R A DE A UDE - Ministério da Saúde

65
ISSN 0303 - 7657 DO TRABALHO E EMPREGO MINISTÉRIO FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO FUNDACENTRO VOL. 29 Nº 110 2004 S A U D E REVIST A DE

Transcript of R A DE A UDE - Ministério da Saúde

ISSN 0303 - 7657

DO TRABALHO E EMPREGOM I N I S T É R I O

FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDODE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO

FUNDACENTRO

VOL. 29Nº 1102004

SAUDEREVISTA DE

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro do Trabalho e EmpregoRicardo Berzoini

FUNDACENTRO

PresidentaRosiver Pavan

Diretor ExecutivoAntônio Roberto Lambertucci

Diretora TécnicaArline Sydneia Abel Arcuri

Diretora de Administração e FinançasRenata Maria Celeguim

inicio sumario.p65 24/08/05, 13:441

A Revista Brasileira de SaúdeOcupacional (RBSO) é umapublicação científica daFundacentro que se destina àdivulgação de contribuiçõesescritas na área de segurança esaúde do trabalho e/ou dasrelações entre segurança e saúdedo trabalho e o meio ambiente.

Os trabalhos para publicaçãodevem ser endereçados àFundacentro, CoordenaçãoEditorial da RSBO/Divisão dePublicações:Rua Capote Valente, 710 –CEP 05409-002Brasil – São Paulo – SPFone: 55 (11) 3066-6378Fax 55 (11) 3066-6004e-mail: [email protected]

Vendas de PublicaçõesFone 55 (11) 3066-6315Fax 55 (11) 3066-6316

As normas para publicação naRSBO podem ser encontradasnas últimas páginas desta ediçãoou no endereço abaixo:

Portal da Fundacentrowww.fundacentro.gov.br

Conselho EditorialArline Sydneia Abel ArcuriÁlvaro César RuasEduardo AlgrantiLuiza Maria Nunes CardosoJorge da Rocha GomesAlice A. Malta ChasinCarlos Minayo GomesLeny SatoPaulo PenaJosé Marçal Jackson Filho

Editor CientíficoDorival Barreiros

Editor ResponsávelJosé Carlos Castilha Crozera (Mtb 14.612)

Coordenação EditorialElisabeth Rossi

Revisão de TextoKarina Penariol Sanches

Impressão e AcabamentoSanta Clara Editora

Indexado por– Bases de dados da Fundacentro especializada em Saúde e

Segurança no Trabalho;– OSH-CISILO (Canadian Centre for Occupational Health and

Safety. Canadá);– AD Saúde Administração de Serviços de Saúde.

Responsabilidade do Serviço de Biblioteca e Documentaçãoda Faculdade de Saúde Pública da USP em parceria comoutras instituições da sub-rede AdSaúde;

– Safety and Health at Work ILO-CIS-BULLETIN (InternationalLabour Office)

Tiragem2.000 exemplares

As opiniões emitidas pelos autores são de sua inteiraresponsabilidade. A reprodução total ou parcial, commenção obrigatória da fonte, é permitida somentequando não se destina a fins comerciais.Solicita-se permuta / Solicita canjeImpresso em julho de 2005

Expediente

Unidades Descentralizadas

BahiaRua Alceu Amoroso Lima, 142CEP 41820-770 – Salvador – BAFone (71) 341-1412 / Fax (71) 341-1446e-mail: [email protected]

PernambucoRua Djalma Farias, 126 – TorreãoCEP 52030-190 – Recife – PEFone/Fax (81) 3241-3643e-mail: [email protected]

ParáAv. João Paulo II, 1867 – MarcoCEP 66095-490 – Belém – PAFone (91) 276-9100Fax (91) 276-0070e-mail: [email protected]

Baixada SantistaAv. Gal. Francisco Glicério, 661 – José MeninoCEP 11065-405 – Santos – SPFone/Fax (13) 3251-8848e-mail: [email protected]

CampinasRua Marcelino Velez, 43 – BotafogoCEP 13020-200 – Campinas – SPFone/Fax (19) 3232-5269e-mail: [email protected]

Mato Grosso do SulAv. Afonso Pena, 2386 – 6º andar – CentroCEP 79002-074 – Campo Grande – MSFone (67) 321-1103Fax (67) 321-2486e-mail: [email protected]

ParanáRua da Glória, 175 – Centro CívicoCEP 80030-060 – Curitiba – PRFone (41) 353-5222Fax (41) 352-9432e-mail: [email protected]

Rio Grande do SulAv. Protásio Alves, 3161 – 6º andar –sala 04 – PetrópolisCEP 90410-003 – Porto Alegre – RSFone/Fax (51) 3338-9400e-mail: [email protected]

Rio de JaneiroAv. Marechal Floriano, 19 – 5º andar – CentroCEP 20080-003 – Rio de Janeiro – RJFone (21) 2518-0727Fax (21) 2263-3242e-mail: [email protected]

Espírito SantoRua Cândido Ramos, 30 – Edifício Chamomix –Jardim da PenhaCEP 29065-160 – Vitória – ESFone (27) 3315-0040Fax (27) 3314-1867e-mail: [email protected]

Santa CatarinaRua Silva Jardim, 213 – Prainha – CentroCEP 88020-200 – Florianópolis – SCFone/Fax (48) 212-0500e-mail: [email protected]

Minas GeraisRua Guajajaras, 40 – 13º /14º andaresCEP 30180-100 – Belo Horizonte – MGFone (31) 3273-3766Fax (31) 3273-5313e-mail: [email protected]

Distrito FederalBlocos “A-J” – Edifício Boulevard Center –5º andar – salas 502 a 520CEP 70391-900 – Brasília – DFFone (61) 226-5910 Fax (61) 223-0810/225-4763e-mail: [email protected]

inicio sumario.p65 24/08/05, 13:442

EDITORIAL

Este número da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional é composto por seis artigos, dois dos quais(Ferreira e Cockel et al.) fazem parte da seleção de artigos apresentados no congresso da ABERGO(2004) que, junto aos textos do número anterior da revista, prestam homenagem à contribuição doProfessor Alain Wisner para o desenvolvimento da Ergonomia no Brasil.

Outros quatro textos, com contribuição importante para o campo da segurança e saúde do trabalhador,complementam este número: Ramos e Jardim fazem revisão da literatura sobre o tema “lesão cerebraltraumática e acidentes do trabalho”. Araújo e Vasconcelos analisam o estado de biossegurança de setelaboratórios da Universidade Federal de Pernambuco. Assunção contesta, a partir dos resultados deestudo ergonômico em supermercado, o mito da postura correta, que não considera a influência dasexigências de produção no comportamento dos trabalhadores e nas suas atividades no trabalho.Pizzatto et al. descrevem o perfil dos acidentes de trabalho ocorridos em Araçatuba (SP), entre 2000 e2001.

A Fundacentro espera, com mais esta publicação, cumprir sua missão de produzir e divulgar conheci-mentos sobre segurança e saúde dos trabalhadores.

Rosiver PavanPresidenta da Fundacentro

EDITORIAL

This issue of Revista Brasileira de Saúde Ocupacional contains six original articles, two of them (Ferreirae Cockel et al.) selected from the papers presented at the last congress of ABERGO (2004) which, inaddition to the texts already published in the last issue, render homage to Professor Alain Wisner for hisgreat contribution to the development of ergonomics in Brazil.

The other four papers bring important contributions to occupational health and safety:Ramos e Jardim make a review of the literature on the subject “traumatic cerebral lesion and occupa-tional accident”. Araújo e Vasconcelos analyze the state of bio-safety in seven laboratories at theUniversidade Federal de Pernambuco. Assunção , based on the results of ergonomics in supermarkets,refutes the idea of the right posture which does not consider the influence of production constraintsin workers’ behavior and activities. Pizzatto et al. describe the profile of the occupational accidents inAraçatuba between 2000 and 2001.

With this publication Fundacentro seeks to accomplish its task of divulging scientific information onoccupational health and safety.

Rosiver PavanFundacentro‘s President

inicio sumario.p65 24/08/05, 13:443

SUMÁRIO

7 ...................

27 .................

41 .................

INTERAÇÃO TELEATENDENTE-TELEUSUÁRIO E CUSTO HUMANO DOTRABALHO EM CENTRAL DE TELEATENDIMENTOpor Mário César Ferreira

O texto revela as conexões entre o custo humano das atividades de uma central pública deteleatendimento com os indícios de mal-estar dos seus trabalhadores.

A TRIAGEM DE LIXO RECICLÁVEL: ANÁLISE ERGONÔMICA DA ATIVIDADEpor Fernanda Flávia Cockell; Angela Maria Carneiro de Carvalho; João Alberto Camarotto; Paulo Eduardo Gomes Bento

O trabalho é uma AET na triagem de uma cooperativa de material reciclável, indicandonecessidades, tanto nas mudanças de procedimentos, como de parcerias para tanto.

LESÃO CEREBRAL TRAUMÁTICA E ACIDENTES DE TRABALHO:ESTUDO DE REVISÃOpor Andréia Ramos; Silvia Rodrigues Jardim

Uma revisão dos resultados de pesquisas publicados nas literaturas nacional e internacionalsobre a associação entre LCT e acidentes de trabalho.

BIOSSEGURANÇA EM LABORATÓRIOS UNIVERSITÁRIOS: UM ESTUDO DECASO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOpor Enilma Marques Araújo; Simão Dias Vasconcelos

É uma análise sobre os procedimentos de segurança biológica, individual e coletiva, adotadosnos laboratórios do Departamento de Micologia da UFPE.

A CADEIROLOGIA E O MITO DA POSTURA CORRETApor Ada Ávila Assunção

Este texto confronta a abordagem tradicional da postura correta com os resultados de um estu-do ergonômico realizado no setor de caixas de um hipermercado.

PERFIL DOS ACIDENTES DE TRABALHO OCORRIDOS NO MUNICÍPIO DEARAÇATUBA-SP NOS ANOS DE 2000 E 2001por Eduardo Pizzato; Cléa Adas Saliba Garbin; Magno Amadei

O objetivo do estudo foi descrever o perfil dos acidentes de trabalho ocorridos na cidade deAraçatuba no período referido, que revelou uma maioria de acidentes classificados como típicos.

57 .................

33 .................

17 .................

inicio sumario.p65 24/08/05, 13:444

CONTENTS

......................................7

......................... 27

INTERACTION CALL CENTRE WORKERS-CALL CENTER USERSAND THE HUMAN COST OF WORK IN A CALL CENTER UNITby Mário César Ferreira

A research done in a public unit, revealing a link between human costsand activities, and the signals of discomfort in the well-being of the workers.

RECYCLED MATERIALS’ SELECTION: AN ERGONOMIC WORK ANALYSISby Fernanda Flávia Cockell; Angela Maria Carneiro de Carvalho; João Alberto Camarotto; Paulo Eduardo Gomes Bento

This paper is an Ergonomic Work Analysis in a catcher cooperative. It showsthe needs for changes in the work mode, and also for partnerships to do it.

TRAUMATIC BRAIN INJURY AND WORK-RELATED CASUALTY: A REVIEWby Andréia Ramos; Silvia Rodrigues Jardim

The research findings in both national and international literature arereviewed, regarding to TBI and work-related casualties.

BIOSAFETY IN UNIVERSITY LABORATORIES: A CASE STUDY AT THEUNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOby Enilma Marques Araújo; Simão Dias Vasconcelos

The study analyzes the procedures for individual and collective protectionin the seven laboratories of the Mycology Department at UFPE.

THE MYTH OF CORRECT POSTUREby Ada Ávila Assunção

The study confronts the traditional approach to workers posture with theresults of ergonomic studies done with supermarket cashiers.

PROFILES OF WORK ACCIDENTS OCCURRED AT ARAÇATUBA MUNICIPALITYBETWEEN YEAR 2000 AND 2001by Eduardo Pizzato; Cléa Adas Saliba Garbin; Magno Amadei

The study describes the accidents profile in Araçatuba, finding a high prevalenceof accidents classified as typical ones.

................... 57

....................................................................... 41

................. 33

............................. 17

inicio sumario.p65 24/08/05, 13:445

7Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

Interação Teleatendente-Teleusuárioe Custo Humano do Trabalho emCentral de Teleatendimento

Mário César Ferreira

O texto aborda uma pesquisa realizada em uma central de teleatendimento do setor público.A análise ergonômica orienta-se para a interação teleatendente-teleusuário, buscando mostraras características da organização do trabalho que constrangem as estratégias de media-ção dos operadores e potencializam a ocorrência de vivências de mal-estar no trabalho. Oreferencial teórico-metodológico articula os conceitos de custo humano do trabalho, vivênciasde bem-estar e mal-estar e a Análise Ergonômica do Trabalho – AET. Os resultados mostramas características da Central e principais indicadores críticos, revelando um nexo entre custohumano do atividade e indícios de vivências de mal-estar dos operadores.

Palavras-chave: central de teleatendimento, custo humano do trabalho, interação,teleatendente, teleusuário, ergonomia da atividade.

The text shows a research done in a public call center unit. The ergonomic analysis isoriented toward the interaction call center worker-call center user, aiming to present thecharacteristics of the work organization that constraint the strategies of mediation of thecall center workers and that may result in discomfort of well-being at work. The theoreticaland methodological approach deals with the concepts of human cost of work, well-beingand discomfort of well-being, and the Ergonomics Analysis of Work – EAW. The resultsshow the characteristics of the call center unit and its main critical indicators, revealing aconnection between the human cost of the activity and signals of discomfort of well-beingamong the call center workers.

Keywords: call center unit, human cost of life, interaction, call center worker, call centeruser, ergonomic of activity.

Universidade de Brasília – UnB,Instituto de Psicologia, Laboratório deErgonomia

Interaction Call Center Workers-CallCenter Users and the Human Cost ofWork in a Call Center Unit

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:467

8 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

Introdução

O objetivo do artigo é mostrar, com baseem pesquisa em Ergonomia da Atividade, osurgimento de indícios de vivências de mal-estar em teleatendentes que trabalham emcentrais de teleatendimento como uma resul-tante da inter-relação modelo de gestão ecusto humano do trabalho.

Nessa perspectiva, o foco da análise ergo-nômica está centrado na interação teleaten-dente-teleusuário, buscando evidenciar ascaracterísticas da organização do trabalhoque reduzem as estratégias de mediação notrabalho e potencializam a ocorrência de vi-vências de mal-estar no trabalho. A impor-tância da temática articula aspectos distintos.

Do ponto de vista mais geral, os serviçosde teleatendimento têm crescido no mundotodo. No Brasil, alguns indicadores relativosa 2002 são eloqüentes: há cerca de 180 milpostos de teleatendimento; o setor gera apro-ximadamente 450 mil empregos e movimen-ta anualmente por volta de US$ 1,2 bilhão.O “cardápio” de serviços é variado: pesqui-sa; televendas; cobranças; promoções; cons-trução de bancos de dados; fidelização declientes etc. Do ponto de vista institucional,em particular para as organizações públicase privadas, a avaliação científica de contex-tos de teleatendimento pode contribuir paraaprimorar os modelos de gestão do traba-lho, agregando qualidade final aos serviçosprestados e, em conseqüência, impactandona satisfação de usuários e clientes, tendocomo pressuposto o bem-estar das pessoasque trabalham no setor. Finalmente, do pon-to de vista científico, embora a “neurose dastelefonistas” (Le Guillant et al., 1956) sejalargamente conhecida há mais de meio sé-culo, os serviços de teleatendimento e suasimplicações humanas no campo da inter-re-lação trabalho-saúde permanecem poucoinvestigados, sobretudo após a avalanche deinovações tecnológicas que assolam o mun-do do trabalho. Deste modo, a produção deestudos e pesquisas em Ergonomia da Ativi-dade podem contribuir para a produção denovos conhecimentos teórico-metodológicose práticos nesta área.

Quadro teórico dereferência

Globalmente, constata-se que os estudosinternacionais têm focado mais as variáveisrelacionadas à lógica de funcionamento dascentrais, aos indicadores diversos de produ-tividade, à gestão rigorosa de desempenhodos teleatendentes, à satisfação e à fide-lização dos usuários (Chang & Huang,2000; Gilmore & Moreland, 2000).

Nesse sentido, os aspectos relacionados àscondições de trabalho (no sentido amplo,transcendendo os componentes da platafor-ma de trabalho), as exigências das tarefasem termos de dispêndios dos trabalhadorese, ainda, as conseqüências sobre o bem-es-tar de teleatendentes permanecem assuntosmarginais na literatura.

Os poucos estudos realizados no Brasil têmevidenciado um cenário mais rico referenteàs características das centrais, com ênfasenos fatores relacionados às situações de tra-balho e suas conseqüências sobre os opera-dores. A incidência de Lesões por EsforçosRepetitivos – LER – entre trabalhadores decentrais de teleatendimento é examinada naliteratura (Marx, 2000; Lima, 2000). O ca-ráter complexo das atividades de telea-tendimento é argumentado por MASCIA ESZNELWAR (2000). O ambiente físico, so-bretudo a falta de tratamento acústico, ailuminação deficiente, a existência de poeira,a falta de limpeza, as interfaces compu-tacionais pouco amigáveis e o mobiliárioinadequado constituem ingredientes das con-dições de trabalho que repercutem na cargade trabalho, conforme estudo de avaliaçãoergonômica em nove centrais de atendimen-to realizado por Santos et al. (2000). Perdasauditivas induzidas por ruído, más condiçõesde conservação dos equipamentos e mobiliá-rio inadequado foram constatados também porBernadi et al. (2000).

Os principais fatores de estresse, configu-rando uma sobrecarga emocional, cognitivae física entre operadores de telemarketing sãocaracterizados por Glina & Rocha (2003).Tais resultados parecem confirmar que a uto-pia flexível, propalada pelos novos modelosde gestão, ainda é uma realidade distante no

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:468

9Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

contexto de call center (Azevedo & Caldas,2002).

O referencial teórico da pesquisa articulaos conceitos de custo humano do trabalho evivências de bem-estar e mal-estar (Ferreira& Mendes, 2003).

As condições, a organização e as relaçõessociais de trabalho são fios que tecem oconceito de contexto de produção de bens eprestação de serviços. Eles expressam osparâmetros básicos que são configuradoresdas fontes do “Custo Humano do Trabalho –CHT”. As estratégias de mediação indivi-duais e coletivas dos trabalhadores assumemcontornos mais definidos e finalístico combase nesses parâmetros.

O conceito de CHT expressa o que deveser despendido pelos trabalhadores (indivi-dual e coletivamente) nas esferas física,cognitiva e afetiva vis-à-vis às contradiçõesexistentes nas organizações que obstaculizam(pólo negativo do custo) e desafiam (pólopositivo do custo) a inteligência dos traba-lhadores (Ferreira & Mendes, 2003). Nessaperspectiva teórica, o CHT se caracteriza portrês propriedades principais:

é imposto externamente aos trabalhado-res sob a forma de constrangimentos(contraintes) para suas atividades;

é gerido por meio das estratégias demediação individuais e coletivas, poden-do assumir as formas de confrontaçõespositivas ou negativas que, por sua vez,impactam na dinâmica das vivências debem-estar e mal-estar no trabalho; e

integra três modalidades interdepen-dentes de exigências: física, cognitiva eafetiva.

As exigências que constituem a noção deCHT estão assim definidas (Ferreira & Men-des, 2003):

(a) exigências físicas expressam o cus-to corporal que é imposto aos traba-lhadores pelas características do am-biente de trabalho em termos de dis-pêndios fisiológico e biomecânico, prin-cipalmente sob a forma de posturas,

gestos, deslocamentos e emprego deforça física;

(b) exigências cognitivas expressamo custo cognitivo que é imposto aostrabalhadores pelas características doambiente de trabalho em termos dedispêndio mental sob a forma deaprendizagem necessária, resoluçãode problemas e tomada de decisão; e

(c) exigências afetivas expressam ocusto afetivo que é imposto aos tra-balhadores pelas características doambiente de trabalho em termos dedispêndio emocional sob a forma dereações afetivas, sentimentos e estadosde humor.

Evidentemente que o CHT mantém estreitarelação com a atividade dos trabalhadores,orientando o desenvolvimento das estratégiasde mediação individuais e coletivas, abran-gendo as propriedades humanas do pensar,do agir e do sentir que, por sua vez, caracte-rizam e traçam os perfis dos modos de ser eviver dos trabalhadores nos contextos de pro-dução de bens e prestação de serviços.

A perspectiva da pesquisa não foi propria-mente mensurar o custo humano do traba-lho das teleatendentes e seus indicadores, masmapear de forma exploratória as exigênciaspresentes no serviço de teleatendimentoque caracterizam o dispêndio do grupoanalisado.

Por último, cabe explicitar o entendimentoconceitual adotado para a dimensão “vivên-cias de mal-estar no trabalho”. Trata-se deuma noção que é parte integrante do enfoquede “vivências de bem-estar e mal-estar” emErgonomia da Atividade (Ferreira & Mendes,2003).

Nessa perspectiva conceitual, essas vivên-cias se expressam por meio das representa-ções mentais que os trabalhadores têm dopróprio estado geral (físico, psicológico esocial) em que se encontram em determina-dos momentos e contextos. Assim, as repre-sentações de bem-estar consistem em avalia-ções positivas e as representações de mal-estar, por sua vez, consistem em avaliaçõesnegativas que os trabalhadores expressamsobre suas condições física, psicológica e

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:469

10 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

social relativas ao contexto de produção noqual estão inseridos.

As características principais das vivênciasde bem-estar e mal-estar são:

(a) o conteúdo das representações se refe-re às conseqüências individuais e cole-tivas do CHT;

(b) elas têm um caráter dinâmico que re-sulta do confronto entre as exigênciasfísico-cognitivo-afetivas inerentes aoambiente de trabalho e as estratégiasde mediação individuais e coletivas dostrabalhadores;

(c) as representações de bem-estar e mal-estar se caracterizam por uma dinâmi-ca, metaforicamente, à maneira de umpêndulo que tende a oscilar no eixo doprocesso saúde-doença. O movimentopendular depende da eficiência e daeficácia das estratégias de mediação.

O “efeito pêndulo” mantém, portanto, es-treita relação com as atividades dos traba-lhadores nos sentidos de:

quanto mais eficientes e eficazes foremas estratégias de mediação individuais ecoletivas dos trabalhadores, menor seráo CHT, o que cria as condições para opredomínio de vivências de bem-estarindividual e coletivo; quanto menos eficientes e eficazes foremas estratégias de mediação individuais ecoletivas dos trabalhadores, maior seráo CHT, o que cria as condições para opredomínio de vivências de mal-estar in-dividual e coletivo.

No caso desta pesquisa, o uso dessaconceituação se orienta para a identificaçãoe a caracterização das representações men-tais que os teleatendentes têm do próprio es-tado geral (físico, psicológico e social) emque se encontram como decorrência do con-texto de produção de serviços no qual elesestão “imersos”. O acesso a essas represen-tações se dará por meio da análise dasverbalizações das teleatendentes acerca dopróprio trabalho (Lacoste, 1995) e, em par-

ticular, dos efeitos que este parece produzirnestes trabalhadores.

Abordagemmetodológica

O enfoque metodológico foi a AnáliseErgonômica do Trabalho – AET (Guérin etal., 2001). Os traços característicos doenfoque sustentam-se no paradigma de quea natureza do objeto de investigação (inter-relação indivíduo-trabalho) subordina o mé-todo, seu instrumental e seus procedimentos.

O uso desse enfoque é orientado por cincopressupostos:

tem como ponto de partida a análise deuma situação-problema;

apóia-se na participação efetiva dosenvolvidos direta ou indiretamente coma pesquisa;

livre acesso a todas informações atinen-tes à situação-problema;

valoriza a variabilidade intra e interin-dividual do sujeitos, bem como do con-texto sociotécnico; e

análise da atividade dos trabalhadoresem situações reais de trabalho.

A AET não se coloca, portanto, como um“receituário” predefinido, uma vez que cadacontexto de trabalho é singular e a complexi-dade das situações transforma o diagnósticocientífico em um verdadeiro quebra-cabeça,conforme metáfora apresentada na figura 1(Ferreira, 2003).

Figura 1 Metáfora do quebra-cabeça ca-racterizando os pressupostos da análiseergonômica do trabalho.

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4610

11Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

Todos os participantes da pesquisa (N=40)são do gênero feminino e trabalham em doisturnos, das 8h às 13h30m e das 13h30m às19h. Trata-se de uma população de mulhe-res trabalhadoras jovens, com idade varian-do de 20 a 30 anos, havendo predomínio desolteiras, com escolaridade distribuída, prin-cipalmente entre o Ensino Médio (antigo 2ºgrau completo) e curso superior incompleto.A maioria possui mais de quatro anos de ex-periência de trabalho em teleatendimento ehá um predomínio das que possuem de um adois anos de trabalho na central onde se rea-lizou a pesquisa. O grupo é portador de umtempo de vivência no trabalho em teleaten-dimento que serve de base para a análise datemática da pesquisa.

Os instrumentos e os procedimentos foramos habituais na démarche metodológica emErgonomia da Atividade: análise documen-tal, entrevista semi-estruturada, observaçõeslivres e sistemáticas das situações e atividadesde trabalho.

Principais resultados ediscussão

Pode-se depreender que a central foi con-cebida como sendo um canal de ligação di-reta entre os cidadãos e o órgão público. Osidealizadores a projetaram como um instru-mento de comunicação social por meio doqual os cidadãos-usuários pudessem entrarem contato verbal com o órgão, sem ônusfinanceiro suplementar, para:

efetuar consultas sobre questões diver-sas; solicitar materiais e informações; fazer denúncias; fazer reclamações; e dar sugestões.

A análise documental possibilitou situar aimportância da central como ferramenta es-tratégica de atendimento ao público do ór-gão, exercendo um importante papel de comu-nicação social com a comunidade de usuários.

