Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil (Consciência em ...

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Carneiro, Sueli

Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil / Sueli Carneiro— São Paulo : Selo Negro, 2011. — (Consciência emdebate/coordenadora Vera Lúcia Benedito)

Bibliografia

ISBN 978-85-87478-74-0

1. Desigualdade social 2. Direitos humanos 3. Discriminação— Brasil 4. Negros — Relações sociais 5. Preconceitos —Brasil 6. Racismo — Brasil 7. Sexismo — Brasil I. Benedito,Vera Lúcia. II. Título. III. Série.

11-02640 CDD-305.896081

índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Negros : Racismo, sexismo e desigualdade :Sociologia 305.896081

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RACISMO, SEXISMO E DESIGUALDADE NO BRASILCopyright © 2011 by Sueli Carneiro

Direitos desta edição reservados por Summus Editorial

Editora executiva: Soraia Bini CuryEditora assistente: Salete Del Guerra

Coordenadora da coleção: Vera Lúcia BeneditoProjeto gráfico de capa e miolo: Gabrielly Silva/Origem Design

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ParaLuanda, minha lua linda

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Prefácio

“A causa a que devotei boa parte da minha vida não prosperou. Espero queisso me tenha transformado em um historiador melhor, já que a melhor

história é escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam quea história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os

perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e essa é uma questão muitomais relevante.”

Eric Hobsbawm

Em 1984, escrevia o então deputado federal Abdias Nascimento:

A maneira perversa de o racismo brasileiro tornarinvisível e inaudível uma população de cerca de 80 milhõesde brasileiros é um fenômeno notável no mundocontemporâneo. Os interesses do povo afro-brasileiro sãoescamoteados em um passe de magia branca pelos meiosde comunicação de massa, e a impressão superficial que

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se tem da sociedade brasileira é a de que, em matéria deconvívio interétnico, o Brasil vive no melhor dos mundos.

E acrescentava que, excetuando-se alguns sambistas ejogadores de futebol,

aos assuntos sérios enfrentados pela família negra não sãoconcedidos quaisquer espaços para sua exposição oudebate. Meus pronunciamentos e projetos de lei que tratamdesses problemas, consistentemente bloqueados pelamuralha de silêncio, jamais têm a oportunidade de chegaraté o público neles interessado.

Trago aqui esse testemunho de Abdias para que possamosdimensionar o significado da coluna de opinião mantida por SueliCarneiro, durante sete anos, no jornal Correio Braziliense, decujo acervo se extraiu a maior parte dos textos deste livro.

Não há observador imparcial que não reconheça o fatograndioso de que um único parlamentar, em um esforçogigantesco, conseguiu, por meio de pronunciamentos eencaminhamento de projetos, dar visibilidade no parlamento àsaspirações da população negra, denunciando, por um lado, seucotidiano opressivo e, por outro, rearticulando os fios de suamemória histórica e coletiva.

Quase duas décadas depois, na conjuntura pós-MarchaZumbi dos Palmares – um duro golpe nos mecanismos decontrole que afastavam a mobilização dos negros da pressãodireta sobre as instituições de governo –, Sueli Carneiro manteveem um importante jornal brasileiro, durante alguns anosdecisivos, uma coluna de opinião, na qual buscou articular os

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temas em evidência naquele momento às pressões domovimento negro por espaço social e político.

Excetuando os artigos abolicionistas de José do Patrocínio,na década de 1880, não conheço outra manifestação em umgrande órgão da imprensa em que a realidade brasileira fosseposta em questão, sistematicamente, de uma perspectiva negra.

Uma pequena fresta que Sueli Carneiro soube aproveitar etransformar, como fizera Abdias no parlamento, trouxe nova luzpara uma temática historicamente rebaixada em nossos meiosde comunicação. A cada quinzena, sua voz decidida expressavaa maturação do pensamento político que se espraiava a partir domeio negro, abrindo caminho para a reflexão sobre os limites denossa “democracia”.

É preciso ainda considerar que a “muralha de silêncio” a quese referiu Abdias não era mais suficiente para dar conta daspressões do ativismo político negro na luta pelo acesso arecursos públicos que pudessem sustentar políticas de combateao racismo e de superação das desigualdades raciais.

Como já escrevi em 20071, “os principais veículos da grandemídia, de forma articulada, descarregaram suas baterias com talintensidade que me fizeram evocar as ‘profecias de terror’ comas quais os escravistas resistiram aos abolicionistas no séculoXIX, segundo relato de José do Patrocínio”.

Já não se fala, como no passado, em aniquilamento dacolheita, em retração do capital e diminuição da renda. Osprofetas do terror contemporâneo se dizem acuados porfantásticas falanges negras neonazistas que disseminam oracismo e ameaçam botar fogo no inestimável patrimônio do“Grande País Miscigenado”, pondo em risco o mérito e a

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qualidade do ensino superior e jogando no mercado profissionais“despreparados”.

É esse bombardeio discriminatório, com fortes conotações deaversão e repulsa e a predominância de um tratamentovisivelmente tendencioso, que serve de moldura aos textos deSueli Carneiro, que soube extrair dessa frente de disputaideológica uma força extraordinária.

O leitor deste livro oportuno e necessário será guiado, comgrande sensibilidade e discernimento, por uma intelectual quenão deu as costas às tarefas políticas que permanecem naordem do dia. O testemunho aqui registrado deverá contribuirpara a reflexão sobre as razões do refluxo da mobilização negra.Na campanha presidencial de 2010, os temas abordados porSueli Carneiro não estavam, a rigor, na pauta dos candidatosque se propuseram a governar o país nos próximos quatro anos,nem na de seus críticos.

A esse respeito existe, portanto, um grande consenso: se hálegitimidade para muitos conflitos que apareceram aqui e ali nosdebates dos candidatos à presidência da República, parece terficado estabelecido entre as partes que não se deveria fazermenção às relações raciais, ao racismo, às desigualdadesraciais.

E mesmo as sugestões daqueles que criticavam a pobrezados debates, e aproveitavam para sugerir temas ausentes, nãoincluíam nenhuma alusão às políticas de superação dasdesigualdades criadas pelo racismo e por práticas dediscriminação racial. Este livro nos ajudará, repito, na reflexãoque precisamos fazer sobre a relação entre a sociedade civil eos partidos políticos; a maioria da população, os afro-brasileiros,e seus governantes; e, finalmente, entre a nação e o Estado.

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Edson Lopes CardosoJornalista e diretor do jornal Ìrohìn

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DIREITOSHUMANOS

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1A questão dos direitos

humanose o combate àsdesigualdades:

discriminação e violência2

RAÇA E DIREITOS HUMANOS NOBRASIL

É de Joaquim Nabuco a compreensão de que a escravidãomarcaria por longo tempo a sociedade brasileira porque nãoseria seguida de medidas sociais que beneficiassem política,econômica e socialmente os recém-libertados. Na base dessacontradição perdura uma questão essencial acerca dos direitoshumanos: a prevalência da concepção de que certos humanossão mais ou menos humanos do que outros, o que,

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consequentemente, leva à naturalização da desigualdade dedireitos. Se alguns estão consolidados no imaginário social comoportadores de humanidade incompleta, torna-se natural que nãoparticipem igualitariamente do gozo pleno dos direitos humanos.Uma das heranças da escravidão foi o racismo científico doséculo XIX, que dotou de suposta cientificidade a divisão dahumanidade em raças e estabeleceu hierarquia entre elas,conferindo-lhes estatuto de superioridade ou inferioridadenaturais. Dessas ideias decorreram e se reproduzem asconhecidas desigualdades sociais que vêm sendo amplamentedivulgadas nos últimos anos no Brasil.

O pensamento social brasileiro tem longa tradição no estudoda problemática racial e, no entanto, em quase toda a suahistória, as perspectivas teóricas que o recortaram respondem,em grande parte, pela postergação do reconhecimento dapersistência de práticas discriminatórias em nossa sociedade.Nadya Araujo Castro desenhou o percurso pelo qual passou opensamento social brasileiro sobre as relações raciais, epercebeu que ele foi se transformando por meio das diferentesóticas pelas quais foi abordado, o que teve início no pessimismoquanto à configuração racial miscigenada da sociedadebrasileira – corrente no fim do século XIX até as primeirasdécadas do século XX, como atestam os pensadores SílvioRomero, Paulo Prado, Nina Rodrigues, entre outros –, passandopela visão idílica sobre a natureza das relações raciaisconstituídas no período colonial e determinantes napredisposição racialmente democrática da sociedade brasileira,que tem em Gilberto Freyre sua expressão maior e maisduradoura. Existem ainda visões que consideram a questãoracial como reminiscência da escravidão, fadada ao

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desaparecimento, tanto mais se distancie no tempo daquelaexperiência histórica, ou como subproduto de contradiçõessociais maiores, ditadas pela análise materialista dialética que asinformava, como afirma Florestan Fernandes. Para Castro,nessa leitura, “a desigualdade racial era descrita como umepifenômeno da desigualdade de classe. Mesmo ali ondeestereótipos e preconceitos contra negros eram expressamentemanifestos, eles eram analisados antes como atos verbais quecomo comportamentos verdadeiramente discriminatórios”3.

O novo ponto de inflexão nesse pensamento emerge na obrade Carlos Hasenbalg, na qual, pela primeira vez, asdesigualdades raciais são realçadas com base na perspectiva deque discriminação e racismo são tomados como variáveisindependentes e explicativas de tais desigualdades.

Essas concepções conformam as duas matrizes teóricas e/ouideológicas em disputa na sociedade. De um lado, o mito dademocracia racial ao desrracializar a sociedade por meio daapologética da miscigenação que se presta historicamente aocultar as desigualdades raciais. Como afirma o sociólogoCarlos Hasenbalg, esse mito resulta em “uma poderosaconstrução ideológica, cujo principal efeito tem sido manter asdiferenças inter-raciais fora da arena política, criando severoslimites às demandas do negro por igualdade racial”4. E é essamistificação que ressurge, como veremos adiante, para cooperarcom a epígrafe no que adverte para a “repetição do passado nopresente”.

De outro lado, a força do pensamento de esquerda, que, aoprivilegiar a perspectiva analítica da luta de classes para acompreensão de nossas contradições sociais, põe asdesigualdades raciais de lado, obscurecendo o fato de a raça

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social e culturalmente construída ser determinante naconfiguração da estrutura de classes em nosso país. Essainscrição e essa subordinação da racialidade no interior da lutade classes se iniciam inspirando perspectivas militantes quebuscam articular raça e classe como elementos estruturantesdas desigualdades sociais no país.

Mais recentemente, economistas vêm qualificando amagnitude dessas desigualdades a ponto de, neste momento,podermos afirmar que vivemos em um país apartadoracialmente. De fato, as disparidades nos Índices deDesenvolvimento Humano entre brancos e negros revelam que osegmento da população brasileira autodeclarado brancoapresenta em seus indicadores socioeconômicos – renda,expectativa de vida e educação – padrões de desenvolvimentohumano compatíveis com os de países como a Bélgica,enquanto o segmento da população brasileira autodeclaradonegro (pretos e pardos) apresenta índice de desenvolvimentohumano inferior ao de inúmeros países em desenvolvimento,como a África do Sul, que, há menos de duas décadas,erradicou o regime do apartheid. Sociologia e economia sãoáreas que vêm consolidando uma nova percepção sobre aimportância do racialidade na configuração das desigualdadessociais no Brasil, tornando-a variável estrutural para acompreensão e superação do problema social no país.

Apesar disso, as duas ideologias – o mito da democraciaracial e a perspectiva da luta de classes – têm em comum,portanto, a minimização ou o não reconhecimento e/ou ainvisibilidade da intersecção de raça para as questões dosdireitos humanos, da justiça social e da consolidação

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democrática, elementos que dificultam a erradicação dasdesigualdades raciais nas políticas públicas.

O GOVERNO LULA E A QUESTÃORACIAL

Deve-se reconhecer, a bem da verdade histórica, queFernando Henrique Cardoso, em coerência com sua produçãoacadêmica sobre o negro, foi o primeiro presidente na história daRepública brasileira a declarar em seu discurso de posse quehavia um problema racial no Brasil e que era necessárioenfrentá-lo com audácia política. Como consequência, em seugoverno as primeiras políticas de inclusão racial foram gestadase implementadas, sendo grandemente impulsionadas peloprocesso de construção da participação do Brasil na ConferênciaMundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobiae Formas Correlatas de Intolerância, que ocorreu em Durban,África do Sul, em 2001.

Em linha de continuidade, e acrescido das propostasorganizadas no documento “Brasil sem Racismo”, o presidenteLula aprofundou esse compromisso com a erradicação dasdesigualdades raciais. Pode-se dizer, no entanto, que seuprimeiro mandato caracterizou-se por gestos simbólicos degrande envergadura e tibieza na implementação das medidasconcretas de promoção da igualdade racial.

Entre os gestos simbólicos, destacam-se a presença deMatilde Ribeiro na equipe de transição de governo e de Paulo

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Paim na primeira vice-presidência do Senado Federal, asnomeações de Benedita da Silva para a pasta de AssistênciaSocial, de Gilberto Gil para a de Cultura e de Marina Silva para ado Meio Ambiente, além da criação da Secretaria de Promoçãoda Igualdade Racial com status de Ministério sob a liderança deMatilde Ribeiro, a presença de Muniz Sodré e de representantesda Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras noConselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e aindicação de ministro a Joaquim Benedito Barbosa Gomes parao STF.

Inegavelmente, em nenhum outro governo houve essenúmero de pessoas negras ocupando postos de primeiroescalão em franca sinalização para a sociedade de uma políticade reconhecimento e inclusão dos negros em instâncias depoder. Se as ações de governo historicamente são sempreconsideradas demasiadamente tímidas perante as expectativasdos movimentos sociais, há, nesse caso, decisões importantessobre o tema que avançam em relação ao que foi realizadoanteriormente.

No âmbito da implementação das políticas públicas háavanços, fracassos e recuos.

O exemplo mais emblemático da ambiguidade do governo naabordagem da questão racial está no seu tratamento no PlanoPlurianual (PPA). No paper “O recorte de raça no planoplurianual 2004-2007 com transversalidade de gênero egeração”5, de Iradj Egrare, a primeira constatação do autor é a“ausência generalizada da transversalidade de raça nas políticaspúblicas brasileiras”. Observa que o PPA 2000-2003 incluiu entreseus 28 macro-objetivos apenas um, definido como cultura afro-brasileira, o que, para o autor, reflete a visão governamental de

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tratar “as características da população afrodescendente comomera peculiaridade cultural” – além de ressaltar que a “promoçãoda cidadania dos afrodescendentes extrapola qualquervalorização restrita ao campo da cultura, permeando os camposda segurança pública, prevenção e superação da violência,acesso a serviços de educação, saúde, lazer, esporte,transporte, moradia, dentre outros” (ibidem, p. 3).

O trabalho de Egrare busca identificar as tendênciasexpressas no processo de elaboração do PPA 2004-2007. Nessesentido, ressente-se da análise da forma final adquirida peloPPA. Aponta o confinamento ou a restrição do tema dasdesigualdades raciais ao item 09 (desafio) das 12 diretrizes doMegaobjetivo I: Inclusão social e redução das desigualdadessociais. Tal confinamento traduz a inexistência de perspectivatransversal no tratamento do tema para o autor, que evidenciaainda as disparidades entre a carta de intenções do governo e odocumento “Plano Brasil de Todos”, no qual o silenciamento e oocultamento das variáveis de raça e gênero no plano plurianualcontrariam a suposta vontade política expressa no documento“Um Brasil para Todos”. Em artigo de Mário Theodoro escrito em20046, esse aparente paradoxo identificado por Egrare alcançaexplicação. O autor identifica o próprio Estado brasileiro comoagente reprodutor das desigualdades raciais em dois níveis: naação e no funcionamento da máquina estatal. No plano da ação,apesar da conquista dos movimentos negros de inscrever aredução das desigualdades raciais entre os grandes desafios doPPA 2204-2007, adverte o autor que, ao contrário do que ocorrecom outros desafios, este “não se traduziu em programasfinalísticos e ações específicas. Manteve-se como programa degestão, o que, na prática, o engessa como intenção e inação”.

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Theodoro analisa ainda contradições semelhantes em outrosinstrumentos da ação governamental, como a Lei de DiretrizesOrçamentárias (LDO) e o Orçamento Anual (LOA), e no eixorelativo ao funcionamento da máquina e conclui que, para alterara lógica que orienta o Estado brasileiro no trato da questãoracial, é mister:

refundar a questão racial no Brasil;resgatar o aparato legal e institucional vigente;introduzir a transversalidade e a ideia da promoção daigualdade racial como vetor básico da ação dos ministérios edemais órgãos do Poder Executivo;introduzir ações de formação do corpo técnico federal para aproblemática da desigualdade racial.

A visão de Theodoro, assim como os desafios por elearrolados, dá a dimensão das dificuldades que se apresentampara os movimentos negros realizarem uma ação política eficazno campo das políticas públicas de corte racial. O gesto concretode vontade política em relação a um problema social é, além dopróprio reconhecimento do problema, a alocação de recursospara a viabilização dessas políticas, pois, tal como conclui oautor, o que temos até o momento é

um desafio norteador da ação do governo. Falta-lhe, noentanto, conteúdo. Deveria se desdobrar em diferentesprogramas finalísticos com indicadores fixados, e essesprogramas devem ser desmembrados em ações setoriaiscom metas especificadas. Metas e indicadores que tenhamuma dimensão maior, do tamanho do desafio. Propor

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programas e ações – indicadores e metas – implicadirecionamento de recursos para o desafio já existente.

Dentre os principais avanços está a promulgação da Lei n.10.639/03, de 9 de janeiro de 2003, que alterou a de n. 9.394, de20 de dezembro de 1996, ao estabelecer as diretrizes e basesda educação nacional e instituir no currículo oficial da Rede deEnsino a obrigatoriedade da temática “História e cultura africanae afro-brasileira”. Trata-se de um marco na educação brasileira,porque introduz uma forma de valorizar a participação dos afro-brasileiros na história do país, e de resgatar os valores culturaisafricanos. Além da instituição da temática no currículo, o decretoinclui no calendário escolar, conforme o artigo 79-B, o dia 20 denovembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Opresidente Lula, porém, vetou artigo da lei segundo o qual asdisciplinas História do Brasil e Educação Artística deveriamdedicar pelo menos 10% do seu conteúdo programático àtemática negra. Esse artigo foi considerado inconstitucional pornão observar os valores sociais e culturais das diversas regiõesdo país. Também foi vetado o artigo que determinava que oscursos de capacitação de professores contassem com aparticipação de entidades do movimento afro-brasileiro, deuniversidades e de outras instituições de pesquisa pertinente àmatéria. Esse artigo foi considerado inconstitucional por incluirna Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assuntoestranho a essa lei, que em nenhum dos seus artigos fazmenção a cursos de capacitação de professores. Segundo oMinistério da Educação e Cultura (MEC), os parâmetroscurriculares nacionais do ensino fundamental e médio járecomendam que a diversidade cultural, étnica e religiosa estejanos currículos. No entanto, os avanços na implantação dessa lei

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dependem dos mesmos atores de sempre, os movimentossociais, como é o caso da representação do Instituto Audiofonede Reabilitação Auditiva (Iara) e outras entidades ao MinistérioPúblico Federal para a implementação da Lei n.10.639/03 emtodo o país. Uma das vitórias dessa iniciativa é o fato de o juizda infância Guaraci Viana, do Rio de Janeiro, ter intimado o MECe demais órgãos competentes da capital a cumprirem deimediato a lei federal que institui o ensino obrigatório de históriaafricana e cultura afro-brasileira nos colégios. Viana acatou açãomovida por entidades do movimento negro, liderada peloInstituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara).

Na área da saúde celebra-se o fato de o Conselho Nacionalde Saúde ter aprovado, por unanimidade, a Política Nacional deSaúde Integral da População Negra. Tal decisão representa oreconhecimento pelo governo brasileiro das iniquidades raciaisno acesso à saúde, expondo desproporcionalmente pessoasnegras à mortalidade e à morbidade por causas que podem serprevenidas e evitadas. Dentre elas destacam-se a mortalidadeinfantil de crianças até 1 ano de idade e o descaso na prevençãode doenças prevalentes entre a população negra, comodiabetes, hipertensão arterial ou anemia falciforme emiomatoses. Os níveis superiores de mortalidade materna entremulheres negras é resultado das diferenças percebidas, pelosestudiosos do tema, na assistência à gravidez, ao parto e aopuerpério, que se mostram desfavoráveis às mulheres negras.

Esse conjunto de fatores está enquadrado pelos especialistasda área de saúde no conceito de racismo institucional, que serefere à

incapacidade coletiva de uma organização de prover umserviço apropriado ou profissional para as pessoas devido

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à sua cor, cultura ou origem racial/étnica. Ele pode ser vistoou detectado em processos, atitudes e comportamentosque contribuem para a discriminação por meio depreconceito não intencional, ignorância, desatenção eestereótipos racistas que prejudicam determinados gruposraciais/étnicos, sejam eles minorias ou não.7

Como no caso da Lei n. 10.639/03, a implementação do planodeve-se à ação de sensibilizar os profissionais de saúde pelasorganizações dos movimentos sociais, em especial das demulheres negras.

O reconhecimento do racismo institucional como umaquestão estratégica do combate ao racismo e da reprodução dasdesigualdades raciais pelo governo tem sua expressão tambémno Projeto Combate ao Racismo Institucional – parceria entre oMinistério do Governo Britânico para o DesenvolvimentoInternacional (DFID) e o Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud), que elaboraram um projeto decooperação com prefeituras da região Nordeste e organizaçõesda sociedade civil. Por meio do Programa de Combate aoRacismo Institucional, as instituições públicas poderiam secapacitar para superar os entraves ideológicos, técnicos eadministrativos, que dificultam o enfrentamento dos efeitoscombinados do racismo e do sexismo, poderosos obstáculos aoacesso ao desenvolvimento.

Outros programas governamentais de significativaimportância para a população negra até o momentofracassaram, como o Primeiro Emprego, que previa o incentivoàs empresas como mecanismo de combate à discriminação dejovens de grupos discriminados, por exemplo negros, mulheres edeficientes. Porém, é na área de segurança pública que,

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sobretudo, os jovens negros encontram-se expostos a umamatança, semelhante ao genocídio, quando há absoluta inaçãoda parte do governo.

Percebe-se, por fim, o recuo do governo em relação aosprojetos de lei que preveem a reserva de cotas para negros,índios e alunos oriundos de escolas públicas e ao Estatuto daIgualdade Racial, que desencadearam uma ofensivaconservadora jamais vista na sociedade brasileira.

A REAÇÃO CONSERVADORA

“Não obstante, o dilema social representado pelo negro liga-se àviolência dos que cultivaram a repetição do passado no presente.”8

A possibilidade de aprovação de dispositivos legais queinstitucionalizariam a política de cotas e de promoção daigualdade racial motivou o manifesto assinado por parte daintelligentsia nacional endereçado ao Congresso Nacional,deputados e senadores, pedindo-lhes que recusem o PL n.73/1999 (PL das Cotas) e o PL n. 3.198/2000 (PL do Estatuto daIgualdade Racial). Alegam que o Estatuto e as cotas raciaisrompem com o princípio da igualdade e ameaçam a República ea democracia.

Como vimos em diferentes artigos, e aqui cabe novamentereiterar, as políticas de ações afirmativas têm sidoimplementadas na diversidade enorme de países. Elas têm sidopraticadas para atender a diferentes segmentos da populaçãoque por questões históricas, culturais ou de racismo ediscriminação foram prejudicados em sua inserção social e

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participação igualitária no desenvolvimento desses países. Alémdos Estados Unidos, há exemplos na Inglaterra, no Canadá(indígenas, mulheres e negros), na Índia (desde a Constituiçãode 1948 foram previstas medidas especiais de promoção dosdalits, os intocáveis), Colômbia (indígenas), Austrália, NovaZelândia, Malásia (o grupo étnico majoritário, bumiputra), UniãoSoviética (4% das vagas da Universidade de Moscou parahabitantes da Sibéria), Israel (falashas, judeus de origem etíope),Alemanha (mulheres), Nigéria (mulheres), Sri Lanka, África doSul, Noruega, Bélgica (imigrantes), Líbano (participação políticadas diferentes seitas religiosas), China e Peru.

Em 2006, a Índia anunciou que vai enviar ao parlamento umprojeto de lei que dobra o número de vagas destinadas àsminorias no sistema de cotas para universidades federais.Segundo o projeto, quase metade das vagas nas faculdadesprofissionalizantes públicas será destinada às castas maisbaixas e às classes chamadas de “tradicionalmentedesfavorecidas”. Atualmente, 22,5% das vagas nas faculdadessão reservadas aos dalits, ou intocáveis, e a estudantes tribais.Segundo o novo projeto, o número de vagas reservadas vaipassar para 49,5%. A Índia é um dos países que mais noscausam inveja em termos de crescimento econômico edesenvolvimento científico e tecnológico. É provável que parteessencial dessa performance se deva ao investimento efetivoque ela faz no desenvolvimento de seus recursos humanos pelaeducação. Enquanto lá, desde 1948, essas medidas especiaispara a promoção de grupos “desfavorecidos” existem comopolítica de Estado, no Brasil as ações afirmativas patinam em umdebate escapista, fundado na defesa da suposta meritocracia,que esconde o desejo de permanência do status quo, o qual,

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historicamente, produz privilégios, além de reproduzir e ampliaras desigualdades raciais e retardar o desenvolvimento.

No entanto, essas iniciativas são ocultadas por aqueles quesão contrários às cotas, mais que isso: ao focarem a sua críticatomando como referência exclusiva a experiênciaestadunidense, buscam extrair o benefício indireto à sua tese dosuposto ou latente sentimento antiamericano tão em voga nomundo, forçam a associação de dependência dos negrosbrasileiros com as teses dos movimentos negros afro-americanos como expressão de imperialismo cultural desegunda linha e construção de uma problemática inexistente noBrasil.

Em nenhum país em que as cotas foram aplicadas, como noscasos mencionados, há notícias de que tenham provocadotamanha hecatombe, mas, curiosamente, esses intelectuaistemem que isso possa ocorrer precisamente no país da“democracia e cordialidade racial”. Segundo os intelectuaiscontemporâneos contrários ao Estatuto, “se entrar em vigor,representará uma mudança essencial nos fundamentos políticose jurídicos que sustentam a nação brasileira”9.

Como foi apontado, as cotas foram adotadas em paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento sem que em nenhum delesfossem abalados os fundamentos políticos e jurídicos quealicerçam essas nações.

