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Brasília a. 42 n. 166 abr./jun. 2005 23 1 – Introdução As agências reguladoras são de criação recente no Brasil. Surgiram na última meta- de da década de 90, fruto das transforma- ções do Estado brasileiro que passou a dar ênfase à sua função reguladora, interferin- do indiretamente na ordem econômica, ao invés da função de Estado produtor, inter- vindo diretamente nessa mesma ordem. No modelo de intervenção direta, quem fixa a política é o Poder Executivo, por meio de seus ministérios. No modelo regulatório, a política é fixada pelo Congresso Nacional por meio de lei. Nesse processo de transformação do Es- tado ocorreu a desestatização de parte da prestação de serviços públicos, notadamen- te nos setores de telecomunicações e ener- gia elétrica, e a flexibilização do monopólio do petróleo. Essa nova configuração do Estado pres- supõe, além da participação privada na prestação dos serviços públicos; a separa- ção das tarefas de regulação das de explo- ração de atividades econômicas que venham a remanescer; orientar sua intervenção para a defesa do interesse público; a busca do equilíbrio nas relações de consumo no setor O papel e o funcionamento das Agências Reguladoras no contexto do Estado brasileiro Problemas e soluções Alvaro Augusto Pereira Mesquita Trabalho final apresentado ao Curso de Especialização em Direito Legislativo realiza- do pela Universidade do Legislativo Brasilei- ro – UNILEGIS e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS como requisito para obtenção do título de Especialista em Direito Legislativo. Orientador: Prof. HENRIQUE SAVONITTI MIRANDA. Alvaro Augusto Pereira Mesquita é Supe- rintendente de Relações Institucionais da ANE- EL. Eng o Eletricista – UFPA. Pós-Graduado em Engenharia Econômica – UDF. Pós-Graduado em Direito Legislativo – UNILEGIS. Introdução; O Estado Regulador; As Agên- cias reguladoras no contexto internacional; As Agências reguladoras no Brasil; e Conclusões Gerais. Sumário

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1 – IntroduçãoAs agências reguladoras são de criação

recente no Brasil. Surgiram na última meta-de da década de 90, fruto das transforma-ções do Estado brasileiro que passou a darênfase à sua função reguladora, interferin-do indiretamente na ordem econômica, aoinvés da função de Estado produtor, inter-vindo diretamente nessa mesma ordem. Nomodelo de intervenção direta, quem fixa apolítica é o Poder Executivo, por meio deseus ministérios. No modelo regulatório, apolítica é fixada pelo Congresso Nacionalpor meio de lei.

Nesse processo de transformação do Es-tado ocorreu a desestatização de parte daprestação de serviços públicos, notadamen-te nos setores de telecomunicações e ener-gia elétrica, e a flexibilização do monopóliodo petróleo.

Essa nova configuração do Estado pres-supõe, além da participação privada naprestação dos serviços públicos; a separa-ção das tarefas de regulação das de explo-ração de atividades econômicas que venhama remanescer; orientar sua intervenção paraa defesa do interesse público; a busca doequilíbrio nas relações de consumo no setor

O papel e o funcionamento das AgênciasReguladoras no contexto do EstadobrasileiroProblemas e soluções

Alvaro Augusto Pereira Mesquita

Trabalho final apresentado ao Curso deEspecialização em Direito Legislativo realiza-do pela Universidade do Legislativo Brasilei-ro – UNILEGIS e Universidade Federal do MatoGrosso do Sul – UFMS como requisito paraobtenção do título de Especialista em DireitoLegislativo. Orientador: Prof. HENRIQUESAVONITTI MIRANDA.

Alvaro Augusto Pereira Mesquita é Supe-rintendente de Relações Institucionais da ANE-EL. Engo Eletricista – UFPA. Pós-Graduado emEngenharia Econômica – UDF. Pós-Graduadoem Direito Legislativo – UNILEGIS.

Introdução; O Estado Regulador; As Agên-cias reguladoras no contexto internacional; AsAgências reguladoras no Brasil; e ConclusõesGerais.

Sumário

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regulado, envolvendo usuários ou consu-midores e prestadores de serviços; e o exer-cício da autoridade estatal por mecanismostransparentes e participativos.

É nesse contexto, portanto, que surgemas agências reguladoras, órgãos criados porleis específicas na condição de autarquiasditas especiais, dotadas de autonomia ad-ministrativa, financeira e patrimonial umpouco mais amplas do que as demais autar-quias. Seus dirigentes são indicados peloPresidente da República e por ele nomea-dos, após aprovação pelo Senado Federal,para um mandato fixo e não coincidente,em geral de quatro anos, permitida uma re-condução e proibida a demissão imotivada.

As agências reguladoras foram idealiza-das para atuar num ponto eqüidistante emrelação aos interesses dos usuários, dosprestadores dos serviços concedidos e dopróprio Poder Executivo, de forma a evitareventuais pressões conjunturais, principal-mente quando as empresas estatais convi-vam com empresas privadas na prestaçãodo serviço público, como acontece nos seto-res de energia elétrica, petróleo e gás.

Passados quase seis anos da implanta-ção das agências reguladoras e com a as-sunção de um novo governo, vários temaspolêmicos surgiram sobre a atuação dessesórgãos, que vêm sendo debatidos pela aca-demia, por especialistas de direito público,políticos, agentes públicos e privados, pelopróprio governo e pela mídia, entre outros.Os debates envolvem, principalmente, temasrelacionados ao limite do poder regulamen-tador das agências vis-à-vis o direito brasi-leiro, ao grau de autonomia, ao controle aque devem estar submetidas, ao mandatode seus dirigentes e ao caráter constitucio-nal desses órgãos.

Nesse debate se vê, de um lado, aquelesque defendem o modelo de agências regula-doras como entes de Estado, com autono-mia administrativa, financeira e patrimoni-al e controle pelo Congresso Nacional e, deoutro, aqueles que defendem uma reduçãodessa autonomia pela atuação mais presen-

te do governo sobre esses entes, a reduçãode suas atribuições em favor dos ministéri-os e um forte controle social.

Esses debates ganharam maior impor-tância a partir da declaração do Presidenteda Republica, Luiz Inácio Lula da Silva, deque “terceirizaram o poder político no Bra-sil” – numa referência a atuação das agên-cias. Outros fatores impulsionadores dosdebates foram o forte contingenciamentoorçamentário imposto pelo governo federala esses entes; a instalação de grupo de tra-balho interministerial para estudar e pro-por ao Presidente da República a alteraçãona gestão, estrutura e competências dasagências reguladoras; a colocação em con-sulta pública, pelo governo, de dois ante-projetos de lei que refletem os estudos reali-zados pelo grupo de trabalho. O debate vol-tou a ganhar dimensão em 2004 com a edi-ção, em dezembro de 2003, da Medida Pro-visória (MP) no 155, dispondo sobre o planode carreiras das agências, e o envio pelogoverno ao Legislativo do Projeto de Lei no

3.337, de 2004, tratando da gestão, organi-zação e controle das agências reguladoras.Tal Projeto foi derivado dos anteprojetoscolocados em consulta pública.

Essas discussões vêm sensibilizando oCongresso Nacional que debate com inte-resse esses temas.

Foi efetivamente no Congresso Nacionalque se produziram as primeiras propostasconcretas visando a alterar ou aperfeiçoar ofuncionamento das agências reguladoras.Assim, encontram-se em tramitação nasduas Casas Legislativas 13 projetos de lei esete propostas de emenda à Constituição.

