Rafael Carvalho -Texto Final - III Jornada PET de História

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Akhenaton e a “monolatria” ao Disco Solar Rafael de Andrade Carvalho 1 Resumo: O presente trabalho reflete as temáticas central e periféricas de minha pesquisa, a qual está sendo desenvolvida no Laboratório PLURALITAS UFRRJ / CPNp, sob a orientação do Professor Doutor Luís Eduardo Lobianco e que resultará na elaboração de minha monografia de fim de curso de graduação em História. Meu estudo está voltado para a chamada “Reforma de Amarna”, promovida pelo Faraó Amenhotep IV / Akhenaton, durante seu reinado de aproximadamente 18 anos (1353 a 1335 a.C.), portanto na XVIII Dinastia e no período conhecido pela egiptologia por Reino Novo. Tal “reforma”, embora nos apresente inovações na iconografia faraônica e nos revele seus claros contornos políticos, teve por essência o campo religioso, a saber: a instalação do culto monolátrico ao disco solar o deus Aton. Palavras-chave: Faraó Akhenaton; Monolatria; deus Aton. Introdução: O objeto do presente estudo é a “Reforma de Amarna”, realizada por Amenhotep IV/ Akhenaton, 10º Faraó da XVIII Dinastia, a 1ª do chamado Reino Novo, soberano este que foi sucessor de Amenhotep III e antecessor de Semenkhkaré e na sequência Tutankhamon, todos os quatro tendo governado o Egito no século XIV a.C. O reinado de Akhenaton estendeu-se, segundo boa parte da historiografia, de 1353 a 1335 a.C., portanto o período conhecido pela egiptologia como “Amarniano” ou “de Amarna” está inserido neste recorte cronológico de menos de 20 anos. Este nome é derivado da atual localidade egípcia de Deir el-Amarna, o qual se refere a Akhetaton a cidade construída por este soberano, no Médio Egito, para ser a sede de seu reinado e da qual só restam ruínas, uma vez que após a morte de Akhenaton, seus sucessores destruíram-na, objetivando eliminar a “reforma político-religiosa” por ele proposta. No Egito Faraônico tinha-se a noção de que uma vez desaparecida uma imagem, sua os efeitos gerados por sua representação igualmente eram anulados. Notemos que o segundo sucessor de Akhenaton já tem no sufixo de seu nome, a volta do culto ao deus Amon: Tutankhamon. 1 Orientador: Professor Doutor Luís Eduardo Lobianco.

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Akhenaton e a “monolatria” ao Disco Solar

Rafael de Andrade Carvalho1

Resumo:

O presente trabalho reflete as temáticas central e periféricas de minha pesquisa, a qual

está sendo desenvolvida no Laboratório PLURALITAS – UFRRJ / CPNp, sob a orientação do

Professor Doutor Luís Eduardo Lobianco e que resultará na elaboração de minha monografia

de fim de curso de graduação em História. Meu estudo está voltado para a chamada “Reforma

de Amarna”, promovida pelo Faraó Amenhotep IV / Akhenaton, durante seu reinado de

aproximadamente 18 anos (1353 a 1335 a.C.), portanto na XVIII Dinastia e no período

conhecido pela egiptologia por Reino Novo. Tal “reforma”, embora nos apresente inovações

na iconografia faraônica e nos revele seus claros contornos políticos, teve por essência o

campo religioso, a saber: a instalação do culto monolátrico ao disco solar – o deus Aton.

Palavras-chave: Faraó Akhenaton; Monolatria; deus Aton.

Introdução:

O objeto do presente estudo é a “Reforma de Amarna”, realizada por Amenhotep IV/

Akhenaton, 10º Faraó da XVIII Dinastia, a 1ª do chamado Reino Novo, soberano este que foi

sucessor de Amenhotep III e antecessor de Semenkhkaré e na sequência Tutankhamon, todos

os quatro tendo governado o Egito no século XIV a.C. O reinado de Akhenaton estendeu-se,

segundo boa parte da historiografia, de 1353 a 1335 a.C., portanto o período conhecido pela

egiptologia como “Amarniano” ou “de Amarna” está inserido neste recorte cronológico de

menos de 20 anos. Este nome é derivado da atual localidade egípcia de Deir el-Amarna, o

qual se refere a Akhetaton – a cidade construída por este soberano, no Médio Egito, para ser a

sede de seu reinado e da qual só restam ruínas, uma vez que após a morte de Akhenaton, seus

sucessores destruíram-na, objetivando eliminar a “reforma político-religiosa” por ele

proposta. No Egito Faraônico tinha-se a noção de que uma vez desaparecida uma imagem, sua

os efeitos gerados por sua representação igualmente eram anulados. Notemos que o segundo

sucessor de Akhenaton já tem no sufixo de seu nome, a volta do culto ao deus Amon:

Tutankhamon.