Esses intelectuais aferram-se ao princípio universalista liberalvigente no início do século XX escamoteando a contribuição depensadores contemporâneos, tais como Norberto Bobbio, JohnRawls, Charles Taylor, entre outros, que alargaram a noção dedemocracia e igualdade e deram sustentação teórica a muitasdas experiências de ações afirmativas adotadas no mundo.

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Intencionalmente, esse artifício oculta as ressignificaçõesempreendidas pela ciência política, as definições substantivasque elas adquiriram na formulação daqueles que buscam teóricae politicamente a equalização de direitos.

É Norberto Bobbio quem nos mostra sob que condições épossível assegurar a efetivação dos valores republicanos edemocráticos. Para ele, impõe-se a noção de igualdadesubstantiva, um princípio igualitário, porque ‘‘elimina umadiscriminação precedente’’. Bobbio compreende a igualdadeformal entre os homens como uma exigência da razão que nãotem correspondência com a experiência histórica ou com dadarealidade social, o que resulta “na afirmação e noreconhecimento dos direitos políticos, [pois] não se podemdeixar de levar em conta determinadas diferenças, que justificamum tratamento não igual. Do mesmo modo, e com maiorevidência, isso ocorre no campo dos direitos sociais”10.

Para Rawls, a noção de diferença vai sustentar tanto a ideiade desigualdade quanto seu reconhecimento como fundamentoda realização da igualdade entre desiguais. Conforme o autor,

o princípio [da diferença] determina que a fim de tratar aspessoas igualitariamente, de proporcionar genuínaigualdade de oportunidades, a sociedade deve dar maisatenção àqueles com menos dotes inatos e aos oriundosde posições sociais menos favoráveis. A ideia é reparar odesvio das contingências na direção da igualdade.11

Para além das contribuições da ciência política, ajurisprudência nacional tem dado sustentação às tesesdefendidas pelos militantes antirracistas. O caso do SiegfriedEllwanger, condenado pelo crime de racismo por edição de obra

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antissemita, é emblemático nessa direção. Em primeiro lugar, noacórdão desse caso, o ministro Gilmar Mendes defende a ideiade que a Constituição compartilha o sentido de que “o racismoconfigura conceito histórico e cultural assente em referênciassupostamente raciais, aqui incluído o antissemitismo”. O ministroNelson Jobim recusou o argumento da defesa, segundo o qualjudeus seriam um povo, e não uma raça, e por isso não estariamao abrigo do crime de racismo como disposto na Constituição.Entendeu o ministro que essa visão “parte do pressuposto deque a expressão ‘racismo’ usada na Constituição teria umaconotação e um conceito antropológico que não existem”. Aministra Ellen Gracie, por sua vez, entendeu, ao contrário do queprofessam os cientistas nacionais empenhados em desconstituiros negros de sua racialidade histórica e apoiar as teses dos queconsideram que “não somos racistas”, que “é impossível [...]admitir-se a argumentação segundo a qual, se não há raças, nãoé possível o delito de racismo”.

E, por fim, o ministro Marco Aurélio Mello, do SupremoTribunal Federal (STF), indica que construir a igualdade requer,em princípio, reconhecer a desigualdade historicamenteconstruída:

Temos o dever cívico de buscar tratamento igualitáriopara todos os cidadãos, e isso diz respeito a dívidashistóricas. O setor público deve, desde já,independentemente da vinda de qualquer diploma legal,dar à prestação de serviços outra conotação, lançando emeditais a imposição em si de cotas, que visem contemplaras minorias.12

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Mas os intelectuais empenhados no combate às cotas e aoEstatuto passam, intencionalmente, ao largo de todo esseacúmulo democrático de qual são os novos direitos conquistadospor novos sujeitos políticos em diferentes arenas, que teve comopalco privilegiado a agenda social das Nações Unidas, cumpridadurante a década de 1990, a qual se conclui com a Conferênciacontra o Racismo realizada em Durban, em setembro de 2001.Dela emergiram os compromissos assumidos pelo Brasil, comopaís-membro das Nações Unidas, de avançar em uma agendade promoção da igualdade racial da que o Estatuto seria marcolegal. O Plano de Ação da Conferência de Durban insta aosEstados que elaborem programas direcionados aos negros edestinem verbas para as áreas de educação, saúde, habitação,saneamento básico e proteção ao meio ambiente. Sugere-seainda que os governos promovam o acesso igualitário aoemprego e invistam em políticas de ações afirmativas.

Porém, se o alvo prioritário dessa ofensiva conservadora sãoas cotas para negros em particular e as políticas de promoçãoda igualdade em geral, essa investida e a retórica que aacompanha ameaçam indiretamente os direitos que vêm sendoconquistados pelos novos sujeitos políticos no processo deconsolidação e expansão da experiência democrática – tal comoo direito à diferença –, em que se empenham há décadas osmovimentos sociais e as organizações não governamentais.Essas conquistas consagradas em instrumentos internacionaisobrigam os Estados-membros das Nações Unidas ourecomendam a eles implementar políticas públicas corretorasdas desigualdades, o que prevê até mesmo tratamentodiferenciado a grupos vulnerabilizados como forma de promovera igualdade de oportunidades. Para tanto, o plano dos

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compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiroexigiria a aceitação da concepção clássica de igualdadedefendida por esses intelectuais, a qual ignora pactos, tratados,convenções como a Convenção Internacional sobre Todas asFormas de Discriminação Racial, ONU, em 21 de dezembro de1965; a Conferência de Pequim, em 1995; o Plano de Ação daConferência Regional das Américas ocorrida em Santiago doChile em 2000; a Conferência Mundial contra o Racismo,Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, emDurban, realizada em 2001. De todos os países, o Brasil ésignatário e deve prestar contas dos avanços alcançados emcada caso.

No plano nacional, no limite, levando às últimasconsequências as posições por eles defendidas, estariam emquestão também vários dispositivos constitucionais ouinfraconstitucionais, como o que institui tempo diferenciado deaposentadoria para as mulheres; o artigo 93 da Lei n. 8.213/91,que determina a contratação de deficientes físicos por empresascom cem ou mais empregados; a lei de cotas para mulheres nospartidos políticos; e a revisão do Título II – Dos direitos egarantias fundamentais, Capítulo II – Dos direitos sociais, artigo7o, inciso 20, sobre a “proteção do mercado de trabalho damulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”.

Negros não se resumem a deficientes físicos e mulheres,mas a discriminação racial funciona como freio a umacompetição igualitária, fazendo que a competição entre negros ebrancos pelas oportunidades sociais se processe, como naimagem largamente utilizada pelos movimentos negrosnacionais, para descrever essa situação: há dois competidoresem uma largada em que um está engessado e o outro, livre e

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bem condicionado. Essa é uma das funções da discriminação debase racial, assegurar essa vantagem competitiva a membros dogrupo racial tratado como superior. Atuando em larga escala eimpunemente como se assiste no Brasil, produz como efeito depoder os padrões de desigualdade que conhecemos entrenegros e brancos. É essa trava que os instrumentosinternacionais reconhecem e com base neles recomendampolíticas específicas aos Estados, assim como os dispositivosnacionais mencionados.

O papel da mídia

O livro Não somos racistas13, de Ali Kamel, coroa a sagaheroica que o diretor executivo de jornalismo da Rede Globovem empreendendo contra as cotas e demais políticasespecíficas para negros nos editoriais do jornal O Globo.Acompanham-no nessa jornada outros veículos de grande porte,como os jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, queem um de seus editoriais se posicionou contra as cotas “porprincípios filosóficos”, sem precisar a qual filosofia ou a quaisprincípios tal posicionamento deve seu fundamento.

Quando um diretor executivo do maior veículo decomunicação tenta estabelecer o “discurso competente” sobre aidentidade nacional e suas contradições, esse ato opera comouma senha perfeitamente compreendida no país em que “quempode manda, e quem tem juízo obedece”. Na esteira do ativismoracial de Ali Kamel passam a se manifestar em uníssonodiferentes vozes, saturando a esfera pública como o seu mantra,uma locução amplamente garantida em sua veiculação pelosprincipais meios de comunicação e informação.

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O ataque que começou contra o Estatuto e as políticas decotas para negros e índios nas universidades expandiu-se paratodas as políticas de promoção da igualdade racial, tendo poralvo fundamental a Secretaria de Promoção da Igualdade Racialliderada pela ministra Matilde Ribeiro.

No âmbito da violação dos direitos culturais da populaçãonegra sobrou até para o ministro Gilberto Gil: no artigo “Culturade bacilos”, de Barbara Gancia14, a colunista critica a decisão doministro Gilberto Gil de apoiar grupos comunitários envolvidoscom o movimento hip-hop como forma de promover, segundo oministro, “novas formas de expressão da latente criatividade dospobres do país”.

A proposta do ministro não é inédita, consiste apenas emconsiderar como política pública federal experiências exitosasque vêm sendo desenvolvidas por bandas de rap, grafiteiros edançarinos do movimento hip-hop em parceria comorganizações da sociedade civil ou poderes públicos locais, queestão fazendo a diferença na inclusão social de muitos jovensdas periferias.

Do interior do movimento hip-hop emergiram expressõesmusicais hoje consagradas, como é o caso dos Racionais MC’s,um fenômeno de vendagem no Brasil; MV Bill; Thaíde e DJ Hum,entre outros.

Além de causar impacto na cena musical do país, omovimento hip-hop fez emergir lideranças juvenis queconsideram o rap, o grafite e o break – tripé da cultura hip-hop –os veículos para que os jovens se mobilizem e reflitam sobre ostemas que mais afligem seu cotidiano, como violência, drogas,exclusão social, exercício protegido da sexualidade, paternidadee maternidade responsáveis, discriminação racial. Esses jovens

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atuam em escolas da rede pública e privada, em faculdades epresídios, e alguns se tornaram gestores de políticas públicasinclusivas para a juventude; outros estão seguindo carreirasuniversitárias ou se mantêm como protagonistas juvenis,aprofundando o seu compromisso com os direitos humanos e ainclusão social. Para muitos, a participação no movimento hip-hop funcionou como um antídoto, que lhes permitiu escapar docaminho mais fácil: a marginalidade social.

No entanto, no artigo citado de Gancia, a colunista consideradesperdício de dinheiro público investir nesse protagonismo porentender que hip-hop não é cultura, que o rap é lixo musical,sugerindo, como ela diz, que “tais gênios musicais” seriamligados ao tráfico de drogas. O que lhe dá autoridade para definiro que é ou não cultura? De onde ela extrai o direito dedesqualificar, de uma penada só, uma expressão cultural forjadana resistência de jovens à exclusão social por meio da qual elesse afirmam como produtores culturais e agentes de cidadania?

O segundo caso é a entrevista do cartunista Jaguar15, que, apretexto de criticar a ideia de “politicamente correto”, diz que “amaioria dos humoristas hoje é muito certinha” porque, com “essacoisa de não poder chamar crioulo de crioulo, [...] criou-se umlimite e, se a gente passa um pouco, leva pito. Eu não levo maisporque sou velho e sou o Jaguar. Aí, as pessoas dizem: ‘Ah, é oJaguar, deixa ele’”.

Jaguar é o mesmo que declarou orgulhar-se de ter destruídoa carreira de Wilson Simonal: ele e a turma do Pasquimacusaram o músico de ser dedo-duro do regime militar, o quedeterminou o ostracismo a que Simonal foi submetido até o fimde sua vida. Por iniciativa da Ordem dos Advogados de SãoPaulo foi promovida, tardiamente, a sua reabilitação moral,

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quando foi provado não haver nenhum indício que sustentasseaquela acusação. No entanto, diante dessa evidência, a reaçãode Jaguar foi: “Ele era tido como dedo-duro. Não fui investigarnem vou fazer pesquisa para livrar a barra dele. Não tenhoarrependimento nenhum”16.

Barbara Gancia e Jaguar são exemplos de pessoas públicasque se comprazem em exercitar o poder de nomear e julgarderivado exclusivamente de uma posição de hegemonia declasse e de raça que lhes assegura a circulação privilegiada desuas ideias e posição, que dispensam a si mesmos oconhecimento efetivo sobre o que opinam, sentindo-segarantidos por imunidade ou complacência em caso de erros deavaliação. É daí que advém o poder deles de acusar, julgar edestruir. Para rappers, breaks, grafiteiros, considerados “bacilos”,e negros tratados como objeto preferencial do deboche dehumoristas, resta indignarem-se na página dos leitores dosjornais ou exigirem direito de resposta, o que raramente éofertado.

A desqualificação da luta por igualdade racial

No combate em que parcelas das elites nacionais travamcontra as políticas de promoção da igualdade racial, elas seservem da desqualificação pública dos movimentos negros e deseus parceiros e aliados, da negação do racismo e dadiscriminação racial, da deslegitimação acadêmica de estudos epesquisas que há décadas vêm demonstrando a magnitude dasdesigualdades raciais e a utilização de experiências genéticaspara consubstanciar a miscigenação e a negação do negro como

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sujeito social demandador de políticas específicas e de seudireito democrático de reivindicá-las.

Estamos diante de velhas teses a serviço de novasestratégias que pretendem nos levar de volta à edílicademocracia racial. Hoje, como ontem, as estratégias são asmesmas. Como mostrou Florestan Fernandes17, “[...] aresistência negra nas décadas de 1930, 1940 e parte de 1950suscitou o reacionarismo das classes dominantes, que logodenunciaram o ‘racismo negro’”.

Disse Marx que a história só se repete como farsa. Aoriginalidade do Brasil está em repetir a farsa. Como na décadade 1930, parcelas das elites, entre elas intelectuais conhecidos,organizam-se novamente para orquestrar uma reação branca aum suposto “racismo negro”, que é o sentido dado àsreivindicações dos movimentos negros por inclusão socialmediante políticas específicas que atuem na correção dasdesigualdades raciais.

A desqualificação ou criminalização dos movimentos sociais éuma prática autoritária consagrada na nossa tradição política ecausa espanto que seja utilizada sem-cerimônia por aqueles quese manifestam em defesa dos princípios da igualdade, dademocracia e do pacto republicano. Diz Demétrio Magnoli: “ASecretaria é um órgão conservador, de direita. O Estatuto criauma vasta burocracia: eis a fonte do ‘otimismo’ de diversasONGs negras que se autodenominam movimentos sociais. Elesestão defendendo as suas carreiras e o seu futuro político epecuniário, à custa dos negros”18.

A propagação de um suposto racismo negro foi descrita pelosociólogo e ativista Carlos Medeiros como “fabricação do medo”,com a qual ele ilumina o posicionamento público de certos

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intelectuais repentinamente atacados pela “síndrome de ReginaDuarte”19. Eles estão com medo: dos militantes negros, daradicalização da sociedade, das políticas públicas e, finalmente,da possibilidade da queda da República em função das políticasraciais.

Diante disso, a “síndrome de Regina Duarte” de certosintelectuais requer que se busquem explicações em outroslugares. O que há a temer nesse medo é que haja algumadisposição “escondida” em segmentos da população branca, quesomente esses intelectuais percebem ou conhecem, de defenderseus privilégios como reagiram setores da elite nacional aoprojeto de Joaquim Nabuco de “emancipação dos escravos”.Proposta tímida que ainda evitava falar em abolição. No entanto,“apesar da moderação, o projeto foi derrotado. Não sem antesNabuco ser sutilmente ameaçado pelos líderes escravistas. Nanossa província resistiremos até as armas”, afirmou o deputadoMartim Francisco, de São Paulo, acrescentando que propostascomo aquela podiam “concorrer para alterar e prejudicar a pazdo país”.

CONCLUSÃO

Os avanços alcançados, principalmente no reconhecimentoda problemática da desigualdade racial, ensejam a atual reaçãoconservadora que busca com monumental aparato deter esseprocesso e, sobretudo, restabelecer os velhos mitos que noslevaram à situação atual. São “neogilbertofreyreanos” queentram em ação em um novo tipo de ativismo sobre a questão

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racial. Na guerra contra as medidas de promoção da igualdadede oportunidades, segundo a raça ou a cor vale tudo: diz arevista Veja que, “após a abolição da escravatura, em 1888,nunca houve barreiras institucionais aos negros no país. Oracismo não conta como aval de nenhum órgão público. Pelocontrário, as eventuais manifestações racistas são punidas naletra da lei”20. Alguém reconhece que é do Brasil que a revistafala?

Assiste-se, portanto, nesse momento, a um novo tipo deativismo: um suposto antirracismo que se afirma pela negaçãodo racismo existente. Convergem, nessa estratégia, posições dedireita e de esquerda em que a classe social ou a cordialidaderacial retornam aos discursos para nublar as contradiçõesraciais. Um classismo de direita como o defendido por Ali Kamelse insurge contra as evidências de discriminação racial insistindoque negros e brancos são igualmente pobres e, por isso,discriminados igualmente. Soma-se a ele um classismosupostamente de esquerda, que o consubstancia, como na falade Demétrio Magnoli, para quem a pauta de reivindicações dosmovimentos negros é conservadora e de direita.

Essa estratégia se beneficia também de um contexto derefração dos movimentos sociais, em geral e em particular, dosmovimentos negros, criando condições positivas paraprosperarem velhas ideologias a serviço de novas estratégias deretorno ao passado. Tal ofensiva traz em seu bojo umaconvocação à sociedade para um enfrentamento das políticasraciais.

Teme-se que essa avalanche conservadora seja suficientepara amedrontar os setores governamentais alinhados com apromoção da igualdade racial e potencializar os antagonistas,

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promovendo o retrocesso das políticas raciais no segundomandato do governo Lula.

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2Pelo direito de ser21

Durante 1992 e 1993, a Federação Israelita de São Paulo, oCentro de Tradições Nordestinas e o Geledés Instituto da MulherNegra receberam ameaças de grupos skinheads de São Pauloem geral, por meio de cartas, com toda sorte de impropériossobre judeus, negros e nordestinos.

Chegaram a dar tiros no Centro de Tradições Nordestinas e,em outros estados, a violar cemitérios judeus. E aos negros elesreservaram uma espécie de linchamento, em que o estudantenegro Fábio Henrique Oliveira Santos foi espancado até a mortepor 30 carecas, em 1993.

As três entidades-alvos articularam-se naquela oportunidadepara, em ações unitárias, dar visibilidade à sociedade daquelaviolência, chamar a atenção das autoridades públicas edemonstrar que as minorias vítimas de racismo, discriminação eintolerância podem e devem atuar juntas para combater aascensão dessas ideologias intolerantes em nosso país.

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Essa articulação culminou em um grande ato de repúdio e deafirmação das identidades etnorracial e religiosa dascomunidades envolvidas, em que seus artistas, intelectuais,lideranças políticas com o apoio massivo das diferentes forçaspolíticas, dos partidos políticos, de centrais sindicais, liderançasreligiosas, formadores de opinião, representantes de governospuderam expressar a vontade política inequívoca de impedir ocrescimento dessas ideologias em nosso país. Um ato que atraiuao Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em torno de dez milpessoas. Essa resposta contundente da sociedade de repúdio aesses grupos naquele momento resultou na criação da 1a

Delegacia de Crimes Raciais do Brasil (extinta no atual governoCovas), e o envolvimento da Polícia Federal permitiu também aidentificação dos autores das agressões racistas.

O sucesso dessas ações nos conduziu ao erro de baixar avigilância, de nos desarticular e de nos desmobilizar depois deempurrar para as sombras os herdeiros de Hitler. Ou seja, nosesquecemos do ovo da serpente. E isso pode ter custado a vidade Edson Neri da Silva, negro e homossexual barbaramenteassassinado por 18 skinheads em fevereiro de 2000. Umhomicídio triplamente qualificado e assim definido: motivo torpe,meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima. Pena de 21anos de prisão em regime fechado.

A admirável e inédita sentença do juiz Fernando de BarrosVidal, ao considerar que o crime foi “um grande golpe de traiçãoà ideia de democracia” e que “a intolerância como princípio deação é absolutamente censurável e com ela, de igual modo, odireito penal há de se revelar inflexível”, resgata a dignidadehumana não apenas de Edson Neri da Silva, mas por meio dele,simbolicamente, outras vítimas de intolerância também são

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resgatadas, como Jorge Paulo, mendigo, negro, 48 anos,queimado enquanto dormia na Cinelândia, no Rio de Janeiro, e oíndio Galdino, pataxó queimado por jovens de classe média emBrasília.

A sentença desse caso dialoga também com a resistênciaque outros países, especialmente a Alemanha, vêmdesenvolvendo para coibir a ação desses grupos, sendo um dosexemplos a sentença – uma das mais severas já aplicadas peloEstado alemão a esse tipo de crime – atribuída, em 2000, a trêsneonazistas pelo assassinato do professor moçambicano AlbertoAdriano, espancado por eles até a morte. Um deles, maior deidade, foi condenado à prisão perpétua, os outros dois, menores,aos quais não podem ser atribuídas penas superiores a dezanos, foram condenados a nove anos de prisão.

Os ataques terroristas desses skinheads no Brasil sãoprotagonizados por jovens ideologicamente confusos. Oparadoxo desses casos fica por conta da presença, entre osacusados, de um afrodescendente, candidato a uma vaga demembro honorário de algum novo Reich, para desespero dosdiscípulos de Hitler ortodoxos. Dimensões perversas eassustadoras do racismo no Brasil: a desumanização, aeliminação física pura e simples ou a opção por tornar-se ooutro, o opressor racista e intolerante! E talvez assim conseguirser aceito.

Apesar de confusos, eles são organizados; portanto, nãopodemos subestimá-los. Então, é preciso investigar essasorganizações com rigor, de maneira séria e contínua,particularmente nesse momento em que retornam revigoradaspela ascensão do neonazismo na Europa e pelos grupos desupremacia branca nos Estados Unidos. Vale lembrar um

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princípio básico da segurança pública: para que haja prevençãoeficaz, é preciso que haja investigação e punição exemplar aosresponsáveis, naquilo que a lei prevê.

Por isso, é imperioso que os grupos discriminadospermaneçam vigilantes, organizados e em luta, para que atolerância possa se tornar um valor efetivo no mundo. Asorganizações de gays e lésbicas que se mantiverammobilizadas, acompanhando esse processo em todas as fases, ofirme posicionamento dos jurados, do Ministério Público e daMagistratura, na defesa do direito inalienável das pessoas seremo que são ou o que optam por ser, são responsáveis por essavitória, que constitui um alento na crença da democracia e naJustiça, e o único caminho para eliminar o ovo da serpente.

Portanto, que essa importante decisão contra a intolerâncianão nos faça dispersar. Alguém já nos alertou de que “a injustiçaem qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.

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INDICADORESSOCIAIS

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3Os negros e o Índicede Desenvolvimento

Humano22

Em julho de 2000, o presidente da República, FernandoHenrique Cardoso, reuniu-se com 14 governadores de estadosda federação para o anúncio do Plano de Apoio aos Estados deMenor Desenvolvimento Humano, o IDH-14. Trata-se de umplano com recursos da ordem de R$ 11,5 bilhões, alçados devários projetos governamentais, como o fundo de combate àpobreza, a serem aplicados em 14 estados cujo índice dedesenvolvimento humano é considerado baixo. Levando emconta os recursos previstos – mesmo que parte deles virtual – ea dimensão sociodemográfica que poderá vir a alcançar, o IDH-

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14 pode se tornar o principal programa de políticas públicas decunho social em áreas como juventude, trabalho infantil,programa de renda mínima etc., e com indicação de um órgãoexecutor, no caso, a Secretaria de Estado de Assistência Social,na pessoa de Wanda Engel Aduan.

Entretanto, chama a atenção no IDH-14 a ausência depolíticas específicas para setores da sociedade brasileirasabidamente em condições de vulnerabilidade.

Na semana que antecedeu o lançamento do IDH-14, adesigualdade racial, no Brasil, foi sobejamente demonstrada emestudo divulgado pela Federação de Órgãos para AssistênciaSocial e Educacional (Fase), no Rio de Janeiro. O economistaMarcelo Paixão coordenou, nessa instituição, a elaboração doÍndice de Desenvolvimento Humano com recorte étnico com omesmo rigor utilizado no Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud) na elaboração do IDH de 174 países.Nesse estudo, é possível verificar que os afrodescendentesocupam a 108a posição no ranking proposto pelo Pnud,enquanto os brancos ocupam a 49a posição. O Brasil,obedecendo ao mesmo ranking, ocupava a 74a posição.

Esses dados falam por si. No entanto, o que importa ésublinhar a impossibilidade de elaborar políticas públicas semlevar em conta as desigualdades raciais existentes no país e, aomesmo tempo, apontar as deficiências nas formulações que nãoconsideram seriamente essa dimensão.

De forma constrangedora e preocupante, o anúncio do IDH-14 é feito sem nenhum item dedicado à população negra, apesarde o plano estar previsto para ser aplicado nos estados em queos negros constituem significativa parcela da população.Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)

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de 1996, esses são os números de pretos e pardos nos estadoscontemplados no IDH-14: Acre (71,5%), Alagoas (52,5%), Bahia(71,4%), Ceará (69,7%), Maranhão (80,4%), Pará (74,6%),Paraíba (55,7%), Pernambuco (65,1%), Piauí (80,3%), RioGrande do Norte (57,1%), Rondônia (57,5%), Sergipe (82,1%) eTocantins (71,7%), perfazendo um total de 35.195.739 pessoas.

Ao que tudo indica, o governo ainda aposta nas chamadaspolíticas universalistas para enfrentar problemas que sãonotadamente de maior urgência entre a população negra.

O Estado brasileiro tem se esmerado em dar à educação ocaráter universal que ela, sem dúvida, tem. No entanto, não épossível dizer que a população negra tenha se beneficiadoexemplarmente desse princípio. Em outras palavras, osindicadores de educação demonstram os limites dos argumentosestritamente favoráveis às políticas universalistas. Dados oficiaisde 1997 assinalam que a taxa de analfabetismo da populaçãonegra maior de 15 anos era de 20,8% e da população branca,8,4%. Para os negros entre 7 e 22 anos que frequentavam aescola, o índice de escolaridade era de 77,7%, enquanto apopulação branca na mesma faixa de idade era igual a 84,7%.Todos sabem quanto, no mundo moderno, a educação constituifator essencial para a formação da cidadania e qualificaçãoprofissional. No entanto, com esses índices é muito poucoprovável que os negros/afrodescendentes tenham condições decompetir em igualdade de condições com a população branca.

