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Roberta Tassinari Raciocínio pictórico: campos de cor no espaço Dissertação apresentada ao Centro de Artes da UDESC como parte dos requisitos para obtenção do tulo de Mestre em Artes Visuais. Orientadora Profa. Dra. Regina Melim Centro de Artes / Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis, agosto de 2011

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Roberta Tassinari

Raciocínio pictórico: campos de cor no espaço

Dissertação apresentada ao Centro de Artes da UDESCcomo parte dos requisitos para obtenção do título

de Mestre em Artes Visuais.

OrientadoraProfa. Dra. Regina Melim

Centro de Artes / Universidade do Estado de Santa CatarinaFlorianópolis, agosto de 2011

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Raciocínio pictórico: campos de cor no espaço

Roberta Tassinari

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós Graduaçãoem Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do títulode Mestre em Artes Visuais, na linha de Pesquisa Poéticas,

História e Teoria das Artes Visuais.

Banca Examinadora

ORIENTADORA

Profa. Dra. Regina Melim (CEART/UDESC)

MEMBRO

Prof. Dra. Isabela Mendes Sielski (IFSC)

MEMBRO

Prof. Dra. Jociele Lampert (CEART/UDESC)

Florianópolis, 26 de setembro de 2011

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agradecimentos

À Regina Melim, pela constante disponibilidade e confiança ao longo deste percurso.

À Isabela Sielski e Jociele Lampert pela dedicação e pelas palavras que tanto contribuíram no desenvolvimento deste estudo.

Aos meus pais, Marília e Gilberto por me incentivarem e, sobretu-do, por terem me ensinado a ter determinação para buscar aquilo que me faz feliz.

À Flávia Duzzo, Karina Zen, Neide Campos e Sônia Beltrame pela oportunidade de compartilhar esta trajetória e ao Fernando Lin-dote pela sabedoria.

À Vanessa Schultz pela incansável dedicação na diagramação e finalização desta pesquisa.

À todos os amigos, colegas – especialmente Juliana Crispe e Marcelo Seixas – e professores que estiveram ao meu lado duran-te a construção desta conquista.

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Pintar é modular a luz, modular a cor. Deleuze

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Resumo

O objeto de pesquisa desta dissertação compreende a elaboração, construção e análise teórica de campos de cor no espaço tridimensio-nal, desenvolvidos através de um raciocínio pictórico. O ponto de par-tida para a criação dos trabalhos ocorre por meio de apropriação de objetos do uso comum do cotidiano. Para abordar este aspecto, será utilizado o conceito de transfiguração, de Arthur Danto, na medida em que esses materiais ordinários têm a sua função subtraída ao opera-rem como matéria-prima na construção das estruturas cromáticas, e passam a funcionar, temporariamente, como módulos de cor. Ao final da exposição, com o trabalho desmontado, estes mesmo objetos po-dem voltar para o mundo e retomar suas funções ordinárias. É possível dizer, então, que há uma transitoriedade, que acompanha o raciocínio dessas proposições.

O que se busca neste estudo é refletir sobre uma parte da produção plástica que tenho desenvolvido desde 2008, que engloba cinco sé-ries de trabalhos: Pintura, Sementeira, Croma, Cor-matéria e Plástica. Trato-as como pinturas que habitam um território expandido, cuja abordagem terá como ponto de partida o conceito de campo ampliado proposto por Rosalind Krauss.

Josef Albers e Israel Pedrosa serão importantes referências para falar das diferentes maneiras com que estas cores se comportam em virtu-de das condições arquitetônicas do espaço, da luz natural e da ilumi-nação artificial, entre outros elementos. Richard Wollheim será refe-rência para discorrer sobre os aspectos de como uma pintura deve ser elaborada para que seja considerada arte: marca, superfície, borda, in-tenção, entre outros que analisam a pintura como um ato intencional.

Será apresentada também uma sequência de imagens que constroem um texto visual e expõem, tanto o processo de elaboração dos tra-balhos quanto a sua execução em diferentes espaços, evidenciando o conceito desenvolvido inicialmente no ateliê e as especificidades que as proposições apresentaram em cada lugar que ocuparam.

PALAVRAS-CHAVE: campos de cor, espaço, apropriação e transitoriedade.

Abstract

The object of this dissertation research involves the design, construc-tion and theoretical analysis of color fields in a three dimensional spa-ce, developed through a pictorial reasoning. The starting point for the creation of these work pieces is the appropriation of common objects of everyday use. To address this, I will use Arthur Danto’s concept of transfiguration, in that these materials have their ordinary function subtracted by operating as a raw material in the construction of the-se chromatic structures, as they work temporarily as color modules. At the end of the exhibition, having the work been dismantled, these same objects can be placed back into the world and return to their ordinary functions. One can then say that there is a transitory estate, which tracks the reasoning of these propositions.

This study aims at reflecting upon apart of the artistic production I have developed since 2008, which includes five series of works: Painting, Se-eding, Chrome, Color-matter and Plastic. I treat them as paintings in an expanded territory, whose approach will be based on the concept of the expanded field proposed by Rosalind Krauss.

Josef Albers and Israel Pedrosa will be important references to speak of the different ways in which these colors behave in the architectural space, under natural and artificial lighting, among other things. Richard Wollheim is a reference to discuss aspects of how a painting should be made in order to be considered art: brand, surface, edge, intent, and other aspects to analyze painting as an intentional act.

I will also present a sequence of images to build a visual text and expo-se both the process of elaboration of the works and their implemen-tation in different spaces, revealing the concept first developed in the studio and the specifics that the propositions have acquired in each place they were installed.

KEYWORDS: fields of color, space, appropriation, transience.

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Sumário

INTRODUÇÃO ...13

1. CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO ...17

1.1 Apropriação ...19

1.2 Estoque ...21

1.3 Deslocamento de percurso / outro circuito para o objeto ...27

1.4 Pintura Expandida ...29

1.4.1 Raciocínio Pictórico ...33

2. REGISTRO ...41

2.1 Ensaio visual ...42

3. LUGAR COMO OBRA ...95

3.1 ideia portátil ...95

3.1.1 Pinturas ...100

3.1.2 Sementeira ...106

3.1.3 Croma ...110

3.1.4 Cor-matéria ...114

3.1.5 Plástica ...124

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...131

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA ...135

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Introdução

Esta é uma pesquisa que parte do meu processo artístico, que teve início a partir da proximidade com trabalhos que evidenciavam a pos-sibilidade de uma pintura ser elaborada através de outros materiais que não os tradicionais – tela, tinta e pincel. Desde então, senti a ne-cessidade de investigar outras possibilidades pictóricas. Para isso, elegi cinco séries de trabalhos, que trato-as como construções de campos de cor no espaço: Pintura, Sementeira, Croma, Cor-matéria, Plástica.

Tal seleção de trabalhos decorre do fato de que estas proposições car-regam um raciocínio pictórico a partir do momento em que são desen-volvidas com objetos coloridos e transparentes, que através de uma lógica interna, e ao serem sobrepostos, originam veladuras e projetam sua cor para o espaço expositivo, incorporando-o como parte inte-grante do trabalho. Para reforçar esta investigação e evidenciar esta característica, utilizo elementos de uma mesma cor, com tonalidades diferentes. Além disto, estes objetos que utilizo são apropriados do cotidiano e têm seu contexto e função deslocados, temporariamente, ao fazer parte destes campos de cor.

A pesquisa está dividida em três capítulos. No primeiro, denominado “Caracterização do processo”, apresento de que modo se iniciou a construção de um campo de cor como um território expandido, no qual a pintura deixa de ser elaborada através dos modos da tradição e permanece através de um raciocínio pictórico, em todas as etapas de elaboração dos trabalhos. Nos subitens “Apropriação”, discorro como ocorre a busca por materiais para a construção dos campos de cor; o “Estoque”, que é o próprio ateliê, onde os materiais são armazenados e organizados por cor, e “Deslocamento de percurso/um outro circuito para o objeto” quando são transpostos do mundo

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comum para um trabalho artístico. Para abordar sobre este desloca-mento temporário dos materiais utilizo o conceito de transfiguração de Arthur Danto. No último subitem deste capítulo, “Pintura expan-dida”, abordo os aspectos pictóricos presentes nas cinco séries, e a partir do conceito de campo ampliado, da historiadora Rosalind Krauss, comento sobre as questões cromáticas que expandiram seus limites e ocupam um território ampliado. Expandir a linguagem pic-tórica dentro desse campo implica pensar sobre questões como o espaço circundante, a função do artista como responsável pelas de-cisões em relação a esse espaço e o modo de construir uma pintura. A cor opera como fio condutor para esta investigação, que, através da prática, possibilitou um aprofundamento teórico, principalmente através de Israel Pedrosa e Josef Albers.

No segundo capítulo, denominado “Registro”, apresento, através de um texto visual, imagens que contemplam as diferentes ocasiões em que os trabalhos foram executados, bem como as diferentes visuali-dades que cada série apresentou. Procuro evidenciar nessas imagens a relação que existe entre o conceito que desenvolvo no ateliê e as adequações que essas estruturas sofrem em relação às especificida-des do espaço, e de que modo acontece essa negociação no corpo do trabalho

No terceiro capítulo, “Lugar como obra”, analiso cada série de traba-lhos a partir dos conceitos criados e utilizados por Richard Wollheim para que uma pintura seja considerada arte. Tais conceitos foram in-vestigados em cada trabalho nos diferentes locais onde foram executa-dos. Marca, superfície e borda são os termos utilizados por Wollheim para discorrer sobre pintura em tela, todavia, também utilizei estas definições para pensar a pintura neste território mais amplo. A partir destes três termos, este mesmo autor analisa a intenção de cada tra-balho, que no caso das séries que aqui apresento permanece sempre a mesma, ainda que altere a sua visualidade a cada lugar que é instalada.

É relevante lembrar que a ideia de pintura está diretamente ligada a um fazer no ateliê ou em um local fixo, onde a obra começa e termina, e depois é levada pronta para onde se deseja: um espaço expositivo ou a casa de quem a adquiriu. Não é o que ocorre nestas proposições. O que marca a qualidade desses trabalhos é justamente a transitorie-dade da visualidade de cada proposição, relacionada às especificida-des do lugar.

A obra não vem pronta para o espaço expositivo. Ao contrário, a fatura do trabalho é realizada no lugar da exposição, dialogando com as espe-cificidades do local e mantendo o conceito previamente estabelecido no ateliê. Cada um desses lugares onde o trabalho é montado tem que tentar extrair dessa experiência questões que são levantadas por conta do espaço e de uma obra que terá sua visualidade móvel, em virtude do lugar. Desta forma, o ateliê, no meu caso, é uma instância elástica. Ele é em um lugar provisório, onde eu agrupo estes objetos – por cor –, é onde eu penso sobre o conceito do trabalho, e é também o lugar expositivo. O ateliê surge como uma instância também móvel, um lu-gar provisório.

Durante o período da pesquisa de mestrado o trabalho plástico ga-nhou muitas expansões configurando-se cada vez mais como campos de cor num território expandido de pintura. A adoção de múltiplos ma-teriais e objetos apropriados possibilitou a construção de novas séries, que tiveram como ponto de partida Pintura e Sementeira. Croma, cor-matéria e Plástica são fruto de experimentações, novas investigações reflexões e expansões deste estudo.

O mestrado me ajudou a buscar o cerne da pesquisa plástica, que de-senvolvo no ateliê, e aprofundar as questões mais pertinentes. A partir do interesse pela cor, descobri outros aspectos relacionados à pintura e sua expansão pelo espaço expositivo.

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1 Caracterização do processo

Caberia ao artista começar um confronto com territórios es-trangeiros que o circundam e, de forma progressiva, prolongar os contornos desse campo, invadindo territórios cada vez mais plurais, pois a conquista de novos limites se dá transbordando sobre outros campos.1

Esta pesquisa parte do meu processo artístico, que é a investigação de campos de cor no espaço expositivo, criados a partir da apropriação de objetos e materiais do cotidiano. Pretendo demonstrar em cinco séries de trabalhos – Pintura, Sementeira, Croma, Cor-matéria e Plás-tica – o modo como a pintura se desenvolve no processo artístico que desenvolvo.

