Rafa - Minha Historia - Rafael Nadal

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Biografia Rafael Nadal

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  • Ttulo original: RafaCopyright 2011 por Rafael Nadal e John Carlin

    Copyright da traduo 2011 por GMT Editores Ltda.Todos os direitos reservados.

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    Crdito das fotos, exceto quando informao em contrrio: primeiro caderno cortesia de Rafael Nadal / segundo caderno por Miguel Angel Zubiarrain

    traduo: Marcello Lino

    preparo de originais: Cristiane Pacanowski

    reviso: Rebeca Bolite e Tas Monteiro

    projeto grfico e diagramao: Valria Teixeira

    capa: Marcelo Pereira / Tecnopop

    imagem de capa: Clive Brunskill / Contour By Getty Images

    arquivo ePub: Simplssimo Livros

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    N127rNadal, Rafael, 1986-

    Rafa [recurso eletrnico] / Rafael Nadal com John Carlin [traduo deMarcello Lino]; Rio de Janeiro: Sextante, 2012.

    recurso digitalTraduo de: RafaFormato: ePubRequisitos do sistema: MultiplataformaModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-7542-793-4 (recurso eletrnico)1. Nadal, Rafael, 1986-. 2. Tenistas - Espanha - Biografia. 3. Livros

    eletrnicos. I. Carlin, John, 1956-. II. Ttulo.

    12-3310 CDD: 796.342092 CDU: 796.342(460)

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  • SUMRIO

    Pontos altos da carreira de Rafael Nadal

    captulo 1 O SILNCIO DA QUADRA CENTRALClark Kent e Super-Homem

    captulo 2 A DUPLA DINMICAO tio Toni

    captulo 3 O ASTRO DO FUTEBOL QUE NUNCA SE MATERIALIZOUO cl

    captulo 4 RESISTENTE E VELOZ COMO UM BEIJA-FLORAlta tenso

    captulo 5 O MEDO DE VENCERMaiorquinos

    captulo 6 UMA INVASO DA MAIS PURA ALEGRIAO dia mais longo

    captulo 7 A MENTE SUPERA A MATRIAAssassinato no Expresso do Oriente

    captulo 8 PARASO PERDIDOAs mulheres de Rafa

    captulo 9 NO TOPO DO MUNDOManacor

  • PONTOS ALTOS DA CARREIRA DE RAFAEL NADAL

    1994 Campeo sub-12 das Ilhas Baleares, aos 8 anos.

    1997 Campeo nacional sub-12 da Espanha.

    2000 Campeo nacional sub-14 da Espanha.

    2002 Primeira vitria no circuito da Associao de Profissionais do Tnis (ATP), aos 15anos.

    2004 Campeo da Copa Davis representando a Espanha, aos 18 anos.

    2005 Campeo do Aberto da Frana, primeiro ttulo do Grand Slam, aos 19 anos.

    2006 Campeo do Aberto da Frana.

    2007 Campeo do Aberto da Frana.

    2008 Campeo do Aberto da Frana.

    Campeo de Wimbledon.

    Nmero 1 no ranking mundial.

    Medalha de ouro nas Olimpadas de Pequim.

    2009 Campeo do Aberto da Austrlia.

    2010 Campeo do Aberto da Frana.

    Campeo de Wimbledon.

    Campeo do Aberto dos Estados Unidos, completando o Career Grand Slam.

    2011 Campeo do Aberto da Frana. Dcimo ttulo do Grand Slam, aos 25 anos.

    2012 Campeo do Aberto da Frana. Stimo ttulo do torneio, tornando-se o maiorcampeo da histria de Roland Garros.

  • O

    captulo 1

    O SILNCIO DA QUADRA CENTRAL

    SILNCIO: ISSO QUE chama a ateno quando se joga na quadra central de Wimbledon.Voc faz a bola quicar silenciosamente na grama macia, a lana para o alto para sacar, agolpeia e ouve o eco do seu prprio lance. E de todos os lances depois desse. Claque, claque,claque, claque. A grama aparada, os episdios histricos, o estdio antigo, os jogadores emsuas roupas brancas, as multides respeitosas, a tradio venervel no h nenhum cartazpublicitrio vista , tudo se combina para nos isolar e nos proteger do mundo exterior. uma sensao que me agrada. O silncio digno de uma igreja na quadra central favorece aminha concentrao. Porque, em uma partida de tnis, a maior batalha para mim silenciar asvozes na minha cabea, afastar tudo da minha mente com exceo do torneio em si e focarcada tomo do meu ser no ponto que estou disputando. Se tiver cometido um erro no pontoanterior, tenho de esquec-lo; se um vislumbre de vitria se insinua, preciso elimin-lo.

    O silncio da quadra central quebrado por um alvoroo chocante aplausos, vivas, gentegritando seu nome quando um belo ponto marcado, porque em Wimbledon os espectadoressabem diferenciar as jogadas. Eu os ouo, mas como se eles estivessem em um lugar distante.No registro que existem 15 mil pessoas na arena, monitorando cada um dos meus movimentose os do meu adversrio. Fico to concentrado que no me dou conta como agora, ao pensarna final de Wimbledon contra Roger Federer, em 2008, a partida mais importante da minhavida de que milhes de espectadores esto me assistindo no mundo inteiro.

    Sempre sonhei em jogar no mais antigo torneio de tnis do mundo. Meu tio Toni, quesempre foi meu treinador, me ensinou desde muito cedo que esse era o mais prestigiado eimportante dos campeonatos. Aos 14 anos, eu compartilhava com amigos a fantasia de jogaraqui e vencer. No entanto, at aquela partida decisiva, eu havia jogado e perdido duas vezescontra Federer, nas finais de Wimbledon de 2006 e 2007. A primeira derrota no fora todifcil. Daquela vez, tendo acabado de completar 20 anos, entrei em quadra feliz e grato porter chegado at aquela etapa. O suo venceu com muita facilidade, porque eu realmente notinha entrado no jogo to confiante. Porm a derrota em 2007, depois de cinco sets, me deixoutotalmente arrasado. Eu sabia que podia ter me sado melhor, que no tinham sido minhashabilidades tcnicas nem a qualidade do meu jogo que falharam, mas minha cabea. Choreimuito depois da partida. Chorei sem parar por meia hora no vestirio. Eram lgrimas dedecepo e autocrtica. A derrota sempre di, mas a dor muito maior quando se teve umachance e a desperdiou. Fui vencido por mim mesmo tanto quanto por Federer, desapontei amim mesmo e odiei aquela sensao. Permiti que minha mente se enfraquecesse, me distra,

  • me afastei do meu plano de jogo. Foi algo to estpido, to desnecessrio, exatamente o queno se deve fazer em uma grande partida.

    Meu tio Toni, o mais severo dos treinadores de tnis, raramente me consola. Na verdade eleme critica at quando veno. Depois daquela final, eu realmente devia estar arrasado, porque,em vez de apontar meus defeitos como fizera a vida toda , ele disse que no havia motivopara que eu chorasse, que eu participaria de outros torneios e finais em Wimbledon. Eu disseque ele no entendia, que aquela provavelmente era a ltima vez que eu disputaria ocampeonato, minha ltima chance de vencer. Tenho plena conscincia de como a vida de umatleta profissional curta e no suporto a ideia de desperdiar uma oportunidade que talvezno se repita. Sei que no ficarei feliz quando minha carreira acabar e quero aproveit-la aomximo. Cada instante importante por isso sempre treinei muito , mas alguns momentosso mais valiosos que outros, e eu deixara um dos grandes escapar em 2007. Perdi umaoportunidade que talvez nunca mais voltasse a ter. Dois ou trs pontos aqui ou ali, se eutivesse me concentrado mais, teriam feito toda a diferena. Porque no tnis se chega vitriacom margens nfimas. Perdi o quinto e ltimo set por 6-2, mas, se eu tivesse mantido o focoquando estava perdendo por 4-2 ou at mesmo por 5-2, se tivesse aproveitado minhas quatrochances de quebrar o servio dele no incio do set (em vez de entrar em pnico, comoaconteceu) ou se tivesse jogado como se aquele fosse o primeiro set e no o ltimo , eupoderia ter vencido.

    No havia nada que Toni pudesse fazer para aliviar minha dor. No entanto, ele tinha razo.Outra oportunidade surgiu. L estava eu novamente, um ano depois. Tendo aprendido a lioda derrota 12 meses antes, decidi que qualquer outra coisa poderia desmoronar daquela vez,mas no minha mente. O melhor sinal de que minha cabea estava no lugar certo era aconvico, apesar de todo o nervosismo, de que eu venceria.

    No jantar com familiares, amigos e integrantes da equipe na noite anterior partida, na casaque alugamos durante o torneio, em frente ao All England Club, no era permitido fazerqualquer meno ao jogo. No os proibi expressamente de tocar no assunto, mas todosentenderam que, a despeito do que eu estivesse falando, a final j havia comeado a serdisputada num espao dentro da minha cabea que, desde aquele momento at o incio dojogo, deveria permanecer exclusivamente meu. Como na maioria das noites durante a quinzenade Wimbledon, fui eu que fiz o jantar. Eu me divirto e minha famlia acha que me faz bem. mais uma atividade para tranquilizar minha mente. Naquela noite, assei um peixe e prepareimassa ao molho de camares. Depois do jantar, joguei dardos com meus tios Toni e Rafaelcomo se aquela fosse simplesmente mais uma noite em casa, em Manacor, a aldeia na ilhaespanhola de Maiorca onde sempre morei. Ganhei nos dardos. Mais tarde Rafael disse que medeixou vencer para que eu ficasse mais animado para a final, mas no acredito. Para mim importante vencer em tudo. No aceito derrotas.

    00h45, fomos deitar, mas eu no conseguia dormir. O assunto sobre o qual havamosdecidido no falar era a nica coisa na minha mente. Assisti a filmes na TV e s peguei no

  • sono s quatro da manh. s nove eu estava de p. Teria sido melhor dormir algumas horasmais, mas eu me sentia disposto e Rafael Maym, meu fisioterapeuta sempre de planto, disseque no fazia diferena, pois a excitao e a adrenalina me manteriam ligado,independentemente da durao do jogo.

    No caf da manh, comi o de sempre. Cereal, suco de laranja, um achocolatado nuncacaf e meu prato favorito: po com sal e azeite. Tinha acordado me sentindo bem. O tnistem muito a ver com o seu estado de esprito no dia das partidas. Ao se levantar, voc svezes se sente animado, saudvel e forte; em outras ocasies, sente-se pesado e frgil.Naquele dia eu estava me sentindo mais alerta, gil e cheio de energia do que nunca.