Enfim, corremos o risco de mais uma vez termos um plano,desta vez com recursos e órgão executor, fadado ao fracassoem função de interpretações equivocadas, resultando napermanência – quiçá o aumento – de milhões de brasileiros àmargem do processo de desenvolvimento. Para os formuladores

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dos planos governamentais e para a sociedade brasileira, ficaaqui registrada a relação passível de ser construída entre opéssimo Índice de Desenvolvimento Humano brasileiro e a faltade atenção para com as necessidades e interesses dapopulação negra. Se os formuladores de políticas públicas elideranças políticas do país assumissem para si aresponsabilidade de atender adequadamente a população negrabrasileira, certamente, o IDH brasileiro seria bem mais elevado.Finalmente, estaríamos livres do constrangimento de ter o IDHda população negra brasileira cinco posições abaixo da África doSul, país que até recentemente viveu sob o regime do apartheid.

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4Realidade estatística23

Em 21 de março de 2001, comemorou-se o Dia Internacional deLuta pela Eliminação da Discriminação Racial. Nesse mesmodia, a revista Veja trouxe sobre o tema a matéria “O apartheiddaqui”, cuja chamada diz: “Pesquisa mostra que a educação dosnegros no Brasil é pior que na África do Sul”. A matéria se iniciaassim: “Acaba de sair do forno outra pesquisa sobre racismo noBrasil. Como as anteriores, o estudo, feito desta vez pelo Ipea,constata a situação de inferioridade econômica e social dosnegros em relação aos brancos”. O paradoxo dessa matéria estáno fato de essa ser a data instituída pela ONU, em 1966, emmemória e repúdio ao massacre de Sharpeville, ocorrido nomesmo ano na África do Sul, no qual, dos milhares de negrosque protestavam contra a “lei do passe”, 69 foram mortos e 180feridos pelo exército sul-africano, quando no Brasilexperimentávamos o auge do nosso mito de democracia racial.Trinta e cinco anos após esse fato, temos de nos defrontar com

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a brutal realidade de os negros brasileiros apresentarem hojeíndices de escolaridade inferiores aos dos sul-africanos, que pordécadas viveram sob o regime do apartheid.

As pesquisas que vêm sendo desenvolvidas sobre asdesigualdades raciais, especialmente por órgãosgovernamentais como o Ipea, têm sido a principal alavanca parao reconhecimento dos negros brasileiros como um segmentocom características específicas e desvantajosas em termos deinserção social no país.

Elas cada vez mais desautorizam as ideias consagradas emnossa sociedade sobre a inexistência de um problema racial.Questionam a simplificação de que o problema do Brasil é social,e não racial. Recusam os eufemismos como o do apartheidsocial e, sobretudo, indicam que as políticas universalistas,historicamente implementadas, não têm sido capazes de alteraro padrão de desigualdades entre negros e brancos nasociedade.

No entanto, chama a atenção a frase usada pela Veja: “comoas anteriores”. Reflete uma sensação de que há certa saturaçãoestatística da informação sobre as desigualdades raciais nosúltimos anos, ao lado de um vazio total de iniciativas de reversãodesse quadro de desigualdade. E o final da matéria expressa adescrença de que o país esteja “fazendo sua parte para resolveras diferenças raciais”.

Esse vazio de implementação de políticas de promoção daigualdade de oportunidades torna os negros brasileiros, numarealidade estatística, uma abstração que jamais seconsubstancia em realidade política. Constata-se adesigualdade; em alguns casos, lamenta-se. Mas parece não

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haver nada que se possa ou se queira fazer em relação aoproblema.

De concreto, há apenas algum reconhecimento oficial dagravidade da desigualdade racial; no entanto, as ações paracombater esse mal não ultrapassam, via de regra, os gestossimbólicos, ou a retórica bem-intencionada. No Orçamento daUnião não existe a palavra “negro”; no orçamento da Educação,nenhuma rubrica.

Argumenta-se que a falta de consenso, especialmente noâmbito governamental, quanto à implementação de políticasespecíficas é o que as inibe. No entanto, várias agendas, sobreas quais não há também consenso no governo e na sociedade,são implantadas por força da vontade política do governo emrelação a elas.

A urgência de implementação de políticas públicas depromoção da igualdade racial no Brasil decorre de um imperativoético e moral que reconhece a indivisibilidade humana e, porconseguinte, condena toda forma de discriminação.

É também um imperativo de ordem econômica pelo querepresenta em termos de perda de ativos a exclusão de 44% dapopulação do acesso ao consumo, ao desenvolvimento e para acapacidade competitiva do país; impactando politicamentetambém a consolidação da democracia e a unificação destepaís, apartado racialmente pela exclusão racial.

Tendo em vista todos os dados estatísticos já conhecidos, ostermos exatos dos debates com vistas à eliminação dadiscriminação racial seriam:

Que taxa de redução do analfabetismo na população negravamos estabelecer para prestar contas ao mundo em 2006,quando da provável realização da Conferência Mundial Racismo

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+ 5, em que os Estados devem apresentar os resultadosalcançados pelas políticas a ser implementadas para aeliminação do racismo e da desigualdade racial a partir dasdecisões da Conferência Mundial contra o Racismo, queocorrerá, este ano, em Durban na África do Sul? Que taxa deredução do desemprego dos afro-brasileiros vamos apresentar?Qual foi a taxa de redução da evasão escolar de crianças eadolescentes negros? Que taxa de ampliação alcançamos napresença negra no nível superior? Qual a taxa de aproximaçãoda esperança de vida de brancos e negros? Que campanhas devalorização da população negra e de combate ao racismodesencadeamos nos veículos de comunicação? Que incentivoso governo brasileiro propôs às empresas para impulsionar acontratação e a promoção profissional de afrodescendentes?Quantas comunidades remanescentes de quilombos terão ostítulos de propriedade de suas terras ancestraisregulamentados?

Essas são algumas das questões que esperam respostasconcretas em termos de políticas públicas, as quais, sendopoliticamente acordadas e implantadas, permitiriam que osnegros deixassem de ser apenas uma realidade estatística nestepaís.

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5Pobreza tem cor no Brasil24

Pobreza tem cor no Brasil. E existem dois Brasis. Essa é aconclusão que se extrai do estudo “Desenvolvimento humano edesigualdades étnicas no Brasil: um retrato de final de século”,apresentado pelo economista Marcelo Paixão, no II Foro Globalsobre Desenvolvimento Humano, ocorrido em outubro de 2000no Rio de Janeiro, conforme noticiado com destaque no dia 10passado pelo jornal O Globo em matérias de Flávia Oliveira eMiriam Leitão.

Para Flávia Oliveira,

a desigualdade racial no Brasil é tão intensa que, se oÍndice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país levasseem conta apenas os dados da população branca, o paísocuparia a 48a posição, a mesma da Costa Rica, noranking de 174 países elaborado pela Organização dasNações Unidas (ONU). Isso significa que, se brancos e

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negros tivessem as mesmas condições de vida, o paíssubiria 26 degraus na lista da ONU – hoje, está em 74o

lugar. Em contrapartida, analisando-se apenas informaçõessobre renda, educação e esperança de vida ao nascer dosnegros e mestiços, o IDH nacional despencaria para a 108a

posição, igualando o Brasil à Argélia no relatório anual daONU.25

A conclusão de Miriam Leitão diante dos dados reveladospelo estudo é que

[...] o Brasil pode continuar dizendo que aqui não hápreconceito racial, mas apenas diferenças sociais. Estasempre foi a grande desculpa da elite. Mas os números doprofessor Paixão, os dados da Síntese dos IndicadoresSociais, os estudos recentes do Ipea e do IBGE conspiramcontra essa certeza. A velha desculpa não explica por quehá tantos negros entre os pobres e tão poucos entre osricos.26

Nenhuma informação produzida até agora sobre asdesigualdades raciais apresenta, com tanta contundência, o graude apartação social no Brasil, que chega a configurar aexistência de dois países, como diz Miriam Leitão em seu artigo.

A crescente compreensão sobre a identidade entre raça epobreza no Brasil e na América Latina vem sendo objeto deatenção das agências internacionais de cooperação. Em junhodeste ano, o Banco Mundial (Bird), o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID) e o Diálogo Interamericano organizaramem Washington a mesa-redonda “Raça e pobreza”, consultainternacional sobre a situação dos afro-latino-americanos. Esse

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encontro contou com a participação de representantes deorganizações negras da América Latina e América Central, osquais, pela primeira vez, puderam, coletivamente, discutir comessas agências multilaterais a situação dos povos negros daregião e a necessidade de criar políticas de desenvolvimentoespecíficas para esses segmentos dos países latino-americanosque possam alavancar processos de desenvolvimentocomunitário e maior inclusão social.

Fizeram-se presentes nesse encontro Brasil, Colômbia,Honduras, Nicarágua, Peru, Uruguai, Venezuela. Tendo por eixofundamental a raça e a pobreza na América Latina, esseseminário produziu ampla reflexão acerca dos impactos daglobalização e das políticas de ajuste econômico sobre aspopulações negras da região e sobre as experiênciasexemplares de reversão desse quadro, que vêm sendodesenvolvidas pelas organizações negras latino-americanas,para minimizar esse impacto.

Em setembro deste ano, o Escritório Nacional Zumbi dosPalmares e a Comunidade Baha’i do Brasil promoveram oseminário “Mecanismos de promoção de igualdade. Um desafiopara o desenvolvimento do Brasil”, cujos resultados podem sersintetizados na afirmação do dr. Roberto Martins, presidente doIpea, para quem os dados sobre a população negra no Brasilnão permitem chegar a outra conclusão, senão a danecessidade de tomá-la como agente prioritário de políticaspúblicas com vistas ao desenvolvimento e à inclusão social maisequitativos no país.

Na próxima semana acontecerá em Brasília o Fórum sobreDesenvolvimento promovido pelo Banco Mundial, para discutir ocombate à miséria e a inclusão social. Curiosamente, em

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nenhuma das mesas estará em discussão a situação específicade vulnerabilidade em que se encontram os afro-brasileiros, adespeito da constatação perversa do estudo de Marcelo Paixão.

Considerando os antecedentes da consulta de Washington ea dramaticidade do estudo de Marcelo Paixão, esperava-se queo Fórum sobre Desenvolvimento, que se inicia na próximasegunda-feira, significasse um passo adiante no reconhecimentoda gravidade do problema racial e uma oportunidade de o BancoMundial colher mais subsídios para estabelecer uma diretrizpolítica clara, com metas de curto, médio e longo prazo queequacionem as desigualdades raciais geradas pelo racismo epela discriminação racial. Uma estratégia global que levasse emconta as dimensões políticas, econômicas e culturais doproblema com vistas a alterar, efetivamente, as condições devida das populações afro-brasileiras e as integrasse ao processode desenvolvimento, já que, como não é mais possível negar,raça e pobreza são sinônimos no Brasil.

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RACISMOSCONTEMPORÂNEOS

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6A dor da cor27

Um dos aspectos mais surpreendentes de nossa sociedade é ofato de a ausência de identidade racial ou confusão racialreinante ser aceita como dado de nossa natureza. Quandomuito, à guisa de explicação, atribui-se à larga miscigenaçãoaqui ocorrida a incapacidade que demonstramos de nosautoclassificar racialmente. É como se a indefinição estivesse naessência de nosso ser. Seres transgênicos que escapariam dequalquer identidade conhecida, que nenhum atributo racial eétnico utilizado alhures poderia abarcar por tamanhaoriginalidade. É assim para o senso comum, é assim para amaioria dos intelectuais. Diferentemente de outros lugares, anossa identidade se definiria pela impossibilidade de defini-la.

No entanto, a identidade étnica e racial é um fenômenohistoricamente construído ou destruído. Nos Estados Unidos,onde, ao contrário do que se pensa, a escravidão tambémproduziu uma significativa população miscigenada, definiu-se

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que 1/8 de sangue negro fazia do indivíduo um negro, a despeitoda clareza de sua cor de pele. Aqui também definimos que 1/8de sangue branco deveria ser um passaporte para a brancura.

Vem dos tempos da escravidão a manipulação da identidadedo negro de pele clara como paradigma de um estágio maisavançado de ideal estético humano; acreditava-se que todonegro de pele escura deveria perseguir diferentes mecanismosde embranquecimento. Aqui, aprendemos a não saber o quesomos e, sobretudo, o que devemos querer ser. Temos sidoensinados a usar a miscigenação ou a mestiçagem como cartade alforria do estigma da negritude: um tom de pele mais claro,cabelos mais lisos ou um par de olhos verdes herdados de umancestral europeu são suficientes para fazer alguém quedescenda de negros se sentir pardo ou branco, ou ser“promovido” socialmente a essas categorias. E o acordo tácito éque todos façam de conta que acreditam.

A língua denuncia o falante. No termo “pardo” “cabem osmulatos, os caboclos e todos os que não se considerambrancos, negros, amarelos ou indígenas”. Todos os que não sedesejam negros, amarelos ou indígenas encontram uma zonacinzenta onde possam se abrigar, se esconder e se esquecer deuma origem renegada.

Além do desejo de embranquecimento, outros fatores atuamcomo indutores da ambivalência na classificação racial. Pertençoa uma família de sete filhos de mãe e pai negros, e alguns denós foram classificados como pardos, sendo meu pai oresponsável por todos os registros de nascimento,suficientemente preto para não haver dúvidas sobre a cor deseus filhos. Meu pai, que só sabia assinar o nome, nunca soubea cor que atribuíram a seus filhos. Dependia da vontade do

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escrivão porque, via de regra, isso nem lhe era perguntado. Écomum as negras bonitas serem “promovidas” a mulatas oumorenas por um galanteador. Essa promoção, usada comoforma de elogio, exige, em contrapartida, um sorrisoenvaidecido.

Entre as novidades do novo Censo, está o crescimento, emrelação ao recenseamento de 1991, dos que se declaram pretos,indígenas e brancos, decrescendo a proporção dosautodeclarados pardos, que começam a desembarcar dessazona cinzenta e optam, decididamente, pela identidade branca,negra ou indígena. A identidade étnica e racial é fenômenohistoricamente construído ou destruído. Cresceu em 24%, nesseCenso, o número de pessoas que se autodeclararam pretas esupõe-se, antes se autodeclaravam pardas. Essa novidadetrazida pelo Censo pode, talvez, indicar que estamos mudando,saindo das brumas e abdicando do subterfúgio da indefiniçãoracial para enfrentar, no dizer de Hélio Santos, “a dor da cor” ouda raça. E, quem sabe, enfim curá-las.

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7A miscigenaçãoracial no Brasil28

A miscigenação racial em nossa sociedade vem se prestando adiferentes usos políticos e ideológicos. Não é assunto que sepossa esgotar em um artigo, dada sua complexidade, mas, emtempos de novo recenseamento, vale a pena levantar alguns deseus aspectos. Em primeiro lugar, a miscigenação vem dandosuporte ao mito da democracia racial, na medida em que ointercurso sexual entre brancos, indígenas e negros seria oprincipal indicativo de nossa tolerância racial, argumento queomite o estupro colonial praticado pelo colonizador sobremulheres negras e indígenas, cuja extensão está sendo reveladapelas novas pesquisas genéticas que nos informam que 61%dos que se supõem brancos em nossa sociedade têm a marcade uma ascendente negra ou índia inscrita no DNA, naproporção de 28% e 33%, respectivamente.

Em segundo lugar, a miscigenação tem constituído uminstrumento eficaz de embranquecimento do país por meio da

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instituição de uma hierarquia cromática e de fenótipos que têmna base o negro retinto e no topo o “branco da terra”, oferecendoaos intermediários o benefício simbólico de estar mais próximosdo ideal humano, o branco. Isso tem impactado particularmenteos negros brasileiros, em função de tal imaginário social, queindica uma suposta melhor aceitação social dos mais claros emrelação aos mais escuros, o que parece ser o fator explicativo dadiversidade de expressões que pessoas negras ou seusdescendentes miscigenados adotam para se definir racialmente,tais como moreno-escuro, moreno-claro, moreno-jambo,marrom-bombom, mulato, mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo,ou seja, confusos, de tal maneira que acabam todos agregadosna categoria oficial do IBGE: pardo! Algo que ninguém conseguedefinir como raça ou cor. Talvez o termo “pardo” se presteapenas a agregar os que, por terem sua identidade étnica eracial destroçada pelo racismo, pela discriminação e pelo ônussimbólico que a negritude contém socialmente, não sabem maiso que são ou, simplesmente, não desejam ser o que são.

Essas diferenciações, portanto, vêm funcionando, comeficácia, como elementos de fragmentação da identidade negrae impedindo que esta se transforme em elemento aglutinador nocampo político para reivindicações coletivas por equidade racial,pois, ao contrário do que indica o imaginário social, pretos epardos (conforme a nomenclatura do IBGE) compõem umagrupamento que, do ponto de vista dos indicadores sociais,apresenta condições de vida semelhantes e igualmenteinferiores quando comparadas ao grupo branco, razão pela qualse define hoje, política e sociologicamente, a categoria negracomo o somatório daqueles que o Censo classifica como pretose pardos.

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Daí decorre a importância da campanha “Não deixe sua corpassar em branco”, desencadeada em Salvador a propósito doCenso de 2000, cujo objetivo era sensibilizar os negros e seusdescendentes para a maneira como se processa historicamentea manipulação da identidade etnorracial dos negros brasileiros epara a importância da assunção da identidade que sempre foinegada.

A cientista política Melissa Nobles, autora de Shades ofcitizenship: race and censuses in modern politics29 [Matizes decidadania: raça e censo na política moderna], examina como oCenso brasileiro tem contribuído para embranquecer o país. Ementrevista à Folha de S.Paulo, Nobles afirmou que “o Censoajuda não simplesmente a contar, mas a criar categorias de raçaou cor”.

Os censos brasileiros historicamente apresentam umaestranha dificuldade quanto à identificação da população:mostram alterações nos critérios de classificação da cor ou raçaque dificultam a comparabilidade ou compatibilização dos dadosde um recenseamento para o outro, como aconteceu nosCensos de 1950, 1960 e 1980, além de descontinuidade ouomissão no levantamento do quesito, como ocorreu no Censo de1970. Essas “entradas e saídas” do quesito no Censo ou asalterações nas categorias de classificação e, ainda, as poucastabulações divulgadas, desagregadas por raça ou cor quando oquesito é coletado, têm postergado o aprofundamento doconhecimento das desigualdades raciais no Brasil.

A ciência vem revelando a falácia do conceito de raça doponto de vista biológico. Essa constatação científica é utilizadapara minar as reivindicações de políticas específicas para gruposdiscriminados com base na “raça” ou na cor da pele. As novas

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pesquisas destroem as bases do racialismo do século XIX, queconsagrou a superioridade racial dos brancos em relação aoutros grupos humanos, justificando opressões e privilégios, maselas ainda não tiveram impacto sobre as diversas manifestaçõesde racismo em ascensão no mundo inteiro, e sobre a persistentereprodução de desigualdades que ele gera, o que reafirma ocaráter político do conceito de raça, a sua permanência eatualidade, a despeito de ser insustentável do ponto de vistabiológico.

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8Negros de pele clara30

Vários veículos de imprensa publicaram com destaque fotos doscandidatos que vão concorrer às vagas para negros naUniversidade de Brasília (UnB). Veículos que se posicionamcontra essa política percebem, no largo espectro cromáticodesses alunos, mais uma oportunidade de desqualificar o critérioracial que a orienta.

Uma das características do racismo é a maneira pela qual eleaprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquantoreserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de serrepresentados em sua diversidade. Assim, para os publicitários,por exemplo, basta enfiar um negro no meio de uma multidão debrancos em um comercial para assegurar suposto respeito àdiversidade étnica e racial e livrar-se de possíveis acusações deexclusão racial das minorias. Um negro ou japonês solitários emuma propaganda povoada de brancos representa o conjunto de

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suas coletividades. Afinal, negro e japonês são todos iguais, nãoé mesmo?

Brancos, não. São individualidades, são múltiplos,complexos, e assim devem ser representados. Isso é demarcadotambém no nível fenotípico, em que se valoriza a diversidade dabranquitude: morenos de cabelos castanhos ou pretos, loiros,ruivos são diferentes matizes da branquitude que estãoperfeitamente incluídos no interior da racialidade branca, mesmoquando apresentam alto grau de morenice, como ocorre comalguns descendentes de espanhóis, italianos ou portugueses, osquais, nem por isso, deixam de ser considerados ou de se sentirbrancos. A branquitude é, portanto, diversa e policromática. Anegritude, no entanto, padece de toda sorte de indagações.

Insisto em contar a forma pela qual foi assegurada, noregistro de nascimento de minha filha Luanda, a sua identidadenegra. O pai, branco, vai ao cartório; o escrivão preenche oregistro e, no campo destinado à cor, escreve: “branca”. O paidiz ao escrivão que a cor está errada, porque a mãe da criança énegra. O escrivão, resistente, corrige o erro e planta a nova cor:“parda”. O pai novamente reage e diz que a filha não é parda. Oescrivão, irritado, pergunta: “Então, qual é a cor de sua filha?” Opai responde: “Negra”. O escrivão retruca: “Mas ela não puxounem um pouquinho ao senhor?” É assim que se vão clareandoas pessoas no Brasil e o próprio Brasil. Esse pai, brasileironaturalizado e de fenótipo ariano, não tem, como branco que defato é, as dúvidas metafísicas que assombram a racialidade noBrasil, um país percebido por ele e pela maioria de estrangeirosbrancos como de maioria negra. Não fosse a providência einsistência paterna, minha filha pagaria eternamente o mico de,

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com sua vasta carapinha, ter o registro de branca, como ocorrecom os filhos de um famoso jogador de futebol negro.

Porém, independentemente da miscigenação de primeirograu que decorre de casamentos inter-raciais, as famílias negrasapresentam grande variedade cromática em seu interior, herançade miscigenações passadas, que, historicamente, foramutilizadas para enfraquecer a identidade racial dos negros. Isso éfeito pelo deslocamento da negritude, que oferece aos negros depele clara as múltiplas classificações de cor que por aquicirculam e, neste momento, prestam-se à desqualificação dapolítica de cotas.

Segundo essa lógica, devemos instituir divisões raciais nointerior da maioria das famílias negras com todas as implicaçõesconflituosas que decorrem da partição do pertencimento racial.Assim, teríamos, por exemplo, em uma situação esdrúxula, afamília Pitanga, em que, embora irmãos e filhos dos mesmospais, Camila Pitanga é negra de pele clara como sua mãe eRocco Pitanga (um dos atores da novela Da cor do pecado) énegro como o pai. Não é gratuito, pois, que a consciência racialda família Pitanga sempre fez que Camila recusasse asconstantes tentativas de expropriá-la de sua identidade racial efamiliar negra.

De igual maneira, importantes lideranças do MovimentoNegro Brasileiro, negros de pele clara, por meio do francoengajamento na questão racial, vêm demarcando a resistênciaque historicamente tem sido empreendida por parcela dessesegmento de nossa gente aos acenos de traição à negritude,que são sempre oferecidos aos mais claros.

Há quase duas décadas, uma parcela significativa de jovensnegros insertos no movimento hip-hop cunhou politicamente

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para si a definição de pretos e o slogan PPP (Poder para o PovoPreto), em oposição a essas classificações cromáticas queinstituem diferenças no interior da negritude, sendo essesjovens, em sua maioria, negros de pele clara, como um dos seusprincipais ídolos e líderes, Mano Brown, dos Racionais MC’s.Esses jovens sabem, pela experiência cotidiana, que o policialnunca se engana, sejam esses jovens negros de pele mais claraou escura.

No entanto, as redefinições da identidade racial, que vêmsendo empreendidas pelo avanço da conscientização de negrose já são perceptíveis em levantamentos estatísticos, tendem aser atribuídas apenas a um suposto ou real oportunismopromovido pelas políticas de cotas, fenômeno recente que nãoexplica a totalidade do processo em curso.

A fuga da negritude é a medida da consciência de suarejeição social e o desembarque dela sempre foi incentivado evisto com bons olhos pela sociedade. Cada negro claro ouescuro que celebre sua mestiçagem – ou suposta morenidade –contra sua identidade negra tem aceitação garantida. O mesmoocorre com aquele que afirma que o problema é somente declasse, e não de raça. Esses são os discursos politicamentecorretos de nossa sociedade. São os discursos que o brancobrasileiro nos ensinou e gosta de ouvir e que o negro que temjuízo obedece e repete. Mas as coisas estão mudando...

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9Racismo na

educação infantil31

No dia 27 de outubro de 2000, a professora Eliane Cavalleirolançou o livro Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,discriminação e preconceito na educação infantil32. Houve certatensão entre a autora e algumas professoras presentes, mastambém muito interesse dos jovens na apresentação dotrabalho. O livro, originalmente apresentado como dissertação demestrado na Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo, é fruto da observação sistemática do cotidiano escolar deuma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) da regiãocentral de São Paulo, durante um período de oito meses, em trêssalas de aula de crianças entre 4 e 6 anos de idade.

Observou-se a relação professor-aluno, aluno-professor ealuno-aluno, considerando as expressões verbais, as práticasnão verbais e as práticas pedagógicas do ambiente escolar. Atensão da exposição de Eliane, educadora negra que ousouescarafunchar o espaço sacrossanto da educação infantil, com

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várias outras educadoras certamente se deve ao fato de que apesquisa apresenta dados irrefutáveis sobre a crueldade comque seres humanos tão pequeninos são tratados. Outro motivo éque a maioria das professoras (o universo era de mulheres)parece perceber a existência do preconceito racial na sociedade;entretanto, contraditoriamente, nega que ele esteja presentedentro da escola, como se no tecido social doente a escolarepresentasse uma célula sã.

O interesse dos jovens provavelmente está ligado aoreconhecimento das situações discriminatórias. Raphael, um dosjovens debatedores, perguntou a Eliane como ela se sentiu aofazer a pesquisa.

Ela respondeu que muitas vezes teve de se esforçar para nãointervir nas dinâmicas escolares discriminatórias que deixavamas crianças negras fragilizadas, hostilizadas, catatônicas, e nãoo fez porque sua metodologia de pesquisa não permitiaintervenções. Contrariando as referências bibliográficasanalisadas e o depoimento das próprias professoras da escolapesquisada, Eliane percebeu conflitos e hierarquizações raciaisentre as crianças, como demonstrou o depoimento de umagarota negra de 6 anos. Segundo Eliane, as crianças sóbrincavam com ela quando levava brinquedo. Quando indagadapor quê, a menina respondeu: “Porque sou preta. A gente estavabrincando de mamãe. A Catarina branca falou: ‘Eu não vou sertia dela’ (da própria criança que está narrando). A Camila, que ébranca, não tem nojo de mim”. A pesquisadora pergunta: “E asoutras crianças têm nojo de você?” Responde a garota: “Têm”.Trata-se apenas de um exemplo, pinçado entre dezenas queestarrecem o leitor a cada página.

