruturas morfologicas referidas.

4. ~ ESTABILIZAÇAO

4.1. O Holocenico Recente

t geralmente aceite que o nivel marinho atingiu aproximadamente a cota actual entre 5 000 anos AP e 2 500 anos AP. Os resultados obtidos na costa atlântica francesa (TERS, 1973; 1976) indicam a passagem definitiva da cota -10 ha pouco mais de 5 000 anos, tendo a cota zero sido atingida hÁ cerca de 2 500

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anos.

Como por varias vezes se referiu, e necessario ser extremamente prudente na extrapola,ão dos resultados para areas diferentes daquelas onde foram obtidos os dados. Embora com cuidados especiais, a comparação entre areas que se admite terem comportamentos parecidos e passiveI no que se refere aos principais epísodios, em que ocorreram variações bastante grandes do nIvei marinho (da ordem dos 20m) em periodos de tempo curtos (da ordem dos dois milhares de anos). Ja para as oscilações mais recentes, cuja amplitude raramente teria ultrapassado Sm, a comparação parece-nos ser abusiva. Na falta de outros elementos, todavia, parece ser lIcito extrair das curvas publicadas algumas indicações, principal­mente nos casas em que as variações se apresentam slncronas, embora com diferentes amplitudes, em regiões tão afastadas como o mar do Norte, a costa atlântica francesa, o Mediterrâneo e o NW africano.

Assim, na plataforma estudada, apresenta-se como plausivel a hipotese do nivel marinho ter atingido a cota zerO (ou dela estar muito proximo) entre 3 000 e 5 000 anos AP. Embora, noutras areas, existam vestigios do nivel do mar ter estado acima do actual, não conhecemos indicias de que tal tenha sucedido na zona estudada. TERS (1973; 1976) indica para a costa francesa atlântica niveis mais altos que o actual, ha cerca de 2 200 anos e ha cerca de 1 700 anos (fig.109). A cota atingida seria de 0,5m o que, numa analise expedita da pla­taforma estudada, se torna indetectável face a "ruido" provocado pela amplitude das mares (que na zona estudada chega a ser de quase 4m), pela eleva,ão do nivel marinho no decurso das tempestades (storm surge) que pode atingir alguns metros, e pelos temporais de maior periodo de retorno (e recorda-se que segundo RESIO, 1979, a probabilidade de ocorrência, junto a Sines, de ondas com 12m de altura significativa, que ao rebentarem apresentam altura bastante maior, e de 60% num perido de 50 anos).

A relativa estabilização do nivel do mar nos últimos milhares de anos, ape­nas com variações decimetricas a metricas, conduziu a certo equilibrio do litoral. Verifica-se, assim, assoreamento das zonas estuarinas e crescimento de restingas arenosas que, a pouco e pouco, foram modelando o litoral, conferindo­lhe o aspecto com que hoje se apresenta.

Grande parte das modificações tendentes a regularizar o litoral e equilibra-lo com as condi,ões (climaticas, oceanograficas e sedimentologicas) actuais, parece ter ocorrido no último milhar de anos, provavelme~te na sequência de periodos mais frios e de passiveis pequenos abaixamentos do nivel do mar, como o verificado na Idade Media. Com efeito, indicios vários apontam para a possibilidade do nivel do mar ter estado ligeiramente abaixo do actual (fig.109) hà cerca de 2 000 anos (Baixo Nivel Romano), na Idade Media (Baixo Nivel Medievo) e ainda mais recentemente (Pequena Idade do Gelo). TERS (1973) correlacionou mesmo estes niveis mais baixos do mar, separados por periodos em que o mar teria estado ao nivel actual (niveis altos), com avanços e recuos das frentes glaciárias na Europa e na America.

A evolução climàtica na decurso dos tempos historicos não esta ainda bem estudada, existindo grande imprecisão no que se refere aos diferentes episodios que caracterizaram essa evolução. t geralmente aceite que o actual periodo climático, denominado frequentemente por II sub-atlántico lJ

, se iniciou hà cerca de 2 500 anos. Neste periodo, os episo~ios mais evidentes ao nivel planetario são os que vulgarmente são referidos como "Pequeno Optimo Climàticoft (que deve o seu nome ao facto de, segundo muitos autores, constituir o episodio mais quente desde o chamado "Óptimo Glimatico" que se teria verificado ha cerca de 5 000 anos) e como ItPequena Idade do Gelo".

