Racionalidade penal e semânticas criminológicas na Lei ... · epistemológica de uma sociologia...

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1788 Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 08, N.3, 2017, p. 1788-1832. Bruno Amaral Machado e Priscila Ramos Moraes Rego Agnello DOI: 10.1590/2179-8966/2017/21375| ISSN: 2179-8966 Racionalidade penal e semânticas criminológicas na Lei Maria da Penha: o caso do sursis processual Penal rationality and criminological semantics in the Maria da Penha Law: the case of the procedure sursis Bruno Amaral Machado Uniceub, Brasília. Escola Superior do MPDFT. Universidade San Carlos, Guatemala. Ministério Público, Brasília. E-mail: [email protected]. Priscila Ramos Moraes Rego Agnello Uniceub, Brasília. Instituto Federal de Brasília. E-mail: [email protected] e [email protected]. Artigo recebido em 04/02/2016 e aceito em 20/09/2016.

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RacionalidadepenalesemânticascriminológicasnaLeiMariadaPenha:ocasodosursisprocessualPenalrationalityandcriminologicalsemantics intheMariadaPenhaLaw:

thecaseoftheproceduresursis

BrunoAmaralMachado

Uniceub, Brasília. Escola Superior do MPDFT. Universidade San Carlos, Guatemala.MinistérioPúblico,Brasília.E-mail:[email protected].

PriscilaRamosMoraesRegoAgnello

Uniceub, Brasília. Instituto Federal de Brasília. E-mail: [email protected] [email protected].

Artigorecebidoem04/02/2016eaceitoem20/09/2016.

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Resumo

A crescente complexidade das questões positivadas demanda a construção de

argumentos heterorreferentes pelo sistema jurídico, o que supõe observar as

comunicações produzidas pelos subsistemas científicos. Inspirado pela proposta

epistemológicadeumasociologiadodireito“comodireito”,esteartigotempor

objetivo apresentar e descrever novas possibilidades de abertura cognitiva do

sistema jurídico aos saberes das ciências sociais (saberes criminológicos). A

reflexão tem como base material empírico produzido em pesquisa sobre as

representações sociais de servidores públicos, magistrados e promotores de

justiça sobre a suspensão condicional do processo na Lei Maria da Penha no

Distrito Federal. Apesar dos precedentes dos tribunais superiores que vedam a

aplicação dos institutos previstos na Lei 9.099/1995, a medida é aplicada em

algumas das varas especializadas na violência contra a mulher. Ao conhecer as

representações sociais dos sujeitos da pesquisa, discutimos possíveis irritações

que o tema sugere para o sistema jurídico e os subsistemas criminológicos

(tradiçãosociológica).

Palavras-chave: Sociologia do direito; Racionalidade penal; Criminologias

concorrentes;Suspensãocondicionaldoprocesso;LeiMariadaPenha.

Abstract

The growing complexity of the juridical matters demands heteroreferent

arguments of the Law system, what supposes the observation of the

communications of the scientific subsystems. Inspired by the epistemological

approachofadescribedsociologyoflaw“withLaw”,thisarticleintendstopresent

andtodescribenewpossibilitiesofcognitiveopennessoftheLawSystemtothe

knowledgeofthesocialsciences.Thisreflectionisbasedontheempiricalworkof

a research of the social representations of judges and prosecutors about the

procedural sursis applied to theMaria da Penha Law, in the Federal District.

DespitetheprecedentsoftheSuperiorCourtsthatprohibittheapplicationofthe

institutes of the Law9.099/1995, themeasure continues to be applied by some

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judges.Aftergettingtoknowthesocialrepresentationsoftheactorsinvolved,we

discusssomepossible irritationsthat itsuggeststothinktheLawsystemandthe

concurrentcriminologysubsystems.

Keywords:Sociologyoflaw;Penalrationality;Concurrentcriminologysubsystems;

Proceduralsursis;MariadaPenhalaw.

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Introdução

As transformações sociais e os novos desafios enfrentados pela sociedade

contemporânea conformam o cenário para observação da faticidade dos novos

âmbitos de regulação jurídica e, particularmente, de intervenção penal. A

crescente complexidade das questões positivadas demanda a construção de

argumentos heterorreferentes pelo sistema jurídico1, o que supõe observar as

comunicações produzidas pelos subsistemas científicos. Inspirado pela proposta

epistemológica de uma sociologia do direito “com o direito”, nosso objetivo é

apresentar e descrever novas possibilidades de abertura cognitiva do sistema

jurídicoaossaberesdasciênciassociais.Nesteestudo,particularmenteossaberes

criminológicos de tradição sociológica (GARCIA, 2014; LUHMANN, 1985 e 2005;

PIRES,2004b).

Este artigo fundamenta-se emmaterial empírico produzido em pesquisa

sobreasrepresentaçõessociaisdeservidorespúblicos,magistradosepromotores

de justiça sobre a suspensão condicional do processo na LeiMaria da Penha no

Distrito Federal. Na análise, consideramos as impressões obtidas durante o

trabalho de campo, a partir das entrevistas exploratórias com acadêmicos e

profissionaisdodireito(servidoresdoJudiciário,advogados,promotoresdejustiça

e magistrados), bem como pela observação da forma como comunicam as

organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal (MACHADO,

2014, p. 49-51)2.Notamos, nosúltimos anos, intensadiscussão sobre a validade

jurídicadaaplicaçãodosursisprocessualemcasosdeviolênciacontraamulher.A

experiência negativa advinda da prática das medidas despenalizadoras da Lei

9.099/1995, comoaconciliaçãoea transaçãopenal, foi relevantena idealização

doprojetoqueoriginouaLeiMariadaPenha.

1 Luhmann distingue entre argumentos formais e argumentos substantivos. Com os primeiros, osistemaacionaaautorreferência;comosúltimos,aheterorreferência.Aargumentaçãosubstantivaevita que o sistema se isole completamente. A heterorreferência remete aos interessesjuridicamenteprotegidos(LUHMANN,2005,p.457-458).2 Conforme o enfoque sistêmico, as organizações comunicam por meio de decisões (LUHMANN,2007,p.655-672;MACHADO,2014,p.36-42).

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A vedação expressa à aplicação dos institutos da Lei 9.099/1995 gerou,

contudo, debates sobre a incidência dos institutos e, em especial, do sursis

processual.Osargumentoscontráriosidentificamnãoapenasafrontaexpressaao

textolegal,masprejuízosaosinteressesdasvítimas.Deoutrolado,argumentam-

seaineficáciadasoluçãopunitivaeanecessidadedeflexibilizarocomandolegala

fim de contemplar os interesses de todos os atores envolvidos no ciclo da

violência,edeinserirsoluçõescriativasparaafrontaroproblemadesdeoinícioda

intervençãoprocessual.

Apesar dos precedentes do STF e do STJ que vedam a aplicação dos

institutosprevistosnaLei9.099/1995,amedidaéaplicadaemalgumasdasvaras

especializadasnaviolênciacontraamulher.Qualosignificadodaprática judicial

divergentedaorientaçãodostribunaissuperioreseque impactoelaproduzpara

pensarmosacomunicaçãojurídico-penal,bemcomoasestruturasorganizacionais

instituídasparaapolíticapúblicaidealizadaafimdeenfrentaraviolênciacontraa

mulher? Ao conhecer as representações sociais dos sujeitos da pesquisa e as

comunicações (decisões) das organizações envolvidas, discutimos possíveis

irritações3 para o sistema jurídico e os subsistemas criminológicos de tradição

sociológica.

1.Pesquisaempíricaeasociologiadodireito“comodireito”

Esteartigoinspira-seemdebateepistemológicosobreapesquisasociojurídica.As

pesquisas empíricas podem não apenas suscitar questões relevantes sobre a

eficácianormativaemapearcartografiasparaumaanáliseexternadodireito,mas

tambémpodemserpertinentesparaodebateteóricoeparaaatuaçãodosatores

inseridosemdistintasinstituiçõesjurídicas(GARCIA,2014;PIRES,2004b,NELKEN,

1996;TEUBNER,PATERSON,1998). 3Oconceitodeirritaçãoremeteàcategoriaoperacionalpropostanaabordagemsistêmica.Airritaçãorelaciona-seàformacomoasmensagensdoentornosãoprocessadasinternamentepelossistemas.Apenasossistemasdefinemaquiloqueésignificativoparaassuasoperações internas(LUHMANN,2007,p.625-635).

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Ofocoorienta-seapartirdadistinçãopropostapor Luhmannentreuma

sociologiadodireito“semodireito”eoutrasociologia“comodireito”.Aprimeira

notabiliza-se pela análise do funcionamento do sistema jurídico e negligencia as

categoriaseabordagensteóricasdodireito.Aúltima,diferentemente,contempla

o repertório de conceitos e argumentos pormeio do qual o sistema jurídico se

descreve e se observa. A evolução das tradições jurídicas, dos institutos e das

ideiassãoúteis,poisconformamalinguagemdodireito.Constituem-senoarsenal

semântico que permite observar a comunicação jurídica (LUHMANN, 1985). Em

monografiasobreodireitonasociedade,Luhmannadvertequeaanáliseexterna

do direito pode partir de perspectivas incongruentes. Uma teoria sociológica do

direito deve descrevê-lo da forma como entendem os juristas. Trata-se de um

objetoqueseobservaedescreveasimesmo(LUHMANN,2005,p.69-70).

A pertinência do enfoque aparece em recente análise de Garcia (2014).

Segundoaautora,opotencialnãoselimitaàcapacidadededespertarointeresse

dejuristasteóricosparaasanálisesexternasdodireito,masespecialmenteporque

problematiza a relação entre direito e ciências sociais. Garcia propõe três

estratégicasepistemológicas, úteis aosnossosobjetivos, parao itineráriode sua

análisecentradanasrepresentaçõessociaissobreosdireitoshumanosdosistema

penal:a.Oprocessodedescentralizarofocodeanálisedosujeitoensejacapturar

odistanciamentoentreasrepresentaçõessociaisdosatoreseacomunicaçãodo

sistemapertinenteaossujeitosdapesquisa;b.Aentrevistaqualitativaéconcebida

comomecanismoreflexivocomosistema4,eacomunicaçãojurídicaapresenta-se

comocategoriaparaobservarasmanifestaçõesempíricasdosistemajurídico.c.A

análisedevedistanciar-sedascategoriasjurídicasnaturalizadasdentrodosistema

jurídico, a fim de possibilitar a observação externa do direito e as implicações

tantoparaapesquisamultidisciplinarquantoparaateoriajurídica(GARCIA,2014,

p. 185-186). Sugerimos um passo a mais na proposta. A análise ganha em

densidadesecontemplanãoapenaso sistema jurídico (nocasoodireitopenal),

mas também os sistemas organizacionais que participam da divisão do trabalho

4AautoraremeteàtécnicasugeridaporPires(2004,p.173).