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A omissão e o silêncio das professoras diante dosestereótipos e dos estigmas impostos às crianças negras são atônica de sua prática pedagógica. Outra menina negra conta queas crianças xingam-na de “preta que não toma banho” eacrescenta: “Só porque eu sou preta elas falam que não tomobanho. Ficam me xingando de preta cor de carvão. Ela mexingou de preta fedida. Eu contei à professora e ela não feznada”. Dois meninos negros eram chamados por uma professorade “filhotes de São Benedito” porque ela os achava “o cão emforma de gente”. Como consequência, a autoestima dessascrianças e sua autorrepresentação ficarão seriamente abaladas.A imagem de si mesmas será inferiorizada, e as criançasbrancas que presenciaram as cenas provavelmente se sentirãosuperiores a elas. Estabelece-se, assim, o círculo vicioso doracismo que estigmatiza uns e gera vantagens e privilégios paraoutros.

A observação das crianças nos espaços de lazer permitiu àpesquisadora presenciar situações concretas de preconceito ediscriminação entre elas. Nesse lócus da liberdade, longe dasprofessoras, as crianças podiam escolher seus parceiros edecidir por quanto tempo permaneceriam brincando com eles. Asmanifestações discriminatórias foram ouvidas nos momentos emque algo era disputado: poder, espaço físico ou companhia. Ascrianças repetiam os ensinamentos e comportamentosdiscriminatórios dos adultos. Foi nesse contexto que um garotobranco sugeriu a outro garoto negro que levasse para casa umcarrinho abandonado no tanque de areia, porque “preto tem queroubar mesmo”.

De volta à relação professor-aluno, a pesquisa mostra que ascrianças brancas recebem mais oportunidades de se sentir

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aceitas e queridas que as demais; elas são consideradas “boas”,os elogios são feitos a elas como pessoas – são inteligentes,espertas, bonitas etc. No caso das crianças negras, são feitoselogios às tarefas que estão benfeitas, mas não a elas comoseres humanos dignos de admiração e incentivo.

O trabalho de Eliane atinge seu objetivo: constitui-se caldo decultura fecundo para gerar estratégias que elevem a autoestimade pessoas pertencentes a grupos discriminados,potencializando, dessa forma, a convivência positiva entre aspessoas na escola, pautada pelos princípios da igualdade.

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10Colorindo egos33

Em setembro de 2002 ocorreu em São Paulo o I CongressoBrasileiro Ciência & Profissão, promovido pelo Fórum deEntidades Nacionais da Psicologia Brasileira. Um megaeventocom mais de 14 mil inscritos, voltado para a avaliação daprodução científica, profissional e das perspectivas futuras dessadisciplina. Entre os temas em debate, psicologia, preconceitoracial e humilhação social, uma decorrência da campanha“Preconceito Racial Humilha; Humilhação Social Faz Sofrer”,desencadeada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos doConselho Federal de Psicologia, envolvendo também os 15conselhos regionais de psicologia.

Há anos dizemos que já temos acúmulo em diversas áreasdo conhecimento sobre as consequências sociais do racismo eda discriminação social. Em particular, a antropologia e asociologia vêm contribuindo significativamente para adesmistificação, no plano das ideias, do mito da democracia

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racial e para a explicitação das desigualdades raciais existentes,notadamente entre negros e brancos no Brasil.

Mais recentemente, economistas vêm qualificando mais amagnitude dessas desigualdades a ponto de, neste momento,podermos afirmar que vivemos em um país apartadoracialmente, dadas as disparidades nos Índices deDesenvolvimento Humano (IDHs) encontradas para brancos enegros.

Temos hoje, portanto, razoável radiografia socioeconômicadas desigualdades raciais produzidas pelo racismo e peladiscriminação. No entanto, esses diagnósticos se ressentem daausência de estudos sobre um dos aspectos mais perversos doracismo e da discriminação racial: os danos psíquicos e,sobretudo, o golpe na autoestima que os mecanismosdiscriminatórios produzem nas vítimas do racismo.

Nesse sentido, a psicologia é uma das áreas das ciênciashumanas que menos têm contribuído para minimizar o problema,sobretudo para diminuir o sofrimento psíquico que ele provoca.

Essa lacuna no conhecimento do impacto do racismo e dadiscriminação sobre a subjetividade negra se revela na escassabibliografia sobre o tema na área da psicologia, o que motivououtra iniciativa importante do Conselho Federal de Psicologia: ainstituição do Prêmio Arthur Ramos com o tema Pluralidadeétnica: um desafio de incentivo à psicologia brasileira, umincentivo a pesquisas sobre o assunto.

Ela é também, segundo seus organizadores, produto dacrescente percepção do papel e da responsabilidade social dapsicologia na diminuição do sofrimento psíquico dos sereshumanos e do reconhecimento de que as condições de vida aque está submetida a maioria da população brasileira são fontes

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geradoras de sofrimento psicológico e uma forma de violaçãodos direitos humanos.

Tal como afirma Jurandir Freire da Costa34, “ser negro é serviolentado de forma constante, contínua e cruel, sem pausa ourepouso por uma dupla injunção: a de encarnar o corpo e osideais de ego do sujeito branco e a dor de recusar e anular apresença do corpo negro”.

Em Significações do corpo negro, uma das raras teses dedoutorado em psicologia, a autora reafirma que,

à medida que o negro depara com o esfacelamento de suaidentidade negra, ele se vê obrigado a internalizar um idealde ego branco. No entanto, o caráter inconciliável desseideal de ego com sua condição biológica de ser negroexigirá um enorme esforço a fim de conciliar um ego e umideal, e o conjunto desses sacrifícios pode até mesmo levara um desequilíbrio psíquico.35

Por outro lado, a introdução da variável etnorracial nosestudos e no trabalho cotidiano dos profissionais da psicologiadeve aprofundar também a investigação dos efeitos perversossobre a subjetividade dos brancos, das representaçõesimaginárias e simbólicas do corpo branco como instrumento depoder e de privilégios à custa da opressão material e simbólicados outros. Em termos de saúde mental, o que significam umego e uma subjetividade inflados pelo sentimento desuperioridade racial?

Para que se possa quebrar o círculo vicioso de produção deegos inflados versus egos deprimidos, é preciso agir sobre asduas pontas do problema em prol da construção de um círculo

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virtuoso em que compartilhar igualitariamente a diversidadehumana seja um princípio de enriquecimento para todos.

Nesse sentido, a desconstrução da brancura como ideal deego da sociedade é imperativo para a libertação e cura de todos:negros, brancos, indígenas, orientais. E talvez nisso resida opapel mais estratégico que os psicólogos têm a cumprir.

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11Viveremos!36

“A mulher que cuida das crianças pede ao menino de 5 anos que explique oque acontece. Ele diz: ‘A polícia entrou aqui, mandou todas as crianças

encostarem na parede desse jeito e falou que levaria todos nós para a Febemse a gente não contasse onde estavam escondidas armas e drogas’. O garoto

se juntou à menininha, mãos na parede. Mais sete crianças repetiram oato.”37

A reportagem da qual retirei essa epígrafe estende-se nadescrição das incursões policiais na favela dos Pilões (zona sulde São Paulo). Em uma das visitas, três mortos: jovens commenos de 30 anos, todos trabalhadores, um deles epiléptico. Opatrão de dois deles custeou os funerais e ofertou aos corposurnas de madeira nobre talvez num gesto simbólico de resgateda dignidade daqueles jovens e expressão da consciência dainjustiça cometida. É apenas um dos casos das dezenas queestão vindo a público pela pressão de órgãos de imprensa, doMinistério Público Estadual de São Paulo e do ConselhoRegional de Medicina de São Paulo (Cremesp), pela divulgaçãoda relação e acesso aos laudos periciais dos suspeitos mortos

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pela polícia em represália ao assassinato de policiais civis emilitares e agentes penitenciários nos ataques perpetrados peloPrimeiro Comando da Capital (PCC). Previsível, mas semprechocante.

Os líderes das associações de policiais civis e militares foramunânimes em responsabilizar as autoridades públicas pelos atosdaquela organização criminosa e, sobretudo, pela morte dospoliciais e agentes penitenciários insuficientemente equipadospara exercer a função de proteger os cidadãos e defender aprópria vida. E, sobretudo, por não estarem informados, segundoalguns relatos, das ameaças que pesavam sobre a vida deles.Sentiram-se traídos.

Para o governador de São Paulo, a culpa é da elite brasileira:“Uma minoria branca muito perversa”. Quem somos nós paradiscordar de quem conhece como ninguém a natureza profundados seus? De minha parte, entendo que todos estão certos emsua avaliação. Tanto os líderes das associações de policiaisquanto o governador.

No entanto, nem as autoridades responsáveis pela segurançapública ou pelo sistema prisional nem a elite perversa são o alvoda represália dos policiais ou do governador. A ira de ambos seabate sobre os de sempre, da parte dos policiais por ação e dogovernador por omissão ou conivência diante da matançaindiscriminada dos que são alvo (embora majoritariamentenegros) da perversidade da tal minoria branca. Em 16 de maiode 2006, informava-se que no IML de São Paulo havia 15corpos. A maioria era de jovens, negros, e apresentava buracosde bala na cabeça. Desde então, os números não pararam deaumentar.

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Não quero, como sempre, chorar mais esses mortos empraça pública. Clamar contra esse genocídio como tantas vezesjá fiz. Talvez porque, desta vez, as coisas foram tão longe queatingiram um ponto insustentável, em que é preciso conter aconsciência, em sua capacidade de vislumbrar e analisar ohorror em toda a sua plenitude, para não desistir. É precisoesquecer por instantes o número de vítimas chacinadas ecelebrar a vida e a luta pela emancipação que se trava a cadadia, que tanto faz recrudescer a violência e o ódio racial quantoaumenta em cada um de nós a consciência de por quemorremos. É preciso ir ao encontro da vida para buscar forçaspara resistir.

Vou para as ruas, o palco dos sacrifícios e redenções.Respiro o ar poluído desta São Paulo estranha, admiro apaisagem cinzenta deste outono invernal. Nas voltas por algunsquarteirões, vejo crianças negras como as encontradas na favelados Pilões: meninas, como foi citado na reportagem da Folha, de“olhos negros, grandes e redondos e penteado maria-chiquinha”.Mas elas estão voltando da escola, mochilas pesadas às costas,trancinhas balançantes. Tagarelam alegremente. Uma alegriaque sopra em minha mente um eco que diz: “Viveremos!”

Atravesso uma praça e um grupo de adolescentes negrosjoga carteado. Minha mente viciada na paranoia da violência nãodeixa de imaginar: se passar um carro de polícia por aqui agora,eles estarão em apuros e pode até acontecer o pior. Parecemjogar buraco e uma dupla vence festejando com alegrealgazarra. Rejeito a armadilha da mente paranoica e deixo aalgazarra alegre penetrar em mim, e ela também me anuncia:“Viveremos!”

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Qualquer um de nós pode ser a próxima vítima, mas nestemomento ainda estamos aqui, vivos, em testemunho deresistência, contrariando as estatísticas, os prognósticos e osdesejos da minoria citada pelo governador ou de seus braçosarmados, os exterminadores do futuro. Mas, em cada um dosrostos negros que encontro em minha caminhada, pulsa umaesperança de vida que desafia a violência do racismo.Viveremos!

Os intelectuais racistas do fim do século XIX e começo do XXestimavam que em torno de 2015 o Brasil estaria livre da“mancha negra”. Sobrevivemos à escravidão, temos sobrevividoà exclusão, sobreviveremos aos periódicos genocídios. Somos“uma pretalhada inextinguível”, como disse, em desespero,Monteiro Lobato. Viveremos!

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12A sombra de seu sorriso38

Era fim da década de 1970 e isso perdurou por toda a década de1980. Vivíamos o auge da efervescência das teses e dosgrandes programas de planejamento urbano e engenharia detráfego. Emergiam grandes técnicos, grandes planejadoresurbanos que pareciam capazes de tornar uma cidade como SãoPaulo viável em termos de qualidade de vida, de uso do solo ede organização do tráfego.

Arquitetos, engenheiros, cientistas sociais, gente de todas ascolaborações políticas e ideológicas empenhava-se no desafiode planejar a maior cidade da América Latina. As disputasteóricas e práticas em especial, entre arquitetos e engenheiros, eas diferentes visões que os orientavam na concepção e no futuroda cidade tinham em comum apenas um nome, presente emtodas as bibliografias dos planos e projetos urbanos: MiltonSantos. Uma unanimidade, referência obrigatória para todos osque se dispunham a pensar e a agir sobre aquele território.

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Trabalhei durante dez anos na área de planejamento eacostumei-me também, sem conhecê-lo pessoalmente, a citarrecorrentemente o mago dos “planejeiros” como todos os outros.Certo dia, minha irmã, então secretária de departamento naCoordenadoria-geral de Planejamento do Município de SãoPaulo (Cogep), recebeu a ligação de um homem de fala mansa eeducada. Era Milton Santos solicitando uma reunião com seucoordenador. Consciente da fama e da importância de quemestava do outro lado da linha, ela prontamente o atendeu ereservou o horário.

Dias depois, entrou em sua sala um senhor muito preto devoz mansa e educada. Ela lhe perguntou o que desejava. Eledisse que tinha hora marcada com o coordenador. Minha irmãconsultou a agenda e perguntou seu nome. Ele respondeu:“Milton Santos”. Como “amarelar” ela não podia, simplesmente“acinzentou” e, toda nervosa, ofereceu-lhe água e café e amelhor poltrona da recepção. Pediu licença e correu para avisaro chefe. Este imediatamente veio recebê-lo com toda a pompa.Milton Santos, como sempre, sorriu docemente com profundacompreensão e serenidade do espanto dela e das mesuras deseu chefe.

Fechou-se a porta atrás de ambos, e ela, afoita, me ligou.Eufórica e orgulhosa disse: “Sueli, ele é preto!” É verdade.Durante anos ouvindo falar dele, nunca soubemos que era preto.Se alguém nos disse, não creio que estávamos prontas paraouvir e elaborar em nossa mente, à época, ainda condicionadaspelo racismo, que um negro era grande referência teórica detodos aqueles brancos. Talvez de fato tenha também havidomuitos silêncios em relação à sua cor, pois, para alguns, referir-se a ela poderia parecer rebaixá-lo à moda de Olavo Bilac,

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grande poeta brasileiro que, diante de Machado de Assis, noesforço de enaltecê-lo, grafou: “Machado de Assis não é negro,é um grego”.

Transitava, consciente dos contorcionismos que provocava,pela não correspondência entre os estigmas que aprisionam ocorpo negro e sua condição de scholar, ícone de excelênciaacadêmica, supostamente um atributo de corpos e mentesbrancos. Tive a oportunidade de contar a ele essa historietaidiota sobre a minha descoberta de sua cor. Ele, com acomplacência que só os sábios têm diante dos néscios, sorriuuma vez mais mansamente...

Foi e é muito respeitado. Mais pela impossibilidade desubtrair-lhe o reconhecimento à sua extraordinária produção.Mas pagou o preço pela inteligência rara, pela originalidade deseu pensamento e independência intelectual no sentido maispleno da palavra; um produtor de conhecimento de altaexcelência, numa terra em que preto deveria contentar-se emser apenas objeto de estudo.

Por isso as principais homenagens que recebeu por suacontribuição ao pensamento mundial lhe foram feitas fora dopaís, em contraste com a bajulação constante de que gozammuitos intelectuais de menor porte ou sem o seu prestígio eimportância internacional. Mas isso também evidencia um tipo deautonomia e de rigor acadêmico e intelectual que, ao nãocomportar o elogio fácil e servil a si mesmo e aos outros, osituou sempre na direção oposta desse senso comum.

A serenidade permanente, o sorriso manso e a fala educadacontrastavam com a radicalidade das suas ideias e posições.Radicalidade entendida como o “tomar as coisas pela raiz” e nãose permitir concessões teóricas que conspurcassem princípios

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científicos e éticos. Igualmente, nenhuma condescendência ouconfinamento a uma negritude redutora da expressão de suainteireza humana como prefeririam muitos.

Nas poucas vezes em que tive o privilégio de encontrá-lo eouvi-lo sobre a questão racial, havia um não dito no qualreverberava para mim a célebre frase do poeta nigerianoSoyinka: “O tigre não lardeia a sua tigretude, ele simplesmenteataca”. Negritude, no seu caso, não carecia de afirmação, erapura expressão de racionalidade e sensibilidade humanas emsua acepção maior, construídas possivelmente graças à“permanente vigília”. Conforme ele enfatizava, “o fato de sernegro o conduzia”. Negritude concebida e manejada como uminstrumento de refinamento e de percepção, apropriação eprojeção do território e do humano em toda a sua complexidade.Senhor dos espaços, confiante, dizia: “Há dois abrigos para ohomem, um é a Terra; o outro, o infinito”.

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13Em legítima defesa39

Muitas são as razões que advêm de uma realidade inaceitávelcontra a qual a militância negra vem historicamente lutando ediante da qual as respostas do Estado permaneceminsuficientes, exigindo permanente esforço de compreensão.

Assim, contrato racial, biopoder e epistemicídio, por exemplo,são conceitos que se prestam como contribuição aoentendimento da perversidade do racismo. São marcosconceituais que balizaram a tese de doutorado que defendi naUniversidade de São Paulo (USP), em agosto de 2005, sob otítulo A construção do outro como não ser como fundamento doser40. Nela procurei demonstrar a existência, no Brasil, de umcontrato racial que sela um acordo de exclusão e/ousubalternização dos negros, no qual o epistemicídio cumprefunção estratégica em conexão com a tecnologia do biopoder.

No livro The racial contract, o filósofo afro-americano CharlesW. Mills propõe que tomemos a inquestionável supremacia

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branca ocidental no mundo como um sistema político nãonomeado, porque ela estrutura “uma sociedade organizadaracialmente, um Estado racial e um sistema jurídico racial, ondeo status de brancos e não brancos é claramente demarcado,quer pela lei, quer pelo costume41”. Um tipo de sociedade emque o caráter estrutural do racismo impede a realização dosfundamentos da democracia, sejam a liberdade, a igualdade e afraternidade, posto que semelhante sociedade consagrahegemonias e subalternizações racialmente recortadas.

A branquitude como sistema de poder fundado no contratoracial, da qual todos os brancos são beneficiários, embora nemtodos sejam signatários, pode ser descrita no Brasil porformulações complexas ou pelas evidências empíricas, como nofato de que há absoluta prevalência da brancura em todas asinstâncias de poder da sociedade: nos meios de comunicação,nas diretorias, gerências e chefias das empresas, nos poderesLegislativo, Executivo e Judiciário, nas hierarquias eclesiásticas,no corpo docente das universidades públicas ou privadas etc.

Por seu lado, Michel Foucault entende ser o racismo,contemporaneamente, uma dimensão do poder soberano sobrea vida e a morte. Operacionaliza-se, segundo Foucault, por meiodo biopoder, conceito que descreve uma tecnologia de poder,uma biopolítica que permite a eliminação dos segmentosindesejáveis. Foucault sintetiza essa operação na expressão“deixar viver ou deixar morrer”. Assim, para ele, “[...] o racismo éindispensável como condição para poder tirar a vida de alguém,para poder tirar a vida dos outros. A função assassina do Estadosó pode ser assegurada desde que o Estado funcione, no mododo biopoder, pelo racismo”42.

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A análise dos dados sobre mortalidade, morbidade eexpectativa de vida sustenta a visão de que a negritude se achainscrita no signo da morte no Brasil, sendo sua melhor ilustraçãoo déficit censitário de jovens negros, já identificadosestatisticamente em função da violência que os expõe de modoprioritário ao “deixar morrer”, além dos demais negros e negras,cuja vida é cerceada por mortes evitáveis, que ocorrem pelaomissão do Estado.

Alia-se a esse processo de banimento social a exclusão dasoportunidades educacionais, o principal ativo para a mobilidadesocial no país. Nessa dinâmica, o aparelho educacional tem seconstituído, de forma quase absoluta, para os racialmenteinferiorizados, como fonte de múltiplos processos deaniquilamento da capacidade cognitiva e da confiançaintelectual. É fenômeno que ocorre pelo rebaixamento daautoestima que o racismo e a discriminação provocam nocotidiano escolar; pela negação aos negros da condição desujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negaçãoou ocultamento das contribuições do Continente Africano e dadiáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pelaimposição do embranquecimento cultural e pela produção dofracasso e evasão escolar. A esses processos denominamosepistemicídio.

Assim, a marcha de 16 de novembro será realizada contra apersistência dessa lógica que informa o Estado brasileiro de queele, quando não mata, mantém a maioria de nossa populaçãoem condições de indigência material e cultural, refém dopaternalismo e do assistencialismo. Marcharemos contra oracismo, pela cidadania, pela vida e por reparações. Em legítimadefesa. E convocamos a todas e todos os que não são

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signatários desse contrato racial perverso a marchar conosco,em honra à memória de Zumbi dos Palmares e pela conquistada plena cidadania para todos.

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COTAS

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14Focalização versusuniversalização43

Em diferentes estudos, o Instituto de Pesquisas EconômicasAplicadas (Ipea) vem demonstrando que o problema da pobrezano Brasil não resulta da falta de recursos, mas de um alto graude desigualdade. A segunda constatação é que as políticasuniversalistas implementadas não têm sido capazes de reduziressas desigualdades. A terceira é que o combate à desigualdadetem impacto superior sobre a redução da pobreza do que viacrescimento econômico. É mais rápido, mais barato e mais justosocialmente.

Se o conceito de focalização é neoliberal e foi, segundoalguns especialistas, inventado pelo Consenso de Washington, aprodução e reprodução de desigualdades, a transferência dosbenefícios das políticas sociais dos mais pobres para os maisricos têm se constituído um know-how brasileiro, queaperfeiçoamos há mais de um século, desde o pós-abolição,cujo resultado, sob o signo das políticas universalistas, é a

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extraordinária concentração de renda do país, que o talconsenso apenas agrava.

Portanto, a focalização apresenta-se, no nosso contexto deexclusão histórica de amplas parcelas populacionais, como pré-requisito para o resgate da solidariedade devida pelas políticasuniversalistas ao conjunto da sociedade. Isso implica oreconhecimento de que elas, historicamente, abandonaram esseprincípio de solidariedade, o que resultou na apropriação por nãopobres de recursos destinados aos pobres. Esse é o estado daarte. E não será pela submissão a um princípio abstrato deuniversalismo, que na prática social se realiza como farsa,reproduzindo privilégios, que se poderá enfrentar, decisivamente,o problema da pobreza, da miséria e da concentração de rendano país.

O debate focalização versus universalização faz supor quenão haja focalização nas políticas universalistas no Brasil, queelas são neutras e igualitárias. Uma análise sobre a distribuiçãodos recursos a creches pelos estados brasileiros revelou,segundo o pesquisador Ricardo Paes de Barros44, que

a última criança atendida em Santa Catarina tinha rendaper capita de 50 reais. Em Pernambuco, a renda da criançaera de 5 reais. O Conselho Nacional de Assistência Social(CNAS) segue o que eles chamam de “critério histórico”: odinheiro do passado se divide como sempre se dividiu, sóse vier mais dinheiro é que se pensa nos pobres.

Outro exemplo: o resultado das políticas universalistas naárea da educação no Brasil é, como informa José MárcioCamargo (PUC-RJ)45, que 92% dos estudantes dasuniversidades públicas estão entre os 20% mais ricos da

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população. A probabilidade de uma pessoa que vive em umafamília entre os 40% mais pobres chegar a uma universidadepública é zero. Não por acaso, o Censo Étnico-racial realizadopela Universidade de São Paulo acusou, simplesmente, umdéficit de estudantes negros.

A defesa intransigente das políticas universalistas no Brasilguarda, por identidade de propósitos, parentesco com o mito dademocracia racial. Ambas realizam a façanha de cobrir com ummanto “democrático e igualitário” processos de exclusão racial esocial que perpetuam privilégios. Postergam, igualmente, oenfrentamento das desigualdades que conformam a pobreza e aexclusão social.

Nesse sentido, o debate focalização versus universalizaçãose constitui um embuste se não admitirmos que, historicamente,as políticas universalistas não vêm realizando sua concepçãoideal de romper com a graduação de direitos. Para que elaspossam corresponder a essa concepção ideal, é misterreconhecer os fatores que vêm determinando a reprodução dasdesigualdades que elas eternizam e tomar a focalização comoinstrumento de correção desses desvios históricos, e não comoalternativa de política social. Ou seja: a realização dos ideais daspolíticas universalistas no Brasil depende de sua focalização nossegmentos sociais que, historicamente, elas mesmas vêmexcluindo. E o parâmetro de qualidade que devem perseguir eoferecer são os padrões dos serviços desfrutados pelas classesmédia e alta da sociedade.

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15Nós?46

Em artigo contrário à adoção de cotas para os afrodescendentesnas universidades, a juíza federal Mônica Sifuentes47 argumentaque “[...] para nós, mulheres, não houve necessidade deestipular cotas. Bastou a concorrência em igualdade decondições com os homens para que hoje fôssemos maioria emtodos os cursos universitários do país”.

A utilização do pronome “nós” pela juíza faz supor que asmulheres são um grupo homogêneo que compartilhaigualitariamente das oportunidades sociais, em especial no queconcerne ao acesso à educação.

No entanto, segundo dados do Ministério da Educação, em2000 apenas 2,2% do contingente de formandos nasuniversidades eram negros, enquanto os brancos representaram80%.

O argumento da juíza não leva em conta o fato de os homensentrarem mais cedo do que as mulheres no mercado de trabalho

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com prejuízos para a sua permanência no sistema educacional eque, apesar disso, os estudos recentes sobre a mulher nomercado de trabalho revelam que elas precisam de umavantagem de cinco anos de escolaridade para alcançar a mesmaprobabilidade dos homens para obter um emprego no setorformal. Para que as mulheres negras alcancem os mesmospadrões salariais das mulheres brancas com quatro a sete anosde estudos, elas precisam de mais quatro anos de instrução, ouseja, de oito a 11 anos de estudos. Essa é a igualdade de gêneroe de raça instituídas no mercado de trabalho e o retorno que asmulheres, sobretudo as negras, têm do seu esforço educacional.

Dentre a porcentagem ínfima de negros que adentram asuniversidades em nosso país, deve estar a leitora deste jornalCarla Ubaldina Carneiro de Oliveira que, em carta ao Correio, de20 de fevereiro de 2002, diz: “Será intolerável ver minha vitóriapessoal, resultante do esforço e dedicação que tive durante todaa minha vida aos estudos, ser considerada fruto de uma‘vantagem’ concedida à população negra por uma determinaçãolegal, a qual abomino”.