De acordo com TULLOT (1986), o Pequeno Óptimo Climatico verificou-se entre

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800 e 1000 anos AP, sendo a deterioração climática já evidente no sec.XIII, nas altas latitudes (tendo, na Groenlândia, "o verde dos pastos sido substituído pelo branco dos gelos e neves"). No entanto, segundo o autor referido, foi s6 no sec.XIV que a ruptura deste episÓdio medieval mais quente se manifestou em toda a Europa Transpirenáica. Desde este secu10 ate ao sec.XVI passa-se por fase de transi~ão, estando a Pequena Idade do Gelo definitivamente estabelecida por volta do ano 1550. Segundo alguns autores, a Pequena Idade do Gelo teria terminado no final do sec.XIX, sendo geralmente reconhecido que os sec.XVI e XVII foram os mais inclementes.

Todavia, na Penlnsula Iberica, esta transição climática parece ter sido malS brusca do que no resto da Europa e ter sido mais drástica na parte atlântica do que na mediterrânica (TULLOT, 1986; LOPEZ-VERA, 1986). Segundo o interessante trabalho de climatologia historica efectuado por TULLOT (1986), os sec.XVI e XVII foram caracterizados, na Penlnsula, pela congelação frequente dos rios e por grandes cheias em quase todas as bacias, embora os perlodos de chuvas continuas fossem muito escassos e quase inexistentes no sec.XVII, tendo-se então verificado uma progressiva desertifica~ão na Meseta.

o impacto que tais modificações climaticas tiveram no litoral e na sedimentação na plataforma e obvio. ~ interessante verificar que existe coincidência notavel entre os episodios climaticos sucintamente referidos atras e os tlniveis altosl! e "niveis baixos" deduzidos por TERS (1973). Assim, no decurso da Pequena Idade do Gelo ter-se-ia verificado aumento substancial do transporte sedimentar por via fluvial, o que parece ser confirmado por varias estudos sedimentologicos realizados em Espanha (LOPEZ-VERA, 1986). A transferência destes materiais para o litoral e para o seio da plataforma era favorecido pelas grandes cheias e pelo presumlvel abaixamento relativo do nlvel marinho.

A análise dos mapas antigos, nomeadamente os de Petrus Vesconte (de 1318), de Alvares Seco (de 1560 e 1561), de Ortelius (de 1570), de João Teixeira (de 1648) e de Teixeira Albernaz (de 1662), permitem constatar que a configuração do litoral português era, então, sensivelmente diferente da actual. Embora esta cartografia antiga deva ser analisada com precau~ão devido às incorrecções que frequentemente apresenta (na maior parte derivadas das tecnicas cartograficas aO tempo disponiveis), e passIveI verificar que a maior parte das lagoas se encon­travam ainda abertas para o mar, que o assoreamento dos estuarios era reduzido, e que as restingas arenosas que se desenvolveram na foz dos rios parecem estar, nessa altura, em fase de constituição. Junto à foz do Minho, por exemplo, a acumula~ão arenosa da Camarido-Moledo parece ser, nos mapas referidos, muito pequena. ou quase inexistente. Alias, a consulta e analise da documenta~ão coeva, incluindo a referente aos portos e à navegabilidade dos rios, tende a confirmar tais factos e a demonstrar que a evolução do litoral foi, nalguns casos, bastante rapida. A constitui~ão bastante recente da laguna de Aveiro a partir de restinga arenosa que progrediu para Sul (GlRAO, 1941; MARTINS, 1947; ABECASIS, 1955), e disso um bom exemplo. O litoral encontrar-se-ia, então, em plena fase de regressão deposicional.

A análise dos elementos disponlveis sugere que o litoral da região estudada .' -apresenta forte tendência para linearização. Esta tendência lmpoe

caracteristicas regressivas a alguns locais e transgressivas a outros, consoante o afastamento dessa linearização. Tal linha, que se pode considerar de equilibrio, esta condicionada pela existência de afloramentos de rochas consoli­dadas no litoral. Toda a costa entre Espinho e Nazare constitui bom exemplo do que se afirmou. Com efeito, a forma de todo este litoral, predominantemente arenoso, encontra-se claramente condicionada pelos afloramentos de rochas granitoides localizadaos a Sul do Porto, pelas formações mesozoicas que consti­tuem o Cabo Mondego e, malS para Sul, por afloramentos do Jurassico e do

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Cretácico, nomeadamente em S.Pedro de Muel e Nazare.