1 Orientador: Professor Doutor Luís Eduardo Lobianco.

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Minha pesquisa tem por foco os campos político, religioso, social e artístico, buscando

entender as razões que fomentaram Amenhotep IV a implantar em uma cultura

tradicionalmente politeísta, como a do Egito Faraônico, o culto de adoração a um deus único:

Aton - o disco do sol - e exatamente por este motivo tal soberano se autoproclamou

Akhenaton (“Aquele que serve a Aton”). Uma das questões centrais de meu trabalho é

detectar qual prática foi imposta por este Faraó: uma monolatria ou um monoteísmo? Outro

ponto de argumentação é a observação da rejeição ao legado de Akhenaton e sua nova prática

religiosa, após sua morte. A percepção das novas formas de manifestação artística do período

de Amarna é também foco desta pesquisa, a qual opera, unicamente, com um corpus

iconográfico, que mostra a família real em cenas privadas - uma inovação na iconografia

faraônica - e em adoração ao disco solar Aton.

O culto a Aton em Amarna: monolatria ou monoteísmo ?

Uma das principais abordagens teóricas, que embasam minha pesquisa, é a discussão

que envolve os conceitos de monolatria e monoteísmo aplicados ao período de Amarna. Teria

a “reforma”, estabelecida por Akhenaton, implantado no tradicional Egito politeísta um culto

monolátrico ou monoteísta, no que concerne ao deus Aton? Quem nos esclarece tal questão é

o Professor Ciro Flamarion Cardoso (CARDOSO, 2008: 2) ao mostrar que:

“Ao se tratar de monoteísmo e politeísmo, convém que esclareçamos

os próprios termos. À primeira vista, a distinção parece clara e

incontrovertível: o politeísmo é a crença em muitos deuses [...]; e o

monoteísmo é a crença num único ser divino, concentrando-se o culto

exclusivamente em tal divindade já que outras não existem. [...]. É inexato,

outrossim, pensar que, entre politeísmo e monoteísmo, inexistam situações

intermediárias [...]. No Egito antigo [...], podemos citar quatro desses

processos: (1) a monolatria, entendida como a concentração de uma pessoa

ou de uma tendência religiosa num único deus, sem negar que existam

outros; [...].” 2

2 Negritos de destaque meus.

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Especificamente no caso de Akhenaton e da Reforma de Amarna, conclui este mesmo

autor (CARDOSO, 2008: 5):

“A favor da monolatria atonista,3 [...], está o fato de Akhenaton

salientar, no texto mais antigo (do ano 5) 4 inscrito nas estelas com que

delimitou o território de Akhetaton,5 que tal território havia sido

consagrado pelo monarca ao Aton por não ter achado nele tumbas e

templos, porque “não pertencia a um deus ou a uma deusa”, nem a

qualquer governante [...]. Isto parece indicar o desejo do rei de achar um

local virgem de conotações religiosas de qualquer tipo para consagrá-lo em

caráter único a seu deus solar, sem, no entanto, negar a existência de

outras divindades – ou que outras localidades “pertencessem” a tais

divindades, ou a faraós divinizados do passado, ou a mortos que, enterrados

segundo o ritual, partilhassem com os deuses a mesma dimensão.” 6

A partir da transcrição acima, notamos que o culto ao deus solar Aton, instalado no

Egito na “Reforma de Amarna”, não é um monoteísmo, mas sim uma monolatria.

A inovação dos padrões iconográficos do período de Amarna:

Quanto às novidades, no que tange à iconografia faraônica, tal período foi marcado

por duas características que diferem as imagens do reinado de Akhenaton daquelas dos

demais Faraós. A principal é a própria representação do soberano, de forma andrógina, a meu

ver proposital, não por acaso, uma vez que ao instalar esta reforma político-religiosa, este

monarca pretendeu ser visto como um novo Atum ( “Aquele que é e Aquele que não é”), o

deus criador, que segundo a narrativa mitológica de Heliópolis, se autogerou e emergiu do

Caos inicial - o Nun: as águas primordiais - e era uma divindade andrógina, portanto

simultaneamente masculino e feminino, concebeu sozinho o primeiro casal de deuses

faraônicos: Chu - o ar seco - e Tefnut - a umidade.

Fazendo-se representar com silhueta andrógina - tal qual será ilustrado nas duas

iconografias que trago a este trabalho -, entendo que Akhenaton pretendeu ser um novo Atum,

3 Referente ao deus Aton, o disco solar. 4 Ano 5 de seu reinado, ou seja, 1348 a.C. / AEC. 5 Akhetaton, como já citado na Introdução deste trabalho, foi a “capital” ou sede do reinado de Akhenaton,

cidade por ele fundada, no Médio Egito, onde nada antes existia e nada foi reconstruído após sua morte. 6 Negritos de destaque meus.