A evolução crescente das ligações se deve,sobretudo, aos seguintes aspectos: (a) a cen-tral atende cerca de 20 mil ligações diaria-

mente. Destas, cerca de 20% são atendidasdiretamente pelas teleatendentes e o restante,automaticamente pela Unidade de RespostaAudível – URA; (b) cerca de 99% das cha-madas são respondidas em tempo real; (c)as consultas que requerem pesquisa sãorespondidas por cartas, enviadas aosteleusuários; (d) o tempo médio de duraçãodas chamadas é de três minutos; (e) cerca dequinze teleusuários esperam pelo atendimentoouvindo propaganda institucional (jingles)dos programas do órgão público; (f) o tem-po de espera na telefila é estimado em cincominutos; e (g) todas as ligações são regis-tradas via digitação. As chamadas feitas de ce-lulares são bloqueadas. Isso reduziu em cercade 30% o custo financeiro da central, mas tam-bém restringiu na mesma proporção uma op-ção de acesso aos serviços pelos usuários.

A gestão dos serviços da central se deparatambém com um problema já conhecido nocontexto de teleatendimento com as caracte-rísticas desta central (exemplo: informaçõescom certo grau de complexidade de conteú-do, diversidade socioeconômica de usuári-os): a contradição entre quantidade de cha-madas versus qualidade do teleatendimento.Nesse sentido, o tempo de duração do tele-atendimento não é um parâmetro de quali-dade absolutamente confiável na avaliaçãodos serviços.

A análise documental do “Manual deTeleatendimento” evidenciou o perfil espe-rado do desempenho da teleatendente:saber escutar, demonstrar segurança naresposta, evitar certos termos e expressões,argumentar com clareza, não conversar comos colegas, não se alimentar no posto de tra-balho, mantê-lo organizado e não se ausen-tar do mesmo. Tais aspectos dão visibilidadeaos parâmetros que orientam a conduta dasteleatendentes nas situações de atendimentosob a ótica dos gestores do trabalho.

No que tange às condições de trabalho,identificou-se diversos indicadores críticos re-lativos a:

equipamentos arquitetônicos deteriora-dos; níveis inadequados de ruído e ilumina-ção; e mobiliário deficiente dos postos de tra-balho.

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4611

12 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

No conjunto, tais fatores se afastam daqui-lo que estabelece a legislação vigente, bemcomo o que recomenda os manuais de Ergo-nomia (Iida, 1990; Grandjean, 1998). Tra-ta-se de aspectos que deterioram a qualidadedo ambiente de trabalho e colocam em riscoo bem-estar dos trabalhadores.

Um período de observação livre (1h)possibilitou a realização de um primeiro re-conhecimento das situações reais de telea-tendimento, por meio da escuta autorizadade ligações, sobretudo dos aspectos deinteração teleatendentes-teleusuários. Nessaocasião, realizou-se a adaptação de umaplanilha de observação sistemática construídae validada em outro estudo semelhante (Freire,2002) e revalidada pelos teleatendentes queparticiparam desta pesquisa.

Além de levantar os dados relativos às con-dutas verbais dos teleusuários, buscou-se tam-bém quantificar outras informações comple-mentares que pudessem fornecer pistas sobreo custo humano do trabalho em teleaten-dimento. Assim, foram coletados dadosconcernentes: (a) aos tipos de ligações (exem-plos: denúncias, trotes, reclamações); e (b) àocorrência de eventos críticos (exemplos:queda de ligação, abandono, site fora do ar).

Planejou-se a observação sistemática combase nos seguintes critérios: (a) dois turnosda jornada de trabalho; (b) três dias interca-lados de uma mesma semana (segunda, quar-ta e sexta-feira); (c) duração de uma hora,nos períodos das 10h às 11h e das 15h às16h, para cobrir os dois turnos; (d) escutaaleatória dos postos de trabalhos, programa-da automaticamente pelo Distribuidor Auto-mático de Chamadas (DAC). A definição detais critérios buscou contemplar elementosbásicos de variabilidade (exemplo: turnos)para aumentar o grau de confiabilidade dosdados coletados.

Os resultados relativos aos tipos de ligaçãoe aos assuntos mais solicitados pelos teleu-suários mostram:

quanto ao tipo de ligação, se se sobressem“pedidos de informação (sem script)”,ou sseja, se a maioria absoluta dosteleusuários solicitou informações quepermitiram às teleatendentes responde-rem sem ajuda de script (textos prepa-rados para respostas padronizadas). Se

por um lado esse resultado parecereduzir o custo cognitivo do trabalho(redução do tratamento de informações,por exemplo), por outro ele fornece in-dícios sobre a repetitividade do traba-lho e, em conseqüência, o aumento docusto afetivo em função do sentimentonegativo de monotonia (Grandjean,1998).

que, embora numericamente pouco sig-nificativo, observa-se a ocorrência deligações do tipo trote, denúncia e re-clamação que exigem das teleatendentesestratégias singulares de mediação, cujofracasso pode impactar negativamenteno custo humano do trabalho, sobretu-do na esfera afetiva (por exemplo, aconduta pouco cortês de um reclamante);

quanto ao tipos de assuntos mais solici-tados, os resultados mostram a diversi-dade de demanda dos teleusuários, per-mitindo-se supor que tal diversidade deinformações requer o desenvolvimentode competências específicas no campodo diagnóstico, do tratamento e datomada de decisão para respondereficientemente às demandas dos teleu-suários em contexto de forte pressãotemporal e de desempenho vigiado;

os eventos críticos ocorridos durante operíodo de observação nas situações deteleatendimento, embora quantitati-vamente pouco expressivo, evidenciamalguns elementos da complexidade dotrabalho que impõe a construção deestratégias de mediação específicas parareduzir as conseqüências negativas nasdimensões afetiva e cognitiva do custohumano do trabalho. Por exemplo, ex-plicar para um teleusuário com baixaescolaridade (ansioso por uma respos-ta) que o site (fonte da informação) estáfora do ar requer um savoir-faire efi-caz. Este resultado encontra eco na li-teratura, pois, em inúmeras situaçõesem que os teleatendentes não dispõemde informações (totais ou parciais), orisco de que elas resultem em erros au-menta e, em conseqüência, há perdade qualidade dos serviços (Mascia &Sznelwar, 2000).

Em relação às condutas verbais dos teleu-suários nas situações de teleatendimento,

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4612

13Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

alguns aspectos merecem ser assinalados: observou-se um nítido predomínio deteleusuários cuja conduta se caracterizapor ser cortês (agradece no final da li-gação, utiliza “por favor”, diz obrigadoao final da ligação e trata o teleatendentecom respeito), ou seja, do ponto de vistaquantitativo, parecem indicar poucoesforço operatório para cumprir astarefas. Todavia, o caráter repetitivo, jáassinalado, parece inexorável;

os resultados mostram aspectos quepodem estar na origem de indícios demal-estar que resultam das exigências(cognitivas e afetivas) em lidar com teleu-suários cuja conduta verbal se caracte-riza por ser “desconhecedor do servi-ço”, “não saber o que quer” (apresentadiscurso desordenado, não se lembra dasinformações, não sabe o nome das coi-sas, não encontra palavras) e ser “pro-lixo” (prolonga a conversa, não é obje-tivo e fornece informações irrelevantes).

Em síntese, os resultados obtidos possibilita-ram um aprofundamento maior na realidadedo serviço de teleatendimento na central combase em dados característicos das situações

que podem funcionar, principalmente, comoconstrangedores das atividades das teleaten-dentes. A natureza do trabalho de teleatendi-mento pôde ser melhor visualizada eviden-ciando fortes exigências cognitivas e afetivaspara executar satisfatoriamente a prescriçãodo trabalho.

Os dados das entrevistas com teleatendentes(N=40) foram submetidos ao tratamento doaplicativo Alceste (Reinert, 1990). O trata-mento do corpus identificou quatro classestemáticas estruturadoras das verbalizaçõesdas teleatendentes (Figura 2). Tais verbali-zações expressam as representaçõesoperativas (Weill-Fassina et al., 1993; Teiger,1993) que fazem parte do contexto de pro-dução da central de teleatendimento em ter-mos de linguagem sobre o trabalho e suasconseqüências (Lacoste, 1995). Trata-se deuma espécie de vision du monde no sentidoatribuído por Max Reinert. Neste caso, umavisão do mundo do trabalho e de seus efeitossobre as próprias teleatendentes.

A sensação de fadiga, esgotamento ou,como afirmam as atendentes, de estresse pa-rece predominar nas representações que elasexplicitam em relação ao estado geral em fun-ção de contextos de trabalho que vivenciam.

Figura 2 Classes Temáticas e Vocabulário Estruturador dasVerbalizações das Teleatendentes.

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4613

14 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

Referências Bibliográficas

Nesse sentido, o traço negativo que ca-racteriza as avaliações que as teleatendentesfazem sobre seus estados físico, psicológicoe social relativos ao contexto de serviço deteleatendimento no qual estão inseridas érevelador de vivências de mal-estar.

Todavia, esses indícios de vivências de mal-estar das teleatendentes parecem manter cla-ras as relações com os resultados obtidos aolongo da pesquisa. Desse modo, os dadosdo perfil da central apontaram elementos decrescimento dos serviços sem a necessáriacorrespondência em termos de suporte orga-nizacional.

Diversos indicadores críticos foram evi-denciados pela vistoria ergonômica, dese-nhando um cenário nada favorável aopredomínio de vivências de bem-estar notrabalho. Por fim, ao falarem do própriotrabalho, as teleatendentes agregaram umelenco de informações que configurou asprincipais fontes do pólo negativo do custohumano do trabalho, em particular a estrei-ta relação entre o conteúdo do trabalho(significativa exigência cognitiva) e a condu-ta verbal dos teleusuários (significativaexigência afetiva), bem como o estilo de ges-tão e as condições de trabalho, combinandouma “mistura explosiva”.

Conclusão

Os resultados mostram que a combinaçãode dimensões, condições, organização e rela-

ções sociais de trabalho configura um cená-rio explicativo dos limites impostos àsteleatendentes para mediar eficientemente acomplexidade que marca a interação com osteleusuários e, ao mesmo tempo, a garantiados objetivos prescritos e a preservação dasaúde. É nesse cenário em que as vivênciasde mal-estar das teleatendentes assumeminteligibilidade, situação em que o trabalhose afasta de seu caráter ontológico de cons-trução da identidade e de fonte de prazer. Aanálise dos resultados lança luz para se com-preender os altos índices de rotatividade nes-te setor, cuja abordagem de gestão tem nostrabalhadores a variável de ajuste.

A discussão dos resultados possibilita iden-tificar que a tensão entre o “velho” e o “novo”é um dos traços mais marcantes nos contex-tos de trabalho das centrais de teleaten-dimento. Ao mesmo tempo em que o teleaten-dimento é um setor que envolve a mais avan-çada tecnologia da informação e das teleco-municações, é também um dos ambientesonde o estilo de gestão do trabalho pode sedar da maneira mais arcaica e burocráti-ca, remetendo aos modelos industriais etayloristas de administração do século pas-sado. Nesse sentido, o texto “A neurose dastelefonistas”, que nasceu dos estudos de LeGuillant et al. (1956), permanece, sob o ân-gulo da organização do trabalho, bastanteatual.

AZEVEDO, M. C. & CALDAS, M. P. Seriamos Call Centers os Sweatshops do Sé-culo XXI? In: Anais RealidadeOrganizacional. PROPAD/UFPE.ANPAD, 1 CD, 2002.

BERNADI, A. P., et al. Trabalho por Telefo-ne Associado ao Uso de Computador(Telework): Estudo de Caso. In: L. I.Sznelwar & L. N. Zidan (orgs.). O Tra-balho Humano com Sistemas Informa-tizados no Setor de Serviços. São Pau-lo: Plêiade, 2000, pp. 209-221.

CHANG, Z. Y. & HUANG, L. H. Qualitydeployment for the management of

customer calls. Managing ServiceQuality, Bedford, v. 10, n. 2, pp. 98-102, 2000.

FERREIRA, M. C. & MENDES A. M. Traba-lho e riscos de adoecimento: O caso dosauditores-fiscais da Previdência Socialbrasileira. Brasília: Edições Ler, Pensar,Agir (LPA), 2003.

FERREIRA, M. C. O Sujeito Forja o Ambiente,o Ambiente “Forja” o Sujeito: Inter-Rela-ção Indivíduo-Ambiente em Ergonomia daAtividade. In: M. C. Ferreira & S. DalRosso (orgs.), A Regulação Social doTrabalho. Brasília, UnB: Editora Paralelo15, 2003, pp. 21-45.

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4614

15Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

FREIRE, O. N. “Ser Atendente a Vida Todaé Humanamente Impossível”: Serviço deTeleatendimento e Custo Humano doTrabalho. 2002. Dissertação de Mes-trado em Psicologia, Brasília – DF: Uni-versidade de Psicologia.

FRIGERI F. Estudo dos Distúrbios Músculo-Esqueléticos Relacionados ao Trabalhoem um Call Center. 2000. Dissertaçãode Mestrado em Engenharia de Produ-ção. Rio de Janeiro: Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro.

GILMORE, A. & MORELAND, L. How CanService Quality be Managed? IrishMarketing Review, Dublin, v. 13, n. 1,2000, pp. 3-11.

GLINA, D. M. R. & ROCHA, L. E. Fatores deEstresse no Trabalho de Operadores deCentrais de Atendimento Telefônico de umBanco em São Paulo. Revista Brasileirade Medicina e Trabalho, Belo Horizon-te, v.1, n.1, pp. 31-39, jul-set.,2003.

GRANDJEAN, E. Manual de Ergonomia.Adaptando o Trabalho ao Homem.4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas,1998.

GUÉRIN, F., et al. Compreender o Traba-lho para Transformá-lo. A Prática daErgonomia. São Paulo: Edgard Blücher,2001.

IIDA, I. Ergonomia. Projeto e Produção. SãoPaulo: Edgard Blücher, 1990.

LACOSTE, M. Parole, Action, Situação. In:Josiane Boutet (org.), Paroles au travail.Paris: L’Harmattan, 1995.

LE GUILLANT, et al. La Névrose desTéléphonistes. In:______. (org.) Quellepsyquiatrie pour notre temps? Travauxet écrits.Toulouse: Éditions Érès, 1956,pp. 379-391.

LIMA, M. E. A. Informatização e Saúde noSetor de Telecomunicações. O Problemadas Lesõs por Esforços Repetitivos. In: L.I. Sznelwar & L. N. Zidan (orgs.). O

Trabalho Humano com SistemasInformatizados no Setor de Serviços. SãoPaulo: Plêiade, 2000, pp. 159-168.

MARX, R. (LER e Organização do Trabalhono Setor de Serviços: O Caso de CallCenters em Atendimento de Serviços Fi-nanceiros. In: L. I. Sznelwar & L. N. Zidan(orgs.). O Trabalho Humano com Siste-mas Informatizados no Setor de Servi-ços. São Paulo: Plêiade, 2000, pp. 81-86.

MASCIA, F. L. e SZNELWAR, L. I. (2000).Diálogo e Constrangimentos do Script naAtividade de Atendimento a Clientes. In:L. I. Sznelwar & L. N. Zidan (orgs.). OTrabalho Humano com Sistemas Infor-matizados no Setor de Serviços. SãoPaulo: Plêiade, 2000, pp. 97-104.

REINERT, M. (1990). Alceste, une méthodo-logie d’analyse des données textuelles etune application: Aurélia de Gérard deNerval. Bulletin de méthodologiesociologique, n. 26, pp. 24-54.

SANTOS, V. et al. Projeto Ergonômico deCentrais de Teleatendimento. In: L. I.Sznelwar & L.N. Zidan (orgs.). O Tra-balho Humano com Sistemas Infor-matizados no Setor de Serviços. SãoPaulo: Plêiade, 2000, pp. 235-246.

TEIGER, C. Représentation du travail. Travailde la représentation. In: A. Weiil-Fassina;P. Rabardel & D. Dubois (orgs.).Représentations pour l’action, Toulouse,France: Ocatarès Editions, 1993, pp.311-344.

TESSLER, J. S. Macroergonomia em CallCenter de Ambiente Universitário.2002. Dissertação de Mestrado pro-fissionalizante em Engenharia. Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul, Por-to Alegre.

WEILL-FASINA, A., RABARDEL, P. &DUBOIS, D. (orgs.). Représentationspour l’action, Toulouse, France: OctarèsEditions, 1993.

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4615

16 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

capitulo interação teleatendente.p65 24/08/05, 13:4616

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional6

Consultores que colaboraram nas edições de 2004 da RBSO:

Ada Ávila AssunçãoArline Sydneia Abel ArcuriAna Cláudia FioriniAntônio Carlos PereiraAna Isabel Bruzzi Bezerra ParaguayAna Maria Tibiriça BonAparecida Mari IgutiCláudia Roberta de Castro MorenoJosé Marçal Jackson FilhoJoão Rodolfo HoppLeda Leal FerreiraLeila GontijoLuiza Maria Nunes CardosoMaria Engrácia de Carvalho ChavesMaria de Fátima Ferreira QueirozMaria de Fátima Menezes PedrosoMaria da Graça HoefelMaria MaenoMarcos PerosSérgio ColacioppoThais Helena de Carvalho Barreira

inicio sumario.p65 24/08/05, 13:446

17Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

A Triagem de Lixo Reciclável: AnáliseErgonômica da Atividade

Fernanda Flávia Cockell1

Angela Maria Carneiro de Carvalho, MSc.2

João Alberto Camarotto3

Paulo Eduardo Gomes Bento3

A análise do setor de triagem de uma cooperativa formada por catadores de material reciclávelé objeto deste estudo. Utilizando a metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho (AET),demonstra-se que, além dos riscos de acidentes e doenças, outras fontes de desconforto sãogeradas pela forma de organização adotada. O redirecionamento dos trabalhadores doantigo aterro sanitário para a cooperativa, na busca da inclusão social com geração derenda, intensificou sinais de sofrimento psíquico, sobrecarga física e mental e, especialmente,potencializou problemas financeiros que demandam modificações na organização do traba-lho e parcerias institucionais.

Palavras-chave: análise ergonômica do trabalho, cooperativa, reciclagem, triagem.

The object of this paper is the analysis of a selection sector in a recycled material catchercooperative. By using the Ergonomic Work Analysis, the paper shows that besides work-related risks and diseases other sources of discomfort are generated by the work organizationmode. The guidance of workers from the Municipal Landfill Site to the cooperativeorganization in search of social inclusion and income generation activities seemed tointensify psycho-suffering, mental and physical overload and especially it determinedfinancial problems. This situation asks for changes in the work organization mode andrequests institutional partnership.

Keywords: ergonomic work analysis, cooperatives, recycling, selection.

1Fisioterapeuta, mestranda em

Engenharia de Produção pelaUFSCar.

2Administradora, doutoranda em

Engenharia de Produção pelaUFSCar.

3Professores do Departamento de

Engenharia de Produção da UFSCar.

Recycled Materials’ Selection: anErgonomic Work Analysis

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4517

18 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

Introdução

A Prefeitura Municipal de São Carlos – SP,através da Secretaria Municipal de Desen-volvimento Sustentável, criou o ProgramaMunicipal de Redução e Controle de Resí-duos – FUTURO LIMPO. Seu objetivo maioré a inclusão social com geração de renda deatores que já trabalhavam na coleta demateriais recicláveis no aterro sanitário,organizando-os sob a forma de cooperativa.

Estão envolvidos no Programa:

a) A Prefeitura, através da Secretaria Muni-cipal de Desenvolvimento Sustentável e doNúcleo de Fomento à Cidadania;

b) Duas ONG’s – a APASC (Associação paraProteção Ambiental de São Carlos) e aRAMUDA;

c) A empresa VEGA – responsável pela cole-ta de lixo urbano em São Carlos –, quepatrocina dois caminhões de aluguel utili-zados na coleta seletiva;

d) Empresas parceiras locais;e) Atualmente, três cooperativas de coletores

criadas pela Prefeitura Municipal de SãoCarlos para a coleta de lixo reciclável eposterior reaproveitamento: a ECOATIVA,a COOPERVIDA e a mais recente, a CO-LETIVA.

A pesquisa concentra-se na CooperativaECOATIVA e tem como foco o setor de tria-gem. Uma vez que a reciclagem é hoje umanecessidade ambiental, a atividade de tria-gem do material advindo da coleta seletiva éde vital importância neste processo. Emboranecessária à promoção da qualidade de vida,trata-se, paradoxalmente, de uma atividadede risco para aqueles que a exercem, con-forme apontam Lima & Romeiro Filho (2002).Os autores, que definem triagem como o pro-cesso de separação minuciosa de materiaispara atender à demanda das indústrias, afir-mam que uma triagem eficiente é o ponto departida para viabilizar a reciclagem.

A partir do primeiro encontro, já se deli-nearam as expectativas dos membros daorganização quanto à finalidade da pesqui-sa: uma possível intervenção ergonômica e oestudo da viabilização de possíveis correçõesnas condições econômico-sociais dos coope-rados.

Metodologia

A pesquisa utilizou a metodologia da Aná-lise Ergonômica do Trabalho (AET) para acompreensão das atividades do setor de tria-gem da cooperativa.

A AET baseia-se no estudo da atividade detrabalho, levando em consideração a análi-se e o funcionamento da própria atividade,suas condições e o resultado (Guérin et al.,2001). O diferencial desta análise é a ob-servação do trabalho efetivamente realizadoe não somente a representação de uma situa-ção geral.

Segundo Soares et al. (2002), “a AET per-mite explicitar o saber informal (savoir-faire,tacit skills) dos atores em situação, os cri-térios que orientam suas ações e os objetivosconflitantes que eventualmente formam seuscomportamentos no trabalho” (p. 2). Eviden-cia conhecimentos e dificuldades dos traba-lhadores, a variabilidade das situações, asregulações individuais e coletivas, permitin-do entender “o porquê das decisões toma-das” (p. 2).

Seguindo essa orientação, os instrumentosutilizados para a coleta de dados foram:

Durante os primeiros contatos, obser-vação direta e conversas informais paraconhecer o funcionamento global daorganização; Aprofundamento da análise, fotos e fil-magem do local e da atividade estudada; Entrevistas estruturadas e questionáriocom perguntas abertas; Análise dos modos operatórios adotadospelos cooperados para avaliar constran-gimentos posturais, deslocamentos, dire-ção do olhar e “diferentes configuraçõesda carga de trabalho em distintos mo-mentos da atividade”. (Oliveira &Echternacht, 2003, p. 1); Validação e complementação das infor-mações. Os resultados das observaçõessistemáticas e o pré-diagnóstico, aoserem autoconfrontados com os coope-rados, permitem apreender o que épertinente para eles, os desvios em re-lação ao trabalho previsto, os motivosque levam cada um a proceder de de-terminada maneira, as dificuldadesenfrentadas e as estratégias adotadas(Lima,1998).

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4518

19Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

No trabalho junto à ECOATIVA, a maiorparte das verbalizações foi simultânea aodesenrolar da atividade, embora muito tam-bém tenha sido apreendido nas verbalizaçõesconsecutivas, utilizando-se registro de obser-vações anteriores e de entrevistas. Esse pro-cedimento baseou-se em GUÉRIN et al. (op.cit.), que lembram que as atividades não po-dem ser reduzidas ao observável ou ao me-dido. Precisam ser “ressituadas” (p.168) demaneira mais geral, o que só poderá serobtido com as verbalizações do operador.

Buscou-se não apenas oportunidades decontato com os operadores, mas tambémcontatos iniciais com o representante da ONGRAMUDA, que assessora a cooperativa. Essaoportunidade vem de encontro ao que Guérinet al. (op.cit.) salientam como os pontos devista diferentes sobre a situação de trabalho:a função organizadora e a atividade de tra-balho, materializadas na relação trabalhoprescrito/trabalho efetivo. Ao mesmo tempoem que se centrava o foco da pesquisa natriagem, buscava-se obter o conhecimento docontexto “industrial, econômico e social” ne-cessário para enquadrar a ação ergonômicae levar em conta as especificidades da orga-nização.

O olhar do ergonomista busca, segundoVidal (2001), apreender as questões geraisque envolvem o trabalho das pessoas em umaperspectiva global. Sendo direcionado – oque depende de intenção prévia – possibilita-rá o “ver”, ou seja, tratar as questões em umdeterminado recorte – o ponto de vista daatividade – a fim de compreender esse ato eas representações sociais de quem participada situação de trabalho.

O objetivo é transformar positivamente otrabalho caso a caso, analisando a per-tinência e a relevância das representaçõesexistentes e, se for o caso, construir uma re-presentação alternativa que atenda melhor àorganização.

A Cooperativa: estudode caso

A ECOATIVA é responsável pela coleta dematerial reciclável na região central de SãoCarlos.

Ela funciona sob a forma de cooperativa.Segundo a Lei 5764 de 16.12.1971, que

define a Política Nacional de Cooperativismo,as cooperativas são “sociedades de pessoas,com forma e natureza jurídicas próprias, denatureza civil, não sujeitas à falência, consti-tuídas para prestar serviços aos associados...”(artigo 4º).

Ao tratar do tema cooperativas, Lasserre(1959) comenta que uma atividade econô-mica – seja ela qual for – não pode ser oca-sião propícia para uns fazerem fortuna eadquirirem poder a custa de outros. Deve,sim, ajudar as pessoas a unirem suas forçase se associarem em uma obra comum paramelhorar suas condições de vida; deve levá-las a “dividir o pão”, a cooperar, a traba-lhar juntas. Essa atividade cooperativa nãodeve visar a um lucro mais alto possível paraser dividido depois, mas sim fortalecer seusmembros fortalecendo suas posições e levan-do-os a assumir, em contrapartida, respon-sabilidades. Para o autor, para o sucesso dacooperativa são necessários capacitação, in-formações e ensinamentos elementares sobreseu funcionamento.

Aspectos Organizacionais

Na ECOATIVA há um total de dezoito coo-perados que trabalham 8h por dia em duasequipes. A faixa etária média é de 34 anos,embora haja um cooperado com 19 anos.Com relação ao sexo, há mais mulheres doque homens. Todos executam as mesmas ta-refas, seja na triagem ou na coleta, excetoaquelas feitas em cima do caminhão, quan-do as mulheres são poupadas. Há analfabe-tos, embora a média de escolaridade estejaem 5,6 anos de estudo.

