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  • 7/29/2019 Ralph Leal Heck - A matemtica como mtodo da lgica e as quatro operaes aritmticas no Tractatus de Wittge

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    Investigao Filosfica: vol. 3, n. 2, artigo digital 4, 2012.

    A matemtica como mtodo da lgica e as quatrooperaes aritmticas no Tractatus de Wittgenstein

    Ralph Leal Heck

    Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear (IFCe)

    Resumo: O presente artigo tem o objetivo de refletir sobre a matemtica comomtodo da lgica, definio presente no Tractatus de Wittgenstein. Esta questo

    trs consigo as definies das quatro operaes elementares aritmticas de acordocom a viso do filsofo austraco, as relaes e diferenas da matemtica como ummtodo da lgica e a prpria lgica e suas proposies. Para executar esta tarefa,inicio apresentando o que significa lgica e suas proposies em seguida, introduzoa matemtica como um mtodo da lgica e exemplifico este mtodo com aapresentao da definio de nmero, soma e produto aritmticocomplementando-os com as operaes restantes: subtrao e diviso. Por fim,pontuo as semelhanas e diferenas entre a lgica tomada como uma imagemespecular do mundo e a matemtica como um mtodo da lgica.

    Palavras-chave: Lgica; Filosofia da Lgica; Filosofia da Matemtica

    Abstract: The present study is a proposal for a reflection about mathematics as alogical method in Wittgensteins Tractatus definition. This matter brings thedefinition of the four fundamental arithmetical operations according with theAustrian philosophers view, as well, the relations and differences of mathematicsas a logical method and the logic itself and its propositions. To perform this task, Ibegin introducing what means logic e its propositions, then I introducemathematics as a logical method and exemplify such method presenting thedefinition of arithmetical sum and product, completing the definition with theremaining operations: subtraction and division. Finally, I enumerate theresemblances and differences between logic taken as world speculative image andmathematics as a logical method.

    Keywords: Logic; Philosophy of Logic; Philosophy of Mathematics

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    Vamos iniciar nossa exposio com uma caracterizao geral do que significaproposies da lgica. Para Wittgenstein, ela a marca caracterstica particular

    das proposies lgicas que sua verdade se possa reconhecer no smbolo tosomente(...)1 Isto significa que a tautologia e a contradio dependem apenas dacomparao entre estruturas lgicas para desempenhar sua funo. Outraimportante observao que para a finalidade de comparao entre estruturas,ambos os casos limite funcionam da mesma maneira, isto , para o mesmo fim, claro que se poderia utilizar ao invs das tautologias, tambm as contradies.2Deste modo, passaremos a utilizar o termo tautologia para expressar asproposies da lgica. Em primeiro lugar, por ser o tipo de proposio mais citadono Tractatus e, em segundo lugar, por resultar da comparao entre estruturascontraditrias, como por exemplo:

    .Tautologia () uma expresso de origem grega, que significa a

    mesma idia (tauto: a mesma; e logos: palavra/idia) ou repetio do que foidito. Segundo Glock3, Wittgenstein foi o primeiro a caracterizar a lgica comotautolgica: As proposies da lgica so tautologias4. Criando um limite claroentre proposies contingentes e proposies lgicas (analticas). Estacaracterizao de proposies propriamente lgicas separa-o da concepofregeana e russelleana de que a lgica descreve entidades de alguma natureza.Como vimos ao longo de nossa exposio, a exigncia da traduo de uma estruturapor outra, prova que no h entidades, constantes ou objetos lgicos. Qualquercaracterizao de quantificao, generalizao ou estrutural so sempre,implicitamente, descries de proposies que contm composies entre objetosepossibilidades de valores de verdade.

    No pretenso da tautologia mostrar como as coisas esto. As proposiesda lgica so sem sentido (sinnlos): As proposies da lgica, portanto, no dizemnada (so as proposies analticas).5 As tautologias se constituem como talindependentemente das contingncias (de ter sentido), uma vez que s necessria a observao da intercambialidade de estruturas. Por exemplo, na linha3 da tabela anterior (q p) uma tautologia se comparada ((q | (p | p)) | (q | (p |

    p))). No dependendo dos valores de verdade para saber que: (q p) ((q | (p | p))| (q | (p | p))). Do mesmo modo que (q p) , na linha 15 ouqualquer outra comparao entre a forma descrita na proposio 5.101 e suasrespectivas tradues pela barra de Sheffer. De antemo, j podemos ver que o

    1 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismo 6.113.