    Foi com esse esprito que, s 10h30, atravessei a rua para meu treino final na quadra 17 deWimbledon, perto da quadra central. Antes de comear, me deitei em um dos bancos, comosempre fao, e Maym que apelidei de Titn flexionou e alongou meus joelhos,massageou minhas pernas e meus ombros e dedicou ateno especial aos meus ps. Sintomuita dor no meu p esquerdo, a parte mais vulnervel do meu corpo. Ele faz isso com ointuito de preparar minha musculatura para a partida e reduzir a possibilidade de contuses.Normalmente eu bateria bola por uma hora para me aquecer antes de um jogo importante, mas,daquela vez, estava chuviscando e parei depois de 25 minutos. Comecei devagar, comosempre, e aumentei o ritmo aos poucos, at acabar correndo e rebatendo com a mesmaintensidade de uma partida. Eu estava mais nervoso do que de costume, mas tambm estavamais concentrado durante o treino. Toni e Titn estavam l, bem como meu agente, CarlosCosta, um ex-tenista profissional que fora at a quadra me ajudar no aquecimento. Eu estavamais calado do que o normal. Todos ns estvamos. Nada de piadas. Nada de sorrisos.Quando paramos, percebi com um simples olhar que Toni no estava muito contente. Eleachava que eu no havia rebatido as bolas da melhor maneira possvel. Parecia estar merepreendendo eu conhecia bem aquele olhar e tambm aparentava preocupao. Ele tinharazo, eu no estava em plena forma no treino, mas eu sabia algo que ele, por mais importanteque tivesse sido durante toda a minha carreira, no tinha como saber: fisicamente eu me sentiaem perfeita forma, a no ser por uma dor na sola do p esquerdo que precisaria ser tratadaantes que eu entrasse em quadra. Alm disso, eu tinha a convico obstinada de que era capazde vencer. Jogar tnis contra um adversrio do seu nvel, ou contra o qual voc tem algumachance, depende da sua capacidade de elevar o jogo quando necessrio. Um campeo no seempenha tanto nas rodadas de abertura de um torneio ele faz isso nas semifinais e finais,contra os melhores adversrios , e um grande campeo de tnis d tudo de si em uma final doGrand Slam. Eu tinha meus temores estava travando uma batalha constante para conter meunervosismo , mas os dominei e o nico pensamento que ocupava meu crebro era que euestaria altura da situao.

    Eu estava apto fisicamente e em tima forma. Tivera um desempenho excelente um msantes no Aberto da Frana, derrotando Federer na final, e havia disputado algumas partidasincrveis aqui na grama. As duas ltimas vezes que nos encontramos em Wimbledon, ele era o

  • favorito. Naquele ano, eu sabia que eu ainda no era o favorito. Mas havia uma diferena. Eutambm no achava que ele fosse, pois acreditava que nossas chances eram iguais.

    Eu tambm sabia que, muito provavelmente, no fim da partida o nmero de lances malexecutados seria quase igual para ambos. Essa a natureza do tnis, sobretudo quando doisjogadores conhecem to bem o jogo um do outro quanto Federer e eu. Talvez voc pense que,depois de milhes e milhes de bolas, os lances bsicos do tnis j faam parte de mim, que fcil executar jogadas certeiras, suaves e lmpidas todas as vezes. Mas no . No apenasporque a cada dia voc acorda com uma sensao diferente, mas tambm porque cada lance distinto. Uma vez em movimento, a bola chega at voc em vrios ngulos e velocidadesinfinitesimalmente diferentes, com mais topspin ou backspin, mais plana ou mais alta. Asdiferenas podem ser mnimas, microscpicas, mas as variaes que seu corpo faz ombros,cotovelos, punhos, quadril, tornozelos, joelhos tambm so, a cada jogada. E h muitosoutros fatores, como o clima, a superfcie, o adversrio. Nenhuma bola igual a outra; nenhumlance idntico. Ento, cada vez que voc se prepara para acertar uma bola, precisa avaliarsua trajetria e velocidade, com que fora e onde voc deve tentar rebater, tudo numa fraode segundo. E tem que fazer isso repetidamente, 50 vezes por game, 15 vezes em 20 segundos,em lances sbitos e contnuos durante mais de duas, trs, quatro horas, correndo o tempo todoe sob tenso. quando os movimentos esto corretos e o ritmo est sob controle que voc temmais capacidade de golpear seguidamente a bola no meio da raquete e mir-la com preciso erapidez sob uma presso mental enorme. De uma coisa tenho certeza: quanto mais voc treina,mais aguada se torna sua sensibilidade. Mais do que a maioria das modalidades esportivas, otnis um esporte mental. O jogador que tem a melhor percepo do que acontece em quadra econsegue neutralizar seus temores e os altos e baixos que uma partida inevitavelmente causaacaba sendo o campeo mundial. Esse era o objetivo que eu havia traado para mim mesmodurante os quatro pacientes anos em que ocupei a segunda posio no ranking, atrs deFederer, e que eu estaria bem perto de atingir se vencesse aquela final de Wimbledon.

    O incio da partida em si era outra questo. Olhei para cima e vi nesgas azuis no cu. Mas otempo estava encoberto, com nuvens espessas e escuras despontando ameaadoras nohorizonte. O jogo estava programado para comear dali a trs horas, mas era bem provvelque fosse adiado ou interrompido. No deixei que aquilo me preocupasse. Minha menteestaria livre e concentrada daquela vez, no importava o que acontecesse. Nada de distraes.Eu no ia deixar que a mesma falta de concentrao de 2007 me atrapalhasse.

    Samos da quadra 17 por volta das 11h30 e fomos para o vestirio do All England Clubreservado s partidas principais. O espao no muito grande, talvez tenha um quarto dotamanho de uma quadra de tnis. Mas a tradio que imprime grandiosidade quele local. Oslambris, o verde e o roxo de Wimbledon nas paredes, o cho acarpetado, a conscincia de quevrios grandes jogadores como Laver, Borg, McEnroe, Connors, Sampras estiveram aliantes. Em geral um lugar agitado, mas, como s restvamos ns dois no torneio e Federerainda no aparecera, eu estava sozinho. Ao chegar l, tomei um banho, troquei de roupa e fui

  • almoar no refeitrio dos jogadores. Novamente um silncio inslito, mas que me agradava.Eu estava mergulhando cada vez mais fundo em mim mesmo, isolando-me do entorno, dandoincio aos rituais que adoto antes de cada jogo e que se estendem at o incio da partida. Comio de sempre: massa sem molho, para evitar qualquer coisa que possa causar indigesto apenas com azeite e sal e uma posta de peixe e bebi gua. Toni e Titn estavam comigo mesa. Meu treinador estava pensativo, o que no novidade. Titn, por outro lado, estavasereno. Sempre plcido, ele a pessoa com quem passo mais tempo. Mais uma vez falamospouco. Acho que Toni resmungou a respeito do clima, mas eu no disse nada. Mesmo quandono estou disputando um torneio, ouo mais do que falo.

    s 13h, faltando uma hora para o incio da partida, voltamos ao vestirio. Uma coisainusitada do tnis que, mesmo nos maiores torneios, voc divide o vestirio com seuadversrio. Quando entrei depois do almoo, Federer j estava l. Mas no houveconstrangimento entre ns. Pelo menos foi o que achei. Dali a pouco faramos todo o possvelpara acabar um com o outro na maior partida do ano, mas alm de rivais somos amigos. Nomundo esportivo, outros oponentes talvez se odeiem mesmo quando no esto se enfrentando.Ns no. Gostamos um do outro. Quando a partida comea, ou est prestes a comear,deixamos a amizade de lado, claro. No nada pessoal. Fao isso com todos minha volta,at mesmo com a minha famlia. Paro de ser quem sou quando a disputa se inicia e tento metornar uma mquina de jogar tnis. Mas no sou um rob impossvel atingir a perfeio notnis, e tentar explorar suas possibilidades ao mximo o grande desafio. Durante uma partidavoc trava uma batalha permanente para combater suas vulnerabilidades cotidianas, paracontrolar seus sentimentos. Quanto mais contidos eles estiverem, maiores sero suas chancesde vencer, contanto que voc tenha treinado com afinco e que o talento do seu adversrio noseja muito maior que o seu. Federer era um pouco mais talentoso que eu, mas no tanto.Mesmo na superfcie predileta dele, a diferena entre ns dois era pequena e eu sabia que, seconseguisse pr fim s dvidas e aos medos e ter mais esperanas do que ele, eu poderiavencer. Voc precisa criar uma armadura para se proteger, se transformar em um guerreiro. uma espcie de auto-hipnose, um recurso para disfarar suas fraquezas para si mesmo e paraseu rival.

    Brincar ou conversar sobre futebol com Federer no vestirio, como talvez fizssemos antesde um amistoso, seria algo artificial que ele imediatamente interpretaria como um sinal demedo. Em vez disso, fizemos a cortesia mtua de sermos sinceros. Trocamos um aperto demos, acenamos com a cabea, sorrimos um para o outro e nos dirigimos cada um para oprprio armrio. Em seguida, era como se o outro no estivesse ali. No que eu precisassefingir. Eu estava e ao mesmo tempo no estava naquele vestirio. Eu me refugiava em algumlugar no fundo da minha mente, meus movimentos se tornavam cada vez mais programados,automticos.

    Quarenta e cinco minutos antes do horrio programado para o incio do jogo, tomei umbanho frio. Fao isso antes de todas as partidas. Dali em diante sei que no posso mais voltar

  • atrs aquele o primeiro passo na ltima fase do meu ritual antes da disputa. Sob a guagelada, entro em uma nova dimenso na qual sinto minha fora e minha resistnciaaumentarem. Quando saio do banho, sou um homem diferente. Sinto-me mais alerta, estou nofluxo, que como os psiclogos esportivos descrevem o estado de concentrao no qual ocorpo se movimenta por puro instinto, como um peixe em uma correnteza. Nada mais existe,apenas a batalha minha frente.

    Melhor assim, pois eu tinha de fazer algo que, em circunstncias normais, no aceitaria comtranquilidade. Desci at um pequeno consultrio para que meu mdico aplicasse uma injeode analgsico na sola do meu p esquerdo. Desde a terceira rodada, um dos pequenos ossosmetatarsianos estava inchado e com uma bolha. Aquela parte do p tinha de ser anestesiada,seno eu simplesmente no conseguiria jogar, pois a dor seria insuportvel.

    Depois, subi de volta para o vestirio e retomei meu ritual. Coloquei os fones de ouvido efiquei escutando msica. Isso agua a sensao de fluxo e me isola ainda mais do que estacontecendo minha volta. Titn enfaixou meu p esquerdo. Como sempre fao, passei fitaantiderrapante em todas as seis raquetes que levaria para a quadra. Os cabos das raquetes vmcom um revestimento preto, sobre o qual enrolo uma fita antiderrapante branca, dando voltas emais voltas. No preciso pensar no que estou fazendo. algo que apenas executo, como seestivesse em transe.

    Em seguida me deitei sobre a mesa de massagem e Titn enrolou algumas ataduras nasminhas pernas, bem embaixo dos joelhos. Aquela regio tambm estava dolorida e as atadurasevitariam que eu sentisse algum desconforto e amenizariam a dor, caso ela surgisse.

    Para as pessoas comuns, praticar esportes muito bom. No mbito profissional, no entanto,isso no faz to bem sade. O corpo levado a limites que os seres humanos no estonaturalmente preparados para enfrentar. por isso que quase todos os grandes atletasprofissionais j sofreram leses que, em alguns casos, significaram o fim de sua carreira.Houve um momento na minha vida em que me perguntei se seria capaz de continuar aparticipar de competies de alto nvel. Em boa parte do tempo, jogo sentindo dor, mas achoque isso acontece com todos os grandes desportistas. Todos menos Federer, de algumamaneira. Eu precisei moldar meu corpo para adapt-lo ao estresse repetitivo que o tnisimpe, mas o suo parece ter nascido para praticar esse esporte. Seu fsico pareceperfeitamente adaptado, tornando-o imune s leses que os outros jogadores tm de suportar.Dizem que ele no treina tanto quanto eu. No sei se isso verdade, mas no seria umasurpresa. Em outras modalidades tambm existem essas excees abenoadas. Todos osdemais tm de aprender a conviver com a dor e com longos perodos de afastamento porqueum dos ps, ombros ou pernas sinalizou ao crebro que hora de parar.