De terça à quinta-feira, uma equipe de novepessoas fica no galpão e a outra, tambémcom nove pessoas, coleta o lixo na rua. Hárevezamento entre quem fica e quem sai acada semana, embora as duas equipes man-tenham-se as mesmas. Na segunda-feira, asduas equipes coletam lixo na rua.

Não há, na Cooperativa, níveis hierárqui-cos ou carteira assinada. O pagamento équinzenal e a remuneração, por horas tra-balhadas. Essa remuneração constitui-se emuma das maiores reivindicações dos coope-rados que afirmam constantemente que ga-nhavam mais no aterro sanitário. Ali, dizemem conversas informais, mais da metade doscooperados já havia trabalhado.

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4519

20 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

Produção

Os serviços prestados pela ECOATIVA sãoa coleta do material reciclável nas casas, atriagem, a prensa, o armazenamento, o trans-porte e a venda. São triadas cerca de setetoneladas de lixo por semana.

Os produtos finais da cooperativa são osmateriais triados prontos para serem vendi-dos e reciclados. São trinta e cinco tipos deprodutos, dentre os quais se destacam: vidrointeiro/caco, embalagens tetra pack, metal,papelão, papel picado/branco, jornais, re-vistas, plástico fino/grosso, papel alumínio,garrafas PET brancas/coloridas, fitas devídeo, cartuchos etc.

Não há coleta de pilhas, isopor, lâmpadasfluorescentes e baterias, embora os coopera-dos tenham manifestado desejo de saber li-dar com esses materiais.

O Local

A central de triagem da ECOATIVA, deno-minada Central do Ceasa, funciona numgalpão em espaço cedido pela prefeitura. Suaestrutura é de ferro, o teto, de amianto e ochão, cimentado. O local tem boa ventila-ção, com iluminação natural e sua área ex-terna é grande o suficiente para estaciona-mento e manobra de carros e caminhões. Háuma casa de apoio que serve de depósito elocal para descanso e refeições. Dentro dogalpão ficam duas prensas, uma balança,três mesas de triagem, empilhadeiras ma-nuais, carrinhos, caçambas e bombonas plás-ticas.

As mesas onde o material reciclável é se-lecionado ficam posicionadas mais para ocentro do galpão, por ser, segundo oscooperados, o local menos sujeito a sol echuva. À sua volta, os cooperados que efe-tuam a triagem se posicionam de pé e à voltadeles ficam os bags e as bombonas, ondesão armazenados os materiais, sendo cadabag/bombona para um tipo de material.

Os materiais coletados encontram-se dis-postos dentro do galpão – já selecionados e,dependendo do tipo, prensados – em bagsou fardos que ficam ao seu redor.

O Processo

A coleta do material reciclável é feita nascasas que se encontram na área de atuação

da ECOATIVA pelo sistema “porta a porta”.Cada cooperado carrega uma sacola deráfia, onde o material é colocado para, emseguida, ser transferido para bags.

O caminhão leva o material até o galpão,onde é pesado para entrar na etapa de tria-gem, ou seja, na separação dos materiais aserem reciclados. Essa é a etapa analisadaneste estudo. Em seguida, parte dos materiaistriados é prensada e pesada para ser poste-riormente vendida.

Análise ergonômica dasatividades do setor detriagem

O setor escolhido como foco, a triagem, étotalmente manual. Os cooperados ficamdistribuídos em torno da mesa de triagem etrabalham em pé, com a mesa na altura dacintura. O tempo de triagem de cada bagvaria de 15 a 20 minutos.

As atividades do setor de triagem foram,para efeito do estudo, caracterizadas porposto de trabalho em:

Abastecimento

O abastecimento é realizado por umcooperado, posicionado na ponta da mesa,cuja função é abastecê-la com os materiaiscoletados quando esta fica vazia. Para tal,arrasta o bag – que está posicionado próxi-mo à entrada do galpão e que contém o lixocoletado na rua – até próximo à mesa. Abreentão o bag com o auxílio de um instrumen-to cortante e vai retirando com a mão partedo lixo que está dentro do bag e colocandoem cima da mesa. Esse procedimento temcomo objetivo diminuir um pouco o peso dobag, que pesa de 20kg a 30 kg.

O próximo passo é feito de forma diferentenas duas equipes observadas. Em uma de-las, o abastecedor, com o auxílio de outrocooperado posicionado a seu lado, eleva obag e vira-o, jogando o material a ser triadosobre a mesa; na outra, o abastecedor sobena mesa e, do alto, eleva o bag sozinho ejoga o material em toda a extensão da mesa.Neste último caso, a estratégia coletiva ado-tada pela equipe minimiza o risco de o mate-rial a ser colocado na bancada cair em cimados cooperados.

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4520

21Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

Triagem

Na etapa de seleção, os materiais coloca-dos em cima da mesa são selecionados e se-parados de acordo com o seu tipo. Essesmateriais são em seguida acondicionadosdentro de bags ou bombonas específicas portipo de material. Freqüentemente, a “boca”do bag se fecha levando o cooperado a pa-rar a seleção para arrumá-la. Quando estesficam cheios, são levados para local espe-cífico de armazenamento à volta do galpãoou posicionados para serem prensados.

Constatou-se que, diante dos meios a elesfornecidos e dos seus estados internos, cadacooperado desenvolve um modo operatóriodiferente para dar conta dos resultados espe-rados. Segundo Guérin et al. (op.cit., p. 54),para atingir os objetivos, o operador funda-menta-se, ao mesmo tempo, “em seqüênciasde busca de informações e de ações bastanteintegradas e em um planejamento de conjun-to ligado às intenções do operador”. Cadasituação envolverá saberes mais ou menosamplos e acrescentará experiência ao opera-dor.

Pequenos sacos ficam pendurados empregos à volta da mesa para facilitar a colo-cação de produtos mais finos – difíceis deserem lançados até o bag – e daqueles comvalor agregado.

Seleção e separação dos vidros/eliminaçãodo lixo orgânico e material não reciclável

Os vidros vão sendo empurrados até o úl-timo cooperado, localizado no final da mesa.Ele separa vidros e cacos, retira-os da mesae coloca-os nos bags de armazenamento. Issopoderia ser evitado, segundo os cooperados,caso a esteira – recebida como doação – fos-se implantada. Os bags cheios são transpor-tados no final do dia para a área de arma-zenamento, que, devido à falta de planeja-mento, está localizada no outro extremo dogalpão.

O cooperado que ocupa este posto é tam-bém responsável por retirar os resíduos quesobram – lixo orgânico e material nãoreciclável. É utilizada uma ferramenta quepode ser qualquer objeto útil encontrado natriagem, como um pedaço de vassoura ouqualquer escova; esse lixo é colocado em bagespecífico, que é retirado quando cheio ecolocado fora do galpão para ser recolhidoposteriormente pelo caminhão de lixo.

As Competências Adquiridas

Verifica-se que na cooperativa não exis-tem tarefas formalmente prescritas. Não hádocumentos disponíveis para permitir a iden-tificação dos aspectos formais do trabalho.Os ensinamentos passados aos novos mem-bros pela força de trabalho baseiam-se em“regras”, que também são reproduzidas depai para filho ou entre colegas com base emexperiências vividas, confundindo-se prescritopara uns com o real vivenciado pelos maisantigos.

Os ensinamentos sobre as tarefas na coope-rativa são passados pelos colegas aos mem-bros recém-chegados sem nenhum procedi-mento formal, cada qual contribuindo comseu saber e experiência. Por vezes são ensina-mentos que, na família, passam de pais parafilhos, conforme relata a cooperada: “Tra-balho com meu pai desde nove anos; nósíamos pro lixão em vários lugares. Nuncaficamos doentes”.

A qualidade da produção de materiaisreciclados depende do saber-fazer dos coo-perados que é adquirido com a experiênciae é indispensável para o trabalhador “darconta” das variabilidades presentes na ativi-dade de trabalho (Guérin et al., op. cit.).

Jamil & Echternacht (2003) observaramque as competências para o exercício da ati-vidade são adquiridas tanto por meios “for-mais como informais, ou pela experiência,ou pela convivência com os outros colegas esempre levando em consideração o valor dotrabalho” (p. 7).

Notou-se pela observação – e foi confir-mado verbalmente pelos cooperados – queos mais novatos, por vezes, têm dúvidasquanto à classificação do material, o que levaà demora, a erros ou à inutilização de possí-veis recicláveis. Isso ocorre com certa fre-qüência. Outras decisões a serem tomadasreferem-se à necessidade de inferir qual ma-terial deve ser reaproveitado individualmen-te ou não (revista muito rasgada, com ousem capa etc.), qual deve ser vendido sepa-radamente ou por peso, qual é a capacida-de do bag em que cada tipo de material écolocado ou qual é a hora apropriada paratrocar um bag já cheio. Conforme expressopelo cooperado: “Eu acho que separar é issoaí; é muita atenção”.

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4521

22 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

Os Riscos Enfrentados no Trabalho

Verifica-se a ausência de registros de aci-dentes, dados de saúde ou quaisquer atendi-mentos médicos. Segundo os cooperados, nãohá também material de primeiros socorros nogalpão ou na casa de apoio.

A presença de poeira em dispersão é cons-tatada quando, para início da triagem, osbags com material coletado são esvaziadosem cima da mesa e quando o bag vazio éjogado no chão. O acúmulo de poeira e acontaminação por “restos” de produtos quí-micos presentes nos vasilhames coletadospodem causar transtornos respiratórios e aler-gias.

Não foi observado mau cheiro no galpão,talvez por ser um local ventilado. Há, porém,presença de insetos. Cheiros característicosde material orgânico são sentidos próximo àmesa de triagem – nada que incomode mui-to, já que os restos são retirados constante-mente pelo cooperado posicionado ao finalda mesa e o local em volta da mesa é periodi-camente varrido. Nenhuma proteção é utili-zada contra o odor ou a poeira.

Os cooperados têm seu corpo e suas mãosem contato com o material. Jalecos e luvassão fornecidos pela Prefeitura, embora nemtodos os utilizem. Segundo o representanteda ONG, não adianta dar, por exemplo, lu-vas, pois “elas ficam jogadas no chão”. Damesma forma ocorre com os jalecos, nemtodos os operadores os utilizam.

O estudo da atividade real mostra que tudoque acontece e se faz no trabalho tem umaexplicação; se um operador recusa-se a utili-zar um EPI, cabe à Ergonomia investigar osmotivos para, então, propor modificações.Quando questionados sobre o não uso doequipamento, os que não estavam protegidosafirmaram que nunca haviam se cortado eoutros afirmaram não ligarem para os cor-tes: “Tem gente que corta a mão, mas nãoliga” (o grifo é nosso).

Para Silva et al. (1994), desafiar o risco é“uma maneira inconsciente de camuflar aansiedade, de controlar, conjurar o própriorisco: pois a consciência aguda deste seriainsuportável”. Apesar da maioria negar o ris-co de adoecimento e até mesmo o ridiculari-zar, um cooperado afirmou temer ficardoente devido ao manuseio do lixo. Segundo

o seu relato: “..tem coisa perigosa; até por-que a gente se corta e tem AIDS, modess,leite podre...”

Para os cooperados, a luva não os prote-ge contra os cortes, dificulta a separação daspartes dos materiais e é muito quente. Nota-se que manuseiam constantemente materialpérfuro-cortante: pequenos objetos, lâminas,cacos de vidro, facas sem cabo etc., além dematerial sujeito à contaminação: fezeshumanas, de animais, dejetos etc. Segundoum cooperado: “Tem prego, caco, às vezesum arranhão; eu tenho mania de cortar enão sentir o corte”.

Silva et al. (op. cit.) observam que o aban-dono ou o não uso do EPI significa que ooperador reconhece sua influência na exe-cução das tarefas. Assim sendo, propõemque, quando os EPI’s não estiverem sendoutilizados, no lugar de rotular o operador de“‘inconsciente’, ‘desleixado’, ‘machão’,‘peão’, ‘não tem jeito’...” (p. 315), devem-se pesquisar os motivos reais para tal atitu-de, podendo-se chegar à conclusão de quese trata de “desconforto do produto, ina-dequação em relação à tarefa, má qualida-de, impedimento da percepção de um outrorisco, ineficácia em relação à proteção visa-da” (p. 315).

Um ponto crítico no processo de triagem éa inadequação do espaço entre a mesa e osbags/bombonas, o que dificulta a circula-ção, bem como o manuseio dos materiais ea limpeza do local, restringindo os movimen-tos dos cooperados. Outros problemas en-contrados, referentes ao espaço físico, são alargura da bancada e a altura dos bags/bombonas no solo que obrigam o coopera-do a realizar movimentos extremos de om-bro e coluna.

Dificuldades Organizacionais

Embora a sensibilização da comunidadeestivesse dentre os objetivos do ProgramaFuturo Limpo – origem da ECOATIVA –, oscooperados reclamam que a população dacidade ainda não aprendeu a separar o lixo,apesar de já terem sido feitas três campa-nhas de conscientização, com distribuição defolhetos e participação da UFSCar, da Pre-feitura, da RAMUDA e deles próprios. Se-gundo relatam: “Vem gato, vem bicho, vembosta, a gente pega tudo aqui”. Sob outro

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4522

23Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

ponto de vista, o representante da ONG dizque o problema não está na população, massim na coleta, que recolhe lixo orgânico mis-turado ao lixo reciclável.

Paradela & Duarte (2003) observam queo trabalho em cooperativas é uma fonte po-tencial de conflitos que muitas vezes são difí-ceis de admitir, já que podem não encontrarcanais consistentes de diálogo. Os conflitosexistentes na ECOATIVA são permeados pelabaixa escolaridade que, acreditam os coope-rados, impede-os de arranjar melhores em-pregos com melhores salários. Além do mais,caso possuíssem “curso de formação”, po-deriam consertar os materiais coletados comvalor agregado. Aqueles que têm o EnsinoMédio (antigo Segundo Grau) participam deatividades administrativas, como negociaçãodos materiais triados e contabilização. Segun-do o cooperado: “Tem muitos que não sa-bem contar; então eu conto”.

Paradela & Duarte (op. cit.) apontam paraa dificuldade de melhor aproveitamento depotencialidades na cooperativa, creditando-aao fato de que possa existir uma carência deresposta organizacional adequada a esse tipode organização. Conforme dito pelo coope-rado: “Eu sou meio diretor, aí todo mundofica cobrando, foi por votação que me esco-lheram”. Os autores citam como aspectosmais difíceis na gestão das cooperativas:“fluxo de conhecimento, fluxo de decisão,comprometimento e empenho desiguais e ca-rência de formação gerencial específica”(p. 3).

A organização do trabalho sob a formade cooperativa trouxe dificuldades aos coo-perados em relação a sua postura, aos seusdeveres e às responsabilidades embutidas nacondição de associados. Se por um lado sãotrabalhadores com certa autonomia por nãopossuírem vínculo empregatício, por outronão podem prescindir do trabalho em equi-pe. Isso leva a conflitos de relacionamento(“A gente escuta muito tititi; mas a gente dei-xa pra lá”; “Não é só jogar e ficar com amão no bolso; tem que ajudar”; “A prensa émais pesado, mas a gente trabalha sossega-do, sem zoeira na cabeça”) e a dificuldadesem lidar com o surgimento de lideranças nogrupo (“O que mais enche? Repreensão” [fa-lou com firmeza]; “Se tiver que alguém mechamar atenção, eu prefiro que seja alguémmaior que eu”). Sentimentos de mágoa sãoentão constantes.

Holzmann (2001) refere-se a esta aparen-te contradição ao retratar sua pesquisa nascooperativas Wallig, na qual demonstra ocaráter particular desse trabalho “autônomo”prestado pelos associados. A impossibilida-de de exercer plena autonomia – como dis-punham no caso do aterro sanitário – fazsurgir o “trabalhador coletivo” (p. 33) querequer atividades simultâneas exercidas nomesmo espaço, com cooperação e comple-mentaridade de tarefas. É o que acontece naECOATIVA, seja na relação entre os quecoletam na rua e os que realizam trabalhointerno de triagem, seja entre estes e os queprensam ou preparam material para arma-zenagem e venda.

A questão determinante para os trabalha-dores, entretanto, é a financeira (“Tem me-ses que não chega a 300; quando dá bemdá os 300 redondo ou chega a 310,320...”). Os cooperados queixam-se comfreqüência da dificuldade financeira enfren-tada, da queda do padrão de vida devido àqueda dos ganhos e do aumento do volumede trabalho desde que foram retirados doaterro sanitário e tornaram-se cooperados.Segundo relatam: “Lá (no aterro), eu ganha-va mais, né?...”; “A gente trabalha demaispelo tanto que a gente ganha...”

Com a necessidade de retirá-los do aterrodevido à medida judicial, a Prefeitura, aoajudá-los a se organizar, teve que lidar como ônus de ser considerada responsável pelasituação do grupo. Ao mesmo tempo, é con-siderada culpada pelas dificuldades enfren-tadas, conforme palavras dos cooperados aoserem indagados sobre como melhorar suasituação financeira: “Pra ser sincera, não con-sigo imaginar; mas tinham [o grifo é nosso]que melhorar nosso salário...”; “Aqui mes-mo tá precisando de uma oficininha”; preci-sa de alguém para ensinar a lidar com ascoisas; se tivesse, seria melhor, ganhavamais”. Esta última verbalização demonstra apreocupação com a relação entre a falta dedinheiro e a falta de informação sobre comoobter maiores ganhos trabalhando na coo-perativa – o que não ocorria no aterro sani-tário.

Os cooperados dizem que, se quisessem,podiam fazer um turno maior no aterro eganhar mais dinheiro, enquanto na Coope-rativa isso não é possível. Esse discurso de

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4523

24 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

que “no aterro” – leia-se antes da interferên-cia da Prefeitura – ganhavam mais estevepresente em vários momentos e pode ser vis-to como uma forma de pressão por maioresganhos ou benefícios com maior interfe-rência do Estado. Em conversas informais,alguns revelaram que fazem coleta após oexpediente para aumentar a renda e umdeles afirmou que ainda “vende umas coisi-nhas”, com o mesmo propósito.

Os conflitos entre os cooperados se agra-vam com as dificuldades em lidar com lide-ranças: “Quando tem algum dinheiro quevendeu algum material, eles já querem; masnão é todos; dá pra contar no dedo”.

Dificuldades de comunicação e decisão

Os cooperados encontram dificuldadesquanto à separação de alguns tipos de ma-teriais. Segundo eles, a seleção do papelbranco é a mais trabalhosa por envolver “pa-pel pequeno”, o que dificulta o aproveita-mento de todo o material coletado.

Garrafas PET são deixadas com as tampas,embora estas sejam afrouxadas para evitarque a pressão do ar interfira na prensagem.Devido ao tamanho das equipes – pequeno–, a seleção deste e de outros materiais nãopode ser feita de maneira mais criteriosa: nomomento, garrafas são deixadas com tam-pas por não haver número suficiente de pes-soas para esta separação; entretanto, casoela fosse efetuada, os ganhos com a vendaseparada seriam maiores. Quanto maior adistinção de materiais, maior o ganho. Nosdizeres deles: “Se misturar as cores das gar-rafas PET, pagam menos; por isso eles sepa-ram: tem que trabalhar com qualidade, né?”

A separação das partes dos materiaiscoletados já é prescrita, em algumas regiõesdo Brasil, em função da demanda doscompradores. Segundo Lima et al. (op. cit.),atualmente a seleção das garrafas PET não éfeita apenas pela diferença de cor, cabendoao triador também a separação do rótulo,da tampa e do anel.

Os Sofrimentos Vivenciados

Cabe aqui referência ao que Wisner(1993) chama de “sofrimento psíquico”, re-lacionado às atividades mentais no trabalhopresentes em modalidades “perigosas” (p.11) de organização. Segundo o autor, as

pessoas chegam ao trabalho com seu capitalgenético, com marcas de agressões físicas ementais acumuladas, além de trazerem ummodo de vida, costumes pessoais e aprendi-zados. Problemas nascem de relaçõesconflituosas entre a história do indivíduo e ada sociedade. Em nossa sociedade, o traba-lhar com o lixo remete a um desconforto porestarem os cooperados lidando com “restos”,com material “sujo” e “fétido”. Se o sofrimentonão foi expresso diretamente, pode ser cons-tatado a partir da negação do constrangimentoem lidar com o lixo ou pelas verbalizações,por vezes colocadas em outros contextos: “Oque me aborrece é o lixo que vem sujo; “Atépapel de banheiro já vi; cigarro enjoa quan-do vem”; “Papel de banheiro é o de menos;aqui vem coisa pior ainda”.

Proposições/considera-ções finais

O diagnóstico feito durante a análiseergonômica do trabalho no setor da triagempermitiu o levantamento dos problemas e aelaboração de uma série de sugestões quelevassem em conta a atividade real desempe-nhada pelos cooperados, buscando a trans-formação das condições de trabalho.

Algumas dessas soluções são passíveis deserem implementadas a baixo custo, mas re-querem o interesse dos envolvidos. Outras,apesar de necessárias e de terem sugestõesdetalhadas e confrontadas, não são deimplementação viável no momento. Todas,entretanto, requerem a colaboração de ou-tros pesquisadores, empresas interessadas,ONGs, universidades e pessoas da comuni-dade, uma vez que a cooperativa não possuirecursos suficientes e competências para trans-formá-las em realidade.

Entretanto, apesar de terem sido detectadosriscos e dificuldades organizacionais passíveisde melhoria, a situação determinante para ostrabalhadores é a financeira. As sugestõesapresentadas neste estudo buscam transfor-mar o trabalho dos cooperados, possibilitan-do o aumento de renda.

O fato de lidar com lixo gera constrangi-mentos que incorporam elementos nocivos àsaúde dos trabalhadores, conforme foi cons-tatado na análise feita. Contudo, a principaldemanda dos cooperados é que, a partir do

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4524

25Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

lixo coletado, eles possam ganhar a mesmarenda que tinham quando trabalhavam noaterro sanitário. Por isso, o representante daONG RAMUDA acredita que os cooperadosquerem que a prefeitura providencie tudopara eles: cesta básica, transporte, subsídiofinanceiro etc.

A dificuldade financeira, oriunda da mu-dança do trabalho autônomo para a formade cooperativa, poderá ser compensada como aumento da quantidade coletada e o maioraproveitamento do lixo coletado. Com basenessas considerações, nas experiências deoutras cooperativas e em confrontações dosproblemas encontrados, são propostas:

Coleta de novos materiais para aumen-to da renda: pilhas, isopor, lâmpadasfluorescentes e baterias; Cursos técnicos e de artesanato: servi-ços de eletricidade, restaurações paraaproveitamento de eletrodomésticos, so-

bras de materiais e transformação demateriais recicláveis em artesanato. Issopoderá permitir, inclusive, a inserçãoprodutiva dos filhos dos cooperados; Divulgação na comunidade de formascorretas de separação e armazenamentodo material a ser coletado; Busca de doações de empresas e dacomunidade; Contato com outras cooperativas parapossibilitar a troca de vivências e discu-tir formas de gestão; Alfabetização e capacitação técnica doscooperados.

Diante da premente mudança de local – acooperativa terá que sair do galpão atual paradar lugar a um Hospital que será construídono terreno da prefeitura –, acredita-se quealgumas mudanças poderiam ser imple-mentadas aproveitando essa oportunidade.

BRASIL. Lei 5764 de 16/12/71. Define apolítica nacional de cooperativismo, ins-titui o regime jurídico das sociedades co-operativas e dá outras providências.DOU, Brasília, 16/12/1971, p.010354.

GUÉRIN, F., et al. Compreender o Traba-lho para Transformá-lo: A Prática daErgonomia. São Paulo: Edgard Blücher,2001.

HOLZMANN, L. Operários sem Patrão:Gestão Cooperativa e Dilemas da De-mocracia. São Carlos: EdUFSCar,2001.

JAMIL, A. C. C. & ECHTERNACHT, E. H. O.Análise Preliminar de Situações de Re-ferência para Futura Implantação dDoTeletrabalho: O Trabalho de Analistasde Dossiês de Processos Habitacionaisnuma Instituição. Enegep, Ouro Preto:UFOP, 2003.

LASSERRE, G. La coopération. Paris: PressesUniversitaires de France, 1959.

LIMA, R. M. R & ROMEIRO FILHO, E. Análi-se Ergonômica do Trabalho do Triadorem uma Associação de Catadores deMateriais Recicláveis Recife-PE, Abergo,2002.

LIMA, F. P. A. Fundamentos Teóricos daMetodologia e Prática de AnáliseErgonômica do Trabalho. Texto de di-vulgação interna DEP-UFMG, 1998.

OLIVEIRA, C. M. & ECHTERNACHT, E. H.O. Exigências Cognitivas em uma Ati-vidade Administrativa Hospitalar eConfiguração da Carga de Trabalho.Enegep – Ouro Preto: UFOP, 2003.

PARADELA, T. & DUARTE, F. J. C. M. UmaDiscussão sobre o ProjetoOrganizacional oara Formação deuma Pequena Empresa AutogeridaEnegep, Ouro Preto: UFOP, 2003.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CARLOS.Secretaria Municipal de DesenvolvimentoSustentável, Ciência e Tecnologia. Cole-

Referências Bibliográficas

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4525

26 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 17-26, 2004

ta Seletiva no Município de São Carlos– Programa Municipal de Redução eControle de Resíduos – Futuro Limpo.São Carlos – SP, s/d.

SILVA, C. A. D. et al. Construindo o Proces-so. In: BUSCHINELLI, J. T. P., ROCHA,L. E., RIGOTTO, R. M. (orgs.) Isto é Tra-balho de Gente? Vida, doença e traba-lho no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1994.

SOARES, R. G., LEAL, L. e LIMA, F. P. A. Poruma Integração de Atividades Mate-

riais e Imateriais na Produção de Ser-viços? A Relação de Serviço entre Sa-ber Atender e Saber-Fazer. Recife-PE:Abergo, 2002.

VIDAL, M. C. R. Ergonomia na Empresa –Útil, Prática e Aplicada. 1ed. Rio deJaneiro: Virtual Científica, 2001a.

WISNER, A. A Inteligência no Trabalho:Textos Selecionados de Ergonomia. SãoPaulo: Fundacentro, 1993.