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jurídico-penal (Polícias,Ministérios Públicos e Judiciários). Se considerarmos que

as organizações comunicam por meio de decisões, o estudo das premissas

decisórias (condicionais, finalísticas, cultura organizacional) remete a um campo

relevanteparaobservarasformasdeinterpenetraçãoentreosistemajurídico,as

organizaçõeseossistemaspsíquicos(vialinguagens)(MACHADO,2014,p.36-47).

Nemtodasasdecisõesorientam-sepelacomunicaçãojurídica.Conheceracultura

organizacional permite identificar rotinas cognitivas que conduzemos processos

decisórios. Nesse sentido, propomos: d. Entrevistar o sistema supõe contemplar

comopartedoobjetodeestudoasconstriçõesimpostastambémpelasestruturas

organizacionais,presentesnasfalasdossujeitosdapesquisa(MACHADO,2014,p.

39-44).

A análise de Garcia deixa algumas pistas relevantes para os nossos

argumentos. Se a semântica dos direitos humanos, aponta Garcia, pode ser

observada como “recurso cognitivo e normativo potente, suscetível de fazer

evoluirasestruturaseasideiasquecircundamodireitodepunir”,oqueexplicao

bloqueiodeinterpretaçõesinovadorassobreasformasdeintervençãopenal?Ou

ainda:comoobservaraformulaçãodedireitosquedefendemalgunsdasofensas

de outros emovimentos de defesa dos direitos humanos quedemandampenas

geradorasdeexclusãosocial?Ahipóteseanunciada,equepretendemosexplorar

no nosso texto: a inserção dos discursos dos direitos humanos no direito penal

orienta o sistema penal em direções contrapostas, oscilando entre a

“normatividadecrítica”ea“razãopunitiva”(GARCIA,2014,p.188-189).

2.Racionalidadepenalmodernaesemânticascriminológicasconcorrentes

Entre as diversas abordagens sobre a evolução do direito penal, interessa-nos,

neste texto, a proposta de Pires (2004a), descrita como racionalidade penal

moderna.Aoresgatarahistóriadasideiaspenais,oautorsistematizaasdiferentes

teorias das penas (retributivas, preventivas, reintegradoras, inocuizadoras) e

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sugerequetodasapresentamumpontoemcomum:apenacomopoder-deverde

punirdoEstado.Oconsensosobrepenasaflitivasesobreocaráterimpositivodo

poderpunitivoconformaoquePiresdescrevecomoretratoidentitáriododireito

penalmoderno.Nessecenário,bastantesimplificadodevemosadmitir,estabiliza-

se a pena privativa de liberdade como forma por excelência do castigo

institucionalizado(PIRES,2004a,p.39-48).

No objeto proposto por Pires, a história das ideias emumdado sistema

constitui-senametodologiamaisadequada.Nosistemapenal,asfilosofiaspenais,

asdoutrinasjurídico-penais,osdiscursosdascomissõesdejuristasparaareforma

legal, manuais de direito e decisões dos tribunais de justiça constituem-se nas

fontesdocumentaisparaainvestigação(PIRES,2004b,p.22).Oautorexplicitasua

tese:apartirdateoriasistêmicaedacategoriasistemadepensamento(Foucault),

argumentaquedeterminadasorganizaçõesesubsistemassociaisqueobservama

simesmoseaseusrespectivosentornos,possuemumsistemadepensamentoe

uma imagem identitáriaprópria.Ossistemasdepensamentoenglobamtodosos

discursos teóricos selecionados e estabilizados por um sistema social. Os

autorretratos identitários de um dado sistema fazem parte de seu sistema de

pensamento (PIRES, 2004b, p. 17-18). A observação empírica de um sistema

complexo como o penal permite identificar ao menos quatro tipos de

comunicação:osdiscursoshegemônicos,osalternativos(emregramarginalizados

ou desvalorizados), os quais também remetem a um retrato identitário, os

discursosregressivoseaquelesquenãoseajustamanenhumdosanteriores.Pires

adverteque,comotempoeconformeasdecisõesinternasdosistema,odiscurso

alternativo pode assumir um papel significativo, o que se constitui em questão

empíricaaserinvestigada.Podem,também,ocorrersituaçõesparadoxais,comoa

presençadeumduplodiscursoidentitário.Aexistênciadetensãointernaentreas

teoriasconfereplasticidadeaosistema,bifurcaçõesegermesdemutação(PIRES,

2004b,p.19-20).

Outratrilhasugereobservarcomoodireitopenalseabrecognitivamente

aos saberes criminológicos. Empesquisa anterior propusemos leitura distinta da

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abordagem sistêmica para o que identificamos como evolução dos subsistemas

criminológicosesuasdiferentesformasdeobservaçãodocrime,desuascausase

depropostasde intervenção (MACHADO,2012, p. 77-116).Oenfoque sistêmico

sugere instrumental para análise da evolução dos sistemas sociais5. Não se

distinguem épocas, mas variação (comunicação desviante, inesperada), seleção

(resposta a perturbações; expectativas que guiam a comunicação ou referências

desentidoidôneasaconduzirexpectativas)ere-estabilização(estadodosistema

após a seleção). Tantoa variaçãoquantoa seleçãodesignamacontecimentos.A

re-estabilização refere-se à auto-organização dos sistemas (LUHMANN, 2007, p.

335-336).Omodelonãoseconfundecomumateoriadoprogresso,vistoquenão

está associado necessariamente àmelhoria de condições, pois o entornomuda

constantemente. E desencadeia novas adaptações. Assim, a evolução pode ser

definidacomomudançaestrutural(LUHMANN,2007,p.337-342).

Os discursos criminológicos, codificados pelo verdadeiro/falso (ciência),

apresentaminserçãoassimétricanaconformaçãodoretratoidentitáriododireito

penal. Se assumirmos a proposta de Pires, as soluções aflitivas originadas da

comunicação científica sobre o crime denotam potencial para a tradução (e

seleção da informação) aos códigos e programas do direito penal. Em outras

palavras, o sistemadepensamento (núcleodo sistemadodireitopenal) abre-se

cognitivamente aos discursos criminológicos. Argumentamos que os paradigmas

criminológicos podem ser observados como subsistemas concorrentes,

diferenciados funcionalmente em diferentes disciplinas e áreas da ciência

(MACHADO,2012,p.77-92).Algumasdasconclusõesqueapresentamosnaquele

estudomerecemserproblematizadas.Notamosfronteirasbemdefinidasentreos

subsistemas criminológicos que evoluíram a partir das ciências biológicas e

psicológicas,comoapsiquiatria,aneurociênciaeagenéticacriminaleastradições

5 A diferença meio-forma refere-se ao estado interno dos sistemas. As palavras, acopladas demaneirafrouxa,sãoaglutinadasemoraçõeseadquiremformatemporal.Osistemaoperaligandoomeioaformaspróprias.Estasseconservamcomaajudadedispositivospróprioscomoamemória,aescrita, os textos impressos. O uso reiterado condensa o sentido das palavras. Apenas as formaspodemacoplar-seaossistemasenãoosubstratomedial.As frases,enãoaspalavras, formamumsentidodeterminadoequepodeserprocessadonacomunicação(LUHMANN,2007,p.150-154).

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estabilizadas nas ciências sociais, descritas como criminologias de linhagens

sociológicas (EYSENCK, 1993; JALAVA, 2006, p. 416-432; SARNOFF, GABRIELLI &

HUTCHINGS,1993,p.77-90;WALBY&CARRIER,2010,p.261-285).

Interessa-nos, sobretudo, focalizar as transformações semânticas das

criminologias sociológicas a partir da década de 1970 (evolução), quando foram

inseridos novos parâmetros (estruturas) para a observação da criminalidade e

propostasde intervençãopenal.Emsuasprimeirasmanifestações,acriminologia

crítica selecionou variação inserida pelo Labelling Approach (das causas aos

processosderotulação)(BECKER,2008;LEMERT,1951),emprojetomaisamploe

ambicioso de enfoquedo crimee dodireito penal, reinserido emmacroanálises

das estruturas econômicas e das funções instrumentais/ ideológicas da

intervenção penal (BARATTA, 1999; YOUNG, WALTON, TAYLOR, 2001; VAN

SWAANINGEN, 1997)6. A profunda irritação do direito penal moderno à

provocação da semântica criminológica crítica gerou artefatos semânticos que

colocaram no centro do debate o que Pires propõe como o retrato identitário

estabilizado do direito penal moderno. O surgimento do abolicionismo, do

realismo criminológico e das criminologias orientadas pelos direitos humanos

(política criminal alternativa) são algumas das manifestações do fenômeno

(MATTHEWS&YOUNG,1992;LEA,2002).

As múltiplas variações da crítica penal e criminológica podem ser

observadasapartirdaseleçãododiscursodosdireitoshumanoscomoestrutura

comunicativaque tambémorientaaspropostasde intervençãopenal. Épossível

mapearoencontroentrearazãopunitivaeacríticaradicalà intervençãopenal?

Em uma rápida e parcial descrição: na década de 1980, grupos próximos ao

movimento crítico aproximaram-se das posições que reivindicavam o uso do

direitopenalcomopartedaestratégiadelutaereafirmaçãodedireitos.Ahistória

sugere variações espaciais peculiares. No contexto latino-americano, com a

transição democrática, demandou-se a punição de crimes praticados pelas

6 Conferir a evolução das semânticas criminológicas críticas no continente europeu, bem como adiversificação dos campos de interesse e objetos de estudos (selecionados e estabilizados),especialmenteentre1970e1990(VANSWAANINGEN,1997,P.74-107).

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ditadurasmilitares. A punição às violações dos direitos humanos apresentava-se

comopartedoprocessoderecuperaçãodamemóriacoletiva(BERGALLI,1987,p.