Outra iniciativa de parlamentares fede-rais foi a criação da Frente Parlamentar dasAgências Reguladoras, criando um espaçode debate mais organizado sobre o tema esendo um instrumento de diálogo com oPoder Executivo. A atuação da Frente noSenado colaborou para a aprovação deemendas ao Projeto de Lei de Conversão(PLV) no 15, de 2004, derivado da MP n o 155,mas que foram, na sua maioria, rejeitadas

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pela Câmara dos Deputados. A Frente con-tinua atuando debatendo o PL no 3.337, de2004, e a proposta de Substitutivo apresen-tada em junho deste ano pelo relator, Depu-tado Leonardo Picciani.

É diante desse quadro, sem a presunçãode se esgotar o tema, que se pretende desen-volver um estudo que analise o papel e aatuação das agências reguladoras no con-texto do Estado brasileiro, oferecendo con-tribuições para o debate. Assim, serão enfo-cados os temas polêmicos em discussão, apartir da opinião de especialistas e juristassobre a matéria e apresentadas algumas al-ternativas para o bom funcionamento des-ses entes, inclusive sua adequada inserçãono direito brasileiro, visando aos interessesmaiores da sociedade.

O estudo começa contextualizando oEstado regulador. Em seguida, faz uma abor-dagem das agências reguladoras em âmbi-to internacional para, depois, entrar na dis-cussão das agências no Brasil, focando nastrês primeiras agências criadas e que atuamem setores estratégicos da infra-estruturanacional, ou seja, a Agência Nacional deEnergia Elétrica (ANEEL), Agência Nacio-nal de Telecomunicações (ANATEL) e aAgência Nacional do Petróleo (ANP).

2 – O Estado Regulador

2.1 – Contextualização, objetivos einstrumentos

Para a adequada compreensão deste edos demais itens desse estudo, convém ca-racterizar bem a diferença entre a funçãoreguladora ou atividade regulatória e a fun-ção regulamentar ou regulamentação. Essadiferença faz-se importante, pois muitasvezes os vocábulos regulação e regulamen-tação são usados como sinônimos. Quandoisso acontece, a ação reguladora, muito maisampla, fica restrita ao seu caráter meramen-te normativo.

Enquanto que a função regulamentarconsiste em disciplinar uma atividade me-

diante a emissão de atos ou comandos nor-mativos, a função reguladora ou a regula-ção estatal, além de envolver a função regu-lamentar, envolve as atividades de fiscali-zação, de poder de polícia, adjudicatórias,de conciliação, bem como a de subsidiar erecomendar a adoção de medidas pelo po-der central no ambiente regulado. Como citaMarques (2003, p. 15) “sem essa completu-de de funções não estaremos diante do exer-cício de função regulatória”.

Quando se estuda ou se quer caracteri-zar o Estado regulador e o Estado provedorou produtor de serviços, ficam evidencia-das as duas formas de intervenção do Esta-do na ordem econômica.

A atuação do Estado regulador caracte-riza-se pela intervenção indireta do Estadona ordem econômica, regulamentando e fis-calizando a prestação de determinado ser-viço, inclusive serviços públicos, como for-ma de equilibrar os interesses dos usuáriosou consumidores e os do mercado, em proldo interesse público. Assim, só é efetiva aexistência da função reguladora do Estadoem um ambiente em que há a participaçãodo capital privado na prestação de serviçosde interesse da coletividade.

A atuação do Estado provedor ou pro-dutor de serviços caracteriza-se pela cha-mada intervenção direta do Estado na or-dem econômica, produzindo bens e servi-ços por meio de suas empresas, em sistemade monopólio ou em competição com a ini-ciativa privada.

Constata-se, portanto, que essas duasfunções do Estado não são excludentes ouincompatíveis. Podem se complementar ouestar mais presentes uma ou outra dependen-do das necessidades da sociedade, da capa-cidade econômica do próprio Estado e da ver-tente política dominante, entre outros fatores.

A convivência dessas duas formas de in-tervenção do Estado no domínio econômicopode ser verificada no Estado brasileiro, emfunção do que prevê a Constituição de 1988.

A intervenção direta fica evidenciada noart. 173 da Constituição, in verbis:

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Ressalvados os casos previstosnesta Constituição, a exploração di-reta de atividade econômica pelo Es-tado só será permitida quando neces-sária aos imperativos da segurançanacional ou a relevante interesse co-letivo, conforme definidos em lei.

Já o art. 177, que disciplina o monopólioda União nas atividades do setor de petró-leo e gás, prevê a possibilidade de essas ati-vidades serem contratadas com empresasestatais e privadas, além de prever a criaçãodo órgão regulador do monopólio. Vê-se aí,claramente, a convivência das duas formasde intervenção.

A intervenção indireta do Estado ficamais evidente no art. 174 da Constituição,pois não só o caracteriza “como agente nor-mativo e regulador da atividade econômi-ca” como também dá a Ele, entre outras, asfunções de fiscalização.

Merecem também destaque as possibili-dades de intervenção do Estado brasileirono domínio econômico, capituladas no art.21, incisos XI e XII, da Constituição, já quetanto a exploração dos serviços de teleco-municações como a dos serviços e instala-ções de energia elétrica podem ser feitas di-retamente pela União ou mediante os ins-trumentos da concessão, autorização oupermissão. A possibilidade do uso dessesinstrumentos evidencia a intervenção indi-reta do Estado, pois os serviços em questão,de competência da União, poderão ser exe-cutados por particulares, mediante delega-ção. Nessa condição, aparece a necessida-de da ação reguladora do Estado. A própriaConstituição deixa isso claro quando esta-belece em seu art. 20, inciso IX, que a lei tra-tará da organização dos serviços de teleco-municações, bem como da criação do órgãoregulador setorial.

Abordando historicamente o tema, vê-seque o Estado regulador sempre existiu (Cf.Vital Moreira, 1997, p. 17-26). Mesmo naépoca do liberalismo econômico (séculoXIX), em que o mercado se auto-regulava, jáera colocado em prática o instituto da con-

cessão, que pressupõe a ação reguladora doEstado estabelecendo normas para mantera execução dos serviços, fiscalizando o cum-primento destas pelas concessionárias, po-dendo aplicar penalidades, intervir, retomara concessão por inadimplemento ou motivode interesse público e fazer a reversão debens.

No período intervencionista, iniciado emfins do século XIX, o Estado regulador apa-rece com evidência para corrigir o funcio-namento do mercado, já que este, auto-regu-lado, não fora capaz de criar os mecanis-mos de competição que favorecessem a ade-quada prestação do serviço aos usuários econsumidores. Assim, toda a economia pas-sa a ser regulada (Cf. Di Pietro, 2003, p. 32).

Já no início do século XX, ainda que exis-tindo a intervenção indireta do Estado pormeio da regulação, prepondera a interven-ção direta pela multiplicação de empresasestatais tanto nos Estados Unidos, como empaíses da Europa e da América Latina, emresposta à crise social surgida após a 1a

Guerra Mundial e à crise de 1929 nos Esta-dos Unidos. Como decorrência, o institutoda concessão ficou relegado a segundo pla-no. A intervenção indireta (regulação) atua-va mais na ordem econômica para evitarcartéis e qualquer forma de dominação domercado que prejudicasse a concorrência,enquanto a prestação de serviços públicosera praticamente feita pelo Estado. Caracte-rizou-se, portanto, a fase do Estado provi-dência, produtor de bens e serviços, deno-minado, nos Estados Unidos, de Estado doBem-Estar ou Estado Social.

É no período dito neoliberal, instauradonas décadas de 70 e 80 do século passado,sob a liderança dos Estados Unidos e Ingla-terra, que surge de forma preponderante oEstado regulador. As empresas estatais pas-sam a ser controladas pela iniciativa priva-da, num processo de desestatização, e há aquebra de monopólios estatais. O institutoda concessão retorna e se introduz algo denovo, a competição na prestação dos servi-ços públicos.