    Depois que Titn terminou de enfaixar minhas pernas, levantei, me vesti e molhei oscabelos. Em seguida pus minha bandana. Esse outro preparativo que faz parte do meu ritual,mas eu o executo lentamente, com cuidado, apertando-a bem na parte de trs da cabea, paraevitar que as mechas de cabelo caiam sobre meus olhos. Como o banho frio, um momento

  • decisivo que me faz perceber nitidamente que a batalha logo vai comear.Estava quase na hora de entrar na quadra. A descarga de adrenalina, espreita durante todo

    o dia, inundou meu sistema nervoso. Eu estava ofegante, louco para liberar aquela energia.Mas precisei ficar sentado, imvel, por mais um instante, enquanto os dedos da minha moesquerda, com a qual eu jogo, eram enfaixados por Titn com movimentos to mecnicos esilenciosos quanto os meus ao enrolar a fita antiderrapante nas raquetes. Sem as ataduras apele estiraria e se romperia durante o jogo.

    Eu levantei e comecei a me exercitar, num pique acelerado, ativando minha energia, comoTitn costuma dizer. Toni estava por perto, me observando sem dizer muita coisa. Eu no faziaideia se Federer tambm me observava. Sabia apenas que ele no costuma se ocupar tantoquanto eu no vestirio antes de uma partida. Saltei e dei pequenos tiros de corrida de umaextremidade outra daquele espao apertado, de uns seis metros. Uma parada sbita seguidade alongamento do pescoo, dos ombros, dos punhos, com agachamento e flexo dos joelhos.Depois, mais saltos e tiros de corrida, como se eu estivesse sozinho na sala de ginstica daminha casa. Sempre com os fones nos ouvidos, a msica martelando na minha cabea. Emseguida fui urinar, o que fao com frequncia antes das partidas, por causa do nervosismo.Depois voltei e girei os braos vigorosamente.

    Toni acenou e tirei os fones. Ele disse que haveria um atraso por causa da chuva, mas queachavam que no passaria de 15 minutos. Aquilo no me perturbou. Eu estava preparado. Achuva teria o mesmo efeito sobre mim e sobre Federer. Eu no precisava me desconcentrar.Ento me sentei e chequei as raquetes, senti o equilbrio, o peso. Puxei minhas meias,verifiquei se ambas estavam na mesma altura dos tornozelos. Toni se inclinou na minhadireo: No perca de vista o plano de jogo. Faa o que voc tem que fazer.

    Eu estava ouvindo, mas no escutava. Nesses momentos, sei o que tenho que fazer. Achoque tenho uma boa concentrao e uma boa resistncia. Meu objetivo nunca desistir esuportar tudo o que aparecer no meu caminho sem deixar que as coisas boas ou ruins lancestimos ou fracos, sorte ou azar me desestabilizem. Preciso estar focado, sem distraes,fazer o que for necessrio a cada momento. Se eu tiver de mandar a bola 20 vezes na esquerdade Federer, vou mandar 20 vezes, e no 19. Se eu tiver de esperar que um rali se estenda por10, 12 ou 15 lances enquanto aguardo a oportunidade de fazer uma jogada decisiva, vouesperar. H momentos em que se tem a chance de fazer uma direita vencedora com 70% deprobabilidade de acerto. Se esperar mais cinco lances, a probabilidade subir para 85%.Portanto, fique alerta, seja paciente e no se precipite.

    Se subo at a rede, rebato a bola para o backhand do adversrio, e no para o drive, suajogada mais forte. Perder a concentrao significa ir at a rede e mandar uma bola na direitado adversrio ou, num momento de afobao, deixar de rebater na esquerda sempre naesquerda , ou ento tentar uma jogada decisiva quando no o momento. Manter-seconcentrado significa continuar fazendo o que sabe que deve ser feito, sem alterar seu plano, amenos que as circunstncias de um rali ou do jogo mudem tanto a ponto de permitir uma

  • surpresa. Isso ter disciplina, conter-se quando surge a tentao de dar tudo de si. Combateressa tentao significa manter a impacincia ou a frustrao sob controle.

    Mesmo que voc veja algo que parece uma chance para pressionar ou tomar a iniciativa doataque, continue mandando bolas na esquerda do seu adversrio, porque a longo prazo,durante todo o jogo, esse o procedimento mais inteligente. Esse o plano. to simples queno chega a ser considerado uma ttica. Eu fao a jogada mais fcil e o adversrio, a maisdifcil ou seja, meu drive de esquerda contra o backhand de direita dele. apenas umaquesto de se ater ao plano. Com Federer, voc precisa continuar aplicando presso aobackhand, fazer com que ele jogue bolas altas, golpeie com a raquete na altura do pescoo,deix-lo sob presso, esgot-lo. Precisa desestabilizar seu jogo e seu moral. Frustr-lo, deix-lo quase desesperado, se puder. E, quando ele bater bem na bola, como certamente acontecer(afinal, voc no vai deix-lo em apuros o jogo todo), esforce-se para rebater todas as suasjogadas decisivas, jogue a bola no fundo da quadra, faa com que ele sinta que precisa deduas, trs, quatro tentativas para chegar a 15-0.

    Era s nisso que eu estava pensando, se que posso dizer que estava pensando, enquantomexia nas minhas raquetes, meias e ataduras, a msica tocando nos fones, esperando que achuva parasse. At que um integrante da organizao entrou e disse que estava na hora. Eu melevantei rapidamente, girei os ombros, alonguei o pescoo e corri mais um pouco no vestirio.

    Como parte do protocolo de Wimbledon no dia da grande final, eu deveria entregar minhabolsa ao assistente de quadra para que ele a levasse at minha cadeira. E foi o que fiz, masantes tirei uma raquete. Sa do vestirio agarrado a ela, cruzei o corredor com as fotos doscampees e dos trofus do passado em molduras envidraadas, desci as escadas, virei esquerda e adentrei o gramado mgico da quadra central no ar fresco de julho na Inglaterra.

    Ento me sentei, tirei a parte de cima do meu agasalho branco e tomei um gole dgua deuma garrafa. Depois, de outra. Repito essa sequncia todas as vezes antes do incio de umapartida e na pausa entre os games, at o fim do jogo. Em seguida ponho as duas garrafas aosmeus ps, na frente da cadeira, esquerda, uma atrs da outra, na diagonal da quadra.Algumas pessoas dizem que superstio, mas no se trata disso. Se fosse, por que eucontinuaria com o mesmo ritual aps vencer ou perder? Essa uma maneira de entrar napartida, de ordenar o espao minha volta para que ele reflita a ordem que busco alcanar naminha mente.

    Federer e o juiz estavam em p embaixo da cadeira do rbitro, esperando que a moedafosse lanada. Eu me levantei num salto, fui para a rede do lado oposto ao dele, comecei acorrer sem sair do lugar e a pular vigorosamente. Federer estava imvel e parecia muito maisrelaxado do que eu.

    A ltima parte do ritual, to importante quanto os preparativos precedentes, era olhar paracima, esquadrinhar o permetro do estdio, procurar minha famlia entre o borro da multidoda quadra central e fixar aquelas coordenadas com preciso na minha cabea. Na outraextremidade da quadra, minha esquerda, estavam meus pais e meu tio Toni; na frente deles,

  • na diagonal, estavam minha irm, trs dos meus avs, meus padrinhos, que tambm so meustios, e outro tio. No deixo que eles atrapalhem meus pensamentos nem sorrio durante apartida, mas o fato de saber que esto l, como sempre estiveram, me proporciona a paz deesprito que a base do meu sucesso como jogador. Ergo um muro minha volta quando jogo,mas minha famlia o cimento que o mantm de p.

    Tambm procurei na multido os integrantes da minha equipe. Ao lado dos meus pais e deToni estavam Carlos Costa, meu agente; Benito Prez Barbadillo, meu assessor de imprensa;Jordi Robert a quem chamo de Tuts , meu representante junto Nike, mas que alm disso meu amigo e companheiro fiel; e Titn, que me conhece mais do que todos e como umirmo para mim. Tambm pude visualizar meu av paterno e minha namorada, MaraFrancisca, me assistindo pela TV l em Manacor, bem como os outros dois membros daequipe que estavam ausentes, mas que nem por isso eram menos importantes para o meusucesso: Francis Roig, meu segundo treinador, um tenista to sagaz quanto Toni, porm maisbonacho, e Joan Forcades, meu inteligente e intenso preparador fsico, que, como Titn, cuidatanto da minha mente quanto do meu corpo.

    Essas pessoas ocupavam trs crculos concntricos minha volta. Elas no apenas meresguardam de toda a confuso gerada por dinheiro e fama, mas, juntas, criam o ambiente deafeto e confiana de que preciso para que meu talento floresa. Cada integrante do grupocomplementa o outro; cada um desempenha um papel especfico para atenuar minhas fraquezase intensificar meus pontos fortes. Imaginar minha boa sorte e meu sucesso sem eles impossvel.

    Roger venceu no cara ou coroa e escolheu o servio. No me importei. Gosto que meuadversrio comece sacando. Se eu estiver concentrado e ele, nervoso, tenho uma boa chancede quebrar o saque. Eu sou assim: me saio bem sob presso. Em vez de ceder, fico mais forte.Quanto mais perto do precipcio, mais alegre eu fico. claro que fico nervoso e que aadrenalina e o sangue esto circulando com tanta fora que posso senti-los da cabea aos ps.Trata-se de um estado de alerta fsico extremo, mas subjugvel. E foi o que aconteceu. Aadrenalina superou o nervosismo. Minhas pernas no cederam. Estavam fortes, prontas paracorrer o dia inteiro. Eu estava fechado no meu solitrio mundo do tnis, mas nunca havia mesentido to vivo.

    Ocupamos nossas posies na linha de fundo e comeamos a nos aquecer. Novamenteaquele eco no silncio: claque, claque, claque. Em algum lugar da minha mente, registrei, nopela primeira vez, como os movimentos de Roger eram fluidos e executados sem esforo,como ele era equilibrado. Eu, ao contrrio, sou mais impulsivo, mais defensivo, semprelutando, no limite. Sei que essa a minha imagem. J me assisti muitas vezes em vdeo. E umreflexo justo de como joguei durante a maior parte da minha carreira, em especial quandoFederer era o adversrio. Mas a minha percepo do que acontecia minha volta estava boa.Meus preparativos haviam funcionado bem. As emoes que teriam me arrebatado e dominadose eu no tivesse realizado meu ritual, se eu no tivesse me libertado fora do medo que a

  • quadra central normalmente provoca, estavam sob controle, talvez at eliminadas porcompleto. O muro que eu construra minha volta era slido e alto. Eu havia alcanado oequilbrio certo entre tenso e controle, entre o nervosismo e a convico de que poderiavencer. E estava batendo na bola com fora e segurana. Golpes de fundo, voleios, smashes e,depois, saques para terminar o aquecimento antes do incio da grande batalha. Voltei minhacadeira, enxuguei os braos, o rosto e tomei um gole de cada uma das minhas duas garrafasdgua. Tive um flashback daquele mesmo momento na final do ano anterior, pouco antes doincio do jogo. Ento disse a mim mesmo mais uma vez que eu estava pronto para enfrentar esuperar qualquer problema que surgisse. Vencer aquela partida era o sonho da minha vida, eununca estivera to perto de realiz-lo e talvez no tivesse outra chance. Alguma outra coisapodia falhar, meu joelho ou meu p, meu lance de esquerda ou meu saque, mas no minhacabea. Eu talvez sentisse medo, o nervosismo podia tomar conta de mim a certa altura, masmeu poder de concentrao no ia me decepcionar daquela vez.