Seu principal cerne de investigação é o conceito de raciocínio pictó-rico desenvolvido dentro de uma noção de pintura em território ex-pandido. Nestas séries de trabalhos, a pintura deixa de ser elaborada através dos modos da tradição – aplicação de camadas da cor sobre suportes como madeira e tela – e passa a ser a presença de cor, que pode ser encontrada em qualquer objeto e em qualquer lugar. Assim, a pintura migra de corpo e se transfigura em situações cromáticas no espaço expositivo. As estruturas pictóricas são construídas através das cores dos objetos, que possuem uma forma prévia. Opero a partir da coleta de cores que estão no mundo: cores fluorescentes, brilho-sas ou foscas, cítricas, neon, entre outras, e a partir do deslocamento dessas formas invento estruturas que se configuram em um campo de cor no espaço.

Os elementos do cotidiano passam a funcionar como módulos de cor na construção de estruturas que contêm uma lógica interna, através

1 HOUAYEK, 2011, p.72.

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de um raciocínio pictórico, que é estabelecida através da relação cro-mática entre estes módulos.

Josef Albers, um dos mais influentes artistas-educadores do século XX, desenvolveu diversos estudos em relação ao aspecto físico da cor. Ele afirma que as cores existem sempre em relação umas com as outras e nunca de um modo isolado: em relação ao meio onde está inserida, em relação aos objetos que estão ao redor ou em relação à ilumina-ção que um lugar oferece. Um mesmo trabalho, quando executado em lugares diferentes, terá situações pictóricas diferentes, mesmo que utilize os mesmos materiais. Além disso, de um lugar para o outro, o trabalho altera sua configuração para se adequar ao espaço e manter a lógica individual do trabalho. Essa lógica possibilita que o trabalho tenha diferentes configurações, mantendo um mesmo procedimento de elaboração e construção.

A cor é um fenômeno que apresenta tantas variações visuais, que é difí-cil para o olho humano conseguir traduzir em palavras essas sensações. Neste sentido, Albers (2002) comenta sobre a instabilidade da cor.

O maior obstáculo para os estudos da cor talvez seja a sua na-tureza efêmera; não podendo ser considerada matéria (pig-mento), já que depende da luz e dos nossos olhos para existir. A constatação da sua instabilidade diante das oscilações da luz e das influências das superfícies vizinhas contribui para criar uma sensação de insegurança em relação ao controle dos seus efeitos visuais2.

Este aspecto será de suma importância para o desenvolvimento desta pesquisa, pois, ao longo do processo de construção dessas séries, este fato pode ser observado de modos distintos e em diferentes situações. A cor é o elemento fundamental neste estudo, determinante para o desenvolvimento do processo de invenção e item fundamental na ela-boração do raciocínio pictórico.

2 ALBERS apud BARROS, 2006, p. 16.

etapas do processo

O processo de elaboração destas séries de trabalhos é composto por di-versos momentos: apropriação de materiais, armazenamento no esto-que, deslocamento temporário de alguns elementos para o espaço expo-sitivo, observação do espaço, elaboração e construção do campo de cor.

1.1 Apropriação

Objetos de todos os tipos são materiais para a nova arte: tintas, cadeiras, comida, luzes elétricas e neon, fumaça, água, meias velhas, um cachorro, filmes, mil outras coisas que serão desco-bertas pela geração atual de artistas. Esses corajosos criadores não só vão nos mostrar, como que pela primeira vez, o mundo que sempre tivemos em torno de nós mas ignoramos.3

O início desta prática ocorre com a busca por materiais que encontro em lojas de R$ 1,99, de ferragens, supermercados, entre outros esta-belecimentos. A partir da necessidade de algum item doméstico, ou mesmo com o objetivo de adquirir novos objetos, que posteriormente e temporariamente serão parte de um trabalho artístico, vou a uma dessas lojas e busco materiais que apresentam características específi-cas que me interessam entre elas: a cor vibrante e a translucidez.

O uso de materiais industriais começou a ser recorrente nas artes visu-ais a partir do minimalismo. Conforme Batchelor (2001), “[...] o traço autográfico do artista expressivo é eliminado. Os materiais que cada um dos artistas usou são mais industriais do que artísticos num sentin-do tradicional”4. Materiais como cimento, vigas de ferro, lâmpada, blo-cos de concreto, entre outros, passavam a ser utilizados na construção de proposições tridimensionais.

3 KAPROW apud FERREIRA e COTRIM, 2006, p.37.

4 BATCHELOR, 2001, p.13.

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Materiais cotidianos e objetos não disfarçados são unidos com arame, colados e parafusados. [...] os materiais para uma arte industrial tinham, como disse Judd, se tornado “familiares”.5

A partir de então, o artista passa a operar através da escolha das deci-sões e materiais já prontos, e não mais na manufatura de um trabalho artístico.

No momento em que o objeto está nas prateleiras de uma loja se rela-ciona com as demais mercadorias ao redor, criando assim um contínuo de relações de formas e funções, além do aspecto cromático que se configura naquela prateleira e naquele corredor onde esta mercadoria se situa. Começo, então, a perceber estes materiais coloridos, dispos-tos na prateleira, e o modo como se relacionam. A cada vez que vou a uma dessas lojas, os materiais estão dispostos de um modo distinto, e isto possibilita que diferentes associações sejam estabelecidas.

Objetos nas prateleiras de estabelecimentos comerciais.

Meu raciocínio opera de modo cromático, como se as coisas no mun-do fossem separadas em cores, por vezes fisicamente ou, em outras situações, mentalmente. Após comprar esses objetos, levo-os até meu ateliê e os armazeno em um estoque, organizados por grupos de cor.

5 BATCHELOR, 2001, p.25.

Objetos no estoque.

1.2 estoque

O estoque é o local onde busco elementos para a proliferação de re-lações de cor à medida que surge uma demanda externa, ou seja, a oportunidade de participar ou realizar uma exposição ou um projeto de arte. Rossini (2005) nos diz que entende a apropriação como uma “[...] ação insistente sobre um objeto ou lugar e é essa ação que dá ao objeto ou lugar um novo e transitório destino”6.

No estoque, os elementos estão sempre num devir, esperando o que eles poderiam vir a ser, como parte integrante de um campo de cor no espaço. São objetos à espera de se tornarem elementos para a cons-trução de um trabalho de arte. Em O mundo como armazém, Danto (2002) nos fala sobre relações entre trabalhos artísticos e cotidiano, operado pelos artistas Fluxus. Para esses artistas, no começo dos anos 1960, havia um pensamento que girava de modo similar entre essas duas instâncias.

6 ROSSINI, 2005, p.19.

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Objetos no estoque. (ao lado)

Um mundo de obras de arte e um mundo de meras coisas talvez pareçam exatamente iguais apesar de que a diferença aí tam-bém deve ser de grande importância. [...] Fluxus estava certo com relação ao fato de que a questão não é quais são as obras de arte, mas qual é a nossa percepção de algo visto como arte.7

O que difere do Fluxus em relação aos objetos apropriados nessa pes-quisa plástica é que, por si sós, os materiais não se constituem como um trabalho. Esta pesquisa não pretende designar algo como arte ou não. Os objetos cotidianos se transmutam em matéria-prima, que denomino de módulos de cor, para a construção, então, de um trabalho artístico.

Cabe dizer que talvez essa semelhança ocorra pelo fato de que os ma-teriais, não sofrem nenhuma alteração física. Continuam sendo eles mesmos. Entretanto, a diferença ocorre através do aspecto conceitual. Quando são deslocados para uma proposição pictórica, em um espaço expositivo, passam a funcionar como módulo de cor, e neste momento não desempenham mais sua função ordinária. Os elementos são to-dos reconhecíveis como tal, porém, temporariamente, exercem outra função. Se, após o final da exposição com o trabalho desmontado, um

7 DANTO, 2002, p.31.

determinado elemento voltar para o mundo, ou até mesmo para o es-toque, por uma determinação/arbitrariedade minha, este retoma sua função inicial.

Canongia (2005) nos lembra a herança conceitual deixada pelos da-daístas, no que diz respeito ao deslocamento de contexto de objetos.

A tentativa de tirar o objeto artístico da esfera restrita da própria arte, e lançá-lo diretamente na vida, junto às instâncias imedia-tas do vivido, foi, sem dúvida, um dos grandes trunfos da experi-ência Dadá e, sobretudo, de Marcel Duchamp. [...] Tirar um ob-jeto de seu contexto habitual, utilitário, e o transferir para outro meio físico é criar para esse objeto um novo sentido.8

Nos campos monocromáticos, é possível pensar sobre as relações pro-vocadas através da transposição dos materiais para este novo contex-to, bem como a alteração do seu percurso de circulação.

Esse deslocamento ocorre, a princípio, pelo reconhecimento do objeto como tal. Em seguida, através da observação deste material, começo a deslizar o olhar sobre a sua superfície e, em certo momento, penso sobre o desenho que gerou este elemento – que é uma ideia prévia a esse objeto – e de que forma este desenho comparece na sua estrutu-ra. O meu olhar continua nesta observação, e começo a perceber aos poucos este objeto fora da sua função ordinária, para analisar outros aspectos topológicos: o rebatimento que determinado objeto provoca na luz que incide sobre ele; a borda de um pote com cor intensa que fica neon conforme o ângulo em que é observado; o fundo de uma bacia que apresenta uma concentração maior de matéria e, portanto, altera a densidade de sua cor; as linhas que contornam este elemento e que, muitas vezes, se repetem criando uma textura na superfície; e entre tantos outros que podem ser verificados à medida que se obser-va a superfície destes materiais.

Este modo de raciocínio revela que a função do objeto, no momento em que ele se encontra no espaço expositivo, é transfigurada9. Além

8 CANONGIA, 2005, p. 23.

9 Este termo é utilizado principalmente na Filosofia. Em se tratando de artes visuais, o autor que utiliza tal conceito é Arthur Danto, em alguns de seus livros, como A transfiguração do lugar-comum e A arte após o fim da arte. No texto “O mundo como Armazém: Fluxus e Filosofia”, Danto

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disso, esta operação de deslocamento faz pensar também sobre três categorias artísticas, frequentes desde as primeiras décadas do século XX, e que utilizavam a apropriação como procedimento artístico: as-semblage, objet trouvé e ready-made.

A partir das assemblages, se dissemina a ideia de que todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado ao trabalho artístico. Confor-me Lucie-Smith (2006), a assemblage foi importante porque provocou uma consideração radical sobre os formatos nos quais as artes visuais poderiam atuar. Batchelor (2001) afirma que, em meados dos anos 1950, Robert Rauschenberg começou a intitular suas grandes telas, de-rivadas da colagem, de “Combines”, e tampouco o trabalho de Jasper Johns repousava em outro ramo tradicional da arte.

Isso não significa apenas que dois artistas tinham começado a fixar objetos “encontrados” ou materiais cotidianos à superfície de suas telas. Para o crítico Leo Steinberg, o trabalho de Raus-chenberg – desde a época de suas telas monocráticas do início de 1950 – marcou uma guinada extremamente significativa no desenvolvimento da pintura [...] ao abandonar a ilusão de três dimensões, a pintura afeiçoou-se literalmente à tridimensiona-lidade. E, nesse processo, tornou-se outra coisa10.

Lucie-Smith (2006) nos diz ainda que, nas mãos da geração do pós-Guerra, a colagem evoluiu para a “arte da assemblage”, um meio de criar obras de arte quase exclusivamente a partir de elementos pree-xistentes, no qual a contribuição do artista estava em definir as rela-ções entre os objetos e reuni-los, e não em fazer objetos ab initio11. Segundo Archer (2001), existem duas ideias-chave amalgamadas à pa-lavra assemblage:

diz: “Nesses anos cruciais, especialmente em Nova Iorque e suas redondezas, o lugar comum da experiência cotidiana tinha começado a passar por um tipo de transfiguração na consciência artística. Surgia a ideia de que nada externo faria distinguir uma obra de arte dos objetos ou eventos mais comuns [...] A mais comum das caixas de madeira, um carretel de linha de varal, uma tela de arame, uma fila de tijolos, poderia ser uma escultura. Uma simples forma pintada de branco poderia ser uma pintura” (2002, p. 24) Neste sentindo, a palavra transfiguração é uti-lizada aqui para transcorrer sobre o deslocamento contextual dos materiais apropriados e suas implicações conceituais.

