Rachel Weiss

download Rachel Weiss

of 23

Transcript of Rachel Weiss

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    1/23

    MANA 19(1): 157-179, 2013

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A

    ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO

    Raquel Andrade Weiss

    Introduo

    Neste ano em que se comemora o centenrio de publicao da mais contro-

    versa obra de mile Durkheim, Les formes lmentaires de la vie rligieuse,proponho investigar um dos conceitos mais complexos e menos definidos

    de seu pensamento, e que ocupa uma posio estrutural na referida obra.

    Trata-se do relevante e obscuro conceito de sagrado. Embora muito j tenhasido escrito sobre o assunto, h ainda importantes elementos a serem explo-

    rados e lacunas espera de serem preenchidas, e o presente artigo procuraoferecer uma contribuio em relao a esse processo.

    O ponto de partida da presente investigao foi precisamente o enfrenta-mento dessa questo por parte da literatura especializada, que permitiu que

    fossem identificadas as principais crticas e interpretaes em relao a esse

    conceito da teoria durkheimiana. Embora nem toda essa literatura aparea otempo todo de forma direta no texto, trata-se de uma interlocuo constante

    que ajudou a destacar paradoxos e aporias, a elucidar ideias e a definir a parte

    desse terreno que ainda estava espera de ser explorada. De modo geral, asduas principais referncias para o mapeamento do estado da arte dessa

    discusso em torno do sagrado foram a biografia intelectual escrita por StevenLukes (1973), na qual so sistematizadas e classificadas todas as crticas fei-

    tas at ento pela literatura ao referido livro de Durkheim, e a obra-prima deWilliam Pickering, Durkheims sociology of religion, que se mantm ainda hoje

    como uma das principais referncias, seno a principal, para o estudo desseaspecto da obra durkheimiana. Para consideraes mais pontuais sobre esse

    debate em torno do sagrado, diversos outros trabalhos foram considerados,ainda que no sejam citados de forma exaustiva no corpo do texto.1

    Mas, afinal, diante de toda essa gama de interpretaes e anlises, qual

    a contribuio do presente artigo? O que proponho aqui , primeiramente,realizar uma investigao sobre o sagrado, no tanto a partir de um esforo

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    2/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO158

    de reconstruo conceitual embora esta seja uma etapa necessria do pro-

    cesso mas, sobretudo, a partir de uma considerao do sagrado como um

    fenmeno real, e no apenas um conceito. Em outros termos, o que proponho tentar compreender em que consiste o sagrado enquanto um fenmenoreal e, em relao a isso, procuro identificar de que modo Durkheim oferece

    uma explicao para sua gnese ou, mais do que isso, de que modo podemosextrair de seus escritos uma teoria sobre a ontognesedo sagrado.

    evidente que a expresso no propriamente aplicvel a uma enti-

    dade que no possa ser considerada de fato como um ser vivo, uma vezque a ontognese consiste precisamente no processo de surgimento e de-

    senvolvimento de um organismo, desde sua fecundao at o momento emque se torna um indivduo desenvolvido por completo em sua composio

    orgnica. No entanto, acredito ser possvel tomar a ideia de ontognese como

    uma metfora adequada de modo perfeito para nos referirmos ao processoque pretendo aqui descrever e explicar, isto , no se trata apenas de iden-

    tificar a gnese lgica ou temporal do sagrado, mas de compreender todosos passos de seu desenvolvimento, at tornar-se um elemento constitutivo

    e essencial da vida social.Atravs deste artigo, ns nos propomos a entender o processo de for-

    mao do sagrado, mostrando que se trata de um fenmeno essencialmente

    social social em sua gnese, social em suas funes e social no que toca continuidade de sua existncia. Desse modo, o que est em questo aqui

    descobrir o que significa o social no contexto mais geral da teoria durkhei-miana, o que nos levar a um conceito nuclear de Les formes lmentaires,

    qual seja, o conceito de efervescncia. Alm disso, procurar-se- estabelecerconexes entre o sagrado e as dimenses da vida social que no coincidem

    plenamente com o fenmeno religioso: a dimenso inerente moral.

    O sagrado e a religio

    Embora eu tenha acabado de afirmar que o sagrado algo cuja extenso vai

    muito alm da prpria religio, no podemos ignorar o fato de que existeuma conexo intrnseca entre ambos, uma vez que o tratamento mais siste-

    mtico dado ao conceito de sagrado serve, sobretudo, para ajudar a elucidar

    sua concepo de religio. Desse modo, devemos dedicar alguma atenoa entender como o tema da religio figura em sua obra, desde seu incio atseu desenvolvimento na fase mais madura. Ao faz-lo, conseguiremos uma

    aproximao mais adequada com o tema que aqui nos interessa mais dire-

    tamente, e poderemos ter uma viso mais clara a respeito das complicaes

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    3/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 159

    conceituais e dos enigmas explicativos que rondam ambos os conceitos, e

    que constituem precisamente o pano de fundo para as questes que propo-

    nho discutir mais adiante.A primeira forma de registro mais sistemtico da preocupao de

    Durkheim em abordar sociologicamente os fenmenos religiosos data doano de 1894, quando ministrou seu primeiro curso sobre este assunto, cujo

    contedo foi parcialmente publicado em LAnne Sociologique, em um artigointitulado De la dfinition des phnomnes religieuses (Durkheim 1899).

    Segundo o prprio autor, foi apenas nesse momento de sua carreira que se

    tornou mais claro em que poderia consistir uma abordagem essencialmente

    sociolgica do fenmeno religioso.Nessa ocasio, Durkheim tomou contato com os trabalhos de RobertsonSmith e de outros autores de sua escola, em cujo mbito a religio j era con-

    siderada como um fenmeno social, que teria como funo manter a unidadedo grupo e garantir suas ideias fundamentais (Lukes 1973:207). Na verdade,

    ao propor um estudo que se concentrava nos rituais, Smith abriu caminho

    para uma abordagem alternativa quelas teorias psicolgicas da religio, comas quais Durkheim debate em seu livro. Retrocedendo quase uma dcada,

    em 1886, encontramos em seu pensamento uma viso significativamentemais restrita sobre a religio, em que ela era concebida apenas enquanto

    uma instituio social que existia com a funo de assegurar o equilbrio da

    sociedade, agindo como uma forma de disciplina social. Em escritos de 1887,esta questo aparece ainda de maneira apenas tangencial, no contexto mais

    geral de discusses sobre a sociedade, e seu papel definido como produtodo sentimento que vincula o indivduo ao ser social. Enfim, antes de 1895 no

    se encontra nenhuma formulao mais sistemtica a este respeito.Em De la dfinition des phnomnes religieuses, considerado como

    um texto pr-etnogrfico, Durkheim apresenta uma definio essencial-mente formal de religio, sustentada por uma srie de hipteses acerca danatureza deste fenmeno e de seu papel na sociedade, estabelecendo um

    conjunto de questes que deveriam ser investigadas pela sociologia dareligio. J em Les formes lmentaires, publicado em 1912, encontramos

    uma definio de religio diferente daquela de 1895, baseada em dadosetnogrficos de tribos australianas e calcada no conceito de sagrado. Mas

    qual a importncia desses dados? Em sua introduo, Durkheim props que

    se poderia chegar com maior facilidade ao conhecimento dos elementosfundamentais da religio se o olhar fosse inicialmente dirigido para formas

    mais simples desse fenmeno, em que tais elementos deveriam aparecer demodo mais puro e evidente. Por isso sua escolha da religio totmica, aquela

    em que esses elementos seriam mais facilmente apreensveis.