  • Clark Kent e Super-Homem

    O Rafa Nadal que o mundo viu adentrar o gramado da quadra central para o incio da finalde Wimbledon em 2008 era um guerreiro com os olhos brilhando de concentrao, agarrado raquete como um viking ao seu machado. Uma rpida olhada para Federer revelava umcontraste gritante de estilos: Nadal, mais jovem, vestia uma camisa sem mangas e bermudasmais compridas; Federer, mais velho, usava um cardig creme com um bordado dourado euma camisa clssica. Um interpretava o papel do azaro agressivo, o outro era distinto eemanava superioridade.

    Se Nadal, com seus bceps protuberantes, era a imagem da fora bruta, Federer esbelto egil, 27 anos, cinco a mais do que seu adversrio demonstrava uma graciosidade natural. SeNadal, que acabara de completar 22 anos, era o assassino de cabea baixa, Federer era oaristocrata que passeava pela quadra acenando alegremente para as multides como se fosse odono de Wimbledon, como se estivesse recebendo convidados para uma festa ao ar livre.

    O comportamento distrado e quase arrogante de Federer durante o aquecimento antes dapartida mal transmitia a ideia de que aquele jogo era um confronto de tits: a estrondosaintensidade de Nadal era uma caricatura invocada de um personagem de videogame. Oespanhol acertava seus lances de direita como se estivesse disparando um rifle. Ele carregauma espingarda imaginria, mira no alvo e puxa o gatilho. Com Federer cujo nome significacomerciante de penas em alemo antigo no h sensao de pausa, nenhum mecanismovisvel. tudo muito natural, sem esforo. Nadal que significa Natal em catalo oumaiorquino, uma palavra com associaes mais exuberantes do que comerciante de penas encarnava o esportista da era moderna em excelente forma que se esforou para chegar a essacondio fsica. Federer pertencia a um estilo caracterstico da dcada de 1920, quando otnis era um passatempo da elite, um exerccio que os cavalheiros praticavam aps o ch datarde.

    Isso foi o que o mundo presenciou. Mas o que Federer viu foi um desafiante jovem eraivoso que ameaava usurpar seu reinado no tnis e pr fim sua tentativa de alcanar orecorde de seis vitrias consecutivas em Wimbledon, assumindo a posio de nmero 1 queele ocupava havia quatro anos. No vestirio, antes da partida, bem provvel que Nadal tenha

  • intimidado o suo a no ser que, na opinio de Francis Roig, seu segundo tcnico, Federerfosse feito de pedra.

    No momento em que se levanta da mesa de massagem, depois que Maym coloca asataduras, Rafa se torna amedrontador para os adversrios, diz Roig, ex-tenista profissional.O simples ato de amarrar sua bandana transmite uma intensidade assustadora. Seus olhos, aolonge, parecem no enxergar nada sua volta. Ento, de repente, ele respira fundo e volta vida, mexendo as pernas para cima e para baixo. Depois, como se no soubesse que seuadversrio est a apenas alguns passos de distncia, ele grita: Vamos l! Vamos l! H algode animalesco nisso. O outro jogador talvez esteja imerso nos prprios pensamentos, mas noconsegue deixar de lanar um olhar de soslaio (j vi isso acontecer vrias vezes) e pensar:Meu Deus! Aquele Nadal, que luta por cada ponto como se fosse o ltimo. Vou precisar daro mximo de mim, hoje ter de ser o dia mais importante da minha vida. E tudo isso no paravencer, mas apenas para ter uma chance.

    O desempenho ainda mais dramtico aos olhos de Roig por causa do abismo que separa oNadal competidor, com aquele algo a mais que s um campeo tem, do Nadal homemcomum, da vida privada.

    Voc sabe que uma parte dele destruda pelo nervosismo, sabe que, no dia a dia, ele um sujeito comum, sempre educado e gentil, inseguro e ansioso, mas no vestirio ele setransforma em um gigante diante dos seus olhos.

    Mas o Rafael que os familiares viram sair do vestirio e entrar na quadra central no eranem um gigante nem um gladiador que brandia seu machado, nem mesmo um touro indomvel.Estavam aterrorizados. Sabiam que ele era brilhante e corajoso e, embora nuncademonstrassem, o veneravam, mas o que viram pouco antes de a partida comear era algohumanamente muito mais frgil.

    Rafael Maym a sombra de Nadal, seu companheiro mais ntimo no extenuante circuitoglobal do tnis. Imponente, elegante, encoberto pelo 1,86m do amigo e patro, Maym, de 33anos, um maiorquino discreto, astuto e sereno que nasceu na mesma cidade de Nadal,Manacor. Desde que comeou a trabalhar como fisioterapeuta de Rafa, em setembro de 2006,os dois desenvolveram um relacionamento to prximo que praticamente teleptico. Elesmal precisam se falar para se entender, mas Maym ou Titn, como Nadal o chamaafetuosamente, apesar de o apelido no significar nada aprendeu a distinguir o momentocerto para dar opinio e para ouvir. Seu papel semelhante ao de um cavalario que cuida deum puro-sangue de corrida. Ele massageia os msculos de Rafa, enfaixa suas articulaes,acalma seu temperamento eltrico. Maym o encantador de cavalos de Nadal.

    Ele cuida das necessidades, tanto psicolgicas quanto fsicas, de Nadal naquele momento,mas conhece seus limites. Sabe que eles vo at onde comea o espao dos familiares, poisso eles o pilar que sustentam Nadal pessoal e profissionalmente.

  • Nunca demais ressaltar o significado da famlia na vida dele, diz Maym. Ou a unioque existe entre eles. Cada um dos triunfos de Rafa um triunfo de toda a famlia. Os pais, airm, os tios, a tia, os avs: eles agem de acordo com o princpio de um por todos e todos porum. Saboreiam as vitrias e sofrem com as derrotas. So como uma parte do corpo de Rafa,como uma extenso do seu brao.

    Maym diz que os familiares comparecem com tanta frequncia s partidas de Nadalporque entendem que, se no estiverem l, Rafa no alcanar o mximo de seu desempenho.

    Eles sentem que precisam estar l, no encaram isso como um dever. Mas tambm sentemque as chances de sucesso de Nadal aumentaro se, ao olhar para a multido antes do incio dapartida, ele os vir. por isso que, ao obter uma vitria importante, seu instinto pular para aarquibancada e abra-los, ou, se alguns deles estiverem em casa assistindo partida pelaTV, telefonar assim que chega ao vestirio.

    Seu pai, Sebastin Nadal, enfrentou a experincia mais tensa de sua vida na quadra centralno dia da final de Wimbledon em 2008. Assim como o restante da famlia, Sebastin estavaatormentado por uma imagem do que havia acontecido depois da final de 2007, tambm contraFederer. Todos sabiam como Rafa reagira depois daquela derrota. O pai lhes descrevera acena no vestirio de Wimbledon: o filho sentado no cho do boxe durante meia hora,tremendo, soluando, batendo p, uivando como um animal ferido, a gua que caa sobre suacabea misturando-se s lgrimas que escorriam por seu rosto.

    Eu estava com muito medo de outra derrota, no por mim, mas por Rafael, disseSebastin, um homem parrudo que um empresrio seguro e tranquilo. Ficou gravada emminha mente aquela imagem dele destrudo, no fundo do poo, depois da final de 2007, e euno queria ser obrigado a v-la novamente. Se ele perder, o que posso fazer para que aderrota seja menos traumtica?, eu pensei. Aquele era o jogo da vida de Rafael, o dia maisimportante. Foi terrvel para mim. Nunca sofri tanto.

    As pessoas mais prximas compartilhavam o sofrimento de Sebastin naquele dia, todosviam o ncleo frgil e vulnervel escondido sob a carapaa dura do guerreiro.

    A irm de Nadal, Maribel, uma universitria magra e bem-humorada cinco anos mais novaque ele, acha divertida a distncia que existe entre a percepo do pblico e a viso que temdo irmo. Ela diz que Rafa superprotetor: ele liga ou manda mensagens de texto para ela 10vezes por dia de onde quer que esteja e fica desorientado ao menor indcio de que ela possaestar doente.

    Uma vez, quando ele estava na Austrlia, o mdico pediu que eu fizesse alguns exames,nada muito grave. Mas, nas mensagens que trocamos, no toquei no assunto. Ele ia ficar doidoe provavelmente perderia a concentrao no jogo, conta Maribel, cujo orgulho pelasconquistas do irmo no ofusca a verdade, expressada com afeto brincalho, de que ele

  • como um gato assustado.A me de Nadal, Ana Mara Parera, concorda.Ele est no topo do mundo do tnis, mas no fundo um rapaz supersensvel, cheio de

    medos e inseguranas que as pessoas que no o conhecem jamais imaginariam, diz ela. Eleno gosta de escuro, por exemplo, e prefere dormir com a luz ou a TV ligada. Tambm no sesente muito vontade com raios e troves. Quando criana, ele se escondia embaixo de umaalmofada e at hoje, se algum precisa sair e pegar algo durante uma tempestade, ele nodeixa. Sem falar nos seus hbitos alimentares. Por exemplo, ele detesta queijo, tomate epresunto. Eu tambm no sou to f de presunto, mas queijo? meio esquisito.

    Alm de cheio de manias para comer, tambm cheio de manias ao volante. Rafa gosta dedirigir, talvez mais no mundo virtual do seu Playstation, companheiro constante nas viagens,do que em um carro de verdade.

    Ele um motorista prudente, diz a me. Toma muito cuidado nas ultrapassagens, pormais possante que seja seu carro.

    Maribel, entretanto, mais direta do que a me e descreve Rafael como um pssimomotorista. E tambm acha engraado que o irmo sinta medo do mar, apesar de ador-lo.

    Rafa est sempre falando que vai comprar um barco. Ele adora pescar e passear de jet ski,mas no se aventura a sair pilotando um se no for em um local de pouca profundidade. Almdisso, nunca salta de pedras altas para mergulhar, como os amigos vivem fazendo.

    Mas todas essas fraquezas no so nada se comparadas sua ansiedade mais persistente: omedo de que algo ruim acontea famlia. Alm de entrar em pnico ao menor indcio dedoena entre os familiares, ele vive preocupado com a possibilidade de eles sofrerem umacidente.

    Gosto de acender a lareira quase toda noite, diz a me, com quem ele ainda mora em umacasa grande e moderna de frente para o mar, onde tem o prprio quarto, banheiro e sala deestar. Quando sai, ele me lembra de apagar o fogo antes de eu ir dormir. Depois, liga umastrs vezes, de onde quer que esteja, para se certificar de que apaguei. Se pego o carro para irat Palma, a apenas uma hora de distncia, ele sempre pede que eu dirija devagar e comcuidado.

    Ana Mara, uma matriarca mediterrnea inteligente e forte, se surpreende com a incoernciaentre a coragem do filho nas quadras e seus temores fora delas.

    primeira vista, ele uma pessoa direta e tambm muito bondosa, mas cheio deambiguidades. Quando voc o conhece a fundo, h coisas a respeito dele que parecem nofazer muito sentido.

    por isso que ele precisa se armar de coragem antes de um grande jogo, seguir seu ritualno vestirio, forar uma mudana de personalidade, conter seus medos e seu nervosismo antesde libertar o gladiador que existe dentro dele.

  • Para as multides annimas, o homem que saiu do vestirio e entrou na quadra central paradar incio final de Wimbledon em 2008 era o Super-Homem; para os ntimos, ele tambmera Clark Kent. Um era to real quanto o outro talvez at um dependesse do outro. BenitoPrez Barbadillo, seu assessor de imprensa desde dezembro de 2006, est convencido de queas inseguranas de Rafa so o combustvel para seu ardor competitivo e tambm acha que suafamlia representa o ncleo de afeto e apoio necessrio para manter esses sentimentos sobcontrole. Antes de se tornar assessor de Nadal, Prez trabalhou por 10 anos na Associao deTnis Profissional (ATP) e conheceu, em alguns casos muito bem, a maioria dos grandesjogadores daquele perodo. Em sua opinio, Rafa diferente dos demais, seja como jogadorou como homem.