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Dessa forma, a atuação do Estado regu-lador é voltada para a criação de mecanis-mos que favoreçam a competição, onde pos-sível, ao mesmo tempo em que dá ao merca-do a liberdade para escolher os mecanismosmais adequados à prestação do serviço pú-blico concedido. Na ocorrência de monopó-lios naturais, a ação do Estado passa a sermais forte, com a regulação atuando parasimular uma virtual competição nesse am-biente. Nessa situação, prepondera a regu-lação econômica que busca introduzir umsinal de eficiência a ser perseguido pelosconcessionários prestadores de serviços.Aliado a isso, surgem novas formas de re-gulação incorporando a percepção dos usu-ários e consumidores nas regras estabeleci-das. Passa também a ser utilizado o instru-mento da mediação pelo Estado nas rela-ções entre usuários ou consumidores e osprestadores de serviço público. São, então,mecanismos e instrumentos que descaracte-rizam as formas impositivas presentes quan-do o Estado intervém diretamente na ordemeconômica. Nesse quadro, passam a convi-ver a regulação voltada para o mercado com-petitivo, a regulação pública, voltada para osmonopólios e ao exercício do poder de polí-cia, e a auto-regulação exercida pelos presta-dores do serviço. Esse sistema predomina atu-almente no mundo capitalista variando degrau dependendo dos governos.

2.2 – A moderna regulação

A ação moderna do Estado regulador nãopressupõe substituir a forma de interven-ção direta do Estado na ordem econômica.O que é relevante na ação reguladora doEstado é a separação entre os entes opera-dores estatais e o ente regulador do respec-tivo setor, criando condições para que ope-radores estatais e privados compitam entresi, sob as mesmas regras, de forma a ofere-cer um serviço adequado a usuários e con-sumidores – qualidade e preços justos.

Segundo Marques (2003, p. 12),é essencial à noção de moderna regu-lação que o ente regulador estatal dia-

logue e interaja com os agentes sujei-tos à atividade regulatória buscandonão apenas legitimar a sua atividade,como tornar a regulação mais qualifi-cada, porquanto mais aderente às ne-cessidade e perspectivas da socieda-de. Fruto da própria dificuldade doEstado, hoje, de impor unilateralmen-te seus desideratos sobre a sociedade,mormente no domínio econômico, faz-se necessário que a atuação estatal sejapautada pela negociação, transparên-cia e permeabilidade aos interesses enecessidades dos regulados. Portan-to, o caráter de imposição da vontadeda autoridade estatal (que impõe ointeresse público selecionado pelogovernante) dá lugar, na moderna re-gulação, à noção de mediação de inte-resses, no qual o Estado exerce suaautoridade não de forma impositiva,mas arbitrando interesses e tutelandohipossuficiências.

Dessa visão de Marques depreende-se anecessidade da atuação estatal reguladorabuscando o equilíbrio entre todos os inte-resses presentes no sistema regulado, emprol do interesse público contextualizadopela sociedade e consignado nas leis.

Portanto, o sucesso da ação reguladoraestatal passa a depender do equilíbrio entreos interesses privados e os objetivos de inte-resse público.

Nesse contexto, diferentemente do queocorreu no início do período neoliberal, aação do Estado regulador não significa ape-nas sua intervenção indireta no domínioeconômico (regulação econômica), mas tam-bém na ordem social (regulação social).

3 – As agências reguladoras nocontexto internacional

3.1 – Origem

As agências reguladoras têm sua origemhistórica nos Estados Unidos, em 1887, como início do período intervencionista do Es-

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tado (intervenção por meio da regulação),após o liberalismo, para enfrentar os mono-pólios e a concorrência desleal então feroz-mente conduzidas pelas ferrovias america-nas.

Foi, no entanto, a partir da ascensão deRoosevelt, em 1933, que houve a prolifera-ção das agências denominadas IndependentRegulatory Comissions com as mesmas preo-cupações, mas ampliadas para outros seto-res da economia – o controle monopolista ea concorrência desleal nos diversos merca-dos.

3.2 – Caracterização

Nos Estados Unidos existem três tiposde agências: agências reguladoras indepen-dentes – Independent Regulatory Comissions;agências reguladoras quase independentes;e as agências executivas.

As Agências Reguladoras independen-tes (Independent Regulatory Commission), naterminologia mais usual do direito dos EUAsão entidades administrativas autônomase altamente descentralizadas, com estrutu-ra colegiada, sendo os seus membros nome-ados para cumprir um mandato fixo do qualeles só podem ser exonerados em caso dedeslize administrativo ou falta grave (forcause shown). Esse é um dos principais ins-trumentos de proteção contra pressões polí-ticas. A duração dos mandatos varia deagência para agência e não raro é fixada emfunção do número de membros do colegia-do, de sorte que os membros de uma agên-cia composta de cinco Diretores (Commissi-oners) têm mandatos de cinco anos escalo-nados de tal maneira que haja uma vacân-cia a cada ano. A nomeação, inclusive a dopresidente do colegiado (Chairman), cabe aoChefe do Executivo com a prévia aprovaçãodo Senado. A independência dessas agên-cias pressupõe, também, a discricionarieda-de técnica por terem suas posições basea-das em critérios puramente técnicos.

As agências de regulação independen-tes, caracterizam-se também pela especifici-dade, pois atuam em setores específicos da

atividade econômica, principalmente emserviços públicos, tais como água, energiaelétrica, gás e telecomunicações.

As agências reguladoras independentesnão se confundem com as agências executi-vas. No direito dos EUA, as agências execu-tivas têm as mesmas características jurídi-cas das autarquias no Brasil. São entidadesadministrativas dotadas de personalidadejurídica própria, criadas por lei com a atri-buição de gerenciar e conduzir, de formaespecializada e destacada da Administra-ção Central, um programa ou uma missãogovernamental específica. Apesar de goza-rem formalmente de autonomia funcionalno setor específico de atividades que lhe éatribuído, são entes vinculados à Adminis-tração Central, estão sujeitas à supervisão eà orientação do Presidente e do Ministro deEstado (Secretary) responsável pelo setor emque se enquadra a respectiva atividade es-tatal. Mais do que isso, sua direção, em cujacúpula em geral (mas nem sempre) tem as-sento um único agente estatal, pode ser exo-nerada a qualquer momento pelo Presiden-te, embora para a nomeação seja invariavel-mente imprescindível a aprovação do Sena-do.

Constata-se, portanto, que o fator decisi-vo de distinção entre uma Executive Agencye uma Independent Regulatory Commissionreside no seu relacionamento com o Chefedo Executivo. Se o Presidente dos EUA temtotal controle sobre as agências executivas,tendo competência legal para ditar-lhes apolítica a ser seguida e até mesmo exonerara qualquer momento os seus dirigentes, omesmo já não ocorre em relação às agênciastipicamente reguladoras, que são indepen-dentes no estabelecimento da regulamenta-ção do setor de atividade governamental quelhes é atribuído por lei, gozando os seus di-retores, para tanto, de estabilidade funcio-nal garantida pelo fato de a nomeação serefetivada para um mandato fixo.

O modelo norte-americano de agênciasreguladoras acabou por influenciar os de-mais países que copiaram ou adaptaram esse

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modelo introduzindo-o na estrutura admi-nistrativa do Estado.

4 – Contextualização das agênciasreguladoras no Brasil

4.1 – Surgimento das agências

Como visto no capítulo 2, item 2.1, a Cons-tituição de 1988 deu ao Estado brasileiro apossibilidade de ser mais ou menos inter-vencionista. Em outras palavras, ser maisou menos regulador.

As transformações ocorridas no final dadécada de 80 do século passado com a que-da do muro de Berlim e a globalização nassuas vertentes econômica, política e cultu-ral, provocaram mudanças na forma de atu-ação do Estado em grande parte das nações.Essas mudanças privilegiaram a forma deintervenção indireta do Estado em detrimen-to da intervenção direta, ambas discutidasno capítulo 1.1 anterior.