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buscando “refundar” o Egito, portanto recomeçando uma nova cosmogonia7 e teogonia8

faraônicas. Aliás, não apenas o rei, mas também a rainha Nefertiti, ambos têm caraterísticas

corporais, que mesclam o masculino e o feminino.

A outra particularidade da arte de Amarna é constituída por cenas privadas da família

real, até então desconhecida na iconografia faraônica, tal qual também estão ilustradas nas

duas fontes iconográficas a seguir apresentadas. Em ambas as imagens, estão presentes o

Faraó, a rainha e suas filhas, na primeira, todos adorando o disco solar – o deus Aton - e, na

segunda, ainda que em cena íntima, a família real encontra-se sempre sob a proteção de Aton.

Iconografia 1: A Família Real adorando o disco solar: o deus Aton.

Túmulo civil encontrado em Deir el-Amarna (reinado de Akhenaton), in BELER, Aude Gros

de. A Mitologia Egípcia. Tradução de Teresa Curvelo. Lisboa: Gama Editora, 2001, p. 23.

7 Cosmogonia: criação do mundo. 8 Teogonia: nascimento dos deuses.

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A descrição desta imagem (BELER, 2001: 22) informa-nos que:

“Esta cena representa os vários protagonistas do culto

amarniano: Aton dardejando os seus raios rematados por mãos em

direcção à família real, Akhenaton e Nefertiti em adoração diante do

disco e as jovens princesas reais agitando um sistro9 defronte da

divindade. Todas as personagens testemunham as características

iconográficas do período amarniano: rosto muito alongado, crânio

proeminente, busto frágil, ancas e coxas fortes e pronunciadas.”10

Iconografia 2: A Família Real em cena privada, sob a proteção do disco solar Aton.

Capela particular de uma casa em Amarna. Atualmente este baixo-relevo encontra-se no

Museu Egípcio do Cairo, in STROUHAL, Eugen. A Vida no Antigo Egito. Tradução de Iara

Freiberg, Franscisco Manhães e Marcelo Neves. Coleção Biblioteca Egito. Barcelona:

Ediciones Folio, 2007, p. 56.

9 O sistro é um instrumento ritual utilizado para afastar “maus espíritos”. 10 Negritos de destaque meus.

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A descrição desta iconografia (STROUHAL, 2007: 57) afirma:

“Cena íntima da vida familiar do rei Aquenaton, na qual se

veem as três filhas mais novas com os pais. A filha caçula,

Ankhsenpaaton, está sentada no colo da rainha; sua irmã mais velha,

de pé nos joelhos da mãe, tenta atrair-lhe a atenção tocando-lhe o

queixo. A cabeça excessivamente alongada das meninas está raspada.

O pai dá um brinco à filha mais velha, Bequetaton [...]. Este baixo-

relevo [...] representa a família real como “Sagrada Família”[...].”11

Conclusão:

Este trabalho não somente objetivou revelar o tema e a problemática de minha

pesquisa bem como, considerando seu estágio atual, os alicerces da mesma, ou seja, sua

principal, embora não única abordagem teórica, e a apresentação e análise, ainda que parciais,

de seu corpus iconográfico. Ademais a bibliografia a seguir, ainda que de igual modo parcial,

porém significativo, indica a base historiográfica sobre a qual construo o presente estudo, que

levará à redação de minha monografia de fim de curso de graduação em História.

11 Negritos de destaque meus.

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Bibliografia:

BELER, Aude Gros de. A Mitologia Egípcia. Tradução de Teresa Curvelo. Lisboa:

Gama Editora, 2001.

CHAPOT, Gisela. O SENHOR DA ORDENAÇÃO: Um estudo da relação entre o

Faraó Akhenaton e as oferendas divinas e funerárias durante a Reforma

de Amarna (1353 - 1335 a.C.). Niterói - RJ: Dissertação de Mestrado

orientada pelo Professor Doutor Marcos José de Araújo Caldas. PPGH -

UFF: Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal

Fluminense, 2007, 351 páginas.

CARDOSO, Ciro Flamarion. "O politeísmo dos antigos egípcios sob o Reino Novo

(1530 - 1069 a.C.)”, in LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira e TACLA,

Adriene Baron (organizadores). Experiências Politeístas. Cadernos do

CEIA. Ano I, nº 1. Niterói - RJ: Centro de Estudos Interdisciplinares da

Antiguidade da Universidade Federal Fluminense (CEIA/UFF), 2008, pp.

1 - 8.

STROUHAL, Eugen. A Vida no Antigo Egito. Tradução de Iara Freiberg, Franscisco

Manhães e Marcelo Neves. Coleção Biblioteca Egito. Barcelona:

Ediciones Folio, 2007.