260-290; RIVERA BEIRAS, 2011, p. 33-43). Na Europa, parte dos movimentos

sociais(correntesfeministas,inclusive)selecionou,emsuasestratégiasdelutapor

direitos,odiscursopunitivo.Ofenômenofoicriticadoedescritocomo“empresa

moralatípica”(SCHEERER,1986).

O impacto (irritação) dos novos movimentos sociais nos pensamentos

criminológicosécomplexoesupõeaanálisedetrajetóriasdiferenciadas.Laclaue

Mouffe aportam reflexão instigante ao descrever a novidade dos movimentos

sociaisnãoclassistas.Asmudançasnaformadedominaçãopolítica,naestrutura

das burocracias e na distribuição de poder estatal, bem como nas relações de

trabalhoenasmanifestaçõesculturais,nasegundametadedoséculoXX,levaram

à diversificação das relações sociais e a novos conflitos. A expressão contempla

lutas distintas, como a “ecológica, anti-autoritária, feministas, regionais, ou das

minorias sexuais” (LACLAU, MOUFFE, 1985, p. 159). A diferenciação das novas

semânticas criminológicas com a seleção de demandas dos novos movimentos

sociais requer análise detida que foge do objetivo deste artigo. É suficiente

mencionarqueopressupostoclassistadodireitopenal,naversãohegemônicada

criminologia crítica da primeira metade da década de 1970, foi reconstruído

segundoclivagensquenãopodemmaissercompreendidasdeformalinear.

O surgimento das criminologias feministas deve ser contextualizado a

partir da crítica epistemológica à produção do conhecimento fundado embases

masculinas. Entreosestudos seminais,Hardingdestaca-seaoproporadefinição

doparadigmadegênero,contrapondo-seaomodelobiológico.A linguagemeas

instituiçõesestão imbricadaspeladicotomiamasculino/feminino.Osgênerossão

construídossocialmente;nãosãoasimplesemeratransposiçãodosexobiológico.

Os pares de qualidades e respectivas debilidades configuram mecanismos

simbólicos que afetam as relações de poder. Delineia-se forte crítica aomodelo

androcêntricodaciência;assim,apropostadeumateoriafeministadaconsciência

contrapõe-se aos pares binários masculino/ feminino, transpostos em lente

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epistemológica:sujeito/objeto,razão/emoção,espírito/corpo(HARDING,1996).

Ao longo das últimas três décadas essa perspectiva foi decisiva na reconstrução

dasmais diversas áreas de pesquisa nas ciências sociais, sendo particularmente

relevanteodebatesobreatutelapenalemsituaçõesdeviolênciacontraamulher

(SMAUS, 1999, p. 235-251; SMART, 1976).O campode interesse foi ampliado e

confrontouasdiversascorrentesdopensamentocriminológico.Estudospioneiros

dadécadade1970evidenciaramoviéssexistadasteoriascriminológicasdematriz

etiológica. A crítica feminista também se dirigiu às abordagens inspiradas pelo

Labelling Approach e à Criminologia Crítica, negligentes quanto ao gênero e à

criminalidade feminina (BELKNAP, 2015; BRITTON, 2000; CHESNEY-LIND, 2013;

SMART,1976;SMAUS,1999).

Em obra seminal, Butler apresenta proposta inovadora sobre as

possibilidades de ressignificação das identidades de gênero na abordagem

conhecida como Compulsory Heterosexuality. A autora problematiza os

pressupostos de teorias feministas, especialmente o que avalia como ênfase na

“identidade de gênero”. Sem a pretensão de romper com as tradições na área,

adensa o debate sobre as classificações apresentadas pelas teorias feministas

(BUTLER, 1990, p. 3-25e 35-56).No campo criminológico, as análisesde gênero

foramsubmetidasanovas interpretações.Ealgunsestudosforammarcantespor

selecionarenfoquesraciais,étnicoseclassistasnasexperiênciasvivenciadaspela

mulhercomovítimaouautoranosistemadejustiçacriminal(BURGESS-PROCTOR,

2006, p. 27-46). Certamente, o discurso que propõe contemplar elementos

distintivos,como“pobre,mulher,negra”,requerempresateóricanãoexatamente

fácil.

3.Osmovimentossociaiseopúblico:semânticascriminológicasfeministas

Especialistasdescrevemas transformaçõesdas semânticas criminológicas críticas

no final da década de 1970. Um dos vetores relevantes nas mudanças é a

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diversificaçãodosdiscursos críticos naquilo que é descrito como “descobertada

vítima”.Alémdafunçãoinstrumentaldapenacomomecanismoestratégicoparaa

proteçãodedireitos,ganhaterrenoareivindicaçãodafunçãosimbólicadodireito

penal(LARRAURI,2000,p.216-244).Aentradadosdireitoshumanosnasreflexões

criminológicas pode ser observada tanto nas correntes próximas às construções

teóricascríticasquantonasvertentesmais reacionáriasepunitivas.Na literatura

inglesa esse movimento originou as correntes conhecidas como realismos

criminológicos(dedireitaedeesquerda)(MACHADO,2012;MATTHEWS&YOUNG,

1992;LEA,2002).Areferênciaaqualificaçõespertinentesaosistemapolíticonãoé

irrelevante para nossa análise, pois indica a incorporação do público como

componente que passou a integrar os programas dos diferentes subsistemas

criminológicos.

Emanálisedistinta,Piresargumentaque,apartirdosanos1960e1970,o

público foiprogressivamente integradonasoperaçõesdereproduçãodosistema

penal. O fenômeno teria produzido o efeito de “desdiferenciação” do sistema

penal em relação ao sistema político (PIRES, 2004a, p. 49). Doismomentos são

especificamente selecionados: o envolvimento do público pode ser identificado,

de forma crescente, na produção normativa, com a demanda de penas mais

severaserestriçãodemedidasalternativasàprisão.Umsegundomomentopode

ser observado nas decisões das organizações que participam da divisão do

trabalho jurídico-penal (MACHADO, 2014, p. 49-71). Quando os tribunais se

referem“explicitamenteaoclamorpúblico,àopiniãopúblicaouàmediatizaçãode

umcaso”(PIRES2004a,p.51).Osistemapenalinserenovoscritériosdevalidade

jurídicadaintegraçãodopúblico,eàvítimalheéatribuídoopapeldemensageiro

do sofrimento na fase de cominação da pena. Encaminha-se, então, para a

seguinte questão: quais as conseqüências da recepção do público se o sistema

penalnãomodificasuasteoriasou“suaestruturatelescópica”(“quemfazXpode

oudeveserpunidocomY”)?(PIRES,2004a,p.52).

Emesforçodesíntese,eparaopropósitodesteartigo,concentramo-nos

no que é descrito como paradoxo das demandas de punição formuladas sob o

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rótulo dos direitos humanos, os quais podem ser classificados como direitos de

proteção,associadosàlimitaçãodaesferadeaçãodoestadoedeparticulares,e

direitos de prestação (direitos-à-obtenção), relacionados à promoção social de

gruposespecíficos.Associarapuniçãoàproteçãodosdireitoshumanosapenasse

sustenta se amparada pela contestável teoria da prevenção geral negativa

(empiricamente frágil). Os programas dos movimentos sociais que articulam a

puniçãoemseusideáriosepropostasconcretasdeaçãosugeremdemandaspelo

incremento do sistema penal naquilo que Sack descreve como “distribuição de

bensnegativos”(sofrimento)(PIRES,2004a,p.56-58).

O movimento feminista contempla ampla diversidade interna e requer

cuidado na generalização quanto a diferentes temas. Podemos mapear, sem a

pretensão de esgotar o campo, a diversidade de demandas emmatéria penal7.

Uma primeira frente pode ser identificada no modelo proposto em relação a

determinados comportamentos. O uso do direito penal pode ser colocado em

questão, na medida em que a criminalização é questionada. É o caso

paradigmático das demandas pela descriminalização do aborto (MACKINNON,

1991)8. Outras demandas dirigem-se à redução das penas, à abolição das penas

mínimas e à melhoria das condições de vida das mulheres na prisão. É o que

sugerem recentes pesquisas sobre a espiral crescente do encarceramento de

mulheres na política de guerra às drogas (TAVARES, 2015; BOITEUX, PÁDUA,

2013).Nocasodascondiçõescarcerárias,critica-seainadequaçãodasinstituições

penitenciárias, particularmente para gestantes e mães (ZACKSESKI, MACHADO,

AZEVEDO,2016).Outrasituação interessa-nosnestetexto:quandoomovimento

reivindica (se de fato)menos garantias emais sofrimento. Na fórmula proposta

por Pires, requer-se a “realizaçãodo anti-bem-estar dosoutros, ouumdireito a

participar na realização dessa tarefa” (PIRES, 2004a, p. 59). Como exemplo, as

demandas por punições mais severas para a violência machista, como o caso

7EnessepontofazemosleituradapropostadePiresajustadaaosnossosinteresses.Redirecionamosofocoparaadiversidadedomovimentofeministaemrelaçãoàintervençãopenal(PIRES,2004a,p.58-60).8 Segundo esse enfoque, a luta contra a descriminalização sexual requer que se estabeleça aproteçãoàvidadacriançaapósoseunascimento(MACKINNON,1991).

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recente da Lei que tipificou o crime de Feminicídio e a restrição às medidas

despenalizadoras da Lei 9.099/1995 nos casos de violência de gênero. Nessa

leitura, a racionalidade penal moderna seria responsável pela “normalização do

direitoaoanti-bem-estarsocialdosoutros”noâmbitopenal(PIRES,2004a,p.59).

Nesse ponto, e para os objetivos deste artigo, propomos moldura para

umahermenêuticadadiversidadediscursivadasabordagensfeministas,queaqui

denominamos semânticas criminológicas feministas9, cientes da complexidade

comqueobservamaintervençãopenal.Deumlado,critica-sequeaprogramação

penal historicamente seguiu viés misógino e machista. As formas de controle

sobre o corpo feminino também aparecem nas legislações que criminalizam o

aborto,bemcomoemrelaçãoàspráticasjudiciaisnainstruçãodoscrimessexuais

(ANDRADE,1999,p.105-117e2004,p.260-290;CAMPOS,2008,p.244-260).De

outro lado, a luta pela criminalização da violência contra a mulher, por razões

simbólicas ou instrumentais, conformou arsenal poderoso que movimentou

reformas legislativas em diferentes contextos sociais e cenários políticos. A

tradução de demandas dos novos movimentos sociais aos códigos da política

resultou em legislações complexas, cujos programas contemplamprescrições de

políticaspúblicasquevãoalémdameraintervençãopenal(ÁVILA,2014;CAMPOS,

2008,p.244-260;CAMPOS,2013,p.314-317)10.Osnovosprogramascondicionais

dodireitoestabelecemparâmetrosdistintosparaasdecisões(comunicações)das

organizações envolvidas na intervenção jurídica nos casos de violência contra a

mulher(MACHADO,2014,p.39-43).