    2 Ibid., aforismo 6.1202.

    3 GLOCK, H.J.Dicionrio Wittgenstein, 1998, p.346.

    4 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, proposio 6.1.

    5 Ibid., aforismo 6.11.

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    objetivo da tautologia no descrever a realidade, mas refletir a sintaxe adjacentes estruturas da linguagem, e s estruturas da prpria realidade 6. A funo da

    proposio lgica evidenciar como os elementos da proposio ou as proposiesesto configurados.

    Se utilizarmos tautologias mais evidentes, como ou ,fica claro que no queremos dizer que as tautologias expressem verdades priori7.Apenas que a lgica no possui axiomas fundamentais de onde podemos derivaroutras proposies como pensavam Frege e Russell, a funo da lgica se mostracompletamente diferente: ela faz ver a forma lgica. Assim, postular verdadeslgicas passam a ser meras notaes em estruturas auto-evidentes. 8 Ou mesmo,poderamos pensar, conforme a velha lgica, que as generalizaes so proposieslgicas. Neste caso, as generalizaes condensam um conjunto de possibilidades epodem ser traduzidas pela descrio de todos os casos que compem ageneralizao. As proposies da lgica devem ser verdadeiras a priori, na medidaem que no dependem do valor de verdade de suas componentes, e com issodiferencia-se o significado da demonstrao na lgica, da demonstrao lgica deuma proposio com sentido9. A diferena apontada por Wittgenstein noaforismo 6.1264:

    A proposio com sentido enuncia algo e sua demonstraomostra que assim ; na lgica, toda proposio a forma deuma demonstrao.Toda proposio da lgica um modus

    ponens representado em sinais. (E o modus ponens no sepode exprimir por meio de uma proposio.).

    Ento as proposies lgicas, embora sem sentido, acrescentam algo? Sim, namedida em que elas mostram a estrutura da realidade e da linguagem. Este mostrar a porta de entrada para Wittgenstein tematizar tudo o que pressuposto, oumelhor, aquilo que indizvel e tambm uma importante caracterstica para nossaavaliao da linguagem: as proposies lgicas so proposies teortico-metafsica, pois evidenciam as regras de construo de qualquer teoria de quelancemos mo.

    Mas, em que sentido podemos entender a lgica de Wittgenstein como umateoria geral?

    6 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismo 6.12

    7 Ibid., aforismo 6.111.

    8 Ibid., aforismo 6.1223.

    9 Ibid., aforismo 6.1263.

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    Se tomarmos a lgica como uma teoria em seu sentido estrito, isto , a teoriacomo modelo com a seguinte definio: uma teoria composta por uma linguagem

    formal e um conjunto de regras de inferncia, com o objetivo de derivar (concluir)uma proposio de uma ou mais premissas que so antecedentemente supostas(axiomas) ou derivadas (teoremas), de modo a formular e avaliar as propriedadesintrnsecas da estrutura ou descrever a partir do modelo os fatos. Nestes termos, algica no Tractatus no uma teoria.

    Entretanto, se considerarmos que a lgica uma imagem especular domundo e que a lgica transcendental, temos que Wittgenstein, talvez acontragosto, desenvolva uma teoria metafsica que pressupe uma regra deconstruo (podemos expressar todas as possibilidades lgicas com apenas umjuntor);uma regra de traduo (expressemos as estruturas lgicas com a notaoque quisermos, salva veritate); uma regra de interpretao (cada proposiofornece chance de ser verdadeira e chance de ser falsa); e uma regra deinferncia (Toda proposio da lgica um modus ponens representado emsinais)10.De onde, a sim, podemos construir teorias em seu sentido estrito,determinando arbitrariamente quais regras e quais proposies so vlidas nosistema.