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    4/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO160

    Antes disso, tanto a religio quanto o sagrado, e at mesmo Deus erammenes frequentes em seus textos sobre a moral, mas eles nunca eram sufi-

    cientemente explicados. No texto que ficou conhecido como o artigo sobre aRevoluo (Durkheim 1890), por exemplo, vemos figurar todas essas expres-

    ses, mas o conceito de sagrado no explicado, nem h qualquer afirmao

    sobre sua relao com o de profano, assim como a ideia de religio apenasum modo de se referir a algo que objeto de f, que baseado em determi-

    nadas crenas e sustentado por diferentes ritos, mas no se v o argumento,introduzido em Les formes, de que a religio pressupe tambm o conceito

    de Igreja. Para que tenhamos uma ideia melhor a respeito da diferena entre

    esses registros, vamos record-los: Uma religio um sistema solidrio decrenas e de prticas relativas s coisas sagradas, isto , separadas, interditas,

    de crenas e prticas que unem em uma mesma comunidade moral, chamadaIgreja, todos aqueles que a ela aderem (Durkheim 1968:65).

    Ora, em Lducation morale,a ideia de religio no se parecia em nadacom isso, sendo introduzida apenas como a forma mediante a qual as ideias

    morais sempre se apresentaram aos homens, de modo que entender o que a moral em si mesma pressupunha descobrir o que havia de essencial na

    moral que se apresentava sob smbolos religiosos. Ou ainda, no texto sobre

    o caso Dreyfuss (Durkheim 1898), vemos Durkheim referir-se ao individua-lismo como uma religio, ao afirmar que tal moral no simplesmente uma

    disciplina higinica ou uma sbia economia da existncia; uma religiona qual o homem , ao mesmo tempo, seu fiel e seu Deus.

    Em relao a isto, sugiro a interpretao de que no se trata de de-

    finies contraditrias de religio e de sagrado. Tudo nos leva a crer quepossamos afirmar, ao menos a partir de 1895, a existncia de uma definio

    ampla tanto de religio como de sagrado, e de uma definio restrita,que aquela apresentada em Les formes lmentaires, na qual a religio

    tomada como um fenmeno sociolgico composto de crenas e ritos e querene os fiis em torno de uma Igreja, enquanto o sagrado definido sempre

    em relao ao profano, e passa a ser o elemento central de constituio da

    religio. A definio ampla menos rigorosa, e aceita sob essa designaouma pluralidade maior de situaes; o que permite se referir ao culto ao

    indivduo como uma religio propriamente dita.Mas ela no necessariamente oposta definio restrita. importante

    que se tenha em mente esse duplo registro, para que se evite avaliar os argu-mentos pr-Formes lmentaires a partir de definies que s foram elaboradas

    depois. Mas tanto num caso como no outro, o que mais essencial que a

    religio e o sagrado so concebidos como fenmenos essencialmente sociais,que s na aparncia nos vinculam a um mundo supramundano, isto , dizem

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    5/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 161

    respeito a um mundo que aparece como transcendente para o indivduo, mas uma transcendncia mundana, pois ambos so profundamente enraizados

    na realidade social. Se nos primeiros textos isto aparecia mais como uma hi-ptese ou como uma afirmao baseada em comparaes metafricas, no livro

    publicado em 1912 isto passa a ser explicado com muitos detalhes, inclusive

    com a utilizao de dados fornecidos pelos relatos etnogrficos.Vamos nos concentrar agora nas consideraes apresentadas em

    Les formes lmentaires,que so baseadas na afirmao de que a corretaapreenso do fenmeno religioso depende da anlise de suas partes mais

    elementares, quais sejam, as crenas e os ritos, definidos sumariamente no

    trecho a seguir:

    Os fenmenos religiosos se dividem naturalmente em duas categorias funda-

    mentais: as crenas e os ritos. Os primeiros so estados de opinio, consistem

    em representaes; os segundos so modos de ao determinados. Entre estas

    duas classes de ao determinadas existe toda a diferena que separa o pensa-

    mento do movimento (Durkheim 1968:68).

    De modo geral, as crenas so formas de representar e de classificar o

    mundo, que cristalizam as ideias que se tem a respeito das coisas, a respeitode sua ordem e de seu valor, enquanto o rito um tipo particular de ao que

    se distingue das demais em virtude da natureza especial de seu objeto. Porenquanto, so as crenas que nos interessam particularmente, pois so elas

    que circunscrevem o domnio do sagrado e do profano. Ao afirmar que a crena

    uma forma de classificao, j podemos perceber que, ao menos no livro emquesto, o par conceitual sagrado/profano ummodo de classificao, um

    modo de diviso do mundo que existe em todo pensamento religioso, e aquique encontramos pela primeira vez no livro a ideia de sagrado:

    Todas as crenas religiosas conhecidas, sejam elas simples ou complexas, apre-

    sentam uma mesma caracterstica comum: elas supem uma classificao das

    coisas que o homem representa para si mesmo, sejam elas reais ou ideais, em

    duas classes, em dois gneros opostos, designados geralmente por dois termos

    distintos que so muito bem traduzidos pelas palavras profano e sagrado. Este

    o trao distintivo do pensamento religioso, a diviso do mundo em dois dom-

    nios, um que compreende tudo o que sagrado, e outro que compreende tudo

    o que profano; as crenas, os mitos, os gnomos, as lendas so representaes

    ou sistemas de representaes que exprimem a natureza das coisas sagradas, as

    virtudes e os poderes que lhes so atribudos, sua histria, suas relaes umas

    com as outras e com as coisas profanas (Durkheim 1968:68).

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    6/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO162

    A crena um elemento bsico do fenmeno religioso, e aquilo que hde mais fundamental nela a diviso entre todas as coisas como sagradas

    ou profanas, isto , a crena fundamental no a existncia de um deus, devida eterna ou qualquer outra coisa, mas uma representao a respeitodo carter dual do mundo, de modo que tudo aquilo que constitui objeto

    de adorao sempre algo sagrado: o sagrado anterior ideia de Deus,o que amplia a prpria noo de religio, englobando sistemas de crenas

    que no tm uma deidade, como, por exemplo, o budismo. por isso que

    Pickering afirma que para Durkheim, no corao de cada religio est osagrado (Pickering 2009:115). o sagrado que define a religio, e no a

    religio que define o sagrado, ou seja, toda religio possui um sistema decrenas que ordena o mundo a partir de sua viso sobre o que sagrado e

    o que profano, mas a dimenso do sagrado como aquilo que superior einviolvel no depende de uma religio.

    O que curioso em relao a esse conceito que ele consiste no elemento

    mais importante do livro, mas no encontramos definies satisfatrias a seurespeito. Porm, ele que constitui a essncia das crenas e tambm dos ritos,

    e todas as explicaes sobre o carter extraordinrio dos sentimentos coletivosso modos de exprimir o que o sagrado. Assim, s teremos condies de

    ter uma viso mais correta das principais dimenses implicadas nessa ideiaao final da presente discusso, quando ser possvel perceber que o sagrado

    s uma maneira de classificar o mundo porque ele corresponde, acima de

    tudo, a uma forma de percepo de uma realidade particular que se impeao homem como investida de um carter excepcional, e essa percepo que

    est na base de tal representao classificatria do mundo.Antes de chegar l, vamos reunir mais algumas informaes sobre

    este conceito que, enquanto tal, aparece sempre em relao sua anttese,

    o sagrado, pois, afinal, ainda segundo Pickering, Durkheim no via o sa-grado como um conceito isolado. Ele no subsiste sozinho e nem unitrio

    no mesmo sentido em que o o suicdio, e por isso ele s adquire sentidoem razo de seu oposto, o profano (Pickering 2009:117). Se esta afirmao

    talvez no possa ser generalizada para os textos anteriores a Les formeslmentaires, ela , sem dvida, absolutamente vlida para este contexto.

    por isso que, quando se trata de definir tal conceito, ns o vemos sempre

    em relao ao profano, porque ele sempre aparece, em todas as tentativas

    de definio, como um dos polos do mundo representado pela conscinciacoletiva que aqui expressa como pensamento religioso:

    Mas aquilo que caracterstico do fenmeno religioso que ele sempre supe

    uma diviso bipartida do universo conhecido e cognoscvel em dois gneros

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    7/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 163

    que compreendem tudo aquilo que existe, mas que se excluem radicalmente.