A Triagem de lixo reciclavel.p65 24/08/05, 13:4526

27Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

Lesão Cerebral Traumática eAcidentes de Trabalho:Estudo de Revisão

Andréia Ramos1

Sílvia Rodrigues Jardim2

O objetivo do trabalho foi revisar os achados de pesquisas, nas literaturas nacional e inter-nacional, sobre a associação entre lesão cerebral traumática (LCT) e acidentes de trabalho.Para revisão do assunto utilizou-se como bases de dados o MEDLINE e LILACS do período de1991 a 2001. Foram encontrados poucos estudos (n=4) investigando a associação entreLCT e acidente de trabalho. Estes apresentavam limitações metodológicas, tais como utiliza-ção de bancos de dados secundários, a caracterização da amostra e os critérios utilizadospara definir LCT. Percebe-se uma preocupação com os estudos sobre reabilitação e gastosdos sistemas de saúde com este tipo de lesão – e suas seqüelas –, mas pouca pesquisaenvolvendo a discussão da inter-relação da organização do trabalho com a incidência deLCT.

Palavras-chave: lesão cerebral traumática, traumatismo crânio-encefálico, acidente detrabalho, saúde ocupacional.

The aim of this study was to review the research findings both in nationwide and worldwideliterature as regards the connection between traumatic brain injury (TBI) and work-relatedcasualty. In order to carry out a review of the issue, database such as the MEDLINE andLILACS were used between 1991 and 2001. Few studies were found (n=4) whichinvestigated the relationship between traumatic brain injury and work-related casualty.These presented methodological limitations such as the use of secondary database anddifferent criteria to define the TBI. Some concern is observed regarding the studies onrehabilitation and on the costs for the health system owing to this kind of damage – and itssequels – but little research comprising the interrelationship between work organizationand TBI incidence is found.

Keywords: traumatic brain injury, head injury, work-related casualty, occupational health.

1Programa Organização do Trabalho

e Saúde Mental – Instituto dePsiquiatria/Universidade Federaldo Rio de Janeiro (OTSAM – IPUB/UFRJ). Doutoranda em Psiquiatria –IPUB/UFRJ. Bolsista CNPq – processonº 141800/00-3.

2Programa Organização do Trabalho

e Saúde Mental – Instituto dePsiquiatria/Universidade Federaldo Rio de Janeiro (OTSAM – IPUB/UFRJ). Coordenadora em Exercíciodo OTSAM.

Traumatc Brain Injury andWork-Related Casualty: a Review

capitulo lesão cerebral.p65 24/08/05, 13:4727

28 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

Introdução

Existem diversas classificações para as le-sões cerebrais traumáticas. Elas podem serclassificadas como penetrantes ou fechadas,dependendo da integridade das meningesapós o trauma. As lesões fechadas represen-tam a maioria das lesões cranianas. A prin-cipal causa das lesões penetrantes são osferimentos por projéteis de armas de fogo,que produzem lesões características e podemser complicadas por hemorragia e infecção(Jorge & Robinson, 1998).

As lesões também podem ser classificadascomo primárias ou secundárias. As primáriassão produzidas por mecanismos diretamenteassociados ao evento, ou seja, no momentodo trauma. A conseqüência pode ser umalesão focal – como contusão, hemorragiaintracerebral ou epidural – ou difusa – lesãomedular, isquemia difusa. As lesões secun-dárias são aquelas decorrentes de processospatológicos que começam no momento dodano, mas que se estendem por um perío-do variável após o episódio traumático(Jorge & Robinson, 1998).

Uma terceira classificação é aquela basea-da na extensão e na localização das mudan-ças neuropatológicas. Neste caso, as lesõespodem ser focais ou difusas.

Embora os critérios classificatórios existampara tentar facilitar o diagnóstico dessas le-sões, verifica-se que suas utilizações em pes-quisas constituem um fator que, normalmen-te, confunde mais do que esclarece, geran-do problemas de ordem metodológica. Umadas principais dificuldades encontradas é aimpossibilidade de se realizar análises com-parativas entre pesquisas epidemiológicassobre lesões cerebrais traumáticas, uma vezque os diagnósticos selecionados para deter-minar a inclusão da população do estudonão são uniformes (Kraus & Sovenson,1994). Dentre as dificuldades constatadaspodemos citar a utilização de diferentesreferenciais para morbidade e mortalidade,a definição operacional de LCT adotada napesquisa (que tipo de lesão está sendo consi-derada: encefálicas, crânio-hencefálicas) ea inclusão da população da pesquisa segun-do a gravidade da lesão (incluir apenas le-sões graves deixando de fora as leves).

Mesmo que essas limitações sejam aponta-das em estudos sobre lesão cerebral traumá-tica de uma forma geral, acreditamos quepossam ser extrapoladas quando se discuteuma pesquisa envolvendo LCT relacionadaao trabalho.

Os dados epidemiológicos revelam queadolescentes e adultos jovens, seguidos porindivíduos com idade acima de 65 anos, sãoas populações mais atingidas pelas LCTs(Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981).

Os homens apresentam uma freqüênciaduas ou três vezes maior do que as mulheres(Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981).

A condição socioeconômica inferior é ou-tro fator de risco para LCT. Contudo, o maiorfator de risco isolado é o abuso e a de-pendência de substâncias psicoativas. Apro-ximadamente um terço dos pacientes com LCTapresenta distúrbio de abuso de substânciaanterior ao trauma e mais de 50% estavamintoxicados no momento da lesão (Miller,1994).

Acidentes envolvendo veículos motorizados,inclusive atropelamentos, são a causa maisfreqüente de lesão, particularmente nos pa-cientes mais jovens (Machado & Gómez,1994). As quedas são a segunda causa maisprevalente de lesão craniana, especialmenteentre os pacientes mais velhos (Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981). Os assaltos, osacidentes esportivos e de recreação são ou-tras causas importantes de lesão craniana(Machado & Gómez, 1994). Cerca de 80%das lesões cerebrais que levam as pessoas aserem hospitalizadas são consideradas leves,10% são moderadas e 10% são graves(Klauber, Barret-Connor & Marshall, 1981).

A relação entre a LCT e uma variedade dedistúrbios neuropsiquiátricos tem sido relata-da por muitos anos na literatura médica (Jor-ge & Robinson, 1998; Lishman, 1968). Noentanto, poucos estudos têm examinado aprevalência de LCT em acidentes de traba-lho. Questões como a prevalência de LCT noslocais de trabalho, a notificação desse tipode patologia como decorrente de acidente detrabalho, as variáveis da organização do tra-balho associadas à ocorrência desta patolo-gia, a evolução do quadro clínico e a influên-cia da LCT na evolução longitudinal dosdanos físicos e comportamentais pós-lesão sãoainda pouco exploradas.

Como já mencionado acima, por ora, in-teressa-nos abordar a relação entre LCT eacidente de trabalho revendo como este temaé trabalhado atualmente nas literaturasbrasileira e internacional. Para a revisão doassunto, foram pesquisados os seguintes ban-cos de dados: MEDLINE e LILACS, no perío-do de 1991-2001. Na busca, utilizaram-secomo palavras-chave: trabalho, trauma

capitulo lesão cerebral.p65 24/08/05, 13:4728

29Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

cerebral, lesão cerebral, traumatismo crânio-encefálico, acidente de trabalho, ocupacionalem suas possíveis combinações.

Lesão cerebral traumáti-ca e acidente de trabalho:os dados da literatura

Dentre a bibliografia pesquisada, foramencontrados trinta e quatro artigos que ex-ploravam o tema LCT, porém apenas quatrodiscutiram a relação entre LCT e acidente detrabalho. Somente três artigos foram anali-sados por ser um deles em idioma russo,tendo os autores acesso apenas ao resumodeste.

Embora os trinta artigos restantes não te-nham sido objeto de nossa análise, conside-ramos importante destacar alguns dados quenos pareceram significativos para o temaabordado neste trabalho. Dezesseis deles(56,66%) discutiram processos e estratégiasde reabilitação ao trabalho pós-LCT. Verifi-cou-se que tais estudos não tinham como pro-posta caracterizar a causa da LCT, de formaque não havia dados que a relacionasse coma ocupação. Eles apontaram para a neces-sidade de programas específicos de reabi-litação ao trabalho, considerando, especi-ficamente, as dificuldades para o desempe-nho das atividades laborativas decorrentesdos déficits cognitivos pós-lesão.

Treze (43,34%) dos trinta artigos tiveramcomo objeto principal da análise os custospara o sistema de saúde (assistência e previ-dência), público e privado, dos afastamentosdo trabalho devido a lesões traumáticas. Tam-bém nesses estudos foram consideradas LCTsrelacionadas ou não à ocupação.

Considerando os trabalhos selecionadosnesta revisão (1991-2001), observa-se quea relação entre LCT e acidente de trabalhonão é estudada por todos pesquisadores deforma direta. Ou seja, algumas pesquisasinvestigam essa relação estudando-a dentrode um contexto mais amplo em que se anali-sam outros fatores associados ao evento. É ocaso das pesquisas desenvolvidas por Menard(1996) e Alexander et al. (1999).

O estudo realizado por Menard (1996)objetivou determinar quais tipos de lesõestraumáticas ocupacionais estavam associadasà incapacidade prolongada. Para obter seusdados, o autor recorreu ao banco de dados

de sistemas de concessão de benefícios. Osresultados encontrados evidenciaram que aincapacidade tinha uma relação de depen-dência com a gravidade da lesão e que asLCTs estavam associadas à maior incapaci-dade ocupacional. A discussão do autor en-volve a análise de que o tratamento das le-sões traumáticas (ocupacionais ou não) e aspolíticas e as decisões médico-legais acercadelas são baseadas em critérios que as defi-nem como “incapacidades típicas”, de modoque se torna necessário uma documentaçãomais precisa, tanto nos sistemas de benefíciosquanto naqueles que se prestam a outrosobjetivos (Menard, 1996).

Uma documentação mais precisa, segun-do Menard, deverá incluir uma classificaçãomais detalhada da causa, do tipo e da gravi-dade da lesão e da associação – e persistên-cia desta – da ocupação com a lesão. O es-tudo de Menard discutiu a questão dos crité-rios utilizados para identificar esta patologianos bancos de dados dos sistemas de benefí-cios previdenciários.

Alexander et al. (1999) conduziram umestudo de comparação entre lesões fatais enão fatais graves relacionadas ao trabalhoem trabalhadores do estado de Washingtonutilizando como banco de dados o sistema decompensação de gastos com internaçõesde trabalhadores apresentando lesões nãofatais. As lesões não fatais graves foram ca-racterizadas como sendo aquelas que resul-tavam em grave incapacidade ou que reque-riam cuidados médicos intensivos. Um doscritérios utilizados pelos pesquisadores paracaracterizar uma lesão grave foi a presençade lesão cerebral ou na coluna vertebral,considerando que esses tipos de lesões pos-suem um alto potencial para gerar incapaci-dade grave por longo tempo. Os pesquisa-dores incluíram todas as lesões cerebrais clas-sificadas pela CID-9 – CID 800, 803, 804,850-854, excluindo concussão sem perdade consciência – e o diagnóstico de uma le-são de coluna vertebral – CID 806, 952 –(Alexander, Fraklin & Fulton-Kehoe, 1999).

Um dos resultados encontrados pela pes-quisa foi o de que, no período de 1991 a1995, quatrocentos trabalhadores foram in-ternados por apresentarem lesão cerebral ouna coluna vertebral.

Embora esse estudo tenha apresentado im-portantes dados que diferenciam as lesõesfatais das não fatais naquela população –como, por exemplo, o achado de que as le-sões fatais foram mais freqüentes em traba-

capitulo lesão cerebral.p65 24/08/05, 13:4729

30 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

lhadores mais velhos –, o fato é que não houveuma preocupação em se estudar a relaçãodireta entre LCT e acidente de trabalho. Nãosendo essa a proposta principal deste estu-do, não foi possível realizar um cruzamentodas variáveis que permitisse caracterizarmelhor as LCTs.

O único estudo que analisou diretamenteesta associação foi o desenvolvido por Heyer& Franklin, 1994. (Heijer & Franklin, 1990).Nessa pesquisa, o objetivo foi identificar ca-sos de LCT e descrever a incidência conside-rando as variáveis de idade, gênero e classi-ficação da indústria onde ocorreu. Esse estu-do utilizou como banco de dados o sistemade registro do Departamento de Trabalho eIndústrias do Estado de Washington (EUA)no período de 01 de janeiro de 1988 a 31de dezembro de 1990. Foi consideradocaso de LCT aquele que, além de causar trau-ma na região craniana, havia recebido re-gistro de alguma das seguintes situações: evi-dência clínica ou de imagem (exame de ima-gem) de lesão cerebral, um diagnóstico mé-dico de concussão ou uma descrição clarade diminuição e/ou alteração do nível de cons-ciência.

A utilização de diferentes variáveis do ban-co de dados foi realizada com o objetivo deanalisar a especificidade de cada uma delas,isoladamente e em conjunto. Estas variáveisforam: (1) dados do departamento: idade,gênero, natureza do código da lesão – Z16.2(American National Standards Institute) e ocódigo de classificação das indústrias (Wa-shington Industrial Classification); (2) dadosde pagamento dos serviços médicos presta-dos ao trabalhador lesionado: código utili-zado pelo hospital (Código Internacional de

Doenças – CID, versão 9), grupo de códigode diagnóstico relacionado (DRG) e o tem-po de hospitalização.

Os autores identificaram trezentos e umcasos de LCT, com declínio do número dehospitalizações em 1990. A hipótese paraesta redução, segundo os pesquisadores, éde que houve uma drástica diminuição nonúmero de internações de apenas um dia,que foram significativas nos anos anteriorespesquisados.

Foram três as principais causas de traumacerebral: quedas (48,5%), golpes por obje-tos (26%), acidentes com veículos motores(18,3%).

Os sete tipos de indústrias com maior nú-mero de ocorrência de LCT (seis ou mais)responderam por 1/3 (

101/301) de todos oscasos. As indústrias com alto risco relativo(RR) foram: atividades de derrubada, corte etransporte de madeira (36.7), atividades emtelhado (17.1), coleta de lixo (13.5), cons-trução de estradas e rodovias (12.4), ativi-dade de motorista (10.0), atividades em fa-zendas de gado leiteiro (8.9), carpintaria deinteriores (8.8) e atividades com estruturasde madeiras na construção de edifícios (7.2).

A incidência anual de hospitalização portrauma cerebral relacionado ao tipo de ocu-pação foi de 9,4 casos/100.000 trabalha-dores em atividade de horário integral. A re-lação homem/mulher foi de 6,3:1. Esta re-lação difere da encontrada em estudos compopulação geral, cujos valores são de 2 a 3:1.Segundo os autores, essa discordância podeser explicada pelas diferentes distribuições defatores de riscos ocupacionais e não ocupa-cionais. Outra explicação seria as diferen-ças nas populações subnotificadas.

Os dados dos artigos analisados estão dispostos no Quadro 1.QUADRO 1

Estudo População do Estudo Desenho de Pesquisa Resultados

Foram identificados 301casos de LCT no períodode 3 anos. Um terço detodas as lesões estavamconcentradas em 7 tiposespecíficos de indústrias

A LCT está associada commaior incapacidade aotrabalho

Foram identificados 400casos de lesão cerebral oude coluna vertebral.

Análise de dados de benefíciosconcedidos (estudo retrospectivo)

Análise de dados de sistema debenefícios (estudo retrospectivo)

Análise de dados de compensa-ção com trabalhadores acometi-dos por lesões traumáticas noestado de Washington noperíodo de 1991-1995

Trabalhadores deindústrias

Trabalhadores deVancouver

Trabalhadores hospitali-zados com lesãotraumática relacionadaao trabalho

Heyer & Franklin,1994(EUA)

Menard, 1996(Canáda)

Alexander et al.,1999(EUA)

capitulo lesão cerebral.p65 24/08/05, 13:4730

31Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

Discussão e conclusãoOs resultados dos estudos analisados indi-

cam que a ocorrência de LCT como acidentede trabalho ainda é pouco explorada, en-quanto associação direta, o que pode ser con-seqüência das limitações metodológicas dospoucos estudos até agora realizados.

Todos os estudos analisados foram retros-pectivos, utilizando dados secundários. O usoexclusivo do desenho retrospectivo – nestecaso – impõe limites. A utilização de dadossecundários também mostra limitações pelaqualidade freqüentemente comprometida dosregistros e pela ausência de registros sistemá-ticos ao longo do tempo.

Outro aspecto a ser ressaltado diz respeitoà forma como as populações dos estudosanalisados foram definidas. Os estudos in-cluíram apenas trabalhadores afastados, nãohavendo informações sobre aqueles em ativi-dade. As pesquisas envolvendo trabalhado-res ativos limitaram-se a discutir processos dereabilitação e não especificavam se a LCT ti-nha relação com acidente de trabalho. Noentanto, estes dados referem-se aos trinta arti-gos que não foram utilizados neste trabalho.

Embora a escassez de estudos nesta áreapossa indicar a existência de número reduzi-do de trabalhadores com LCT ou até a pe-quena importância do problema na popula-ção, vale ressaltar que não é essa a realida-de quando se constata o número elevado deestudos envolvendo os custos de afastamentodo trabalho e as propostas de reabilitaçãopara o trabalho dos indivíduos com LCT.

No Brasil, os dados sobre o assunto sãoainda mais precários, mesmo quando se exa-mina o banco de dados de órgãos oficiais. Obanco de dados do MPAS mostra claramenteesta realidade ao limitar seus dados a infor-mações isoladas e pouco detalhadas (Brasil,2002).

Percebe-se uma preocupação com os estu-dos sobre reabilitação e sobre os gastos dossistemas de saúde com este tipo de lesão – esuas seqüelas –, mas há pouca pesquisa en-volvendo a discussão da inter-relação da or-ganização do trabalho com a incidência de

LCT. Acreditamos que este tipo de questão éanterior àquela sobre prevenção e reabilita-ção e, ao examinarmos a produção científi-ca sobre o assunto, fica evidente a necessi-dade de que tais estudos se desenvolvam.

Uma discussão mais ampla implica, tam-bém, em reconhecer que o problema não seesgota nos fatos de que existam poucos estu-dos sobre o assunto, de que a maioria dosbancos de dados existentes possui sérias li-mitações ou ainda de que os órgãos oficiaisnão fornecem atenção necessária ao proble-ma. Trata-se, sim, de perceber que os traba-lhadores vítimas de LCT por acidentes de tra-balho passam por um longo processo de so-frimento, que não é só físico – representadopor seqüelas – mas também psicológico. Aexperiência de um corpo com limitações, doafastamento do trabalho provocado pelo fatode não ser mais considerado apto paraexercê-lo, a dificuldade de se reinserir nomercado de trabalho constituem, para umagrande parcela de trabalhadores acometidospor LCT, a nova realidade na qual são inse-ridos. É a experiência de se defrontar com ofato de não ser mais aquele mesmo indiví-duo/trabalhador.

Esses trabalhadores constituem uma sub-população cujas medidas de intervenção nascondições e na organização do trabalhopodem modificar os números apresentadosem estudos já realizados. Essa subpopulaçãoconstitui, também, um grupo de risco para aexclusão social, sem condições de reinserçãono trabalho.

Essas questões remetem a uma dimensãoque não é apenas a do individual, do psico-lógico, mas do social e do coletivo, aquelana qual milhares de trabalhadores estão in-seridos e submetidos. E se é do campo dosocial, do coletivo, significa que o campoda saúde do trabalhador tem um compro-misso com a produção de conhecimento so-bre o tema que permita construir um saberatravés do qual a relação acidente de traba-lho-lesão cerebral traumática não seja ape-nas uma preocupação em reabilitar quem jáadoeceu. Ela deve ser antecedida pela dis-cussão das possíveis mudanças na organi-zação do trabalho que gera os eventos trau-máticos.

Referências Bibliográficas

ALEXANDER, B. H.; FRANKLIN, G. M.; &FULTON-KEHOE, D. Comparison of fataland severe nonfatal traumatic work-

related injuries in Washington State.Am. J. Ind. Medicine 1999; 36: 317-325.

capitulo lesão cerebral.p65 24/08/05, 13:4731

32 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 27-32, 2004

HEYER, N. J.; & FRANKLIN, G. M. Work-related traumatic brain injury, in WashingtonState, 1988 through 1990. Am. J.Public Health 1990; 84: 1106-1109.

JORGE, R.; & ROBINSON, R. Distúrbios doHumor após Lesão Cerebral Traumática.Rumos em Psiquiatria. In: Educação Mé-dica Contínua. Fascículo II. Rio de Ja-neiro: EPUC Editora de Publicações Cien-tíficas; 1998. pp. 2-16.

KLAUBER, M. R.; BARRET-CONNOR, E.; &MARSHALL, L. F. The epidemiology of headinjury: a prospective study of an entirecommunity: San Diego County, California,1978. Am. J. Epidemiology 1981;113: 500-509.

KRAUS, J. F.; & SORENSON, S. B. Epide-miology. In: SILVER, J. M.; YUDOFSKY,S. C.; & Hales, R. E. Neuropsychiatryof Traumatic Brain Injury. Washing-ton, DC: American Psychiatric Press; 1994.pp. 3-42.

LISHMAN, W. A. Brain damage in relationto psychiatric disability after head injury.British J of Psychiatry 1968; 114:373-410.

MACHADO, J. M. H.; & GÓMEZ, C. M.Acidentes de trabalho: uma expressão daviolência social. Caderno de SaúdePública 1994; 10 (Sup. 1): 74-87.

MENARD, M. R. Comparison of disabilitybehavior after different sites and types ina workers’ compensation population. J.Occup. Environ. Medicine 1996; 38(11): 1161-1170.

MILLER, N. S. Alcohol and drug disorders.In: SILVER, J. M.; YUDOFSKY, S. C.; &HALES, R. E. Neuropsychiatry ofTraumatic Brain Injury. Washington,DC: American Psychiatric Press, 1994, pp.471-498.

BRASIL. Ministério da Previdência e Assistên-cia Social. Acidentes do Brasil. Trabalho,1998-2000. Disponível em URL: http://www.mpas.gov.br [2002]

capitulo lesão cerebral.p65 24/08/05, 13:4732

33Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

Biossegurança em LaboratóriosUniversitários: um Estudo de Caso naUniversidade Federal de Pernambuco

Enilma Marques Araujo1

Simão Dias Vasconcelos2

Embora seja uma das responsabilidades de um laboratório de ensino e pesquisa, a promo-ção da biossegurança como parte integrante da saúde ocupacional tem recebido limitadaatenção em universidades brasileiras. Partindo desta necessidade, o presente trabalho anali-sou a adoção de procedimentos de proteção individual e coletiva nos sete laboratórios doDepartamento de Micologia da UFPE através da aplicação de questionários junto aos respon-sáveis por cada um dos laboratórios, utilizando os critérios da CTNBio. Foram observadasalgumas deficiências nos laboratórios, tais como ausência de extintores de incêndios, deprotocolo de acidentes, chuveiros de emergência e limitada disponibilidade de avisos educativospara prevenção de acidentes. Por outro lado, detectou-se a preocupação com a corretaarmazenagem de produtos químicos e com a instalação elétrica/hidráulica dos laboratórios.Conclui-se que, de modo geral, a biossegurança é respeitada nos laboratórios analisados.Entretanto, é necessária uma maior conscientização dos usuários e uma inserção maisaprofundada do tema biossegurança nos cursos de Ciências Biológicas da UFPE.

Palavras-chave: biossegurança, fungos, laboratórios acadêmicos, riscos, saúdeocupacional.

Although biosafety is a major responsibility of research and teaching laboratories, itspromotion as a component of occupational health has received limited attention in Brazilianuniversities. Due to this necessity, this study aimed to analyze the procedures for individualand collective protection at the seven laboratories of the Mycology Department at theUFPE, applying questionnaires based on CTNBio criteria to the laboratory coordinators.Some flaws were detected, such as the lack of fire extinguishers, accident protocol register,emergency showers, and scant warning and educational posters for accident preventionin the labs. On the other hand, the correct storage of chemicals and adequate electrical/hydraulic facilities were observed. The overall biosafety procedures at the laboratoriesanalyzed were adequate. However, a deeper user’s awareness and a stronger integrationof biosafety as a daily practice in Biology courses at the UFPE are needed.

Keywords: fungi, opportunistic infections, individual protection, risks, occupational health.

1Mestre em Biologia Animal, Depar-

tamento de Zoologia da UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE).

2Professor Adjunto, Coordenador do

Laboratório de Ensino de Zoologia doDepartamento de Zoologia, Centro deCiências Biológicas da UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE).

Biosafety in University Laboratories:a Case Study at the UniversidadeFederal de Pernambuco

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4633

34 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

IntroduçãoBiossegurança: conceitos e imple-mentação de critérios

A biossegurança compreende um conjun-to de normas que visam prevenir, reduzir oueliminar riscos inerentes às atividades de pes-quisa, produção, ensino, desenvolvimentotecnológico e prestação de serviços, buscan-do eficiência sem comprometimento da saúdehumana, de populações não-alvo e do equi-líbrio do meio ambiente. Neste contexto, deveser compreendida como parte fundamentalda saúde ocupacional, da educaçãoprofissionalizante e estimulada nas mais di-versas formas de atividade humana.

No Brasil, a Comissão Técnica Nacionalde Biossegurança (CTNBio), criada em 1995,estabelece a política nacional de biosse-gurança através de instruções normativas quedevem ser cumpridas em todos os níveis.Entretanto, a ênfase da legislação – e conse-qüente fiscalização – dos aspectos relacio-nados à biossegurança nos últimos anos pa-rece ter se concentrado na utilização de or-ganismos geneticamente modificados, espe-cialmente os transgênicos. Com isso, ques-tões fundamentais de saúde ocupacional,como a redução de riscos em locais de edu-cação/formação de pessoal, recebem relati-vamente menor atenção. Esse aparente des-cuido assume proporções ainda mais gravesquando ocorre em esferas responsáveis pelaformação de recursos humanos especializa-dos, tais como instituições de ensino superior.