    Ora, se a lgica concebida por Wittgenstein a prpria expresso dospressupostos da inteligibilidade e da realidade mesma e outras teorias s podemser erigidas tomando como base a lgica, qual o sentido de afirmar que a

    matemtica um mtodo11 da lgica?

    A matemtica como mtodo da lgica

    Wittgenstein dispe de dois blocos de referncia matemtica no Tractatus.As proposies 6.026.031 que explicam a definio de nmero segundo a lgicapor meio das somas dos nmeros e as proposies 6.26.241, que definem oproduto entre dois termos numricos. A avaliao desta questo tem duasimportantes contribuies para nosso objetivo: 1) At que ponto as equaes

    matemticas se assemelham s tautologias e 2) o tipo de concepo matemticaapresentada contribui de algum modo para nossa avaliao do alcance dalinguagem?

    10 Isto est em consonncia com o aforismo 6.124.

    11 Itlico nosso.

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    Definio de nmero

    Podemos dizer que os temas centrais da filosofia da matemtica deWittgenstein so a definio indutiva12 de nmero e o critrio de igualdade. Estestemas nos fornecero o mtodo de gerao de termos gerais (equaesmatemticas) e o que significa operar com nmeros. Vejamos a proposio 6.02:

    E assim chegamos13 aos nmeros: definoDef.

    e Def.Segundo as regras notacionais, escrevemos, pois, a

    srie

    Assim:

    Portanto, ao invs de escrevo: .

    E defino:0+1=1 Def.

    0+1+1=2 Def.0+1+1+1=3 Def.

    (etc.)

    primeira vista, j podemos perceber que Wittgenstein traduz o conceito de

    nmero por uma operao reiterada sucessiva: , ele aduz esta definio

    a partir da proposio anterior: a forma geral da operao , portanto:

    Essa a forma mais geral da passagem de uma

    proposio a outra..14

    Como bem observado por Frascola15, a substituio de por resulta na

    prpria definio geral da proposio: .

    Isto significa que a definio de nmero e seu consecutivo baseiam-se naquantidade de reiteraes de uma mesma operao, de modo que (mega)represente uma mesma operao lgica interada sobre uma proposio x(elementar ou complexa), (nu) vezes de modo que , com

    12 Induo matemtica.

    13 Wittgenstein chega aos nmeros a partir do aforismo 6.01, onde se reiteram operaes lgicas para

    formar outras proposies.

    14 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismo 6.01.

    15 FRASCOLA, P. Wittgenstein's Philosophy of Mathematics, 1994, p.2.

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    uma quantidade de +1 equivalente ao nmero de reiteraes de uma dadaoperao lgica e o (a aspa invertida) signifique a forma de um resultado

    da aplicao de uma operao uma dada base16

    . Assim, a partir da apresentaodo termo Wittgenstein deriva o numeral 0+1+1+1 = 3.Esta explicaopoderia satisfazer a definio de nmero com certa tranquilidade. Mas, uma sriede questes ficam posta em aberto.

    Para seguir um programa de passos bem definidos, consideraremos aigualdade = como a noo primitiva de nossa discusso e as operaesmatemticas como operaes baseadas no processo de reiterao e operao deparntesis17. Ns iremos usar o seguinte critrio de definio da igualdadearitmtica dos nmeros inteiros de modo a entendermos em termos lgicos o

    significado das operaes aritmticas, que encerra sua filosofia da matemtica

    18

    :1. Para {a, b, c } se a = b, ento a + c = b + c;2. Para {a, b, c } se a = b, ento a c = b c;3. Para {a, b, c } se a = b, ento ac = bc;

    4. Para {a, b, c } se a = b e c 0, ento = .

    A idia aqui demonstrar a possibilidade das quatro operaes aritmticas bsicase, por consequncia, demonstrar o que Wittgenstein entende por igualdade nestestermos. Quando ele expe com certa rispidez que a=b o mesmo que a=a e que

    qualquer outra elucubrao mera perda de tempo, ele pressupe queentendamos suafilosofia da matemtica. Para evitar que sejamos levados a vcuosna interpretao de certos sinais que ele mesmo usa para definir outraspropriedades no matemticas (a identidade ontolgica), no decorrer de cadapasso iremos esclarecer eventuais questes que se possam lanar dvida sobre opapel da aritmtica na lgica do Tractatus e, passo a passo, tentar fazer evidente oque so os nmeros e suas operaes.