10 BATCHELOR, 2001, pg.15.

11 Este termo em latim pode ser traduzido como “desde o início”.

A primeira delas é a de que, por mais que a união de certas ima-gens e objetos possa produzir arte, tais imagens e objetos jamais perdem totalmente sua identificação com o mundo comum, co-tidiano, de onde foram retirados. A segunda é a de que nossa conexão com o cotidiano, desde que não nos envergonhemos dela, deixa o caminho livre para o uso de uma vasta gama de materiais e técnicas até agora não associados ao fazer artístico.12

É possível identificar que as séries de trabalhos Pintura, Sementeira, Croma, Cor-matéria e Plástica carregam aspectos relacionados à as-semblage, na medida em que o procedimento de construção das pro-posições se inicia a partir da apropriação, seleção e agrupamento de materiais diversos, que são deslocados de seu contexto e inseridos em outro circuito de circulação.

Neste sentido, o conceito de objet trouvé também se aplica ao procedi-mento de construção destas séries, pois ele designa objetos já existen-tes, frequentemente utilizados como matéria-prima. Em outras pala-vras, o seu significado está em retirar um objeto de seu fluxo cotidiano para torná-lo um objeto artístico.

Os trabalhos desta pesquisa parecem ter uma deliberação um pouco mais minuciosa. Interessam-me materiais com algumas especificida-des: devem ser de plástico, pois este material tem uma apresentação que favorece a cor, devem ser transparentes ou translúcidos, e a cor deve ser preferencialmente de uma tonalidade intensa.

Assim, é possível também estabelecer uma relação destes trabalhos com o ready-made. Danto (2002) nos fala sobre alguns conceitos dei-xados por Marcel Duchamp, em relação aos objetos apropriados.

Seus chamados ready-mades eram, em sua maioria, objetos manufaturados de reconhecida utilidade, disponível a qualquer um que precisasse remover neve com uma pá, esvaziar garra-fas ou escovar cachorros. Qualquer pessoa provida com alguns dólares poderia em princípio entrar numa loja de ferramentas e sair de lá com uma obra de arte.13

12 ARCHER, 2001, p. 03.

13 DANTO, 2002, p. 29.

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Seria possível estabelecer uma relação entre esta operação com os ob-jetos de que me aproprio, uma vez que estes são bastante comuns e encontrados nos estabelecimentos comerciais mais populares. Entre-tanto, o objeto em si não se configura como um trabalho artístico. Ele é matéria-prima para a construção de uma estrutura pictórica. A partir de uma lógica interna, que é estabelecida através da relação entre os módulos cromáticos, é que se origina uma configuração que ora pri-vilegia áreas com tonalidades mais transparentes, e ora mais opacas; áreas com maior ou menor variação tonal; áreas que contém mais ele-mentos compositivos ou áreas mais neutras. É através destas relações contidas no interior do trabalho que se origina o campo de cor.

Os elementos que busco também devem apresentar características bem definidas, conforme também especificado no objet trouvé. Entre-tanto, os materiais não possuem uma indiferença visual. Ao contrário, apresentam uma cor vibrante e intensa, que dificilmente passa des-percebida. Na loja, porém, este objeto está situado no meio de outros tantos, com estas mesmas características visuais.

Se o ready-made pretende uma neutralidade do objeto, os trabalhos desta pesquisa de campos de cor buscam apropriar-se das qualidades que o material apresenta, sem negar sua ênfase visual, e a partir da relação entre estes objetos prontos, rearticulo estas formas, criando uma estrutura que apresenta um raciocínio pictórico interno.

Essa lógica interna permite que os trabalhos possam mudar de forma/configuração e continuar o mesmo trabalho. Mesmo variando a forma no espaço, permanece essa estrutura pensada por mim: as relações de transparência e opacidade, a imanência da cor, áreas com saturação cromática maior, novas relações cromáticas através da adição da cor dos objetos, etc.

Todavia, refletindo sobre estes três procedimentos - assemblage, objet trouvé e ready-made -, é possível perceber também que os elementos utilizados como matéria-prima, ao serem deslocados de seu percurso, continuam carregando aspectos ligados à sua origem como objetos or-dinários/funcionais.

1.3 Deslocamento de percurso / outro circuito para o objeto

Essa operação de transfiguração dos elementos compreende o deslo-camento de todo o processo de construção e desenvolvimento do ob-jeto até chegar a um estabelecimento comercial: projeto, fabricação, distribuição e circulação de mercadoria. Portanto, não é somente um deslocamento físico, mas principalmente um deslocamento da história e do projeto contidos no objeto. Ao serem deslocados para o espaço expositivo, estes materiais são ressignificados.

Este percurso tem início a partir de uma necessidade mercadológica: uma linha de copos de plástico rígido, de determinada cor, com um design específico, para um público determinado, com um valor prees-tabelecido. Essa demanda gera um projeto, que vai atender e definir as características específicas deste produto, sugerindo uma determinada função. Em alguns casos, este produto pode passar por uma fase de teste, antes de ser lançado ao mercado. Então, é desenvolvida uma pesquisa de mercado qualitativa (denominada focus group) que con-siste em reunir um grupo de pessoas para avaliar este produto, que tanto pode ser aprovado como também reformulado.

Após a aprovação, ao ser lançado no mercado, este produto passa a ser fabricado em série e armazenado em um depósito da fábrica. Atra-vés de uma logística, diariamente, uma determinada quantidade deste produto passa a ser distribuída nos pontos-de-venda. A partir desse momento, o varejista compõe seu estoque, que é organizado con-forme a necessidade do estabelecimento. Um funcionário desta loja transporta estes objetos para a prateleira e organiza estes produtos normalmente por funções, formatos e cores. Escolho alguns materiais e os levo para o meu estoque.

O meu estoque começa a se formar em relação ao estoque do estabe-lecimento comercial. Os objetos que estão na prateleira naquele dia específico em que visitei a loja é que poderão ser apropriados e fazer parte do estoque. É importante dizer que este estoque se renova conti-nuamente e nunca está completo. Além do fato de que alguns dos ele-

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mentos podem estar operando como módulos de cor, fora do estoque, novos materiais chegam a este espaço frequentemente.

Sabendo que estes são objetos comuns do dia-a-dia, muitas vezes os utilizo como objetos domésticos: levo alguns cabides verde-limão para a minha casa e os coloco no meu guarda-roupa; uso a pá de lixo amare-la fluorescente para juntar os ciscos do ateliê; ofereço água às visitas e amigos em copos coloridos que estavam junto com os demais elemen-tos de cor correspondente, e assim por diante.

Portanto, apropriar-se de objetos translúcidos e coloridos é investigar essas relações cromáticas que estão presentes em todas as camadas de elaboração destas séries, tanto no seu processo de criação quanto na apresentação do trabalho.

Ao deslocar estes materiais para um espaço de exposição, todo esse percurso está implícito no meu trabalho e comparece na escolha dos objetos que coloco no espaço expositivo. O modo como é construído o campo de cor implica relacionar todas essas questões que são provo-cadas através dos deslocamentos.

Além dessa transfiguração dos objetos, há nessas estruturas cromá-ticas um raciocínio pictórico que habita em um território ampliado e acredito que configura-se como pintura expandida.

1.4 Pintura expandida

Expandir a linguagem pictórica dentro de um território ampliado im-plica pensar sobre questões como o espaço circundante, a função do artista como responsável pelas decisões em relação a esse espaço e o modo de construir uma pintura.

Caracterizam-se como pintura expandida as proposições artísticas que possuem uma vocação de alguns elementos que reconhecemos na pin-tura tradicional, que tendem a uma expansão maior e se apresentam num espaço fora da tela. Assim, abandonam os métodos tradicionais

– tinta, pincel e tela – e se apropriam de materiais do cotidiano com funções diversas para a elaboração de estruturas nas quais é possível visualizar os elementos de uma pintura tradicional: cor; luz; camadas; planos; linhas; veladuras; ou perspectiva, etc.

Nestas cinco séries de trabalhos, Pinturas, Sementeira, Croma, Cor-matéria e Plástica, a investigação ocorre principalmente através do desenvolvimento da cor, da luz e também de veladuras. O conceito de veladura, nos modos tradicionais da pintura, compreende uma leve demão/camada de tinta aplicada sobre outra, deixando transparecer o que está por baixo, com a intenção de criar uma terceira tonalidade.

Velatura14.Camada transparente de tinta aplicada sobre alguma outra cor ou sobre a base, de modo que a luz incidente seja re-fletida pela superfície coberta e modificada pela própria velatu-ra. O efeito da combinação de uma velatura com uma cor é di-ferente daquele resultante de dois pigmentos na pintura direta, pois a velatura confere uma profundidade e uma luz especiais.15

Nestas proposições, o procedimento é desenvolvido através da sobre-posição de objetos coloridos e translúcidos de uma mesma cor, com tonalidades diferentes. A luz que perpassa estes objetos faz com que tal característica fique em evidência. Além disso, a cor que perpassa os elementos se espalha pelo espaço circundante, incorporando-o como parte integrante do trabalho, operando também como superfície da es-trutura. Essas proposições pictóricas ocupam o espaço enquanto se ex-pande como campo de cor. Neste sentido, tomo como um dos pontos de partida o conceito de campo ampliado, criado pela historiadora da arte Rosalind Krauss (1941– ), que defende a ideia de que “[...] categorias como a escultura e a pintura foram amassadas, esticadas, e retorcidas em uma extraordinária demonstração de elasticidade, revelando de que forma um termo pode expandir-se para poder fazer referência a qual-quer coisa”16. A partir do viés relacionado à pintura no campo ampliado, Krauss defende principalmente que a problemática deste meio não se resume só ao plano da tela, mas se estende para o espaço expositivo.

14 O dicionário utiliza a palavra velatura, mas usualmente é denominada veladura.

15 CHILVERS, 2001, p. 545.

16 KRAUSS, 1996. (tradução do espanhol: Maria Helena Bernardes).

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Krauss foi aluna de Clement Greenberg (1909–1994), crítico de pintura e escultura, que deixou contribuição sobre a exploração das qualidades essenciais e inerentes a cada meio artístico. Greenberg, porém, defen-dia a ideia de que a superfície plana era única e exclusiva da pintura.

As limitações que constituem os meios de que a pintura se ser-ve – a superfície plana, a forma do suporte, as propriedades das tintas – foram tratadas pelos mestres antigos como fatores ne-gativos que só podiam ser conhecidos implícita ou indiretamen-te. A pintura moderna veio a considerar tais limitações como fatores positivos que devem ser reconhecidos abertamente.17

Krauss expande este conceito e subverte a ideia de que toda a problemática da pintura estava contida no plano bidimensional. A críti-ca defende que este meio, assim como a escultura, pode expandir seus limites, migrando para o espaço, para o campo ampliado. Complemen-tando este modo de pensar, Houayek (2011) nos diz ainda que “[...] é possível pensar que houve uma transmutação da pintura em outra coisa, e em um primeiro momento da sua investigação se configura como saída para o espaço – a pintura atua no mundo”18.

Na criação de campos de cor que proponho, existe uma ação que mo-difica o material (no caso das massas gelatinosas de cor, nas séries Pin-tura e Sementeira) ou que dispõe os objetos em determinado lugar (nas séries Croma, Cor-matéria e Plástica). O resultado da ação sobre estes materiais é a imagem que se dá a ver ao espectador. A função que desempenho enquanto artista é de perceber o espaço, e o modo como instalar os objetos, estabelecendo um diálogo entre os mesmos e entre a arquitetura, de modo que a estrutura interna continue apre-sentando a mesma lógica previamente elaborada no ateliê.

Em cada uma das séries de trabalhos, é elaborado um procedimento, que se mantém cada vez que um deles é construído. Algumas decisões são feitas de modo prévio à construção do trabalho – como, por exem-plo, o tipo de material que será utilizado –, e outras decisões que só po-dem ser determinadas durante a construção da estrutura: o local onde o trabalho será instaurado e o modo como este vai se constituir no espaço.

17 BATTCOCK, 2002, p. 98.

18 HOUAYEK, 2011, p. 55.

Contudo, há uma vontade prévia na construção de campos de cor no espaço. As formalizações dos trabalhos podem ocorrer de modo di-ferente conforme o lugar onde estão construídos, mas a intenção de construí-las continua a mesma.

Wollheim (2007) defende que uma pintura, para ser praticada como arte, é uma questão da maneira como as intenções se formam ou do modo como uma intenção gera outra.