    As coisas sagradas so aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas

    profanas, aquelas s quais os interditos se aplicam e que devem se manter dis-tantes das primeiras. As crenas religiosas so representaes que exprimem

    a natureza das coisas sagradas e as relaes que elas possuem entre si e entre

    as coisas profanas. E os ritos so as regras de conduta que prescrevem como os

    homens devem se comportar com as coisas sagradas (Durkheim 1968:68).

    Ora, do sagrado continuamos a saber apenas que o heterogneo emrelao ao profano, aquilo que protegido por interditos. Mas simplesmente

    no sabemos o porqu disso, por que o sagrado o que ocupa um lugar parte no mundo porque aquilo que o profano no pode tocar. Ao contr-

    rio do que poderia parecer, o que define o sagrado no que ele exprima

    o domnio do bem, enquanto o profano constitui o domnio do mal, o quetalvez pudesse explicar o porqu desse seu carter excepcional, mas sim

    que tanto o bem quanto o mal so parte daquilo que representado comosagrado. isso que somos levados a descobrir quando, ao concluir o Livro

    III, o autor introduz a discusso sobre os ritos piaculares aqueles que

    tm como objetivo enfrentar uma calamidade, relembr-la ou deplor-la que revelam uma ciso interna no prprio sagrado, obrigando-nos a uma

    profunda reconsiderao de qualquer ideia equivocada que possamos tertido em relao ao profano enquanto oposio ao sagrado. Vejamos o que

    ele diz a respeito para depois discutirmos as consequncias disso:

    Propomos chamar de piaculares as cerimnias desse gnero. O termo piacu-

    lum tem, com efeito, no apenas a vantagem de sugerir a ideia de expiao,

    mas tambm de ter um significado mais abrangente. Toda infelicidade, tudo

    aquilo que mau augrio, tudo aquilo que inspira sentimentos de angstia,por

    conseguinte, chamado piacular. Portanto, essa palavra parece bem apro-

    priada para designar esses ritos que se celebram na inquietude ou na tristeza

    (. Durkheim 1968:507).

    Esses ritos so explicados a partir daquilo que Durkheim chama deambiguidade do sagrado: ele o santo eo maligno, o fasto eo nefasto, o puro

    eo impuro. O sagrado no s o bem, tambm o mal. O profano no o

    mal, ele apenas no sagrado. Sabemos que Durkheim afirma em relao moral que ela goza de um carter sagrado (Durkheim 2008, 2007 [1924])e agora entendemos porque um interesse profano jamais pode se sobrepor

    a uma regra moral, pois, afinal, os bens morais simplesmente no podem

    ser comparados com os bens profanos, e por isso que, por exemplo, no

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    8/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO164

    se pode atribuir um preo vida humana, ou tentar decidir entre uma regrada moral e uma questo econmica, ou at mesmo esttica.

    Uma ao profana no ofende a moral, ela simplesmente lhe indife-rente desde que ela no tente penetrar o domnio do sagrado. Discutiro valor esttico de uma obra no nem moralmente bom nem moralmente

    ruim; preferir bananas em vez de abacaxis absolutamente indiferente doponto de vista moral. Ultrajante seria querer comparar algo profano com

    algo sagrado, pois esses dois mundos devem permanecer incomunicveis.

    J o sagrado nefasto, impuro, aquele que coincide com o mal, o que pro-voca uma sano negativa por parte da sociedade, o que provoca horror,

    reprovao.Do mesmo modo que o sagrado fasto e puro, ele tambm algo que no

    se questiona, sobre o qual no se costuma falar, e que no pode ser comparadocom as coisas profanas, porque representa tudo o que deve ser recusado,

    afastado de forma absoluta. Essa distino introduzida no contexto dos ritos

    piaculares vem mostrar como a discusso sobre o sagrado contribui em maisum aspecto para a elucidao da ideia geral de moral, na medida em que

    sugere aquilo que est por trs da ideia e do sentimento do bem e do mal,oposio fundamental que caracteriza o domnio interno da moralidade. Alm

    disso, tambm vemos que no seria correto dizer que aquilo que social bom e aquilo que individual mau, porque tanto o que bom quanto o que

    mau so igualmente definidos a partir de representaes coletivas sobre o

    sagrado. A diferena reside, fundamentalmente, no tipo de sentimento coletivoque expressam, e que corresponde a distintas espcies de ritos.

    Em um caso, so sentimentos positivos, de alegria, de celebrao,pois se referem a tudo aquilo que bom para a vida fsica e espiritual da

    coletividade, tudo o que nutre e respeita seus ideais mais fundamentais.

    No outro caso, o sentimento coletivo experimenta sensaes dolorosas queameaam seus valores mais arraigados, que pem em risco sua existncia,

    provocam desespero e tristeza, comprometem sua prpria sobrevivncia,de seu corpo ou de sua identidade e, por isso mesmo, causam horror.

    Os rituais fnebres dos Narrinyeri ou dos Watunga, narrados por Spencer eGillen, so ritos piaculares que servem ao mesmo propsito de celebraes

    contemporneas, como o Remembrance Day, no Reino Unido, ou as muito

    recentes cerimnias para lembrar o 11 de Setembronos Estados Unidos, ou

    ainda os eventos para recordar a Shoah.Todas estas so formas de afirmar o repdio por acontecimentos que

    jamais deveriam ser repetidos, de ajudar os membros da coletividade a

    superar o sofrimento e, ao mesmo tempo, servem para reforar os laos de

    solidariedade, fazendo com que se tenha a percepo efetiva de que o mal

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    9/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 165

    causado no diminui a fora do ser coletivo. E nesse sentido que tambmse referem ao domnio do sagrado. Mas o que de fato importa que aqui

    temos uma ideia que nos aproxima mais daquilo que o sagrado, quejustificaria seu carter de oposio ao profano: ele sempre algo que dizrespeito vida coletiva ou, como resume Durkheim, os dois polos da vida

    religiosa correspondem aos dois estados opostos pelos quais passa toda avida social. E eles so o estado de elevada concentrao e o de intensa

    disperso da energia que emana da vida coletiva, isto , entre o sagrado

    fasto e o sagrado nefasto existe o mesmo contraste que h entre os estadosde euforia e de disforia coletiva(Durkheim 1968:580).