    A fora mental singular, a autoconfiana e o esprito guerreiro so o outro lado dainsegurana que o guia, afirma Prez.

    Todos os seus medos sejam eles do escuro, de tempestades, do mar ou de infortnios emsua vida familiar obedecem a uma necessidade incontrolvel.

    Nadal uma pessoa que precisa controlar tudo, diz Prez, mas, como isso impossvel,investe tudo o que tem naquela parte da vida sobre a qual tem mais domnio: Rafa, o tenista.

  • O

    captulo 2

    A DUPLA DINMICA

    PRIMEIRO PONTO SEMPRE importante, ainda mais em uma final de Wimbledon. Eu tinha mesentido bem durante toda a manh, ento precisava mostrar isso a mim mesmo na quadra. Oprimeiro saque de Federer foi bom, me forando a uma esquerda estendida. Rebati melhor doque ele esperava, mais no fundo da quadra. Ele estava se preparando para subir rede depoisdo saque, usando o impulso do corpo para a frente a fim de acrescentar fora ao lance, masminha devoluo o confundiu, obrigando-o a recuar uns passos e bater na bola com umadireita desconfortavelmente alta, em desvantagem, limitando-o a usar apenas a fora do brao.Foi uma devoluo melhor do que eu podia esperar para um saque longo e difcil, umarebatida que logo o fez pensar e se ajustar.

    Quebrar seu ritmo fcil, lev-lo ao limite, o que sempre preciso fazer ao jogar contraFederer. Foi o que Toni falou na primeira vez que enfrentei o suo, em Miami, cinco anosantes: Voc no vai superar o talento, o brilhantismo das jogadas de Federer. Ele sempre termais habilidade do que voc para criar uma jogada indefensvel do nada. Portanto, pressione-o o tempo todo, force-o a jogar no limite.

    Embora eu tenha vencido aquela primeira partida em Miami por 6-3 e 6-3, Toni tinha razo.O saque e o voleio de Roger so melhores do que os meus; sua direita provavelmente maisdecisiva, assim como seu slice de revs, e seu posicionamento na quadra tambm melhor.Havia um motivo para ele ter sido o nmero 1 do tnis mundial nos cinco anos anteriores e euter ocupado a segunda posio nos ltimos quatro. Alm disso, Federer vencera todas asedies de Wimbledon de 2003 a 2007. Ele era praticamente o dono do pedao. Eu sabia que,para ganhar, tinha de venc-lo mentalmente. A estratgia com ele nunca desistir, tentaresgot-lo do primeiro ao ltimo ponto.

    Ele rebateu aquela minha primeira devoluo estranha direto na minha esquerda e tenteidevolver a bola para a esquerda dele aplicando o plano de jogo desde o incio , mas elecontornou o lance e rebateu com um lance de direita. Agora a iniciativa era minha, eu estavano centro da quadra e ele tinha de se espalhar mais. Ento, com uma direita, ele rebateu a bolana minha esquerda, mas no com muita fora, me permitindo desvi-la direto para o fundo doseu lado da quadra, sem chance de ele evitar uma esquerda. Federer rebateu a boladiagonalmente na minha direita e ento vi a chance de fazer uma jogada decisiva. Ele estavaesperando receber mais uma vez na esquerda, mas mandei a bola na sua direita. A bola caiupouco antes da linha de fundo e ricocheteou alto, para longe, fora do alcance de Federer.

    Um primeiro ponto como aquele inspira confiana. Voc se sente em harmonia, acha que

  • est controlando a bola e no o contrrio. Naquele ponto, tive controle sobre a bola nas setevezes que a golpeei. Isso gera muita paz de esprito, os nervos funcionam a seu favor. dissoque voc precisa no incio de uma final do Grand Slam.

    Uma coisa curiosa a respeito de Wimbledon: apesar da grandiosidade do lugar e do peso daexpectativa, de todos os torneios l que consigo recriar com mais serenidade a sensao delar. Em vez de ficar numa grande sute de hotel algumas das acomodaes podem ser todesnecessariamente extravagantes que me fazem at rir , alugo uma casa em frente ao AllEngland Club. Uma casa comum, nem um pouco sofisticada, mas grande o suficiente so trsandares para que minha famlia, minha equipe e meus amigos se hospedem l tambm ouapaream para jantar comigo. Isso torna esse torneio totalmente diferente dos outros. Em vezde cada um de ns ficar isolado num quarto de hotel, temos um espao que podemoscompartilhar; em vez de ficarmos presos no trnsito para chegar s quadras em um carrooficial, caminhamos apenas dois minutos.

    Ficar em uma casa tambm significa ter de comprar nossa prpria comida. Por isso, quandoposso, vou ao supermercado local comprar alguns quitutes, como Nutella, batatas fritas ouazeitonas, que como em excesso. No sou um exemplo de alimentao saudvel, pelo menosno para um atleta profissional. Se tenho vontade de comer algo, no me privo, eu como. Porexemplo, sou louco por azeitonas. Ao contrrio de chocolate e batatas fritas, elas so um bomalimento. Mas o meu problema a quantidade. Minha me sempre me lembra de uma vez,quando eu era criana, em que me escondi dentro de um armrio e devorei um vidro grande deazeitonas. Comi tantas que vomitei e passei mal vrios dias. Esse episdio poderia ter mefeito ficar longe delas, mas no foi o que aconteceu. Tenho fissura por azeitonas e no gostoquando estou num lugar onde difcil ach-las.

    Por sorte foi fcil encontr-las em Wimbledon, mas precisava tomar cuidado com omomento em que saa para compr-las. Se eu fosse nos horrios em que o supermercadoestava cheio, podia no conseguir, porque muita gente me parava pedindo autgrafos. Esse um risco inerente minha profisso que aceito e ao qual tento reagir de bom humor. Noposso dizer no s pessoas que pedem minha assinatura, nem mesmo quelas que so mal-educadas e simplesmente enfiam um pedao de papel na minha frente, sem nem mesmo dizerpor favor. Autografo o que elas pedem, mas, nesses casos, no sorrio. Portanto, embora sejauma distrao agradvel da tenso da competio, as idas ao supermercado em Wimbledontambm tm seus momentos de presso. Afinal, o nico lugar onde posso fazer compras empaz onde posso fazer qualquer coisa como uma pessoa normal Manacor, minha cidadenatal.

    As semelhanas agradveis entre Wimbledon e Manacor so a casa em que ficamos e oprazer daquela breve caminhada at as quadras, que me faz lembrar de quando comecei ajogar tnis, aos 4 anos. Morvamos em um apartamento em frente ao clube de tnis da cidade.Eu atravessava a rua e ia treinar com tio Toni, o tcnico residente.

    A sede do clube era de tamanho mdio, dominada por um grande restaurante com um terrao

  • com vista para as quadras, todas de saibro, o que se esperaria em uma cidade de 40 milhabitantes. Certo dia me juntei a um grupo de meia dzia de crianas que tinham aulas de tniscom Toni. Adorei! Eu j era louco por futebol e sempre que meus pais deixavam eu jogavapeladas na rua com meus amigos. Para mim, qualquer atividade com bola era divertida. Eupreferia futebol, adorava fazer parte de uma equipe. Toni conta que, no incio, achei o tnischato. Mas fazer parte de um grupo ajudou e o aprendizado coletivo possibilitou tudo o queaconteceria depois. Se fssemos apenas meu tio e eu, as aulas seriam sufocantes demais. Squando eu tinha 13 anos e vi que meu futuro estava no tnis foi que ele comeou a me treinarindividualmente.

    Toni foi duro comigo desde o incio, mais do que com as outras crianas. Ele exigia muitode mim, me pressionava bastante. Usava uma linguagem rspida, gritava muito, meamedrontava, sobretudo quando os outros alunos no apareciam e ns dois ficvamossozinhos. Quando eu chegava para o treino e via que seramos s ns dois, sentia uma dor noestmago. Miguel ngel Munar, ainda hoje um dos meus melhores amigos, aparecia duas outrs vezes por semana e eu treinava quatro ou cinco vezes. Jogvamos entre 13h15 e 14h30,nosso intervalo para o almoo na escola. s vezes tambm treinava aps as aulas, quando notinha treino de futebol. Miguel ngel me lembra s vezes de como Toni, se me visse com acabea nas nuvens, jogava a bola com fora em minha direo, no para me machucar, maspara me assustar, para chamar minha ateno. Naquela idade, como meu amigo diz, a gentevivia distrado, mas eu no tinha permisso para viver nas nuvens. Ao fim de cada treino, Tonimandava que eu catasse as bolas, ou ao menos pedia a mim com mais frequncia do que aosoutros. Varrer as quadras no fim do dia tambm era responsabilidade minha. Enganava-sequem esperava que meu tio me favorecesse em qualquer aspecto. O que acontecia eraexatamente o oposto. Miguel ngel diz que, por conta do parentesco, ele me discriminava,sabendo que no poderia fazer aquilo impunemente com os outros meninos.

    Os meios de comunicao s vezes me descrevem como se eu fosse a marionete de Toni,como se ele me manipulasse desde quando eu era criana e fizesse isso at hoje, o que irrita amim e aos meus pais. Espalhou-se o boato, por exemplo, de que ele me forou a jogar com aesquerda porque assim eu seria um adversrio mais difcil. Bem, isso mentira. Os jornaisinventaram isso. A verdade que comecei a jogar muito novo e, por no ser suficientementeforte para mandar a bola por cima da rede, eu segurava a raquete com as duas mos. Ento,certo dia meu tio disse: No existem jogadores profissionais que usam as duas mos e noseremos os primeiros, portanto voc vai ter que mudar isso.

    Foi o que fiz e comecei, naturalmente, a jogar com a esquerda. No sei dizer por qu, j quesou destro e, quando jogo basquete ou golfe ou dardos , tambm uso a mo direita. Mas, nofutebol, chuto com a perna esquerda, pois meu p esquerdo muito mais forte que o direito.As pessoas dizem que isso me d uma vantagem na esquerda executada com as duas mos, oque pode ser verdade. O fato de ter mais sensibilidade, mais controle ao usar ambas as mosdo que a maioria dos jogadores deve me favorecer, em especial em lances diagonais, nos

  • quais um pouco de fora extra ajuda. Mas isso certamente no foi algo que Toni, em ummomento de genialidade, arquitetou. idiotice imaginar que ele foi capaz de me forar a jogarde uma maneira que no fosse natural para mim, mas o fato de as pessoas acreditarem nissomostra como a ideia de que eu sou o corpo e ele, a mente, ganhou fora certa vez um jornalpublicou uma matria intitulada Toni Nadal: o crebro de Rafa.

    Meu tio de fato era muito severo comigo. Minha me lembra que, quando criana, eu svezes voltava chorando dos treinos. Ela tentava me fazer falar sobre o que acontecera, mas eupreferia ficar calado. Certa vez confessei que Toni tinha o costume de me chamar de filhinhoda mame e ela ficou louca, mas implorei para que no dissesse nada a ele, porque spioraria a situao.

    Toni no dava descanso. Depois que comecei a participar de competies, aos 7 anos, elepassou a me cobrar ainda mais. Em um dia muito quente, me esqueci de levar minha garrafadgua para a partida. Ele poderia ter ido comprar uma para mim, mas no fez isso. E explicouque me deixaria sem gua para que eu aprendesse a ser responsvel. Por que no me rebelei?Porque eu gostava de jogar tnis e passei a gostar ainda mais quando comecei a vencer. Almdisso, eu era uma criana obediente e dcil e, segundo minha me, muito fcil de sermanipulada. A verdade que, se eu no adorasse o jogo, no teria tolerado meu tio. E eutambm o amava, ainda amo e sempre amarei. Eu confiava em Toni e, no fundo, sabia que eleestava fazendo o que era melhor para mim.