No momento em que escolho um tipo de material ou objeto, percebo neste uma série de possibilidades/potencialidades que podem ser ex-ploradas na construção de campos de cor. Ao experimentar a massa gelatinosa de cor, percebo que esta pode se expandir como matéria. Nessa expansão, percebo que esta massa apresenta volume, é translú-cida, brilhosa, viscosa, que gruda ao ser depositada sobre uma superfí-cie porosa, é úmida, se transforma ao longo do tempo, e tem a possibi-lidade de se misturar, originando outras cores. Essa mistura tanto pode ocorrer quando ela ainda está viscosa, na embalagem, originando ou-tra cor homogênea, quanto pode ser pela sobreposição desta massa na parede, favorecendo veladuras. Houayek (2011) nos fala sobre o território onde habita o artista inserido em uma contemporaneidade.

Trouxemos o artista como nômade que, ao habitar as frontei-ras movediças do campo pictórico, transita entre os campos da pintura e da vida, ativando e desativando relações e oferecen-do assim novas possibilidades para a pintura. A pintura, assim, passa a não se tratar apenas de habitar um campo pictórico de-terminado, mas de ampliar o território onde o campo pictórico possa habitar19.

No caso da série Pinturas, o trabalho se constitui somente no momen-to em que as massas de cor estão dispostas em uma parede específica. Então, as características materiais do espaço – tipo de parede, material das paredes, dimensão, tipo de chão, rodapé, altura do pé direito – concorrem para o tipo de pintura que vai surgir.

Quando a matéria escorre ou se torna seca, ela fica mais transparen-te, deixando ver o que tem por baixo: o branco da parede ou outra camada de cor. À medida que escorre, as bordas desta mancha de cor

19 HOUAYEK, 2011, p. 73.

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ficam mais espessas, e a parte intermediária se transforma em uma película muito rasa, uma fina membrana de cor. Quando esta matéria está chegando próxima ao chão, ela volta a se adensar, quase na den-sidade do pote, mas, por estar em contato com o ar, perde um pou-co a viscosidade e mantém o brilho por algumas horas. Ao longo dos dias, esta estrutura de cor se transforma conforme as características climáticas do lugar onde está instaurada, e conforme a superfície em que se sobrepõe.

Em Sementeira, essa mesma massa de cor é matéria-prima em outro procedimento. Percebidas as suas características fluidas, é utilizada em uma proposição onde fica armazenada nas suas cavidades do ma-terial de plástico e escorre a partir de pequenos furos na parte inferior. Ao perceber outras possibilidades para estes materiais, provoco uma alteração da função da sementeira: no lugar de semente e terra, está uma massa viscosa de cor, que escorre em movimento quase contínuo pelos furos por onde o excesso de água seria eliminado.

Neste sentindo, esses trabalhos se propõem a estabelecer relações de deslocamento e transposições de materiais, que atuam ora no cotidia-no, ora em um trabalho artístico. Esses dois momentos são temporá-rios, e assim um objeto pode oscilar entre um território e outro.

Nas séries seguintes, Croma, Cor-matéria e Plástica, exploro outras pos-sibilidades a partir dos objetos apropriados. Por exemplo, os copos são elementos que estão presentes nestas três séries e são encontrados no mercado em diversos modelos. Cada um deles apresenta um grupo de qualidades favoráveis como módulos de cor nas estruturas cromá-ticas. Há um modelo em formato de cilindro, que tem a borda neon e a base com uma concentração maior de cor; há outro modelo com bordas mais abertas e com volume maior na parte inferior, e assim por diante. Os canudos também são objetos onde percebo potencialidades cromáticas. Eles apresentam uma cor uniforme, e os mais espessos e opacos parecem ter uma cor mais escura por dentro. Desse modo, são essas particularidades pictóricas que percebo e exploro nesses diversos materiais. Além disso, em cada situação, eles podem se apresentar de modo diferente, tanto na sua posição quanto na coloração, na medida em que atuam em relação aos outros objetos circundantes.

Neste processo que estabeleço, é constituído um repertório de objetos

que vão funcionar como módulos de cor na construção de estruturas cromáticas. É necessário escolher os materiais, armazená-los e deter-minar quais elementos, em determinado momento, irão para o espaço expositivo. Ou seja, perceber as potencialidades dos materiais e de-finir o que parece ser possível de se construir a partir de um e outro elemento de cor. É através desta relação entre os objetos, a partir do modo como essas estruturas são possíveis de se relacionar e com o lu-gar onde estão instaladas, que construo a estrutura de cor no espaço.

1.4.1 Raciocínio pictórico

A cor é uma das dimensões da obra. [...] Portanto, possui um desenvolvimento próprio, elementar, pois é o núcleo mesmo da pintura, sua razão de ser. Quando, porém, a cor não está mais submetida ao retângulo, nem a qualquer representação sobre esse retângulo, ela tende a se “corporificar”, torna-se temporal, cria sua própria estrutura, que a obra passa então a ser o “corpo da cor”20.

O que denomino raciocínio pictórico, utilizado para a constru-ção destas séries de trabalhos, ocorre através de um contínuo de rela-ções que ocorre durante todo o processo de construção de um campo de cor no espaço: o deambular pelas lojas, a apropriação de materiais, o armazenamento por cor em estoque, a seleção de alguns objetos para deslocamento temporário e a construção do trabalho propria-mente dito, através dos campos de cor.

Encontro uma cor, persigo outra e relaciono algumas no próprio lugar de origem das apropriações. Não vejo as cores isoladas, mas em pro-fusão. Albers (2002) no diz que “[...] tendo em mente que a cor deve ser analisada dentro de um contexto cromático figura-fundo, ou seja,

20 OITICICA, 1986, P.23

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estabelecendo sempre uma inter-relação entre as cores”21, penso que a cor no meu trabalho se apresenta através de aproximações, e, por-tanto, cada deslocamento é uma nova cor.

A aparência física dos objetos é determinada por três fatores, segundo Perrazo (1999): “[...] anteparo, pigmentação (as substâncias que dão cor) e sua posição em relação à fonte de luz que o ilumina”22.

Isto porque, se a luz não encontrar obstáculo algum em seu caminho, ela não se fará visível ao olho humano. Somente ao encontrar algum tipo de matéria, que chamamos de anteparo, é que a cor torna-se visível aos nossos olhos23.

Os anteparos onde esta cor repousa são objetos translúcidos, ou seja, a luz atravessa estes corpos coloridos e determina de modo ainda mais enfático a sua coloração conforme a iluminação do ambiente.

Além disso, o fato de serem translúcidos e não opacos faz com que te-nham pouco branco na sua pigmentação e, assim, são cores puras, que favorecem um alto grau de crominância, ou seja, são saturadas ou, no modo popular, cores vivas ou vibrantes. Segundo Pedrosa (1982), “[...] croma é a qualidade específica de saturação de cada cor que indica seu grau de pureza. As cores perdem croma ou crominância, dessaturando-se ao serem misturadas ao branco”24. Ainda, segundo o mesmo autor,

Croma refere-se à saturação, percebida como intensidade da cor. Estágio em que o vermelho apresenta-se mais vermelho, eqüi-distante do azul e do amarelo; o amarelo mais amarelo; o ver-de mais verde; o azul mais azul. Quando uma cor apresenta alto índice de cromaticidade é, comumente, chamada de cor viva.25

A luz do ambiente onde os objetos estão é outro fator que influen-cia a cor que um determinado material apresentará. Segundo Perrazo (1999), tendo a luz como fonte e a visão humana como sistema recep-

21 BARROS, 2006, p. 217.

22 PERRAZO, 1999, p. 17.

23 PERRAZO, 1999, p. 12

24 PEDROSA, 1982, p.201.

25 Ibidem, p. 35.

tor, ainda assim não temos a garantia de captar visualmente as cores.

Os efeitos luminosos, constituídos por radiações eletromagnéticas, ca-pazes de provocar a sensação que denominamos cor, de acordo com Pedrosa (2008) dividem-se em três grupos distintos.

O das cores-luz, o das cores-pigmento opacas e o das cores-pigmento transparentes. Mesmo tendo a luz como origem co-mum, esses estímulos constituem espécies diferentes26.

Sabendo que os anteparos – no caso objetos de plásticos – utilizados para a construção destes campos de cor são translúcidos ou transpa-rentes27, no momento em que se sobrepõem estes módulos de cor, a cor de um objeto é somada à de outro, originando uma nova cor. Sendo assim, nesta pesquisa está sendo investigada a cor-pigmento transparente28:

Cores-pigmento transparentes são as cores de superfície pro-duzidas pela propriedade de alguns corpos químicos de filtrar os raios luminosos incidentes, por efeitos de absorção, reflexão e transparência, tal como ocorre nas aquarelas, nas películas fotográficas e nos processos de impressão gráfica em que as imagens são produzidas por retículas e por pontos nos proces-sos computadorizados29.

Quando encontro um copo azul, numa loja, ele provavelmente está ao lado de um produto de outra cor. Então, já existe uma configuração de relação de cor, e é dentro dessa configuração, fugidia, momentânea, que eu começo a raciocinar sobre esta cor. Conforme Barros (2006),

26 PEDROSA, 2008, p. 25.

27 “Um material transparente se deixa atravessar pela luz, enquanto um fosco (ou translúci-do) só é atravessado parcialmente. Os meios transparentes e os meios translúcidos permitem, portanto, que se dê o fenômeno da propagação da luz. Isto é, trata-se de meios que se deixam atravessar pela luz, embora de modos distintos. Os meios denominados transparentes, como vi-mos, permitem a propagação regular da luz, ao passo que os ditos translúcidos possibilitam uma propagação irregular” (PERRAZO, 1999, p. 18).

28 A demonstração teórica e a sugestão para incluir essa tríade primária de cores ao lado das duas outras foram feitas publicamente pela primeira vez por Israel Pedrosa, em 1956, para um grupo de professores e alunos da USP, em palestra organizada pelo físico e crítico de arte Mario Schenberg (PEDROSA, 2008 p. 29).

29 PEDROSA, 2008, p. 30.

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O maior obstáculo para os estudos da cor talvez seja a sua natureza efêmera; não podendo ser considerada matéria (pig-mento), já que depende da luz e dos nossos olhos para existir. A constatação da sua instabilidade diante das oscilações da luz e das influências das superfícies vizinhas contribui para criar uma sensação de insegurança em relação ao controle dos seus efei-tos visuais. [...] a interdependência desses três elementos é que faz com que esse fenômeno seja totalmente relativo. A cor nun-ca é absoluta, igual. Ela muda de acordo com qualquer variação que se dê nesses elementos.30

Quer dizer, escolho um azul por uma determinação do meu encontro com aquele azul naquela loja. Porque ele é diferente se está ao lado de algum objeto transparente ou branco, ou ao lado de algum material metálico ou colorido. De acordo com Pedrosa (1982), denominamos este fenômeno de “[...] cor aparente ou acidental, pois é a cor variável apresentada por um objeto segundo a propriedade da luz que o envol-ve ou a influência de outras cores próximas”31.

Deste modo, a partir das relações estabelecidas entre os módulos cromáticos translúcidos, outras cores ou outros matizes surgem no interior do campo de cor, conforme a posição como os módulos das mesmas forem arranjados. Conforme a maneira como estes módulos são arranjados, sua tonalidade pode ser alterada como “[...] cor cam-biante, aquela que varia conforme o ângulo em que os objetos são observados”32. Alterações serão também percebidas como variações cromáticas pelo observador que caminhe em frente ao trabalho.

Além disso, os materiais com estas qualidades possibilitam que a cor se projete ou se expanda para o espaço expositivo, através da luz que incide sobre o trabalho, incorporando o local como parte integrante da proposição. Essa projeção de cor para o espaço dependerá da maneira como os módulos de cor forem posicionados e do tipo de relação cro-mática que os elementos favoreçam. De acordo com Munari (2002), “[...] na percepção visual, quase nunca se vê uma cor como ela real-

30 BARROS, 2006, p. 16.

31 PEDROSA, 1982, p. 22.

32 Ibidem.

mente é – como ela é fisicamente. Isso faz com que a cor seja o meio mais relativo entre os empregados pela arte”33.

Dentro deste mesmo raciocínio, os exercício propostos por ALbers têm como objetivo “conscientizar que as cores se apresentam num fluxo contínuo, instável, em constante interação com as cores vizinhas e sus-cetíveis às alterações da luz”34.

Nestas configurações, a minha escolha está influenciada dentro de uma relação estabelecida não somente por mim, mas pelo mundo: pelo comerciante ou pelo funcionário que estabelece a posição dos objetos naquele dia, naquela semana, naquele mês.