No Brasil não foi diferente. A partir de1995, tem lugar entre nós o fortalecimentodo papel regulador do Estado. Note-se quenão houve um desaparecimento absoluto daintervenção direta; apenas, esta foi reduzi-da como por exemplo nos setores de energiaelétrica e de petróleo e gás em que, apesarda participação de capital privado, conti-nuaram a atuar as empresas estatais. A ex-ceção é o setor de telecomunicações, total-mente operado por empresas privadas me-diante os instrumentos da concessão, auto-rização e permissão.

É nesse contexto que são criadas, no Bra-sil, as chamadas agências reguladoras comosendo um instrumento de atuação do Esta-do regulador que foi desenhado tendo emconta os pressupostos da moderna regula-ção, tratada no capítulo 2, item 2.2, desteestudo.

Os primeiros setores a terem agênciasreguladoras foram os de energia elétrica, te-lecomunicações e o de petróleo e gás. Foramcriadas a Agência Nacional de Energia Elé-trica (ANEEL), em dezembro de 1996, a

Agência Nacional de Telecomunicações(ANATEL), em julho de 1997, e a AgênciaNacional do Petróleo (ANP), em agosto de1997.

4.2 – Características e funções básicas

As agências reguladoras no Brasil asse-melham-se às agências independentes nor-te-americanas quanto às suas característi-cas e funções, descritas no capítulo 3, item3.2, deste estudo. O termo “agências” deri-va também do direito americano.

A figura das agências reguladoras nãofaz parte da tradição constitucional brasi-leira. Apenas algumas agências foram pre-vistas na Constituição Federal de forma es-pecífica, como é o caso da ANATEL e daANP, denominadas de órgãos reguladores.A primeira vez que a denominação “agên-cia reguladora” surgiu na legislação foiquando da edição da MP no 155, de 2003,que instituiu o plano de carreiras dessesentes. A legislação conferiu às agências re-guladoras brasileiras o formato jurídico deautarquias especiais, de forma a poderemser classificadas entre os entes da adminis-tração pública previstos na ConstituiçãoFederal e no Decreto-lei no 200, de 1967. Porserem autarquias, devem ser criadas por lei,como determina o art. 37, XIX, da Constitui-ção. Em razão do princípio da simetria, suaextinção também só pode se dar mediantelei específica e por motivos de interesse pú-blico

A palavra “autarquia” origina-se do gre-go “autárkeia”, qualidade do que executaqualquer coisa por si mesmo. O Decreto-leino 200, de 1967, define em seu art. 5o, incisoI, autarquia como:

o serviço autônomo, criado por lei,com personalidade jurídica, patrimô-nio e receita próprios para executaratividades típicas da AdministraçãoPública, que requeira, para seu melhorfuncionamento, gestão administrati-va e financeira descentralizada.

As autarquias são, portanto, pessoas ju-rídicas de direito público, criadas por lei,

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com autonomia patrimonial, financeira e degestão, sem subordinação hierárquica, sobcontrole estatal e atribuições especificadasna lei de criação.

As agências reguladoras são reputadasautarquias “especiais” por possuírem ca-racterísticas peculiares, são elas: a) poderregulador (normativo ou regulamentador,fiscalizador, poder de polícia e mediador)como caracterizado no capítulo 2, item 2.1;b) independência política dos seus dirigen-tes, investidos de mandatos e estáveis nocargo por determinado prazo (são eles indi-cados e nomeados pelo Presidente da Re-pública após aprovação pelo Senado; c) in-dependência decisória, na medida em quesuas decisões não são passíveis de recursoshierárquicos; d) ausência de subordinaçãohierárquica; e) função de poder concedente,por delegação, nos processos de outorgasde concessão, autorização e permissão, nocaso das agências que atuam nos setores deinfra-estrutura, como aquelas mencionadasneste estudo.

O mandato dos dirigentes das agênciasterminará apenas em caso de renúncia, decondenação judicial transitada em julgadoou de processo administrativo disciplinar,sendo que a lei de criação de cada agênciapoderá prever outras condições para a per-da do mandato (art. 9o da Lei no 9.986/2000).

4.3 – Ações e resultados esperados daatuação das agências

Caracterizado o Estado regulador e asagências reguladoras como um dos princi-pais instrumentos dessa função do Estado,cabe agora analisar o que deve se esperarda atuação desses entes, por investidores,usuários, consumidores e a própria socie-dade, para que todos ganhem e o interessepúblico derivado da sociedade seja satisfei-to.

Para os usuários e consumidores e a pró-pria sociedade, a atuação das agências deveestar voltada primordialmente para: a) agarantia dos seus direitos, devidamente ex-

plicitadas em regulamento e nos contratosde concessão de serviços públicos; b) a prá-tica de tarifas ou preços justos; c) a melhoriacontínua da qualidade do serviço e do aten-dimento prestado pelos concessionários; d)o desenvolvimento tecnológico e práticaseficientes que contribuam para a modicida-de tarifária; e) a proteção ao meio ambiente;f) a implementação das políticas setoriaiscomo a universalização dos serviços; e g) aatuação descentralizada, de forma a apro-ximar a ação reguladora dos consumidoresou usuários.

Para os investidores ou operadores (con-cessionários), a atuação das agências regu-ladoras deve repercutir em: a) regras clarase estáveis; b) remuneração adequada de seusinvestimentos; e c) cumprimento dos con-tratos e dos regulamentos.

Para que essas expectativas se configu-rem, é necessário que as agências tenhamem conta nas suas ações o seguinte: a) equi-líbrio de interesses (neutralidade); b) trata-mento isonômico; c) prestação de contas; d)transparência; e) imparcialidade; f) gestãoágil e eficiente; g) credibilidade; h) partici-pação de usuários ou consumidores e ope-radores no processo regulatório; i) diálogo ecomunicação permanente com todos os seg-mentos que interajam com o setor regulado.

Uma questão que indubitavelmente sur-ge dessa análise é se as agências vêm aten-dendo a essas expectativas, a partir da im-plementação das ações que lhes são própri-as e aqui identificadas.

A resposta a essa questão é a de que asagências vêm atendendo em parte as expec-tativas que a sociedade deve esperar da atu-ação desses entes. É possível identificar re-sultados positivos da atuação das agênciascomo: aumento dos investimentos nos seto-res regulados (eletricidade, telecomunica-ções, petróleo e gás), ampliação do acessoaos serviços, principalmente nos setores detelecomunicações e de energia elétrica e amelhoria da qualidade do serviço, quandocomparado ao período anterior à desestati-zação. Por outro lado, falta às agências um

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plano de comunicação mais efetivo para quea sociedade possa melhor compreender seuspapéis e delas cobrar efetividade no proces-so de regulação. Outro ponto a destacar, vin-culado ao anterior, que necessita de maiorinvestimento pelas agências é o de reduzir eaté eliminar o desnível de informação exis-tente entre usuários e agentes regulados noprocesso de participação na atividade re-gulatória. Esses últimos, até pela obrigaçãoque tem com o Estado, estão bem mais pre-parados para esse processo. Outro ponto demelhoria diz respeito aos mecanismos detransparência. Apesar do reconhecido es-forço das agências em divulgar seus atos edecisões, faz-se necessário criar novos ins-trumentos que dêem maior visibilidade ecompreensão das ações das agências, dadaa heterogeneidade existente na sociedade emtermos de recursos e conhecimentos.

Nesse balanço geral, pode-se afirmar quea atuação das agências trouxe mais benefí-cios do que problemas para a sociedade. Aatuação efetiva desses entes reguladoresdependem, fundamentalmente da elimina-ção de entraves e problemas, externos aosmesmos, os quais serão analisados no capí-tulo seguinte, uns estruturais outros conjun-turais. Eliminados os principais entraves,as agências reguladoras terão plenas con-dições para dar à sociedade os benefíciosda moderna regulação.