9Usamosaexpressãoparaevitaraarmadilhaquesupõeageneralizaçãodeassertivascomotais:“acriminologiafeministasustenta”ou“assimpensaacriminologiafeminista”.Noenfoquesistêmicoasorganizações, comosistemassociais,observamedistinguem,diferentementedoquepontuaMaryDouglas(MACHADO,2014,p.27).10Umapropostaparacontemplaraseleçãodoenfoquepenalpelosmovimentossociaisencontra-sena chamada teoria das “equivalências”, apresentada na obra seminal Hegemony and SocialistStrategy (LACLAU,MOUFFE,1985).Oque requer,obviamente,dadaa complexidadedo tema,umestudofuturo.

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4.AsuspensãocondicionaldoprocessoeaLeiMariadaPenha

Ainda que aceitemos a tese do autorretrato punitivo do direito penalmoderno,

devemos ponderar que a produção legislativa supõe processos complexos

orientados pelos programas e códigos da política. A racionalidade instrumental

subjacenteaosprojetosdeleinãoeliminaoubloqueiaacriaçãodeleissimbólicas.

A depender de condições estruturais e conjunturas que variam no tempo e no

espaço, as lógicas instrumentais e simbólicas coexistem e se sobrepõem nos

programas políticos, conforme dinâmicas próprias do governo/ oposição

(LUHMANN,2005,p.491;MACHADO,2012,p.77-116).Nessesentido,aprodução

do direito penal positivado não supõe a exata transposição ou tradução dos

discursospenaishegemônicos.

A Lei 9.099/1995 inseriu inovação importante no ordenamento jurídico

brasileiro,aopreverinstitutoscomoaconciliaçãoeatransaçãopenalnoscrimes

de menor potencial ofensivo. Inovou, igualmente, por instituir a suspensão

condicional do processo (o sursis processual) como benefício para os réus

primários e de bons antecedentes, conforme artigo 89, nos crimes cuja pena

mínima cominada for igual ou inferior a um ano (BARROS, 2002, p. 43). Ao

diversificar as formas de intervenção penal, uma das questões pertinentes a

observar seria a recepção pelo sistema político de discursos alternativos à

hegemonia discursiva que orienta a racionalidade penalmoderna (PIRES, 2004a,

2004b).

Nasegundametadedadécadade1990,anovalegislaçãofoiamplamente

difundida e festejada por instituir formas não punitivas para a solução dos

conflitos. Anunciava-se que a negociação penal privilegiaria a solução dos

conflitos, pois contemplava a reparação do dano causado às vítimas (grandes

esquecidasnaprogramaçãomodernada legislaçãoprocessualpenal) (FOLGADO,

2002, p. 67). Ao longo dos anos, foram aprofundados os estudos, inclusive

empíricos,sobreaspráticasorganizacionaisdasinstituiçõesenvolvidas.Pesquisas

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sugerem que as soluções inseridas pelo novo modelo ampliaram as formas de

controlepenal(CAÚLA,SILVA,2007,p.87).

Estudos no campo da violência de gênero apontaram a inadequação da

medidaimpostaaoagressoremrazãododelitocometido(LAVIGNE,2011,p.86-

87),sobofundamentodequeaviolênciacontraamulhernãopoderiasertratada

da mesma forma que uma agressão entre iguais, haja vista que se trata de

violência estrutural enraizadanas desigualdades de gêneropresentes no âmbito

social(BANDEIRA,2008,p.196).Advertiu-sequeaspropostaseramrealizadasnos

JuizadosCriminais semapresençadamulher,quesequer tomavaconhecimento

da resposta dada pelo judiciário ao agressor. Havia, também, a realização de

transações penais com a prestação de cestas básicas,medidas que viriam a ser

vedadaspeloartigo41daLei11.340/2006(CAMPOS,2006,p.89)

Entre as críticas recorrentes, destacamos a suposta inadequação do

modeloparaos casosde violência contra amulher. Argumentou-se, em síntese,

queaspráticasdosistemadejustiçabanalizavamaviolênciadegêneroelevavam

a soluções iníquas, como o pagamento de cestas básicas ou a suspensão do

processoàreveliadavontadedavítima.Osdiscursosacadêmicosedemembros

de movimentos sociais de defesa da mulher ganharam projeção nos meios de

comunicaçãoenoâmbitopolítico.Assim, foramrelevantesnos intensosdebates

que antecederam a votação do projeto que originou a Lei 11.340/2006, nesse

aspectoespecialmenteemrelaçãoàpropostapositivadanoartigo41doreferido

diplomalegal,quevedouaaplicaçãodosinstitutosdaLei9.099/1995(CALAZANS;

CORTES,2011,p.42;CERQUEIRA,2015,p.7).

A edição da Lei 11.340 (LeiMaria da Penha), em08 de agosto de 2006,

permitiuacriaçãodeumsistemadeproteçãoàmulherquecontemplousoluções

jurídicascomoasmedidasprotetivasdeurgênciaepolíticaspúblicasqueexcedem

oâmbitopenal(CAMPOS,CARVALHO,2011,p.150).Noqueserefereaoâmbito

de competência judiciária, em um primeiro momento houve a utilização da

estrutura dos Juizados Especiais Criminais para o atendimento dasmulheres em

situação de violência (LAVIGNE, 2011, p. 86-87). Tal adaptação gerou

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questionamentos sobre a qualidade dos atendimentos e, principalmente, a

respeitodaaplicaçãodasuspensãocondicionaldoprocessonoscasosenvolvendo

oritodaLeiMariadaPenha.

OdebatesobreaaplicaçãodeinstitutosdaLei9.099/1995,adespeitoda

regrainstituídanoartigo41daLeiMariadaPenha,foiobjetodequestionamento

nos tribunais. Alguns precedentes foram determinantes para a compreensão da

soluçãojurídicamaisadequada.NojulgamentodoHabeasCorpusnº106212/MS

(Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 24/03/2011), o paciente pleiteava a

aplicaçãoda suspensão condicionaldoprocessoà contravençãodas viasde fato

(artigo21doDecretonº3.688/1941)eadeclaraçãode inconstitucionalidadedo

artigo 41 da Lei 11.340/2006, o que restou indeferido, e foi expressamente

declaradoconstitucionaloreferidoartigo.Posteriormente,emfevereirode2012,

o STF julgou procedente a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) nº

4424, possibilitando o ajuizamento de ação penal nos crimes de lesão corporal,

independentedarepresentaçãodavítima,combasenosseguintesargumentos:1)

assimetria de poder entre gêneros decorrente de relações histórico-culturais na

sociedadebrasileira; 2) caso amulher tivesse quedecidir pela representaçãona

açãopenal,essefatopoderiadiminuirasuaproteçãoedarcontinuidadeaociclo

deviolência,poispoderiaserobrigadaanãodarcontinuidadeàpersecuçãopenal

em razão das relações que poderiam existir com o agressor; e 3) haveria

desconsideração com o estado emocional da mulher, pois o fato de exigir a

representaçãoaimpediriaderompercomoestadodesubmissão.Naqueleanoo

tribunal também julgou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade

(ADC)nº19,quedeclarouaconstitucionalidadedoart.41daLei11.340/2006.A

partir desses precedentes, fortaleceu-se a tese de total inaplicabilidade dos

instrumentos despenalizadores instituídos pela Lei 9.099/1995 às infrações

cometidascontraamulher,entendimentoconsolidadocomaediçãodaSúmulanº

536doSTJ,julgadapelaterceiraseçãoem10dejunhode2015epublicadaem15

dejunhode2015:“Asuspensãocondicionaldoprocessoeatransaçãopenalnão

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seaplicamnahipótesededelitossujeitosaoritodaLeiMariadaPenha”(BRASIL,

2015,p.01)11.

AsdecisõesdoSTFedoSTJcontribuíramparaoentendimentodequea

suspensãocondicionaldoprocessonãopoderiaseraplicadaaoritoprevistonaLei

MariadaPenha.Porém,observamosque,napráticajudicial,hácorrentecontrária

que sustenta a aplicabilidade do sursis (NICOLITT, 2012, p. 33). A posição é

capitaneada especialmente por profissionais que atuam diretamente nos

processos que envolvem violência contra a mulher, sendo estes os argumentos

mais relevantes: 1) o objetoprincipal daADI nº 4424 se limitava a analisar seo

crime de lesão corporal seria processado por meio de ação penal pública

condicionada ou incondicionada; 2) O objeto da ADC nº 19 seria a análise da

constitucionalidadedaprevisãoderetiradadoscrimescontraamulherdaalçada

do JuizadoEspecial Criminal; e 3)Aproibiçãoem se aplicar a suspensãonão foi

objeto de decisão específica pelo STF. Argumenta-se, ainda, que suspensão

condicionaldoprocessonãofazpartedosistemadoJuizadoEspecialCriminal,por

maisqueestejaprevistanaLein.9.099/95,poisencontra-senosartigosreferentes

às"disposiçõesfinais".(CAMPOS,2015,p.529;COSTA,2014,p.37-39).

Nas entrevistas com alguns dos profissionais do sistema de justiça, os

relatos indicaram como argumentos favoráveis ao sursis: a celeridade, a

possibilidadedeumacompanhamentoefetivoeavigilânciadoJudiciário,apoiado

por equipe multidisciplinar no período da suspensão. Durante o trabalho de

campo, notamos constantes referências a pesquisa realizada no TJDFT pelo

Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS). No estudo, foram

analisados318processosselecionadospeloMinistérioPúblicodoDistritoFederal

eTerritórios(MPDFT),noperíodocompreendidoentreosanosde2006e2012.Os

processos foram divididos em dois grupos: a. com a aplicação da suspensão

condicional do processo, composto por 94 processos; e b. sem a aplicação da

11EssasúmuladoSTJnãopossuicarátervinculanteefundamentou-seemalgunsjulgadosjáseguidospelas turmas do tribunal, tais como o Habeas Corpus 173664 MG 2010/0093123-0(Decisão:28/08/2012; DJe: 12/09/2012) e o Habeas Corpus 198540 MS 2011/0039567-2(Decisão:19/05/2011;DJe:08/06/2011).