A postura da leitora demonstra a eficiência dos mecanismoseducativos e ideológicos de nossa sociedade para nos inculcar avisão de que a mobilidade social está aí, disponíveligualitariamente para todos, dependendo apenas do esforçopessoal de cada um para a sua realização. Desaparecem,assim, as condições históricas que vêm produzindo ereproduzindo a pobreza dos negros. Então, os excluídos, devítimas, se tornam réus. Nessa armadilha em que oindividualismo liberal nos enreda, a mobilidade social individualde uma pessoa negra é utilizada contra o seu próprio gruporacial reiterando os estigmas que o atinge. O negro “bem-

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sucedido” torna-se a exceção que confirma a regradiscriminatória: se um consegue, os demais não se esforçaram osuficiente.

A reivindicação de cotas e políticas de ação afirmativas nãodesqualifica o grupo negro. Ao contrário, representa suaconfirmação como sujeito de direitos, consciente de suacondição de credor social de um país que promoveu aacumulação primitiva de capital pela exploração do trabalhoescravo, não ofereceu nenhum tipo de reparação aos negros naabolição e permanece lhe negando integração social por meiodas múltiplas formas de exclusão racial vigentes na sociedade,das quais o não acesso à educação é uma das mais perversas.

O que devemos abominar é um processo histórico quetransformou seres humanos em mercadorias e instrumentos detrabalho. E, depois de explorá-los por séculos, destinou-os àmarginalização social.

A adoção de ações compensatórias deve ser a expressão doreconhecimento de que é chegada a hora de o país sereconciliar com uma história em que o mérito tem se constituídoem um eufemismo para os privilégios instituídos pelas clivagensraciais persistentes na sociedade.

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16Valeu, Zumbi!48

Sempre que penso em Zumbi dos Palmares, reafirma-se aminha confiança na história, na capacidade do tempo de rever erecontar a história, em aliança com os seres humanossinceramente empenhados na busca da verdade.

Lembro-me das incontáveis vezes em que a palavra “zumbi”era usada na minha infância para assustar as criançastravessas. E é admirável como de lá para cá a palavra vemsendo ressignificada. Tornou-se nome próprio, tendo porsobrenome um território, Palmares, símbolo da resistência dosnegros à escravidão. O “morto-vivo” levado para o imagináriopopular por meio das versões oficialescas sobre a escravidão dálugar ao escravo rebelde e libertário, que exige o seu lugar nahistória e, ao fazê-lo, revela outra narrativa. É o primeiro heróipopular do Brasil, encarnando, contra o mito da passividade donegro, a luta da dignidade humana contra toda forma deopressão. A cada novo 20 de Novembro ele se espraia, amplia o

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seu território na consciência nacional, empurra para ossubterrâneos da história seus algozes, que foram travestidos deheróis. Adeus, Domingos Jorge Velho. Já vai tarde!

Diz Edson Cardoso, militante negro de Brasília, que amaturidade de um país se mede também por sua capacidade dereapropriação de seu passado, sendo esse transbordamentocrescente do 20 de Novembro o sinal do avanço dessatransnegrescência, que, pela justeza de propósitos que carrega,faz que Zumbi se torne cada vez mais herói de todos.

Nesse 20 de Novembro, de novo desfilaram diante de nós asestatísticas das desigualdades raciais e também semanifestaram os diferentes artifícios para emperrar ou retardar aadoção das medidas corretivas, mesmo após o reconhecimentoda Conferência Mundial contra o Racismo, ocorrida em Durbanem setembro passado, da urgência de implementação depolíticas públicas de combate ao racismo e promoção daigualdade para os afrodescendentes.

Inúmeros projetos de lei esperam pela vontade política dosdeputados, e outros, já aprovados, se defrontam com asclássicas artimanhas para a sua inviabilização.

É o caso do projeto de lei sancionado pelo governo do Rio deJaneiro que prevê a adoção de cotas para negros no níveluniversitário, sobre o qual se instaurou a velha polêmica daimpossibilidade de definir quem é negro. Outros “argumentos”conspiram também contra a política de cotas.

Um dos mais recorrentes é o de que as cotas reproduzem asinjustiças que pretende corrigir, por abdicar do mérito comocritério de acesso aos níveis superiores de educação.

O princípio que orienta a adoção de políticas de açãoafirmativas e um de seus instrumentos, as cotas, baseia-se num

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imperativo ético e moral de reconhecimento das desvantagenshistoricamente acumuladas pelos grupos discriminados em dadasociedade, que sustentam os privilégios de que desfrutam osgrupos raciais dominantes e explicam as desigualdades de quepadecem os dominados. Nesse sentido, as políticascompensatórias têm o claro objetivo de corrigir a bolhainflacionária em favor dos grupos racialmente dominantes noacesso às oportunidades sociais, de modo a realizar o princípiode igualdade para o que se impõe que esses grupos sejamobjeto de discriminação positiva que os aproximem dos padrõessociais alcançados pelos grupos dominantes. Há, ainda, oreconhecimento de que o mérito, ainda que exista, naperformance individual dos racialmente hegemônicos estámediado pela exclusão intencional dos discriminados, o quelimita o alcance da proeza pela desigualdade de origeminstituída nos termos da competição social.

Então, quando o mérito é invocado para barrar propostas depromoção de igualdade racial, omite-se, escamoteia-se, aconstrução social, segundo a qual nascer branco consiste por sisó num mérito, uma vantagem original cujo prêmio é conduzir“naturalmente” brancos ao acesso privilegiado dos bens sociais.O que todos os indicadores socioeconômicos desagregados porcor/raça confirmam.

No entanto, acima de todos esses argumentos, eleva-se avoz de quem tem como função a garantia da Constituição.

É a boa-nova desse 20 de Novembro trazida pelo ministroMarco Aurélio Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal empalestra no seminário “Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”,realizado no Tribunal Superior do Trabalho.

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O ministro Marco Aurélio afirmou que construir a igualdaderequer, em princípio, reconhecer a desigualdade historicamenteconstruída e que as chamadas minorias não dizem respeito àquestão numérica, mas à questão de acesso às oportunidades.Sobre a constitucionalidade dessas medidas, tais iniciativas nãose chocam com o texto constitucional porque, em última análise,o procedimento tem como objetivo a continuidade da própriaConstituição.

Ao Legislativo, o ministro endereça esta frase: “As normasproibitivas não são suficientes para afastar do nosso cenário adiscriminação. Nós precisamos contar, e fica aqui o apelo aoCongresso Nacional, com normas integrativas”. A propósito, napróxima semana (26 e 27 de novembro de 2001), a Câmara dosDeputados realizará o seminário “Construindo a igualdaderacial”, promovido pela Comissão destinada a apreciar o projetode lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial. Mais umaoportunidade para avançarmos decisivamente nessa matéria.

O posicionamento do presidente do Supremo é um fatohistórico em que o Poder, muitas vezes considerado o maisrefratário às mudanças sociais, conclama as demais instânciasdo Estado a sair de sua inércia perante as desigualdades raciaisafirmando: “Nós sabemos que o preceito (lei) pode serdispositivo ou imperativo. E aqui (no Tribunal Superior doTrabalho) nós estamos em um tribunal que lida com preceitosimperativos, porque se percebeu a necessidade de o Estadointervir para corrigir desigualdades”.

Então, não havendo impedimento constitucional, e nenhumaoutra instância a recorrer, cumpra-se! Só depende de vontadepolítica para iniciarmos o retorno a Palmares, o nosso primeirosonho de liberdade.

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MERCADO DETRABALHO

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17O combate ao racismo

no trabalho49

Uma iniciativa pioneira da sociedade civil vem resultando emproposições exemplares de políticas públicas para a inclusão dadiversidade racial e de gênero no mercado de trabalho. AFederação Nacional de Advogados (FENAdv) e o Instituto deAdvocacia Racial e Ambiental (Iara) apresentaram ao MinistérioPúblico Federal do Trabalho, em dezembro de 2003, 28representações (denúncias) endereçadas a todos os seus 28pontos regionais sobre a desigualdade racial no mercado detrabalho, requerendo a instauração de inquéritos civis públicospara a investigação dos setores industrial, bancário ecomerciário sobre o tema. O objetivo é apurar a desigualdaderacial no mercado de trabalho, em todo o Brasil.

Comprovada a desigualdade, ações civis públicas forampedidas. A reação do Ministério Público Federal a tal proposiçãofoi o Programa de Promoção de Igualdade de Oportunidade paraTodos, sob a liderança do vice-procurador do Ministério Público

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do Trabalho Otávio Brito Lopes, que comanda a CoordenadoriaNacional de Promoção da Igualdade de Oportunidade eEliminação da Desigualdade no Trabalho (Coordigualdade),órgão vinculado à Procuradoria-geral do Trabalho (PGT).

O acesso ao emprego e ao trabalho é condição primordialpara a reprodução da vida, e sua exclusão é também a primeiraforma de negação desse direito básico da cidadania. Asevidentes barreiras de natureza racial e de gênero no acessoigualitário ao trabalho apresentadas pelos proponentesresultaram na consecução do referido programa, que parte deuma posição ativo-expectante, de confiança na possibilidade desensibilizar as empresas e negociar com elas um novo pacto nasrelações de trabalho – em que atitudes discricionárias percam ocaráter naturalizado que adquiriram em nossa história laboral –para ensejar novos paradigmas de modernização dessasrelações. Assim, percebe como urgente a adoção demecanismos inclusivos pelas empresas para reverter asdesvantagens historicamente acumuladas por segmentos sociaisexpostos sistematicamente a processos de discriminação noacesso ao mercado de trabalho.

O programa propõe ainda o ajuizamento de ações civispúblicas contra instituições que não oportunizem igualdade deempregos em termos raciais. No seu lançamento, em 11 de abrilde 2005, foi anunciado que cinco instituições financeirasprivadas, ao apresentarem seus números ao MPT, descobriramaté que ponto seu quadro de funcionários é desigual. Não hánegros e negras em quantidade compatível com a população deBrasília (DF). A iniciativa contou com o decisivo apoio detécnicos do Ipea, do IBGE, da OIT, entre outros. A propósito, não

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localizaram também mulheres em cargo de chefia, pessoas commais de 40 anos e deficientes físicos.

Como há muito propunha o Movimento Negro Brasileiro, oBrasil descobre outro Brasil ao deparar com o problema doracismo e tentar solucioná-lo. Graças a esse programa,procuradores do Trabalho de todo o país estão requisitando osnúmeros de todos os bancos privados para conhecer suacomposição funcional racial. É uma revolução silenciosa no país.Os bancos mais ágeis, e sábios, poderão propor Termos deAjustamento de Conduta (TACs) ao MPT e manter a gestão damudança inclusiva em seu negócio. Aos resistentes, o rigor doajuizamento de ações civis por desigualdade racial no mercadode trabalho abrirá um novo capítulo nessa batalha, desaguandono Judiciário. Outros segmentos, além dos bancos, estão na fila.Sindicatos e entidades do terceiro setor ligadas ao combate àdiscriminação racial estão se preparando para ingressar nessaarena ao lado do MPT. É um avanço.

A presença ativa do MP nesse tema é o reconhecimento dainsustentabilidade das teses de igualdade de oportunidades,objeto de denúncia constante dos movimentos negroscontemporâneos acerca dos mecanismos de preferências eexclusões raciais presentes na alocação dos indivíduos nomercado de trabalho, fato hoje repetidamente fundamentado nosdados estatísticos, em estudos e pesquisas no Brasil.

São esses os passos essenciais para que possamos rompercom um tipo de sensibilidade social indiferente ou resignada comessa exclusão histórica. O MP torna-se parceiro da construçãode uma nova realidade social na qual se troca um mito pelaefetivação de uma verdadeira democracia racial. Emconsonância com sua missão institucional, o MP assume sua

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responsabilidade de guardião e promotor da plena cidadaniapara todos como parte de suas atribuições de “defesa da ordemjurídica, do regime democrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis”. É uma demonstração, cada vez maisrara, da parte de uma instituição pública de concretização de seupapel na consolidação dos ideais republicanos e democráticosque tanto ansiamos.

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18Trabalho e

exclusão racial50

Um estudo sobre o atual perfil profissional exigido pelo mercadode trabalho brasileiro foi realizado pelo Ministério do Trabalho epelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Aspreferências para o preenchimento das novas vagas recaemsobre aqueles que têm o mínimo de 11 anos de estudos. O nívelde exigência de escolaridade é alto para os padrões nacionais,em que a média de escolaridade para brancos é de 6,6 anos deestudo e, para negros, 4,4.

Em um contexto econômico marcado por altas taxas dedesemprego e pelo desemprego estrutural, são exigidos altosníveis de escolarização da mão de obra desempregada quepresta os trabalhos mais banais, o que afasta cada vez mais osnegros do mercado de trabalho, posto que elesreconhecidamente compõem o segmento social que experimentaas maiores desigualdades educacionais.

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Sessenta e quatro por cento das pessoas que conseguiramemprego segundo esse estudo têm 40 anos ou mais, estãoexatamente em uma das faixas etárias em que se concentrampessoas negras com menos anos de estudo. Outro extremo é afaixa etária de 10 a 21 anos, em que se concentra a menor taxade geração de empregos do período estudado (8,6%). Essegrupo, que representa a juventude – notadamente a juventudenegra –, experimenta maior vulnerabilidade social.

Assim, as atuais exigências educacionais para a alocação demão de obra no mercado de trabalho formal não apenasconformam-se como um instrumento para a seleção dosprofissionais mais qualificados, mas também operam como umfiltro de natureza racial, definindo os que preferencialmenteserão alocados. Se não é possível demonstrar intencionalidadede exclusão racial nesse processo, é certo que, a despeito dasintenções, é o que ele realiza. Essas são algumas das possíveisrazões para o crescimento econômico não resultar,necessariamente, em redução das diferenças sociais e ter menorimpacto sobre a diminuição da pobreza do que as políticasfocadas no combate às desigualdades sociais, como vem sendoapontado por estudos realizados pelo Instituto de PesquisasEconômicas Aplicadas (Ipea). Os efeitos imediatos darecuperação econômica, que se diz em curso, é a absorção noprocesso de desenvolvimento dos mais educados, postergandoou inviabilizando a inclusão dos historicamente excluídos.

Para reverter essa tendência, é preciso, em primeiro lugar,admitir o que a experiência empírica e os estudos sobre asdesigualdades raciais reiteram: negros com as mesmashabilitações que os brancos são preteridos em processos deseleção e, quando igualmente empregados, ganham menos pelo

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exercício das mesmas funções. Disso decorre que uma políticade contratação justa deveria levar em conta esse viés racialpresente no processo de alocação e remuneração da mão deobra no mercado de trabalho brasileiro.

Em segundo lugar, são necessários incentivos que visemestimular a adoção de políticas de diversidade nas empresasque favoreçam a inclusão, a capacitação e a promoção escolarde trabalhadores negros. É uma iniciativa que há muito seespera do Ministério do Trabalho, sob pena de, ao deixar esseprocesso transcorrer livremente, segundo as “leis do mercado”,reproduzir a exclusão racial tradicional nos processos seletivos.

O direito ao trabalho é condição fundamental para areprodução das demais dimensões da vida social. Por isso épreciso instituir no âmbito do trabalho o mesmo reconhecimentosocial e político que as desigualdades raciais adquiriram nocampo educacional, fato que desencadeou o processo deimplementação de cotas raciais para afrodescendentes nasuniversidades. Tal reconhecimento deve traduzir-se emintervenção política para assegurar o princípio de igualdadeentre desiguais e a realização da equidade no acesso aotrabalho.

Em terceiro lugar, é mister reconhecer que, se a exigência de11 anos de estudo indicar uma tendência para conquistar umavaga no mercado de trabalho, torna-se imperativa uma políticapública agressiva para o acesso ao ensino médio e suaconclusão para os afrodescendentes.

Sem essas mudanças, as defasagens, sobretudoeducacionais, que são percebidas entre negros e brancos,continuarão a se apresentar como fatores de perpetuação dasubalternidade social dos negros, mantendo-os em um círculo

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vicioso em que a falta da escolaridade exigida torna-se motor daexclusão do emprego e a ausência do emprego é mais umafonte de impedimento do acesso, da permanência e da conquistados níveis superiores de escolaridade.

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GÊNERO

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19Construindo cumplicidades51

A cada novo 8 de março, Dia Internacional da Mulher, celebra-seo contínuo crescimento da presença feminina no mundo dosnegócios, nas esferas de poder, em atividades secularmenteprivatizadas pelos homens, e, em geral, omite-se o fato de asnegras não estarem experimentando a mesma diversificação defunções sociais que a luta das mulheres produziu.

De regra, considera-se satisfatório que, em um conjunto deaproximadamente metade da população feminina do país,apenas uma ou outra negra ocupe posição de importância. E,ademais, esses casos solitários são emblemas utilizados paradesqualificar as denúncias de exclusão racial. O 8 de marçodeste ano encontra as mulheres negras brasileiras imersas emintensas atividades preparatórias à sua participação naConferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial,a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, convocada

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pelas Nações Unidas, que ocorrerá na África do Sul, emsetembro.

Elas estão esperançosas com os resultados da históricaConferência Regional das Américas, preparatória da conferênciamundial ocorrida no Chile, em dezembro de 2000. Organizadasna Articulação de Organizações de Mulheres Negras BrasileirasRumo à III Conferência Mundial contra o Racismo, as mulheresnegras brasileiras trabalharam ativamente para dar visibilidadeao racismo e à discriminação racial na Declaração e no Plano deAção da Conferência Regional, documentos avalizados pelosEstados da região que reconhecem o racismo como fonte docolonialismo e da escravidão, a persistência dessas práticasdiscriminatórias, o caráter determinante que elas têm na pobrezae marginalização social dos afro-latino-americanos e, sobretudo,as múltiplas formas de opressão que a conjugação de racismocom sexismo produz nas mulheres afrodescendentes.

Apesar de ignorada pela imprensa brasileira, a ConferênciaRegional das Américas – em especial, o protagonismo dos afro-latino-americanos que dela participaram – foi enfatizada em umamatéria publicada pelo New York Times em que BarbaraCrossette afirma que, “em Santiago, um forte lobby dos gruposafro-americanos deu nova visibilidade à discriminação racial naAmérica Latina52”. A atuação política da Articulação de MulheresNegras nessa conferência mereceu da alta comissária dasNações Unidas, Mary Robinson, o seguinte comentário: “Asmulheres negras fizeram toda diferença”. E isso é fruto daestratégia adotada: trabalho, informação, transparência eparticipação coletiva nas decisões.

Mas, como costuma dizer Jurema Werneck, uma dascoordenadoras da Articulação de Mulheres Negras, nossos

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passos vêm de longe.As mulheres negras assistiram, em diferentes momentos de

sua militância, à temática específica da mulher negra sersecundarizada na suposta universalidade de gênero. Essatemática da mulher negra invariavelmente era tratada comosubitem da questão geral da mulher, mesmo em um país em queas afrodescendentes compõem aproximadamente metade dapopulação feminina. Ou seja, o movimento feminista brasileiro serecusava a reconhecer que há uma dimensão racial na temáticade gênero que estabelece privilégios e desvantagens entre asmulheres. Isso se torna mais dramático no mercado de trabalho,no qual mulheres negras são preteridas (no acesso, empromoções e na ocupação de bons cargos) em função doeufemismo da “boa aparência”, cujo significado prático é:preferem-se as brancas, melhor ainda se forem louras.

É a consciência desse grau de exclusão que determina osurgimento de organizações de mulheres negras de combate aoracismo e ao sexismo, tendo por base a capacitação demulheres negras, assim como o estímulo à participação política,à visibilidade, à problemática específica das mulheres negras nasociedade brasileira, à formulação de propostas concretas desuperação da inferioridade social gerada pela exclusão degênero e raça, e à sensibilização do conjunto do movimento demulheres para as desigualdades dentro do que o racismo e adiscriminação racial produzem.

A crescente compreensão do impacto do binômioracismo/sexismo na produção de privilégios e exclusões vemproduzindo maior solidariedade entre as mulheres. Importantesredes e articulações nacionais feministas do Brasil, como aArticulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e a Rede Nacional

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Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos expressam cadavez mais vontade política para enfrentar um debate maisaprofundado sobre a questão racial, o que Guacira de Oliveira,coordenadora da AMB, observa que sempre faltou ao MovimentoFeminista.

As feministas estão dispostas a contribuir para a radicalidadedessa construção para deslocar-se do lugar da hegemoniabranca em prol de uma sociedade racialmente diversificada emtodas as suas dimensões. A Rede e a AMB preparamimportantes documentos sobre a mulher negra comocontribuição do Movimento Feminista à Conferência contra oRacismo, na África do Sul. A deputada Esther Grossi, naCâmara Federal, e a deputada Lúcia Carvalho, na CâmaraLegislativa do Distrito Federal, deram prioridade, nesse 8 demarço, à temática da mulher negra. Cresce a cumplicidade entreas mulheres brasileiras.

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20“Aquelas negas”53

Creio que entre as coisas que mais impressionam os turistasbrasileiros ao chegar a Havana estão as semelhanças étnicas eraciais do povo cubano com o brasileiro – negros, brancos emestiços de vários cruzamentos – e as semelhanças geográficasdaquele país com o nosso litoral.

Alguns recortes de praia provocavam em mim segundos deconfusão mental: estou em Havana ou em Salvador?

Trata-se de um povo que, como nós, é aberto, hospitaleiro e,sobretudo, orgulhoso e bravo para enfrentar as dificuldades emque o país se encontra por tantos anos de embargo econômico.

A despeito dessas condições adversas e no que dependeapenas deles mesmos, os cubanos conquistaram excelência emvários campos, em especial no esporte. E dessa formaconseguiram frustrar muitas expectativas de medalhas de ourode outros países, como as dos brasileiros.

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Então, no auge da euforia por ter derrotado a seleção de vôleida Alemanha, a jogadora Virna, da seleção brasileira, disse àscâmeras de televisão: “Agora vamos pegar as cubanas, aquelasnegas, e vamos ganhar delas!” Sobre as cubanas, Virna dissetambém: “Como elas são tão fortes, é sempre um desafio paranós”.

Torcedora e admiradora da trajetória da seleção feminina devôlei, vibrei com elas na brilhante vitória sobre a seleção alemã,compartilhando a emoção que cada uma demonstrava e, acimade tudo, esperando pela fala de Virna, a minha atacante prediletadesde Atlanta.

Mas depois de ouvir “aquelas negas” algo gelou dentro demim. Conheço esse filme! Já ouvi muito “aquela nega” pela vida.Até tu, Virna?

A necessidade de adjetivar racialmente a seleção cubana(“aquelas negas”) revela um componente adicional para Virnanessa disputa histórica entre as duas seleções. Até porque, aotérmino do jogo com a Alemanha, não lhe ocorreu dizer“Ganhamos das alemãs, aquelas branquelas”. O que me deixariano mesmo desconforto sendo eu negra ou branca.

Então começo a me perguntar: o que será que provoca maisressentimento em Virna: ter sido derrotada (em Atlanta) por umaseleção que ela reconhece mais forte ou por “aquelas negas”?Ou será a combinação das duas coisas, negras e fortes?

Para alguns brancos (e outros que assim se supõem), parecesó haver um jeito suportável de ser negro: aquele ligado aofracasso, à vulnerabilidade, ao servilismo, à dependência e àinferioridade introjetada. Negros e negras fortes, altivos evencedores parecem um insulto para esses brancos. Hitler nosmostrou isso diante de Jesse Owens.

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Mas não há nada de novo no front. É só mais um “ato falho”que vemos ou sofremos todo o tempo nessa sociedade. Emtodos os conflitos ou disputas entre brancos e negros, osadjetivos “crioulo”, “nega safada”, “macaco” etc. são usados paraexpressar o desprezo pela negritude e assim valorizar ooponente branco. A brancura funciona como um elemento quesempre desempataria em favor do branco. Você é juíza, mas... énegra. Você é... porém é negro!

Em geral, esses atos são minimizados pela opinião públicacomo uma frase infeliz, sem intenção discriminatória, de acordocom a nossa tradição de mascarar o racismo e o preconceitopresentes na sociedade. Mais recentemente, diz-se que osnegros brasileiros estão ficando muito melindrosos e vendoracismo em tudo. Afinal sempre toleraram sem problemas “essasbrincadeiras” que, no máximo, podem ser consideradas de maugosto, jamais racistas. Atribui-se também esse melindre àinfluência dos negros norte-americanos. Deve ser aglobalização! Ou talvez seja simplesmente a consciência negrasobre as variadas manifestações de racismo que estejaaumentando no Brasil.

A linguística, por meio de sua Teoria dos Atos de Fala, vemdecodificando os sentidos dessas frases supostamenteinocentes, como entende o senso comum, e demonstrando asdiversas ações que se realizam pela linguagem, dentre elas aprodução e a reprodução de estereótipos. Analisa também ossentidos subjacentes em determinadas entonações (“aquelasnegas”) de palavras ou frases.

O racismo tem destinado aos negros as tarefas consideradasdiletantes ou periféricas da sociedade. Uma delas é o esporte.Os negros, por sua vez, têm abraçado essas oportunidades com

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a garra e o desespero que as chances “únicas” produzem nosexcluídos e discriminados. E esses poucos espaços seconstituem em instâncias de afirmação de humanidade e deigualdade sistematicamente negadas pelo racismo. Por issoconhecemos Pelé, Mohamed Ali, Marion Jones, Jesse Owen,Waldemar Ferreira da Silva, Magic Johnson, João do Pulo, asirmãs Williams, Carl Lewis, Michael Jordan e tantos outrosatletas negros.

A frase de Virna me deixou em um dilema. E agora? Voutorcer pelas “negas” de cá ou pelas “negas” de lá?

Antes que eu pudesse responder, “aquelas negas” cubanasconfirmaram, como em Atlanta, sua superioridade diante daseleção brasileira feminina de vôlei diante do mundo: forammedalha de ouro nas Olimpíadas de Sidney. Tricampeãsmundiais!

A seleção feminina de vôlei do Brasil só perdeu para aseleção cubana.

Parabéns à Virna e a toda equipe. Graças a vocês,permanecemos entre as melhores do mundo nessa modalidade.