    Estando em posse, agora, de todos os pressupostos e critrios para elaborara definio aritmtica, vamos apresent-la:

    16 Ibid., p.8.

    17 J vimos nos captulos anteriores que os parntesis para Wittgenstein nada significam. (cf.

    WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismos 4.441; 5.461; 5.501).

    18 Entendemos que Wittgenstein s consegue ir at os nmeros naturais, que ele chama de inteiros emsua definio aritmtica (cf. WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismo

    6.03).

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    A definio de soma

    Como vimos acima, se traduzvel por 3 e basea-se na reiterao

    de uma operao lgica , teramos um grave problema tipolgico na operao

    de nmeros que amplificaria o problema do Axiom of infinity de Russell. Se por traduzssemos um determinado tipo de operao, ento teramos um sistemanumrico para cada operador lgico disponvel sustentando uma teoria de classes,o que seria pior do que a infinidade de conjuntos equipotentes de conjuntoscontendo infinitos objetos de Russell.

    Graas exigncia de tradutibilidade (sinonmia) dos operadores e suasoperaes, como vimos nos itens acima, podemos dizer: se expressa uma

    operao lgica reiterada vezes e qualquer que seja a operao, ela pode sertraduzida por outras operaes, ento, expressa qualquer operao lgicaaplicada uma nica vez e seu expoente expressa certa quantidade de aplicaesdessa operao lgica, salva veritate.

    Para melhor exemplificar as operaes lgicas envolvidas no conceito denmero e resguardar os operadores matemticos para as consideraes finaisdeste tpico, vamos fazer a mesma caracterizao que Frascola:

    0x significa o mesmo que x,S0x significa o mesmo que x,

    SS0x significa o mesmo que x,SSS0x significa o mesmo que x,E assim por diante, para cada nmero n 0 de

    ocorrncias de S.19

    Seguindo esta caracterizao de soma/reiterao, nos parece queWittgenstein utiliza o nmero como uma notao que exibe a forma comum a todasas proposies complexas (ou simples no caso do zero) que podem serinstanciadas pela quantidade de operaes lgicas descrita por . Como por

    exemplo: dia ou est chovendo est para 0

    x, como S0

    x est para: dia ou est chovendo, como SS0x est para: dia ou est chovendo20.Assim, uma dada proposio reiterada de operaes lgicas pode ter um

    acrscimo de (mi) operaes de modo que a notao seja parte da

    aritmtica e por conseguinte a expresso .

    19 FRASCOLA, P. Wittgenstein's Philosophy of Mathematics, 1994, p.9 [traduo livre do autor].

    20 Frascola estende essa concepo de reiterao para propriedades e, por conseguinte, para descries

    definidas. Discordamos em absoluto desta caracterizao, uma vez que, a definio de uma relaoaRb no permite que R seja uma relao simtrica, logo, uma relao inopervel nos termos de uma

    operao lgica.

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    Aqui, j podemos observar trs importantes caracterizaes da concepoaritmtica do Tractatus: 1) O sucessor de um nmero a reiterao de uma

    operao lgica sobre um conjunto pr-definido de proposies. 2) A soma estimplcita no conceito de reiterao e sucesso. 3) O zero e o um, de acordo com estadefinio, so resposta e alternativa concepo dos nmeros primitivos e dossucessores na filosofia da matemtica de Frege e de Russell21.