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suspensãoecomprolaçãodesentença,compostopor224processos.Verificou-se

que a resposta judicial foi mais rápida no grupo a, em que houve a suspensão

condicional do processo (média de setemeses entre a denúncia e a suspensão

condicionaldoprocesso,comparadoa14mesesdecorridosentreadenúnciaea

prolaçãoda sentençano grupoB, emquenãohouve a suspensão). E esse seria

fatorpositivoquandosetratadeviolênciacontraamulher,poisarespostaestatal

deveserdadademaneiracélere(DINIZ,2014,p.30).

Ao longo dos anos, proliferaram também os argumentos contrários à

suspensãocondicionaldoprocesso.NoestudoorganizadoporLeilaBarsted(2011,

p. 28-29), sobre a violência contra as mulheres no Brasil, concluiu-se que a Lei

9.099/95 apresenta soluções que são céleres e alternativas à prisão. Porém, a

aplicação não é recomendada quando o conflito envolve a violência contra a

mulher.Reitera-sequeadissimetriadepodernessetipoderelaçãoocasionaum

númeroelevadodedesistênciasporpartedasmulherese,noscasosemqueháo

prosseguimentodoprocessopenal,podehaverasensaçãodeimpunidadequanto

às penalidades aplicadas. Na pesquisa realizada por Costa em processos que

tramitaramnoTJDFT,entreosanosde2006e2012,aautoraconstatouque,na

maioriadoscasos,houveapropostadosursiscomopagamentodecestasbásicas

earealizaçãodeconciliação,apósavigênciadaLeiMariadaPenha(COSTA,2014,

p.37-39).A respeitodaaplicaçãodasuspensãocondicionaldoprocessoapósas

decisõesdoSTFedoSTJ,Camposapresentaosseguintesargumentoscontrários

aosursis:1)nãocabeaoMinistérioPúblicodescumprirdecisãoergaomnesdoSTF

e, para a aplicação, haveria a necessidade de alteração legislativa; 2) o sursis

apenas beneficia o autor e não a vítima, pois a concessão independe da

manifestaçãodavontadedamulher;3)aaplicaçãodosursis sugerearesistência

dosprofissionaisemcumprirema leieaceitaremonovo“paradigma legal”;4)a

negativa em se aplicar a lei pode sugerir “uma disputa ideológica entre o

feminismo e o tradicionalismo jurídico sobre a violência contra asmulheres”, e

essa disputa poderia dificultar a implementação das varas especializadas

(CAMPOS,2015,p.529).

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Tais argumentos são compartilhados por alguns dos integrantes de

movimentos feministas e podem ser identificados, com algumas variações, em

distintos estudos (ALMEIDA, PEREIRA, 2012, p. 48; BANDEIRA, 2009, p. 427-428;

BRASIL,2016,p.6-48).Umadaspesquisadorasentrevistadasenumerouasrazões

pelasquaisosursisnãodeveriaseraplicado:

Existe uma massificação das decisões durante o deferimento dasmedidas, não existe uma interpretação adequadapara determinadocaso. A maior dificuldade consiste na integração de medidaspreventivas e punitivas, pois o Judiciário e o Executivo investempouconarededeatendimentoàmulher,écomosenãoselevasseasério a violência contra as mulheres. [...] Atualmente o que temajudadodefatosãoasmedidasprotetivasenãoexistecomprovaçãodequeasuspensãocondicionaldoprocessoseriamaiseficaz,assim,não se justifica uma batalha acerca da suspensão, pois haveria anecessidadede se especificar que condições seriamessas, o quenaverdadenãodeveriaserobjetodedebate,jáqueexisteumadecisãodoSTFquedizquevedaessaaplicação(PesquisadoraA).

5.OsjuizadosdeviolênciadomésticaefamiliarnoTJDFT:mapeandoocampo

Na condução desta pesquisa, as entrevistas em profundidade foram

precedidas de visitas a varas especializadas e de entrevistas exploratórias com

acadêmicos, especialistas na Lei Maria da Penha e profissionais que ocupam

diferentes posições profissionais (entre 2014 e março de 2015) 12. Inicialmente,

contatamososservidorespúblicosdecadaumdos19juizadosparaaobtençãode

informações sobreaspráticas locaisem relaçãoàaplicaçãodos institutosda Lei

9.099/199513.Posteriormentevisitamosquatrocircunscrições judiciárias (Brasília,

12 As entrevistas em profundidade foram realizadas pela pesquisadora Priscila Moraes Rego, soborientaçãodeBrunoAmaralMachado,etevecomopontodepartidaumroteirocomasprincipaisquestões para a pesquisa. As entrevistas, cuja duração foi entre 45 minutos e uma hora, foramgravadascomautorizaçãodossujeitosdapesquisa.Obviamenteoguiafoiapenasopontodepartidapoisosparticipantesdiscorreramsobremuitosoutrosaspectosdotrabalho,todosrelevantesparaapesquisa.13Aesse respeito, recordamosalgumas falasquedesencorajavamasentrevistas: “Entrevista?Nósservidores ou os magistrados não podemos dar entrevista” [Analista C]; “Para poder fazer essaentrevistavocêteráquesolicitardiretamentenacorregedoria,porquenósnãopodemosconcederentrevista”[AnalistaD].

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Riacho Fundo, Ceilândia e Samambaia), compostas por 7 juizados. Após,

selecionamos duas circunscrições, que serão denominadas de Circunscrição A e

Circunscrição B, para a descrição do funcionamento e agendamento das

entrevistas.

Logo no início do trabalho de campo deparamo-nos com as dificuldades

emseabordarotemadepoisdasdecisõesdostribunaissuperiores.Oreceioem

se admitir a prática do sursis sugeria desconfiança em relação aos interesses da

pesquisa. As conversas com os servidores lotados nos juizados de violência

domésticaefamiliarpermitiramconstruirumcenáriosobreos locaiscujoacesso

seriadificultadooumesmointerditado.

Como resultado preliminar da pesquisa exploratória, identificamos que,

dos 19 juizados que compõem a estrutura do TJDFT, 14 aplicavam, ainda que

eventualmente,asuspensãoe5nãoaaplicavam14.Duranteotrabalhodecampo,

observamos que, dependendo dos profissionais em atuação em determinado

juízo,podehavermodificaçãodessecenário.Assim,é importanteesclarecerque

determinadojuizadopodeadotarumpadrãodecisórioqueéalteradoconformeas

substituiçõesaolongodoano.

Após, a fim de compreender as representações sociais dos atores que

integram distintas organizações do sistema de justiça em relação ao tema,

realizamosentrevistas emprofundidade com14profissionais (dois analistas, um

técnico, dois advogados, dois defensores, cinco promotores e dois juízes) que

atuavamnasrespectivasvarasinstaladas:umaquepreponderantementeaplicava

a suspensão (composta por um juizado, Circunscrição A) (6 entrevistas) e outra

que,majoritariamente,nãoaplicava(compostapor2juizados,CircunscriçãoB)(8

entrevistas).Decidimosnão identificaros juízosqueforamobjetodestapesquisa

paraprotegerosprofissionaisquesedisponibilizaramaparticipardasentrevistas.

Paraacompreensãodocontextodosjuizadosselecionados,esclarecemosquese

14Aprimeiratentativademapeamentodasdecisões(comunicaçõesorganizacionais)emrelaçãoaotema foi a pesquisa no sistema informático do TJDF. Como os dados, no período da busca, nãoestavamcompletamentedisponíveisouespecificados(sursisoususpensãodeoutranatureza),essainformaçãofoiobtidanasentrevistasexploratóriascomosservidorespúblicosdetodososjuizadosespeciaisemviolênciadomésticaefamiliardoTJDF.

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

encontram em comunidades consideradas predominantemente carentes. Os

dados obtidos por meio das entrevistas foram divididos de acordo com cada

categoriaprofissionalparaexporasdistintasrepresentaçõessociaisemrelaçãoà

aplicaçãodosursisnoscasosdeviolênciacontraamulher.

AcircunscriçãoAatendeàcomunidadededuasregiõesadministrativas,e

possuium juizado (JuizadoA).Eleexistedesdeacriaçãoda lei,noanode2006,

porém, durante 9 anos, tinha competência também para os crimes de menor

potencial ofensivo (Lei 9.099/95). Em 2014, criou-se vara especializada em

violência doméstica e familiar naquela jurisdição. Portanto, durante a visita,

notamosqueosservidoresaindaestavamseadaptandoaessanovarealidade.No

local,atuam5promotoriasespecializadas,criadasentreosanosde2011e2014,

um núcleo da Defensoria Pública para atendimento a violências doméstica e

familiar e uma Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos e Minorias –

PRODHEM.ACircunscriçãoB é compostapor 2 juizados (JuizadoBe JuizadoC).

Ambos com competência geral entre 2006 e 2012, quandopassarama atuar de

formaespecializadanaviolênciadoméstica.Nessacircunscrição,tambémexistem

5promotoriasespecializadasdesdeoanode2012,bemcomoumaprocuradoria

de Defesa dos Direitos Humanos e Minorias – PRODHEM. As estruturas

organizacionaisdasvarasanalisadassãosimilares.

6.Das representaçõesaos sistemas sociais:desafiosda sociologiadodireito (e

criminologias)“comodireito”

Noprojetooriginalqueorientouotrabalhodecampo,aanálisedasnarrativasdos

sujeitosdapesquisaconduziu-seapartirdosdispositivosteóricospropostospela

TRS(TeoriadasRepresentaçõesSociais).SegundoaTRS,asrepresentaçõessociais

constituem-se em dispositivo metodológico cujo foco é conhecer uma dada

realidadeapartirdaformacomoelaépercebidapelosatoressociais(MOSCOVICI,

1978, p. 24). A teoria prevê dois mecanismos básicos que são utilizados na

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

comunicação sócio-cognitiva: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem

transformaodesconhecidoemconhecido,vinculando-oàsrepresentaçõessociais

anteriores, com a finalidade de promover a comparação e a interpretação. A

objetivação converte o desconhecido em conhecido, transformando-o em algo

concreto e perceptível, tornando-o palpável e controlável no universo cognitivo

(SÁ,1995,p.39).OfocofoicompreenderossignificadosdapráticadosursisnaLei

MariadaPenha.