    Eu confiava nele a ponto de, por vrios anos, ter acreditado nas histrias mirabolantes queele contava sobre suas proezas esportivas: a vitria no Tour de France, por exemplo, ou osucesso no futebol italiano. Quando criana, minha confiana nele era tamanha que at chegueia crer que ele tinha poderes sobrenaturais. S aos 9 anos parei de acreditar que ele era ummgico capaz, entre outras coisas, de ficar invisvel. Durante reunies familiares, meu pai emeu av o ajudavam nessa brincadeira, fingindo que no conseguiam v-lo. Ento comecei aacreditar que eu podia v-lo, mas os outros no. Toni tambm me convenceu de que podiafazer chover.

    Certa vez, aos 7 anos, disputei uma partida com um garoto de 12. No acreditvamos que eutivesse muita chance, ento antes do jogo Toni me disse que, se eu estivesse perdendo por 0-5,ele faria chover para que a partida fosse cancelada. Bem, na poca achei que ele haviaperdido as esperanas cedo demais, porque comeou a chover quando eu estava perdendo por0-3. Depois ganhei os dois games seguintes e, de repente, me senti confiante. Ento fui at meutio durante a troca de quadra, quando o placar estava 2-3, e disse que ele poderia parar achuva naquele momento, pois eu acreditava que poderia ganhar. Alguns games mais tarde achuva parou e, no fim, perdi por 5-7. Mas dois outros anos se passariam antes que eu deixassede acreditar que meu tio podia fazer chover.

    Em meu relacionamento com Toni havia diverso e magia, embora durante os treinosprevalecesse uma atmosfera severa. E fomos muito bem-sucedidos. Se ele no tivesse meforado a jogar sem beber gua naquele dia e no tivesse sido rgido no treinamento, se eu no

  • tivesse chorado por causa da injustia e dos abusos, talvez no fosse o jogador que sou hoje.Ele sempre destacou a importncia da resistncia.

    Resista ao que aparecer na sua frente, aprenda a superar a fraqueza e a dor, esforce-se atchegar ao ponto de ruptura, mas nunca ceda. Se no aprender essa lio, nunca ter xito comoum grande atleta.

    Foi isso que ele me ensinou.Muitas vezes eu lutava para conter a raiva. Por que s eu varro a quadra depois do

    treino?, eu me perguntava. Por que preciso catar mais bolas que os outros? Por que ele gritacomigo dessa maneira quando mando a bola para fora? Mas tambm aprendi a internalizar araiva, a no ficar agitado por causa de injustias, a aceit-las e seguir em frente. Sim, talvezele tenha ido longe demais, mas funcionou muito bem para mim. Toda aquela tenso a cadatreino, desde o incio, me ajuda a enfrentar com mais autocontrole os momentos difceis emuma partida. Toni desempenhou um grande papel na construo do temperamento combativoque as pessoas veem em mim nas quadras.

    No entanto, meus valores e meu modo de ser que, em ltima instncia, definem meu jogo no vm de Toni, e sim dos meus pais. verdade que meu tio insistiu para que eu mecomportasse bem na quadra, servisse de exemplo e nunca arremessasse a raquete no cho comraiva, o que, de fato, jamais fiz. Mas e esta a questo , se eu tivesse sido criado em umlar diferente, talvez no tivesse prestado ateno ao que ele dizia. Meus pais sempre meimpuseram muita disciplina. Eram muito rigorosos em situaes como o comportamento mesa No fale de boca cheia! e Sente-se direito! eram ordens que eu ouvia o tempo todo e a necessidade de ser cordial e educado com todos Diga bom dia e boa tarde spessoas que encontrarmos, aperte a mo de todos. Meus pais, e tambm meu tio Toni, sempredisseram que, a despeito do tnis, o que mais desejavam era que eu me tornasse uma boapessoa. Minha me diz que, mesmo que eu no fosse bom e me comportasse como um garotomimado, ela me amaria, mas que se sentiria envergonhada demais para viajar meio mundo afim de me ver jogar. Desde cedo eles sempre falaram sobre a importncia de tratar todos comrespeito. Toda vez que nosso time perdia um jogo de futebol, meu pai insistia que eu fosse atos jogadores da equipe adversria e os cumprimentasse. Eu devia dizer a cada um deles algocomo Parabns, campeo. Voc jogou muito bem. claro que eu no gostava. Ficava tristequando perdamos e meu rosto devia transparecer que eu no estava dizendo aquilo comsinceridade. Mas eu sabia que estaria em apuros se no fizesse o que meu pai mandava. Entoobedecia. E criei esse hbito. Se for merecido, natural para mim elogiar um adversriodepois de eu ter perdido, ou at mesmo vencido, uma partida.

    Apesar de toda essa disciplina, tive uma infncia incrivelmente feliz e calorosa em famlia.Talvez seja por isso que fui capaz de suportar a severidade de Toni. Uma coisa compensava aoutra porque, acima de tudo, meus pais me davam uma incrvel sensao de segurana. Meupai, Sebastin, o mais velho de cinco irmos e eu fui o primeiro neto dos meus avs. Ouseja, desde que nasci fui paparicado pelos meus trs tios e por minha tia, que no tinham

  • filhos, e tambm por meus avs. Eles dizem que eu era o mascote da famlia, o brinquedofavorito deles. Meu pai diz que, quando eu tinha apenas 15 dias, ele e minha me medeixaram passar a noite na casa dos meus avs, onde meus tios ainda moravam. At meus 2 ou3 anos, eles me levavam ao bar quando iam encontrar os amigos, bater papo e jogar cartas,bilhar ou pingue-pongue. Portanto, estar na companhia dos adultos se tornou muito natural paramim. Tenho lembranas afetuosas daquele perodo. Minha tia Mariln, que tambm minhamadrinha, me levava praia em Porto Cristo, a apenas 10 minutos de carro de Manacor, e euficava deitado em sua barriga, cochilando ao sol. Com meus tios, eu jogava futebol nocorredor do apartamento ou na garagem. Um deles, Miguel ngel, era jogador profissional defutebol. Jogou no Mallorca e depois no Barcelona e na seleo espanhola. Quando eu era bempequeno, me levavam ao estdio para v-lo jogar. Apesar de toda a severidade de Toni, nosou um daqueles atletas cuja histria de vida se resume a superar um incio obscuro at chegarao topo. Tive uma infncia de conto de fadas.

    A forte competitividade a caracterstica que tenho em comum com todas as pessoas bem-sucedidas do mundo esportivo com quem j conversei. Quando criana, odiava perder.Fossem cartas ou um bate-bola na garagem, ficava furioso quando perdia. E ainda fico. Hapenas dois anos, perdi em um jogo de cartas com minha famlia e cheguei at a acusar osoutros de trapaa. Agora vejo que exagerei. No sei de onde vem isso. Talvez seja de ficarvendo meus tios competirem no bilhar do bar com os amigos. Porm, at eles ficavamsurpresos, porque, apesar de ser uma criana meiga, eu me transformava toda vez queparticipava de um jogo.

    Por outro lado, o desejo de vencer aliado conscincia de que preciso muito empenhopara realizar as prprias ambies sem dvida algo que vem de bero. A famlia da minhame ainda dona da mais antiga indstria de mveis de Manacor, o setor que move aeconomia da cidade. Meu av perdeu o pai aos 10 anos, mas desde muito cedo aprendeu oofcio da famlia e tornou-se um mestre moveleiro. Na casa da minha me, onde moro, aindatemos uma linda cmoda que meu av fez com as prprias mos. Ele me contou que, em 1970,2 mil camas foram produzidas em Maiorca e nas Ilhas Baleares adjacentes, Ibiza e Menorca.Metade delas foi feita em suas oficinas. Hoje meu padrinho quem administra a empresa, quecontinua a prosperar.

    A influncia gentica em mim ainda mais clara no lado paterno da famlia. No que elestenham sido sempre aficionados por esporte. Meu av, que tambm se chama Rafael, msicoe criou e dirigiu o coral da cidade. Uma histria que ele nos contou vrias vezes revela suaobstinao e determinao quando jovem. Hoje, com mais de 80 anos, ele continua forte etrabalha com pera para crianas. Em 1940, quando tinha apenas 19 anos, o diretor da entorecm-formada orquestra sinfnica de Maiorca perguntou se ele podia preparar o coral parauma apresentao da Nona sinfonia de Beethoven em Palma, a capital da ilha. Issoaconteceu pouco depois da Guerra Civil espanhola, poca de extrema pobreza no pas. Foiuma empreitada incrivelmente ambiciosa, ainda mais porque, dos 84 integrantes, somente meia

  • dzia sabia ler partituras. Os outros eram amadores. Mas meu av no deixou que isso oimpedisse. Eles ensaiaram todos os dias durante seis meses e meio at o dia em que ummaiorquino ouviu a Nona de Beethoven pela primeira vez, ao vivo, em um teatro, como elecostuma dizer. Foi um dia importante na histria da ilha e que provavelmente no teriaacontecido sem ele.

    Acho que meu av ficou decepcionado por nenhum de seus cinco filhos ter demonstradoaptido para a msica e surpreso por trs deles terem se revelado excelentes no esporte. Masmeu pai no seguiu nenhum desses caminhos. Ele um homem de negcios, daqueles que notrabalham apenas pelo dinheiro, mas tambm pelo prazer. Adora concluir transaes, fundarempresas, criar empregos. Sempre foi assim.

    Aos 16 anos ele vendia seguros de porta em porta. Ento, em um vero, para poder compraruma motocicleta, montou um fliperama e um bar para turistas na praia de Porto Cristo. Aos 19,enxergou o potencial no mercado de vendas de carros usados. Descobriu que os despachantesestavam cobrando muito caro pela papelada necessria para transferir a propriedade dosveculos e pensou em como oferecer aquele servio por um preo mais baixo. Por um breveperodo trabalhou em um banco, mas achou a rotina tediosa e ento, por intermdio de umamigo do meu av que, alm de msico, tambm atuava como corretor de imveis ,comeou a trabalhar em uma vidraaria em Manacor. Eles cortavam vidros para janelas,mesas e portas. A empresa prosperou graas rpida expanso do turismo em Maiorca e, emtrs anos, meu pai obteve um emprstimo, com meu tio Toni como scio, e comprou aempresa. Toni no levava jeito para os negcios nem se interessava por eles, portanto meu paifazia todo o trabalho, permitindo que o irmo desempenhasse, em tempo integral, a funo detcnico de tnis e se dedicasse a mim. Hoje meu pai est mais ocupado do que nunca. Eleainda o dono da vidraaria em Maiorca, lida com corretagem de imveis e, maisrecentemente, comeou a cuidar da minha vida financeira, sempre apostando em investimentoslucrativos em potencial. Graas sorte que tive e aos contatos que fiz, ele est atuando emmbito internacional, em negcios de alto nvel, planejando investimentos conjuntos emlugares como a Sua e o Qatar e desenvolvendo projetos imobilirios na Espanha continentale no Mxico. Ele no precisa fazer nada disso para si mesmo, mas faz por mim e tambmporque gosta. Meu pai no para, est sempre buscando novos desafios. Talvez seja por issoque todos na famlia dizem que puxei a ele.