O cumprimento dos parâmetros de biosse-gurança é particularmente crítico em labora-tórios de pesquisa e ensino devido à altarotatividade de usuários – professores, pes-quisadores, estagiários, alunos de gradua-ção e pós-graduação e funcionários de ma-nutenção (Hirata, 2002). As diversas ativi-dades didáticas e experimentais expõem osusuários a variados riscos associados à ma-nipulação de instrumentos perfuro-cortantes,produtos químicos (solventes, tóxicos, abra-sivos, irritantes, inflamáveis, voláteis, cáusti-cos, entre outros), à exposição a incêndios,ruídos, eletricidade, radiação e, especialmen-te, a microorganismos patogênicos ao homem(Hirata, 2002).

Riscos associados aos laboratóriosde ensino e pesquisa sobre micror-ganismos

As características peculiares dos microor-ganismos, como seu grau de patogenicidade,

poder de invasão, resistência a processos deesterilização, virulência e capacidademutagênica, exigem cuidados especiais emsua manipulação (Teixeira & Valle, 1996).Num laboratório de pesquisa de fungos, porexemplo, a exposição pode ocorrer princi-palmente por inalação de partículas fúngicas,por ingestão acidental ou pela inoculaçãodireta como resultado de acidentes com vi-draria ou agulhas (Collins, 1983). Usuáriosde um laboratório de micologia estão sub-metidos a um elevado risco de adquirir infec-ções micóticas, as quais correspondem a cer-ca de 10% das infecções originadas emlaboratórios de pesquisa (Fiocruz, 1998).

As micoses podem ser classificadas em su-perficiais, cutâneas, subcutâneas, sistêmicas,e oportunistas (Kobaiashi & Medoff, 2002).Micoses superficiais limitam-se às camadasexternas e “mortas” da pele e na maioria dasvezes não sensibilizam imunologicamente oindivíduo e, quando o fazem, provocam in-fecções leves. Entre os agentes etiológicosdestacam-se as espécies pertencentes aosgêneros Exophiala, Malassezia e Trichos-poron. Micoses cutâneas, embora restritas àepiderme, podem desencadear respostaimunocelular, sensibilizando o hospedeiro. Osprincipais representantes são espécies dosgêneros Epidermophyton, Microsporum eTricophyton. Micoses subcutâneas, provo-cadas por fungos saprófitas associados a umainoculação traumática, atingem músculos,ossos e tecido conjuntivo. É o caso dos gêne-ros Cladosporium, Fonsecae e Sporothrix.Micoses sistêmicas podem atingir qualquertecido ou órgão interno e são provocadaspor fungos inalados, infectando inicialmenteo pulmão. Fungos dos gêneros Blastomyces,Coccidioides e Histoplasma estão neste gru-po capaz de infectar indivíduos com o siste-ma imunológico competente. Já nas micosesoportunistas, o fungo possui baixa patogeni-cidade em condições normais e não induz adoenças, a não ser que o hospedeiro estejaimunodeprimido. Este grupo inclui espéciesdos gêneros Aspergillus, Candida e Mucro(Kobaiashi & Medoff, 2002).

A CTNBio classifica os patógenos em qua-tro classes de risco e níveis crescentes debiossegurança (NB1, NB2, NB3 e NB4) quevariam quanto ao grau de contenção do or-ganismo e à complexidade do nível de prote-ção (CTNBio, 1997). A Classe de Risco 1abrange os fungos fitopatogênicos e os fun-

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4634

35Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

gos que não causam doença em seres huma-nos ou outros animais. A Classe 2 possui ris-co moderado para o homem e outros ani-mais e risco limitado para a comunidade.Inclui espécies dos gêneros Aspergillus,Blastomyces, Candida, Cladosporium,Cryptococcus, Dactylaria, Epidermophyton,Exophiala, Fonsecaea, Microsporum,Paracoccidoides, Penicillium e Trichophyton.Já a Classe 3 representa elevado risco parao homem e os animais, embora ofereça riscolimitado à comunidade por existirem medi-das de tratamento e prevenção. Os fungosdeste grupo são Coccidioides immittis eHistoplasma capsulatum. Na Classe de Ris-co 4 estão os patógenos letais ao homem,facilmente transmissíveis e sem medidas pre-ventivas ou de tratamento conhecidas até omomento. Não há fungos classificados pelaCTNBio neste grupo.

Inserção da biossegurança no con-texto educacional: o caso da Univer-sidade Federal de Pernambuco

Apesar de sua evidente importância, ques-tões relacionadas à biossegurança ainda sãoignoradas em diversos cursos das áreas deSaúde e Biologia em todo o país. Por exem-plo, o Centro de Ciências Biológicas (CCB)da Universidade Federal de Pernambuco, atra-vés de seus dez departamentos, oferece qua-tro cursos de graduação, nove cursos demestrado e três de doutorado. Uma breveanálise do quadro de disciplinas obrigatóriase eletivas oferecidas nos cursos de pós-gra-duação revela a inexistência de disciplinasvoltadas especificamente para a discussão detemas relacionados à biossegurança.

Dos quatro cursos de graduação ofereci-dos no CCB – os bacharelados em CiênciasBiológicas, Ciências Biomédicas e CiênciasAmbientais e a licenciatura em Ciências Bio-lógicas –, apenas o curso de bachareladoem Ciências Biomédicas oferece regularmentea disciplina – eletiva – sobre biossegurançaem sua grade curricular. No bacharelado emCiências Biológicas, tal assunto é pouco ex-plorado em uma disciplina eletiva raramenteoferecida. O curso de Ciências Ambientais –modalidade do bacharelado em Ciências Bi-ológicas – é um curso em fase de implemen-tação, iniciado em 2002. Surpreendente-mente, apesar da preocupação com atransdisciplinaridade e a atualização do per-fil do graduando, tópicos de biossegurançanão foram diretamente contemplados na

grade curricular. Na licenciatura em Ciênci-as Biológicas não há qualquer disciplina comeste conteúdo na estrutura curricular, sendoeste tema largamente ignorado.

A relevância da adoção de procedimentosadequados de biossegurança em laboratóriosde ensino e pesquisa associada à necessida-de da inserção do tema de forma aplicadanos cursos de Ciências Biológicas e Ambientaisestimula o debate e a pesquisa sobre formasde implementação desta prática no cotidianoacadêmico. Partindo dessa necessidade, opresente trabalho teve duplo objetivo: em pri-meiro lugar, buscou-se analisar os procedi-mentos de biossegurança adotados nos la-boratórios de ensino/pesquisa do Centro deCiências Biológicas da UFPE a fim de se de-tectar a que tipos de risco os profissionais emformação estão submetidos. Ao longo dapesquisa, foi dada ênfase na questão do ris-co biológico, na proteção individual do usuá-rio e nos procedimentos de manipulação edescarte de microorganismos. Em segundolugar, visou envolver os estudantes de gra-duação no processo de investigação do cum-primento das normas de biossegurança emseu cotidiano para que os mesmos assumamuma postura responsável e crítica. Com estaprática buscou-se promover o acesso dosgraduandos a informações contextualizadase estimular o debate sobre a necessidade dapromoção da saúde ocupacional no ambien-te acadêmico.

O objetivo não foi meramente detectar fa-lhas, mas, principalmente, iniciar um processode percepção constante de riscos associadosà prática de laboratório. Como objeto de es-tudo inicial, os estudantes investigaram umdos dez departamentos do CCB da UFPE, oDepartamento de Micologia, onde são pesqui-sados fungos de importância econômica,agrícola e médica.

MetodologiaA pesquisa foi realizada como atividade

integrante da disciplina eletiva “Redação eApresentação Científica”, do bacharelado emCiências Biológicas, a qual estimula a práti-ca de projetos de pesquisa em grupo. Umgrupo de alunos optou pelo tema da biosse-gurança em laboratórios de ensino e pesqui-sa do CCB da UFPE, com ênfase na saúdeocupacional de seus usuários. Buscou-se ve-rificar o cumprimento das normas debiossegurança e detectar se a universidadeestava cumprindo seu papel (in)formador.

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4635

36 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

Como modelo, escolhido em parte pelo fatode infecções causadas por fungos serem umdos problemas mais freqüentes em laborató-rios microbiológicos, pela facilidade de aces-so e pelo grande número de usuários, esco-lheu-se o Departamento de Micologia. Essedepartamento conta com as seguintes divi-sões: Laboratório de Biologia Molecular,Coleção Didático-Científica (Micoteca), Labo-ratório de Controle Biológico, Laboratório deMicorrizas, Laboratório de Fitopatologia, La-boratório de Imunodiagnóstico e Laborató-rio de Micologia Médica. Estes dois últimosutilizam as mesmas instalações e têm funçõescomplementares, razão pela qual foramagrupados em um Laboratório de MicologiaClínica. Todos os laboratórios são utilizadosdiariamente por professores-pesquisadores,técnicos e alunos, em diferentes graus deacesso.

Baseando-se em uma visita prévia parareconhecimento da realidade de cada labo-ratório, foi elaborado um questionário a par-tir das sugestões de segurança laboratorialdo Manual de Biossegurança de Hirata &Mancini Filho (2002). Nos meses de janeiroe fevereiro de 2003, os questionários foramrespondidos pelos professores-pesquisadoresresponsáveis por cada laboratório. Emborao enfoque tenha sido a contaminação commicroorganismos, também foram abordadostópicos como uso e armazenamento de ma-

teriais de risco, equipamentos de proteção in-dividual e coletiva, presença de kits de pri-meiros socorros, sinalização das situações derisco, entre outros. As respostas foram anali-sadas de acordo com os critérios propostospela Comissão Técnica Nacional de Biosse-gurança (1997), por manuais de laborató-rio de instituições de referência nacional, comoo da Fiocruz (1998), e por bibliografia espe-cializada (Hirata & Mancini Filho, 2002). Atodos os entrevistados foi comunicada aintenção de divulgar publicamente o resulta-do do trabalho e solicitada a permissão paracitar os nomes dos laboratórios.

Resultados e discussãoA promoção da biossegurança noslaboratórios de ensino e pesquisa

A partir das respostas dos questionários,foi possível traçar um perfil das situações derisco presentes em cada laboratório. De modogeral, o risco biológico dos fungos pesqui-sados no Departamento de Micologia é bai-xo. Com exceção do Laboratório de MicologiaClínica e da Coleção Didático-Científica(Micoteca), os fungos estudados encontram-se nas classes de menor risco. Isso porquenos demais laboratórios são pesquisados, porexemplo, fitopatógenos e entomopatógenosque, de modo geral, não são patogênicos aohomem (Tabela 1).

Tabela 1 Perfil dos laboratórios analisados no Departamento de Micologia da UFPE emjaneiro-fevereiro de 2003 e grau de periculosidade dos fungos pesquisados.

Fitopatógenos em geral e patógenoshumanos de grau leve

Micoteca Todos os tipos de fungos 3

Controle Biológico Fungos entomopatógenos 1

Micorrizas Micorrizas 1

Fungos Fitopatogênicos Fitopatógenos e suas toxinas 2

Micologia Clínica Fungos de importância médica 3

LaboratórioGrau de risco do

fungo mais patogênicoao homem

Principais tipos de fungosestudados

2Biologia Molecular

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4636

37Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

As repostas dos questionários estão sinteti-zadas na Tabela 2. Pode-se afirmar que nãohá grandes diferenças na adoção de proce-dimentos de biossegurança entre os labora-tórios, havendo, no entanto, algumas deficiên-cias – em graus variados – em cada um de-les. Os cuidados com a armazenagem desubstâncias químicas corrosivas, voláteis e in-flamáveis e com a instalação hidráulica/elé-trica são adotados pela maioria dos labora-tórios. Evidentemente, a correta armazena-gem de líquidos reduz o risco de acidentes,

desde quebra de vasilhames à mistura dematerial inflamável com não inflamável. Apossível ocorrência de incêndios seria bas-tante agravada, já que nenhum dos labora-tórios possui extintores próprios, havendoapenas extintores na área comum e, mesmoassim, em quantidade e condições inadequa-das para atender às exigências mínimas desegurança em suas instalações. Observou-se ainda a ausência de chuveiros de emer-gência e lava-olhos na maioria dos labora-tórios.

O uso constante de equipamento de prote-ção individual, incluindo aventais, máscarase luvas, foi registrado em 50% dos laborató-rios (Tabela 2). Nos demais, segundo os en-trevistados, roupas e aparatos apropriadossão utilizados apenas durante o manuseio dematerial biológico ou considerado de risco(reagentes voláteis e corrosivos, por exem-plo). Observou-se que uso de máscaras deproteção facial é um procedimento pouco fre-qüente no departamento.

Em nenhum dos laboratórios visitados ha-via estojos de primeiros socorros ou protoco-lo para registro de doenças e/ou acidentesocorridos. Adicionalmente, com exceção doLaboratório de Micorrizas, não são disponi-bilizadas, em locais de fácil acesso, listas comtelefones/contatos para atendimento em caso

de emergência. Como agravante, apenas oslaboratórios de Biologia Molecular eMicologia Clínica disponibilizam cartazeseducativos para prevenção de acidentes detrabalho (Tabela 2). Por outro lado, a maio-ria dos laboratórios mantém informações so-bre procedimentos e substâncias de risco paramulheres em idade fértil.

A ausência de protocolo para registro deacidentes constitui uma grave falha em umlaboratório de ensino e pesquisa. Entretanto,o fato de não ter sido registrado, segundo osresponsáveis, nenhum tipo de acidente (con-taminação, queimadura, corte, processo alér-gico ou outro) entre os usuários dos labora-tórios não deve subestimar o risco das ativi-dades desenvolvidas. Infere-se que o treina-mento dos novos alunos, como estagiários

Tabela 2 Adoção de práticas de biossegurança nos laboratórios do Departamento deMicologia da UFPE, de acordo com entrevistas realizadas em janeiro-fevereiro de 2003.

ITEM LAB. BIOLOGIAMOLECULAR

MICOTECA CONTOLEBIOLÓGICO MICORRIZA

FITO-PATOLOGIA

MICOLOGIACLÍNICA

SimNão

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4637

38 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

de pesquisa e alunos de pós-graduação, épredominantemente informal e baseado noexemplo dado pelos pesquisadores mais ex-perientes. Aparentemente, tal treinamento temsido suficiente até o momento para evitar aci-dentes com os usuários.

Apesar das imperfeições detectadas, demodo geral, o Departamento de Micologiaobedece aos padrões de biossegurança emseus laboratórios, acatando a maioria das re-comendações da CTNBio. No entanto, deve-se dar maior ênfase à adoção de equipamen-tos de proteção individual e coletiva paragarantir proteção adequada, inclusive con-tra fungos considerados de baixo risco. Aausência de condições apropriadas para com-bate a incêndios – incluindo a localização, onúmero e a validade dos extintores e o treina-mento periódico de pessoal para lidar comsituações de emergência – precisa ser urgen-temente solucionada. Parcerias com os órgãoscompetentes (por exemplo, o Corpo de Bom-beiros local) seriam alternativas de baixo custoe enorme repercussão.

As situações de risco em um laboratório deensino e pesquisa de fungos não se limitam,naturalmente, aos microorganismos-alvo.Segundo o CDC (1993), diversas espéciesde fungos presentes no ambiente têm causa-do sérias infecções em hospedeiros imuno-competentes que inalaram ou se inocularamacidentalmente por via subcutânea (Fiocruz,1998). Destacam-se espécies dos gênerosCladosporium, Penicillium e Exophiala. Alémdesses, há fungos considerados emergentes,como patógenos oportunistas, os quais inclu-em espécies dos gêneros Beauveria, Coprinus,Fusarium e Rhizoctonia (Torres-Rodriguez,1996; Fiocruz, 1998). Embora o foco destetrabalho tenha sido o risco associado ao con-tato com microorganismos, há, naturalmen-te, inúmeros outros elementos de naturezanão-biológica que oferecem risco à saúde dousuário. Estes incluem desde uso, armaze-namento e descarte inadequados de substân-cias químicas (corantes, ácidos, bases,solventes etc.) à manipulação de objetos per-furo-cortantes, passando pela probabilidadede choques elétricos e exposição a excessivastemperatura, umidade e radiações – ionizantesou não. O risco é inversamente proporcional aonível de informação e capacitação do usuário.

Inserção da biossegurança comoprática dos projetos pedagógicos

As imperfeições detectadas nos laboratóriosdecorrem primordialmente de dois obstácu-

los: em primeiro lugar, registra-se a lastimá-vel situação das universidades públicas noque se refere aos recursos para manutençãodos laboratórios. Com os orçamentos prati-camente congelados há vários anos e a es-cassez de projetos de financiamento específi-cos para capacitação de recursos humanosem biossegurança, os professores responsá-veis pelos laboratórios precisam buscar re-cursos de outras fontes para aquisição dematerial e manutenção de equipamentos quegarantam padrões mínimos de segurança.Como nem sempre isso é possível, a parcimô-nia na aquisição de material e equipamentode proteção, nos gastos com a manutençãode instalações e equipamentos e ainda comatividades de capacitação acaba por aumen-tar o risco à saúde dos usuários.

O outro problema resulta do fato de a biosse-gurança como prática diária em situaçõesde pesquisa e ensino ser ainda incipiente noBrasil. A inserção da biossegurança na gra-de curricular dos cursos de Ciências Biológi-cas e afins parece ser pouco compreendidaaté mesmo em universidades e órgãos de fo-mento. Os alunos de graduação, por seremmais inexperientes e, na maioria das vezes,desempenharem atividades de curta duração,estão particularmente vulneráveis a aciden-tes. O aluno deve, pois, ser preparado paraexercer seu senso crítico e investigativo a fimde detectar situações de risco em seu cotidia-no acadêmico. Mas será que a gradecurricular, as metodologias de ensino e até aorientação disponibilizada nos estágios depesquisa promovem esse tipo de olhar?

Como destacam Consiglieri e Hirata (2002),é necessário que os alunos sejam previamenteconscientizados sobre a quais riscos serãosubmetidos no laboratório e treinados sobrecomo proceder em casos de acidentes. Osaspectos gerais devem contemplar a orienta-ção quanto à indumentária (uso de avental,sapatos baixos e fechados, calças compri-das), ao emprego correto dos equipamentosde proteção individual (máscaras, luvas, tou-cas, óculos), aos procedimentos de manipu-lação de substâncias e ao comportamento nolaboratório (Consiglieri & Hirata, 2002).

Considerações finaisA promoção da segurança em ambientes

acadêmicos é de responsabilidade pessoal,da chefia do laboratório e da instituição.Assim, cada laboratório deve estabelecermedidas preventivas adequadas aos respec-

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4638

39Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

tivos agentes pesquisados, informando aosusuários o potencial de risco e as respectivasmedidas de proteção necessárias (McGinnis,1980). Aos docentes cabe ainda avaliar orisco em função do número de alunos e daqualidade das instalações, pois laboratóriossuperlotados e instalações deficientes tendema potencializar o risco de acidentes (Consiglieri& Hirata, 2002). Laboratórios de ensino epesquisa das universidades deveriam, teori-camente, funcionar como modelos para oensino-aprendizagem de normas de proteçãoindividual, coletiva e ambiental. Por seremcentros formadores nas mais diversas profis-sões, a promoção da saúde ocupacional de-veria ser parte integrante do cotidiano dassituações de ensino, especialmente nas aulaspráticas.

Uma rápida visita aos laboratórios univer-sitários brasileiros revela que a maioria nãorespeita integralmente as normas de biosse-gurança. Felizmente, observa-se que tal situ-ação tem melhorado significativamente nosúltimos anos, estimulada por organizaçõescomo a Associação Nacional de Biosse-gurança (ANBio). No âmbito da Universida-de Federal de Pernambuco, destaca-se o cur-so anual de capacitação de agentes debiossegurança promovido pelo Departamen-to de Antibióticos do Centro de Ciências Bi-ológicas, que, com apoio do Ministério daCiência e Tecnologia/CNPq, vem formandoagentes multiplicadores entre estudantes, pro-fessores, pesquisadores e representantes deorganizações públicas, particulares e não-governamentais. Com a expansão das linhasde pesquisa biológica, incluindo a provávelutilização em maior escala de organismosgeneticamente modificados e a busca por

vacinas contra agentes de alta virulência, éprovável que novas situações de risco sejamrapidamente criadas em laboratório. Oacompanhamento dessas situações, de ma-neira integrada envolvendo biólogos, advo-gados, médicos, engenheiros, representantesdo governo e da sociedade civil, entre ou-tros, é essencial para garantir a saúde coletivados cidadãos expostos a situações de perigo.

Com o presente trabalho não se pretendeu“fiscalizar” laboratórios, mas sim desenvol-ver com os estudantes a prática de projetosde pesquisa que insiram a biossegurançacomo componente da formação acadêmica.A observação da realidade concreta dos la-boratórios através da prática de projetos ge-rou entre os alunos a necessidade de adqui-rir conhecimento para criar instrumentos dediagnóstico e ação, promovendo uma postu-ra mais crítica em relação as suas própriasatitudes como futuros pesquisadores. Para quea questão da biossegurança seja abordadade forma integrada, é fundamental que seusprincípios sejam incorporados à prática delaboratório, desde o início da vida acadêmi-ca do estudante.

AgradecimentosOs autores agradecem às doutoras Cristina

Souza Motta, Elza Luna Lima, Leonor CostaMaia, Neiva Tinti Oliveira, Oliane Magalhãese Severina Torres Barros pelo conhecimentosocializado durante a pesquisa e aos profes-sores Sidney Bastos, Oliane Magalhães eGlícia Calazans, todos da Universidade Fe-deral de Pernambuco, pela leitura crítica domanuscrito. Sinceros agradecimentos à TatianaCristina Azevedo Freitas e Ng Haig They pelavaliosa participação na coleta de dados.

COLLINS, C. H. Laboratory-acquiredinfections. London: Butteworth & Co.Ltd., 1983, 456 p.

CONSIGLIERI, V. O.; & HANATA, R. D. C.Biossegurança em laboratórios de ensinoe da área de Saúde. In. HIRATA, M. H.; &MANCINI FILHO, J. Manual deBiossegurança, São Paulo: Manole,2002, pp. 47-55.

CTNBio – Comissão Técnica Nacional deBiossegurança. Instrução NormativaNº 7, publicada no Diário Oficial da Uniãode 09/06/1997, pp. 11827-11833.

FIOCRUZ. Procedimentos para a ma-nipulação de microorganismospatogênicos e/ou recombinantesna FIOCRUZ. Rio de Janeiro: Editora daFiocruz, 1998, 166 p.

Referências Bibliográficas

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4639

40 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 33-40, 2004

HIRATA, M. H.; O laboratório de ensino epesquisa e seus riscos. In: HIRATA, M. H.;& MANCINI FILHO, J. Manual deBiossegurança. São Paulo: Manole,2002, pp. 1-19.

HIRATA, M. H.; & MANCINI FILHO, J. Ma-nual de Biossegurança. São Paulo:Manole, 2002, 423 p.

KOBAIASHI, G. S.; & MEDOFF, G. Introduçãoaos fungos e as micoses. In: SHAECHTER,M; ENGLEBERG, N. C.; & EISENGLEIN,B. I. (eds.) Microbiologia: mecanis-mos de doenças infecciosas. 3 ed.São Paulo: Guanabara Koogan, 2002, pp.373-379

McGINNIS, M. R. Laboratory Handbookof Medical Mycology. New York:Academic Press, 1980, 498 p.

TEIXEIRA, P.; & VALLE, S. Biossegurança:uma abordagem multidisciplinar.Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 1996,362 p.

TEIXEIRA, P.; & VALLE, S. Riscos Biológicosem Laboratório. In: VALLE, S.; & TELLES,J. L. (orgs.) Bioética e Biorrisco. Rio deJaneiro: Interciência, 2003, pp. 205-215.

TORRES-RODRIGUEZ, J. M. Nuevos hongospatógenos oportunistas emergentes. Re-vista Iberoamericana de Mico-logia, 12: 30-45, 1996.

capitulo biossegurança.p65 24/08/05, 13:4640

41Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

A Cadeirologia e o Mito daPostura Correta

Ada Ávila Assunção1

O artigo contesta a abordagem tradicional sobre as posturas adotadas pelos trabalhadoresdurante a realização de suas tarefas, a qual procura identificar e prescrever a posturacorreta sem considerar a ação humana durante o cumprimento dos objetivos da produção.Descrevendo os resultados de um estudo ergonômico realizado no setor de caixas de umhipermercado, apontam-se os limites da análise que desconsidera a dinâmica do arranjo daspartes do corpo em situação real de trabalho. Ao final, são apresentadas as vantagens e asdesvantagens das posturas sentada e em pé.

Palavras-chave: saúde do trabalhador, ergonomia, postura, em pé, sentado.

This study confronts the traditional approach to postures adopted by workers during theperformance of their tasks, which attempts to identify and prescribe the correct posturewithout considering human action during the fulfillment of production aims. Describing theresults of an ergonomic study of supermarket cashiers, the author illustrates the limitationsof an analysis that ignores the dynamics of the arrangement of the parts of the body in realwork situations. In the end, the advantages and disadvantages of seated and standingpostures are given.

Keywords: worker health, ergonomics, posture, standing, seated.

1Professora do Departamento de

Medicina Preventiva e Social daFaculdade de Medicina da Universi-dade Federal de Minas Gerais.Mestre e Doutora em Ergonomia peloLaboratório de Ergonomia Fisiológicae Cognitiva da École Pratique desHautes Études (Paris – França)

The Mith of Correct Posture

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4541

42 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

IntroduçãoFreqüentemente, os estudos dos postos de

trabalho recomendam uma cadeira e umaestratégia de formação que visam conscien-tizar o trabalhador a respeito da postura maiscorreta a ser adotada. Os achados de litera-tura e as situações analisadas nos estudoscitados ao longo deste artigo permitem criti-car o referido modelo de intervenção, queprescreve cadeiras e posturas corretas comoúnica alternativa de solução para os proble-mas identificados.

Será apresentado um modelo de análiseque tenta compreender as razões que levamos trabalhadores a adotar posturas estereoti-padas mesmo conhecendo as necessidadesde seu corpo ou conscientes dos efeitos docomportamento postural adotado.