    Enfim, se nada disso parece suficiente para definir o sagrado, ao menostemos uma melhor aproximao, pois j podemos notar que ele algo

    que se refere vida coletiva. A bem dizer, o sagrado aquilo que parececircunscrever tudo o que constitui o domnio propriamente religioso e, por

    extenso, tambm caracteriza o que moral, na medida em que contempla

    tanto o moralmente bom quanto o moralmente mau. Mas parece frustranteque esse conceito que define tanta coisa seja em si mesmo to parcamente

    definido. Talvez acontea com o sagrado o mesmo que se passa com as outrasnoes mais fundamentais da teoria durkheimiana, como as de sociedade

    e de moral: palavras e mais palavras, argumentos e mais argumentos, ex-plicaes e mais explicaes versam sobre elas, mas no encontramos uma

    definio a seu respeito, nenhuma que as esgote, e isso provavelmente

    ocorre porque so essenciais. claro que isto no constitui problema algum, apenas um fato que

    se destaca no mbito de uma teoria to insistentemente preocupada com asdefinies que, alis, estabelece a definio como a primeira dentre as regras

    de seu mtodo (Durkheim 1998). Mas vamos ento seguir com a mar,

    deixando de lado essa preocupao com definies, para ir na direo dadescrio da realidade que estaria por trs de tudo aquilo que subjaz a essa

    ideia de sagrado, ou melhor, que d origem a essas representaes coletivasque concebem o mundo como se ele fosse partido em dois.

    Efervescncia e dinamogenia: um sagrado mundano

    Em outras ocasies (Weiss 2011, 2012) apontei, ainda que brevemente, a es-treita relao que existe entre o conceito de ideal e o de sagrado, j que umadas maneiras possveis de definir o ideal enquanto uma ideia sagrada,

    isto , uma representao dotada de uma intensa carga emotiva que no

    apenas fala ao pensamento, mas inspira a ao. Na realidade, mais do que

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    10/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO166

    uma afinidade conceitual, estes dois termos apresentam uma semelhana

    real, pois possuem uma origem comum.

    Vamos, ento, mergulhar mais fundo nesse processo, tentando dissecare entender tudo aquilo que est implicado na ideia de sagrado, que tem nas

    situaes de efervescncia o seu momento constitutivo.

    O elementar universal da vida religiosa

    Aps a publicao de Les formes lmentaires, Durkheim engajou-se

    seriamente nas atividades de divulgao da recente obra, no tanto paratorn-la conhecida quela altura o autor j gozava de amplo prestgio nos

    meios intelectuais, o que garantira a rpida divulgao de seu novo livro mas especialmente para aclarar seu sentido. Afinal, parecia que lhe causava

    alguma frustrao o fato de seu argumento mais essencial ter escapado at

    de seus melhores e mais dedicados leitores, como, por exemplo, GustaveBelot, o primeiro a redigir uma resenha sobre o livro (Belot 1913).

    Da parte dos homens de f Durkheim j no gozava de grande apre-

    o em parte em virtude de seu comprometimento com a instituio de umaeducao moral laica e de seu antimonarquismo. Como se no bastassequerer ensinar uma moral sem Deus, ainda inventou de publicar um livro

    que no apenas tinha o grave inconveniente de procurar explicar sociolo-

    gicamente a religio, afirmando ser ela um fenmeno social em essncia,como ainda cometeu a grosseria de comparar as religies altamente inte-

    lectualizadas e espiritualizadas, como o protestantismo e o catolicismo, sreligies tribais.2

    Todavia, at mesmo aos libres penseurso seu mais recente trabalhoparece ter causado incmodo, em virtude talvez de sua insistncia em querer

    mostrar aquilo que havia de verdadeiro em todas as religies, por afirmar

    que a religio no uma mera alucinao coletiva, ou seja, num contextode um laicismo extremamente combativo, sua explicao para o fenmeno

    religioso parecia ser demasiado condescendente para com as religies,mesmo que ele fosse muitssimo crtico em relao s Igrejas, em especial

    Igreja Catlica, chegando a afirmar que, do ponto de vista sociolgico, a

    Igreja um monstro (Durkheim 1905:369).

    Tendo desagradado aos mais radicais de ambos os lados, em vez desimplesmente combater de frente cada uma das crticas que lhe foramdirigidas, ele concentrou os esforos em mostrar que seus leitores no

    haviam compreendido aquilo que, na realidade, era o mais importante detudo o que ele escrevera. Assim, talvez uma das melhores maneiras de se

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    11/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 167

    compreender Les formes lmentairesseja tomar essas ponderaes poste-

    riores como chaves de leituras. Alis, no primeiro debate pblico a respeito

    de seu livro, no qual teve ocasio de exp-lo, ele formulou de maneirabastante interessante a natureza de sua inquietao e aponta qual , ento,

    esse elemento mais fundamental, sugerindo, inclusive, o porqu de no tersido bem compreendido:

    No poderia pensar em resumir aqui o livro que publiquei recentemente. Mas

    gostaria de colocar em relevo a razo de ser fundamental da religio, que permite

    preparar melhor os espritos a aceitar a explicao que eu propus a seu respeito.

    Essa razo de ser se vincula a uma das caractersticas mais essenciais da religio,

    mas que no imediatamente perceptvel, precisamente porque essencial. Ela

    no formulada logo no incio do livro. Ela aparece apenas progressivamente,

    na medida em que o estudo avana, e especialmente na concluso que ela

    ganha destaque. Essa caracterstica aquilo a que poderamos chamar de virtude

    dinamognica de toda espcie de religio (Durkheim 1913b:17).

    Desta forma, a principal caracterstica da religio sua virtude dinamo-

    gnica. curioso, no entanto, que esta expresso no aparece em momentoalgum em Les Formes, de modo que preciso saber a que isso se refere para

    que tenhamos condies de saber aquilo que h de mais fundamental na

    explicao de Durkheim sobre a religio e tambm sobre o sagrado. A ideiade dinamogenia fazia parte do vocabulrio intelectual da Frana de fins do

    sculo XIX e comeo do XX, tendo sido utilizada pela primeira vez (Miller2005), ao que tudo indica, pelo fisiologista Charles-douard Brown-Squard

    (1882) em seu livro Recherches exprimentales et cliniques sur linhibitionet la dynamognie, publicado no ano de 1882,tendo sido popularizada por

    Charles Ferr (Ferr 1885, 1887).Seu significado inicial se refere a uma ativao intensa de um rgo

    em virtude de uma excitao provocada por causas de qualquer natureza,

    e este sentido que o termo recebe, por exemplo, no dicionrio Houaiss dalngua portuguesa. J em francs, encontramos nos dicionrios apenas a

    forma adjetivada, dynamognique, definida como aquilo que acrescentaenergia, que estimula, que aumenta o tnus vital. Mesmo tendo sido uma

    expresso cunhada num contexto da fisiologia, ela logo entrou no vocabu-

    lrio da filosofia e at mesmo no das artes, tornando-se muitssimo utilizadadurante as primeiras duas dcadas do sculo XX, o que talvez explique

    porque Durkheim tenha recorrido a ela para resumir processos descritos emseu livro, mas que eram designados por um termo que no estava to na

    moda: o de efervescncia.

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    12/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO168

    Ora, se a principal razo de ser da religio sua virtude dinamognica,isto quer dizer que o que h de mais essencial nela esse aumento de energia

    que ela provoca nos indivduos, que mais importante, inclusive, que suafuno como instrumento de ordenao e explicao do mundo, como umsistema de representaes. Tudo isso parece secundrio diante daquilo que

    h de mais essencial na experincia religiosa, isto , na religio tal comoela experimentada pelo crente, que sente como se ele fizesse parte de algo

    grandioso, sente-se fortalecido, nutrido, elevado pela experincia de sua f,

    o que levou Durkheim a afirmar que, para os fiis, a verdadeira funo dareligio no nos fazer pensar, nem enriquecer nossa conscincia, mas, ,

    sobretudo, fazer-nos agir, ajudar-nos a viver(1968:595).Por isso mesmo o fiel que comungou com seu deus no apenas um

    homem que conhece verdades novas, que o no crente ignora; ele um homemquepodemais (1968). Alis, nessa mesma discusso na Socit Franaise

    de Philosophie,na qual ele mencionou a ideia de virtude dinamognica da

    religio, ele ainda argumentou que essa caracterstica no apenas correspondea algo real, como ainda garantiu que a religio tivesse se mantido como um

    elemento universal de todos os povos no decorrer da histria:

    Mas esse afluxo, em si mesmo, no possui nada de imaginrio; ele real. Esse

    aumento da vitalidade se traduz nos fatos pelas aes que inspira. O homem possui

    uma confiana, um ardor, um entusiasmo que ele no experimenta em tempos

    ordinrios. As provaes da existncia encontram nele mais foras de resistncia;

    ele capaz de grandes coisas, o que prova por sua conduta. essa influncia

    dinamognica da religio que explica sua perenidade (Durkheim 1913b:17).