Na sequência deste procedimento, de apropriação e coleta, desloco os objetos apropriados para o que chamo de estoque. Agora, em outro ambiente, este mesmo artefato vai ocupar um lugar e sem que o mes-mo sofra qualquer tipo de transformação material, poderá se apresen-tar sob outra relação cromática. Albers (2002) nos mostra a influência de dois fatores modificadores de percepção cromática: “[...] a clarida-de e o matiz. Ou seja, a claridade ou a escuridão do fundo e, ao mesmo tempo, a qualidade da cor desse fundo influenciam a percepção da cor da figura”35.

Esse segundo momento do processo, que é a cor no estoque, também não é neutro, pois já existem outros objetos de outras cores, formas e funções, e dessa maneira continuam agindo em relação.

Após a observação destes objetos, começo a pensar em um reposicio-namento dos elementos na construção do campo de cor. Antes de ser um deslocamento visual e funcional, é um deslocamento físico, e, em consequência disso, ocorre alteração das características fundamentais da cor. Albers (2002) nos diz ainda que “[...] qualquer cor (tonalidade ou matiz) tem sempre duas características fundamentais: intensidade cromática (brilho) e intensidade de luz (luminosidade)”36. Se antes a borda de um copo estaria para cima, esta pode estar deslocada para o

33 ALBERS, 2002, introdução Bruno Munari.

34 BARROS, 2006, p. 224.

35 Ibidem, p. 228.

36 ALBERS, 2002, p. 45.

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lado ou emborcada. Isto vai gerar outra configuração, na qual pode ser observado, por exemplo, que a cor deste material provavelmente vai se alterar, já que a incidência da luz sobre ele será diferente da posição anterior. Isto ocorre tanto em relação ao próprio objeto como também no reflexo que vai provocar no objeto ao lado.

No momento em que é feita a escolha dos objetos que farão parte do campo de cor no espaço de exposição, ocorre uma seleção cromática. Um grupo de uma mesma cor é deslocado para o espaço onde atua, com a sua função ordinária subtraída. Normalmente, os mesmos ele-mentos referentes a um trabalho são deslocados, quando houver uma demanda, e, além disso, novos materiais podem ser adquiridos para manter a lógica interna do trabalho. Chegando ao local onde será cons-truída a estrutura de cor, pode ocorrer uma nova seleção de objetos, ou todos podem ser utilizados, conforme a necessidade.

Do estoque à sala expositiva, esses elementos com os quais construo a cor vão sofrendo novas alterações de posicionamento pois desta vez serão pensados para continuar agindo em relação, no espaço exposi-tivo. Conforme Barros (2006), “[...] com a percepção das interações cromáticas, a cor se revela num mecanismo autônomo, que funciona independentemente das formas”.37 Dentro desse raciocínio, é impor-tante dizer que esta nova relação entre os materiais, nos diferentes espaços expositivos, gera uma configuração que pode se alterar em cada lugar onde será instaurada, devido às especificidades de cada um. O que se mantém em cada execução do trabalho são o procedimento e a lógica. Chegando ao local expositivo, observo cada detalhe do espaço para conseguir entendê-lo e para que, no momento que for desenvol-ver o trabalho, o espaço opere a favor da minha ideia.

Nestas cinco séries de trabalhos, os elementos (módulos de cor) só se constituem como tal através das relações que estabelecem. Por isso, mesmo que repetidos na construção de outros campos de cor, eles ad-quirem nova configuração, porque vão estabelecer relações diversas, que são provocadas pela mudança de ambiente e também por algum tipo de interesse em explorar uma ou outra situação de cor através do modo como os elementos serão dispostos.

37 BARROS, 2006, p. 219.

Uma característica de todo o meu raciocínio pictórico, que estabelece o tempo do meu trabalho, é que todos esses momentos que estabele-ço durante o processo são temporários. Todavia, alguns aspectos per-manecem constantes, como o que Wollheim (2007) denomina de in-tenção: “[...] uma espécie de comando interior que se dirige ao artista e ordena que ele pinte de modo tal que o espectador possa identificar corretamente o que ele fez”38. A intenção inicial é fazer um campo de cor, mas o modo como ele vai se constituir somente será possível de saber observando o lugar, refletindo sobre as possibilidades e fazendo a estrutura propriamente dita. Este comando interior citado por Wol-lheim, no caso destas séries de trabalhos, é o que decide a posição onde cada elemento vai se posicionar dentro da estrutura pictórica, a fim de estabelecer uma determinada relação cromática: áreas com mais luminosidade, área mais escura, mais contrastante, menos trans-parente, entre outras características do lugar.

Segundo este mesmo autor, a intenção do trabalho é tornar conscien-tes as relações nele estabelecidas. Quando o artista percebe que de-terminada situação está acontecendo, esta passa a ser intencional, e o artista a assimila como parte do trabalho. Assim, se em um determina-do espaço há necessidade de aumentar a quantidade dos módulos de cor, isto será feito, possibilitando, assim, que o trabalho se mantenha o mesmo, apesar da alteração da sua visualidade.

38 WOLLHEIM, 2002, p. 19.

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2 Registro

Que experiência pode proporcionar o registro em imagens no contexto da arte e qual o seu papel ao documentar em arquivo um trabalho artístico?39

Durante o desenvolvimento destes trabalhos, o registro foi pensado como um inventário da pesquisa. A cada montagem dos trabalhos, sur-gem novos questionamentos em virtude das diferentes visualidades. O procedimento que utilizo é perceber e estudar o espaço, e a partir de então realizar alterações no trabalho para que ele permaneça o mes-mo. Assim, também procuro evidenciar, nessas imagens, a relação que existe entre o conceito que desenvolvo no ateliê e as adequações que esses objetos sofrem em relação à pressão do espaço, e de que modo acontece essa negociação no corpo do trabalho. Existe uma ideia que é prévia, e a configuração de cada trabalho é alterada para que esta se mantenha. Deste modo, é na confluência entre o espaço e a ideia que se configura o trabalho.

Através de um texto visual ao longo deste capítulo, as imagens procu-ram contemplar as ocasiões em que os trabalhos foram executados em locais expositivos, bem como as diferentes visualidades que cada série apresentou em cada um desses momentos, pressionados pelas características arquitetônicas.

O espaço pressiona para um tipo de determinação, e o entorno, antes de receber os materiais, recebe uma ideia. Então, a partir de uma es-colha, de uma estratégia em relação àquele espaço, é que relaciono o repertório de objetos que carrego para realizar essa negociação.

Com o objetivo de melhor abordar o conteúdo das imagens, é expli-citado o que motivou a escolha desta sequência: processo de elabo-

39 COSTA, 2009, p. 79.

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ração do conceito no ateliê e de construção de um mesmo trabalho através de diferentes configurações alteradas em virtudes do espaço.

2.1 ensaio visual

PINTuRAS

O procedimento de construção da série Pinturas ocorre através da co-locação de determinadas quantidades de matéria sobre a superfície da parede. Pretende-se, através da massa gelatinosa, criar linhas de cor que em alguns momentos se sobrepõem, favorecendo veladuras. Em algumas áreas do trabalho, proponho algo efetivo em relação à cor – a massa é esticada, puxada, manipulada com o objetivo de criar dife-rentes densidades de cor na estrutura pictórica –, e em outras, a cor se torna independente da minha ação e escorre através da gravidade. Somente seleciono a quantidade de matéria e a altura em que aquela massa gelatinosa vai ficar.

Após a manipulação da matéria, esta massa escorre através da lei da gravidade, e, portanto, não é mais possível controlá-la. Esta massa vai

Imagem de Pinturas na Galeria Victor Kursancew em Joinville (2010)

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marcando a parede até chegar ao chão, formando acúmulos de cor, que ora se sobrepõem e ora se justapõem.

O trabalho não está pronto quando termino de colocar as massas de cor na parede ou quando elas acabam de escorrer. Este é outro mo-mento. A ação do tempo agindo sobre o trabalho vai constituí-lo.

Nos cinco momentos em que o trabalho foi construído (Centro Cultu-ral Arquipélago, ArtePará, duas estruturas na Galeria Victor Kursan-cew, em Joinville), o procedimento de construção adotado foi o mes-mo. O que fez com que o trabalho tivesse uma configuração alterada foram as características arquitetônicas – o tipo de parede, a textura da superfície, a umidade do local, a iluminação –, mas o conceito perma-nece o mesmo desde a sua primeira execução.

Deste modo, a série Pinturas, cada vez que é executada, tem um tempo de duração, e com o final da exposição esse tempo acaba, e o trabalho, ao ser removido da parede, volta a ser uma ideia/concepção/conceito.

Em relação ao tempo de duração das proposições, é possível dizer que Pinturas e Sementeira são as séries que apresentem maior efemerida-de. As séries seguintes também têm um tempo curto de duração, mas todas permanecem como conceito.

Pinturas na Galeria Victor Kursancew em Joinville (2010)

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Pinturas ao ArtePará (2009)

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5150Pinturas na Galeria Victor Kursancew em Joinville (2010)

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Detalhe do trabalho Pinturas no dia da abertura Detalhe do trabalho Pinturas 15 dias após a abertura

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SeMeNTeIRA

Na série Sementeira, quando o trabalho foi elaborado no ateliê, a ideia inicial era que houvesse um papel no chão para registrar o gotejar do material. Mas à medida que este trabalho foi sendo experimentado, notou-se que a potência da proposição estava também no escorrimen-to da matéria, e não apenas no material que fica depositado no papel no chão.

Então, está série é composta por três partes: a primeira consiste nas sementeiras fixadas no teto, com a massa gelatinosa de cor em algu-mas de suas cavidades; a segunda ocorre no tempo em que a ação da gravidade está agindo sobre a matéria, o tempo do acontecimento; e na terceira parte, quando esta massa chega ao chão e forma desenhos através do acúmulo da matéria.

No memorial Meyer Filho, na primeira montagem deste trabalho, como o pé-direito era mais baixo, se tornou mais fácil visualizar os três mo-mentos do trabalho. E devido ao pé-direito baixo, a matéria escorria de modo mais concentrado, facilitando sua visualização. O movimento das linhas foi influenciado também pelo movimento das pessoas que ali circulavam. No ArtePará, foram instaladas sementeiras no centro de um arco, cujo pé-direito era bastante alto, e com a corrente de ar que passava pelo corredor, as linhas escorriam de um modo assimétrico.

Procedimento de construção do trabalho Sementeiras.

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Diferente do Memorial Meyer Filho, primeiramente eram percebidas as linhas em movimento, e depois é que se notava a estrutura fixada no arco. Já o que estava no chão passou despercebido por algumas pessoas, devido à cor do piso escuro. No Salão de Atibaia, foram utili-zadas vinte sementeiras, e devido ao fato de estarem posicionadas em um canto, a corrente de ar não influenciou o escorrimento das linhas, que ocorreu de modo bastante simétrico, correspondente à simetria da sementeira. Então, este trabalho, cada vez que é montado, apresen-ta características muito particulares, pois existem diversos fatores que alteram tanto a sua visualidade como sua ação no tempo.

Sementeiras no ArtePará

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Sementeira no Memorial Meyer Filho (2009)

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Detalhes de um dos momentos do trabalho Sementeira, no XIX Encontro de Artes Plásticas de Atibaia (2010)

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CROMA

Em Croma, desde a primeira experiência feita no ateliê, com 15 boias, já era possí-vel perceber uma intenção inicial no trabalho: através dos três tipos de boia – neon, fosco e transparente –, criar áreas cromáticas com diferentes densidades de transparência e uma plu-ralidade de matizes40. Ora havia momentos em que predominava uma situação com uma cor mais vibrante, ora áreas mais opacas, e en-tão uma terceira cor surgia através das sobreposições destas boias.

Essa ideia que desenvolvi no ateliê, retomei no primeiro espaço onde esse trabalho foi apresentado. Então, fiz alterações em relação às

formatações que havia previamente desenvolvido, tendo em vista as pressões do espaço, e é dessa negociação entre a formatação inicial e as alterações que faço, em relação ao espaço, que aparece a configu-ração do trabalho.

Quando Croma foi construído no Museu Histórico de Santa Catarina – MHSC, devido às características do espaço, como por exemplo, chão de madeira escura, pouca parede branca, bem como a luminosidade do local, que, com as janelas abertas, era penetrado pela luz natural ao longo do dia, e pela luz artificial durante a noite, a construção espacial ocorreu de um modo diverso do que no ateliê. Nesta série, é possível

40 “Matiz – variedade de comprimento de onda da luz direta ou refletida, percebida como ver-melho, amarelo, azul e demais resultantes das misturas dessas cores” (PEDROSA, 1982, p. 35).

perceber que a relação provocada entre os elementos estabelece o que Pedrosa (1982) denomina de Cor paróptrica “[...] a que aparece na superfície dos corpos ocasionalmente, quase sempre de maneira fugaz, mas às vezes, também, com existência mais duradoura. É uma das formas de cores aparentes ou acidentais”41. Isso pode ser percebi-do em algumas boias, que, em uma hora específica do dia, provocam uma tonalidade laranja ou lilás, que pode ser observada à medida que se caminha ao redor da área de cor rosa.

