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Tudo em vida se rende à morte Acostumado a organizar os cultos de falecimento no Centro Espírita ILÉ EGÚNGÚN EJÍBÀRABÀJÍ , Cristiano Gomes da Silva, 37 anos, Vindo de uma família que segue os preceitos do candomblé, o professor de lutas marciais não conteve a emoção. Era alguém próximo demais que estava sendo entre- gue a Itunlá (lugar para onde o espírito vai renascer na vida eterna). Apesar de haver uma festividade, é um momento sério. O ritual é inter- pretado como o desligamento do Àiyé (terra) para o Òrun (céu), e todas as pessoas vivas devem contribuir na passagem. O velório e o enterro prece- dem os três dias de ritual, onde é oferecido comida ao orixá guardião da- quele ser e entoam-se cantigas em yorubá (dialeto africano), com a in- tenção de esclarecer e evoluir o espírito que se foi. O costume, denomi- nado de axexê, ocorre uma única vez se o falecido for filho(a) de santo. Se for um pai ou mãe de santo, será realizado durante sete dias seguidos e, depois, repetido no primeiro, no terceiro, no sétimo, no 14º e no 21º ano para que todas as obrigações do finado com a casa espírita sejam feitas. Durante o período de luto, o templo suspende as atividades. A dura- ção pode ser de três meses, para um filho (a) de santo, ou de um ano, pa- ra um pai ou mãe de santo. A pausa é uma orientação dos orixás, e diz respeito à crença de que o espírito do falecido continua na instituição por um tempo, enquanto não completa seu caminho evolutivo. Inserido nesse contexto, Cristiano afirma que sua dor só não foi maior porque, até o momento de o caixão ser baixado, ele sentia a presença protetora do seu orixá. “Quando o enterro foi completado, eu tive um momento só meu em que desabei no choro”, rememora. “Na hora do carrego, quando entregamos a pessoa para o outro lado da vida, senti uma fraqueza, mas agora sou muito feliz por saber que meu pai ainda está presente do outro lado, ele não se acabou”. Hoje em dia, Cristiano e sua família são mais unidos. Continuam servindo os seus orixás para que, na passagem de um mundo para o outro, sejam recebidos por eles. “É uma preparação para o encontro com a ancestralidade”, conclui.

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Tudo emvida serende àmorte

Acostumado a organizar os cultos de falecimento no Centro EspíritaILÉ EGÚNGÚN EJÍBÀRABÀJÍ, Cristiano Gomes da Silva, 37 anos, Vindo de uma família que segue os preceitos do candomblé, o professor de lutas marciais nãoconteve a emoção. Era alguém próximo demais que estava sendo entre-gue a Itunlá (lugar para onde o espírito vai renascer na vida eterna).

Apesar de haver uma festividade, é um momento sério. O ritual é inter-pretado como o desligamento do Àiyé (terra) para o Òrun (céu), e todas aspessoas vivas devem contribuir na passagem. O velório e o enterro prece-dem os três dias de ritual, onde é oferecido comida ao orixá guardião da-quele ser e entoam-se cantigas em yorubá (dialeto africano), com a in-tenção de esclarecer e evoluir o espírito que se foi. O costume, denomi-nado de axexê, ocorre uma única vez se o falecido for �lho(a) de santo. Sefor um pai ou mãe de santo, será realizado durante sete dias seguidos e,depois, repetido no primeiro, no terceiro, no sétimo, no 14º e no 21º anopara que todas as obrigações do �nado com a casa espírita sejam feitas.

Durante o período de luto, o templo suspende as atividades. A dura-ção pode ser de três meses, para um �lho (a) de santo, ou de um ano, pa-ra um pai ou mãe de santo. A pausa é uma orientação dos orixás, e dizrespeito à crença de que o espírito do falecido continua na instituiçãopor um tempo, enquanto não completa seu caminho evolutivo.

Inserido nesse contexto, Cristiano a�rma que sua dor só não foi maiorporque, até o momento de o caixão ser baixado, ele sentia a presençaprotetora do seu orixá. “Quando o enterro foi completado, eu tive ummomento só meu em que desabei no choro”, rememora. “Na hora docarrego, quando entregamos a pessoa para o outro lado da vida, sentiuma fraqueza, mas agora sou muito feliz por saber que meu pai aindaestá presente do outro lado, ele não se acabou”. Hoje em dia, Cristiano esua família são mais unidos. Continuam servindo os seus orixás paraque, na passagem de um mundo para o outro, sejam recebidos por eles.“É uma preparação para o encontro com a ancestralidade”, conclui.