    Vemos, portanto, que a explicao daquilo que h de mais essencial na

    religio depende de se compreender como possvel essa atividade dinamo-gnica. Para o fiel, essa energia vista como uma participao da divindade,

    fruto do contato com seu Deus ou seus deuses, que so representados, acimade tudo, como uma grande potncia. Porm, os deuses no so seno os

    ideais coletivos personificados, a divindade no outra coisa seno a socie-dade transfigurada(Durkheim 1913:69), ou seja, eles no so em si mesmos

    entidades reais, so apenas a forma simblica de algo real que, conforme

    j est indicado aqui, a prpria sociedade, a prpria vida coletiva, o que o

    leva rapidamente a afirm-la como a verdadeira instncia originria desseinfluxo energtico que aumenta a vitalidade do indivduo:

    No podemos seno perceber que a sociedade a nica coisa que pode exer-

    cer essa ao dinamognica que caracteriza as religies. Que ela seja capaz

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    13/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 169

    de produzir esse efeito o que me esforcei para mostrar. Eu explicitei como

    ela estimula a atividade, aumenta a vitalidade, eleva o indivduo acima de si

    mesmo, o sustenta e o reconforta (Durkheim 1913:68).

    Com isso, temos j todos os elementos importantes para retornarmos a

    Les formes lmentaires, para identificar como ele tentou mostrar que a vida

    coletiva realmente capaz de produzir esse efeito, agora que j sabemosser este o elemento mais importante da vida religiosa. Um dos momentos

    mais interessantes em que vemos uma formulao a esse respeito o daconcluso, quando Durkheim parece atribuir um novo sentido aos nume-

    rosos ritos que ele descrevera no decorrer de todo o livro. Ali, vemos aindacom maior nitidez que fundamental na vida social, no que se refere dina-

    mogenia, a prpria ao em comum. Isto ocorre porque a sociedade faz

    sentir sua influncia quando se manifesta em ato, na ao, isto , quandoos indivduos esto reunidos e agem conjuntamente. esse agir em comum

    que cria a percepo desse ser comum, e essa ao que viabiliza a criaodos sentimentos coletivos e mesmo das ideias coletivas, isto , das prprias

    crenas, dos prprios ideais:

    Do fato que representemos um objeto como digno de ser amado e buscado,

    no se segue que nos sintamos mais fortes; preciso que desse prprio objeto

    emanem energias superiores quelas de que dispomos e, mais do que isso,

    que exista algum meio de faz-las penetrar em ns, misturando-se com nossa

    vida interior. Ora, para tanto, no suficiente que pensemos, preciso que nos

    coloquemos em sua esfera de ao, que estejamos numa posio que permita

    sentir essa influncia; resumindo, preciso que ajamos e que repitamos os atos

    que so necessrios todas as vezes que desejarmos renovar seus efeitos. [...]

    Isso porque a sociedade no pode fazer sentir sua influncia a no ser que

    ela exista em ato, e ela no existe em ato a no ser quando os indivduos se

    renem e agem em comum. pela ao comum que ela toma conscincia de si

    e se afirma; ela , antes de tudo, uma cooperao ativa. At mesmo as ideias e

    os sentimentos coletivos s so possveis graas aos movimentos exteriores que

    os simbolizam, tal como j estabelecemos (Durkheim 1968:395-398).

    Com isso, comeamos a nos aproximar mais do que pode ser entendido

    como sagrado e dos processos que esto em sua origem. Um pouco maisacima, vimos que as crenas so definidas como formas de representar eclassificar o mundo, sendo a principal dessas classificaes a sua diviso

    entre o sagrado e o profano. No trecho que acabei de citar, Durkheim afirma

    que at mesmo as ideias e os sentimentos coletivos s so possveis em

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    14/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO170

    virtude desses movimentos exteriores, isto , dessa ao comum, o que nosleva a ver nessa ao coletiva que engendra a dinamogenia o elemento que

    constitui o prprio sagrado, que exatamente aquilo que permite afirmarque o sagrado algo real.

    No trecho seguinte veremos o autor se referir ao sagrado como uma

    caracterstica das representaes coletivas, que se diferencia das repre-sentaes individuais por constituir no um estado mental querepresenta

    coisas distintas, mas por corresponder a formas de vida diversas, o que nosoferece uma interessante ideia sobre o sagrado como algo que caracteriza

    certos tipos de representao, adjetivando-as, mas que em si mesmo um

    sentimento produzido por uma determinada realidade sui generis:

    Tanto uma quanto a outra formam em nossa conscincia dois crculos de estados

    mentais, distintos e separados, como as duas formas de vida s quais corres-

    pondem. Por conseguinte, temos a impresso de estar em relao com duas

    espcies de realidades, distintas entre si, como se houvesse uma ntida linha

    demarcatria que separa uma da outra: de um lado, est o mundo das coisas

    profanas e, de outro, aquele das coisas sagradas (Durkheim 1968:301).

    Assim, temos mais um elemento para entender como o sagrado cria-do. Ele no uma inveno. um modo de representao de algo real, que

    se apresenta aos indivduos de forma muito particular. O sagrado a forma

    com que os indivduos representam essas foras que resultam da prpriainterao, um modo de pensar e se relacionar com a vida coletiva que, to

    logo representada, figura como elemento estranho porque, conquanto cadaindivduo seja parte dessa coletividade, esta se torna, pelo fato bsico da inte-

    rao, uma realidade qualitativamente diferente: a interao que cria umafora psquica, e essa fora que se percebe como o sagrado. O momento

    seguinte o processo mediante o qual esse atributo se estende a coisas e pes-

    soas particulares, que passam a ser um sagrado mais concreto, mais palpvel,mais evidente: assim so os grandes heris, os deuses, os grandes lderes, os

    santos, os sacerdotes, e outros. Mas desta forma tambm so os smbolos, comoo totem, o Santo Graal, o basto de um feiticeiro na tribo, a Bblia, o Coro, a

    Tor, e assim tambm so, e isso o que nos importa, as ideias.

    No contexto da religio, as ideias que so investidas desse carter sa-

    grado so aquelas chamadas de crenas. Num sistema religioso h muitasideias, mas s algumas delas possuem um carter inviolvel, que o fiel noousa questionar. o que Durkheim chama de interdito da crtica, que

    mais um tipo de interdito dentre os muitos que podem proteger aquilo que sagrado. Sempre que se adere a algo que no se aceita questionar, que est

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    15/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 171

    acima de qualquer outra coisa, pode-se dizer que se est em face de algoque sagrado. precisamente nesse sentido que o individualismo moral

    ao qual se refere Durkheim constitui uma crena, sendo investido de umcarter sagrado, assim como todos os dogmas a ele associados.

    Ora, isto acontece porque o individualismo um ideal moral no sentido

    mais estrito do termo, e um ideal moral um tipo de crena. Ou melhor,a crena um ideal moral, que recebe este nome quando faz parte de um

    sistema que constitui uma religio. Durkheim s vezes parece tomar estesdois termos de forma intercambivel, mas em outros momentos vemos com

    mais nitidez essa separao, e importante que se perceba essa diferena.