    Os tios esportistas eram Toni, que jogou tnis profissionalmente antes de se tornar tcnico;Rafael, que jogou futebol em Maiorca durante vrios anos; e Miguel ngel, que chegou aotopo no futebol. Sua grande oportunidade surgiu quando ele tinha apenas 19 anos e foicontratado pelo Mallorca, que disputava a primeira diviso espanhola. Em 3 de junho de1986, o dia em que ele assinou o contrato (com meu pai atuando como agente), eu nasci.Miguel ngel era um zagueiro central alto e forte, que sabia se posicionar em campo, mas noera especialmente rpido nem espetacularmente habilidoso. Qualquer pessoa que ficaimpressionada com meu preparo fsico ou com minha determinao deveria olhar para meu

  • tio: ele jogou na primeira diviso do futebol profissional at os 30 anos, disputou 62 partidaspela seleo e mais de 300 jogos pelo Barcelona em oito temporadas, sagrando-se cincovezes campeo da liga nacional e vencendo a mais importante competio de clubes, a Ligados Campees. Fui v-lo jogar muitas vezes, mas me lembro sobretudo do dia que me levouao estdio Camp Nou, do Barcelona, o maior da Europa, quando eu tinha 10 anos, para jogarcom meia dzia de titulares depois do fim do treino. Naquele dia usei uma camisa doBarcelona. Muito tempo se passou at minha famlia parar de pegar no meu p porque, apesarde adorar meu tio Miguel ngel, sempre fui e sempre serei um torcedor do Real Madrid.Como todos sabem, o Real e o Bara so os dois maiores rivais do futebol espanhol. Por quetoro para o Real? Porque meu pai torce. Toni torce para o Bara. Por a d para ver qual dosdois me influenciou mais.

    Todos os integrantes da minha famlia contriburam para minha formao. Com meu tioMiguel ngel tive a sorte de experimentar o tipo de vida que me esperaria depois que eu meconsolidasse como jogador de tnis. Ele era um grande astro, especialmente em Maiorca. Noesporte, junto com o tenista Carlos Moy, que chegou ao primeiro lugar no ranking mundial,ele era o orgulho da ilha. Meu tio foi um grande exemplo para mim. Ele me mostrou um poucodo que eu viveria: ganhou dinheiro e ficou famoso, era destaque nos meios de comunicao esempre assediado e festejado aonde quer que fosse. Mas nunca se levou muito a srio, jamaisacreditou que realmente merecia toda aquela bajulaco e sempre permaneceu uma pessoamodesta e sincera. O fato de, para mim, ele sempre ter sido apenas meu tio significou quetambm aprendi, desde muito cedo, a relativizar essa histria de celebridade e a manter os psno cho. Miguel ngel imprimia um carter prtico, de carne e osso, s lies de humildadeque meu tio Toni e meus pais me ensinaram desde cedo. Tenho plena conscincia agora de quetudo o que aconteceu comigo no foi por causa de quem eu sou, mas por causa do que eu fao.Existe uma diferena. De um lado est o Rafa Nadal, o tenista que as pessoas veem triunfar;do outro estou eu, Rafael, o homem comum, como sempre fui e que teria sidoindependentemente do que tivesse feito na vida, fosse famoso ou no. Miguel ngel tambmfoi importante para meus familiares: a experincia com ele os preparou para a experinciacomigo. Eles puderam lidar com a minha fama com mais facilidade e naturalidade.

    Miguel ngel, atual tcnico assistente do RCD Mallorca, que disputa a primeira diviso daEspanha, me mostra hoje em dia que outras pessoas cujos familiares so famosos nem sempremantm os ps no cho quando se tornam conhecidas. Ele diz que, alm de qualquer coisa quepossa ter feito, foram meus pais e Toni que me prepararam para lidar com as questescomplexas da fama e tambm me elogia por ter tido a inteligncia para aprender to bemaquelas lies. Talvez Miguel ngel tenha razo em acreditar que no estou plenamenteconsciente da magnitude do que conquistei. Se for esse o caso, melhor assim.

    As coisas poderiam ter sido muito diferentes para mim se eu tivesse optado por ganhar avida jogando futebol em vez de tnis. Futebol era o esporte que todas as crianas praticavamem Maiorca, tivessem ou no alguma ligao familiar com o esporte. Eu levava o jogo muito a

  • srio. No incio da sua carreira profissional, Miguel ngel morava na casa dos meus avs.Quando ele tinha um jogo no dia seguinte, eu dizia na noite anterior: Vamos, voc precisatreinar! Precisamos ganhar amanh!

    E, com grande solenidade, s dez da noite, eu, com apenas 4 anos, levava Miguel ngel emeu tio Rafael at a garagem para uma sesso de corrida, com e sem bola. engraado pensarnisso agora, mas acho que a conscincia da importncia de se preparar bem para o sucesso noesporte reforou em mim a ideia que sempre tive de que, em um jogo, voc colhe o que planta.

    O futebol sempre foi minha paixo. Se eu estiver disputando um torneio na Austrlia ou emBangcoc e um jogo do Real Madrid passar na TV s cinco da manh, eu acordo para assistir s vezes, mesmo que haja uma partida mais tarde naquele mesmo dia. E, se necessrio,organizo meu treino de acordo com o horrio dos jogos. Sou fantico. Meu padrinho lembraque, quando eu tinha 4 anos, ele me mostrava os escudos de todos os times da primeiradiviso espanhola e, para sua surpresa, eu era capaz de dizer o nome correto de todos. Mesmonos bate-bolas com meus tios na garagem, eu ficava com muita raiva quando perdia. Meu tioRafael ainda se lembra, com certo sofrimento, das vezes em que eu ficava na casa dele nasnoites de sexta-feira e o acordava s 9h30 no sbado para jogar bola, depois de ele ter ido sedeitar s cinco da manh. Eu sempre o convencia a se levantar. Parte dele me odiava naquelemomento, mas ele diz que era impossvel resistir ao meu entusiasmo. Hoje a situao seinverteu. Sou o mais velho de 13 primos e so eles que me acordam para jogar depois de umalonga noitada. Mas estou sempre disposto, porque gosto muito e porque nunca me esqueo decomo eu levava aquilo a srio quando criana, principalmente depois de ter comeado acompetir pelo time de Manacor na diviso mirim, aos 7 anos.

    Meu pai e Miguel ngel gostam de recordar como, depois de cada partida, eu analisava asjogadas com a mesma ateno com que assistamos aos jogos do meu tio na primeira diviso.Eu discutia minhas falhas e os muitos gols que fazia como ponta-esquerda (cerca de 50 portemporada), apesar de ser um ano mais jovem que os demais jogadores. Treinvamos asemana toda, mas na vspera das disputas eu ficava uma pilha. Acordava s seis da manhpara idealizar o jogo e me preparar mentalmente. Para me acalmar, eu sempre limpava eengraxava as chuteiras antes das partidas. Minha me e minha irm riem quando se lembramdisso: dizem que, quando o assunto esporte, sou uma pessoa disciplinada e ordeira, mas quepara todo o restante sou distrado e catico. Elas tm razo. Meu quarto est semprebagunado inclusive nos hotis, quando viajo e costumo esquecer coisas. Minhaconcentrao vai toda para o jogo, como acontecia quando eu era criana. Visualizava asjogadas, imaginava os gols que marcaria e os passes que faria. Eu me alongava no quarto, mepreparava quase com a mesma intensidade com que me preparo antes de uma grande partidade tnis hoje em dia, e tambm ficava muito tenso. Lembrando agora engraado, mas aquiloera tudo para mim. No incio o futebol era mais importante do que o tnis, apesar daintensidade dos meus treinos com Toni, que tentava me convencer de que um dia eu ganharia avida jogando nas quadras. Naquela poca meu sonho, como o de tantos meninos da minha

  • idade na Espanha, era ser jogador profissional de futebol. Embora tambm estivesseparticipando de competies de tnis desde os 7 anos, e me saindo bem, eu sempre ficavamais nervoso antes de uma partida de futebol. Acho que isso acontecia porque eu tinhaconscincia de que no estava jogando apenas para mim mesmo e me sentia responsvel emrelao aos companheiros de time.

    Eu tambm tinha uma f cega em nossa capacidade de vencer, mesmo quando tudo pareciaestar perdido. Meus tios lembram como eu, muito mais do que os outros meninos do time,achava que nossas chances eram maiores. Em jogos em que estvamos perdendo por 5 a 0, euficava no vestirio gritando: No vamos desistir! Ainda podemos ganhar!

    Certa vez perdemos por 6 a 0 em Palma e, no caminho de volta, eu disse: Isso no temimportncia. Quando jogarmos em casa, vamos ganhar.

    Felizmente havia mais vitrias do que derrotas. Eu me lembro bem de muitos jogos, emespecial da temporada em que ganhamos o campeonato das Ilhas Baleares, quando eu tinha 11anos. A deciso foi contra o Mallorca, o grande time da capital. No fim do primeiro tempoestvamos perdendo por 1 a 0, mas viramos o jogo e acabamos ganhando por 2 a 1. Umpnalti decidiu o jogo a nosso favor. Uma entrada minha na grande rea fez com que umjogador do outro time defendesse a bola com a mo bem em cima da linha do gol. O maisnormal seria que eu cobrasse o pnalti, j que era o artilheiro do time, mas no me arrisquei.Voc me v hoje em dia disputando a final de Wimbledon e talvez se pergunte por qu. Bem, afora de carter foi algo que precisei trabalhar. Eu no estava preparado para assumir aquelaresponsabilidade naquele momento. Por sorte, um companheiro de equipe marcou o gol. Aalegria de ganhar aquele campeonato foi to grande quanto a de vencer meu primeiro torneiodo Grand Slam. Pode parecer estranho, mas as duas sensaes so comparveis. Naquelemomento, aquela era minha maior aspirao. A empolgao e a sensao de triunfo foramiguais, s que em um palco menor.

    Acho que no h nada em nenhuma outra rea da vida que seja to emocionante quantovencer no esporte, independentemente da modalidade e do nvel de competio. No hsensao mais intensa ou alegre. E, quanto mais se deseja ganhar, maior o arrebatamentoquando se bem-sucedido.

    Minha primeira amostra dessa sensao no tnis aconteceu quando eu tinha 8 anos e venci ocampeonato das Ilhas Baleares na categoria sub-12. Para mim, aquela foi uma das maioresvitrias da minha carreira. Uma diferena de quatro anos naquela faixa etria parece umaeternidade, pois as crianas mais velhas na minha categoria pareciam seres distantes esuperiores. Foi por isso que entrei no torneio sem ter esperana alguma de ganhar. Eu s haviavencido um torneio at ento, jogando com crianas da mesma idade que eu. Mas, quelaaltura, havia um ano que eu estava treinando com Toni praticamente uma hora e meia por dia,cinco dias por semana. Acho que nenhum outro competidor daquele torneio treinava tantoquanto eu ou tinha um tcnico to severo quanto o meu. Tambm acho que, com a ajuda deToni, eu entendia melhor o jogo do que as outras crianas. Era isso que me dava, e talvez

  • ainda me d, certa vantagem.Ao assistir ao jogador nmero 10 e ao 500 na classificao mundial treinando, nem sempre

    possvel dizer qual deles ocupa uma posio mais alta no ranking. Sem a presso dacompetio, eles se mexem e batem na bola de forma muito parecida. No entanto, saber jogarno se resume a bater bem na bola, mas tambm implica fazer as escolhas certas, decidir entreuma deixadinha ou uma batida forte na bola, uma bola alta ou uma longa, um backspin, umtopspin ou uma bola limpa, e escolher em que parte da quadra mirar. Toni me fazia pensardesde muito cedo nas tticas bsicas do tnis. Se eu fizesse bobagem, ele perguntava: Ondevoc errou?