4.4 – Problemas enfrentados

4.4.1 – Geral

Um problema que parece pouco relevan-te, mas que acaba por trazer inconvenientesàs agências reguladoras é o próprio termo“agência” para designar esses órgãos deEstado (Cf. MARQUES, 2003, p. 22).

A primeira inconveniência decorre dofato de que no direito americano o termoagencies é utilizado para designar tantosas agências independentes (independent re-gulatory agencies ou independent regulatorycommission) quanto às agências não dota-das das características dos órgãos regula-

dores (executive agencies). Isso acabou con-tribuindo para que alguns analistas,doutrinadores e mais recentemente o pró-prio governo federal defendessem a aplica-ção de mecanismos de controle para as agên-cias reguladoras, idênticos aos utilizadospara as agências executivas.

A outra inconveniência é a derivada datradição do termo “agência” no direito bra-sileiro para designar outros entes que nãoexercem a função reguladora, como as agên-cias de desenvolvimento e as agências defomento.

Por fim, a terceira crítica a denominaçãousada diz respeito ao não alinhamento dotermo com a designação utilizada na Cons-tituição para expressar os entes regulado-res. Assim é que a Constituição utilizou otermo “órgão” regulador e não agência, oque acarreta alguma desconformidade en-tre a Constituição e a legislação ordinária,que acabou consagrando o termo na MP no

155, de 2003.Isso pode ter contribuído, de certa for-

ma, para que o governo federal propusesseno Projeto de Lei que trata da gestão, orga-nização e controle das agências regulado-ras, a aplicação do contrato de gestão a es-ses entes de Estado. Como se sabe, o referi-do contrato na legislação brasileira é pró-prio para ser aplicado às denominadas agên-cias executivas, nos termos do disposto noart. 37, § 8o, da Constituição.

4.4.2 – Estruturação

As agências foram criadas sem um pla-no de carreiras para o seus quadros de pes-soal (técnicos e administrativos). Para quepudessem operar até que o plano de carrei-ras fosse criado e os concursos públicos re-alizados, a legislação permitiu que as agên-cias efetivassem contratação temporária depessoal.

Somente após dois anos e meio da im-plantação da primeira agência, foi publica-da a Lei no 9.986, de 2000, dispondo sobre agestão de recursos humanos dos entes re-guladores, incluindo o plano de carreiras.

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O regime de emprego público foi o ado-tado para a efetivação do pessoal concursa-do. Logo esse regime foi considerado incons-titucional, a partir de liminar concedida peloMinistro Marco Aurélio, em dezembro de2000, então presidente do Supremo Tribu-nal Federal (STF), ad referedum do conselhode ministros, sendo que o mérito ainda nãofoi julgado. Isso inviabilizou a realizaçãode concurso público pelas agências e a efe-tivação dos concursados da ANEEL, únicaagência a promover concurso público paraingresso de pessoal no regime de empregopúblico. Como decorrência, houve a neces-sidade de prorrogação das contrataçõestemporárias, além de novas contrataçõesnesse regime.

Essa situação afetou sobremaneira o cli-ma organizacional, com prejuízo para o de-sempenho institucional das agências regu-ladoras. Outro fato originado deste foi a per-da de servidores treinados, ainda que tem-porários, para o mercado regulado, em fun-ção, principalmente, dos fatores remunera-ção, pelo lado dos servidores, e da compe-tência técnica percebida pelos agentes domercado.

Já no atual governo, foi editada, em de-zembro de 2003, a MP no 155 tratando doplano de carreiras das agências regulado-ras, fato relevante se não fosse, como dizemas próprias agências e especialistas, suainadequação em função de não atender àsexigências básicas inerentes aos entes regu-ladores, onde a qualificação técnica em se-tores complexos, como os de infra-estrutu-ra, exigem remuneração, entrada e ascen-são adequada na carreira.

Da referida MP derivou Projeto de Lei deConversão (PLV) no 15, de 2004, aprovadona Câmara, sem modificações substanciaisque permitissem uma melhoria acentuadado plano de carreiras, segundo avaliaçãofeita pelos mesmos segmentos.

No Senado, o referido PLV foi aprovadocom um conjunto de emendas que atendi-am grande parte das demandas das agênci-as reguladoras, mas no retorno do Projeto à

Câmara tais medidas foram rejeitadas. OProjeto aprovado, sem modificações subs-tanciais, deu origem a Lei no 10.871, de 20de maio de 2004.

4.4.3 – Independência e autonomia

Para a adequada compreensão de ondese situam os problemas relativos à indepen-dência e à autonomia, convém fazer umadiferenciação entre esses dois atributos, quese complementam e constituem pilares paraa atuação das agências. A importância des-sa distinção também faz-se necessária, poismuitos que discutem as agências colocamesses instrumentos sob uma mesma defini-ção.

Para tanto, utilizar-se-á a definição me-tafórica feita pelo professor Floriano deAzevedo Marques, Doutor em direito públi-co pela Universidade de São Paulo (USP),quando de sua exposição em evento naANEEL, em outubro de 2003.

De acordo com o conceito de Marques, oatributo da independência das agências éum avanço no regime geral de autonomiadas autarquias. O professor costuma ilus-trar para os seus alunos de graduação a di-ferença entre independência e autonomiafazendo a relação entre a imagem de umavião e a de um pássaro. O avião tem auto-nomia de vôo, que é ditada pelo quanto decombustível ele tem e pela característica daaeronave. Se em algum momento acabar ocombustível ou o avião deixar de ser abaste-cido, a sua  autonomia de vôo é zero. O pás-saro, por outro lado, tem independência, temliberdade de vôo, para ir de um lugar a ou-tro, vai descer no momento que cansar e vairetornar. Eventualmente, o pássaro não teráa capacidade para voar tão longe. Mas nãoé porque ninguém deixou de dar algo paraele; é porque ele não tem capacidade físicaou aerodinâmica de voar.

Em geral, a autarquia é o avião - tem au-tonomia de vôo, dependendo de quantocombustível se der, e poderá ser mais oumenos livre ou capaz de vencer distâncias.Compara-se aqui com as agências executi-

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vas. Mas, se num determinado momento, seresolve tirar o combustível o avião perde suaautonomia. A independência da agência éa do pássaro, aquela que é dada por lei. Pelalei da natureza, ainda que um pássaro nãoseja capaz de voar milhares de quilômetros,ele conseguirá voar uma dada distância,independente do combustível que alguémresolva lhe dar. É a lei natural que define,  apriori, quanto ele poderá voar. A agência seráindependente, à medida que a lei der com-petências para ela. Assim, no caso das agên-cias, tem-se, por exemplo, a independênciadecisória (instância administrativa final) ea independência política (mandato de seusdirigentes) complementadas pela autono-mia financeira (recursos advindos da taxade fiscalização recolhida pelos operadorese pagas pelo consumidor ou usuários natarifa), patrimonial e de gestão.

Essa visão de importância, ou até de no-vidade sobre a autonomia e a independên-cia das agências, não é um consenso. Al-guns administrativistas, como Celso Anto-nio Bandeira de Melo, criticam esses atribu-tos afirmando que “independência adminis-trativa”, “ausência de subordinação hierár-quica” e “autonomia administrativa” sãoelementos intrínsecos à natureza de toda equalquer autarquia, nada acrescentando aoque lhes é inerente. Portanto, nada de espe-cial existiria no instituto das agências regu-ladoras, segundo o doutrinador. O que ocor-reria seria um grau mais ou menos intensodesses caracteres.