    O ideal do individualismo assume a forma de uma crena porque ele umideal moral, e toda crena um ideal social, e no o contrrio. Isto porque,

    como tambm j vimos, Deus a forma hipostasiada da coletividade, e no acoletividade um Deus e inverter os termos da equao inverter toda

    a lgica da teoria durkheimiana. Na citao a seguir, vemos como o sagrado

    explicitamente constitutivo da noo de ideal e de crena:

    Assim como consagra homens, a sociedade tambm consagra as coisas, e no-

    tadamente as ideias. Quando uma crena unanimemente partilhada por um

    povo, pelas razes que expusemos acima, ela proibida de ser tocada, isto ,

    no pode ser contestada. Ora, o interdito da crtica um interdito como todos

    os outros e prova que estamos em face de algo sagrado. At mesmo nos dias

    de hoje, por maior que seja a liberdade que concedamos uns aos outros, um

    homem que negue totalmente o progresso, que ridicularize o ideal humano ao

    qual as sociedades modernas so vinculadas estar fazendo algo que tem o

    mesmo efeito de um sacrilgio. Existe ao menos um princpio que os povos que

    mais prezam o livre exame tendem a colocar acima de qualquer discusso e a

    considerar como intangvel, isto , que consideram como sagrado: o prprio

    princpio do livre exame (Durkheim 1968:305).

    A primeira frase deste inserto traz uma afirmao muito interessante:

    a sociedade que consagraas coisas, inclusive as ideias, isto , ela as trans-forma em algo mais do que a coisa mesma. Mais do que isso, trata-se de

    um processo coletivode consagrao, que metamorfoseia simples objetos,

    simples ideias, em algo absolutamente excepcional. Vamos ver agora em

    que consiste esse processo que faz com que essa fora seja real e, paraapreend-lo em sua forma mais elementar, nada melhor, segundo Durkheim,do que recorrer aos ritos praticados nas religies totmicas.

    Faremos isto a partir de uma descrio de um desses processos deefervescncia consubstanciado em rituais da tribo dos Warramunga, que

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    16/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO172

    constitui um dos exemplos mais interessantes trazidos por Durkheim. Noposso me furtar aqui de trazer ao texto a belssima sugesto de Miller, que

    aponta para uma incrvel semelhana entre esses processos descritos em Lesformes lmentairese as cenas do bal de Stravinsky, Le sacr du printemps,

    que este autor caracteriza como

    a esttica total de uma msica-dana-drama sagrada, com cenas que lembram

    aquelas conjuradas nas Formas elementares, e performada na mesma poca

    em que Durkheim estava enfatizando a preocupao de seu livro com a ao

    dinamognica que est no ncleo de toda religio (Miller 2005:27).

    Esta meno aparece para trazer cena o sprit de lpoqueque colo-cava em destaque a ideia de dinamogenia, inclusive no meio das artes; mas

    o que eu sugiro que aqui tenhamos em mente a coreografia, a narrativa, o

    sentimento provocado pelos movimentos dos bailarinos e pela msica de Stra-vinsky, que em seu conjunto fazem o expectador viver a experincia desse mo-

    mento de sagrao. Com essa imagem diante dos olhos, vejamos agora umadas cenas rituais descritas por Durkheim, que ele tomou como exemplo dos

    rituais que esto na base da produo do sentimento de sagrado. O que ve-

    remos a seguir se refere s tribos australianas que praticam o totemismo que,segundo Durkheim, teriam suas vidas divididas em dois momentos bem dis-

    tintos: a vida regular e ordinria, submetida s regras normais e voltadas paraa produo econmica, quando a populao permanece dispersa, organizada

    em pequenos grupos; e a vida que tem lugar nos momentos de concentraoe condensao, quando ocorre uma cerimnia religiosa ou quando acontece

    aquilo que na etnografia da poca se chamava de corrobbori, que se distingue

    das cerimnias estritamente religiosas por ser mais abrangente, incluindoas mulheres e os no iniciados. o corrobbori que descrito a seguir.

    A citao longa, mas este o nico recurso que temos para trazer ao textoesta imagem que no pode ser reconstruda seno como descrio:

    Quando acontece um corrobboritudo muda. Como as faculdades emotivas e

    passionais do primitivo so imperfeitamente submetidas ao controle de sua ra-

    zo e de sua vontade, ele perde facilmente o controle sobre si mesmo. [...] Uma

    vez os indivduos estejam reunidos, resulta dessa aproximao uma espcie

    de eletricidade que os transporta rapidamente a um extraordinrio nvel de

    exaltao. Cada sentimento expresso repercute, sem qualquer resistncia, em

    todas as conscincias que so amplamente abertas s impresses exteriores:

    cada uma delas ecoa as demais conscincias reciprocamente. O impulso inicial

    vai se ampliando na medida em que repercute, como uma avalanche que au-

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    17/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 173

    menta na medida em que avana. E como paixes to intensas e to liberadas

    de qualquer controle no podem deixar de extravazar, o que se v, por todos os

    lados, so gestos violentos, urros, rudos ensurdecedores, que intensificam aindamais o estado que manifestam. Certamente, dado que um sentimento coletivo

    no pode se exprimir coletivamente a no ser que seja observada alguma ordem

    que permite harmonizar os movimentos, esses gestos e esses gritos tendem a

    se ritmar e a se regularizar; a partir disso, surgem os cantos e as danas. [...]

    As paixes desencadeadas so to impetuosas que no se deixam conter por

    nada. As pessoas se sentem fora das condies ordinrias da vida e tm tanta

    conscincia disso que se experimenta quase uma necessidade de estar acima da

    moral ordinria. Os sexos se juntam contrariamente s regras que regulamen-

    tam as trocas sexuais. Os homens trocam suas mulheres. s vezes, at mesmo

    unies incestuosas, que em tempos normais so consideradas abominveis e

    so severamente condenadas, so contradas ostensivamente e impunemente.

    Se acrescentarmos a isso o fato de que tais cerimnias geralmente ocorrem

    noite, em meios s trevas que a luz da fogueira penetra aqui e ali, poderemos

    facilmente representar o efeito produzido por essas cenas sobre os espritos de

    todos os participantes. Essas cenas determinam uma superexcitao to violenta

    da vida fsica e mental que no pode ser suportada por muito tempo: o ator que

    tem o papel principal acaba por cair exausto no cho (Durkheim 1968:310).

    Se as cenas descritas por Spencer e Gillen3no so rituais de sacrif-cio, como vemos em Le sacr du printemps, e nem possuem o mesmo apelo

    esttico, o que est presente na coreografia idealizada por Vaslav Nijinsky

    um movimento similar, ritmado, histrico, com ares de mistrio e que, aomesmo tempo, refere-se a algo absolutamente natural, pois so as prprias

    foras da natureza que se revestem, em virtude desse movimento, de uma

    aura de mistrio. A cena que reproduzi logo acima menciona gritos, batuques,orgias, mas h outras no mesmo livro que descrevem rituais de destruio e

    sacrifcio, assim como em Le sacr. Todavia, o que importa de fato que emambos os casos, seja nas orgias, seja nos sacrifcios, existe um sentimento

    de exaltao, de transe, algo que faz com que corpos e mentes se sintamcomo partes de algo que os domina.