    Assim, provamos o critrio (1) com a seguinte demonstrao:

    Para {a, b, c } se a = b, ento a + c = b + c;

    Para Sx = 0+1x e S0x significa o mesmo que x,

    Por induo, temos: se S0x = x S0+1x = 1+1x

    Se 0x significa o mesmo que x

    E SS0x significa o mesmo que x,

    Substituindo s em Sx por +1 temos:

    SS0x = 0+1+1 = x

    x= x

    Por induo: x= x

    A possvel definio de subtrao

    O mesmo deve valer para a operao inversa. Com e , ento

    possvel afirmarmos que a operao reduz vezes o complexo

    proposicional formado por . Baseamos esta afirmao na inverso da definio

    presente na proposio 5.251 Uma funo no pode ser seu prprio argumento,mas o resultado de uma operao pode muito bem vir a ser base dela prpria..Considerando o critrio de traduo (sinonmia) eu posso aplicar a operaoinversa operao que aplicamos para formar , envolve a aplicao inversa da

    operao , vezes. Assim obtendo uma inversa22 da soma, ou melhor, uma

    21 Para Frege o 0 (zero) definido como o conjunto de partida { } (vazio) e o nmero 1 definido

    como o conjunto dos conjuntos equipotentes ao conjunto { { } } ou { 0 }. J para Russell, o 0

    (zero) define-se, tambm, por conjunto vazio { } e o numero 1 o conjunto dos conjuntosequipotentes ao conjunto que contm um objeto e o prprio conjunto vazio. (cf. PINTO, P.R.M.

    Iniciao ao Silncio: Anlise do Tractatus de Wittgenstein, 1998, p.102-103; 106 e nota 15; cf.

    RUSSELL, B.; WHITEHEAD, A. N. Principia Mathematica,1910, p.364-367) (Arespeito de outra notao fregeana de nmero cf. FREGE, G. The Foundations of Arithmetic, 1884,

    55).

    22 A inverso, neste sentido, coaduna com as definies de eliminao das operaes lgicas.

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    subtrao baseada em operaes lgicas.E provamos o critrio (2) do seguintemodo:

    Para {a, b, c } se a = b, ento a c = b c;

    Para SS0x = 0+1+1x e SS0x significa o mesmo que x,

    Por induo, temos: se SS0x = x SS0-1x = x

    Se 0x significa o mesmo que xE S0x significa o mesmo que x,Substituindo s em Sx por -1 temos:S0x = 0+1+1-1x = x

    x= x

    Por induo: x= x

    A definio de produto

    Em razo da pouca expresso de Wittgenstein sobre estas operaes (emespecial a ausncia das definies de subtrao e diviso), utilizaremos como pedraangular deste item, e talvez, como prova mais evidente das operaes matemticas,a proposio 6.241:

    Formula-se assim a demonstrao da proposio 2 x 2 = 4:

    Ora, de imediato vemos que Wittgenstein reduz o produto soma. Mas, houtras observaes que devemos levar em conta antes de provar o critrio (3). Aprimeira delas que o par de parnteses indica que expoente se aplica . A

    segunda que o filsofo introduz a expresso diretamente e, no centro dasetapas de demonstrao, converte em uma manipulao de parnteses queexpressam ncleos de reiterao de operaes marcados pela igualdade:

    . Mas o que Wittgenstein quer dizer com ?Sabemos que

    significa a aplicao de uma determinada operao lgica e que a (aspainvertida) significa a forma de um resultado da aplicao de uma operao uma

    dada base. Ento, deve significar a forma da operao resultante da

    composio de uma dada operao consigo mesma23. Mas h outra observaooculta nesta expresso que explica a natureza da multiplicao e destes parnteses.

    23 FRASCOLA, P. Wittgenstein's Philosophy of Mathematics,1994, p.15 [traduo livre do autor].

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    A resposta est na escolha de Wittgenstein em seguir o caminho:

    . E a nica resposta possvel

    que o ncleo significa a forma do resultado da dupla aplicao sucessiva

    da segunda iterao de uma operao. Logo, o mesmo que , onde

    cria arranjos de . Assim, se e , ento

    .Deste modo, podemos provar uma multiplicao do tipo 3x2

    e a propriedade de distributividade. Para3 x 2 = 6:

    No fica muito difcil perceber que este prprio exemplo oferece a primeira partede nossa demonstrao do critrio (3). Assim, vamos demonstrar como seria 2x3,uma demonstrao ainda mais fcil, para chegarmos concluso deste critrio:2 x3 = 6