Neste artigo, a proposta é utilizar omaterial empírico sob outro ângulo,

que consideramos compatível com a TRS.O nosso olhar é redirecionado para o

sistema jurídico-penal. As falas dos sujeitos da pesquisa sugerem práticas

diferenciadas, nem sempre ajustadas aos discursos teóricos disponibilizados. A

diversidadeargumentativasupõeinterpenetraçãoentreasdecisõesdosmembros

das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico e o arsenal

semântico (discursos) disponibilizados pelo sistema penal e pelos subsistemas

criminológicos(MACHADO,2014,p.36-51;MACHADO,2012,p.77-107).Asteorias

podem atuar como redundância, na forma assumida pelo arsenal de conceitos

jurídicos aplicáveis em um determinado momento, ou como variação, ou seja,

informações novas provenientes, por exemplo, das ciências sociais e,

particularmente, dos subsistemas criminológicos (LUHMANN, 2005, p. 411-425).

Para o nosso interesse neste artigo, disponibilizam informação relevante para o

sistema penal, pois justificam os processos decisórios em relação ao binário:

aplicarosursisprocessual/nãoaplicarosursisprocessual.

NaleituraquefazemosdomodeloapresentadoporPires(2004a,2004b),

a pesquisa empírica permite identificar, nas comunicações organizacionais

(decisões jurídicas), discursos penais (sistema jurídico) e criminológicos (ciência),

não raramente em concorrência com o senso comum. O que torna complexa a

tarefa de mapear o autorretrato punitivo do direito penal, pois envolve outras

variáveis relevantes. É o caso, por exemplo, das premissas finalísticas das

comunicaçõesorganizacionais,comoogerenciamentodovolumedetrabalhoou

as rotinas cognitivas (cultura organizacional), igualmente relevantes para

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

compreender como decidem as organizações (LUHMANN, 2007, p. 655-672;

MACHADO, 2014, p. 39-44). Neste artigo, argumentamos que as narrativas e as

práticas decisórias (comunicações) sugerem pistas para compreender o fluxo

comunicativo dos discursos teóricos selecionados e estabilizados em um

determinadosistemasocial(nocaso,osistemapenal).

Inicialmente, decidimos entrevistar os servidores do TJDFT (analistas e

técnicos), profissionais que realizam o primeiro atendimento ao público e

conhecem a tramitação processual nas Varas de ViolênciaDoméstica e Familiar.

Notamos que alguns deles atuam como oficiais de gabinete e colaboram na

redação de decisões (despachos e sentenças). Portanto, embora sejam

profissionais invisíveis na comunicação do sistema jurídico (espécie de ghost

writers), revelam-se fundamentais na engrenagem da organização judicial e

relevantesnaformacomodecidemosmagistrados.

NotranscorrerdasentrevistascomoosservidoresdoTJDFT,ahierarquia

organizacional e a posição ocupada pelos sujeitos da pesquisa emergem como

fatordeterminantenasnarrativas.Oreceioemparticiparapenaseracontornado

pelosigiloasseguradoaosparticipantes.Osservidoresenfatizavamaausênciade

dadosparadizer sea suspensão seriamais satisfatóriaqueadecisãodemérito,

masdemonstravam insatisfaçãoquantoà impossibilidadedeamulher renunciar

noscasosdelesãocorporal,descritanasfalascomoincongruênciainstituídapela

legislação. A insatisfação objetivou-se na descrição binária do perfil dos atores

envolvidos:“mulherincapaz”/“homemcapaz”(MARKOVÁ,2003,p.186).Embora

alguns dos atores demonstrassem receio em manifestar opinião sobre o tema

“sem respaldo em dados científicos” (códigos verdadeiro/ falso), no transcorrer

das entrevistas evidenciaram preferência pela aplicação dos institutos

despenalizadoresdaLei9.099/1995,eas referênciasaosistemapenalaparecem

acompanhadas de críticas e desconfianças quanto à efetividade de eventuais

sentençascondenatórias.Anecessidadedepunirosagressorescedeespaçopara

odiscursodequedevemserenfrentadososcontextosdaviolênciacommedidas

queosistemapenalnãodispõe.

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

Osmagistradosocupamposiçãocentralnostribunaiseaelescabedecidir

pela aplicabilidade ou não do sursis, após a proposta doMinistério Público e a

aceitação do acusado. Em relação aos juízes, não buscamos compreender o

complexomotivacionalmasasrepresentaçõessociaisqueconfiguramargumentos

(justificativas jurídicas ou não) para a tomada de decisões. Na perspectiva

sistêmica,observamosospadrõesdecisóriosdaseguinteforma:orientar-sepelos

precedentes de tribunais superiores / não se orientar pelos precedentes dos

tribunais superiores. Nos extensos relatos dos magistrados, o léxico utilizado

sugere um perfil diferenciado e mais complexo da mulher, vítima da violência

doméstica: “mulher com receio de novas agressões”; “mulher que continua o

relacionamentoconjugalpordependênciaemocionaloufinanceira”;“mulherque

desistedoprocesso”.Asnarrativassugeremtambémoperfildoagressor:“homem

comum” e “homem sem habitualidade criminosa”. Uma das magistradas, com

atuaçãonoTJDFThá9anosenosJuizadosdeViolênciaDomésticahá1ano,titular

do Juizado C, localizado na circunscrição judiciária B (que não aplica

majoritariamenteasuspensão)explicitasuavisãosobreoperfildoacusado:

Ele costuma ser um réu “daquele” processo, e um homemtrabalhador nas outras questões da vida dele.Não é umassaltante,umhomemque furta, umestelionatário. Eleéumhomemque temum problema no âmbito da família. Normalmente pega a penamínima,queéaplicadaemcasosdesoco,espancamento,queéde3mesesemregimeaberto,porserréuprimário,debonsantecedentes(MagistradaA).

Ao discorrerem sobre a suspensão condicional do processo, os relatos

organizam-se segundo arsenal de conceitos que orientam a comunicação. As

penas aplicadas em caso de condenação são consideradas baixas; e a solução

penal, inadequada em muitos casos. De outro lado, o período de

acompanhamentoproporcionadopelosursisédescritocomo“maisefetivoparao

contexto familiar”.Muitas vezes, agressor e vítimamanteriamo vínculo afetivo,

apesar do histórico de violência. Parte da argumentação dos magistrados (e

servidores) ancora-se em justificativas que poderiam ser classificadas como

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

pertinenteseafinsà criminologiacrítica “fiel”às raízesdoprojetodadécadade

1970 (BARATTA, 1999; VAN SWAANINGEN, 1997). Subliminarmente, o direito

penaléapresentadocomoseletivoecomviésideológico.Umadasfalasremeteà

classificação da ideologia da defesa social, notabilizada no texto de Baratta

(BARATTA,1999,p.41-48)Odiscursopunitivo,contudo,nãoseencontraausente,

pois a condenação seria “essencial para os casos em que existe histórico de

agressões”.No transcorrerdasentrevistas,aparecemasdiferenciações,eoutros

discursossãoselecionadospelossujeitosdapesquisa.Noscasosmaisgraves,nas

reincidências, o repertório crítico é suplantado pela “necessidade de punição”,

pelo suposto potencial pedagógico, exemplar e simbólico. O recurso a penas

aflitivasremeteàfórmulainscritanaracionalidadepenalmoderna(PIRES,2004a).

A concorrência de semânticas criminológicas contrapostas sugere o fluxo de

discursosclassificadosporGarcíacomovariaçãoentrea“normatividadecrítica”e

a“razãopunitiva”(GARCÍA,2014,p.188-189).

O material empírico interpela também aos sistemas organizacionais. As

constrições da programação jurídico-penal surgem nas narrativas como faceta

relevante na forma como decidem os tribunais (MACHADO, 2014, p. 38-40). Os

relatossugeremqueasdecisõespodemlevaraconflitosinternos,poisocomando

normativo nem sempre se ajusta à convicção pessoal. Um dos magistrados

manifesta que, muitas vezes, “o sursis pode ser mais efetivo”, mas as decisões

devemestarajustadasà“previsãolegal”,oquetambémsugereaconstriçãopelos

parâmetros estabelecidos pelos tribunais superiores para a tomada de decisões.

Apesardenãoaplicarobenefício,aMagistradanarraasuatrajetóriaprofissional

emrelaçãoaosursisedetalhaoquequalificade“efetivo”:

Já ocorreu, logo que eu cheguei aqui, porque eu ainda estavarefletindo.Mas agora, depois de janeiro, daúltimamanifestaçãodoSupremo, tenho seguido a orientação. Emque pese eu achar que apena é realmente muito baixa, a pena do “grosso” dos casos queacontecemaquiélesãocorporal.Porexemplo,ameaça,umaameaçadeumréuprimárioecombonsantecedentes,queemcasatemumpéssimo relacionamento, comportamento ruimem casa e ameaça asuaesposa. Se você conseguirprovaressaameaça, vaidarummês,

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

ouummêsepouco,entãoémeioaberto.Paravocêver,em5anosele já vai estar com o nome limpo de novo. [...] Então, tem [sic]muitos juízes ainda que são recalcitrantes em acompanhar oentendimentodoSupremo[TribunalFederal]porquê?!Porquecomasuspensãodoprocessopordoisanoselenãovaisujaronome,mas,pelomenos, vai terodesconfortodevirao tribunal, àVara,prestarcontas, sem viajar, sem se mudar, de dois em dois meses porexemplo.Passarporissoemdoisanos(MagistradaA).

O suposto “perfil do acusado” e a existência de um “contexto familiar”

aparecem como argumentos recorrentes nas falas dos sujeitos da pesquisa. A

descriçãoestereotipadaaparecetambémnasentrevistasexploratóriascomalguns

dos servidores das varas contatadas. As falas, ainda quando remetem a formas

alternativas de intervenção penal, não estão totalmente dissociadas da

racionalidade penal moderna. Nos relatos dos magistrados, a descrição do

procedimento do sursis processual remete à idéia de punição. As restrições

impostas como condições para homologação dos acordos teriam impacto

semelhanteaodepunições; emoutraspalavras,obenefícioacabaria sendo,em

alguns casos, mais “oneroso” (aflitivo na descrição de Pires) que a própria

condenação.OmagistradoB, comatuaçãonoTJDFTdesde2011,e lotadocomo

substituto no juizadoA (da CircunscriçãoA, que aplica a suspensão) expõe suas

razões:

[...] embora exista a decisão do STF, eu entendo que é possível autilização da suspensão condicional do processo, porque aqueladecisão não é a melhor saída para os casos envolvendo violênciadoméstica. Quando o Supremo decide a lide de certa forma, nãochega a analisar o caso concreto na prática, o que se vê é que asuspensão condicional do processo tem uma eficácia, pois a pessoatem a ideia de que está sendo processada, de que existe umapunição,umaresposta.[...]Possocitarcomoexemploocasodeumamulher que procurou o juizado para que fossemantido o processo,argumentando que durante o período em que o processo ficoususpensohouveumamudançacomportamentaldoagressordaáguaparaovinho,oquedemonstraqueofatodeestarsendoprocessadopodeviraocasionarumamudançacomportamental(MagistradoB).