    Talvez seja bastante sintomtico que a primeira apresentao pblica dadana tenha ocorrido um ano aps a publicao de Les formes lmentaires

    no por haver qualquer tipo de influncia de um lado ou de outro mas porqueso expresses diversas de um tema que parecia aflorar naquele meio intelectual.Stravinsky diz ter sido inspirado a escrever essa inaudita composio a partir

    de um sonho que tivera com um ritual pago, o que o teria levado a sentir efei-tos sonoros indefinveis. Durkheim no foi inspirado por qualquer sonho, mas

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    18/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO174

    no se pode negar o impacto de sua descoberta dos rituais totmicos sobrea formulao de sua concepo mais acabada sobre a religio, sobre a origem

    do sagrado, que explicaria tanto a religio quanto a prpria representao deDeus e, mais do que isso, fundamentaria a prpria moral.

    A reao do pblico francs na noite de estreia desse balletrevolucion-rio em sua msica e em sua dana bastante conhecida e fez histria. Que

    um virtuose da dana tenha feito algo to estranhamente bizarro era algo

    ultrajante, assim como as notas de Stravinsky, que ofenderam a sensibilidademusical to bem formada do pblico tradicional, salvo daqueles que repre-

    sentavam a verdadeira avant-gardeda poca e souberam perceber a genia-

    lidade do que haviam acabado de presenciar. Evidentemente, a comparaocom o contedo de Les formes lmentairesno tem qualquer pretenso deestabelecer um paralelo fiel, muito menos uma relao de equivalncia. Essa

    referncia aparece aqui quase na funo de uma metfora, para elucidar com

    imagens que nos so familiares um processo ritual que est muito distante dens, e que Stravinsky soube eternizar no seio da modernidade, tornando-o

    parte de nossas representaes coletivas, por assim dizer. J que chegamosat aqui, peo licena para um ltimo passo adiante nesse paralelo, que se

    refere ao momento de recepo de ambas as obras.

    No caso de Les formes lmentaires, no se pode dizer que a reaoenfurecida tenha se dado de forma to intensa e quase unnime como em

    Le sacr du printemps, mas as crticas no foram poucas e nem amenas. Eno apenas por parte dos representantes eclesisticos e dos intelectuais

    que professavam alguma f, mas at mesmo daqueles que se declaravamateus ou agnsticos, como pontuei mais acima. Dentre os muitos pontos de

    controvrsia, sugiro que nos detenhamos em um deles em particular, que se

    refere mais diretamente ao problema que aqui nos toca. Muito sucintamente,a grande questo a seguinte: como possvel que se pretenda explicar

    a religio e mais, o prprio sagrado, a partir da descrio de um processoque parece essencialmente carnal, pago, que contraria todos os valores

    morais? Como pode o fundamento da moral o sentimento de sagrado

    ser buscado em um evento que parece to imoral? Como algo to avassa-ladoramente natural e terreno pode ser o momento de criao de algo to

    sublime e transcendente como o sentimento do sagrado?Pois aqui mesmo que Durkheim acreditava residir o trunfo de sua

    teoria. Vamos primeiro levar em considerao que esse processo que eledescreve aqui se refere a um contexto muito particular, isto , nem todo

    processo coletivo que produz efervescncia se configura da mesma manei-

    ra, pois admitir o contrrio disto seria decretar que o sagrado no pode serproduzido, por exemplo, nas sociedades modernas, o que, do ponto de vista

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    19/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 175

    da teoria durkheimiana, teria srias implicaes morais. Mas esses rituaistotmicos tm a grande vantagem de apresentar os elementos centrais

    desse processo de uma forma explcita, exagerada mesmo, o que facilitariaem muito a apreenso de seus aspectos mais elementares, isto , mais

    bsicos, mais fundamentais.E aquilo que h de mais elementar nisso tudo, no que se refere sua im-

    portncia para a constituio do sagrado, o fato bsico de que esse estado de

    efervescncia, provocado pela densa aproximao entre as conscincias quese influenciam mutuamente, provoca naqueles que tomam parte do ritual um

    estado mentalde um tipo completamente diferente daquele que o indivduo

    experimenta em sua vida ordinria. Concebe-se facilmente que, quando comeaesse estado de exaltao, o homem j no se conhece mais, afirma o autor, ouseja, existe uma reao de estranhamento em relao a seu prprio ser.

    Mas o que o homem percebe no momento em que ele experimenta

    esse estranhamento? Uma sensao de ser dominado, arrebatado por umaespcie de poder exterior, que o faz pensar e agir de modo diferente do que

    o faria em tempos normais (Durkheim 1968:313). E ele no o nico avivenciar essa sensao diferente, ele no o nico a usar mscaras, todos

    aqueles que esto sua volta experimentam a mesma coisa, e externam essa

    vivncia por meio de gritos, choros, pulos, danas e, olhando a seu redor, elerealmente tem a ntida sensao de habitar um mundo diferente. A intensi-

    dade e a repetio dessa experincia acabam por fixar a percepo quanto existncia desses dois mundos distintos, heterogneos. Um montono,

    mecnico, repetitivo e, nele, sua vida se resume a realizar tarefas cotidianasnecessrias sobrevivncia material. O outro extraordinrio, leva-o a ex-

    perimentar foras poderosas, promove um estado de grande frenesi, faz com

    que ele realize coisas de que jamais se imaginou capaz. essa dualidadeque refletida na separao do mundo entre o profano e o sagrado. Nesse

    momento, o sagrado coincide com aquilo que extraordinrio, extracotidiano,poderoso, transfigurador e, por que no, inexplicvel.

    Consideraes finais

    O que vimos aqui, portanto, como os momentos de efervescncia confi-

    guram-se como a instncia originria do sagrado que, por sua vez, est nabase de todo fenmeno religioso e tambm moral. Certamente, a intensidade

    e o modo com que esse processo ocorre nas religies mais complexas so

    muito diferentes, mas essas diferenas no fazem com que deixem de ser,essencialmente, a mesma coisa. No mundo moderno, as conscincias esto

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    20/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO176

    naturalmente menos distanciadas no cotidiano, de modo que os momentosde aproximao mais estreita dificilmente produziro um efeito que goze

    da mesma intensidade.Talvez este seja precisamente um dos maiores desafios no apenas

    para as teorias sociais contemporneas, mas para a prpria sociedade como

    um todo. Se assumirmos haver alguma razoabilidade nos argumentos deDurkheim, o sagrado no um fenmeno essencial apenas para a manu-

    teno das prprias religies, mas sim uma condio sine qua nonpara a

    existncia da prpria vida social, na medida em que precisamente quandotemos um sagrado em comum que podemos partilhar certos valores. E o que

    uma sociedade para Durkheim seno uma comunidade moral, isto , umacomunidade de indivduos que no apenas vivem num mesmo territrio,

    mas que tambm tm em comum alguns ideais?A questo de encontrar algum valor que possa ser considerado sagrado

    pelos membros to diversos de uma sociedade em si mesmo um objetivo

    sujeito a questionamentos mas, mesmo que se reconhea isto como algodesejvel, estabelecer qual seria esse valor parece ser um desafio bastante

    complicado. Sabemos que o autor acreditava ter encontrado uma sada, efoi por isso mesmo que defendeu o respeito pessoa humana como valor

    irredutvel das sociedades modernas (Durkheim 1890, 1898b, 2007). Aindaassim, embora aceitemos que a vida em sociedade s possvel quando se

    comunga de uma f em comum ao menos de um nico ideal, e assumindo que

    esse ideal possa ser o respeito pessoa humana, h uma questo tericae prtica cuja resoluo parece ser ainda mais desafiadora. Trata-se de

    saber como o sagrado no o sagrado particular das muitas religies pode continuar a existir nas sociedades contemporneas, ou seja, como

    possvel engendrar momentos de efervescncia suficientemente abrangentes

    que viabilizem o surgimento de novos ideais compartilhados ou, ao menos,que tornem possvel a renovao da f comum em alguns valores bastante

    gerais. Ou, em outros termos, o desafio, deste ponto de vista, como a vidasocial pode continuar a ser percebida enquanto tal, enquanto vida coletiva,

    ativa e com propriedades dinamognicas.