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21O matriarcado da miséria54

De 1o a 3 de setembro, reuniram-se na cidade do Rio de Janeiro13 organizações de mulheres negras brasileiras para deliberarsobre a participação das mulheres negras na III ConferênciaMundial contra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas deIntolerância, realizada no final de agosto de 2001, na África doSul. Dessa reunião nacional, organizada pelas ONGs GeledésInstituto da Mulher Negra, de São Paulo, Criola, do Rio deJaneiro, e Maria Mulher, do Rio Grande do Sul, resultou umadeclaração pró-Conferência de Racismo que configura omatriarcado da miséria que caracteriza as condições de vida dasmulheres negras no Brasil.

Nessa declaração constata-se que a conjugação do racismocom o sexismo produz sobre as mulheres negras uma espéciede asfixia social com desdobramentos negativos sobre todas asdimensões da vida, que se manifestam em sequelas emocionaiscom danos à saúde mental e rebaixamento da autoestima; em

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uma expectativa de vida menor, em cinco anos, em relação àdas mulheres brancas; em um menor índice de casamentos; esobretudo no confinamento nas ocupações de menor prestígio eremuneração.

No mercado de trabalho, o resultado concreto dessa exclusãose expressa no perfil da mão de obra feminina negra. Segundodados divulgados pelo Ministério do Trabalho e pelo Ministérioda Justiça na publicação Brasil, gênero e raça55, “as mulheresnegras ocupadas em atividades manuais perfazem um total de79,4%”. Destas, 51% estão alocadas no emprego doméstico e28,4% são lavadeiras, passadeiras, cozinheiras, serventes.

De acordo com a declaração das Organizações de MulheresNegras Brasileiras,

o trabalho doméstico ainda é, desde a escravidão negra noBrasil, o lugar que a sociedade racista destinou comoocupação prioritária das mulheres negras. Nele, ainda sãorelativamente poucos os ganhos trabalhistas e as relaçõesse caracterizam pelo servilismo. Em muitos lugares, asformas de recrutamento são predominantementeneoescravistas, em que meninas são trazidas do meiorural, sob encomenda, e submetidas a condições sub-humanas no espaço doméstico.56

Em 1999, o Departamento Intersindical de Estatística eEstudos Socioeconômicos (Dieese), em parceria com o InstitutoSindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), realizououtro estudo amplamente divulgado, o “Mapa da populaçãonegra no mercado de trabalho”, que oferece os seguintes dados:em Salvador, por exemplo, uma das cidades de maiorconcentração de população negra do Brasil, a taxa de

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desemprego da população economicamente ativa está assimdistribuída: entre as mulheres negras é da ordem 27,6% contra24,0% para os homens negros, 20,3% para as mulheres brancase 15,2% para os homens brancos. Em São Paulo, as taxas dedesemprego encontradas foram de 25% para as mulheresnegras, 20,9% para os homens negros, 19,2% para as mulheresbrancas e 13,8% para os homens brancos.

Quando empregadas, as mulheres negras ganham em médiametade do que ganham as mulheres brancas e quatro vezesmenos do que os homens brancos. As mesmas fontesgovernamentais já citadas demonstram o tamanho dasdesigualdades. O rendimento médio nacional entre negros ebrancos em salários mínimos assim se distribui: o homembranco ganha 6,3 salários mínimos; a mulher branca, 3,6; ohomem negro, 2,9; a mulher negra, 1,7.

As mulheres negras brasileiras compõem, em grande parte, ocontingente de trabalhadores em postos de trabalhoconsiderados pelos especialistas os mais vulneráveis domercado, ou seja, os trabalhadores sem carteira assinada, osautônomos, os trabalhadores familiares e os empregadosdomésticos.

A Constituição de 1988, no Capítulo II, art. 7o, inciso XX,prevê a “proteção do mercado de trabalho da mulher, medianteincentivos específicos, nos termos da lei”.

O artigo 32 da Declaração de Pequim declara a necessidadede “intensificar os esforços para garantir o desfrute emcondições de igualdade de todos os direitos humanos eliberdades fundamentais a todas as mulheres e meninas queenfrentam múltiplas barreiras à expansão de seu papel e a seu

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avanço devido a fatores como raça, idade, origem étnica,cultural, religião...”.

Em 20 de novembro de 1995, data do tricentenário da mortede Zumbi dos Palmares, os negros brasileiros realizaram emBrasília a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo pelaCidadania e pela Vida. O presidente Fernando HenriqueCardoso, ao receber da coordenação executiva da marcha odocumento com as reivindicações da população negra para apromoção da igualdade racial, afirmou que o ápice da exclusãosocial no Brasil poderia ser retratado por uma mulher negra,chefe de família das regiões do Norte ou Nordeste do país.

A expressão “matriarcado da miséria” foi cunhada pelo poetanegro e nordestino Arnaldo Xavier para mostrar como asmulheres negras brasileiras tiveram sua experiência históricamarcada pela exclusão, pela discriminação e pela rejeiçãosocial, e revelar, a despeito dessas condições, o seu papel deresistência e liderança em suas comunidades miseráveis emtodo o país.

Os indicadores sociais disponíveis continuam ratificando afala do ex-presidente, e essas mulheres estão ainda esperandoque medidas concretas sejam implementadas para reverter essematriarcado da miséria.

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22Biopoder57

A descriminalização do aborto, uma bandeira histórica domovimento feminista nacional, encontrou nova e perversatradução de política pública na voz do governador do estado doRio de Janeiro, Sérgio Cabral. O governador defende alegalização do aborto como forma de prevenção e contenção daviolência, por considerar que a fertilidade das mulheres dasfavelas cariocas as torna “fábricas de produzir marginais”.

Uma reivindicação histórica dos movimentos de efetivaçãodos direitos reprodutivos das mulheres e de reconhecimento doaborto como questão de saúde pública sobre a qual o Estadonão pode se omitir é pervertida em proposta de política públicaeivada de ideologia eugenista destinada à interrupção donascimento de seres humanos considerados potenciaismarginais. No lugar do respeito ao direito das mulheres dedecidir sobre a própria concepção, coloca-se como diferença

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radical de perspectiva a indução ao aborto, pelo Estado, como“linha auxiliar” no combate à violência.

São teses que aparecem com recorrência no debate públicoe, embora com nuanças, mantêm o mesmo sentido. Uma dasmais célebres foi dada anteriormente em 1982, no governo dePaulo Maluf, em São Paulo, no qual o Grupo de Assessoria eParticipação do Governo do Estado (GAP) elaborou odocumento “Sobre o Censo Demográfico de 1980 e suascuriosidades e preocupações”. Nele, é apresentada a propostade esterilização massiva de mulheres pretas e pardas com basenos seguintes argumentos:

De 1970 a 1980, a população branca reduziu-se de 61%para 55% e a população parda aumentou de 29% para38%. Enquanto a população branca praticamente já seconscientizou da necessidade de controlar a natalidade[...], a população negra e parda eleva seus índices deexpansão, em dez anos, de 28% para 38%. Assim,teremos 65 milhões de brancos, 45 milhões de pardos e 1milhão de negros. A se manter essa tendência, no ano2000 a população parda e negra será da ordem de 60%,por conseguinte muito superior à branca; e, eleitoralmente,poderá mandar na política brasileira e dominar todos ospostos-chave – a não ser que façamos como emWashington, capital dos Estados Unidos, onde, devido aofato de a população negra ser da ordem de 63%, não háeleições.58

O documento se tornou público graças à denúncia feita naAssembleia Legislativa de São Paulo pelo então deputado LuisCarlos Santos (PMDB-SP), em 5 de agosto de 1982. Trouxe à

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luz essa concepção de instrumentalização da esterilização comopolítica de controle de natalidade dos negros denunciadainternacionalmente pelo Relator Especial sobre Racismo daONU, após sua visita ao Brasil, em 1995.

Se o governador Sérgio Cabral ocupou-se em explicitar queas mulheres das favelas devem ser objeto de uma política eficazde controle da natalidade por meio da facilitação do aborto peloEstado, o seu secretário de Segurança Pública, José MarianoBeltrame, tratou de estabelecer a diferença do valor de cada vidahumana no Rio de Janeiro, o que provavelmente determinanessa lógica nefasta quem pode viver e quem deve morrer, ouquem nem mesmo deve chegar a viver. Em comentário sobre ofato de que os traficantes das favelas das zonas Oeste e Nortedo Rio estariam se deslocando para as favelas da zona Sulcomo reação às ações que vêm sendo realizadas pela polícianaquelas áreas, o secretário vê, nesse deslocamento dostraficantes, dificuldade adicional para o seu combate. Segundoele,

é difícil a polícia ali entrar, porque um tiro em Copacabanaé uma coisa. Um tiro na [favela da] Coreia, no complexo doAlemão [nas zonas Oeste e Norte, respectivamente], éoutra [...]. Uma ação policial em Copacabana temrepercussão muito grande, porque as favelas e oscomandos estão a metros das janelas da classe média59.

Ora, se nas zonas Oeste e Norte as favelas e os “comandos”estão em janelas diante umas das outras, ou lado a lado, issopode significar que são parte de um mesmo todo, e o faveladocivil e o traficante seriam indistinguíveis para efeito da repressãoe violência policial. Tanto bandidos como policiais sabem que o

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civil favelado – nem policial nem traficante – vale nada! Pode serabatido como mosca por ambos os lados. Ir para a zona Sulcomo estratégia de sobrevivência ou redução da letalidade dosconfrontos entre bandidos e policiais é uma prerrogativa queapenas o bandido tem. O favelado civil, ao contrário, não tempara onde ir, está condenado a ser o “efeito colateral” dessaguerra insana.

Michel Foucault60 demonstrou que o direito de “fazer viver edeixar morrer” é uma das dimensões do poder de soberania dosEstados modernos e que esse direito de vida e de morte “só seexerce de uma forma desequilibrada, e sempre do lado damorte”. É esse poder que permite à sociedade livrar-se de seusseres indesejáveis. Essa estratégia Michel Foucault nomeou debiopoder, que permite ao Estado decidir quem deve morrer equem deve viver. E o racismo seria, de acordo com Foucault, umelemento essencial para fazer essa escolha. É essa política deextermínio que cada vez mais se instala no Brasil, pelo Estado,com a conivência de grande parte da sociedade.

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CONSCIÊNCIANEGRA GLOBAL

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23Pós-Durban61

O Alto Comissionado das Nações Unidas para os DireitosHumanos realizou entre 1o e 3 de julho de 2002, na cidade doMéxico, o I Seminário Regional de Especialistas para a AméricaLatina e Caribe sobre o Cumprimento do Programa de AçãoAdotado em Durban, resultante da III Conferência Mundial contrao Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e FormasCorrelatas de Intolerância.

O seminário se deteve no aprofundamento e na formulaçãode recomendações aos Estados da região sobre oito temas parao cumprimento das disposições estipuladas por aquelaconferência relativas aos grupos específicos de vítimas deracismo e discriminação. Os temas tratados foram: planosnacionais para combater o racismo; administração da Justiça;capacitação e educação em direitos humanos; saúde e aids;emprego; políticas específicas para mulheres dos grupos

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vulneráveis e o papel das instituições internacionais financeiras ede desenvolvimento no combate ao racismo e à discriminação.

Dentre as recomendações e conclusões do seminário62,reiterou-se a necessidade de implementação dos PlanosNacionais de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial que“contenham políticas públicas em favor dos grupos vulneráveis”,entre eles os afrodescendentes, e que, “de maneira especial, selevará em conta a perspectiva de gênero, que em muitasocasiões produz discriminações múltiplas”.

Recomenda, ainda,

integrar a Plataforma de Durban, suas pautas e aspiraçõesnas metas de desenvolvimento e eliminação da pobrezaacordadas pela comunidade internacional nos objetivos domilênio. Os grupos-metas devem ser sujeitos de especialatenção na superação do déficit educativo, na melhoria daqualidade da educação; na diminuição dos níveis deincidência da aids, particularmente nas populaçõesafrodescendentes, e no aumento na participação dosgrupos excluídos em seu acesso a fontes de emprego.

Durante a década de 1990 foram definidas sete metas sobrediferentes aspectos inter-relacionados à pobreza que ajudam aatingir os objetivos do milênio até 2015. São elas:

Redução da proporção de pessoas vivendo em extremapobreza em 50%.Educação primária universal.Eliminação de disparidades de gênero na educação (2005).Redução da mortalidade infantil e da mortalidade dascrianças menores de 5 anos em 75%.

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Redução da mortalidade materna.Acesso universal a serviços de saúde reprodutiva.Implementação de estratégias nacionais para odesenvolvimento sustentado até 2005, de forma a reverteras perdas de recursos ambientais até 2015.

A Plataforma de Durban estabelece uma oitava meta,referente à redução ou à eliminação das defasagens raciais eétnicas antes de 2015, articulando as sete metas anteriores emrelação aos grupos discriminados.

O seminário solicita também ao Conselho Permanente daOrganização dos Estados Americanos (OEA) a criação daConvenção Interamericana contra a Discriminação Racial,sugerindo que “as agências das Nações Unidas e asorganizações multilaterais de desenvolvimento devem incorporarem seus relatórios anuais os progressos realizados no alcancedos objetivos do milênio e de seguimento da Conferência deDurban em relação aos grupos-metas”.

A realização desse seminário regional ratifica mais uma vez ocompromisso do Alto Comissionado das Nações Unidas para osDireitos Humanos com a proteção dos grupos discriminados ecom as metas de superação das desigualdades raciaisproduzidas pelo racismo e pela discriminação na América Latinae no Caribe. É também uma convocação aos Estados da regiãoa impulsionar decisivamente as medidas decorrentes daPlataforma de Durban.

Espera-se no Brasil o posicionamento de nossospresidenciáveis, no contexto de suas campanhas eleitorais e deseus programas de governo, em relação a essa agenda, postoque o cumprimento da Plataforma de Durban é um compromisso

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assumido pelo Estado brasileiro com a comunidade internacionale com a população afrodescendente do país.

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24Brasil, Estados Unidos

e África do Sul63

Aconteceu de 29 de maio a 1o de junho deste ano, na Cidade doCabo, África do Sul, o lançamento do relatório “Para além doracismo: abraçando um futuro interdependente”, que contou emsua abertura com a presença de Nelson Mandela.

Esse relatório é uma das várias publicações produzidas pelaIniciativa Comparada de Relações Humanas, um projeto daSouthern Education Foundation – sob a coordenação da dra.Lynn Huntley – que consistiu em um estudo comparativo que,durante quatro anos, investigou as relações raciais no Brasil, nosEstados Unidos e na África do Sul. O projeto foi desenvolvido emparceria com instituições brasileiras e sul-africanas e enlaçounessa tarefa pesquisadores, ativistas, personalidades, políticos emembros de governo, negros e brancos dos três países.

A iniciativa partiu das seguintes constatações a respeito doBrasil, dos Estados Unidos e da África do Sul de que todospossuem governo democrático; todos são poderosos

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regionalmente e em termos globais, e possuem recursoshumanos e financeiros significativos; todos têm populaçãodiversa racial, étnica e culturalmente; em todos pessoas dedescendência africana foram objeto de escravidão ousegregação por meio da lei e carecem de reconhecimento dedireitos iguais; em todos, parte desproporcional dos pobres sãopessoas de descendência africana ou não brancos; em todos háproblemas de relações intergrupo, que assumem variedade deformas em cada um deles; todos enfrentam o desafiocontemporâneo de tentar promover melhores relações intergrupoe desenvolver estratégias e políticas que possam alocaroportunidades para todos de maneira mais justa e com maiscredibilidade.

O projeto propiciou o aprofundamento e a análise crítica dosprocessos políticos de encaminhamento da questão racialnesses países: o movimento de direitos civis nos EstadosUnidos; a luta contra o apartheid na África do Sul; adesmistificação da democracia racial brasileira. Avaliou oimpacto do processo de globalização sobre as populaçõesnegras dos três países e a dimensão racial das novascontradições colocadas pela atual ordem econômica:feminização da pobreza, ampliação dos níveis de exclusãosocial; desemprego estrutural; flexibilização do mercado detrabalho; diminuição da rede de proteção social; xenofobia, entreoutros problemas. Examinou os diferentes estágios em que ocombate ao racismo se encontra nos três países e as prioridadespolíticas colocadas para cada um deles.

Os afro-brasileiros têm o desafio de conquistar políticaspúblicas que possam promover relações raciais igualitárias ereverter as desigualdades historicamente acumuladas; os afro-

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americanos que atingiram o maior grau de desenvolvimentoentre os negros da diáspora africana defrontam-se com anecessidade de enfrentar os limites das conquistas obtidas pelomovimento de direitos civis; os negros sul-africanos quederrotaram o apartheid e conquistaram o poder político de seupaís têm a missão de superar a desigualdade racial produzidapelo brutal regime sul-africano.

Esse estudo concentrou-se também em determinar ascondições necessárias para a criação de um círculo virtuoso demudança em contraposição ao círculo vicioso estabelecido pelashierarquias de poder com base em raça, gênero, cor eaparência, fixando como premissas básicas para a criação deuma sociedade para além do racismo: garantias legais deigualdade e medidas efetivas para eliminar a discriminação;promoção de oportunidades educacionais, econômicas,empresariais, de emprego e treinamento; participação política;solidariedade dos meios de comunicação para a eliminação deestereótipos; defesa intransigente dos direitos humanos;utilização da força das artes para atingir corações e mentes.

Por fim, a iniciativa diagnosticou as “tendências globais queestão atuando na moldagem do futuro [...] no qual normas deinclusão e interdependência serão necessidades econômicas epráticas”.

Com objetivos semelhantes, está em visita a várias capitaisdo Brasil, para encontros com órgãos governamentais eorganizações da sociedade civil, a advogada internacional GayMcDougall, diretora executiva do International Human RightsLaw Group e membro do Comitê para a Eliminação daDiscriminação Racial das Nações Unidas, uma das figuras maissignificativas da Conferência de Racismo convocada pela ONU

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para o próximo ano na África do Sul. Esses eventos indicam que,enfim, o problema racial brasileiro entrou na agendainternacional.

A primeira lembrança que tenho de Gay McDougall, essaextraordinária mulher negra defensora dos direitos humanos,internacionalmente respeitada, é de sua expressão de júbilo aoacompanhar Nelson Mandela no momento de seu primeiro voto,nas primeiras eleições gerais da África do Sul, resultado de umprocesso de luta e negociação pela derrubada do apartheid, noqual ela, entre muitos, teve significativa participação. Que a visitade McDougall a nosso país seja o prenúncio de novos emelhores tempos para os negros brasileiros.

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25Hoch lebe Zumbidos Palmares64

Não, caro leitor, não é o samba da crioula doida, não. O títuloacima significa “Viva Zumbi dos Palmares” em alemão.

No ano passado escrevi nesta coluna que Zumbi cada vezmais se espraiava, ganhando o mundo e o reconhecimento quepor muito tempo a história oficial lhe negou no Brasil. Ei-lo agoraem Berlim, provocando mais uma jornada cultural dos afro-brasileiros aqui residentes.

Como em Palmares, e como também é de sua natureza e desua história, eis Zumbi juntando comunidades, facilitandodiálogos entre afro-brasileiros, afro-alemães, judeus, turcos,africanos, todos empenhados em construir pontes que permitamum agir em concerto na luta antirracista.

Sob a coordenação de Wagner Carvalho, um dos mais ativosagentes culturais afro-brasileiros aqui residentes, e com o apoioda Werkstatt der Kulturen (Oficina das Culturas) do Senado deBerlim e da Fundação Heinrich-Böll, realiza-se nesse momento o

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Blequitude Berlin – programa de informação e diálogo emhomenagem a Zumbi dos Palmares, uma semana de discussõese troca de experiências sobre o trabalho antirracista no Brasil ena Alemanha.

O tema do racismo é objeto de permanente debate por aqui.Está na mídia, nas ruas, nas universidades, em peças de teatropara adolescentes. As múltiplas vozes se fazem presentes, e aluta antirracista parece parte integrante da agenda política dasforças progressistas da sociedade. O que faz toda a diferençaem relação ao processo brasileiro.

A comunidade turca, a maior entre as minorias da sociedadealemã, por meio da Confederação Turca em Berlim-Brandenburgo (Türkischer Bund Berlin Brandenburg), luta contrao racismo e a hostilidade a estrangeiros e pela igualdade dedireitos em relação aos alemães, pois grande parte deles énascida em solo alemão e se autodenomina turco-alemão oualemão-turco.

Informa-nos Kenan Kolat, o seu secretário-geral, que oproblema do racismo apresenta três características básicas: aque advém das diferenças nos direitos de cidadania, sobretudopara imigrantes; a violência racial física ou verbal; e asmanifestações de racismo latente, que se traduzem no acessodesigual às oportunidades sociais, especialmente no mercado detrabalho. Como se vê, nesse caso, o Brasil apresenta padrõesde primeiro mundo, o que me faz sentir em casa por aqui.

Na comunidade judaica, nos informa seu representante,Moshe Waks, são discutidas formas de lidar com oantissemitismo dos últimos tempos. Mas há confiança nadisposição do Estado alemão em não permitir o retorno doantissemitismo como política oficial do Estado alemão; por isso,

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o fato de, apesar do latente sentimento antissemita, aexperiência democrática dos últimos 50 anos da sociedadealemã mostrar-se capaz de isolar politicamente essa tendência écelebrado: um político importante do Partido Liberal tentoucapitalizar politicamente o antissemitismo. Consequentemente,seu partido não foi bem-sucedido eleitoralmente e nãoultrapassou 7% dos votos nas últimas eleições, quandoesperava alcançar cerca de 18%.

Os refugiados lutam por direitos específicos que facilitem aintegração, o direito de ir e vir, o acesso ao trabalho e aoaprendizado da língua alemã. Mulheres negras africanas eafrodescendentes lutam para sair do isolamento político ealcançar reconhecimento de sua condição específica. Afro-alemães recusam ao mesmo tempo cidadania de segundaclasse que têm em relação ao alemão branco e o status superiorde que desfrutam em comparação com outros afrodescendentespor serem cidadãos alemães.

Há um exercício permanente e vibrante de ação antirracistano contexto de uma conjuntura econômica adversa, que alimentasentimentos latentes de intolerância racial, étnica e religiosa, aosquais o Estado procura responder com campanhas educativasde combate ao racismo, evitando a impunidade dos crimesraciais e reparando as condutas discriminatórias.

Entre as recentes conquistas das comunidades destaca-se alegislação que reconhece a Alemanha como um país deimigração, fato que tem por consequência a aceitação e oreconhecimento de todos esses grupos étnicos comopertencentes à nação alemã. A lei que vai definir isso está emtramitação. Outro passo importante rumo à integração desses

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grupos é a atribuição da cidadania alemã a todas as criançasnascidas em solo alemão a partir de 1o de janeiro de 2000.

É sem dúvida um processo difícil e cheio de contradições,cujo mérito fundamental é o fato de ninguém fugir ou negar aexistência do problema e, mesmo que penosamente, buscarmaneiras de equacioná-lo. Nesse ponto ainda temos muito queavançar no Brasil.

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26Genebra65

“As vítimas do racismo, da discriminação racial, da xenofobia edas formas conexas de intolerância esperam que as decisõesque adotem os Estados produzam mudanças reais em seusdestinos.”

São palavras da alta comissária para os Direitos Humanos,Mary Robinson, em 21 de maio de 2001, nas Nações Unidas emGenebra, em discurso de abertura da segunda sessão doComitê Preparatório da III Conferência Mundial contra oRacismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e FormasCorrelatas de Intolerância (PrepCon), que ocorrerá em Durban,África do Sul, em setembro deste ano.

O objetivo desse segundo PrepCon era produzir e aprovar aproposta de Declaração e o Plano de Ação em Durban, tendopor base os documentos elaborados na primeira reunião doComitê Preparatório e os insumos das conferências regionais

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preparatórias da Conferência Mundial, ocorridas nas Américas,na Ásia, na Europa e na África.

Doze dias após a abertura dos trabalhos, a lentidão, asmúltiplas formas de emperramento, a ausência de vontadepolítica para buscar consensos sobre os pontos em debateevidenciavam uma ação deliberada dos Estados mais poderosospara fazer naufragar a conferência.

O que está em jogo? Há certo consenso de que aconvocação dessa conferência atendia em especial àsnecessidades de equacionamento de problemas decorrentes daxenofobia, da imigração e de conflitos étnicos presentes,particularmente no continente europeu.

No entanto, as conferências regionais, em particular a dasAméricas, da África e da Ásia, fizeram emergir com força novosatores políticos com diferentes demandas que colocam,sobretudo para os países ricos do Primeiro Mundo, uma extensafatura, resultado de dívidas históricas que não lhes interessareconhecer.

Confluem para essa conferência os excluídos de todos osmatizes: africanos e afrodescendentes das Américas e daEuropa, que exigem o reconhecimento do tráfico transatlânticocomo crime de lesa-humanidade, do que decorre a exigência dereparações aos países africanos espoliados pelo tráfico e aosdescendentes de africanos da diáspora. Indígenas reivindicam,entre outros temas, o direito à autodeterminação de seusterritórios. Mulheres afrodescendentes e de outros gruposétnicos buscam introduzir nos documentos a intersecção degênero e raça como potencializadora das formas de exclusãoproduzidas pelo racismo, pela discriminação e pela intolerância

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sobre as mulheres, do que decorre a urgência de políticascorretivas. E a Ásia, de quebra, introduz a questão palestina.

A complexidade das questões debatidas nessa conferência, aresistência dos Estados para fazer avançar a sua agenda e adificuldade de obter consensos põem em evidência a magnitudede problemas que o racismo, a discriminação racial, a xenofobiae a intolerância colocam para o mundo.

Tratados como temas periféricos em muitas nações, como noBrasil, o cenário de Genebra revela que em esfera global oulocal essas questões estão no âmago da maioria dos desafios domundo contemporâneo, em especial no que concerne àrealização da inclusão social, da democracia e do princípio daigualdade entre os seres humanos.

As resistências mencionadas para fazer avançar a agendadeterminaram a necessidade de realização de terceira PrepCon,que ocorrerá de 30 de julho a 10 de agosto, também emGenebra. Essa decisão compromete, talvez intencionalmente, acapacidade de ampla participação da sociedade civil parapressionar as delegações oficiais pela inclusão dos seus temasem função da escassez de recursos disponíveis para essa novae não prevista jornada.