Ospromotoresdejustiçatambémocupamumaposiçãofundamental,pois

sãoosprofissionaiscomatribuiçãolegalparaapresentarapropostadasuspensão

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

condicionaldoprocessoaoacusado.Notranscorrerdasentrevistasidentificamos

posições claramente divergentes: promotores favoráveis à proposta do sursis/

promotores contrários ao sursis. Alguns daqueles que se posicionam

favoravelmente,amparadosnaquiloquedescrevemoscomo“semânticaajustada

ao pensamento hegemônico na formulação inicial do discurso criminológico

crítico”, remetemauma imagemdifundidadodireitopenal (setoresacadêmicos

específicos), associada à seletividade da intervenção penal e ao caráter

“ideológico”dasteoriasquelegitimamaspenas(BARATTA,1999,p.147-170;VAN

SWAANINGEN, 1997, p. 1-10). Alguns dos relatos distanciam-se do viés

criminológicocríticoeseajustamaumavisãopragmáticanagestãodosconflitos.

A pena aplicada não seria efetiva para a proteção da vítima, o potencial

dissuasóriodaspenasécolocadoemxeque,esugeremserrecomendávelparaa

proteçãodasvítimasaaplicaçãodasmedidasdespenalizadorasdaLei9.099/1995.

As narrativas permitem identificar, assim como em relação aos magistrados e

servidores, construção distinta do sursis processual. As condições impostas

poderiam trazer o sentimento de responsabilização ao agressor, como forma

tambémaflitiva,“quandoprevistascondiçõesadequadasparaocumprimento”.A

mensagem subliminar sobre a “necessidade de punição” surge como elemento

discursivoqueremeteàrazãopunitiva,aindaquandoenfocadosinstitutoscomoo

sursisprocessual.

Alguns dos relatos são especialmente críticos em relação à semântica

criminológica feminista,queancoraanecessidadedecriminalizaçãoaopotencial

simbólicododireitopenal(LARRAURI,2000,p.216).Soboenfoqueorganizacional,

a crítica estende-se ao que é identificado como fundamento das práticas dos

tribunais.Aposiçãodostribunaissuperioresédescritacomomeramentesimbólica

(direito penal simbólico) e distante da realidade e das situações vivenciadas nas

rotinas dos tribunais. A suspensão poderia, com o acompanhamento dos

envolvidos e procedimentos terapêuticos, ser muito mais efetiva do que a

condenação.Umdos relatos sugerequeseria“melhorpara todososenvolvidos,

masespecialmenteparaavítima”,manteroacusadosobavigilânciadoJudiciário

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

peloperíodode2anosaaplicarcondenaçãode3mesesdedetenção(exemploda

lesãocorporal)emregimeaberto.Nessesentido:

[...]comasuspensão,vocêdeixaoprocessoparadoporumtempo,asituação fica mais bem fiscalizada, ele não perde o trabalho e temumarespostaestatal,quenamaioriadasvezesébemmelhordoqueumacondenação. [...] Se tivera suspensão, fica ládois anos, ele vaiprestarserviçoàcomunidade.Senecessário,agentepodecolocarasmedidas protetivas pra durarem esse tempo todo, o que nãoacontece se houver a condenação. Acabou a condenação, e elecumpriu, o processo principal é extinto e as medidas protetivastambém vão embora. É por isso que eu acho muito melhor asuspensão.Euachomelhorpramulher[sic]eproautor[sic]também(PromotorC).

Um dos promotores de justiçamostrou-se desfavorável ao sursis, muito

embora compartilhasse os perfis dos acusados e vítimas com os colegas de

profissãofavoráveisàaplicação.Suajustificativafundamenta-senoordenamento

jurídico(premissacondicional):“ÉprecisorespeitaradecisãoproferidapeloSTF”

(Promotor B). No entanto, com a ressalva de que, em determinados casos,

poderiam utilizar esse procedimento. A visão sobre o papel dos tribunais

superiores tambéméobjetodecríticapelodistanciamentoda realidade local.O

STFsurgecomo“tribunaldematériasconstitucionais”eoSTJcomoo“tribunalde

matérias infraconstitucionais”. O relato sugere que acompanha a posição dos

magistradosdacircunscriçãoB,contráriosaosursis.Excetoemcasosespecíficos,

quandoobservaqueesseprocedimentoserámaisefetivo.

OSTFnãodeviacuidardessas“coisinhas”,ocertoseriaoSTJ.OnossoSupremoTribunalFederaléumnegócioestranho,elecuidademaisdequestões de primeiro grau, quando ele não existe pra isso. Oproblemalevadoaeledeveserconstitucional.Bem,oargumentoqueutilizamos para continuar aplicando a suspensão condicional é dizerqueo institutodasuspensãocondicionaldoprocessoésupralegal,eporacasoestánaLeinº9.099/95,masnãoseaplicasóaoscrimesdemenorpotencialofensivo.EachoqueoSTFaodizerquenãopodia,elefechouaportapraumasoluçãoqueémuitoboa,pramuitoscasos(PromotorD).

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

Mesmoentreospromotoresdejustiçacontráriosàaplicaçãodosursis,há

insatisfação quanto à resposta penal. A constrição dos programas jurídicos

aparece como premissa (condicional) relevante nas comunicações (MACHADO,

2014,p.39).Emumadasfalas,hápreocupaçãodequeeventuaisdecisõespossam

ser “questionadas juridicamente e reformadas em caso de recurso”. Por outro

lado,pesquisasnaárea,comoa“capitaneadaporDiniz(2014)noTJDFT,poderiam

sensibilizar os tribunais” quanto à necessidadede se repensar a solução jurídica

estabilizadanosprecedentes:

O estigma da Lei 9099/95 pesa de tal forma sobre a suspensãocondicionalqueimpedeaspessoasdeveremoquantoesseinstitutopodeser,sebemadministrado,profundamenteeficazparaessetipode conflito. Por mais que se busquem argumentos jurídicos parajustificar a não aplicação do instituto, o motivo é, a meu ver,meramentesimbólicoe,atéquememostremocontrário, sembaseem qualquer evidência empírica. A possibilidade de se monitorar oconflitopordois,eemalgunscasosatéquatroanos,é fantástica secomparadaàsoutrasrespostasquelhesãoalternativas.Éoquevejonodiaadia(PromotorE).

Na faseexploratóriadapesquisa,asentrevistascomdoispromotoresde

justiça com longa experiência em promotorias especializadas contra a violência

domésticaefamiliarpermitemadensarofluxodaracionalidadepenalmodernae

de semânticas criminológicas concorrentes. Um dos relatos, ancorado em

pesquisas empíricas e conhecimento da literatura sociológica, procurou situar o

que denominou como movimento de mulheres. As posições contrárias (das

feministas) à aplicação da Lei 9.099/1995 decorreriam de anos de experiências

negativasnosjuizadosespeciaiscriminais.Oqueseriacompreensívelnaavaliação

do promotor. A fala remete à gravidade da violência contra a mulher e à

“necessidade de punição”: (...) Essas medidas não colaboravam para repressão

(punir) e nem para prevenir novas agressões, o que oficializava a omissão do

estadoempunir todo tipodeagressão (PromotorA).Masa fala tambémcoloca

em questão o discurso contrário ao sursis e diverge do que descrevemos como

semântica criminológica “mais dura” ou punitiva. Na descrição da suspensão do

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.1788-1832.BrunoAmaralMachadoePriscilaRamosMoraesRegoAgnelloDOI:10.1590/2179-8966/2017/21375|ISSN:2179-8966

processo,a imagemremeteà ideiadequeeletambémpodeser“penosoparao

agressor” e “mais efetivo” se as condições são adequadas. Em outras palavras,

apesardeprevistocomobenefícioaoacusado,se“aplicadocorretamente”trariaa

“responsabilização ao autor do crime”. O critério de correção é explicitado:

durante a suspensão do processo deve haver um acompanhamento efetivo por

equipesmultidisciplinarescomofoconoscontextosdeviolência.

Orelatodeoutraentrevistada,promotoradejustiçacommaisde15anos

deexperiênciaprofissional,comatuaçãonasvarasespecializadas, revela-semais

duroecríticoaoquedescreve“como lutadesetores feministaspelahegemonia

na condução da política pública de intervenção nos casos de violência contra a

mulher”.O relato sugeredisputasentreprofissionais (acadêmicos) eoperadores

dodireitoqueatuamdiretamentenoscasosdaLeiMariadaPenha.

(...) A Lei Maria da Penha, por fugir da proposta tradicional deabordagem do conflito, dando voz aos protagonistas, pode sim serevelar um instrumento de intervenção eficaz. Tudo depende decomo ela vai ser utilizada. Acho que a Lei Maria da Penha,principalmente com as medidas protetivas de urgência e sua claraindicaçãodialógica, trazapossibilidade simdeaperfeiçoamentodosinstrumentosprocessuaisdeformaaadequá-losàsnecessidadesquesurgemdoscasosconcretos(PromotoraB).