A par dessa discussão, a primeira pro-blemática com relação à independência sur-ge com a ANEEL, por ter sido a primeiraagência a ser criada.

Enquanto a lei que criou a ANATEL (Leino 9.472, de 1997) estabelece que cabe à agên-cia implementar a política para o setor detelecomunicações, claramente definida namesma lei, a legislação que criou a ANEEL(Lei no 9.427, de 1996) estabelece que a fina-lidade do órgão regulador é “regular e fis-calizar a produção, transmissão, distribui-ção e comercialização de energia elétrica, em

conformidade com as políticas e diretrizesdo governo federal”. Ou seja, para o setor detelecomunicações tem-se a política setorialdefinida em lei, pactuada entre os PoderesExecutivo e Legislativo, a qual deverá serimplementada pela ANATEL, enquantopara o setor elétrico é dada uma delegaçãolegislativa, por lei, ao Executivo para fixaras políticas que a ANEEL deverá seguir.Como disse o Ministro Nelson Jobim em suapalestra no seminário “Quem controla asagências reguladoras de serviços públi-cos?”, realizado em 2001:

É preciso deixar claro que o grau de in-dependência vai decorrer, exatamente, donível de clareza dos objetivos. Se tivermosobjetivos fixados exclusivamente pelo Go-verno, o nível de independência da agênciaé próximo a zero.

Em outras palavras, a ANEEL está sobas rédeas do Poder Executivo e não sob asrédeas da lei.

Um outro problema com relação à inde-pendência, apesar de aparentemente resol-vido, diz respeito aos mandatos dos diri-gentes das agências. Com a assunção doatual governo, abriu-se uma discussão so-bre a legalidade de o Presidente da Repú-blica, eleito pelo voto popular, nomear osdirigentes das agências, ainda que em vi-gência os mandatos dos atuais dirigentes.Apesar de o Supremo Tribunal Federal játer se posicionado a respeito, a partir do casoda Agência Estadual de Regulação dos Ser-viços Públicos Delegados do Rio Grande doSul (AGERGS), garantindo o mandato dosdirigentes e impedindo, assim, a demissãoimotivada, esse assunto é retomado quan-do o governo, de alguma forma, sente seusinteresses prejudicados em face do poderlegal das agências reguladoras. A legalida-de da interrupção do mandato dos dirigen-tes das agências reguladoras tem guaridana posição de juristas conceituados comoCelso Antonio Bandeira de Melo que defen-de a legalidade da medida.

No entanto, essa questão parece estarsuperada na medida em que o Projeto de Lei

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sobre as agências reguladoras, encaminha-do pelo governo ao Congresso Nacional,preserva o mandato dos dirigentes.

Na questão da autonomia, o problemamais grave está nos contingenciamentosorçamentários e financeiros e na submissãodas agências às normas gerais da Adminis-tração Pública Federal. É bem verdade, nes-se último caso, que muitas das agências dei-xaram de editar seus procedimentos de ges-tão, o que as obrigou a adotar as normasgerais.

Especificamente sobre o contingencia-mento, agências como a ANEEL e a ANA-TEL têm como fonte de receita os recursosprovenientes da taxa de fiscalização, reco-lhida pelos prestadores de serviço (conces-sionários, autorizados e permissionários) epaga, nas tarifas, pelos consumidores e usu-ários. Por ser uma taxa, requer a contrapres-tação dos serviços pela agência nos termosdefinidos nas suas leis de criação. Assim, ocontingenciamento orçamentário imposto àsagências implica que os consumidores ouusuários ficam sem usufruir a plenitude dosserviços, como, por exemplo, a fiscalizaçãoe o tratamento adequado de suas reclama-ções. Por outro lado, pelo ordenamento jurí-dico (Lei de Responsabilidade Fiscal), a taxase caracteriza como recurso vinculado, nãopodendo ser aplicada em objeto diferentedaquele para a qual foi criada. Em outraspalavras, os recursos contingenciados ficamparalisados nas contas das agências, geran-do superávits que não são devolvidos aoconsumidor ou usuários e nem utilizadoscomo fonte de receitas nos orçamentos deexercícios seguintes. São valores que sãocontabilizados para o superávit primário.

4.4.4 – Aspectos jurídicos e constitucionais

Um dos problemas jurídicos que maistem gerado polêmica e tem sido objeto deestudos dos doutrinadores, principalmentedos administrativistas, é o poder regula-mentar das agências reguladoras em facedo princípio da legalidade, capitulado noart. 5o, II, da Constituição Federal (ninguém

será obrigado a fazer ou deixar de fazer al-guma coisa senão em virtude de lei).

De fato, a criação, por lei, de agênciasreguladoras dotadas da atribuição de ela-borar regras de observância obrigatória paraos agentes regulados, tem conduzido osoperadores do direito a dúvidas sobre a even-tual violação à garantia de que ninguém seráobrigado a fazer qualquer coisa, a não serem virtude de lei.

É do saber jurídico e está na Constitui-ção Federal, como aqui mencionado, que osparticulares podem fazer tudo aquilo que alei não lhes proíbe, ao passo que à Adminis-tração Pública só é lícito agir de acordo como que a lei expressamente autoriza. A dife-rença, portanto, reside em que a mera ine-xistência de proibição não basta para am-parar a licitude da conduta da Administra-ção Pública. Dessa forma, toda a atividaderegulamentar só tem validade se subordi-nada à lei.

No Brasil, devido à divisão constitucio-nal de poderes delineada pela Constituição,também não são concebíveis os chamadosregulamentos autônomos, que criam obri-gações à revelia da existência de lei, mas sóse permitem aqueles que se destinam a suafiel execução.

O professor Carlos Mário da Silva Vello-so analisa o mesmo problema à luz do direi-to positivo constitucional brasileiro:

O sistema constitucional brasilei-ro desconhece, em verdade, a figurado regulamento autônomo que aConstituição Francesa admite. Fomosbuscar, aliás, na Constituição da Fran-ça, de 1958, justamente no regulamen-to autônomo, inspiração para a insti-tuição, na Constituição Brasileira de1967, do decreto-lei. (CF, art. 55). Odecreto-lei, todavia, já ficou claro, nãose confunde com o decreto regulamen-tar. No Brasil, o regulamento é sim-plesmente de execução.

Nesse contexto, cumpre investigar pos-síveis respostas às questões aqui formula-das: a) Se só a lei pode criar obrigações, como

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justificar que, por meio de simples regula-mentação, possam as agências reguladorasimpô-las aos entes regulados? b) Seria pos-sível que o legislador delegasse sua funçãolegiferante a um órgão da Administração,sem ofensa ao Princípio da Separação dePoderes? c) Em que medida a possibilidadede constringir a liberdade de particularespor meio de instrumentos normativos infra-legais é compatível com o Estado de Direi-to? d) O poder regulamentar das Agências,atribuído ao seu órgão diretor, é inconstitu-cional em face da competência regulamen-tar privativa do Presidente da República, naforma do art. 84 da Constituição Federal?

Antes de enfrentar as indagações pos-tas, faz-se mister consignar que não exis-tem, ainda, respostas não contestáveis anenhuma delas. Alguns autores, contudo,vêm buscando explicações minimamenteaceitáveis dentro de uma perspectiva dog-mática do direito, com o propósito de man-ter íntegra a unidade do sistema fundadana legalidade.

Desse modo, recorre-se a J. J. Gomes Ca-notilho que denota:

As leis continuam como elemen-tos básicos da democracia política (...),mas deve reconhecer-se que elas setransformaram numa política públi-ca cada vez mais difícil, tornando in-dispensável o afinamento de uma te-oria geral da regulação jurídica. (...) Aidéia de que a lei é o único procedi-mento de regulação jurídico-socialdeve considerar-se ultrapassada (A.Rhinow, N. Achterberg, U. Karpen, E.Baden). A lei é, ao lado das decisõesjudiciais e das “decisões” da admi-nistração, um dos instrumentos da re-gulação social.