Mas, apesar de tudo, há muito também o que festejar noretorno do segundo PrepCon. São conquistas importantes, emespecial para os afrodescendentes das Américas, que saíram deseus países com a missão de assegurar as conquistas e oreconhecimento alcançados na Conferência das Américas,ocorrida em dezembro último, em Santiago do Chile, e lograramter no Grupo dos Países Latino-americanos e Caribenhos(Grulac), do qual o Brasil é membro e um dos líderes, umempenhado defensor porta-voz das proposições de

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afrodescendentes e indígenas que entraram em consenso emSantiago. Pode-se destacar também a consolidação, dentro dadiplomacia brasileira, da compreensão da justeza dessa causa eo porquê de ela ser defendida em ação conjunta com asociedade civil brasileira. E, sobretudo, a articulação em escalaglobal dos africanos e afrodescendentes das Américas e daEuropa que, em três reuniões históricas, de reencontro dessespovos, acordaram os seguintes pontos a serem defendidos emDurban e pós-Durban: a condenação do tráfico transatlânticocomo crime de lesa-humanidade; a adoção de medidas dereparação aos povos africanos e afrodescendentes; oreconhecimento das bases econômicas do racismo; a adoção depolíticas corretivas por parte dos Estados nacionais; a escolhade políticas de desenvolvimento para comunidades ancestrais; aadoção de políticas específicas para mulheres africanas eafrodescendentes; a adoção de medidas de combate aos nexosentre racismo e pobreza; a adoção de mecanismos contra oracismo no sistema penal e a reforma dos sistemas legais; aadoção de medidas contra a discriminação e múltiplas formas deopressão por orientação sexual, raça, cor e origem nacional, ede medidas contra o racismo ambiental66.

Uma plataforma de luta para a organização política deafricanos e afrodescendentes em escala mundial é um bomcomeço de milênio.

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27Os retornados67

Primeiro chegou a cruz. Em seu nome os teólogos do século XVIjustificaram a escravidão sob o argumento de que o africano eraum homem que não tinha religião, mas superstições; não tinhalíngua, mas dialeto; não tinha arte, mas folclore.

Depois veio a ciência. A construção das noções deinferioridade e de superioridade dos povos, com ápice noracialismo do século XIX, constituiu-se em um longo acúmuloteórico de diferentes disciplinas, em especial as ciências naturaisno que concernem à classificação e à diferenciação dos homens,em regra com base nos conhecimentos da botânica e dabiologia, transportados para a espécie humana.

O que estava em questão eram as necessidades declassificar, compreender, identificar, catalogar a diversidadehumana, a alteridade, ou seja, o outro. À inquietude em relaçãoà diversidade da natureza corresponderá a inquietude emrelação à diversidade humana.

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Os que aqui chegaram presos a grilhões, após uma viagemsinistra, na qual o pior dos males foi sobreviver, perderam ahumanidade e foram reduzidos à condição de instrumento detrabalho de outros seres, autodefinidos como superiores, queagora retornam. Eles vêm de todos os estados do Brasil,compondo uma representação simbólica de todas as etniasafricanas aqui desembarcadas. Após quase quinhentos anosretornam como sobreviventes das trevas em que forammergulhados pelo pesadelo colonial. Retornam como credoresde uma dívida histórica que a história contada pelo agressorprocurou fazer caducar. Retornam, de escravos a portadores deuma missão civilizatória, pelo que carregam, inscritos em suasalmas e corpos, da barbárie que o simulacro de civilização foicapaz de praticar. Os condenados da terra retornam à terra-mãe.Durban, neste momento, é porta de entrada de um reencontrocoletivo esperado há cinco séculos. Na África do Sul está osímbolo da luta e opressão de todos os africanos eafrodescendentes.

Emoção, lágrimas, nostalgia do não vivido, transe de umethos africano persistentemente incrustado nesses serescolonizados. São como crianças que há muito tempo foramarrancadas do seio de suas mães, mas permaneceramsonhando com sua imagem, mesmo cada vez mais difusa;sentindo o seu cheiro e ouvindo ecoar dentro de si algoclamando por sua presença.

Nesse imaginário de desterrados, a busca incessante do eloperdido entre um mítico ser africano guardado, em cada um, aolongo desses séculos, e um não ser instituído pela escravidão,pelo racismo e pela discriminação. Dessa agonia emergemesses combatentes, homens e mulheres credores dessa dívida

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histórica, que exigem o reconhecimento de sua humanidadelesada e as reparações que lhes são devidas e a seusancestrais. Durban transformou-se no desaguadouro dasdemandas e aspirações das vítimas do racismo de ontem e dehoje.

Na abertura do fórum de ONGs que precede a III ConferênciaMundial contra o Racismo, duas mulheres se destacam: a altacomissária das Nações Unidas e uma integrante do ComitêOrganizador do Fórum de ONGs. Uma branca e uma negra quetêm em comum, além do fato de serem mulheres, opertencimento àquela parte da humanidade que abjura todas asformas de violação dos direitos humanos. Em sua saudação aosdelegados das ONGs, a alta comissária afirmou: “Algo começaem Durban. Tem sido um longo caminho para um novo começo[...] para corrigir os erros dos séculos anteriores”.

A africana integrante do Comitê Organizador, por sua vez,declarou: “Esta conferência nos traz uma enorme esperança euma forte crença na capacidade de a espécie humanareconstruir e reconciliar as omissões do passado, já que a únicacoisa que o racismo e a intolerância geraram ao longo da históriaforam destruição, genocídio e sofrimento”.

Por fim, falou o presidente da África do Sul. O jornal SemColchetes, a voz da América Latina e do Caribe em Durban,assim descreveu a emoção que cercou o contexto de sua fala:

Thabo Mbeki, presidente da África do Sul, dirige apalavra ao mundo. Em torno de si permanecem sentadosos homens e as mulheres, ornamentados com seus trajestradicionais, que protagonizaram minutos antes umespetáculo no qual fluíram a cultura e a história de seupovo. É a voz de um continente humilhado e ofendido, mas

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pleno de dignidade e esperança, e também a voz dosdiscriminados do mundo que fala por sua boca nestehistórico 27 de agosto de 2001, em que se inicia o Fórumde ONGs que precede a III Conferência Mundial contra oRacismo.

Os retornados do Brasil apresentam as suas credenciais deafrodescendentes ao líder sul-africano, tendo como porta-vozseu representante mais legítimo, Abdias Nascimento, força ehonra de nossa gente.

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IGUALDADERACIAL

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28Um Brasil para todos68

O Plano plurianual 2004-2007 elaborado pelo governo coloca emsuas primeiras linhas que tal plano

está sendo construído para mudar o Brasil. Vai inaugurarum modelo de desenvolvimento a longo prazo, para muitoalém de 2007, destinado a promover profundastransformações estruturais na sociedade brasileira. [...] Éuma peça-chave do planejamento social e econômico dogoverno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.69

Apesar da intenção inovadora, os elementos de resistênciachamam a atenção. O primeiro diz respeito à invisibilidade degênero e raça na concepção das políticas sociais desse PPA,embora essas variáveis apresentem-se de forma inequívoca nosdiagnósticos sobre as desigualdades sociais no Brasil. Oministro José Graziano diz com frequência que de dez pessoasfamintas no Brasil oito são negras.

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Antes dele já dizia o ex-ministro da Educação Paulo Renatoque “pobreza tem cor no Brasil, e é negra”. Fernando HenriqueCardoso, por sua vez, dizia que o ápice da exclusão social noBrasil estava representado em uma mulher negra, chefe defamília, trabalhadora rural das regiões Norte ou Nordeste dopaís. Na mesma direção, diferentes diagnósticossocioeconômicos apontam o fenômeno da crescentefeminização da pobreza.

De acordo com o documento “Desenvolvimento com justiçasocial: esboço de uma agenda integrada para o Brasil”70,

os indicadores sociais da desigualdade racial sãocontundentes e estáveis. Nesse sentido, impõe-se ainiciativa política de levantar o manto do silêncio em tornoda falsa democracia racial brasileira e expor o debatefranco acerca do racismo e suas implicaçõessocioeconômicas. [...] Esses pobres e miseráveis são,sobretudo, crianças e negros. São os que continuam, emgrande parte, invisíveis aos olhos dos formuladores e dosgestores das políticas sociais. São os que precisam setornar o foco das políticas sociais. [...] São esses, portanto,os pobres invisíveis que precisam ser trazidos à luz eimpostos à consciência moral da nação. São o coração doprojeto de desenvolvimento [...].

Assim posto, um Brasil para todos que aspira a profundastransformações estruturais tem de romper, em seu planejamentoestratégico, com os eufemismos ou silêncios que historicamentevêm mascarando as desigualdades raciais e consequentementepostergando o seu enfrentamento. A absoluta maioria dos

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excluídos tem cor e sexo, e a política social tem de expressaressas dimensões.

utra questão é que, embora a proposta do PPA sejaabrangente e ambiciosa em seus objetivos, é econômica emrelação aos resultados ou metas a serem alcançadas. Segundoo documento do Iets já citado,

a definição de metas é absolutamente central para orientaras ações públicas e estabelecer critérios para o controlesocial [...]. As metas devem referir-se, de forma integrada,tanto a indicadores sintéticos, como o Índice deDesenvolvimento Humano (IDH) ou o Índice de Condiçõesde Vida (ICV), como a indicadores específicosdesagregados (por exemplo, taxa de mortalidade, taxa deanalfabetismo, defasagem série-idade na escola, oferta deserviços públicos e acesso a eles, probabilidade de mortepor violência etc.).

Nesse sentido, a proposta do PPA é também silenciosa anteos compromissos já assumidos pelo Estado brasileiro com asmetas internacionais de desenvolvimento acordadas nasConferências da ONU da década de 1990, que estabelecem ummarco temporal de até 2015 para que sejam alcançadas (veja asmetas no artigo 28. “Pós-Durban”).

Não custa relembrar que a Conferência contra o Racismoocorrida em Durban estabeleceu uma nova meta, referente àredução ou eliminação das defasagens raciais e étnicas antes de2015.

O governo brasileiro vem envidando todos os esforços paraassegurar a confiança internacional nos compromissos relativosà esfera macroeconômica. Espera-se dele o mesmo empenho

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pelos compromissos sociais e de desenvolvimento humanoacordados internacionalmente. Para isso, basta incluí-los entreos objetivos e metas desse PPA.

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29Pela igualdade racial71

Notícias auspiciosas dão conta de que o novo governo,distanciando-se do rolo compressor articulado na sociedade afim de barrar o progresso das políticas públicas voltadas paraalterar o padrão de desigualdades raciais instituído no Brasil,pauta-se com sensibilidade e vontade política. Trabalha com oobjetivo de realizar uma das missões superiores do Estado:assegurar a igualdade de direitos e oportunidades a todos sobsua guarda. Reconhece, sem medo, as injustiças ediscriminações históricas sofridas por segmentos raciais e buscamecanismos capazes de interromper a saga de exclusão de uns,em que se sustentam tantos privilégios ou tratamentopreferencial de que gozam outros em nossa sociedade. Sabe ogoverno que, se a sociedade é racista, o Estado Democrático deDireito não pode sê-lo, seja por ação, seja por omissão.Portanto, é preciso agir sobre os mecanismos que perpetuam a

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exclusão de base racial. O Estado não pode compactuar com osprocessos de exclusão racial renitentes.

É essa determinação que se depreende de duas importantesdecisões do governo federal. A primeira está prevista no Decreton. 3.296/99, inciso III do art. 2o, que “trata das providênciasnecessárias às ações publicitárias do poder Executivo Federal,que deverão contemplar a diversidade racial brasileira sempreque houver o uso de imagens de pessoas”.

É uma medida que atende a reivindicações históricas domovimento negro e dos afrodescendentes brasileiros em relaçãoao direito à imagem, sempre minoritária ou inexistente napublicidade nacional. Impera aí um imaginário social em que aloirização se tornou o ideal de ego da sociedade em detrimentode sua realidade racial, majoritariamente negro/mestiça,extirpada ou estereotipada, reiteradora do que já se tornou lugar-comum dizer: a imagem da sociedade brasileira projetada nosveículos de comunicação de massa em geral e na publicidadeem particular assemelha-se à de um país escandinavo.

No entanto, apesar da evidência inconteste da imposiçãoautoritária e racista da brancura como modelo estéticoprivilegiado de representação humana, em especial nos veículosde comunicação de massa, encontram-se vozes poderosascapazes de reagir a essa medida. Taxam-na de “oficialização dadiscriminação” pela exigência que ela contém de representaçãoda diversidade racial (que compõe este país), nas peçaspublicitárias do governo. Na televisão holandesa existem dozeâncoras negros. No Brasil, a presença de apenas um, nocomando eventual do Jornal Nacional, tornou-se fato históricopelo ineditismo.

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A primeira vez que vi uma mulher negra na capa de umarevista foi na Alemanha, em 1989. No Brasil, país com a maiorpopulação negra fora da África (quase 50% da população), issocontinua fato raro. Os detratores dessa medida esperam que ogoverno se mantenha inerte diante da exclusão, contribuindopara eternizar o tipo de “democracia racial” que esses setores,desde o pós-abolição, efetivamente desejam para o país:projetem-se os brancos e escondam-se ou eliminem-se osnegros.

A segunda decisão do novo governo que cabe registrar é odecreto de 10 de março de 2003 da Presidência da República,que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar aproposta para a criação da Secretaria Especial de Promoção daIgualdade Racial. Conforme promessa do presidente Lula, oórgão será inaugurado em 21 de março, Dia Internacional deLuta contra a Discriminação Racial. Uma providência que atendea compromissos nacionais e internacionais do país de combateao racismo e à discriminação racial. Essa secretaria terá pormissão institucional, segundo o decreto, articular uma políticanacional contra o racismo e promover a igualdade racial.

Espera-se que o ato de sua criação seja também ummomento de reconhecimento da militância negra, que,historicamente, vem contribuindo para a construção do Partidodos Trabalhadores, mediante formulação de uma políticacontrária ao racismo no Brasil, bem como para o processo detransição do governo e, enfim, com o projeto político quelegitimamente conquistou o poder.

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30Fora do lugar72

A revista Tudo73 fez um teste comparativo sobre o estágio emvigor de nossa democracia racial, em novembro deste ano,buscando atualizar experiência semelhante realizada em 1967pela revista Realidade e em 1990 pela revista Veja. Como nasanteriores, foram convidados três jornalistas, um negro, umbranco e um oriental, para se passar por consumidores em“estabelecimentos comerciais dos Jardins, em São Paulo, redutode lojas de grife, restaurantes caros e hospitais de primeiralinha”, para identificar diferenças de tratamento. Foramescolhidos estabelecimentos situados nas mesmas ruas e comas mesmas características dos testes anteriores. Os trêsjornalistas convidados usavam roupas do mesmo estilo, eadotaram como ordem de entrada nos recintos em primeiro lugaro negro, seguido pelo oriental e, por último, sempre o branco.

Na primeira situação, em um restaurante de alto padrão, aojornalista negro que esperava no balcão por uma mesa, foi

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sugerido: “Você não prefere escolher o seu prato e ser servidoaqui mesmo?”

Embora ele tivesse chegado antes, a primeira mesa quevagou foi oferecida ao seu colega oriental, que chegara depois.Ao término da refeição, o garçom preocupou-se em perguntar aonegro se ele necessitava de nota fiscal, o que não lhe ocorreuperguntar aos demais, e, por fim, “os três pediram café depois deacertar a conta, mas apenas o negro pagou R$ 3,50 pelabebida”.

Na segunda situação, em uma loja de grife famosa, o repórternegro que estava sendo atendido pela vendedora foi, segundo arevista Tudo, “abandonado às moscas” assim que o jornalistabranco entrou. Ao oriental, depois de experimentar várias peçassem nada comprar, foi oferecido um “cafezinho em um salãoanexo à loja”, o que obviamente não ocorreu com o clientenegro.

Na terceira situação, em uma maternidade muito conceituada,uma série de dados que foram oferecidos ao jornalista oriental eao branco foram simplesmente omitidos do negro, tais como: aoferta, pela maternidade, “de curso especial para gestante, kit-envelope informando todos os serviços da maternidade [...] eque o hospital disponibilizava um enxoval, sem custos, para obebê”.

A primeira ideia que se defende diante desses casos é a deuma suposição generalizada de que os negros não dispõem depoder aquisitivo para pagar serviços de qualidade, posto queestá incrustado no imaginário social que eles são, em geral,pobres. Então estaríamos ante uma situação de discriminaçãode classe social, embora os três apresentassem,intencionalmente, os mesmos símbolos de status.

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No entanto, a interferência da raça e da cor no tratamentodiferenciado se revela em uma das “pérolas” colhidas pelosjornalistas no restaurante. Um dos clientes que esperavam pormesa comenta com outro: “A gente aqui esperando que nembobo e o crioulo ali sentado na mesa belo e folgado com umcopo de cerveja. Dá pra acreditar?” E mais, diz o cliente: “Nem oPelé está mais com essa moral toda. Vocês viram a pisada debola do negão?”

A frase não deixa dúvida sobre o saudosismo da “senzala”,sobre a certeza de que aquele negro está “fora de lugar”,ocupando o de “outro”, o legítimo, tornado “bobo” por ter deesperar uma mesa, enquanto um negro desfruta de outra.

Uma frase exemplar que revela, na sua simplicidade, toda alógica explicativa das desigualdades raciais e as “dificuldades”presentes no debate sobre as ações afirmativas: a ideiainsuportável de ter de socializar com negros a espera e o acessoàs mesas dos melhores restaurantes, escritórios, universidadesetc.

Em duas das três situações descritas há um rito – o docafezinho, cortesia da casa – para clientes preferenciais. Emuma das situações a bebida não é oferecida; em outra, cobra-sedo negro uma multa simbólica, por estar ele “fora de lugar”.

A racionalidade que governa as relações de consumo, emque cada indivíduo é um consumidor em potencial, nãoimportando a cor ou origem do seu dinheiro, desde que ele sejasuficiente para pagar o bem desejado, se fragiliza, naintersecção com a raça e a cor, renunciando à liturgia quecompõe o assédio ao consumidor, o que revela que, em certascircunstâncias e para determinados círculos sociais, apossibilidade de contágio daqueles espaços e daqueles

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produtos, pelo estigma que envolve o negro, representa ônussuperior à perda desse consumidor. O bem superior que sepretende preservar é a identidade daqueles espaços e produtoscom um ideal de ego dos clientes, de pertencimento a um grupode privilegiados, seres superiores, detentores do direito àsmelhores coisas do mundo. Como no caso da mulher de César,não basta ser rico, – tem também de parecer, encarnar arepresentação idealizada do consumidor de alto padrão, emrelação à qual os atributos da negritude, para muitos, não têmcorrespondência inconciliável.

Há, portanto, espaços em que os negros não são desejados,nem como consumidores, nos quais operam os elementos deresistência determinados pelo estigma; é algo externo, não é dapessoa, mas anterior a ela. O medo do contágio do estigmaexpulsa os negros sutil ou violentamente dos espaços, tambémestigmatizados, como privativos dos brancos, em especial osdas classes superiores.

Acredita-se que, no Brasil, é possível tornar-se branco ounegro dependendo da conta bancária. As situações relatadasrevelam apenas a tolerância oportunista com que são tratadosalguns negros que alcançaram prestígio e poder, mas, ao menorvacilo, são mandados de volta para a senzala.

Alguém já nos alertou que a mudança de paradigma exige umnovo olhar. A transformação dessas imagens negativas queaprisionam os negros requer a emergência de um novoparadigma que subverta essa ótica discricionária, que cega aética e desfoca o olhar.

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TEMPOPRESENTE

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31At last74

O imaginário racista que povoa as representações sobre o negrocomumente propõe imagens estigmatizadoras das famíliasnegras. Em geral, essas representações reiteram a visão deanomia das famílias negras. Ou, como no caso do Brasil, soma-se a essa representação a valorização, quase como uma formade imposição, da imagem de casais que se prestam a referendara ideologia da miscigenação como paradigma privilegiado dasrelações raciais exaustivamente utilizados por nosso mito dedemocracia racial. Esses clichês não deixam espaço para avisibilidade desses modelos de famílias negras que a era Obamatraz à luz.

Especialistas norte-americanos das áreas de propaganda emarketing comentam sobre a mudança de paradigma imposta acom a ascensão de uma família negra à condição de first familye o impacto dessa novidade sobre os parâmetros consagradosde representação familiar; essa inflexão impõe mudanças nos

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critérios estabelecidos, segundo os quais o modelo de famíliaseria sempre e somente o da família branca. Diante da novarealidade, percebem que, ainda que seja apenas a bem dosnegócios, “têm de mudar os seus conceitos” e, sobretudo, osseus produtos.

Ele diz que ela é a rocha da família. Ela não desmente; aocontrário, afirma ter como prioridade ser primeira-mãe ou mãe-em-chefe, e não assessora ou conselheira política do presidenteeleito, e sim sua esposa. E, como tal, e dado o seutemperamento, segundo dizem, não hesitaria em fazê-lo lavar alouça após o jantar familiar, mesmo na Casa Branca.

Anos atrás escrevi que os arquétipos que povoam a nossatradição religiosa são prenhes de femininos que não se limitamaos arquétipos de outros sistemas de crenças nos quais asmulheres são categorizadas entre as santas e as nem tanto, dasquais a Virgem Maria e Maria Madalena se tornaram os grandesestereótipos. Nas religiões de matrizes africanas, as deusasatravessam esses estreitos limites instituídos para o feminino.Elas são portadoras de características complexas, carregamambiguidades que lhes permitem transitar entre a feminilidade ea virilidade sem deixar de ser ao mesmo tempo mães dedicadase amantes apaixonadas. E as mulheres que as inspiraram assimo são, porque creio que inventamos os nossos deuses e deusasà nossa imagem e semelhança.

Os processos históricos acentuaram essa propensão:mulheres negras escravizadas à mercê de colonizadores quedestituíram seus homens da condição de provedores eprotetores tiveram de contar consigo mesmas e inventar formasde sobrevivência para si, suas famílias e, muitas vezes, também

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para seus homens. Fizeram de tudo nas casas grandes, nassenzalas e nas ruas, e graças a elas aqui estamos.

Michelle Obama é herdeira dessa experiência histórica comoo são todas as mulheres negras que perseveram mundo afora.Mas, como as deusas negras, Michelle Obama não deixatambém de expressar o outro lado da rocha, que se revela acada toque de seu companheiro, que, com gestos sutis, porémcarregados de sedução, faz emergir sua face apaixonada naqual se misturam encantamento e embaraço com ademonstração pública de afeto e admiração do parceiro.

Assim, ao som de At last, interpretado por uma Beyoncévisivelmente emocionada, pelo momento mágico a que tinha oprivilégio de assistir tão de perto, o “primeiro-casal” exibiupublicamente amor, romantismo, sensualidade, traços dehumanidade que os rígidos protocolos recomendam suprimirdessas ocasiões. Há décadas o MNU realizou uma campanhaque tinha por slogan “Beije sua preta em praça pública”. Umapalavra de ordem plenamente realizada por Barack Obama,aquele cuja “pegada” é capaz de derreter uma “rocha”.

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32Mandela, Buscapé

e Beira-Mar75

As identidades de classe e de raça permitiram que ascontradições que opuseram no passado recente setores daclasse média e dissidentes das elites ao regime militar fossemsuperadas. Militantes de esquerda, democratas sinceros,terroristas que combateram a ditadura tornaram-se senadores,ministros, deputados etc. Os demais, vivos ou mortos, foramanistiados e indenizados. Um ato de justiça e reparação. Eles,de fato, travaram o bom combate. No entanto, o povão – classee raça subalternas – permaneceu onde sempre esteve, isto é, àmargem do poder e de suas benesses. O povo pacífico etolerante, que acredita ainda hoje no “Brasil, ame-o ou deixe-o”,continuou punido com o abandono social. Nenhuma recompensapor tanta cordialidade e resignação.

“Quem não chora não mama.” Quem não se rebela nãomerece respeito. Quem não luta em defesa de seus interesses

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não é digno de ter poder. É o que expressa o desprezo das elitespor esse povo.

Beira-Mar e outros como ele entenderam a mensagem, masestão construindo um novo paradigma para os do “andar debaixo”. Nada de revolução nem de ideologia racial ou de classe.O niilismo burguês adquire nele releitura popular.

Sua imagem arrogante diz para uma massa jovem edespossuída que é possível chegar lá: tornar-se umacelebridade escoltada por dezenas de carros e homens, comdireito à “luz, câmera, e ação”; ter poder de mando e denegociação mesmo encarcerado. Desfrutar de pijamas de seda,salmão, picanha, babá para os dez filhos, celulares a granel eum batalhão de advogados e subordinados. Esbanja poder etripudia das estruturas que historicamente tripudiam de genteque vem de onde ele vem.

Renunciou à cesta básica da solidariedade, às políticascompensatórias, às esmolas que aplacam consciências,controlam a indignação e domesticam a revolta. Deixou para trása fase romântica do crime organizado em que barões do jogo dobicho e das elites emprestavam prestígio uns aos outros, diantedos dois mundos, desfilando abraçados na Sapucaí.

Filho dos tempos atuais, Beira-Mar, adepto do livre mercado edo unilateralismo, sabe que hoje, em qualquer concorrência,impera apenas a lei do mais forte. E que o “respeito” conquistadoserá proporcional à crueldade aplicada aos inimigos. O que maisse pergunta nas ruas é por que ainda não o mataram. Insinua-seque sua vida tornou-se preciosa para muita gente que tem nomee sobrenome, não apenas apelido. Ele aprendeu, à sua moda, osentido da “política de alianças”.

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Como candidato ao posto supremo do crime organizado,sabe que deve assegurar uma política de geração de renda eempregos; que para conquistar e manter o poder é preciso, alémda força bélica, uma política eficiente de “persuasão” capaz dedestruir inimigos física ou moralmente. Entendeu que o inimigode hoje pode ser o aliado de amanhã, e que é preciso pouparalguns do campo adversário que podem, no futuro, facilitar asalianças, indispensáveis para assegurar, sob um comando único,a governabilidade do sistema do tráfico.

Nesse caldo de cultura correm soltas as divagações sobre ofilme Cidade de Deus, que não vi, mas sobre o qual li muito. Oque mais impressiona nas reações ao filme é o “choque” derealidade provocado pela ficção. Hipocrisia? Alienação? Dentreas opiniões previsíveis, gosto especialmente de formulaçõescomo esta, de um espectador, registrada nesse jornal: “O filmemostra que é possível conviver com o crime semnecessariamente fazer parte dele”. Essa é a aposta que ogoverno tem feito para manter políticas de exclusão e também asociedade para justificar sua indiferença: os bons sempresobreviverão na retidão, os maus sucumbirão ao pecado. Umaespécie de darwinismo de matriz religiosa.

A complexidade que o crime organizado estabeleceu nasrelações sociais em que se combinam, de um lado,promiscuidade e corrupção entre marginalidade e poder públicoe, de outro, atemorização e ausência de opção para ascomunidades sob o controle do tráfico, exige muito mais do queprofissão de fé para que os Buscapés da Cidade de Deus não setornem amanhã Fernandinhos da Beira-Mar.