Na Fundação Cultural de Criciúma, essa mesma estratégia de confi-guração levou em conta outras características, pois foi realizada em um laboratório, com paredes e teto brancos, azulejos de mesma cor, os quais possibilitaram o reflexo da imagem, que também ocorreu no chão de cimento queimado. Isso possibilitou que as boias expandis-sem a cor por todo o espaço, e tal situação podia ser observada tam-bém quando se estava do lado de fora da sala.

41 Ibidem, p. 22.

Construção de Croma no MHSC, (2010)

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Croma no MHSC (2010)

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7170Croma no MHSC (2010)

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Nas séries Cor-matéria e Plástica, através da junção de diversos ele-mentos de uma mesma cor ou de elementos de cor primária – que, através da adição de cor, originam uma tonalidade secundária –, é pos-sível visualizar o que Pedrosa (1982) denomina de Cor induzida: “[...] é a coloração acidental de que se tinge uma cor sob a influência de uma cor indutora. Nessa indução reside a essência da beleza cromática”42. Nos trabalhos roxos, por exemplo, nestas duas séries há elementos desta cor, e também alguns elementos magenta, uma vez que esta cor é considerada primária no grupo de cores-pigmentos-transparentes, e, somada ao ciano, também primária, origina o roxo. O módulo ma-genta, em algumas situações, não parece possuir essa coloração, pois, através da cor induzida, fica com uma tonalidade roxa mais clara.

42 Ibidem, p. 22.

Croma e Amarelo na Fundação Cultural de Criciúma

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7776Croma na Fundação Cultural de Criciúma

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Croma na Fundação Cultural de Criciúma

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Desmontagem do trabalho Croma

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PlÁSTICA

Na série Plástica, os trabalhos foram desenvolvidos estabelecendo uma relação entre os objetos. O trabalho roxo contém objetos mais rígidos – copos, bacias, tampas, pá de lixo – e são todos estrutura-dos através do nylon. O trabalho amarelo, além dos elementos rígidos, possui também módulos de cor maleáveis – plásticos em metro de di-ferentes tonalidades, e diferentes densidades de transparência e tex-tura. Através das imagens de montagem deste trabalho na Fundação Cultural de Criciúma, pretende-se evidenciar o modo como o raciocí-nio se desenvolve independente do lugar onde ocorre. Neste mesmo espaço, o trabalho foi instaurado em uma sala de dimensões peque-nas, favorecendo a expansão da cor pelo espaço. O trabalho ocupa o chão e a parede, e, conforme o espaço, os elementos podem ficar sus-pensos no teto, como ocorreu no Museu de Arte Contemporânea de Goiânia – MAG. Essas características fazem com que o trabalho altere algumas características pictóricas em cada lugar que ocupa. O trabalho azul, independente do lugar onde é montado, também apresenta um reflexo intenso de um dos seus elementos na parede. Entretanto, este não se parece como um truque, pois o objeto real está muito próximo da imagem virtual, deixando transparecer que se trata de um reflexo.

A partir da relação estabelecida entre esses objetos no ateliê, ao trans-por esses materiais para um espaço, ocorre uma pequena alteração proposital da configuração, para que, através das disponibilidades arquitetônicas do lugar, se origine uma visualidade correspondente à que se criou previamente. Nas imagens deste capítulo, é possível acompanhar a configuração inicial que surgiu na concepção deste tra-balho no ateliê.

Elaboração do trabalho Roxo, no ateliê

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Construção do trabalho Roxo, na Fundação Cultural de Criciúma

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Roxo, na Fundação Cultural Badesc

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Elaboração do trabalho Amarelo no Ateliê

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Construção do trabalho Amarelo na Fundação Cultural de Criciúma

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Detalhe do trabalho Amarelo na Fundação Cultural de Criciúma

Detalhe do trabalho Amarelo na Fundação Cultural Badesc

Trabalho Amarelo na Fundação Cultural Badesc

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3 lugar como obra

O espaço no qual as estruturas estão instauradas é determinante para o tipo de proposição que vai surgir. A partir da lógica interna do traba-lho, alguns elementos são constantes e permanecem de um lugar para o outro. Outros aspectos, porém, são decorrentes das condições – ar-quitetônicas, climáticas e de luminosidade – que o ambiente oferece. Em decorrência dessa característica, a minha presença é necessária na construção do trabalho no local da exposição.

Denomino ideia portátil a operação de montar um mesmo trabalho em locais diferentes, e a cada montagem, a estrutura pictórica apre-sentar uma visualidade que pode ser alterada, em função de manter uma ideia ou um conceito previamente elaborado no ateliê. Assim, a pretensão do trabalho parece ser: conseguir que o trabalho continue sendo o mesmo, apesar da diferença dos espaços. Através das imagens de cada lugar onde o trabalho ocorreu, e através dos conceitos pictó-ricos adotados por Richard Wollheim, será possível perceber o modo e as consequências da portabilidade que os trabalhos apresentam, atra-vés da permanência da ideia.

3.1 Ideia portátilA montagem do trabalho se inicia no momento em que chego ao es-paço, começo a observar as suas particularidades e de que maneira é possível tirar partido dessas características. É preciso perceber a ilu-minação artificial, a luz natural, a circulação de pessoas, os trabalhos que estão ao redor, a altura do pé-direito, a textura da parede, a cor do teto, o material de que é feito o chão, o rodapé, entre outros, para que, através da orientação da intenção, os aspectos específicos de cada

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lugar possam pertencer ao trabalho. Desta forma, entender e analisar a arquitetura que ocupo e incorporo como parte constituinte do trabalho é um procedimento permanente em todas as séries desta pesquisa.

A estrutura do trabalho só irá se constituir quando for construída no espaço. Não é possível prever como ficará, e por isso o lugar é tão im-portante. Apesar da diferença da visualidade (ou conforme Wollheim, imagem) de um lugar para o outro, alguns aspectos são permanentes nas estruturas, ou seja, há uma ideia portátil que a acompanha.

O que se altera de um trabalho para o outro, dentro de uma mesma série, são as escolhas dos aspectos que, em decorrência do lugar, se tornam mais favorecidos, e, então, opto por torná-los intencionais através da tematização. Wollheim nos diz que a tematização consiste em perceber determinados aspectos que serão evidenciados para o desenvolvimento da pintura.

Para designar o processo pelo qual o agente abstrai certos as-pectos até então não considerados e, portanto, não intencio-nais, do que ele faz ou daquilo que trabalha, e levam o pensa-mento sobre esse aspecto a contribuir para guiar sua atividade futura, uso o termo tematização43.

Essa escolha pode ser aumentar uma área mais transparente do traba-lho, colocando outros módulos de cor, que até então não faziam parte dessa estrutura, ou criar novas camadas através da sobreposição de outros objetos, e assim por diante. Esse aspecto será abordado ao lon-go do texto, de acordo com a necessidade de cada série, e os aspectos que foram tematizados para o desenvolvimento da montagem do tra-balho em cada lugar.

Na medida em que a tematização orienta a continuação do trabalho, ocorre o surgimento de novos motivos. Se em cada novo espaço a ser ocupado, há outra situação a ser pensada na montagem da estrutura, há novos motivos a serem tematizados. Wollheim (2007) complemen-ta afirmando que, na medida em que o agente percebe que o conjunto das unidades que compõem aquela pintura não somente aviva “[...] a percepção do que já foi feito, mas também oriente o que será feito

43 WOLLHEIM, 2007, p. 20.

depois, ele terá dado mais um passo rumo à tematização. Agora, ele tematizou o motivo”44. Quando os motivos vão se desenvolvendo, o artista coloca uma marca na frente da outra, e através dessa sequência de motivos, origina-se uma imagem que só acontece naquele momen-to e naquele lugar, e [?] se faz através da imagem. Segundo Wollheim (2007), “[...] o que o agente vê na frente de outra coisa é algo que ele enxerga ao olhar para o motivo, em conseqüência do olhar. E é isso que eu chamo de imagem”45. A imagem, nestas séries, é importante como resultado de um procedimento. Não busco uma imagem específica. Então, ela é a visibilidade da constituição do trabalho naquele espaço.

A estrutura interna do trabalho é composta pelas tematizações que vão se organizando, e quando vemos um objeto na frente do outro, algo ganha ênfase dentro da estrutura, e é quando percebo aquilo que se sobressai, que percebo uma imagem. Independente de ser figura-ção ou não.

Além disso, cada série apresenta um procedimento específico, e, para abordar este aspecto, será utilizado o conceito de marca46 ou também, conforme Wollheim, colocar marcas no suporte.

A marca consiste na ação de se posicionar diante de uma su-perfície e nela colocar certas marcas. [...] o pensamento sobre a marca monopoliza a mente do agente e guia sua ação, ainda que outros pensamentos possam estar flutuando na cabeça dele47.

No caso das proposições desta pesquisa, essa expressão adquire ou-tro sentido, devido ao território que habita. Poderíamos pensar a ação de colocar marcar no suporte como ocupar o espaço com objetos que foram apropriados e descontextualizados do cotidiano. A marca que utilizo é um olhar que percebe potencialidades nos objetos de que me

44 Ibidem, p. 21.

45 bidem, p.20.

46 O autor utiliza a expressão proto-pintura para se referir a uma atividade que não é pintura, mas se parece com pintura, ainda que mais primitiva. “[...] A história da proto-pintura começa as-sim: um agente – que ainda não é um artista – segura um instrumento pesado, coloca-se diante de um suporte e nele faz certas marcas. Isto é tudo: pôr marcas no suporte (WOLLHEIM, 2007, p. 19).

47 Ibidem, p. 19.

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aproprio, e também o modo como ocupo o espaço com estes objetos que entendo como módulos de cor. A transformação que proponho é principalmente de ordem conceitual, através do deslocamento de contexto desses materiais. Nas séries Pintura e Sementeiras, a marca ocorre de um modo um pouco diferente das demais séries, pois as marcas no suporte são colocadas também pelo próprio material, inde-pendente da minha gestualidade.

Se pensarmos na relação destas estruturas pictóricas com um procedi-mento de pintura tradicional, podem-se estabelecer alguns paralelos em relação à sua marca. O pincel com tinta sobre a tela altera a super-fície. Em um procedimento de pintura tradicional, a cor só pode ser colocada sobreposta ou justaposta, e esta ação não pode ser revertida. No entanto, existe uma possibilidade de reversão em relação à minha marca nestas três próximas proposições – Croma, Cor-matéria e Plásti-ca –, que é uma diferença em relação à pintura tradicional.

Nestes campos monocromáticos que desenvolvo, a cor pode ser cons-truída e desconstruída, tanto durante a construção de uma mesma es-trutura como na construção deste trabalho em outro lugar. A pintura que desenvolvo tem essa característica de reversão possível. Não quer dizer que seja sempre feita. Esse módulo de cor pode permanecer no estoque ou também retornar para o mundo, conforme vimos no item “Estoque”. Os módulos de cor permanecem os mesmos, de um lugar para o outro. Mesmo assim, é uma cor que migra e em cada lugar vai ter uma visualidade diferente, conforme a luz que o ambiente oferecer.

3.1.1 PinturasEm Pinturas, colocar marcas no suporte significa depositar certa quan-tidade de massa de cor em uma determinada altura, em relação à pa-rede e ao chão, e às outras massas de cor que já estiverem marcando aquela superfície.

Para favorecer o desenvolvimento de diferentes áreas de luminosida-de, através de diferentes tons, são criadas linhas de cor, que terão es-pessuras variáveis. Assim, o modo de elaborar essa estrutura ocorre de maneira similar ao de uma pintura convencional.

Construção do trabalho Pinturas, realizado na Galeria Victor Kursancew

Além disso, a partir de um determinado momento, após a manipulação da matéria, esta massa escorre através da lei da gravidade; portanto, não é mais possível controlar esta marca. À medida que esta massa vai marcando a parede, a transparência do material se intensifica gradual-mente e escorre até chegar ao chão, formando acúmulos de matéria.