Na direção dessa mesma reflexão invo-ca-se o instituto da delegificação (Aragão,2002). Por este instituto, o legislador, no usoda sua liberdade para dispor sobre determi-nada matéria, atribui um largo campo deatuação normativa à Administração, quepermanece, em todo caso, subordinada às

leis formais. Os regulamentos, assim expe-didos, não podem revogar leis anteriores esão revogáveis por leis posteriores. Por isto,há o entendimento que não podem ser im-pugnados mediante o argumento de ter ha-vido delegação de poder legislativo – inte-gram o Direito positivo, mas não possuemforça de lei.

Por este entendimento, menciona Ale-xandre Santos de Aragão que

não há qualquer inconstitucionalida-de na delegificação, que não consisti-ria propriamente em uma transferên-cia de poderes legislativos, mas ape-nas na adoção, pelo próprio legisla-dor, de uma política legislativa pelaqual transfere a uma outra sede nor-mativa a regulação de determinadamatéria. E, com efeito, se este tem po-der para revogar uma lei anterior, porque não o teria para, simplesmente,rebaixar o seu grau hierárquico? Porque teria que direta e imediatamenterevogá-la, deixando um vazio norma-tivo até que fosse expedido o regula-mento, ao invés de, ao degradar a suahierarquia, deixar a revogação paraum momento posterior, a critério daAdministração Pública, que tem mai-ores condições de acompanhar a ava-liar a cambiante e complexa realida-de econômica e social?

Estas observações decorrem do princí-pio da essencialidade da legislação, peloqual, segundo J.J. Gomes Canotilho a teoriada legislação

deve contribuir para a clarificação daforma dos actos normativos, quer naescolha da forma entre os vários esca-lões normativos (exemplo: opção en-tre a forma legal ou a forma regula-mentar) quer dentro da mesma hierar-quia normativa (exemplo: opção porlei ou decreto-lei, decreto regulamen-tar ou portaria). Uma das orientaçõeshoje sugeridas é a de que, no planodas decisões estaduais, interessa nãosó ou não tanto o reforço da legitima-

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ção democrática, mas que a decisãoseja justa. A ‘justeza’ da decisão de-penderá, em grande medida, de se es-colher o ‘órgão’ mais apetrechadoquanto à organização, função e formade procedimento para tomar essa de-cisão.

Há, contudo, opiniões que sustentamque tal deslocamento de sede normativa sópode ser operado pela própria Constituição,isto é, que a liberdade do legislador, em umregime de Constituição rígida, não podechegar ao ponto de abrir mão dos seus po-deres, delegando-os. Para essa assertiva,pouco importaria que a Constituição vedeou não, expressamente, a delegação de po-deres, vez que a vedação decorreria da pró-pria divisão constitucional de competênci-as. Sendo assim, afirmam esses autores, adelegificação por via legislativa implicariaa derrogação infraconstitucional de compe-tências fixadas pelo Poder Constituinte.

No entanto, diante da existência de agên-cias reguladoras autônomas e independen-tes, é possível entender que, apesar de am-bas as posições possuírem grande plausibi-lidade, após um primeiro momento de per-plexidade por parte de setores da doutrinae da jurisprudência brasileiras, contumaz-mente infensos a mudanças de posições tra-dicionais, as necessidades práticas de umaregulação social ágil e eficiente irão, em umespaço de tempo não muito largo, impor oamplo acatamento do instituto da delegifi-cação, até porque, além das razões de or-dem prática, reveste-se de sólidos argumen-tos jurídicos.

Com efeito, devemos observar que o Po-der Legislativo, face à complexidade, dina-mismo e tecnicização da sociedade, tem dis-tinguido os aspectos políticos, dos de natu-reza preponderantemente técnica da regu-lação econômica e social, retendo os primei-ros, mas, consciente das suas naturais limi-tações, transpassando a outros órgãos ouentidades, públicas ou privadas, a normati-zação de cunho marcadamente técnico. Po-rém, mesmo nesses casos, resguarda o Po-

der Legislativo o balizamento e a coordena-ção destas regulações.

Nota-se, com isto, a grande conexão exis-tente entre os ordenamentos setoriais, asentidades reguladoras independentes e aproliferação de sedes normativas não par-lamentares, aí inclusas, com destaque, aspropiciadas pelas delegificações. Todos es-tes fenômenos constituem o reflexo no Di-reito da complexidade da sociedade contem-porânea.

A necessidade de descentralização nor-mativa, principalmente de natureza técni-ca, é a razão de ser das agências indepen-dentes, ao que se pode acrescer o fato dacompetência normativa integrar o próprioconceito de regulação.

Desta forma, parece que, em princípio,as leis criadoras das agências reguladorasimplicam, pelo menos em matéria técnica,em deslegalização em seu favor, salvo, logi-camente, se delas se inferir o contrário.

Neste sentido, Giuffrè (1999, p.187) sus-tenta que:

mesmo quando as entidades regula-doras independentes não tiveremsede constitucional, se deve admitirque a atribuição de funções de regula-ção e decisão, a serem exercidas pormeio do exercício conjunto de compe-tências normativas, executivas e con-tenciosas, a órgãos postos em umaposição, mais ou menos intensa dedistância ou separação do poder po-lítico-partidário, e caracterizados poruma elevada especialização no res-pectivo setor, demonstra como o ‘man-dato em branco’ conferido pelo Parla-mento a outros centros de competên-cia normativa representa a afirmaçãoda incapacidade do legislador emdominar, por si próprio, o complexocada vez menos decifrável dos inte-resses sociais.

Ressalta-se que, mesmo para os que nãoacolhem a delegificação por via legislativa,o instituto tem grande importância no Di-reito positivo brasileiro, já que, em diversos

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casos, é a própria Constituição que delegifi-ca matérias para entidades estatais e nãoestatais: em favor das entidades desporti-vas privadas (art. 217, I), dos órgãos regula-dores da prestação dos serviços de teleco-municações (art. 21, XI) e da exploração dopetróleo (art. 177, §  2o, III), das universida-des em geral (art. 207) etc.

Em todas essas hipóteses, por sua sedeconstitucional, tem-se uma reserva inques-tionavelmente legítima de poder normativodelegificado em favor de órgãos ou entida-des estranhas ao Poder Legislativo. E mais,como essas esferas normativas autônomasfundamentam-se diretamente no PoderConstituinte, estão protegidas contra as in-gerências que a elas venham a ser impostas,ressalvada, naturalmente, a incidência denormas da própria Constituição, mormenteas concernentes à Administração Pública, ea possibilidade de balizamento e coordena-ção de caráter político – não técnico – peloPoder Legislativo.

Finalmente uma observação deve ser fei-ta para evitar qualquer posição que, partin-do de uma interpretação literal e isolada doart. 84, inciso IV, da Constituição Federal,entenda que o poder regulamentar só possaser exercido pela administração central doEstado, em última instância, pelo Chefe doPoder Executivo.

Muitas vezes a lei confere poder regula-mentar a titular de órgão ou a entidade daAdministração Pública distinta da Chefiado Poder executivo. Trata-se, na expressãode Dantas (1953, p. 203) de “descentraliza-ção do poder normativo do Executivo” paraórgãos ou entidades “tecnicamente maisaparelhados”. Afirma ainda o grande juris-ta brasileiro, que:

o poder de baixar regulamentos, istoé, de estatuir normas jurídicas inferi-ores e subordinadas à lei, mas que nempor isso deixam de reger coercitiva-mente as relações sociais, é uma atri-buição constitucional do Presidenteda República, mas a própria lei podeconferi-la, em assuntos determinados,

a um órgão da Administração públi-ca ou a uma dessas entidades autô-nomas que são as autarquias.