    Para completarmos com a propriedade da comutatividade:Para 2x3x = (2)3x = 6x, onde 6x = SSSSSS0x significa o mesmo que

    x,Para 3x2x = (3)2x = 6x, onde 6x = SSSSSS0x significa o mesmo quex,

    Por induo, temos: se [ 2x3x = (2)3x = 6x] [ 3x2x = (3)2x = 6x] Se0x significa o mesmo que xEnto, ((2)3x = 6x (3)2x = 6x ) x,

    Cumprindo a exigncia do critrio (3): para {a, b, c } se a = b, ento ac = bc;

    x= x

    Por induo: x= x

    A possvel definio de diviso

    A operao de diviso no citada no Tractatus, tampouco encontramosreferncias em outras fontes sobre a obra. Vamos partir da simples idia de que,assim como a soma invertida para formar a subtrao, a multiplicao pode serinvertida para formar a diviso. A questo que abriga esta possibilidade est naforma como ele constri as sucesses de operaes atravs dos parnteses.

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    A definio de (2)3x por exemplo, mostra que ocorre um arranjo de

    3 vezes de modo a formar . E esta estrutura sempre pode ser

    reduzida a uma linha de megas de modo a formar uma estrutura simples (semparnteses) de sucesses de uma operao: x.

    A inverso da operao faz exatamente o que Wittgenstein pretende com aintroduo dos parnteses. Estabelecer subdivises do espao lgico. De modo que:

    6/2x = = = = = = =

    3 x

    Pode parecer estranho que passe a ser , mas,como vimos no itemanterior, a multiplicao permite este tipo de comutatividade.

    Tendo cumprido os quatro critrios que provam a igualdade matemtica,podemos dizer o motivo que leva Wittgenstein, a partir de sua filosofia damatemtica, a afirmar com veemncia a irrelevncia da igualdade a = b. Aigualdade uma equivalncia de traos lgicos, logo a = b uma igualdade que seresolve a priori24, que demonstra a irrelevncia ftica da comparao do espaolgico designado ao objeto a e sua estrutura como a e da comparao do espaolgico designado ao objeto b e sua estrutura como b. Esta concluso est

    assentada na exigncia da traduo entre operaes lgicas. Para a matemtica aigualdade significa a traduo de uma notao (equao) por outra, da mesmaforma que ns podemos desfazer e refazer operaes sobre operaes, de modoque a quantidade de iteraes de operaes consecutivas de uma, equivalha siteraes consecutivas de outra operao25,apresentando-nos a viso damatemtica como uma manipulao de operaes essencialmente vazias. Mais oumenos como construir edifcios virtuais utilizando como pontos de refernciaobjetos existentes. Esta viso claramente uma contraposio concepo deFrege de sentido (Sinn) como modo de apresentao do objeto e significado(Bedeutung) como referncia um objeto mesmo ou valor de verdade.A afirmao

    fregeanade que a = b acrescenta alguma informao por declarar que o modo deapresentao de a diferente do modo de apresentao de b, mas que ambosdizem respeito, essencialmente, ao mesmo objeto. Na definio matemtica deWittgenstein isto no passa de uma tautologia.

    Estando em posse das questes elucidadas sobre a matemtica e ofundamento de suas operaes, vamos avaliar os resultados para nosso objetivo.

    24 Em termos aproximados: dizer de duas coisas que elas so idnticas um contra-senso, e dizer de

    uma coisa que ela idntica a si mesma no dizer rigorosamente nada. (WITTGENSTEIN, L.

    Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismo 5.5303)

    25 Op.Cit., aforismo 5.251.

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    Semelhanas e diferenas entre equaes e tautologias

    As consideraes que fizemos nestes ltimos itens nos poderiam levar apensar que a matemtica se deduz diretamente das operaes lgicas. Mas, esteno o caso. As apresentaes que fizemos mostram que a matemtica usa oespao lgico, por isso ela um mtodo da lgica 26. Esta diferena ficar evidentequando apresentarmos os pontos em comum e as diferenas entre as proposiesda lgica (as tautologias e as contradies) e as proposies da matemtica (asequaes). Vejamos os pontos em comum27:

    Tanto as proposies da lgica, quanto as proposies da matemtica noexprimem pensamentos, assim, no tem funo projetiva e, portanto, nosignificam nada (sinnlos)28.