Através da sobreposição dessa massa de cor na parede, ocorre o favo-recimento de veladuras. Em alguns momentos, o que se dá a ver é a parede branca, e em outros, o surgimento de uma terceira cor através da soma das cores das linhas.

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Detalhes do trabalho Pinturas, realizado na Galeria Victor Kursancew

Ainda, em Pinturas há manipulação efetiva do material. A massa de cor é esticada e puxada, conforme a necessidade da composição em função do lugar onde está instaurada. A matéria é depositada sobre a parede, que se torna a superfície do trabalho, e assim, em cada local esta marca vai ocorrer de um modo distinto.

Outra característica que ocorre através desta semelhança dos meios é a proximidade na relação de irreversibilidade do ato. Massas de cor são sobrepostas e, uma vez depositadas na superfície e absorvidas pela pa-rede, não é possível removê-las, e a matéria-prima não retorna ao for-mato original, como vai ocorrer nas séries Croma, Cor-matéria e Plástica.

Dessa maneira, a marca dessa proposição apresenta dois momentos: o que é controlado e manipulado, e o que escorre através da gravidade. Estes aspectos podem ser percebidos em todos os lugares que o tra-balho foi executado.

O que muda de um lugar para o outro é o modo como isso ocorre, devi-do ao tipo de superfície onde será construída a estrutura. Nesta série, um aspecto que se mantém de um lugar para o outro é a superfície: parede e chão. Em cada parede, devido à umidade, inclinação e o tipo de revestimento que foi adotado, muda a maneira como o deslizamen-to da massa de cor acontece. Também o tipo de absorção desse mate-rial, provocado pela parede, vai determinar o tipo de transparência e a possibilidade de sobreposições daquela massa na parede.

Em relação à superfície, Wollheim (2007) afirma que outra descrição que define o ato de pintar como intencional é “depositar marcas na su-perfície” ou (numa formulação mais explícita) “[...] cobrir com marcas certas partes da superfície enquanto deixa outras sem cobrir”48.

48 Ibidem, p. 19.

No entanto, se fazer marca é a única descrição que define a ação como intencional, há muitas outras descrições verossí-meis. Por exemplo: a de que, conforme as marcas são deposita-das no suporte, uma parte da superfície vai ficando escurecida pelas marcas enquanto outras áreas, cada vez menores, ficam sem marcas, fazendo contraste com as partes marcadas.49

No entanto, além das áreas com mais densidades cromáticas, o bran-co dessa superfície é incorporado ao trabalho e atua como elemento compositivo. Deste modo, o ato intencional da pintura, nesta série, busca tematizar também áreas não marcadas por massas de cor.

O fato de a estrutura se configurar de um modo distinto em cada su-perfície é uma mobilidade que o trabalho apresenta. Deste modo, cada vez que é realizada, uma nova imagem se constitui.

Na primeira vez que a série Pinturas foi realizada, no Centro Cultural Arquipélago a parede era bastante úmida, e isto fez com que a massa gelatinosa depositada sobre esta superfície fosse absorvida mais rapi-damente.

49 Ibidem, p. 19. Centro Cultural Arquipélago (2009)

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Quando executada no ArtePará, devido à temperatura elevada da cida-de, as massas de cor permaneceram viscosas por mais tempo, e assim, as cores se mesclaram mais, originando outras tonalidades.

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Nesta ocasião, optei por evidenciar a altura do pé-direito e o rodapé, que, devido aos detalhes, deram movimento para a estrutura, alteran-do o percurso das linhas. No dia seguinte ao da montagem do trabalho, a parede havia absorvido a viscosidade das massas de cor.

Como este material tem maior rendimento na vertical, foi possível fazer com que as linhas que compunham esta estrutura escorressem significativamente. Da mesma forma, o tipo de revestimento do chão: madeira, cimento queimado, piso cerâmico claro ou escuro, pedra, etc., será fundamental para determinar o modo como a matéria que ali escorreu vai se comportar.

Devido às especificidades de cada espaço, determinados aspectos te-rão maior ou menor ênfase. Em parte, essa ênfase é determinada pelo espaço, e em parte é de minha autoria, determinada pela intenção do trabalho. Deste modo, se percebe a relevância de observar o espaço para poder tirar partido das suas características.

Outro conceito adotado por Wollheim (2007), a borda, apresenta um raciocínio que se mantém o mesmo cada vez que se constrói uma es-trutura desta série. Sendo a parede a superfície da proposição, e o branco, entre as linhas de cor, incorporado como parte do trabalho, a borda é o limite da estrutura.

Detalhe do trabalho Pinturas, realizado no ArtePará (2009)

Em maio de 2010, esta série foi feita na Galeria Municipal de Arte Vic-tor Kursancew, na cidade de Joinville. O local possibilitou fazer duas situações cromáticas no mesmo espaço. Nesta galeria, as paredes de vidro traziam a luz natural para dentro do espaço expositivo e incidia durante o trabalho por algumas horas do dia, fazendo com que algu-mas áreas ficassem mais iluminadas do que outras. Além disso, a luz natural também fez com que a cor da matéria sofresse alteração ao longo do dia, além de ocasionar um desbotamento sutil.

Em Joinville, a umidade da superfície, somada à viscosidade da massa de cor, fez com que as imperfeições da parede ficassem mais visíveis, inclusive abrindo rachaduras. Nes-te mesmo espaço, ao longo dos dias, também devido à umidade, pequenas bolhas de ar se formaram ao longo de toda estrutura.

Após perceber de que modo ocorreu este trabalho nos diferentes locais onde aconteceu, as linhas de cor com espessuras variáveis são as marcas des-sas estruturas que apresentam diferen-tes áreas de luminosidade e densida-de cromática, favorecendo, em alguns momentos, o surgimento de veladuras. Esses aspectos são os motivos que se-rão tematizados em cada uma das es-truturas, cada vez que forem construí-das; portanto, são essas características que constituem o trabalho. Tenho que estar atenta ao que o trabalho pede, ao que ele quer ser. Porque a atmosfera do lugar vai determinar o que deve ser tematizado. Se está úmido ou se está seco, dita o comportamento do mate-rial e conduz parte do trabalho.

Detalhe do trabalhos Pintura

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3.1.2 Sementeira Esta série foi realizada três vezes em locais distintos: Memorial Meyer Filho, em Florianópolis (2009), no ArtePará, Belém (2009), e no XIX Encontro de Artes Plásticas de Atibaia, São Paulo (2010).

Assim como em Pinturas, esta marca apresenta dois momentos. O pri-meiro consiste em perceber as potencialidades dos materiais e trans-formá-los em matéria-prima na construção de uma estrutura que é fixada no teto.

Após remover o plástico que veda os pequenos furos da sementeira, a massa gelatinosa começa a escorrer, e então inicia-se o segundo mo-mento: a própria matéria coloca sua marcas no suporte. A partir de então, esta marca se torna incontrolável e pode pintar a parede, e tam-bém as pessoas que estão ao redor do trabalho. A imagem deste traba-lho, portanto, compreende dois momentos: no movimento da matéria, no tempo do acontecimento e ao final desta ação, na matéria que caiu no chão. Ela ocorre entre as duas superfícies do trabalho: teto e chão. Finalizada esta ação, o que se dá a ver são os resquícios desta marca.

A primeira montagem do trabalho ocorreu no Memorial Meyer Filho em Florianópolis, um espaço com pé-direito baixo, mas com ilumina-ção direta, que favoreceu a visualização das linhas que, muito finas, podem passar despercebidas, como aconteceu em Atibaia. Na sua primeira execução, o trabalho foi posicionado de modo que o público pudesse circular ao redor, tematizando, assim, o movimento fluido das linhas que escorriam.

No ArtePará a tematização das linhas ocorreu de um modo distinto. Após a observação da arquitetura do prédio antigo, optei por temati-zar linhas que escorressem em diversas direções, também favorecidas pela brisa que circulava no local, e assim marcando boa parte do chão – de modo bastante aleatório – e também as paredes laterais, e até o lustre que se encontrava em frente à proposição.

Para isto, o motivo utilizado foi a colocação das sementeiras em um formato curvo no centro de um dos arcos dos corredores, que passou a ser incorporado como superfície do trabalho. Um fator que contri-buiu para a visualização da imagem (em movimento) do trabalho foi uma porta de madeira escura, localizada atrás do trabalho, que ficou posicionado na esquina de dois corredores externos do prédio. O chão escuro fez com que a matéria que era ali depositada ficasse com pouca visibilidade, prejudicando o outro momento da imagem do trabalho.

Sementeira no ArtePará

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Em Atibaia a partir da orientação que a intenção estabeleceu na minha percepção do espaço, as sementeiras foram fixadas em número maior (vinte unidades), e, ao contrário dos outros locais onde foi construída, desta vez o motivo a ser tematizado era fazer um campo onde a maté-ria escorresse sem interferência de corrente de ar, provocada pela cir-culação das pessoas ao redor do trabalho. Optei, então, por posicionar as sementeiras em um canto, e assim o desenho formado pela matéria que escorreu no chão foi bastante similar à simetria da sementeira.

Entretanto, o significado do trabalho ficou prejudicado, pois, devido às condições climáticas do local, a matéria escorria de modo quase imperceptível, e o público se ateve muito mais à matéria que já havia escorrido, depositada na superfície do chão, do que propriamente às linhas que escorriam.

Após estas três experiências, foi percebido que o trabalho precisa de uma dimensão maior, com mais sementeiras, assim como a área que cai no chão precisa ter mais visibilidade, já que o trabalho não pode ser pisado. É possível perceber que existe um acaso que é permanente, mas é preciso controlá-lo até certo ponto, para que o trabalho possa ser compreendido.

Sementeira no XIX Encontro de Artes Plásticas de Atibaia

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3.1.3 Croma Existem três aspectos que alteram a imagem do trabalho, a cada mon-tagem: a quantidade de elementos suspensos, a relação entre eles oca-sionada pela luz e pela posição de cada um, e as características arquite-tônicas do espaço. Independente do lugar onde é montado, em Croma a superfície do trabalho, assim como a borda, permanece a mesma: as paredes, o chão e o teto. Isto se deve ao fato de que o espaço é total-mente incorporado através da cor que emana dos objetos, contaminan-do não somente paredes e chão, mas também as pessoas que estão na sala expositiva. O trabalho não são somente os círculos cromáticos e a estrutura de nylon que o sustenta, mas sim toda a sala onde foi constru-ído. O espectador, ao entrar nesta sala, já entra no trabalho.

A marca consiste também em pendurar boias infláveis cheias, através de uma lógica pictórica, estabelecendo relação entre os elementos e formando uma área de cor no espaço. Essa marca pode ser feita por mim, ou posso dirigir as ações de outra pessoa, para que esta pendu-re as boias no lugar que desejo, conforme foi feito anteriormente. A intenção do trabalho que permanece a cada montagem é estabelecer relações cromáticas entre as boias. Assim, em cada lugar, conforme a orientação guie a intenção naquele espaço, diferentes contrastes cro-máticos são estabelecidos, de acordo com a luminosidade, alterando a posição e a relação das boias.

A proposta para o Museu Histórico de Santa Catarina foi pensada in-corporando as características arquitetônicas – pilares e estrutura de iluminação – como obra. Além disso, as janelas do espaço foram deixa-das abertas, para que o trabalho pudesse ser visto de fora do museu. Na noite da abertura, os convidados que passaram pela Praça XV – que fica localizada ao lado da instituição –, antes de chegar ao museu, re-latavam que o trabalho poderia ser visto daquela distância. Durante o período do dia, as pessoas paravam nas janelas de vidro, abertas, para olhar o que havia lá dentro.

Durante a exposição, fui ao local diversas vezes ao longo do dia, a fim de fotografar o trabalho com luminosidades diferentes, que possibili-tam, assim, tonalidades diversas.

Croma, no MHSC, feitas em diferentes dias da exposição

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A sala do Museu histórico de Santa Catarina (MHSC) possui dimensões pequenas e tem o chão de madeira escura, assim como também as por-tas e aberturas das janelas. Desta forma, a luz que entra na sala atua de modo diferente ao de uma sala azulejada, como ocorreu no laboratório na Fundação Cultural de Criciúma. O ambiente escuro do museu e a iluminação direta possibilitaram que a trama de nylon tivesse destaque, uma vez que esta estrutura também faz parte do trabalho.

Na Galeria de Arte Contemporânea da Fundação Cultural de Criciúma a obra Croma ocupou um antigo laboratório, cujo espaço é mais amplo – necessitando de uma quantidade maior de boias – e com bastante luminosidade.