4.2. ~ Influência do Homem

A toda esta evolução recente do litoral não e estranha a ocupação do terri­tario pelo homem, a sua densidade demografica exponencialmente crescente e a sua cada vez maior capacidade de modificar o meio. A possibilidade do manejo do fogo pelo homem vem introduzir, no ambiente natural, os primeiros factores de distúrbio, cujo impacto, no litoral e na plataforma, pode ser assinalável. A destruição do coberto vegetal por incêndios, provocados ou acidentais, pode con­duzir a aumento da escorrência e da erosão, com os respectivos impactos a jusante, nomeadamente no litoral e na plataforma. Com a introdução da agricul­tura e do pastoreio ampliam-se as tentativas do homem para modificar o ambiente que o cerca, principalmente atraves da destrui~ão e modifica~ão do coberto vege­tal. DAVEAU (1980) refere alguns casos do NW espanhol em que se verificou modifica~ão, ja no decorrer da nossa era, das especies vegetais dominantes, pro­vavelmente em consequência da intervenção humana.

As modifica~ões do litoral a que mais atras se fez alusão, ocorridas no ultimo milenio, pressupõem fornecimento abundante de materiais. Como se referiu, e passivel correlacionar tais modifica~ões com período mais frio e de" pequeno abaixamento do nivel do mar ocorrido na Idade Media. São varias os indicias, na Europa Ocidental, que parecem confirmar a existência desse periodo. No entanto, e passiveI associar essas madifica~ões do litoral à maior coloniza~ão do território pelo homem e ao incremento da agricultura, verificados na Idade Media. ~ provável que as duas causas se tenham conjugado por forma a aumentar o debito de materiais para o litoral, induzindo as modifica~ões referi­das.

A amplitude da interven~ão humana directa no litoral foi bastante reduzida ate muito recentemente. Resumia-se, quase só, a obras portuarias, cuja escala, comparando com as actuais obras de engenharia, se pode considerar diminuta. Em consequência dos factores apontados pode dizer-se que o litoral apresentou, ate ha um seculo, tendências regressivas, isto e, foi caminhando, de modo geral, no sentido do oceano. Muitos são os casos, alem dos referidos atras, que comprovam este comportamento.

o nivel de conhecimentos tecnológicos do homem revelou-se suficiente, ha cerca de um século, para que este interviesse, em grande escala, no meio que o rodeia. Essa intervenção tem revelado crescimento exponencial. Assim, nas ultimas decadas, o impacto da actividade humana revelou-se fortemente negativo nas zonas ribeirinhas. Com efeito, o resultado da actua~ão humana mais recente parece traduzir-se numa diminui~ão da quantidade de materiais drenados para a plataforma e na interrup~ã0 do trânsito das particulas envolvidas na deriva litoral, com o ~onsequente comportamento transgressivo (isto ~, migra~ão no sen­tido do continente), da linha de costa.

A constru~ão de barragens traduziu-se em diminui~ão drastica da area das bacias hidrograficas que efectuam a drenagem para a plataforma. Quando se constrói uma barragem, a bacia hidrografica fica dividida em duas: uma, a mon­tante, que se pode considerar endorreica; outra, a jusante, que continua a ser exorreica. Como, em geral, as barragens são constru!das na sector superior dos rios, em que o perfil se encontra ainda muito afastado do perfil de equilíbrio, as albufeiras das barragens acabam por se converter em areas de deposição correspondentes ao tro~o dos rios com maior capacidade erOSlva e transportadora.

o decrescimo da quantidade (e do tipo granulometrico) dos materiais que chegam ao litoral deve ter sido enorme após constru~ão das barragens. As medi~ões do assoreamento das albufeiras portuguesas permitiram verificar que os

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limites da ero~ão ~speclfica, nas àreas para elas drenadas, estão compreendidas entre 23 e 760m /Km fano (ROCHA & FERREIRA, 1980), valores estes que constituem bom indicador da deficiência do abastecimento do litoral e da plataforma que se tem registado nas àltimas décadas.

A regulariza~ão dos caudais dos rios, efectuada pelas barragens, mas também por outras obras de engenharia, constitui tambem factor fortemente negativo no que se refere à alimenta~ão do litoral. Com efeito, e nos perlodos das grandes cheias que a maior parte dos materiais e transferida das zonas estuarinas para a plataforma continental e para o litoral propriamente dito. Reduzindo a probabi­lidade de ocorrência de cheias, reduz-se a probabilidade do litoral ser sufi­cientemente abastecido.