Uma questão central para este artigo é o papel dos tribunais na

comunicação jurídica. Compreender como decidem as organizações supõe

percorrerextenso roldepremissasdecisórias.As condicionais, formaprototípica

dodireito/nãodireito, as finalísticas,orientadaspor finsespecíficos,ea cultura

organizacional.Certamentenemtudooquedecidemos juízescomunicadireito/

nãodireito.Alémdisso,nemtodasasdecisõesdostribunaissuperiores,apesardo

papelcentralqueocupamnaorganizaçãodojudiciárioenadiferenciaçãointerna

dosistema jurídico,sãoasdecisõesmaisajustadasaodireitoválido.Nocasoem

foco,podemosargumentarque,apósasúmula536doSTJeprecedentesdoSTF,

restoujuridicamenteafastadaahipótesedesursisprocessual,extraindo-se,assim,

a norma cuja função é a estabilização de expectativas normativas (LUHMANN,

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2005).Outrafrentedeanálise,valiosaparaasociologiadodireito(ecriminologias)

“com o direito”, é identificar se os profissionais da área jurídica consideram os

precedentes (e a súmula) como premissa condicional nas suas decisões

(organizações comunicam por meio de decisões) ou se premissas finalísticas

associadas às peculiaridades dos casos concretos, aos interesses das vítimas, às

expectativas quanto às funções das penas, levam a decisões divergentes do

comando normativo (MACHADO, 2014, p. 39). Se for assim, deparamo-nos com

uma questão central para o enfoque proposto: que efeitos as decisões que

aplicamosursisreverberamnacomunicaçãojurídica(ressonância)?

As narrativas e as comunicações organizacionais (decisões) sugerem

aspectos relevantes para a proposta de descentralização dos sujeitos e de

reorientação do foco para o sistema penal e os sistemas organizacionais. Sob o

enfoque sistêmico, as percepções dos atores e as decisões organizacionais

(LUHMANN, 2007, p. 655 e ss) permitem observar o fluxo de comunicações de

diferentes sistemas sociais.Nesse caso,as codificaçõesdo sistema jurídico-penal

(direito/nãodireito)edossubsistemascriminológicos(verdadeiro/falso)sugerem

irritaçõeseformasdiferenciadasdeconstruçãointernasobreaintervençãopenal

nos casos de violência de gênero. A peculiaridade das soluções juridicamente

instituídas revela a policontextualidade do objeto de pesquisa. A produção

normativa(LeiMariadaPenha)podeserobservadacomocomunicaçãoconcreta

dosistemapolíticoemrelaçãoaosinstitutosdaLei9.099/1995;particularmente,a

sua inadequação para os casos previstos na Lei Maria da Penha. E devemos

considerarqueapositivaçãododireito(comunicação)seconstituiem“políticaem

ação”(decisão)paraosistemapolítico, tanto instrumentalquantosimbólica.Por

outro lado, os discursos criminológicos desvelam variações na observação da

norma(MACHADO,2012).

AaceitaçãodatesedequeosinstitutosdaLei9.099/1995nãoseaplicam

aos crimes previstos na LeiMaria da Penha orienta-se por premissa condicional

típica do sistema jurídico (programa condicional do direito positivado). A

mensagem de que o artigo 41 da LeiMaria da Penha instituiu diferenciação de

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tratamentoparaaviolênciacontraamulherfoivalidadapeladecisãodoSTFque

reconheceu a constitucionalidade da opção legislativa. Alguns dos discursos

(emanados de servidores, magistrados, promotores) que justificam as decisões

divergentes em relação aos precedentes dos tribunais superiores também se

fundamentam na distinção do sursis em relação aos demais institutos da Lei

9.099/1995. A suspensão não se trataria de benefício para crimes de menor

potencialofensivoe,“acidentalmente”,foraminseridosnareferidalei.

Nesse ponto, os argumentos formais orientam-se pelo binário

controvertido/nãocontrovertido.Amensagemédequeaindapairacontrovérsia

esugerenovasdistinções,oquetrazinformaçãorelevanteparaaredundânciado

sistema jurídico. As razões substanciais conduzem-se pela heterorreferência: os

interesses das vítimas, na forma da razão prática e da “expertise do operador”

(LUHMANN, 2005, p. 415-420). Interessante observar, de outro ângulo, que os

argumentos que, direta ou implicitamente, rechaçam os saberes criminológicos

justificadoresda reprimendapenal,nãodeixamdeselecionaropotencialaflitivo

do sursis. A observação do fluxo comunicativo sugere a estabilização de

mensagemque reafirma a estrutura telescópica do pensamento hegemônico no

sistema penal moderno. Na descrição de Pires, a decisão que aplica o sursis

tambémseorientapelaracionalidadepenalmoderna(PIRES,2004a,p.52).

Na leitura que propomos para análise final do material empírico da

pesquisa, sugerimoscompatibilizaressavisãocomas transformaçõessemânticas

dosdiscursoscriminológicoscríticos.Aestabilizaçãodavítimacomocomponente

centralemalgumasanálisesdacriminologiafeminista(reconhecidasasvariações)

sugere um fio condutor para a releitura de propostas que oscilam entre a

“normatividade crítica” e a “razão punitiva” (GARCIA, 2014, p. 188-189). Nas

transformações das semânticas criminológicas críticas o pretenso potencial

dissuasório da pena emerge como vetor relevante na costura discursiva daquilo

que um leitor apressado poderia interpretar como binários inconciliáveis (ser

críticoepedirmaispunição).

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A semântica criminológica feministaque selecionoua inaplicabilidadede

medidasdespenalizadoraspelaassimetriadasrelaçõesdepoderentreagressore

vítimaancora-seempesquisasempíricasqueindicaramabanalizaçãodaviolência

machista, as quais acabariam reforçando a sensação de impunidade e de

impotênciadasvítimas (abertura cognitivaà variação).Odiscurso construiu-sea

partir de reflexões teóricas alicerçadas em pressupostos epistemológicos

consistentes(redundância)(LUHMANN,2005,p.453ess).Poroutrolado,emvez

da ponderação (imaginação criminológica) sobre formas alternativas e

diversificadas de intervenção jurídica, que poderiam contribuir para o

aperfeiçoamento das medidas despenalizadoras e a aprendizagem com as

experiências, tanto positivas quanto negativas, com as práticas institucionais, o

discurso aproxima-se (seleciona) do pensamento hegemônico que configura o

autorretratopunitivododireitopenalmoderno(penasaflitivas).Aestabilizaçãoda

forma jurídica“intervençãopenalsemapossibilidadedeaplicaçãodos institutos

da Lei 9.099/1995” operou-se, nesta variante das criminologias feministas, pela

seleção dos direitos humanos como componente da razão punitiva. E assim, a

crítica ao direito penal foi reconstruída e evoluiu segundo fórmula discursiva

dominantenosistemapenalmoderno(estabilizaçãoemsemânticascriminológicas

diferenciadas).

Conclusões

As decisões que aplicamo sursis processual podem ser criticadas sob diferentes

ângulos. De fato, nem sempre são estabelecidas condições que instituam a

intervençãosocialnoscasosdeviolênciadegêneroe,emalgunscasos,asdecisões

(que oferecem e homologam) podem se orientar por premissas estritamente

gerenciais, como a gestão do fluxo e do volume de processos. Além disso, nem

todos os juizados contam com o apoio técnico adequado e de equipes

multidisciplinares para atuarem sobre os fatores relacionados aos contextos de

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violência doméstica. E pode e deve ser questionado se as metodologias de

intervenção aplicadas (sociais, psicológicas, etc.) são adequadas e se seguem os

protocolos dos subsistemas da ciência (verdadeiro/ falso). O que requer a

necessidade de constante aperfeiçoamento nas práticas de intervenção penal

quando contempla soluções jurídicas diversas. Um ponto, porém, merece

destaque(apartirdonossoângulodeobservação–segundaordem):asdecisões

que aplicam o sursis constituem-se em comunicações divergentes que podem

produzir ressonância e irritação no sistema jurídico, no sistema político e nos

subsistemascriminológicos.

Estamosdiantedeváriaspossibilidadesqueapenaspodemseranunciadas

para pesquisas futuras, conforme nossa observação (segunda ordem) dos

diferentes sistemas sociais. A divergência pode ser relevante se juridicamente

problematizada pelos teóricos e profissionais domundo do direito (promotores,

advogados) e reavaliada pelos tribunais. A preocupação com os interesses

protegidos e os contextos da violência de gênero podem levar à evolução

interpretativa que reconsidere as formas de intervenção penal na Lei Maria da

Penha.Oquesupõeareconfiguraçãodosargumentosjurídicosapartirdavariação

(pesquisas na área) e reconstrução do arsenal de conceitos estabilizado para a

traduçãodotemaàlinguagemjurídica.Emoutraspalavras,novasdistinçõespelo

sistemajurídico.

Aressonânciadasdecisõesdivergentes(oferecer/homologarosursis)nos

movimentos sociais de defesa da mulher pode (ou não, segundo contingências

sistêmicas) levar à seleção pelos sistemas sociais de novas distinções quanto à

intervençãopenaldivergentedaracionalidadepenalmoderna.Seavariaçãoserá

selecionadapelopensamento“hegemônico”(PIRES,2004b,p.17-18)queorienta

as semânticas criminológicas feministas (verdadeiro/falso) e estabilizará

mensagem que contemple medidas despenalizadoras para a violência contra a

mulher, em comunicações reelaboradas e reorientadas internamente pela

normatividadecrítica,apenasotempodirá.

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O ruído para o sistema político supõe critérios que vão além da mera

tradução de mensagens do sistema jurídico (decisões dos tribunais) ou de

semânticas criminológicas concorrentes (ciências sociais, de forma geral). A

mudança legislativa envolve processos complexos e afinados às mensagens do

público, o que supõe ceticismo de observadores atentos quanto à reorientação

pela normatividade crítica. As demandas pela criminalização, na atualidade,

parecemmais ajustadas aos programas políticos, o que sugere dificuldades em

relaçãoapropostasdivergentesdaracionalidadepenalmoderna.

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SobreosautoresBrunoAmaralMachadoDoutoremSociologia Jurídico-PenalpelaUniversidadedeBarcelona.Pós-doutoradopelaUniversidadedeBrasília-JohnJay/NovaYorque.PesquisadorassociadodoDepartamentode Sociologia da Universidade de Brasília. Professor da graduação e dos programas demestrado e doutorado em Direito do Uniceub (Brasília). Professor da Fundação EscolaSuperiordoMPDFT(PolíticaCriminal,direitopenaleCriminologia).Professordoprogramade doutorado emCiências Penais daUniversidade San Carlos (Guatemala). Promotor deJustiçaemBrasília.E-mail:[email protected] em direito (Uniceub). Advogada e pesquisadora do Grupo Política Criminal(Uniceub – UnB). Professora de Direito do Instituto Federal de Brasília- IFB. E-mail:[email protected],[email protected]ãoosúnicosresponsáveispelaredaçãodoartigo.