A abordagem da cadeira, aqui denomina-da cadeirologia, reduz o conceito de postu-ra ao desconsiderar a dinâmica do aparelhomúsculo-esquelético e ao desprezar as ou-tras funções do organismo implicadas na fi-siologia postural, como a função visual, amecânica circulatória, a posição dos órgãosinternos, o sistema neurológico.

Sustentando-se em um modelo reducionistade ser humano, ou seja, o homem-máquina,a cadeirologia elabora recomendações paraconcepção do mobiliário incompatíveis comas possibilidades do corpo humano. A incom-patibilidade gera conflitos entre os aparatosoferecidos pelo mobiliário e a utilização realque o trabalhador faz deles. Não é incomumverificar os funcionários de um banco, porexemplo, dispensarem a oferta de confortode um certo aparato do posto de trabalho,finamente detalhado, mas que não possuiqualquer serventia prática. É emblemático ocaso de um bancário que não utiliza o en-costo para o dorso para evitar o distan-ciamento do guichê e, assim, manter a vigi-lância ao seu entorno e à gaveta que com-porta o numerário. Afinal, o risco de assaltoé um dos principais problemas vivenciadosnas agências bancárias.

Sob a mesma lógica, o funcionário de umagrande cadeia de hipermercado não conse-gue utilizar o assento em seu exíguo espaçode trabalho. A gerência opta por retirar osassentos e a trabalhadora não discorda, poisnão poderia assentar-se e, ao mesmo tempo,manipular o teclado colocado em uma su-perfície acima do plano de trabalho princi-

pal por onde as mercadorias são traslada-das, como se verá mais adiante.

Para tratar uma demanda, o trabalhadormobiliza as informações sobre as caracterís-ticas do serviço solicitado que estão estoca-das em sua memória, avalia o humor do cli-ente, prepara uma estratégia para abordá-lo, adota uma certa postura, ou seja, arran-ja os seus segmentos corporais no contextode um dado ambiente térmico, sonoro e lu-minoso. Uma abordagem reduzida da situa-ção do trabalho contentar-se-ia em avaliaras dimensões antropométricas, desconsi-derando o uso que o funcionário faz do seumobiliário.

Laville (1968) mostrou que na indústriamicroeletrônica a rigidez das posturas aumen-ta com as dificuldades surgidas ao longo dodesenvolvimento da atividade, bem como sãoassociadas à velocidade imposta pela estei-ra. Na situação estudada pelo autor, a ne-cessidade de tratar sinais durante a realiza-ção das tarefas conduz à seguinte postura: otronco aproxima-se da bancada para permi-tir uma boa distância olho-objeto, cujo focovisual depende da imobilização cervical, ex-plicando, assim, a hipercontração dos mús-culos da região. São exemplos que ilustrama importância em se considerar o conjuntodas exigências da tarefa e não apenas a con-tração muscular, como se ela fosse um resul-tado direto do comportamento estressado dotrabalhador, independentemente da flutuaçãodos fatores de produção em um ambienteorganizacional rígido.

O estudo de Assunção & Lima (2000) emuma fábrica de jóias ilustra o caráter multi-fatorial da determinação da postura. Alémde repetitivas, as tarefas realizadas solicitamhabilidade e destreza manual, movimentosfirmes e precisos. Para além da repetição, aprecisão dos movimentos realizados na re-gião distal dos membros superiores impõeuma carga estática à musculatura da regiãoproximal e solicita, assim, o conjunto do apa-relho músculo-esquelético dos membros su-periores. Nota-se a exigência de responsabi-lidade e atenção no desenrolar das ativida-des de trabalho, o que conduz a um aumen-to da contração muscular estática, a qual,por sua vez, pode contribuir para a sobre-carga muscular global. Ou seja, os resulta-dos obtidos mostram que o trabalho, apesarde repetitivo, não é essencialmente manual.Ele também exige concentração, atenção e

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4542

43Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

responsabilidade, e todas essas exigênciasestão certamente determinando as posturas,principalmente as estáticas.

Além disso, as tarefas são realizadas sobpressão temporal e os erros são temidos, poisacarretam desperdícios de matéria-prima. Apressão temporal e o medo de errar podemaumentar a atividade muscular (Bongers etal., 2002).

Os resultados acima e a análise da situa-ção do caixa de hipermercado, que será apre-sentada neste artigo, reforçam os pressupos-tos da Ergonomia sobre a multideterminaçãoda postura adotada e o caráter global dosgestos humanos. Os dois pressupostos sãoapresentados a seguir.

Qual modelo de ser hu-mano orienta as análisesda Ergonomia?

Quando se pretende estudar os aspectoshumanos e técnicos ligados à realização dotrabalho, a Ergonomia propõe-se a avaliaras competências para realizar a tarefa e asua variabilidade. As pesquisas mostram que,conhecendo as exigências do trabalho, ostraços da atividade do operador poderão serestudados e certos elementos da situaçãopoderão ser rearranjados para se obter oconforto para um trabalhador em particular.

A atividade visual, por exemplo, varia emfunção da claridade e da curva de adapta-ção do olho ao escuro. Tais característicasnão são absolutamente idênticas em todos osindivíduos. As diferenças podem ter origensdiversas: constitucionais, culturais, de forma-ção etc. Entretanto, os indivíduos contornamas dificuldades. Os daltônicos, por exemplo,às vezes, descobrem tarde que portam defi-ciência, pois orientam-se menos pelas coresdo que pelos traços das luzes, ou seja, elesmobilizam as outras habilidades que atenuamos efeitos das deficiências.

A Ergonomia leva em conta a ação do in-divíduo mobilizada pela inteligência e pelaexperiência, descartando o modelo mecâni-co do ser humano em situação de trabalho.Para a Ergonomia, o funcionamento do ho-mem em situação de trabalho não pode sercomparado a um modelo mecânico do tipotransformação de energia ou a um modeloinformatizado de tratamento de dados.

A voz do ser humano não é um microfone,os seus ouvidos não são amplificadores, osseus olhos não são holofotes, as suas articu-lações não são polias, (Laville, 1977). O tra-balhador muda de postura para solicitar amusculatura que estava em repouso, selecio-na as imagens que são importantes para de-cidir, privilegia os ruídos indicadores do fun-cionamento da máquina... O ser humano nãopode ser comparado a uma máquina. Amáquina não tem uma idéia do mundo que arodeia. O ser humano tem uma idéia e modi-fica esta idéia à medida que o mundo se trans-forma pela sua ação. Não seria esta carac-terística a força do processo civilizatório hu-mano?

Os conhecimentos sobre as característicaspsicofisiológicas do ser humano em situaçãoreal de trabalho permitem afirmar que existeuma importante variabilidade inter e intra-individual e que em toda atividade profissio-nal existe uma atividade mental. Além disso,a regulação individual e coletiva exerce umpapel importante na realização da produção.

No setor da alimentação coletiva, uma dis-tribuição informal dos trabalhadores nospostos do restaurante visa estabelecer um“compromisso” entre os objetivos da produ-ção, as exigências das tarefas com fortecomponente físico e as deficiências mús-culo-esqueléticas de um grupo de cozinhei-ras. A margem de liberdade existente permi-te que os objetivos da produção sejam atingi-dos e que os indivíduos que estejam sofrendode dores e da diminuição da força muscularpossam continuar trabalhando (Assunção,1998; 2003).

As regras e as normas de produção coe-rentes com os objetivos de rentabilidade eco-nômica assentam-se numa noção artificial deum trabalhador jovem, do sexo masculino,em boa saúde, com os receptores sensoriaisintactos e resistentes aos riscos presentes,imutáveis ao longo do tempo e opacos àsagressões presentes nos ambientes nocivos(Wisner & Marcelin, 1971). Nem sempre asnormas de produção consideram o saber-fazer construído ao longo do tempo em queo trabalhador depara-se com as situaçõesreais de trabalho. Desconsiderando a varia-bilidade humana, tais normas são incoeren-tes e desumanizam o trabalho (Lima, 2001).

Quando os projetistas das situações de tra-balho tentam reduzir o papel do trabalha-

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4543

44 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

dor, considerando-o análogo aos sistemas téc-nicos, quando eles uniformizam as exigênciasde trabalho, normatizam os procedimentos,estabelecem regras rígidas de tempo, nãopodem prever o conflito provável, explícito ounão, entre as características dos trabalhado-res e o sistema de produção (Abrahão, 2000).

No plano cognitivo, a Psicologia traz co-nhecimentos sobre certos mecanismos de fun-cionamento do indivíduo; por exemplo, comoele leva em conta as novas informações paramodificar as suas representações mentais,quais são as propriedades dessas represen-tações, como elas se constituem (Wisner,1987). Em relação ao conteúdo cognitivoda tarefa, o principal aspecto a ser conside-rado é a tomada de decisões. No entanto, éconveniente abordar as dificuldades em per-ceber os sinais quando o trabalhador estácansado ou em situações de desconforto lu-minoso ou térmico que perturbam a identifi-cação e o reconhecimento da informação.

O sofrimento de fadiga psíquica pode es-tar presente nos casos em que, por exemplo,a falta de sono provocada pelos horáriosextremos do trabalho gera uma sobrecargae pode explicar as alterações de humor oudeixar o indivíduo mais susceptível (estandomais cansado) aos riscos biomecânicos exis-tentes no ambiente de trabalho.

Assim, de que adiantaria a implantaçãode uma cadeira de dimensões adequadas sea tensão provocada pelos desajustes daorganização do ambiente de trabalho pro-voca hipercontração da musculatura dorsale cervical?

A Biomecânica é a disciplina que estuda asforças estáticas e dinâmicas que agem sobreo corpo e que pode contribuir fortemente paraa concepção dos espaços de trabalho. Noentanto, articular à avaliação biomecânica aanálise das outras dimensões humanas já ci-tadas pode contribuir para evitar uma abor-dagem reduzida do trabalhador, a qual expli-ca, em muitos casos, entre outros fatores, oinsucesso do mobiliário implantado.

Qual Biomecânica? A di-nâmica do corpo e o mitoda postura correta

O aumento de Lesões por EsforçosRepetitivos no mundo todo (EASHW, 2000)

conduz à hipótese de que as exigênciasbiomecânicas provocam reações severas noorganismo e, assim, de maneira geral, elassão superiores às capacidades funcionais in-dividuais.

As pressões exercidas sobre os tecidos mo-les podem provocar reações dos tecidos en-volvidos. Geralmente, e de maneira bem re-sumida, as reações são: a) mecânicas e fisio-lógicas – variações do comprimento, do vo-lume, rupturas; b) fisiopatológicas – mudan-ça na concentração iônica das células dosmúsculos, evolução das características dopotencial de ação do músculo, insuficiênciacrônica do líquido sinovial, rupturas das fi-bras de colágeno do tecido do tendão, hiper-trofia do epineuro, perturbando o potencialde ação nas fibras nervosas, com conseqüen-tes alterações motoras e sensitivas (Assunção,s/d).

Os conhecimentos da disciplina citada sãoúteis e indispensáveis para abordar as postu-ras no trabalho e orientar a concepção dospostos, mas são insuficientes. Algumas análi-ses focalizadas na Biomecânica desconsideramo caráter dinâmico do corpo e deixam mar-gens para construir o mito da postura correta.

O esqueleto humano pode ser comparadoa um conjunto de três peças empilhadas umassobre as outras: a cabeça, o tórax e a bacia.As formas e as dimensões das peças são di-ferentes entre si. Mesmo assim, elas conse-guem se manter empilhadas na posição verti-cal graças a um minucioso e intenso trabalhodo conjunto do corpo.

Para se obter um arranjo estável das trêspeças, é necessário colocar o centro de gra-vidade de uma peça sobre o centro de gravi-dade de sua vizinha de baixo, o que solicitaum perfeito alinhamento vertical dos centrosde gravidade para evitar uma tensão sobre oinvólucro do conjunto, que é formado pelostecidos moles que compõem o aparelho mús-culo-esquelético.

O alinhamento é obtido por meio de meca-nismos finos, pois, como lembra Bienfait(1993), “cada gesto é feito de um conjuntode ações que se complementam para atingiro objetivo final”. Uma tensão inicial provocauma sucessão de tensões isoladas. Todos osgestos humanos são globais e recrutam, nosdizeres do autor, o conjunto do sistemalocomotor.

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4544

45Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

De maneira bastante didática, Bienfaitexplicita as duas grandes funções do sistemalocomotor: a deambulação e a preensão. Aprimeira é uma função ascendente que parteda cintura pélvica e dos membros inferiores;a segunda é uma função descendente queparte da cintura escapular e dos membrossuperiores. Os conhecimentos da fisioterapiasão ainda mais elucidativos e podem contri-buir para o entendimento do ser humano emsituação de trabalho quando afirmam que,em cada função, os movimentos das duas cin-turas são ligados por dois sistemas cruzados.Ou seja, na deambulação, a cintura esca-pular equilibra a cintura pélvica, que projetao membro inferior. Na preensão, ocorre oinverso, pois a cintura pélvica serve de pontode apoio para os movimentos do tronco e dacintura escapular, que dirigem o membrosuperior.

A noção de dois sistemas cruzados que seequilibram entre si esclarece sobre o caráterdinâmico do gestual humano, que, por suavez, fragiliza os argumentos que sustentam aprescrição de uma postura ideal supostamentefixa no tempo e no espaço. Ora, mórbidoseria o corpo congelado. Então, como pres-crever a postura correta?

Qual é a melhor postura?

Postura é o arranjo relativo das partes docorpo. A postura é o principal elemento daatividade do ser humano, ou seja, não se tra-ta apenas de manter-se em pé ou sentado,mas de “agir” dando um suporte à tomadade informações e à ação motora no meio detrabalho. Vista dessa forma, a postura é ummeio para localizar as informações exterio-res e preparar os segmentos corporais e osmúsculos a fim de agir no ambiente. Trata-se, assim, de organizar o espaço em referên-cia ao seu corpo para localizar-se, deslocar-se e agir numa perspectiva dinâmica.

A postura é um meio de expressão e comu-nicação, é um sinal da condição socioculturaldo indivíduo e, assim, meio de expressão dacondição no grupo. Se não, como explicaros braços cerrados e presos para trás dostrabalhadores humildes que, por vezes, abai-xam as suas cabeças para ouvir a sua hie-rarquia? Por fim, e não menos importante,uma das funções da postura é proteger asestruturas de suporte do corpo contra lesão

ou deformidade progressiva, independente-mente da atitude (ereta, deitada, agachada,encurvada) nas quais essas estruturas estãotrabalhando ou repousando (Kendall, 1995).

A postura saudável seria o estado de equi-líbrio muscular e esquelético no qual os mús-culos funcionam mais eficientemente e posi-ções ideais são proporcionadas para aco-modar os órgãos torácicos e abdominais.

A postura estereotipada é uma relaçãodefeituosa entre as várias partes do corpo.Por exemplo, os punhos hiperfletidos ouhiperextendidos podem levar à compres-são dos nervos periféricos aí localizados(Claudon, 1995). Das definições propostas,denota-se que, certamente, determinadasposturas devem ser evitadas pelo risco queelas podem trazer para o equilíbrio do corpo.

Porém, os conhecimentos mencionados nãoautorizam a culpar o trabalhador que, emtese, assumiria a postura estereotipada pornão ter consciência da postura saudável.

Os efeitos são estudados pelos estudosepidemiológicos que nos últimos vinte anosbuscaram identificar os fatores de riscos parao adoecimento músculo-esquelético em po-pulações de trabalhadores. Alguns resulta-dos são elucidativos.

Em estudo de laboratório, Hagberg (1981)provocou tendinite aguda em mulheres querealizavam elevações repetidas dos ombrosdurante uma hora de observação. Outrosautores sugerem que as associações entretendinite e trabalho com os braços elevadospodem ser relacionadas com a repetitividadedas extremidades dos membros superioresenquanto os ombros e os braços permane-cem sob força muscular estática a fim degarantir a estabilidade dos membros supe-riores suspensos e sem apoio (Winkel &Westgaard, 1992).

Entre trabalhadores de uma linha de mon-tagem expostos a elevações repetitivas dosbraços e obrigados a sustentá-los durantelongos períodos da jornada de trabalho, foicomum a descoberta de dor à palpação domúsculo trapézio entre aqueles que se quei-xavam de dores nos ombros. Em outro estu-do transversal, as mulheres que executavamflexões repetitivas dos ombros apresentaramdor e sensibilidade temporária à palpaçãodo ombro. Nesse estudo, a exposição con-sistia em flexões repetitivas dos ombros numângulo que variava de 0 a 90 graus e a

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4545

46 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

uma cadência de 15 flexões por minuto (Bjelle,1981).

Os resultados de uma pesquisa evidenciamque os estudantes avaliados contraíram umatendinite temporária quando submetidos aflexões repetidas dos ombros. Pode-se lem-brar também da exposição dos fatores dehipersolicitação das estruturas músculo-es-queléticas em casos de atividades esportivas.Os nadadores de competição que executammovimentos repetitivos dos braços acima dacabeça apresentam a síndrome dolorosa doombro. Dez por cento dos lançadores já apre-sentaram um episódio de tendinite. Numa pes-quisa que entrevistou 2496 nadadores, 15%declarou apresentar uma incapacidade im-portante do ombro como conseqüência deuma síndrome dolorosa.

Enfim, a postura é responsável pela manu-tenção dos segmentos corporais no espaço,fundamental para se lutar contra a gravida-de e depende das características biome-cânicas do corpo humano, das informaçõesinternas e extereoceptivas (musculares, arti-culares, labirínticas, visuais, auditivas), dasestruturas nervosas de integração e de co-mando dos músculos antigravidade e das ati-vidades desses músculos.

A análise da postura adotada no trabalhoimplica identificar os seus determinantes,como afirma Lima (2000): “a postura assu-mida por um trabalhador nunca é somente oresultado de idiossincrasias pessoais, mas édeterminada pela inter-relação complexa dosmúltiplos fatores constituintes da situação detrabalho”. Para tal, recomenda-se avaliar oespaço onde o corpo está agindo, os equipa-mentos, os instrumentos e os objetos manipu-lados, a variabilidade do estado do trabalha-dor: ele está cansado, mais velho, é novato,ela está grávida? Esses aspectos não são abor-dados pela cadeirologia.

Métodos e procedimentos

A partir da demanda inicial que colocou oproblema da melhor postura de trabalho —em pé ou sentado —, os resultados das aná-lises realizadas serviram de base para escla-recer e propor as medidas de melhoria dospostos de caixa em um hipermercado. Algunsaspectos foram aprofundados com o objetivode melhor compreender o contexto em que seinsere o trabalho, ou seja, a tecnologia e aorganização.

Realizaram-se entrevistas abertas, registrosdas verbalizações espontâneas dos trabalhado-res durante as observações, levantamento dasopiniões dos usuários, estudo do volume daprodução, observações abertas e observa-ções sistemáticas com a ajuda de cronôme-tro e câmera de vídeo. Durante as observa-ções diretas, foram realizadas entrevistassimultâneas, tendo como objetivo esclarecerpontos específicos.

As observações do trabalho tiveram o ob-jetivo de analisar as diferentes zonas de tra-balho das recepcionistas, tais como: leitoraótica, teclado, impressora de cheques e detickets de cartão de crédito, caixa anti-rou-bo, gaveta para o numerário, retira-metais,armazenamento de sacos para embalagemetc. Estudou-se a utilização do espaço de tra-balho disponível. Procedeu-se a uma análisedos gestos efetuados e das posturas adotadas,contextualizando-os. Avaliaram-se as habili-dades mobilizadas durante o relacionamen-to com o público e, finalmente, as estratégiaspara cumprimento dos objetivos globais dotrabalho.

Foram escolhidos dias diferentes para asfilmagens, respeitando-se, ao máximo possí-vel, as variações de fluxo de clientes nohipermercado. Dessa forma, foram filmadasvárias situações. Importante é lembrar a re-cusa, aceita de pronto pelos pesquisadores,de algumas recepcionistas em serem filma-das sob a alegação de um certo nervosismoem tais situações.

Neste artigo, serão apresentados os resul-tados de 45 minutos de observação regis-trados pela filmadora, entre 19h e 19h45,num dia considerado de grande movimento(sexta-feira), e os resultados das observaçõesrealizadas durante o atendimento de doisclientes por uma segunda recepcionista, numhorário de menor movimento (12h30 a13h30 de um sábado).

As entrevistas foram realizadas nos mo-mentos de ausência de clientes, principalmenteno início da manhã. No entanto, durante asobservações diretas, foram realizadas entre-vistas simultâneas para esclarecimento depontos específicos levantados durante as ob-servações.

Foram criadas as seguintes variáveis paraa observação direta: escanear, escanear emultiplicar, digitar o código da etiqueta, acio-nar e limpar a esteira, preparar o saco plás-tico e entregá-lo ao cliente, ensacar. As va-

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4546

47Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

riáveis correspondem às operações da fasede tratamento do artigo. Na outra fase dotrabalho da recepcionista no atendimento acada cliente, fase comercial, as variáveisobservadas foram: verificar documentos docliente, imprimir cheque e recibo, entregaros documentos ao cliente.

O programa Kronos ajudou no tratamentodos dados. Assim, as operações foram deco-dificadas em um protocolo de observação queobjetivou também identificar os períodos deposturas em pé e sentada em relação com asoperações realizadas. O programa Kronos,que foi alimentado com dados extraídos dacrônica da atividade após a escolha das va-riáveis citadas de acordo com as hipóteseselaboradas durante as observações abertas,possibilitou reconstituir a organização tem-poral da atividade e apresentá-la em formade gráficos. Esse tratamento de dados permi-te, igualmente, colocar em evidência a se-qüência das operações, bem como a suavariabilidade.

Por meio da análise das filmagens, foi rea-lizado um estudo detalhado dos gestos emovimentos adotados pelos trabalhadores,relacionando-os com as operações anterior-mente avaliadas.

Resultados: o caso dacaixa de hipermercado

A análise das operações e dos movimentosque as acompanham colocam em evidênciao caráter repetitivo da tarefa, pois a traba-lhadora executa a mesma operação, adotan-do a mesma postura. Porém, ela varia 25%no caso da recepcionista 1 e 3% para a re-cepcionista 2, de acordo com a quantidadede produtos semelhantes a serem digitados,com o volume e o peso, e com o desenrolarda jornada de trabalho.

A amplitude dos movimentos da recepcio-nista varia de acordo com o tamanho, o pesoe a posição do produto sobre a esteira: pegao artigo com a mão esquerda, transfere oartigo de mão, passa o artigo com a mãodireita na leitora, com a mão esquerda vaipegar outro artigo, enquanto a mão direitadeposita o artigo registrado na esteira dois.

De acordo com o sentido ou a direção doesforço — empurrar ou puxar a mercado-ria, por exemplo — e com a sua freqüência,a exigência física varia muito. Uma carga

muito intensa leva o trabalhador a adotar umapostura mais adaptada ao esforço que éprioritário na ação e, assim, o confortopostural previsto pode ser alterado para seatingir os objetivos da ação. As torções e asflexões do corpo são influenciadas pela in-compatibilidade entre as dimensões dos ele-mentos do trabalho e as dimensões do traba-lhador.

Observou-se, por exemplo, uma recepcio-nista registrar as mercadorias na posiçãosentada, mas apoiando os quadris sobre osbordos da cadeira, sem poder apoiar o dor-so, já que teria de alcançar o teclado.

No entanto, em algumas situações em queo ciclo fundamental se modifica, a postura oacompanha. São momentos caracterizadospelo tipo de mercadoria a ser registrado ouentão pelo momento da evolução da esteira.

Desta forma, na maioria das situações, apostura é o resultado das exigências visuaise cognitivas, bem como do mobiliário. Porexemplo: se o plano de trabalho é mais largodo que o comprimento do tronco, como é ocaso da esteira por onde os produtos sãoregistrados, e se o trabalhador procura, deacordo com os objetivos preestabelecidos,vigiar o carrinho de compras do cliente, elese colocará nas pontas dos pés, curvando otronco sobre a esteira para garantir avisualização do conteúdo do carrinho.

As mercadorias registradas têm forma epeso diferentes. Manipulá-las implica solici-tar diferentes grupos musculares. Observou-se, por exemplo, que a recepcionista semprese levanta, se estiver sentada, quando ela vairegistrar uma mercadoria pesada. De ma-neira geral, os artigos registrados serão de-positados na segunda esteira, aguardando oensacamento. Observam-se estratégias paraensacar em seguida ao registro, nos casosde artigos pesados — caixa de cervejas emlata, pacote de cinco quilos de arroz —, jáque o produto é erguido para ser passadosobre a leitora, aproveitando-se para ganhartempo ensacando-o imediatamente.

Alguns artigos como roupas, revistas, CDs,ovos, por exemplo, também são ensacadosimediatamente após o registro. Na maioriadas vezes, a recepcionista preocupa-se emfazer uma triagem dos produtos a seremensacados. Outra estratégia é ajuntar arti-gos gelados ou congelados para acelerar egarantir as boas condições de transporte.

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4547

48 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

A recepcionista controla o número de sa-cos de embalagem fornecidos, retirando efornecendo paulatinamente ao cliente. A dis-tribuição dos sacos plásticos é custosa doponto de vista postural, obrigando a flexãoanterior do tronco. Nem sempre os sacos sãofacilmente manipuláveis: acontece de nãoestarem perfeitamente perfurados ou de es-tarem colocados um no outro.

O ensacamento do produto multiplica onúmero de fontes de informações a seremconsideradas pela recepcionista. Assim, eladeverá olhar o carrinho que está sendo es-vaziado e os pacotes que estão sendo depo-sitados sobre a esteira e, ainda, a evacuaçãodos produtos registrados para evitar aglome-ração.

Nota-se que é freqüente a manipulação doteclado, pois nem sempre existem as etique-tas, ou pode acontecer de estarem ilegíveis.A localização do teclado obriga o trabalhodo membro superior direito em extensão semapoio possível do cotovelo.

As recepcionistas adotam a estratégia deler atentamente o valor que aparece na telado scanner. Elas dizem, a este propósito, queo erro tem que ser controlado e que o sinalsonoro, emitido a cada vez que o artigo é

lido, não é suficiente para a certeza de que oproduto foi registrado. É imperativo contro-lar se aparece, a quantidade de vezes emque aparece e se não há erro entre o valorimpresso e o valor real. Pode-se afirmar queo trabalho de caixa de hipermercado não éum trabalho manual. Ao contrário, existe umaforte solicitação das funções mentais.