Outro factor de consequências negativas e o da extrac9ão de inertes do leito dos rios. A utilização indiscriminada de tal prAtica diminui, como e obvio, a alimentação do litoral. A quantificação do impacto que estas extracções têm no litoral està ainda por efectuar, e afigura-se tarefa quase impossivel dadas as enormes quantidades de materiais retirados clandestinamente dos riOS (e mesmo do litoral).

Nas proprias zonas vestibulares dos rios, onde ocorre pre-deposição dos materiais grosseiros ate que tenham oportunidade de ser transferidos para o exterior, verifica-se subtrac9ão de sedimentos que, mais tarde ou mais cedo, tinham probabilidade de ir alimentar o litoral. AI, as grandes quantidades de dragados extraidos para manter ou aumentar a navegabilidade não so removem grande quantidade de particulas que iriam alimentar a deriva litoral, como modi­ficam frequentemente a fisiografia e o regime de circulação estuarina, gerando, muitas vezes, zonas de retenção da materia particulada mais grosseira.

As dragagens são tambem efectuadas no litoral, no sentido de criar ou manter canais de acesso aos portos. Esta prAtica interrompe, como e logico, o trânsito litoral de particulas, pois estas depositam-se nessas zonas mais pro­fundas, tendendo a restabelecer a topografia previa, o que obriga à execução de novas dragagens. Como consequência, o litoral a jusante revelar-se-à fortemente deficitario em partIculas. A construção de obras de engenharia no litoral (esporões, molhes, quebra-marés, etc.) tem-se revelado tambem, na generalidade, prejudicial para a manutenção do equilibrio litoral. Frequentemente, tais estruturas interrompem e acabam por desviar, para maiores profundidades, aS particulas envolvidas na deriva litoral, com as consequências nefastas Obvias para o sector a jusante.

As pr6prias areias envolvidas na deriva litoral têm sido objecto de extrac9ão industrial, quer clandestinamente, quer com autorização legal. Os dados divulgados por PAIXAO (1980/81) são, a este propósito, reveladores. só no per Iodo 1973-1976 os quantitativos, cuja extraçção no litoral foi autorizada pela Direcção-Geral de Portos rondaram os 600xl03mJ /ano. No litoral da região estudada, nas zonas de Peniche e da Nazaré, foi nesse perlodo concedida oficial­mente a extracção de, respectivamente, 368 735m3 e 835 400m3 de areias. Estes valores são da mesma ordem de grandeza, se não mesmo superiores, aos do volume de areias transportadas pela deriva litoral, na região. Refira-se ainda que os quantitativos indicados se referem a extracções autorizadas, havendo motivos para admitir que, devido à actuação dos clandestinos, os volumes efectivamente extraidos foram bastante superiores.

Os factores apontados, que intervêm de forma negativa em todo o trajecto das particulas que alimentam o litoral, têm efeitos acumulativos. Não e de estranhar, portanto, que todo o litoral português, na generalidade, e especificamente o da plataforma estudada {região n~ dependência da qual existe grande concentração de barragens, varios portos importantes e extensos areais

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cuja manuten~ão se tenta efectuar artificialmente) tenha entrado em recuo acelerado. Alguns dos casos mais evidentes como, por exemplo, os de Ofir e de Espinho são do dominio público. Certo e que existem alguns factores modera­dores, como o do incremento da carga sólida transportada pelos rios na fase ini­cial de constru~ão das barragens, mas tais factores apenas conseguem atenuar ligeiramente o impacto negativo no litoral.

4.3. As Tendências Actuais

Sobrepondo-se ao panorama que sucintamente acabou de se descrever, existe outro factor de amplitude completamente diferente: o da actual subida do nivel eustatico. Ha ja cerca de 40 anos, MARMER (1948) chamou a atenção para este facto, tendo concluido, a partir da analise de registos de maregrafos, a existência de uma eleva~ão do nivei marinho, na primeira metade deste século, entre 0,15m e 0,30m. A quase totalidade dos investigadores que se dedicam a este assunto aceita hoje que o nIvei eustatíco esta actualmente a subir e que a taxa de elevação se incrementou nos Últimos anos (HOWARD, 1985), tendo a Environmental Protection Agency dos E.U.A. estimado que o nivel do mar no ano 2 100 estará, provavelmente, mais de 1,5m acima do actual.