    No que tange demonstrao das possibilidades lgicas, tanto asproposies da lgica, quanto as da matemtica so igualmente eficientes. Isto :quanto s possibilidades lgicas, elas so coextensivas. Elas demonstram tanto aspossibilidades caso a caso da armao lgica (vide traduo entre estruturaslgicas e induo do sucessor de um nmero), quanto nos permite estabelecergeneralizaes29.

    Construmos os nmeros com base no mesmo fundamento lgico queconstrumos as proposies: o espao lgico de possibilidades.

    Estas caractersticas encerram a relao de proximidade da matemtica comas proposies da lgica. Embora tenham semelhanas, as diferenas soprofundas a tal ponto que sugerem uma viso sui generis do papel da matemticano programa logicista de Wittgenstein. Vejamos as diferenas:

    A matemtica uma derivao das operaes lgicas, no um reflexo ouabreviao delas. Tampouco uma configurao sinttica especial como so asproposies da lgica. Isto se d porque toda operao lgica tem como objeto umaou mais proposies, assim tambm a tautologia. As equaes matemticaspressupem as proposies elementares, mas tem o nmero como objeto. E, como

    vimos, os nmeros so sucesses de operaes em geral.Como vimos no tpico anterior, a igualdade = e a identidade so coisas

    distintas. A igualdade serve matemtica na medida em que permite equiparar

    26 Op. Cit., aforismo 6.234.

    27 Nossos pontos em comum inspiram-se em boa parte nas concluses

    28 A proposio da matemtica no exprime pensamento. (Op. Cit., aforismo 6.21).

    29 Notemos que a questo das generalizaes que se pem aqui no diz respeito s generalizaes dos

    quantificadores. A este respeito, Wittgenstein critica Russell por estabelecer em seu Axiom of

    Reducibility uma aparncia lgica para algo meramente contingente. Determinar uma quantificaono d o carter de validade a priori como possuem as tautologias e as equaes matemticas. (cf.

    Ibid., aforismos 6.1232-6.1233).

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    notaes diversas de uma mesma estrutura. J a identidade uma caracterstica apriori onde a identidade do objeto designado pelo smbolo a expressa pelo uso

    deste smbolo a todas as vezes que o objeto for mencionado; a diferena entre osobjetos designados pelos smbolos diferentes a e b expressa pelo uso respectivodos mesmos smbolos diferentes todas as vezes que cada um deles formencionado.30. Esta diferena se mostra na ausncia do sinal = nas notaes dalgica. Ao passo que na matemtica este sinal constitui a condio fundamentalpara a demonstrao.

    Ainda que as proposies da lgica e as proposies da matemtica possamservir a si mesmas como demonstraes, os mtodos de deduo diferemconsideravelmente. As proposies da lgica utilizam como regra de deduo omodus ponens, as proposies da matemtica utilizam a igualdade = comoexpresso de substituio de uma notao por outra.

    A funo da proposio da lgica tornar evidente (mostrar) a estruturalgica (sinttica) de uma dada proposio31. A funo de mostrar to maisimportante, que sua caracterizao enquanto tautologia ou contradio quepodemos criar notaes que evidenciem a estrutura lgica das proposies,mutatis mutandis. Por exemplo, as tabelas de verdade. No caso da proposiomatemtica, Wittgenstein deixa claro na proposio 6.211 que a funo damatemtica operar a partir de proposies no-matemticas de modo a produziroutras proposies no-matemticas. Por exemplo, as operaes aritmticas de

    nosso cotidiano.

    Deste modo, podemos dizer que a aplicao da lgica e a matemtica sodiferentes e independentes, ainda que todas estejam subordinadas lgicaestruturante, isto , como condio de possibilidade. Esta afirmao separacompletamente Wittgenstein de Frege e Russell, na medida em que o primeirorompe com o programa logicista universalista dos outros dois.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    30 PINTO, P.R.M.Iniciao ao Silncio: Anlise do Tractatus de Wittgenstein, 1998, p.228-229.

    31 WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus, 1922, aforismo 6.121

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    Referncia, [1892]. Traduo brasileira: Paulo Alcoforado. So Paulo: Edusp, 2009.

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