O teclado é situado acima do scanner, lo-calização que implica a adoção de uma pos-tura de flexão do tronco para frente parapermitir o seu alcance. Nem sempre a dis-tância de 53 cm fica na zona de alcance darecepcionista, dificultando ou mesmo impos-sibilitando a adoção da postura sentada, de-pendendo das dimensões dos segmentos cor-porais superiores da recepcionista. As Figu-ras 1 e 2 mostram que a recepcionista as-senta-se na fase de relação comercial (verifi-ca documento, imprime recibo, entrega do-cumento), quando não está escaneando, poisnesse momento não precisa ver o visor nemtocar o teclado ou solicitar a musculatura dodorso para ajudar no levantamento do peso.Contudo, ocorre de a recepcionista não seassentar nem na fase comercial, como ilus-tra a Figura 3. Que outros fatores estariamdeterminando a postura em pé ou sentada?

Figura 1 Seqüência das operações realizadas e a postura adotada (sentada ou em pé)pela recepcionista 1, observada durante 45 minutos.

Período considerado de muito movimento.

sentado

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4548

49Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

Figura 2 Seqüência das operações realizadas e a postura adotada (sentada ou em pé)pela recepcionista 2 no atendimento ao cliente 1.

Período considerado de pouco movimento.

Figura 3 Seqüência das operações realizadas e postura adotada (sentada ou em pé)pela recepcionista 2 no atendimento ao cliente 2.

Período considerado de pouco movimento.

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4549

50 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

A recepcionista é obrigada a contar as uni-dades para, em seguida, registrar (digitandoou escaneando, se o produto permitir) e, naseqüência, digitar a cifra correspondente aonúmero de produtos desejados pelo cliente.

O modo operatório depende da qualidadeda etiqueta, já que alguns produtos acondi-cionados em caixa de papelão não são lidosimediatamente, talvez pela qualidade do pa-pel. O mesmo acontece com revistas ou ca-dernos. Nesses casos, a recepcionista gira oproduto várias vezes, tentando fazer a boaapresentação da etiqueta para a leitora. Osprodutos frios apresentam, muitas vezes,umidificação das etiquetas, o que impossibi-lita a leitura ótica, obrigando a recepcionistaa digitar o código.

A dimensão da esteira pode induzir as ati-tudes do cliente, levando este a entregar oproduto diretamente à recepcionista ou en-tão a empilhar vários produtos na tentativade esvaziar o seu carrinho com a esperança determinar logo. Isso pode trazer perturbações,como o fato de o produto cair ou então de arecepcionista ser obrigada a ser mais atentapara evitar que um produto seja dissimuladoentre os outros.

A terceira esteira, situada no plano inferioràs outras duas, nem sempre é utilizada. Ocor-re freqüentemente uma aglomeração de pro-dutos, levando a recepcionista a interrompero registro para ajudar ou esperar o cliente aesvaziar a segunda esteira. Essas atitudes sãoacompanhadas de uma extrema atençãopara seguir o fluxo do cliente que deposita edo acompanhante que ensaca. No caso de ocliente não estar acompanhado, a recepcio-nista observa o estado da segunda esteira epode ser levada a interromper o registro paraproceder ao ensacamento.

Em momentos de menor fluxo de clientes,as recepcionistas, quase de maneira sistemá-tica, embalam os produtos, cumprindo, as-sim, a meta de bem servir o cliente. Entretan-to, em períodos mais acelerados, esta con-duta é limitada.

As recepcionistas possuem estratégias deajuntar produtos semelhantes, sendo quenestes casos passa apenas o primeiro sobrea leitora, registra o número de vezes para, aseguir, comandar a operação de multiplicar.

A atividade real do trabalho das recepcio-nistas sofre influências da política comercial,das características dos clientes, do ambiente,

dos materiais e do espaço de trabalho. Al-guns desses fatores interagem entre si, deter-minando imprevistos que serão reguladospelos funcionários. Os esforços físicos a se-rem exercidos compreendem tanto os esfor-ços que contribuem para a transformaçãodo produto — ação sobre os instrumentos,sobre os artigos, sobre os elementos a seremsustentados pelo corpo — quanto os esfor-ços decorrentes das posturas adotadas.

Há conflitos: cliente que duvida da soma,cliente que reclama do produto que passou eque ele diz não ter colocado no carrinho,cliente que não aceita o engano cometidopelos outros setores ao etiquetar ou pesar oproduto, cliente que não aceita a negativado cartão do crédito... Essas são situaçõesque geram um clima tenso e as recepcionis-tas, na medida do possível, tentam admi-nistrá-lo ou então chamam o coordenadorde caixa.

Pode ocorrer de o coordenador levar amercadoria até as prateleiras para verificaro verdadeiro preço, pois acontece de as etique-tas terem um valor diferente do apontado pelaleitora ótica e visualizado no monitor pelo clien-te.

A operadora movimenta constantemente acabeça, dirigindo o olhar para diversos pon-tos, tentando selecionar as informações im-portantes que vão orientar a sua ação. As-sim, para ela, é importante avaliar a situa-ção do carrinho, verificar se ainda há espa-ço na esteira, estar atenta às semelhanças eàs diferenças entre os produtos aparentemen-te idênticos, observar em detalhes as proprie-dades das mercadorias e o comportamentodo cliente.

Desse modo, percebe-se que o trabalho dasrecepcionistas, apesar da existência de pe-quenos ciclos que se repetem, no caso do re-gistro de artigos pelas características descri-tas, requer uma intensa atividade mental (As-sunção & Souza, 1999; Assunção, 2002).

Discussão

Os conhecimentos sobre a postura senta-do-em pé são extraídos da fisiologia e dabiomecânica. Estar de pé significa que todoo peso do corpo é suportado pelo pé e queas pessoas vão trabalhar contra a lei da gra-vidade. Vários músculos do dorso e das per-nas são solicitados para manter a postura

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4550

51Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

em pé. O sistema cardiovascular trabalhaigualmente contra a gravidade para fazer osangue retornar dos membros inferiores emdireção ao coração e, assim, favorecer a trocade nutrientes entre os tecidos. Se houver,como no caso das recepcionistas do caixa dehipermercado, uma postura estática, estaprovocará uma diminuição das trocas nutri-cionais dos discos intervertebrais responsá-vel pelos distúrbios osteomusculares que mo-tivaram a demanda do estudo.

Em pé, sentado ou sen-tado-em pé?

Os resultados de uma revisão da literaturarealizada por Messing (1998) e citada porVézina & Lajoie (1996) mostram que váriosestudos epidemiológicos sugerem que os anosde trabalho passados em postura em pé imó-vel poderiam causar problemas de circula-ção e problemas no aparelho músculo-esquelético. Ryan (1989) realizou um estudonuma população de 513 trabalhadores desete supermercados. Os resultados mostra-ram que os caixas permanecem 89,8% dotempo em pé, enquanto que os trabalhado-res do depósito permaneciam 44,9% nestamesma posição, e que há uma relação entreo tempo passado em pé e o número de pro-blemas nas pernas e nas costas.

Diniz & Ferreira Jr. (1993-1994) mostra-ram elevada prevalência de sintomas múscu-lo-esqueléticos em 79 operadores de checkoutem mercados de São Paulo que responde-ram a questionários anônimos: 77% delesreferiram-se à dor em pelo menos uma re-gião corporal durante a última semana detrabalho.

De acordo com Vézina & Lajoie (1998),as conseqüências do trabalho estático em pésão as seguintes: aparecimento de varizesdevido à pressão hidrostática nas veias daspernas, desenvolvimento de edema nos mem-bros inferiores devido à diminuição da circu-lação linfática, sintomas de dor nos membrosinferiores e na região lombar, sendo que oquadro doloroso nesta região é relacionadocom o maior risco de ferimentos durante amanutenção de cargas.

Uma fadiga generalizada é possivelmenterelacionada à carga cardiovascular e tam-bém ao trabalho muscular mais importantena postura em pé do que no caso da posturasentada.

No caso das recepcionistas do checkout,deve-se sublinhar que a solicitação muscularé importante, pois, em se tratando de um tra-balho manual, rápido e de precisão, comomostram os resultados apresentados, há di-minuição dos pontos de apoio necessáriospara manter a estabilidade do corpo. Acadeirologia negaria os fatores mencionadosao concentrar-se exclusivamente na procurade uma cadeira perfeita e na prescrição deuma postura ideal.

Em pé

A partir da posição ereta, o movimentovoluntário da coluna em qualquer direção éiniciado pela contração concêntrica dos mús-culos responsáveis por essa ação.

Existe uma contração muscular isométricaquando o músculo não muda de comprimentodurante a contração muscular: por exemplo,quando ele se mantém em uma postura ou quan-do a carga a ser deslocada é mais elevadaque a força de tensão que o indivíduo desen-volve. Uma contração é isotônica quando atensão que ela provoca é constante e o mús-culo encurta. O organismo humano acomo-da-se mal à contração muscular isométricaprolongada, resultando em fadiga muscular.Se as situações de trabalho exigem uma rigi-dez máxima, os problemas acentuam-se.

Além da solicitação muscular, a posturaortostática solicita a ação dos discos interver-tebrais. As pressões no disco intervertebralsão mais elevadas nessa posição do que naposição deitada, mas usualmente menores doque na sentada. Quando em pé, as pessoasdevem realizar esforços para compensar aforça da gravidade. Isso é possível pela pres-são dos discos intervertebrais, que mantêmos corpos separados, retesando os ligamen-tos longos e evitando o achatamento da co-luna. No entanto, como apresentado anteri-ormente, pressões contínuas sobre o discopodem provocar degeneração do mesmo.

A posição em pé com o peso do corpo sen-do suportado principalmente por uma daspernas, estando a outra relaxada, aumentaa atividade eletromiográfica ao nível da quintavértebra lombar no lado da perna que su-porta o peso (Dolan et al. 1988).

A posição em pé ideal não é usualmentemantida por longos períodos, pois as pessoas

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4551

52 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

recorrem ao uso assimétrico das extremida-des inferiores, usando alternadamente a per-na direita e a esquerda como o principalapoio. Quando o peso do corpo apóia-se emum só membro inferior, a pelve eleva-se dolado oposto e uma concavidade lateral lom-bar surge nesse mesmo lado. A fim de com-pensar a referida inclinação lombar, a re-gião toráxica forma uma concavidade do ladooposto e a cervical, por sua vez, fica cônca-va no mesmo lado do apoio.

É importante lembrar que o indivíduo, parase manter de pé, tem de se movimentar sobrea sua base de sustentação. As curvaturas nãoestão corretamente alinhadas devido à pos-tura adotada — no caixa do hipermercado,por exemplo, a flexão anterior da coluna paramelhor visualizar as informações registradaspela leitora ótica. Nesse caso, uma atividadebem maior sobre as áreas musculares é en-tão requerida para manter a postura ereta.Nota-se, assim, uma contradição entre osobjetivos do conforto postural e as exigênciasdas tarefas.

Na posição em pé, a cintura pélvica é in-clinada para a frente devido à tensão nosmúsculos anteriores da coxa. Essa inclinação,juntamente com a compressão exercida pelopeso do corpo sobre a coluna lombar, acen-tua a lordose nesse nível, que pode ser aindamais acentuada por fatores como gravidez,obesidade e uso de sapatos de salto alto.

Sentado

É verdade que a postura sentada pode tra-zer vários prejuízos para a saúde se o postode trabalho não for bem concebido. A pos-tura sentada e imóvel, de acordo com a qua-lidade do apoio, pode provocar fadiga mus-cular lombar e compressão da massa mus-cular das coxas, que gera dores nos mem-bros inferiores. O organismo adapta-se malàs perturbações provocadas pela posiçãosentada.

Da mesma forma que na postura em pé,há diferentes maneiras de estar sentado. Deacordo com os estudos disponíveis, os efeitosnão desejados podem ser evitados se o ar-ranjo físico considera as necessidades reaispara a operação realizada durante a posi-ção sentada (Abrahão & Assunção, 2002).

O ajuste da altura da cadeira pode influen-ciar o retorno venoso se houver compressão

sobre a parte posterior das coxas. A pressãointradiscal é aumentada se comparada coma postura em pé, mas se o trabalhador pu-der variar a postura serão garantidas as tro-cas nutricionais necessárias aos discos.

De qualquer maneira, em relação à posi-ção de pé, o trabalho cardiovascular é me-nos importante na situação de trabalho sen-tado. Nesta situação, a freqüência cardíacae a pressão sangüínea são menos elevadas,o equilíbrio e a estabilidade são mais fáceis ea solicitação músculo-esquelética é menosimportante.

A posição sentada confortável para a maio-ria das pessoas é aquela que mantém as ar-ticulações intervertebrais em algum ponto daamplitude média, permitindo liberdade demovimento e tendo os músculos anteriores eposteriores balanceados. Nesta posição, atensão entre as superfícies das articulaçõesapofisárias é menor do que na posição empé e fica concentrada nas porções medianae superior das articulações (Dunlop et al.1984). Contudo, da mesma forma que paraa posição de pé, mesmo uma posição senta-da confortável não pode ser mantida porperíodos prolongados por razões explicitadasmais adiante, sendo importante, assim, queo design do assento possibilite as mudançasna postura.

Desvios da amplitude média por períodosprolongados conduzem à sobrecarga nasarticulações e nas estruturas ligamentares.Numa coluna normal, a posição sentada comuma postura encurvada pode levar aohiperestiramento dos ligamentos interver-tebrais e das fibras anulares posteriores, au-mentando consideravelmente a pressãointradiscal, provocando, mais tarde, degene-ração dos componentes do disco.

Como dito anteriormente, a pressão intra-discal é geralmente mais elevada na posiçãosentada sem apoio do que na posição em pé,o que ocorre, em grande parte, devido aomúsculo psoas maior, que possui uma açãovigorosa como estabilizador da coluna lom-bar nessa posição ao mesmo tempo em queexerce um considerável efeito compressivosobre a coluna. As alterações na lordose lom-bar são acompanhadas de aumento ou dimi-nuição na pressão intradiscal, a depender dainclinação do assento ou do encosto e da al-tura do suporte lombar, da cadeira e da mesa.Em uma cadeira bem projetada, a pressãointradiscal pode ser inferior àquela observa-

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4552

53Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

da na posição em pé (Oliver & Middleditch,1998). No entanto, as vantagens de um bomprojeto de cadeira não autorizam uma análi-se que desconsidere todos os outros determi-nantes da postura. O ser humano, em situa-ção de trabalho, coloca todo o seu corpo e asua inteligência no projeto de sua ação paraalcançar os objetivos pretendidos. A cadei-rologia nega a inteligência da postura.

A postura sentada nem sempre é nociva.Os estudos cinematográficos mostram que senão há pressão temporal e se as exigênciasgestuais, posturais e visuais não são fortes, aimobilidade total desaparece, pois é possívelao indivíduo melhorar a circulação sangüí-nea, solicitar diferentes músculos e outrosórgãos de maneira alternativa.

Os resultados da análise ergonômica colo-cam em evidência que a postura adotada pelotrabalhador é multideterminada e não frutode uma casualidade ou de idiossincrasiaspessoais, nos termos utilizados por Lima(2000). Ou seja, ela é a maneira inteligentede a recepcionista organizar os seus segmen-tos corporais para controlar a mercadoria,evitar o erro, ser cortês com o cliente e acele-rar o atendimento.

Diferentes posições implicam diferentes res-postas musculares que são desejadas pelotrabalhador ao executar a sua tarefa. A dis-tribuição das tensões na coluna depende daposição da carga transportada. Por exem-plo, se uma carga é transportada no alto dodorso (trabalhadores que transportam sacode cimento sobre os ombros), o tronco com-pensa inclinando-se para a frente, de modoque o músculo eretor da coluna seja maissolicitado do que seria no caso da posiçãoem pé sem transporte de carga. Se a carga étransportada abaixo do nível dos ombros,será o músculo psoas maior que vai sofrermaior contração, indicando que a carga estácausando uma extensão da coluna vertebral(Oliver & Middleditch, 1998).

Quando o centro de gravidade é desloca-do para os lados, como é o caso quando semantém um peso em uma das mãos, o eretorda coluna contralateral contrai-se para evi-tar inclinação lateral indesejada.

Essa dinâmica corporal é reproduzida pe-las recepcionistas durante a realização de suas

tarefas. O corpo, conhecendo as respostasmusculares a diferentes posições nas quaisuma carga pode ser transportada, elabora,em nível subconsciente, estratégias para re-pousar (e depois solicitar) grupos muscula-res quando eles começam a sofrer fadiga.Por isso é impossível manter uma mesma pos-tura prolongadamente, mesmo que seja aque-la considerada correta pela cadeirologia.

A manutenção de uma atitude determina-da durante um período prolongado podeprovocar diferentes tipos de problemas. Oque permite a adoção de uma postura espe-cífica é a atividade muscular dinâmica defi-nindo os movimentos que permitem passarde uma postura a outra. Uma posição este-reotipada é também a manifestação de umamá adaptação do trabalho ao indivíduo: or-ganização da tarefa, dimensionamento doposto de trabalho, iluminação, cadência.

Uma postura pode ser, ao mesmo tempo,um problema particular e um sintoma de umadesordem mais profunda da organização dotrabalho. Ou seja, a postura adotada não éproduto do inteiro arbítrio do indivíduo, elaé determinada pelas características do con-texto de trabalho, aí incluídas as dimensõesdo mobiliário e dos equipamentos, pressãotemporal, estado de saúde do trabalhador.

A organização da postura participa na rea-lização da tarefa e permite facilitar a suaexecução e ganhar tempo. As tarefas solici-tam a mobilização das capacidades múscu-lo-esqueléticas, sensoriais, cognitivas e afe-tivas. As diversas dimensões do corpo huma-no são envolvidas durante a atividade de tra-balho. Os resultados da análise ergonômicado trabalho permitem compreender aquiloque uma análise superficial nomeia de pos-tura incorreta, que seria produto da escolhaindividual e, assim, passível de mudança pormeio de treinamento. Ou seja, a abordagem dasposturas adotadas no trabalho pode se be-neficiar da análise ergonômica da atividade.

Agradecimentos

A autora agradece a leitura atenta e oscomentários valiosos feitos por Dr. CarlosAlberto Diniz.

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4553

54 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

ABRAHÃO, J. I.; ASSUNÇÃO, A. A. A con-cepção de postos de trabalho infor-matizados visando à prevenção de proble-mas posturais. Ver. Saúde Col. UEFS,1(1):38-45, 2002.

ABRAHÃO, J. I. Reestruturação produtiva evariabilidade do trabalho. Psico. Teo.Pesq. 16(1):49-54, 2000.

ASSUNÇÃO, A. A. De la déficience à lagestion collective du travail: les troublesmusculo-squelettiques dans la restaurationcollective.1998 Thèse de Doctoratd’Ergonomie. Paris: École Pratique desHautes Études.

___________. Doenças osteoarticulares deorigem profissional. In: PEDROSO, E. R. P& ROCHA, M. O. C. (orgs.) Clínica Mé-dica. 2 ed. São Paulo.; Atheneu [no pre-lo].

___________. Gesto repetitivo, trabalho va-riável. In: SALIM, C. A.; & CARVALHO, L.F. (orgs.). Saúde e Segurança noTrabalho: contextos e vertentes. Belo Ho-rizonte: PRODAT/FUNDACENTRO, pp.77-92, 2002.

___________. O saber prático construídopela experiência compensa as deficiênciasprovocadas pelas condições inadequadasde trabalho. Trabalho e Educação,12(1):35-49, 2003.

___________. O trabalho no caixa de umhipermercado: estudo ergonômico. Rela-tório de pesquisa. UFMG, Laboratório deErgonomia, 129 p., 1999.

ASSUNÇÃO, A. A.; & LIMA, F. P. A. Condi-ções ergonômicas em uma fábrica de jóias.Relatório de pesquisa. UFMG, Laboratóriode Ergonomia, 2000.

BIENFAIT, M. Os desequilíbrios estáti-cos. São Paulo: Summus editorial, 1993,149 p.

BJELLE, A.; HAGBERG, M.; MICHAELSON,G. Occupational and individual factors inacute shoulder-neck disorders among in-dustrial worker. Br. J. Ind. Med. 38:356-363,1981.

BONGERS, P. M.; KREMER, A. M.; & terLAAK, J. Are psychosocial factors, riskfactors for symptoms and signs of theshoulder, elbow, or hand/wrist?: A reviewof the epidemiological literature. AmericanJournal of Industrial Medicine41:315-342, 2002.

CLAUDON, L.; & CNOCKAERT, J. C.Biomécanique des tissus mous. Modèlesbiomécaniques d’analyse des contraintesau poste de travail dans le contexte destroubles musculosquelettiques. Doc. Méd.du Trav. 58:140-148,1994.

DINIZ, C. A.; & FERREIRA Jr., M. Prevalênciade sintomas músculo-esqueléticos em ope-radores de checkout em mercados. Rev.Bras. de Saúde Ocup. 25: 75-91,1993/1994.

DOLAN, P.; ADAMS, M. A.; & HUTTON,W. C. Commonly adopted postures andtheir effect on the lumbar spine. Spine,13(2):197, 1988.

DUNLOP, R. B.; ADAMS, M. A.; & HUTTON,W. C. Disc space narrowing and thelumbar facet joints. J. Bone J. Surg.(Br.), 66-B, 706, 1984.

European Agency for Safety and Health atWork. Repetitive strain injuries in theMember States of the European Union: theresultats of information request. Luxembourg:Office for Official Publications of theEuropean Communities, 2000.

HAGBERG, M. Work load and fatigue inrepetitive arm elevations. Ergonomics,24:543-555, 1981.

KENDALL, F. P.; MCCREARY, E. K.; &Provance, P. G. Músculos: provas efunções. São Paulo: Manole, 1995, 453 p.

LAVILLE, A. Cadence de travail et posture.Le Travail Humain, 31(1-2):73-94,1968.

___________. Ergonomia. São Paulo: Pe-dagógica e Universitária, USP, 1977.

Referências Bibliográficas

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4554

55Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

LEONARD S. A. The role of exercise andposture in preventing low back injury.AAOHN Journal, 38(7):318-322,1990.

LIMA, F. P. A. A ergonomia como instrumen-to de segurança e melhoria das condiçõesde trabalho. Anais do I Seminário deSegurança do Trabalho e ErgonomiaFlorestal - ERGOFLOR. Belo Horizonte,junho de 2000.

OLIVER, J.; & MIDDLEDITCH, A. Anatomiafuncional da coluna vertebral. Riode Janeiro: Revinter, 1998, 325 p.

RYAN, G. A. The prevalence of musculoskeletalsymptoms in supermarket workers.Ergonomics, 32(4):359-371, 1989.

VÉZINA, N.; LABERGE, M.; & LAJOIE, A.Debout, assis ou assis-debout?

Montréal: Formations CSST-IRSST, UQAM,1998.

VÉZINA, N.; & LAJOIE, N. Le siège assis-debout: une solution de rechange à laposture debout statique. Obje. Prev.19(4):38-41, 1996.

WINKEL, J.; & WESTGAARD, R. Occupationaland individual risk factors for shoulder-neck complaints. Part II. The scientific basis(literature review) for the guide. Int. J.Ind. Ergonomics, 10:85-104, 1992

WISNER, A. Componentes cognitivos e psí-quicos da carga de trabalho. In: _____Por dentro do trabalho: ergonomia,método e técnicas. São Paulo: FTD/Oboré,1987.

WISNER A.; & MARCELIN J. A quel hommele travail doit-il être adapté. Rapport n. 22.CNAM, Paris, 13 p. 1971.

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4555

56 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 41-55, 2004

capitulo a cadeirologia.p65 24/08/05, 13:4556

57Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

Perfil dos Acidentes de TrabalhoOcorridos no Município de Araçatuba-SP nos anos de 2000 e 2001

Eduardo Pizzatto1

Cléa Adas Saliba Garbin2

Magno Amadei3

O objetivo do presente estudo consiste em descrever o perfil dos acidentes de trabalho ocor-ridos no município de Araçatuba-SP nos anos de 2000 e 2001. Para tanto, foram analisa-das as Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) emitidas no referido período e asinformações pertinentes transcritas em formulário específico elaborado através do programaestatístico Epi-Info versão 6.04, utilizado para tabulação e análise dos dados obtidos. Foramanalisadas 772 CATs, das quais 656 correspondiam à ocorrência de acidentes típicos, 92 aacidentes de trajeto e 24 a doenças ocupacionais. A média de idade dos acidentados foi de32,42 anos (d.p. 10,88) e o tempo médio trabalhado até o momento do acidente foi de4,15 horas (d.p. 2,73). Quanto ao gênero, 632 acidentes (81,9%) ocorreram com traba-lhadores do sexo masculino e 140 (18,1%) com trabalhadores do sexo feminino. O presenteestudo revela um amplo predomínio de acidentes de trabalho classificados como típicos,além de uma maior prevalência em trabalhadores do sexo masculino.

Palavras-chave: acidentes de trabalho; saúde ocupacional; notificação de acidentes detrabalho.

The aim of this study consists in describing the profile of the work accidents occurred atAraçatuba-SP municipality between year 2000 and 2001. For this, Communications ofWork Accidents (CAT) emitted during this period were analyzed, as well as the pertinentinformation transcribed in specific formulary that was designed by a statistic software Epi-Info version 6.04, used for the organization and the analysis of the data. Seven hundredsand seventy two CAT were analyzed, from which 656 corresponded to the occurrence oftypical accidents, 92 to path accidents and 24 to occupational diseases. The average ofthe age of the victims was 32.42 years (SD = 10.88) and the average of working timeuntil the moment of the accidents was 4.15 hours (SD = 2.73). With regard to the gender,632 accidents (81.9%) occurred with male workers, and 140 (18.1%) with female workers.The present study shows a high prevalence of work accidents classified as typical, inaddition to a higher prevalence among male workers.

Keywords: work accidents; occupational health; occupational accidents registry.