Fixada a legitimidade da atribuição decompetência normativa a órgãos específicosda Administração Direta ou a entidades daAdministração Indireta, notadamente se ti-tulares de autonomia propriamente dita –descentralização material, independência –, a ingerência do Chefe do Poder Executivoneste campo normativo consistirá em viola-ção da respectiva norma legal ou constitu-cional.

4.4.5 – Controle

As agências são submetidas ao controledos três Poderes da União, Executivo, Le-gislativo e Judiciário, além do controle soci-al exercido pela sociedade por intermédiode organizações não governamentais dedefesa do consumidor, e do Ministério Pú-blico.

O grande problema existente está na su-perposição desses controles. Assim é que aSecretaria Federal de Controle e o Tribunalde Contas da União muitas vezes auditamos mesmos pontos. Isso acarreta o desloca-mento da já insuficiente força de trabalhodas agências para o atendimento às deman-das dos controladores em detrimento desuas atividades fim.

Um outro problema está no controle ju-dicial das decisões das agências, esse tal-vez mais sério, pois esse controle se dá noâmbito da primeira instância do judiciário,o que causa, invariavelmente, uma demorana manifestação da Justiça.

Esse é um problema atual, que não sóafeta as agências, mas o País de modo geral.Porém, torna-se mais grave no caso dasagências reguladoras, na medida em queestá se tratando de interesses de um univer-so enorme de usuários e de prestadores deserviço que investem vultosos recursosquando se trata de serviços públicos, bemcomo o risco de que uma decisão colegiada,tomada com base em variáveis técnicas, pos-sa ser questionada permanentemente por

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uma decisão de primeira instância, quepoderá levar vários anos até uma def-inição.

Um exemplo desse problema é o queacontece com as decisões da ANP no seg-mento de distribuição de revenda de com-bustíveis, onde uma quantidade enorme deliminares é expedida por Juiz Federal deprimeira instância, muitas vezes derruba-das em seqüência.

Outro aspecto importante nessa área decontrole que se apresenta como um proble-ma potencial é a proposta do governo fede-ral, contida no Projeto de Lei sobre as agên-cias, mantida na proposta de Substitutivodo relator, que define o contrato de gestãocomo mais um instrumento de controle e criaa figura do ouvidor, deslocado em parte desuas funções próprias para, na realidade,ser um fiscal do Poder Executivo atuandonas agências. A ação do ouvidor foi atenua-da no Substitutivo apresentado, mas aindanecessita de aprimoramentos.

Apesar de, na lei da ANEEL, estar con-signada a figura do contrato de gestão, esseinstrumento nunca funcionou na práticacomo meio de controle e até de relaciona-mento com o Poder Executivo. Por outrolado, o contrato de gestão foi idealizado exa-tamente para ampliar a autonomia de ór-gãos da Administração Pública, que nessecaso seriam enquadrados como agênciasexecutivas. Tendo em conta que as agênciassão por definição legal dotadas de uma “au-tonomia especial”, fica evidente que o con-trato de gestão é uma ferramenta não apli-cável às agências.

5 – Conclusões e recomendações

Do exposto, conclui-se que as agênciasreguladoras são instrumentos indispensá-veis para a ação do moderno Estado regula-dor, que cada vez ocupa mais espaço empaíses em desenvolvimento como o Brasilem função da necessidade crescente de ca-pital privado para o desenvolvimento eco-nômico e social.

A importância das agências regulado-ras é reconhecida, atualmente, quase de for-ma unânime. Basta ver algumas citações detrabalhos produzidos no próprio governoque, enquanto na oposição, tinha uma vi-são muito crítica e negativa desses órgãosde Estado.

Assim é que na “Proposta de ModeloInstitucional do Setor Elétrico” do Ministé-rio de Minas e Energia, recentemente apro-vada pelo Congresso Nacional, encontra-sea seguinte citação: “Para o bom funciona-mento do modelo, os seus organismos, emparticular a ANEEL, ( ......) deverão disporde recursos humanos e materiais suficien-tes e adequados, para o desempenho desuas funções”.

Por outro lado, o relatório do grupo detrabalho interministerial que estudou a re-formulação das agências tem as seguintescitações:

1) a presença das agências regula-doras é indispensável para o sucessodos investimentos privados, que sãocentrais para suprir o déficit de inves-timentos em infra-estrutura existenteno Brasil”. 2) “segundo o ordenamen-to jurídico do país, é eminentementefederal a responsabilidade de assegu-rar que, em diversos setores chaves,os serviços públicos sejam ofertadosna maior quantidade, melhor quali-dade e menor preço aos consumido-res. Isso aponta para a necessidadeda ANATEL, ANEEL, ANP ANTT,ANTAQ e ANA (...), serem preserva-das e fortalecidas;” e 3) “dentre asconseqüências de agências regulado-ras fortalecidas nos setores de infra-estrutura estão sua contribuição paraa diminuição do custo de capital nes-tes setores, com importantes reflexosnas tarifas finais e na própria dispo-nibilidade e acesso aos serviços.

Ainda que essas citações não correspon-dam exatamente ao que se vê das propostasde reestruturação das agências, esse reco-nhecimento é um avanço importante na con-

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solidação das agências reguladoras no Es-tado brasileiro. Mas, por tudo que foi abor-dado, cabem aperfeiçoamentos e desafiosimportantes a serem vencidos para essa con-solidação.

As recomendações a seguir vêm nessesentido, sem a pretensão de esgotá-las: a)dar abrigo constitucional às agências regu-ladoras introduzindo a visão do modernoEstado regulador, com vistas a eliminar aspolêmicas hoje existentes no meio jurídico;b) definir em lei um estatuto geral comumpara as agências reguladoras, diferencian-do aquelas que exercem função de Estadodaquelas que exercem função de governo; c)criar mecanismos adequados para a inte-gração das agências ANEEL, ANP e ANA-TEL, que atuam em ramos de infra-estrutu-ra que se inter-relacionam; d) controle juris-dicional das decisões das agências pelosTribunais Regionais Federais – necessida-de de Emenda Constitucional ao art. 108; e)controle social e político pelo CongressoNacional; f) aprimorar mecanismos detransparência de suas ações, como, porexemplo, a reunião da diretoria aberta aosinteressados como ocorre no Supremo Tri-bunal Federal; g) procuradoria própria aoinvés de vinculada à Advogacia-Geral daUnião; h) recursos humanos adequadamen-te remunerados – poderia se ter como base aremuneração dos servidores do Banco Cen-tral; i) ampliar ou instituir a descentraliza-ção das atividades das agências federaispara as agências de regulação dos estados;j) criar mecanismos de relacionamento como governo, mas que não sirvam de controle;k) ampliar o diálogo com os usuários ouconsumidores, os prestadores de serviço e asociedade; l) reduzir a assimetria de infor-mações hoje existente entre consumidoresou usuários e prestadores de serviço.

Entre os principais desafios para asagências reguladoras se impõem os seguin-tes: a) serem reconhecidas como instituiçõesque atendem ao interesse público; b) aten-der às expectativas dos consumidores ouusuários, investidores e sociedade; c) disse-

Referências

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minar a cultura da regulação; d)conquistara independência e a autonomia; e) contri-buir para delimitar as fronteiras entre agên-cias, governo e mercado.

Enquanto não se fizer um debate profun-do sobre o papel das Agências, eliminandoou minimizando o viés ideológico dos go-vernos, esses entes de Estado não poderãocumprir com efetividade suas funções deregular setores complexos como os de infra-estrutura, criando, assim, obstáculos impor-tantes para a atração de investimentos priva-dos que são reconhecidamente importantespara o desenvolvimento sustentável do País.

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