Embora as tendências não sejam nitidas, porque o uruido de fundou é grande e o per iodo de observa~ão pequeno, a actual eleva~ão do nivel do mar parece estar associado ao denominado l'efeito de estufa'l. Este é induzido, principal­mente, pelo aumento de C02 na atmosfera devido, fundamentalmente, a queima de combustiveis fósseis. Como se sabe, a utiliza~ão destes combustiveis (e, por­tanto, do C02 lançado na atmosfera) tem crescido de forma exponencial desde a revolução industrial. Calcula-se que o crescimento, para o dobro, do C02 atmosferico induz um aumento global de temperatura de 10C a 40 c (BERGER, 1985).

A quantificação da elevação actual do nivel eustatico e dificil. t geral­mente estimada a partir dos registos maregraficos. Porem, o periodo de observa~ões e ainda muito pequeno, as estações permanentes são em nàmero reduz­ido e estão desigualmente distribuidas pelo globo. Segundo AUBREY & EMERY (1983), das cerca de 800 estações existentes no mundo, apenas cerca de 250 apresentam dados utilizaveis e, destas, 92% localizam-se no hemisferio Norte. Acresce que as modifica~ões do nivel do mar que se podem extrair desses registos estão afectadas por factores variados, como sejam as induzidas por variações do caudal hldrico dos rios (MEADE & EMERY, 1971) e a influência da tect6nica local (AUBREY & MEADE, 1986). Os dados convergem, no entanto, na indicação de tendência para subida eustatica com valores superiores a lmm/ano (WANLESS, 1982).

A varia~ão do nivel relativo do mar revela tendência consistente para subida, embora com taxas variaveis, na maior parte das regiões, embora noutras, mais afectadas por fenomenos de compensa~ão isostatica e/ou influência tectónica local, se constate descida desse nivelo Para Portugal, KING (1975) aponta uma taxa de subida do nivel do mar de 1,5mm/ano, embora seja de admitir que essa taxa foi incrementada nos altimos anos, devido principalmente ao efeito de estufa.

As actuais varia~ões relativas do nivel marinho são a resultante da actuação de numerosos factores, naturais e artificiais, alguns dos quais foram atras referidos, e cujos tempos e magnitudes de actua~ão diferem de caso para caso. Numa abordagem correcta e precisa desta problematica, outros factores teriam de ser considerados, tais como os desequillbrios provocados pela erosão da parte continental emersa e subsequente acumulação de materiais na bacia oceânica, a compactação dos sedimentos, e as pressões induzidas na crosta pelas grandes obras de engenharia, nomeadamente pelas grandes barragens e pelas grandes cidades. Estas, podem revelar-se factor de perturbação importante. Com

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efeito, estima-se que ordem dos 3,3m no nlvel (GRANT, 1984).

a var iação do mar e de

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gravímetríca de 1 1,7m ao nlvel

miligal induz resposta da dos movimentos crustais

Em Portugal, a quantificação de cada um dos factores a que atras se tem vindo a fazer alusão é praticamente inexistente. Tambem, como se referiu em capItulas anteriores, a magnitude e tipo de actuação dos factores intervenientes na dinâmica litoral são muito mal conhecidos. Porém, tem-se verificado tendência crescente para "protegerl1 e "salvar" as praias e as infraestruturas de ocupação humana no litoral através de obras de engenharia costeira, as quais têm, com frequência, induzido impactos fortemente negativos no litoral a jusante. Esses efeitos nefastos têm sido combatidos com a constru~ão de novos esporões, molhes e paredõese

Entretanto, as verbas investidas na investiga~ão de base que permita uma melhor compreensão do comportamento do litoral português são infimas quando com­paradas com o que se tem dispendido na constru~ão e manutenção das obras desti­nadas a "salvar" artificialmente esse litoral. Refira-se, entretanto, que essas obras apresentam elevada probabilidade de estar aprioristicamente condenadas ao fracasso, no que respeita aos objectivos de protecção das zonas costeiras, pois que na sua concepção não se tiveram em atenção as condicionantes especificas do litoral português (que, como se referiu, são muito mal conhecidas) e, sobretudo, porque as suas dimensões são minímas face à magnitude da actuação dos processos naturais. Assim, perspectivando o futuro, é de prevêr um litoral completamente artificializado (uma costa de cimento e blocos, de que se pode ter uma imagem na costa de New Jersey, nos E.U.A.) e, mesmo assim, em recuo acelerado.

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