1Doutorando do Programa de Pós-

Graduação em Odontologia Preventi-va e Social da Faculdade de Odonto-logia de Araçatuba-SP – UNESP.

3 Professora Assistente Doutora da

Faculdade de Odontologia deAraçatuba-SP – UNESP.

2Médico do Trabalho; Coordenador

do Centro de Referência em Saúde doTrabalhador do Município deAraçatuba-SP.

Profiles of Work Accidents Occurredat Araçatuba Municipality Betweenyear 2000 and 2001

capitulo perfil dos acidentes.p65 24/08/05, 13:4857

58 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

Introdução

Este início de novo século está sendo ca-racterizado pela sedimentação de novas re-gras regulamentadoras do mercado, em quea produtividade assume papel relevante. No-vas formas de produção, viabilizadas pelosavanços tecnológicos e por inovações nomodo de organizar e gerir o trabalho, quetêm uma abrangência global, vêm introdu-zindo mudanças radicais na vida e nas rela-ções das pessoas e dos países e, por conse-qüência, no viver e adoecer das pessoas. Esteprocesso de reestruturação produtiva temmodificado substancialmente o perfil do tra-balho e dos trabalhadores, seus determinantesde saúde-doença, seu quadro epidemio-lógico, assim como as práticas de saúde vol-tadas para o trabalhador.

Os acidentes de trabalho figuram neste con-texto como um subproduto do sistema de pro-dução moderno, acometendo muitos traba-lhadores no Brasil e no mundo, rompendo oequilíbrio saúde-produtividade, acarretandoprejuízos para o próprio trabalhador, paraa empresa e para a nação como um todo.

Do ponto de vista legal, acidente de traba-lho “é aquele que ocorre pelo exercício dotrabalho a serviço da empresa, provocandolesão corporal ou perturbação funcional quecause morte, perda ou redução, permanenteou temporária, da capacidade de trabalho”(Brasil, 1997).

Devido à elevada prevalência e gravidadedos acidentes de trabalho (Brasil, 2002), es-tes devem ser tratados como um problemade saúde pública, uma vez que suas reper-cussões não se limitam somente ao processoprodutivo, indo muito além, afetando a socie-dade como um todo.

Assim, considera-se que compete ao setorde saúde proporcionar condições a um pla-nejamento e à implementação de ações arti-culadas com os demais setores da sociedadeem prol da prevenção e conseqüente redu-ção do número de acidentes de trabalho esua gravidade.

O objetivo deste estudo consiste em descre-ver o perfil dos acidentes de trabalho ocorri-dos no município de Araçatuba-SP, nos anosde 2000 e 2001, e captados pelo sistema deregistro do Instituto Nacional do Seguro So-cial (INSS), visando contribuir para a elabo-

ração de políticas de saúde locais que previ-nam sua ocorrência e reduzam sua gravidade.

Materiais e métodos

O presente trabalho caracteriza-se comosendo um estudo transversal descritivo (Triviños,1987) no qual foram analisadas as Comu-nicações de Acidentes de Trabalho (CATs)emitidas nos anos de 2000 e 2001 no muni-cípio de Araçatuba-SP. Trata-se de um muni-cípio localizado no oeste do estado de SãoPaulo com uma área de 1.167 km2 e popu-lação de, aproximadamente, 170 mil habi-tantes (IBGE, 2000).

A CAT é um documento de emissão obri-gatória para trabalhadores cobertos pelo se-guro acidentário da Previdência Social. Ape-sar desta obrigatoriedade, a sub-notificação,particularmente em casos de acidentes demenor gravidade, constitui um problema ain-da não solucionado e que acarreta vieses nossistemas de informação epidemiológica a res-peito da ocorrência/prevalência de aciden-tes de trabalho (Almeida et al., 1993; Bara-ta et al., 2000; Binder et al., 2001).

As CATs contêm informações referentes àidentificação do trabalhador acidentado,como idade, gênero, estado civil, bem comohorário de ocorrência do acidente, tempo tra-balhado até o momento do acidente, ramode atividade da empresa, ocupação do aci-dentado, agente causador, natureza e locali-zação da lesão, período estimado de afasta-mento e local do primeiro atendimento.

As informações supra-relatadas foramtranscritas em formulário específico elabora-do no programa estatístico Epi-Info versão6.04, utilizado para análise estatística dosdados obtidos (Dean, 1990).

Vale ressaltar que todas as fases deste es-tudo foram submetidas à aprovação do Co-mitê de Ética em Pesquisa, conforme resolu-ção 196/96 (Processo FOA 2002/00866).

Resultados

Foram registrados 772 acidentes de traba-lho no período estudado, sendo que 345acidentes (44,69%) ocorreram no ano de2000 e 427 acidentes (55,31%), no ano de2001. Nesse mesmo período foram regis-trados dois óbitos decorrentes de acidentes

capitulo perfil dos acidentes.p65 24/08/05, 13:4858

59Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

de trabalho, o que pode não ser estatistica-mente significante, contudo, tratando-se devidas humanas, este fato é altamente relevante.

A média de idade dos trabalhadores aci-dentados ficou em 32,42 anos (d.p. 10,88).Quanto ao gênero, 632 acidentes de traba-lho (81,9%) ocorreram com trabalhadoresdo sexo masculino e 140 (18,1%) com tra-balhadores do sexo feminino.

Dos acidentes de trabalho ocorridos nosanos de 2000 e 2001, 656 (85,0%) carac-terizam-se como acidentes típicos, 92 (11,9%)como acidentes de trajeto e 24 (3,1%) como

doenças ocupacionais. Quanto ao setor pro-dutivo, 86 (11,1%) dos acidentes ocorreramcom trabalhadores do setor primário, 306(39,6%) com trabalhadores do setor secun-dário e 380 (49,2%) com trabalhadores dosetor terciário.

O tempo médio trabalhado até o momentodo acidente ficou em 4,15 horas (d.p. 2,73).A respeito desta variável, pode-se observaruma ocorrência maior nas primeiras horasde cada turno de trabalho, como mostra oGráfico 1.

Gráfico 1 Freqüência de acidentes de trabalho de acordo com o número de horastrabalhadas.

Na maioria dos casos de acidentes de tra-balho (50,4%), o tempo estimado de afasta-mento do trabalhador de suas funções foi in-ferior a sete dias, em somente 19,6% dos aci-dentes ocorridos, o período estimado de afas-tamento foi superior a 15 dias.

A Tabela 2 mostra a distribuição dos aci-dentados segundo a localização da lesão.Cabe ressaltar que dos 374 acidentes de tra-balho que acometeram os membros superio-res, 243 (64,97%) atingiram dedos e mãos.

Tabela 2 Distribuição dos acidentes de trabalho segundo a localização da lesão.

A Tabela 3 distribui os acidentes de traba-lho segundo os fatores envolvidos na ocor-rência imediata dos mesmos. Pode-se obser-

var um predomínio de acidentes de trabalhoenvolvendo objetos perfurocortantes (24,5%)e queda do trabalhador (22,4%).

Localização da lesão Acidentados Freqüência (%)Membros superiores 374 48,44Membros inferiores 179 23,20Sistemas e aparelhos 89 11,53Cabeça 72 9,32Tronco 39 5,05Pescoço 5 0,65Múltiplas localizações 14 1,81Total 772 100,00

capitulo perfil dos acidentes.p65 24/08/05, 13:4859

60 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

Tabela 3 Distribuição dos acidentes de trabalho segundo fatores relacionados aoprocesso causal.

Fatores do processo causal Acidentes Freqüência (%)Objeto perfurocortante 190 24,6Queda 173 22,4Prensa 92 11,9Corpo estranho 82 10,7Colisão 54 7,0Queda de objeto 52 6,7Esforço físico excessivo 44 5,7Queimaduras 33 4,2Choque com objeto 27 3,5Atropelamento 13 1,7Agressão 12 1,6Total 772 100,0

Discussão

Os resultados obtidos revelam um perfilde acidentados composto por trabalhadoresjovens, resultado este semelhante ao encon-trado por Almeida et al. (1993), em estudorealizado no município de Botucatu-SP, eSouza et al. (2002), em pesquisa realizadano município de Lages-SC.

Outro resultado encontrado em nosso es-tudo que se assemelha ao demais trabalhospublicados (Santos et al., 1990; Almeidaet al., 1993; Barata et al., 2000; Binder et al.,2001) é um amplo predomínio – superior a80% – de acidentes típicos, comparando-secom acidentes de trajeto e doençasocupacionais. Contudo, estes últimos nãodevem ser, em hipótese alguma, excluídosdos programas de atenção em saúde do tra-balhador.

O predomínio de ocorrência de acidentescom trabalhadores do gênero masculinoencontrado em nosso estudo também foraconstatado por outros autores (Santos et al.,1990; Almeida et al., 1993). Tal fenômenopode ser explicado pela natureza da ocupa-ção do gênero masculino, que apresenta umrisco maior, aliada ao fato de um maiornúmero de trabalhadores formais pertence-rem a este gênero.

Analisando os setores da economia, Binderet al. (2001) encontraram um predomíniode acidentes de trabalho relacionados ao

setor secundário, ao passo que, em nossoestudo, o setor produtivo que apresentoumaior prevalência de acidentes de trabalhofoi o setor terciário. Tal fato pode estar asso-ciado ao predomínio de diferentes atividadeseconômicas nas populações-alvo dos estudos.

Com relação ao tempo trabalhado e aomomento do acidente, observa-se uma ten-dência decrescente, exceção feita às 6ª e 8ªhoras, resultados semelhantes aos descritospor Almeida et al., em 1993, e por Souza etal., em 2002.

Avaliando a distribuição dos acidentes detrabalho segundo a localização da lesão,observa-se que aproximadamente metade dasocorrências ocasionou lesão em membrossuperiores e, destas, 2/3 atingiram a extremi-dade dos referidos membros – mãos e dedos.Estes números justificam a adoção de medi-das preventivas que visem à diminuição des-tes agravos.

Especial atenção deve ser destinada aos doisprincipais fatores relacionados ao processocausal dos acidentes de trabalho pesquisados:objetos perfurocortantes e quedas de traba-lhadores. Estratégias devem ser elaboradas eimplantadas observando essas variáveis, vi-sando a uma redução na ocorrência de aci-dentes de trabalho que envolvam esses fatores.

Em recente estudo realizado pela Comis-são Técnica de Segurança de Acidentes deTrabalho e Enfermidades Profissionais daAssociação Internacional de Seguridade So-

capitulo perfil dos acidentes.p65 24/08/05, 13:4860

61Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

cial (Schubert, 2001), a insuficiência, escas-sez ou falta de medidas e ações preventivasnesta área foram o resultado apontado pormais de 50% dos países pesquisados, demons-trando a real necessidade de planejamento eimplantação de programas preventivos naárea da saúde do trabalhador, inclusive vi-sando a uma redução na ocorrência de aci-dentes de trabalho.

Ainda a respeito dos programas e das es-tratégias desenvolvidos na área da saúde dotrabalhador, de modo especial àqueles queintencionam uma redução no número e nasseqüelas dos acidentes de trabalho, conside-ramos que devem ser desenvolvidos atravésde uma abordagem transdisciplinar e multipro-fissional, pautadas na promoção, na prote-ção, na recuperação e na reabilitação dasaúde dos trabalhadores, premissas contidasna conceituação de saúde do trabalhador ela-borada pelo Ministério do Trabalho (Brasil,2001).

Alguns pontos devem ser levados em con-sideração ao se efetuar a interpretação dosresultados, entre eles, a já mencionada subno-tificação que acomete os sistemas de registroe, em segundo lugar, como ressaltaramSampaio et al. (1998), há de se levar emconsideração que os dados coletados refe-rem-se somente aos trabalhadores assalaria-dos. Portanto, desconhece-se o que ocorre,em termos de acidentes de trabalho, ao gru-po de trabalhadores autônomos ou informais.

Conclusões

Em face aos resultados obtidos e com basena revista da literatura, parece-nos pertinen-te concluir que:

- Houve amplo predomínio de ocorrênciade acidentes típicos em comparação com aci-dentes de trajeto e doenças ocupacionais;

- Em relação ao gênero do acidentado, aprevalência é 4,5 vezes maior no gêneromasculino que no feminino;

- A média de idade dos trabalhadores aci-dentados foi de 32,42 anos;

- O pico de ocorrência de acidentes de tra-balho foi na primeira hora trabalhada;

- Os membros superiores foram as regiõesmais afetadas em virtude da ocorrência deacidentes de trabalho;

- Programas que visem a uma redução donúmero dos acidentes de trabalho e à mini-mização de suas seqüelas devem destinaratenção especial aos fatores desencadeantesmais prevalentes, neste caso, acidentes en-volvendo objetos perfurocortantes e quedasdos trabalhadores.

Agradecimento

À Fundação para o Desenvolvimento daUNESP – FUNDUNESP – pelo auxílio dispo-nibilizado à realização deste estudo.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, I. M.; BINDER, M. C. P.; &TOLOSA, D. E. R. Acidentes de trabalhono município de Botucatu-SP, 1990. Re-vista Brasileira de SaúdeOcupacional, v. 21, n. 80, 29-43, 1993.

BARATA, R. C. B.; RIBEIRO, M. C. S. A.; &MORAES, J. C. Acidentes de trabalho re-feridos por trabalhadores moradores emárea urbana no interior do estado de SãoPaulo em 1994. Informe Epidemio-lógico do SUS, v. 9, n. 3, 199-210,2000.

BINDER, M. C. P.; WLUDARSKI; S. L.; &ALMEIDA, I. M. Estudo da evolução dosacidentes de trabalho registrados pela Pre-vidência Social no período de 1995 a

1999, em Botucatu, São Paulo. Cader-nos de Saúde Pública, v. 17, n. 4, 915-924, 2001.

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Osnúmeros de acidentes do trabalho no Bra-sil – 1996/98. Disponível on line: <http://www.mpas.gov.br/ 12_05.htm> Aces-so em: 17/06/2002.

________. Ministério da Previdência Social.Regulamento dos benefícios da previdên-cia social: Decreto 2.172/97. Brasília,1997.

________. Ministério da Saúde. Programade Saúde do Trabalhador – Apresentação.Brasília, 2001.

capitulo perfil dos acidentes.p65 24/08/05, 13:4861

62 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 57-62, 2004

DEAN, A. G. et al. Epi Info, Version 5: aword processing, database, and statisticsprogram for epidemiology on micro-computers. Centers for Disease Control.Atlanta, Georgia, USA, 1990.

SAMPAIO, R. F. et al. Acidentes de trabalhoem Barcelona (Espanha), no período de1992-1993. Revista de Saúde Pú-blica, v. 32, n. 4, 345-351, 1998.

SANTOS, U. P. et al. Sistema de vigilânciaepidemiológica para acidentes de trabalho:experiência na zona norte do município deSão Paulo (Brasil). Revista de SaúdePública, v. 24, n. 4, 286-293, 1990.

SCHUBERT, B. Problemas actuales delseguro obligatorio de accidentesa escala mundial: una encuesta dela AISS. Suécia, 2001. 18p.

SOUZA, V.; BLANK, V. L. G.; & CALVO, M.C. M. Cenários típicos de lesões decor-rentes de acidentes de trabalho na indús-tria madeireira. Revista de SaúdePública, v. 36, n. 6, 702-708, 2002.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesqui-sa em ciências sociais: a pesquisaqualitativa em educação. São Pau-lo: Atlas, 1987. 175p.

capitulo perfil dos acidentes.p65 24/08/05, 13:4862

63Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 63-64, 2004

1 Instrução aos autores

1.1 Objetivo e política editorial

A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) é uma publi-cação científica da Fundacentro que se destina à divulgação decontribuições escritas na área de segurança e saúde do trabalhoe/ou das relações entre segurança e saúde do trabalho e o meioambiente.

As opiniões emitidas pelos autores são de sua inteira responsabi-lidade.

A publicação de artigos que trazem resultados de pesquisasenvolvendo seres humanos está condicionada ao cumprimentode princípios éticos e ao atendimento das legislações pertinentes aesse tipo de pesquisa no país em que foi realizada.

A reprodução total ou parcial dos artigos publicados é permitidamediante menção obrigatória da fonte e desde que não se destinea fins comerciais.

1.2 Normas de publicação

1.2.1 Modalidades de contribuições

Serão aceitas contribuições escritas para as seguintes modalida-des:

a) Artigo: contribuição destinada a divulgar resultados de pes-quisa de natureza empírica, experimental ou conceitual (até 56.000caracteres, incluindo espaços, mas excluindo tabelas, figuras ereferências).

b) Revisão: avaliação crítica sistematizada da literatura sobredeterminado assunto (até 56.000 caracteres, incluindo os espa-ços).

c) Resenha: relato de livro relacionado ao campo temático darevista, publicado nos últimos dois anos (até 11.200 caracteres,incluindo os espaços).

d) Carta: texto que visa discutir artigo recente publicado narevista (até 5.600 caracteres, incluindo espaços).

e) Nota: relato de resultados parciais ou preliminares de pesqui-sas relacionadas com a área temática da revista (até 5. 600caracteres, incluindo os espaços).

f) Opinião: parecer pessoal ou de um grupo sobre tópicoespecífico em saúde e segurança do trabalho.

g) Tradução: versão para o português de artigo ou revisão, derelevada importância, já publicado em outro idioma que não oespanhol, com a devida anuência do(s) autor(es) ou de quemdetêm seus direitos autorais.

2 Processo de julgamento das contribuições

Os trabalhos que atenderem às normas de publicação e respeita-rem a política editorial da RBSO serão avaliados pelo EditorCientífico que considerará o mérito da contribuição. Aprovadosnesta fase, os mesmos serão encaminhados aos consultores.

Cada trabalho será enviado para dois consultores de reconheci-da competência na temática abordada.

Com base nos pareceres emitidos pelos consultores, o EditorCientífico e/ou Conselho Editorial decidirá se é necessário que osautores efetuem alterações no trabalho para a publicação ou sea mesma será recusada, caso em que será emitida a devidajustificativa.

O anonimato será garantido durante todo o processo de julga-mento.

A redação da revista não se obriga a devolver os originais dostrabalhos que não forem publicados.

3 Preparo dos trabalhos

Serão aceitas contribuições em português ou espanhol.

É de responsabilidade do(s) autor(es) promover(em) as devidas

revisões gramaticais no texto encaminhado bem como se preocu-par com a obtenção de autorização de direitos autorais comrelação ao uso de figuras, tabelas, métodos, etc. junto a outrosautores ou editores, quando for o caso.

O texto deverá ser elaborado empregando-se fonte Times NewRoman, tamanho 12, em folha de papel branco, com margenslaterais de 3 cm e espaço simples e devem conter:

3.1 Página de rosto

a) Título na língua principal (português ou espanhol) e eminglês.

b) Nome e sobrenome de cada autor.

c) Instituição a que cada autor está filiado, acompanhado dorespectivo endereço.

d) Nome, endereço, telefone e endereço eletrônico do autorresponsável para troca de correspondência.

e) Se foi subvencionado, indicar o tipo de auxílio, o nome daagência financiadora e o respectivo número do processo.

f) Se foi baseado em tese, indicar título, ano e instituição onde foiapresentada.

g) Se foi apresentado em reunião científica, indicar o nome doevento, local e data da realização.

h) Local e data do envio do artigo.

i) Nome da modalidade da contribuição à qual está sendoproposto.

3.2 Corpo do texto

a) Título na língua principal (português ou espanhol) e em inglês

b) Resumo: Os manuscritos para as seções artigos, revisões eopiniões devem ter resumo na língua principal (português ouespanhol) e em inglês, com um máximo de 14 linhas.

c) Palavras–chave: Mínimo de 3 e máximo de 5 palavras-chavedescritoras do conteúdo do trabalho, apresentadas na línguaprincipal (português ou espanhol) e em inglês.

d) O desenvolvimento do texto deve atender às formas convenci-onais de redação de artigos científicos.

e) Referências bibliográficas: as referências bibliográficas citadasao longo do texto devem trazer o sobrenome do autor e ano dapublicação, como em Algranti (1998). No caso de citações commais de três autores, somente o sobrenome do primeiro autordeverá aparecer, como em Silva et al. (2000).

A exatidão das referências constantes da listagem e a corretacitação no texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do tra-balho. As referências citadas deverão ser listadas ao final doartigo em ordem alfabética e organizadas de acordo com anorma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)NBR 6023, versão de 2000. Os exemplos apresentados abaixotêm um caráter apenas de orientação e foram elaborados combase nessa norma:

ARTIGOS DE PERIÓDICOS

BAKER, L.; KRUEGER, A. B. Medical cost in workers compensationinsurance. Journal of Health Economics. New York, n. 14,531-549. 1995.

LIVRO

WALDVOGEL, B. C. Acidentes do trabalho: os casosfatais a questão da identificação e da mensuração.Belo Horizonte: Segrac. 2002. 192 p., 24cm (Coleção PRODATEstudos e Análises, v.1, n. 1, março 2002) ISBN 85-88669-02-01.

CAPÍTULO DE LIVRO

NORWOOD, S. Chemical cartridge respirators and gas masks.In: CRAIG, E.C.; BIRKNER, L. R.; BROSSEAU, L. Respiratory

Normas Geraispara Publicaçãode Artigos

paginas finais.p65 24/08/05, 13:5063

64 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 63-64, 2004

protection a manual and guideline. 2 ed. Ohio: AmericanIndustrial Hygiene Association, 1991, cap. 8.

TESE

BORGES, L. H. Sociabilidade, sofrimento psíquico elesões por esforços repetitivos entre caixas bancári-os. 1999. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde). Instituto dePsiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

RESUMO DE TRABALHO DE CONGRESSO

ALVES FILHO, J. P. Receituário agronômico: a construção de uminstrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvér-sia. In: SEMANA DA PESQUISA DA FUNDACENTRO, 4, SãoPaulo. Anais... São Paulo: Fundacentro, 2000. p. 53.

RELATÓRIO

FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO DE SEGURANÇA EMEDICINA DO TRABALHO. Relatório de Gestão 1995-2002.São Paulo, 2003. 97p.

RELATÓRIO TÉCNICO

ARCURI, A. S. A.; NETO KULCSAR, F. Relatório Técnico daavaliação qualitativa dos laboratórios do Departamento deMorfologia do Instituto de Biociências da UNESP. São Paulo.Fundacentro. 1995. 11p., 9 anexos.

ARTIGO E/OU MATERIA DE JORNAL

LEAL, L.. N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal doBrasil, p. 3, 25 abr. 1999.

CD ROM

ASH, M.; ASH, I. Fillers, extenders and diluents electronichandbook. New York. Synapse Information Resources. 1998.

FITA DE VÍDEO

Cenas da indústria de galvanoplastia. São Paulo: Fundacentro.1997. Fita cassete VHS/NTSC. 20 min., col.

DOCUMENTO EM MEIO ELETRÔNICO

BIRDS from Amapá: banco de dados. Disponível em < http://www.bdt.org> Acesso em 28 nov. 1998.

LEGISLAÇÃO

BRASIL. Lei n. 9.887, de 7 de dezembro de 1999. Altera alegislação tributária federal. Diário Oficial da República Federa-tiva do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1999.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federa-tiva do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

DECRETOS

SÃO PAULO (Estado) Decreto n. 48.822, de 20 de janeiro de1988. Dispõe sobre a desativação de unidades administrativas deórgãos da administração direta e das autarquias de Estado e dáprovidências correlatas. Lex- Coletânea de Legislação e Jurispru-dência. São Paulo. V. 63, n. 3, pp. 217-220, 1998.

f) Tabelas e quadros

Devem ser apresentadas em folhas separadas, numeradas conse-cutivamente com algarismos arábicos, na ordem em que foremcitadas no texto. A cada uma deve-se atribuir um título breve quepermita sua contextualização. Tabelas consideradas adicionaispelo editor não serão publicadas, mas poderão ser colocadas àdisposição dos leitores pelos respectivos autores mediante notaexplicativa em formato de arquivo eletrônico separado do texto.

Quadros são identificados como tabelas seguindo uma únicanumeração em todo o texto.

g) Figuras

As figuras (gráficos, fotos, esquemas, etc.) deverão ser enviadasem impressão de alta qualidade, em preto-e-branco e/ou diferen-tes tons de cinza e/ou hachuras e no formato de arquivo eletrôni-co separado do texto, com resolução da imagem não inferior a300 dpi.

h) Agradecimentos (opcional)

Contribuições de pessoas que prestaram colaboração intelectualao trabalho, com assessoria científica, revisão crítica da pesquisa,coleta de dados, entre outras, mas que não preenchem os requi-sitos para participar da autoria, devem constar dos “agradeci-mentos”, desde que haja permissão expressa dos nomeados. Tam-bém podem constar desta parte agradecimentos a instituições peloapoio econômico, material ou outro. Os agradecimentos devemvir após a relação das referências bibliográficas.

4 Envio dos trabalhos

Os trabalhos devem ser endereçados à Coordenação Editorial daRevista, em 3 vias e em disquete ou CD com arquivo extensão doc.no formato word.

Os trabalhos deverão vir acompanhados da declaração de res-ponsabilidade e de cessão de direitos autorais conforme modeloque se encontra no Portal da Fundacentro: www.fundacentro.gov.br– normas RSBO.

5 Endereço para envioFUNDACENTROSra. Elisabeth RossiCoordenação Editorial da RBSO / Divisão de PublicaçõesRua Capote Valente, 71005409 002 – São Paulo – CapitalNOTA: eventuais esclarecimentos poderão ser feitos via e-mail:[email protected] pelo fone: (11) 3066.6378 ou fax(11) 3066.6004.

Normas Geraispara Publicação

de Artigos

Sobre a RSBO: Composta em Futura / impressão em papel Cartão Supremo 250 g/m2(capa) e Offset 90 g/m2 (miolo), no formato 21x28 cm pela SantaClara Editora. Tiragem: 2.000 exemplares. Equipe de realização: coordenação editorial: Elisabeth Rossi; revisão de textos: Karina Penariol Sanches;foto da capa: Francisco Kulcsar Neto; diagramação da capa: Santa Clara Editora

Rua Capote Valente, 710São Paulo—SP

05409-002Tel.: 3066.6000

paginas finais.p65 24/08/05, 13:5064