Isso fez com que fossem tematizadas as manchas coloridas produzidas pela cor imanente das boias. Uma vez que o motivo neste caso era um espaço claro, manchas de cor desenhavam a superfície de modo bastante evidente, fazendo com que as veladuras presentes na área de cor pudessem ser percebidas também no momento em que estavam refletidas no espaço, incorporando-o como obra.

No teto do laboratório, havia alguns ganchos, que foram utilizados como ponto de sustentação para construir a trama de nylon. Esta tra-ma ficou com a estrutura mais bem distribuída do que a anterior, já que havia vários pontos para amarrar os fios.

Assim como no MHSC, a tonalidade da sala era variável ao longo do dia. A iluminação utilizada foram somente quatro spots de luz, um em cada canto do espaço, com o objetivo de tematizar a expansão da cor, que era ainda mais perceptível quando se estava do lado de fora do trabalho, e se intensificava à medida que anoitecia, quando havia so-mente a iluminação artificial do espaço.

Imagens do trabalho Croma, feitas em diferentes horários ao longo de um mesmo dia.

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3.1.4 Cor-matéria Esta série talvez seja a mais estável, em relação à imagem, e aos aspec-tos que são tematizados em virtude dos atos intencionais da pintura: marca, superfície e borda. O que se altera de um lugar para o outro é a coloração das estruturas.

Essas estruturas possuem pouca variação da visualidade, de um mo-mento expositivo para outro, na medida em que os módulos de cor ficam envoltos por uma mesma estrutura que os sustenta. Assim, os motivos também permanecem os mesmos, de um lugar ao outro. Além disso, este trabalho não busca um diálogo tão efetivo com a arquite-tura, como nas demais séries. Assim, a marca se mantém a mesma: justapor objetos através de um raciocínio pictórico, criando situações cromáticas diversas.

As cores que estão envoltas por esta camada que vela os objetos partem em direção à parede, fazen-do com que esta seja a superfície do trabalho, as-sim como nas demais séries é a última camada da pintura.

A borda dessas estruturas consiste em toda área que ela ocupa – real ou virtualmente –, incluindo a superfície. Assim, a margem é a linha que perpassa a parte externa do trabalho. O conjunto dessas re-lações, estabelecidas pela imagem, gera um signifi-cado, que também se mantém constante.

Nos trabalhos azul e rosa, devido à posição dos ele-mentos, observou-se que a luz incidente provocava um reflexo da cor na parede. Optei então, por te-matizar este motivo. No trabalho roxo, como não havia reflexo de cor na parede, a luz foi direciona-da para tematizar a relação dos objetos internos. O verde possui mais elementos internos, que, por

serem da cor neon, reacendiam conforme a posição em que estavam. No verde azulado, por ter uma estrutura externa não tão translúcida, os elementos internos ficavam com sua forma pouco evidente, e, en-tão, as veladuras comparecem de um modo mais sutil.

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Quando os trabalhos foram expostos no Museu de Arte Contempo-rânea de Goiás – MAC-GO - a iluminação que o espaço oferecia era somente direta, um foco para cada trabalho, e a luz ambiente ficava desligada. Isto fez com que a cor dos elementos ficasse mais vibrante, migrando para a parede de forma mais intensa. Diferente de quando esta série ocorreu no Museu de Arte de Joinville – MAJ -, que possuía uma iluminação ambiente geral e os focos de luz em cada trabalho não eram tão marcantes.

Cor-matéria no Museu de Arte Contemporânea de Goiânia

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3.1.5 Plástica O fato de ter eliminado a estrutura que envolvia os elementos, presen-te na série Cor-matéria, deixando-os totalmente à mostra, acarretou uma variação maior tanto de formas quanto na cor dos elementos, fazendo com que estes tenham tanto sua cor expandida quanto seu formato refletido na parede, no chão ou em todo o espaço expositivo, como é o caso do trabalho amarelo.

Desta maneira, ampliou tanto a margem quanto a borda, em relação à serie anterior. Devido à lógica utilizada no trabalho amarelo, a borda pode ser o próprio espaço, como ocorreu na Fundação Cultural, em Criciúma.

Imagem da exposição Plástica, na Fundação Cultural Badesc

A sala onde este trabalho foi colocado era pequena, o que contribuiu para a expansão da cor. No rodateto da sala, havia muitos ganchos, um ao lado do outro, que serviram para esticar linhas amarelas, de uma ponta até outra, que, além de fazer parte da proposição, susten-taria plásticos da mesma cor. O trabalho apresentou um formato mais vertical do que horizontal, acompanhando as dimensões da sala onde estava instalado, ficando explícito o diálogo com a arquitetura.

Em novembro do mesmo ano, a série Plástica foi realizada na Funda-ção Cultural Badesc. Este trabalho amarelo, em especial, apresentou características bem distintas do que na ocasião anterior. A sala onde foi instalado também continha outros dois trabalhos: o azul e o roxo.

Desta forma, com as dimensões mais amplas, a cor do trabalho ama-relo se expandiu somente para as paredes laterais, que estavam mais próximas ao trabalho. Além disso, foram utilizados mais elementos compositivos, a fim de dialogar melhor com a arquitetura do espaço. Quando ocorreu no MAG - GO, ocorreu neste trabalho o que denomi-namos em pintura de trompe-l’oeil50. Devido à iluminação e à posição

50 Trompe l´oeil é um termo em francês que pode ser traduzido como “engana-olho”, e refere-se aos recursos ilusionistas, abundantes especialmente no século XVII, utilizados pelos artistas para que o espectador perdesse a noção do limite entre a realidade e a imagem pintada. (STANGOS, 2000, p.47)

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de um dos objetos que estava disposto no chão, ocorreu um reflexo amarelo, que parecia ser mais um elemento de cor e que só poderia ser visto em uma determinada posição diante do trabalho.

A marca da série Plástica consiste em posicionar objetos e matérias de plástico diretamente no espaço. Então, esta marca é reversível. Às ve-zes, os materiais podem ir para o mundo e posteriormente voltar para a estrutura pictórica, por uma deliberação minha. Quando o objeto está no trabalho artístico, ele perde a função utilitária, e quando vai para o mundo, ele retoma essa função. A minha marca é também esse deslocamento. Ela permite que o objeto volte a ser o que era.

A superfície destes três trabalhos da série Plástica – amarelo, roxo e azul – permanece a parede e, no caso do trabalho amarelo, também o chão, e às vezes o teto.

Os motivos tematizados nos trabalhos roxo e azul permanecem os mesmos de um lugar para o outro, dentro do raciocínio utilizado para construí-los. Em consequência disso, a imagem sofre pouca alteração da visualidade de uma montagem para outra.

Imagens do trabalho roxo, montado no ateliê/estoque, na Fundação Cultural de Criciúma e na Fundação Cultural Badesc

Exposição Plástica, na Fundação Cultural de Criciúma

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Azul, montado no ateliê/estoque, na Fundação Cultural de Criciúma e na Fundação Cultural Badesc

Na Fundação Cultural Badesc ocorreu uma mudança devido à fixação da obra, que foi com fio de nylon preso ao painel expositivo, ao invés de estar suspenso por um prego, e, desta forma, alterou a configura-ção dos objetos. Em consequência disto, o trabalho azul e o roxo so-freram alterações, originando proposições cromáticas com formatação diferente.

Desta maneira, o desdobramento proporcionado por esta série pos-sibilitou ampliar algumas características que antes compareciam de modo mais tímido na série Cor-matéria. A cor ganha um corpo maior, ao convocar com mais intensidade o espaço como elemento do traba-lho. E assim, é através dos mesmos trabalhos, apresentados em dife-rentes locais, com suas configurações alteradas em virtude do espaço, que o trabalho muda, para continuar sendo o mesmo.

A pintura de um artista, de um modo geral, é compreendida pela soma dos trabalhos que ele desenvolveu ao longo da carreira. Através da ob-servação das suas obras, podemos perceber de que modo a sua pintu-ra se desenvolveu. Deste modo, é a partir da observação destas cinco séries que a pintura que desenvolvo pode começar a ser entendida.

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Considerações finais

É relevante lembrar que a ideia de pintura está diretamente ligada a um fazer no ateliê ou em um local fixo, onde a obra começa e termina, e depois é levada pronta para o espaço de exposição. Ou, até mesmo na casa de quem a adquiriu. Não é o que ocorre nestas proposições que aqui apresentei pois o que caracteriza esses trabalhos é justamen-te a transitoriedade relacionada às especificidades do lugar. O trabalho ocorre na confluência entre o conceito estabelecido no ateliê e as de-terminações do lugar onde será construído e/ou instalado.

A obra não vem pronta para o espaço expositivo. Ao contrário, a fatura do trabalho é realizada no lugar da exposição, dialogando com suas especificidades e mantendo o conceito previamente estabelecido no ateliê. Cada um desses lugares onde o trabalho é montado tem que tentar extrair dessa experiência questões que são levantadas por conta do espaço e de uma obra que terá sua visualidade alterada em virtude do lugar. Desta forma, o ateliê, no meu caso, é uma instância elástica. Ele é em um lugar provisório, onde eu agrupo estes objetos – por cor –, é onde eu penso sobre o conceito do trabalho, e é também o lugar expositivo, onde construo os campos de cor de acordo com as caracte-rísticas específicas de cada espaço.

É importante dizer que não só refleti sobre os trabalhos, como tam-bém expandi esta pesquisa plástica. A pintura de massa gelatinosa,que teve início em 2008, se desdobrou e chegou até as coletas e apropria-ções de elementos que vão compor uma pintura no espaço expositivo.

Josef Albers e Israel Pedrosa através de um anteparo teórico basea-do no estudo das cores contemplaramde modo satisfatório a principal característica do meio estudado. Foi possível entender as diferentes

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situações cromáticas que ocorreram nos campos de cor, nos diferentes locais onde foram instalados e, principalmente, que o tipo de cor que compõe a paleta que busco se denomina cor-pigmento-translúcida. O fato de escolher materiais de plásticos translúcidos ocorre devido ao fato de que o anteparo onde repousa a luz é um dos fatores determi-nantes para o tipo de cor que irá surgir.

Outro fator que altera o tom dos objetos é a fonte de luz, e por este motivo obtém-se diferentes variações quando estes estão na loja, no estoque ou nos locais expositivos. A pigmentação, por sua vez, o ter-ceiro item que compõe e determina a cor, possui uma vibração alta, pois há pouco branco em sua composição, permitindo assim, que a cor imanente dos objetos perpasse o plástico e expanda para o espaço.

Através do entendimento que a teoria evidenciou, principalmente atra-vés dos conceitos de Richard Wollheim, aquilo que neste trabalhos eram desenvolvidos também de modo intencional e intuitivo, agora tem seu reconhecimento através desse anteparo teórico. No momento em que tenho consciência das etapas de construção dos campos de cor, per-cebo que a feitura do trabalho ocorre de modo ainda mais consciente.

Através dos conceitos utilizados foi possível perceber que alguns deles comparecem nos trabalhos com ênfases diferenciadas. Algumas séries evidenciam mais a superfície, como é o caso de Pinturas e Plástica, outras tematizam mais a borda, como Croma e Cor-matéria. Esta te-matização, no entanto, ocorre de modo bastante diverso. Enquanto a primeira incorpora todo o espaço como parte constituinte do trabalho, a segunda tem a borda e a margem como o limite a própria estrutura.Em Sementeira, de modo mais específico, a imagem ocorre tanto em movimento quanto de modo estático.

Pensar sobre a pintura dentro de um território ampliado possibilitou refletir acerca do conceito de campo expandido de RosalindKrauss, cuja discussão englobou pensar sobre a autoria neste outro território

e sobre os aspectos tradicionais da pintura que se transmutaram em formas prontas, e comparecem nos campos de cor através das marcas que coloquei no suporte.

O conceito de marca, então, pode ser observado com destaque em todas as cinco séries. Acredito que esta tenha sido uma contribuição teórica de bastante relevância, na medida em que o gesto autoral da pincelada de tinta é aqui substituído pela apropriação de materiais or-dinários do cotidiano.

O texto da dissertação possibilitou uma imersão na leitura, na escri-ta e, principalmente, na prática artística que se intensificou ao longo deste período. Essa pesquisa paralela de olhar um instrumento teórico para pensar a produção plástica vai me acompanhar e me capacitar pra continuar produzindo dentro deste viés prático e reflexivo.

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