    Recebido em 04 de julho de 2012

    Aprovado em 06 de maio de 2013

    Raquel Andrade Weiss professora adjunta do Departamento de Sociologiada Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    21/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 177

    Notas

    1Outros trabalhos relevantes e que serviram como referncia, em maior oumenor grau, so os seguintes: Godlove 1989; Prades 1987; Seger 1957; Jones 2005;Poulat & E. Durkheim 1970; Fabris 1981; Westley 1983; Filloux 1990; Pickering 1990;Alexander 1990; Isambert 1992; Allen et al. 1998.

    2Para uma anlise abrangente da reao dos catlicos e protestantes obradurkheimiana, no se pode deixar de ler o recente artigo publicado por William Pi-ckering (2008), que preencheu uma importante lacuna no campo das pesquisas quevisam reconstruir o meio intelectual de Durkheim.

    3 Francis James Gillen e Walter Baldwin Spencer foram os dois importantesetngrafos especializados nos estudos das tribos australianas, cujos relatos serviramcomo referncia para a anlise que Durkheim realizou do totemismo, j que elejamais foi a campo.

    Referncias bibliogrficas

    ALEXANDER, Jeffrey. 1990. The sacredand profane information machine:discourse about the computer as ideo-logy.Archives de Sciences Socialesdes Religions, 35(69):161-171.

    ALLEN, Nicholas J. et al. 1998. OnDurkheims elementary forms of reli-gious life. London: Routledge.

    BELOT, Gustave. 1913. Une nouvellethorie de la religion. Revue Phi-

    losophique, 75:329-379.BROWN-SQUARD, Charles . 1882. Re-

    cherches exprimentales et cliniquessur linhibition et la dynamognie: ap-

    plications des connaissances fourniespar ces recherches aus phnomnes

    principaux de lhypnotisme et dutransfert. Paris: Masson.

    DURKHEIM, mile. 2008. A educaomoral. Petrpolis: Vozes.

    ___.1898a.LAnne Sociologique.___.1898b. Lindividualisme et les intel-

    lectuels. Revue Bleue, 10:7-13.___. 1913. Le problme religieux et

    la dualit de la nature humaine.Bulletin de la Socite Franaise dePhilosophie, 13:63-100.

    ___.1968. Les formes elementaires de lavie religieuse. Paris: Presses Univer-sitaires de France.

    ___.1890. Les principes de 1789 et lasociologie. Revue Internationale de

    lEnseignement, 9:450-456.___.1998.As regras do mtodo sociolgico.

    So Paulo: Martins Fontes.___.2007. O ensino da moral na escola

    primria. Novos Estudos Cebrap,78:61-75.

    ___.1924. Sociologie et philosophie. Paris:Fkix Alcan.

    ___.1905. Sur la sparation des glises etde ltat [contribuio discusso].Libres Entretiens de LUnion pour laVrit, 1:369-371, 496-500.

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    22/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO178

    FABRIS, Matteo. 1981. Morale e religionein Emile Durkheim. Bari: EdizioniLevante.

    FERR, Charle. 1885. Sensation etmouvement. Revue Philosophique,20:337-368.

    FILLOUX, Jean-Claude. 1990. Personneet sacr chez Durkheim. Archivesdes Sciences Sociales des Religions,69(1):41-53.

    GODLOVE, TerryF. 1989. Religion, in-terpretation, and diversity of belief:

    the framework model from Kant toDurkheim to Davidson. Cambridge:Cambridge University Press.

    ISAMBERT, FranoisA. 1992. Review:Une religion de lhomme?: sur troisinterprtations de la religion dans lapense de Durkheim. Revue Fran-aise de Sociologie, 33(3):443-462.

    JONES, Robert A. 2005. The secret ofthe totem: religion and society fromMcLennan to Freud. New York: Co-lumbia University Press.

    LUKES, Steven 1973. mile Durkheim, hislife and work: a historical and criticalstudy. London: Allen Lane.

    MERLLI, Dominique 2010. Cinq comptesrendus de Durkheim dcouvrir.Durkheimian Studies, 16(1):3-11.

    MILLER, WilliamW. 2005. Dynamog-

    nique and lementaire.DurkheimStudies, 11:18-32.PICKERING, WilliamS.F. 2009. Durkheims

    sociology of religion themes and theo-ries. Cambridge: James Clarke & Co.

    ___.1990. The eternality of the sacred:Durkheim Error?.Archives de SciencesSociales des Religions, 69:91-108.

    ___.2008. The response of catholic andprotestant thinkers to the work of mile

    Durkheim with special reference toLes Formes Elementaires.DurkheimStudies, 14:59-93.

    POULAT, mile& DURKHEIM, mile.1970. La conception sociale de lareligion: retour un texte peu connu

    de Durkheim.Archives de Sociologiedes Religions, 15(30):87-90.

    PRADES, Jos A. 1987. Persistance etmtamorphose du sacr: actualiserDurkheim et repenser la modernit.Paris: Presses Universitaires de France.

    SEGER, Imogen. 1957. Durkheim and hiscritics on the sociology of religion.New York: Columbia University/ Bu-reau of Applied Social Research.

    WEISS, Raquel. 2012. From ideas toideals: effervescence as the key to

    understanding morality. DurkheimStudies, 18:81-97.

    ___.2011. mile Durkheim e a fundamen-tao social da moralidade. Tese deDoutorado, So Paulo, Universidadede So Paulo.

    WESTLEY, Frances. 1983. The complexforms of the religious life: a durkheim-ian view of new religious movements.Chico, Calif.: Scholars Press.

  • 7/25/2019 Rachel Weiss

    23/23

    EFERVESCNCIA, DINAMOGENIA E A ONTOGNESE SOCIAL DO SAGRADO 179

    Resumo

    O tema central do presente artigo aideia de sagrado apresentada por mileDurkheim em diversos momentos de suaobra, mas que ocupa um papel centralno livro As formas elementares da vida

    religiosa. Trata-se de uma ideia de difcildefinio, mas que fundamental paraexplicar tanto a religio quanto a moral, eque compreendida pelo autor como umdos fenmenos mais importantes da vidasocial. O que se prope aqui explicar deque modo Durkheim concebe o surgimentoe o desenvolvimento desse fenmeno. De-fendo a tese de que tal explicao demandaque se compreenda o que a efervescn-cia e, por conseguinte, a dinamogenia.Ao apreender o pleno significado dessesconceitos, torna-se possvel um maior

    entendimento sobre o que realmente osagrado e sobre o significado de este serum fenmeno social por excelncia.Palavras-chaveDurkheim, Efervescncia,Sagrado, Moral,As formas elementaresda vida religiosa.

    Abstract

    The main theme of the present paperis the idea of sacred as presented bymile Durkheim on several occasions,most particularly as the central themeof his book, The Elementary Forms ofReligious Life. It is an idea that is quitehard to define, but fundamental in explai-ning not only religion but also morality,understood by the author as one of themost crucial elements of social life. Whatis intended here is an explanation of howDurkheim conceived of the genesis andthe development of this phenomenon,sustaining the thesis that this explanationrequires understanding what is efferves-cenceand, therefore, dynamogenics. Inunderstanding the full meaning of theseconcepts, we can better comprehend

    what is the sacred and its meaning as asocial phenomenon.Key words Durkheim, Effervescence,Sacred, Morality, The elementary formsof religious life.