Mandela dizia que só homens livres negociam e que sualiberdade era a liberdade de seu povo. Ele não previa o que o

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destino reservava a si, um homem encarcerado.A emergência de lideranças da estatura de Mandela foi “uma

oportunidade histórica suprimida” no Brasil, expressão cunhadapor Barrington Moore Jr.76. O preço dessa decisão é a sociedadeter crescentemente de negociar com “gente” como FernandinhoBeira-Mar.

Uma escolha, no mínimo, trágica.

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33Barbárie77

Até há pouco tempo se sabia, com base na experiênciacotidiana, quem eram, em geral, as vítimas da violência: negros,pobres, moradores das periferias, reféns da dinâmica daviolência estrutural em que coadjuvam policiais corruptos, gruposde extermínio e controladores do tráfico de drogas. O crime desequestro também tinha um padrão claro: atingia pessoas dasclasses dominantes. O caráter endêmico que a violência vemassumindo, estimulada pela omissão do poder público, alcançahoje, além dos de sempre, pobres remediados e diferentesextratos das classes médias, muitos dos quais se veemobrigados a vender um carro velho, sua moradia, ou endividar-separa salvar a vida de um parente que está nas mãos decriminosos.

O mais chocante e desesperador é a evidência de que oshomens públicos, responsáveis pela nossa segurança, semostram tão perplexos e desorientados quanto a própria

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população indefesa. Planos propostos não são executados equando o são mostram-se ineficazes.

Acreditou-se que essa violência ficaria confinada, no bordãode Elio Gaspari, ao “andar de baixo”, limitando-se ao extermíniodos que, de fato, já agonizam socialmente, na miséria, napobreza e na desesperança. Na ausência de projetos deinclusão da “gentalha”, a indiferença e a impunidade diante daeliminação física que os abate são correlatos do abandono socialem que estão imersos. E supôs-se que seria possível“administrar” casos eventuais que envolvessem os do “andar decima”, para os quais é preciso dar satisfações à opinião públicae, portanto, aplicar as técnicas rigorosas de investigação,identificação e punição de criminosos.

A indiferença que cerca a violência de que são vítimas ossegmentos excluídos da cidadania, aliada à impunidade de seusautores e dos setores abastados pelo próprio crime, permitiu quea articulação da marginalidade de “baixo” com a de “cima”instituísse novos e diversificados padrões de violência queameaçam a todos. Poderes paralelos aos do Estado de Direitose instituem. Agrupamentos de marginais, à revelia do Estado, epor vezes com a conivência deste, se apropriam de territórios,impõem-lhes formas de regulação da vida social: códigos deética e de conduta são estabelecidos, ajustados a interessescriminosos, dos marginais de “baixo” e dos de “cima”, situaçãocorrente em bairros periféricos e favelas das grandes cidades.Nos territórios “livres”, as classes médias e altas constroemfortalezas que cada vez mais menos as protegem.

No mesmo dia em que foi assassinado o prefeito de SantoAndré, Celso Daniel, 109 outros brasileiros também o foram. É amédia diária nacional, perfazendo 40 mil assassinatos anuais,

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sendo as vítimas, em sua maioria, jovens. O Brasil dá-se ao luxode perder 40 mil vidas por ano por descaso, insensibilidadesocial, impunidade e todos os adjetivos redundantementerepetidos pela opinião pública.

Conheci Celso Daniel. Acredito que seria seu desejo que suamorte trágica resultasse em um fato político capaz de produzirações concretas para o fim desse extermínio silencioso debrasileiros. Mas a tendência é continuarmos a perder pessoascomo ele, que se empenham em alterar as condições quedeterminam essa absurda realidade, e permanecer da matançados de sempre.

Diante da barbárie, a primeira vítima é a lucidez.

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34Odô Iya78

Estão circulando em algumas redes na internet dois documentosproduzidos pela Igreja Metodista do Brasil. Um deles, chamado“A televisão e os valores do Evangelho: uma proposta dereflexão para a Igreja Metodista”, e o outro, “Pronunciamento dosbispos”, fazem parte de uma campanha sobre a má qualidadedos programas televisivos. Neles há uma convocação aoscristãos, e em especial aos metodistas, para uma cruzada contraa degeneração dos valores éticos, morais e familiares naprogramação televisiva com ênfase ao que é veiculado nasnovelas da Rede Globo.

São libelos contra o imobilismo, a apatia ou a indiferença dostelespectadores diante da crescente decadência dos valorescristãos. Exortam os seus fiéis a resgatar os exemplos deresistência e de testemunho no passado cristão visandoencontrar a coragem para enfrentar as novas modalidades deviolência promovidas pelos meios de comunicação enfatizando

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que “devemos ter uma palavra e uma ação proféticas em relaçãoà agressão que boa parte da mídia (televisão, jornal, rádio) e domercado fonográfico exerce contra o nosso povo, inclusive oscristãos e, em particular, as crianças, adolescentes e jovens.Queremos ter uma palavra profética e pastoral nesse sentido”.

Os documentos evoluem em uma linha crítica, porémcivilizada, até que o inevitável acontece! O que parecia umaconvocação cívica em prol do restabelecimento de valores éticosmínimos embasadores da vida social revela seu alvofundamental: o tradicional ataque aos cultos afro-brasileiros e,nesse caso específico, ao candomblé, sobretudo a Iemanjá, abola da vez da ira e da intolerância evangélica.

Diz um dos documentos:

Agora, em um gesto de desprezo ao seu públicoevangélico (ou simplesmente apostando na indiferençadele!), a TV Globo promov e abertamente o candomblé nanovela Porto dos milagres, com direito a música-temadedicada a Iemanjá, na voz de Gal Costa. E lá estãoprofissionalismo, recursos tecnológicos, muito dinheiro eartistas queridos pelo público, como Marcos Palmeira,Letícia Sabatela, Flávia Alessandra e Antônio Fagundes,dando vida, conteúdos e realismo à história [...]. E,aparentemente, a maioria dos atuais autores de novelaspoderosos da TV Globo é agnóstica, esotérica ou docandomblé.

Evidentemente não há nesses textos nenhuma referência àviolência sistemática praticada pelas igrejas eletrônicasevangélicas contra as religiões afro-brasileiras; menos ainda àdemonização que promovem delas. Nem à hegemonia televisiva

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de que gozam as denominações evangélicas ou ao desrespeitoque praticam em relação a outros cristãos, por exemplo, aossantos católicos, preferencialmente os negros, como otratamento, a pontapés, dado por um pastor evangélico a umaimagem da Padroeira do Brasil em rede nacional. Mas o texto éprenhe na defesa de direitos, mas não do direito constitucionalque outras modalidades religiosas não cristãs têm de existir, dese expressar e gozar da mesma visibilidade nos meios decomunicação que as religiões cristãs, mesmo não detendo opoder econômico e político delas.

Dizem os bispos:

Agora, em duas novelas novas, há quebra dos valoresmorais e da prática de uma filosofia de vida que nãocombina com a formação cristã do povo brasileiro, sendovítima a religião. De um lado, uma das novelas exalta ocandomblé e o culto a Iemanjá. A outra promove oesoterismo. Como os atores que as representam são muitoqueridos pela população, essas novelas acabaminfluenciando milhares de pessoas, particularmente os fãsadolescentes, a aceitar uma espiritualidade mágica que seopõe radicalmente ao Evangelho de Jesus, vendendo, ouiludindo, o povo brasileiro ao considerar o candomblé comoreligião e o esoterismo como espiritualidade.

Além da intolerância às formas não cristãs de religiosidade eespiritualidade, chocam a arrogância e o autoritarismo de quemse sente imbuído do direito de nomear, classificar, catalogar edefinir o que seja ou não religião e espiritualidade. A merapretensão e a prepotência que lhe acompanham depõem contraa legitimidade religiosa e espiritual de quem assim procede.

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Na tradição afro-brasileira, Iemanjá tem sob seu domínio asforças do inconsciente. Conta um mito que “Oxalá enlouqueceu”e Iemanjá “cuidou de seu ori enlouquecido, oferecendo-lhe águafresca, obis deliciosos, apetitosos pombos brancos, frutasdulcíssimas. E Oxalá ficou curado. Então, com o consentimentode Olodumare, Oxalá encarregou Iemanjá de cuidar do ori detodos os mortais”79.

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35O teste do pezinho80

O Correio Braziliense de 15 de junho de 2001 trouxe na colunaÚltimas a nota “Ampliando o teste do pezinho”. Nela, consta que,

até setembro, todos os 26 estados terão redes de triagemneonatal. Isso significa que cada uma das três milhões decrianças que nascem anualmente no país fará o “teste dopezinho”, hoje feito em apenas 60% dos recém-nascidos. Adeterminação consta da Portaria 822, assinada peloministro da Saúde, José Serra, semana passada. Além deter a cobertura ampliada, o exame vai diagnosticar maisduas doenças: a fibrose cística e a anemia falciforme.

O teste do pezinho em recém-nascidos para detecção daanemia falciforme, doença genética que estima-se atingir emtorno de 10% da população afrodescendente, na qual éprevalente, e 2% de outros grupos étnicos, é uma das maisantigas reivindicações dos negros brasileiros em termos de

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saúde pública. Portanto, recebe-se com grande entusiasmo aportaria do Ministério da Saúde que assegura nacionalmente atriagem neonatal para a identificação desta entre outras doençasgenéticas e ainda não curáveis.

Mas o teste do pezinho é, segundo os especialistas e osativistas negros da área da saúde, apenas a porta de entradapara o tratamento dessa doença, que consiste na maior doençagenética do país e faz que os seus portadores tenham umaesperança de vida em torno de 20 anos em função da ausênciade diagnóstico precoce e de tratamento adequado. Em paísesem que isso ocorre, como os Estados Unidos, a esperança devida dos portadores de anemia falciforme chega a atingir até 65anos.

Por isso, preocupa a ausência de informação sobre aarticulação dessa importante iniciativa do Ministério da Saúdecom uma política de atenção, pela rede pública de saúde, aosportadores dessa doença. Teme-se que a portaria do Ministérioda Saúde não avance no sentido de integrar o teste do pezinhopara anemia falciforme no contexto mais amplo de implantaçãodo Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde(PAF/MS), de agosto de 1996, desenvolvido por um grupo detrabalho instituído pelo Ministério da Saúde composto deespecialistas em saúde da população negra, encarregado depensar uma política nacional para a anemia falciforme queresultou no PAF/MS. Segundo uma de suas formuladoras, amédica Fátima Oliveira, o PAF prevê, além do diagnósticoneonatal a todas as crianças nascidas em hospitais,

a busca ativa de pessoas acometidas pela doença; apromoção da entrada no programa de pessoasdiagnosticadas e que venham a ser diagnosticadas, a

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ampliação do acesso aos serviços de diagnóstico etratamento de qualidade; o estímulo e apoio àsassociações de falcêmicos e às instituições de pesquisa; acapacitação de recursos humanos; a implementação deações educativas e questões referentes à bioética, taiscomo: o teste de anemia falciforme só será realizado apósconsentimento livre e esclarecido, além do que há ocompromisso ético de garantir o direito à privacidadegenética que inclui o direito ao sigilo e à não discriminação,e ainda comissões de bioética.

O PAF/MS recomenda também que a sua implementaçãodeve se

iniciar com medidas que possam ser realizadas a curtoprazo, tais como: organizar o cadastramento dos pacientese dos centros de referência; desenvolver projetoseducacionais: cursos técnicos e práticos dirigidos aprofissionais de saúde, incluindo quesitos relativos aoaconselhamento genético e aos aspectos éticos; garantir adisponibilidade dos imunobiológicos e medicamentosbásicos aos pacientes com doença falciforme.

Em função de todas essas questões, considera-se que amera oferta de diagnóstico (se for esse o caso da referidaportaria), sem a retaguarda de tratamento para o recém-nascido,sua família e falcêmicos em geral, pode provocar uma situaçãode mais aflição e desamparo pelo aumento da demanda einexistência de atendimento efetivo no sistema público de saúde.

Nesse clima de absoluto pessimismo que assola o país, emespecial quanto aos nossos dirigentes, uma notícia recente do

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noticiário internacional elevou a autoestima dos brasileiros: oreconhecimento da excelência do Programa de Combate à Aidsdo Brasil, que já se constitui em referência para o mundo peloacesso que os pacientes têm ao tratamento, pelo barateamentodo custo dos medicamentos, pelo aumento da qualidade e daesperança de vida dos portadores do vírus e pelas mortesprematuras já evitadas.

A implantação do PAF, nos moldes em que ele estáconcebido, permitiria alcançar os mesmos resultados positivosque conseguimos em relação ao combate à aids, com customenor e para um número muito maior de pessoas do queaquelas contaminadas pelo HIV.

É, portanto, um desafio pequeno para o Ministério da Saúde,diante da batalha que está sendo travada e, felizmente, até omomento, saindo vitoriosa, proposta pelo ministro José Serra,para assegurar o direito das vítimas da aids ao tratamento e àqualidade de vida digna. Os falcêmicos esperam do ministro amesma sensibilidade e compromisso para com a sua saúde esuas vidas.

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NOTA DE RODAPÉ #1

“Profetas do terror e a distorção da história”, editorial do jornal Ìrohìn, ano XII, n.20, 27 jul. 2007, p. 2.

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NOTA DE RODAPÉ #2

Publicado originalmente no Correio Braziliense, 2 set. 2010.

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NOTA DE RODAPÉ #3

CASTRO, Nadya Araujo. “Trabalho e desigualdades raciais: hipóteses desafiantes erealidades por interpretar”. In: CASTRO, Nadya Araujo; Barreto, Vanda de Sá(orgs.). Trabalho e desigualdades raciais. São Paulo: Annablume, 1998, p. 25.

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NOTA DE RODAPÉ #4

HASENBALG, C. A.; SILVA, N. V. “Raça e oportunidades educacionais no Brasil”.Fundação Carlos Chagas (SP), Cadernos de Pesquisa, n. 73, maio 1987, p. 80.

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NOTA DE RODAPÉ #5

EGRARE, Iradj. “O recorte de raça no plano plurianual 2004-2007 comtransversalidade de gênero e geração”. Brasília: CFMEA, 2004. Disponível em:<http://www.cfemea.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1541:o-recorte-de-raca-no-plano-plurianual-2004-2007-com-transversalidade-de-genero-e-geracao&catid=209:artigos-e-textos&Itemid=143>.Acesso em: 11 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #6

THEODORO, Mário. “Os dois níveis do racismo institucional”. Jornal Ìrohìn, Brasília,ano IX, n. 6, ago./set. 2004, p. 15-16.

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NOTA DE RODAPÉ #7

Commission for Racial Equality (CRE/UK), 1999, p. 2.

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NOTA DE RODAPÉ #8

FERNANDES, Florestan. “Luta de raças e classes”. Teoria e Debates, n. 2, mar.1988. Disponível em: <http://www3.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/sociedade-luta-de-racas-e-de-classes>. Acesso em:13 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #9

MAGNOLI, Demétrio. “Constituição do racismo”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12jan. 2006, p. A2.

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NOTA DE RODAPÉ #10

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio deJaneiro: Campus, 1992, p. 71.

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NOTA DE RODAPÉ #11

RAWLS, John. Uma teoria de Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria RímoliEsteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 107.

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NOTA DE RODAPÉ #12

Frase proferida durante o seminário Discriminação e Sistema Legal Brasileiro,ocorrido no Tribunal Superior do Trabalho em 20 de novembro de 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #13

KAMEL, Ali. Não somos racistas – Uma reação aos que querem nos transformarnuma nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

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NOTA DE RODAPÉ #14

GANCIA, Barbara. “Cultura de bacilos”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 16 mar. 2007,caderno Cotidiano

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NOTA DE RODAPÉ #15

Entrevista concedida à Folha de S.Paulo em 13 de março de 2007, cadernoIlustrada.

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NOTA DE RODAPÉ #16

Revista Época, 24 de abril de 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #17

FERNANDES, Florestan, op cit.

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NOTA DE RODAPÉ #18

Entrevista à Revista do Terceiro Setor (Rets) de 24 de março de 2006.

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NOTA DE RODAPÉ #19

Referência à declaração feita pela atriz Regina Duarte em 2002, durante oprograma eleitoral gratuito do PSDB, de que temia que o PT pusesse a perder asconquistas feitas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.

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NOTA DE RODAPÉ #20

ZAKABI, Rosana; CAMARGO, Leoleli. “Eles são gêmeos idênticos, mas, segundo aUnB, este é branco e este é negro”. Veja, 6 jun. 2007, p. 82-88.

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NOTA DE RODAPÉ #21

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 23 fev. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #22

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 28 set. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #23

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 23 mar. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #24

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 13 out. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #25

OLIVEIRA, Flávia. “O peso da desigualdade racial”. O Globo, 10 out. 2000, cadernode Economia.

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NOTA DE RODAPÉ #26

LEITÃO, Miriam. “Negros e pobres”. O Globo, 10 out. 2000, coluna PanoramaEconômico.

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NOTA DE RODAPÉ #27

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 17 maio 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #28

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 18 ago. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #29

NOBLES, Melissa. Shades of citizenship: race and censuses in modern politics.Stanford: Stanford University Press, 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #30

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 17 maio 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #31

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 10 nov. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #32

CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, discriminação epreconceito na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #33

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 6 set. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #34

COSTA, Jurandir Freire da. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro, Graal, 1986, p.104.

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NOTA DE RODAPÉ #35

NOGUEIRA, Izildinha Baptista. Significações do corpo negro. Tese (Doutorado emPsicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Universidade de São Paulo(SP), 1998, p. 88.

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NOTA DE RODAPÉ #36

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 29 maio 2006.

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NOTA DE RODAPÉ #37

CAPRIGLIONE, Laura. “Em favela, Rota ‘dá dura’ até em crianças”. Folha deS.Paulo, 21 maio 2006, caderno Cotidiano.

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NOTA DE RODAPÉ #38

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 6 jul. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #39

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 29 out. 2005.

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NOTA DE RODAPÉ #40

CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não ser como fundamento do ser.Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo (SP), 2005.

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NOTA DE RODAPÉ #41

MILLS, Charles W. The racial contract. Nova York: Cornell University Press, 1999,p. 13-14.

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NOTA DE RODAPÉ #42

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.306.

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NOTA DE RODAPÉ #43

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 25 abr. 2003.

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NOTA DE RODAPÉ #44

BARROS, Ricardo Paes de. Relatório do Seminário Care/IETS – Erradicar apobreza: compartilhar o desafio, São Paulo, 14 e 15 de dezembro de 2001, p. 18.

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NOTA DE RODAPÉ #45

Para ler o artigo completo, consulte: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0791/noticias/escolha-de-sofia-m0045118>. Acesso em 02. fev.2011.

Page 223: Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil (Consciência em ...

NOTA DE RODAPÉ #46

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 22 fev. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #47

SIFUENTES, Mônica. “Direito & Justiça”. Correio Braziliense, Brasília, 18 fev. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #48

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 23 nov. 2001.

Page 226: Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil (Consciência em ...

NOTA DE RODAPÉ #49

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 23 maio 2005.

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NOTA DE RODAPÉ #50

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 18 out. 2004.

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NOTA DE RODAPÉ #51

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 9 mar. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #52

CROSSETTE, Barbara. “Global look at racism hits many sore points”. The New YorkTimes, 4 mar. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #53

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 6 out. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #54

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 15 set. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #55

BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO. Brasil, gênero e raça. Brasília: MTE, 2006.Disponível em:<http://www.mte.gov.br/discriminacao/ProgramaBrasiGeneroracatarde.pdf>.Acesso em: 03 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #56

ORGANIZAÇÕES DE MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS. “Pró III Conferência Mundial daONU contra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância”.Disponível em: <http://www.antroposmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=314>. Acesso em: 03 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #57

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 30 out. 2007.

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NOTA DE RODAPÉ #58

Denúncia feita na Assembleia Legislativa de São Paulo pelo deputado Luis CarlosSantos, do PMDB, em 05 ago. 1982. Veja também matérias nos jornais: Jornal daTarde, de 6 e 11 ago. 82; O Estado de S.Paulo, de 5 e 10 ago. 82; Folha deS.Paulo, de 11 ago. 1982.

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NOTA DE RODAPÉ #59

Folha de S.Paulo – Cotidiano, 24 out. 2007. Disponível em<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u339328.shtml>. Acesso em:04 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #60

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #61

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 12 jul. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #62

A íntegra do relatório do Seminário Regional de Especialistas para a AméricaLatina e Caribe sobre o Cumprimento do Programa de Ação Adotado em Durbanencontra-se disponível em espanhol em:<http://www.unhchr.ch/Huridocda/Huridoca.nsf/0/7eae3799021066c4c1256c98003848f7/$FILE/G0215324.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #63

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 21 jul. 2000.

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NOTA DE RODAPÉ #64

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 22 nov. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #65

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 8 jun. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #66

O conceito de racismo ambiental refere-se a qualquer política, prática ou diretivaque afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntária ou involuntariamente,pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor. Fonte: PortalAmbienteBrasil (www.ambientebrasil.com.br).

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NOTA DE RODAPÉ #67

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 31 ago. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #68

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 6 jun. 2003.

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NOTA DE RODAPÉ #69

BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO/SECRETARIA DEPLANEJAMENTO E INVESTIMENTOS ESTRATÉGICOS. Plano plurianual 2004-2007. Brasília:MP, 2003. Disponível em:<http://www.sigplan.gov.br/arquivos/portalppa/41_%28menspresanexo%29.pdf>.Acesso em: 23 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #70

INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE. “Desenvolvimento com justiçasocial: esboço de uma agenda integrada para o Brasil”. Rio de Janeiro: Iets, 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #71

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 14 mar. 2003.

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NOTA DE RODAPÉ #72

Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, 7 dez. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #73

Disponível em <http://www.midiaindependente.org/eo/red/2001/11/11944.shtml>ou<http://www.igualdaderacial.unb.br/iguladaderacial%2019%2011/pdf/Experiencia%20de%20discriminacao%20Revista%20Tudo%20.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2011.

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NOTA DE RODAPÉ #74

Artigo publicado originalmente no blog do Geledés, 22 fev. 2009.

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NOTA DE RODAPÉ #75

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 20 set. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #76

MOORE JR., Barrington. Injustice: the social bases of obedience and revolt.Londres: Palgrave Macmillan, 1978.

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NOTA DE RODAPÉ #77

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 25 jan. 2002.

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NOTA DE RODAPÉ #78

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 27 abr. 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #79

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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NOTA DE RODAPÉ #80

Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense, 22 jun. 2001.

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Imprensa negra no Brasil do séculoXIXPinto, Ana Flávia Magalhães9788587478832184 páginas

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Ao longo do século XIX, indivíduos e grupos negros letrados criaramespaços na imprensa para tratar dos assuntos que consideravamimportantes e expor suas ideias sobre os rumos do país.Experiências cotidianas e variadas de enfrentamento do racismo, acriação de redes de sociabilidade e o uso de instrumentos legaispara promover a cidadania foram registradas nas páginas de jornaisassinados por "homens de cor" e dirigidos a eles. Ao ressaltarmomentos marcantes da imprensa negra oitocentista, este livrodebate as formas de resistência negra e contribui para oenfrentamento da discriminação racial no Brasil. Num momento emque nosso país depara com temas polêmicos, como o Estatuto daIgualdade Racial e as cotas em universidades, a ColeçãoConsciência em Debate pretende discutir assuntos prementes queinteressam não somente aos movimentos negros como a todos osbrasileiros. Fundamental para educadores, pesquisadores,militantes e estudantes de todos os níveis de ensino. Coordenaçãode Vera Lúcia Benedito.

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AfrocentricidadeLarkin Nascimento, Elisa9788584550050400 páginas

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Esta antologia reúne textos de estudiosos e ativistas da abordagemafrocentrada. Apresenta a postura básica dessa linha depensamento e seus fundamentos teóricos, bem como reflexões elevantamentos sobre sua presença no Brasil, acompanhados detrabalhos sobre temas específicos como: psicologia, a mulherafrodescendente, assistência social e educação multicultural.

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Lélia GonzalezRatts, Alex9788587478856176 páginas

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Obra que versa sobre a trajetória de vida, a produção intelectual e oativismo político de uma das maiores lideranças do movimentonegro brasileiro do século XX. Através da biografia de Gonzalez, osautores deixam entrever o processo de abertura democrática,revelando ainda a construção de identidade coletiva de segmentosexcluídos da política nacional, notadamente os negros e asmulheres. Esta obra faz parte da Coleção Retratos do Brasil Negro,coordenada por Vera Lúcia Benedito, mestre e doutora emSociologia/Estudos Urbanos pela Michigan State University (EUA) epesquisadora e consultora da Secretaria de Estado da Cultura deSão Paulo. O objetivo da Coleção é abordar a vida e a obra defiguras fundamentais da cultura, da política e da militância negra.

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Sueli CarneiroBorges, Rosane da Silva9788587478818104 páginas

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Este é o relato da trajetória de Sueli Carneiro, ativista antirracismodo movimento social negro brasileiro. Feminista e intelectual,fundadora do Geledés - Instituto da Mulher Negra, Sueli é uma daspersonalidades políticas mais instigantes da atualidade. Entendersua história de vida, suas influências e as mudanças concretasgeradas por sua militância é compreender parte do cenário espacial,político e geográfico do movimento social negro contemporâneo.Esta obra faz parte da Coleção Retratos do Brasil Negro,coordenada por Vera Lúcia Benedito, mestre e doutora emSociologia/Estudos Urbanos pela Michigan State University (EUA) epesquisadora e consultora da Secretaria de Estado da Cultura deSão Paulo. O objetivo da Coleção é abordar a vida e a obra defiguras fundamentais da cultura, da política e da militância negra.

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Literatura negro-brasileiraCuti9788587478771152 páginas

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Esta obra trata da vertente da literatura brasileira que contempla, empoesia e prosa, as vivências da população afrodescendente. O livrodiscute temas como autocensura, identidade textual e vida literária.Destaca, ainda, os autores imprescindíveis para o processo históricodessa vertente que alcançou significativo patamar com os trintaanos de edição ininterrupta dos Cadernos Negros, coletânea anualde poemas e contos.Num momento em que nosso país depara comtemas polêmicos, como o Estatuto da Igualdade Racial e as cotasem universidades, a Coleção Consciência em Debate pretendediscutir assuntos prementes que interessam não somente aosmovimentos negros como a todos os brasileiros. Fundamental paraeducadores, pesquisadores, militantes e estudantes de todos osníveis de ensino. Coordenação de Vera Lúcia Benedito.

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