    Depois conversvamos e analisvamos detalhadamente meus erros. Em vez de metransformar em sua marionete, ele se esforava para que eu pensasse por conta prpria. Tonidizia que o tnis um jogo no qual voc precisa processar vrias informaes muito depressa,pensando melhor do que seu adversrio para vencer. E, para pensar direito, voc deve mantera calma.

    Levando-me sempre ao limite, ele intensificou minha fora mental, um esforo que rendeudividendos nas quartas de final daquele primeiro campeonato sub-12, em uma partida na qualmeu adversrio, um garoto trs anos mais velho que eu, era o favorito. Perdi os trs primeirosgames sem marcar nenhum ponto, mas acabei vencendo os sets. Tambm venci a final em doissets. Ainda tenho o trofu em casa, ao lado dos outros conquistados como profissional.

    Foi uma vitria muito importante, pois me proporcionou o mpeto para tudo o que veiodepois. O cenrio, no entanto, no foi nada glorioso. Na final, em Ibiza, cerca de 50 pessoasapareceram, em sua maioria parentes. Lembro que eles ficaram felizes quando venci, mas nofoi nada de extraordinrio. Nenhuma comemorao animada, pois no do nosso feitio.Algumas crianas, tanto no tnis quanto em outros esportes, so guiadas pela ambio dos pais em geral a do pai. Eu tinha Toni. Mas a intensidade do seu desejo de vitria eracontrabalanada de forma saudvel pela atitude tranquila do meu pai. Ele no se parecia emnada com aqueles pais que desejam realizar os prprios sonhos frustrados por meio dosucesso dos filhos. Ele me levava aos jogos por toda a ilha de Maiorca nos fins de semana nunca serei suficientemente grato a ele por isso e me via jogar no porque queria que eu metornasse um astro, mas porque queria que eu ficasse feliz. Nunca passou pela minha cabeanaquela poca que eu acabaria me tornando um tenista profissional, muito menos queconquistaria tantas vitrias.

    Eu e meu pai sempre nos lembramos de uma histria da minha infncia que revela a atitudedele em relao a mim e a minha em relao ao tnis, e como elas eram diferentes. Erasetembro, logo aps as frias de vero, e eu tinha vencido o campeonato das Ilhas Baleareshavia dois anos. Em agosto, me divertira muito pescando, nadando no mar e jogando futebolna praia com meus amigos. Porm no tinha treinado muito, e um campeonato surgiu de umahora para outra em Palma. Meu pai, como sempre, me levou de carro at l e eu perdi. Aindame lembro do placar: 6-3, 6-3, contra um adversrio que eu deveria ter derrotado. Na volta

  • para casa, fiquei em silncio. Meu pai, que nunca tinha me visto to desanimado, tentou mealegrar e disse:

    Vamos, isso no nada. No fique triste. No se pode ganhar sempre.No respondi. Ele no havia conseguido acabar com meu mau humor, ento prosseguiu: Voc teve um vero maravilhoso com seus amigos, ento contente-se com isso. No d

    para ter tudo. Voc no pode ser um escravo do tnis.Ele achava que estava apresentando um argumento convincente, mas eu ca em prantos, o

    que o chocou ainda mais, porque eu nunca chorava. No naquela poca. Ele insistiu: Vamos, voc teve um vero incrvel. No basta? Basta, pai respondi , mas toda a diverso do vero no compensa a dor que estou

    sentindo agora. Nunca mais quero me sentir assim.Meu pai repete essas palavras at hoje e ainda fica perplexo por eu ter dito algo to

    perspicaz e proftico quando ainda era to jovem. Ele considera aquela conversa que tivemosno carro um momento decisivo, o dia em que passou a entender o filho de outra maneira. E omodo como passei a compreender minhas prprias ambies tambm mudou. Percebi que oque mais me chateava era a sensao de ter sido uma decepo para mim mesmo, de terperdido sem me esforar ao mximo. Em vez de voltar para casa, ele me levou a umrestaurante beira-mar para comer meu prato favorito na poca: camares fritos. No falamosmuito durante a refeio, mas sabamos que havamos cruzado uma ponte. Eu dissera algo queme definiria e moldaria por muito tempo.

    Onze anos mais tarde, em 2007, revivi aquela sensao de desespero depois de perder afinal de Wimbledon para Roger Federer. Enquanto as lgrimas rolavam, pensei: Nunca maisquero me sentir assim. E tive novamente esse mesmo pensamento, mas com um estado deesprito muito mais sereno e construtivo, no incio da final de 2008.

    Marcar, e bem, aquele ponto no servio de Federer foi o primeiro passo para curar umamgoa que eu carregava havia 12 meses. Porm, no segundo ponto, aps um bom rali, tenteiuma jogada decisiva cedo demais e mandei a bola para fora com uma direita bastanteimpulsiva. Voltei estaca zero. O tnis isso. Voc marca um ponto incrvel, vence com umbelo lance no fim de um rali tenso, mas, no placar final, nada disso vale mais do que o pontoque dei para ele. nessa hora que entra em jogo a fora mental, que o que distingue oscampees dos quase campees. Voc esquece imediatamente aquela falha e limpa a mente.No permite que seu crebro fique remoendo aquilo. Em vez disso, utiliza a fora de termarcado o primeiro ponto e s pensa no que vir a seguir.

    O problema que ele logo comeou a mostrar por que era o melhor do mundo. Venceu ogame com uma esquerda diagonal rpida como um tiro, uma direita no fundo da quadra e umace. Voltei para a minha cadeira mais ligado e, de certa forma, mais forte por ter recebido umlembrete instantneo de que aquela no seria uma vitria fcil como a que eu obtivera contraele no Aberto da Frana 28 dias antes, um lembrete tambm de que o servio de Federer emuma superfcie de grama, que favorece quem saca bem, era muito melhor do que o meu.

  • Ele venceu o primeiro game e s cheguei a 15 no placar, mas havia uma consolao e eucontinuava a acreditar na vitria. Apesar de ter perdido quatro dos cinco pontos, fizemoslongos ralis em cada um deles e, em todos, mantive o ritmo certo. Ele teve de lutar paramanter o servio. A desvantagem era que eu teria de subir rede, provavelmente durante todoo set, para ficar no mesmo nvel que ele.

    Tudo correu melhor do que eu havia esperado. O plano era sacar no canto esquerdo dele, oque fiz em todos os pontos no segundo game e praticamente em todos os pontos de servio aolongo do jogo. O quarto ponto daquele game me incentivou a seguir aquela estratgia. Saqueina esquerda dele. Federer devolveu a bola com um slice alto que rebati novamente naesquerda, e isso se repetiu vrias vezes: eu mandava uma bola alta com topspin na esquerdadele, mantendo-o desconfortavelmente no fundo da quadra. Quatro bolas, uma depois da outra,no mesmo ponto, no alto e esquerda dele. A cada vez, sua nica opo era mandar um slicepara o centro da quadra, dando tempo para que eu me posicionasse e colocasse a bolaexatamente onde queria. Se eu tivesse batido para a direita, ele teria arriscado um rebote maisdireto e forte e eu talvez perdesse controle do ponto. Daquela maneira, controlei o ponto e eleacabou perdendo a calma em um momento crtico e tentando um drive de esquerda que saiualto e fora de trajetria. Eu no ia vencer todos os pontos daquela maneira, mas aquele era umsinal claro de que deveria me ater ao plano de jogo.

    No game seguinte, o grande avano. Federer s havia perdido dois games de servio emseis partidas at chegar final; aquele seria o terceiro. Marquei um nico ponto com um golpefundo no canto direita dele, mas, durante o restante do tempo, o mantive no fundo da quadra,do lado esquerdo. Ele errou trs lances. Eu estava na frente por 2-1, o prximo servio erameu e, at ento, estava vencendo a batalha psicolgica, o que geralmente faz com que vocjogue melhor do que o adversrio, porque est pensando com mais clareza. Eu estavasatisfeito, mas no radiante. Havia um longo caminho frente e qualquer ideia de vitria,qualquer indcio de um filme com final feliz que entrasse na minha mente naquele momentoteria sido um desastre. Eu precisava me manter concentrado e mostrar a ele, por meio dasminhas aes e do meu comportamento, que no esmoreceria em nenhum ponto. Se elequisesse vencer, teria de jogar muito bem cada ponto; precisaria no somente estar, mastambm permanecer, no auge da sua performance por muito tempo. Meu objetivo era transmitira Federer a ideia de que ele ia ter de passar horas a fio no limite.

    Ele captou a mensagem. No voltou a fraquejar. Mas era tarde demais. Ns dois jogamos nomximo de nossas capacidades at o final do primeiro set, mas eu mantive todos os meusgames de servio e venci por 6-4.

  • O tio Toni

    Pergunte a Toni Nadal quais foram suas ltimas palavras para o sobrinho antes de sair dovestirio de Wimbledon no incio da final de 2008 e ele responder: Eu disse a ele quelutasse at o final e resistisse.

    Pergunte por que Rafa chegou ao topo do tnis mundial e ele dir: Porque o que importa a sua cabea, sua atitude, o fato de querer mais, de resistir mais do que o adversrio.

    Pergunte o que ele diz a Rafa nos dias em que o corpo se rebela e a dor parece grandedemais para competir na quadra e a resposta ser: Digo a ele: Voc precisa escolher entredois caminhos: dizer a si mesmo que basta e cair fora ou estar preparado para sofrer e seguirem frente. preciso escolher entre perseverar ou desistir.

    Resistncia uma palavra que Toni martela na cabea de Rafa desde muito cedo. Elaexpressa uma filosofia de vida espartana e incomum em uma ilha e em um pas em que reina ohedonismo. Toni parece um espanhol de uma era antiga, um descendente de Hernn Corts, oconquistador que desembarcou no Mxico no sculo XVI com uma fora de apenas 100homens, incendiou os barcos para que ningum se sentisse tentado a fugir para casa e, depoisde superar privaes incrveis e probabilidades ultrajantes, derrotou o imprio asteca,reivindicando seu tesouro e suas vastas terras para a coroa espanhola.

    Corpulento e moreno, com pernas grossas e fortes, Toni daria um bom conquistador. Frio edeterminado, ele direto e no parece se esforar muito para cair nas graas das pessoas sua volta. Ele no indelicado: aos olhos da famlia, generoso at demais com estranhos quepedem ingressos para partidas ou jornalistas atrs de uma declarao. Porm, com as pessoasmais prximas, apesar de ser bastante leal, ele pode ser mal-humorado, grosseiro e brigo.No a ovelha negra da famlia porque os Nadal, muito unidos, no condenam nenhum ente aoostracismo. Mas Carlos Costa, que conhece a famlia muito bem, afirma que Toni diferente: mais ranzinza do que os irmos, mais do contra um moralizador comopinies rgidas que est sempre pronto a discutir.

    No entanto, ao contrrio do que as aparncias sugerem, ele no to severo nem tosemelhante a um conquistador. Rafa Nadal s vezes reclama um pouco, e seus pais mais ainda,da tendncia da mdia em acreditar que ele no seria nada sem Toni. A probabilidade de que o

  • inverso seja verdade a mesma. A verdade que Toni e Rafa dependem um do outro, poisseus pontos fortes e fracos se complementam. Eles so mais poderosos como uma dupla doque seriam por conta prpria.

    Toni certa vez sonhou que poderia se tornar um tenista campeo. Quando jovem, era umexcelente jogador e ganhou fama como um dos melhores de Maiorca. Tambm foi o melhorjogador de tnis de mesa da ilha durante um tempo, bem como um enxadrista de renome emsua c