Raul Brandão

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RAUL BRANDÃO Raul Germano Brandão nasceu na Foz do Douro em 12 de março de 1867. Nesta terra nortenha, onde mar e rio se juntam, passou o escritor a sua infância e adolescência. Filho e neto de homens do mar, o mar será também para ele um apelo sempre presente. Em Os pescadores’ desvenda os segredos desse mar, retrata as suas cores e a alma da gente que dele vive. A instrução primária recebeu-a na escola que ao tempo existia na Foz Velha, a cargo das senhoras Militoas. Quando se esgota a capacidade docente destas boas mestras de ao pé da porta, impõe- se que o jovem Raul Brandão vá procurar no Porto novas e ais vastas fontes de saber o Colégio de S. Carlos no alto da Rua Fernandes Tomás. Desse lugar e dessa época data o seu primeiro encontro com a vida, que começa a pressentir não ser já feita à imagem dos seus sonhos infantis. Em 1891, depois de terminado o curso secundário e de uma breve passagem, como ouvinte, pelo Curso Superior de Letras, matricula- se, na Escola do Exército. À parte algum tempo de quartel, quase toda a vida de oficial foi passada escriturando papelada burocrática numa repartição do Ministério da Guerra, conforme a sua folha de serviço. Raul Brandão escreveu em jornais, sendo o fundador da ‘Seara Nova’ juntamente com Jaime Cortesão e Raul Proença. A raia para ser boa, deve ser comida de caldeirada de pitau (Mira), menos em maio, porque «raia em maio, tumba à porta», e a faneca com três fff fresca, fria e frita. Cada peixe tem a sua época: «a solha, no tempo do milho, come-a com o teu amigo», a sardinha antes da desova e o próprio caranguejo só lá para agosto é que, assado na casca, atinge a perfeição. Mas todo o peixe regala quando sai da rede para o lume: tem um sabor único a mar, e até a reluzente savelha e o horrível cação, lavados e amanhados na maré, se tornam toleráveis. Quanto ao linguado, ao goraz, à corvina, à gordíssima sarda, à pescada e à saborosa sardinha, para não falar dos peixes hoje quase desaparecidos, do rodovalho, do peixe-rei, ignora-lhes o sabor e o delicado perfume quem os não trouxe do barco para casa, ainda a escorrer dentro do cabaz, sobre uma cama e algas e de limos. São tão esplendidos assados, fritos, de caldeirada, com um fio de azeite, ou preparados pelo próprio pescador sobre umas brasas. [...] A toninha, que anda sempre atrás do banco da sardinha, afigura-se-me o ser mais feliz do mar. Tem a mesa sempre posta e inesgotável. (...) Dão-me sempre uma impressão de liberdade e de vida deliciosa. Saltam, vê-se-lhes o dorso reluzente, mergulham e irrompem, com o costado azul a escorrer, quando menos se espera, lá ao fundo... Os pescadores (Raul Brandão)

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RAUL BRANDÃO Raul Germano Brandão nasceu na Foz do Douro em 12 de março de

1867. Nesta terra nortenha, onde mar e rio se juntam, passou o

escritor a sua infância e adolescência. Filho e neto de homens do

mar, o mar será também para ele um apelo sempre presente. Em

‘Os pescadores’ desvenda os segredos desse mar, retrata as suas

cores e a alma da gente que dele vive.

A instrução primária recebeu-a na escola que ao tempo existia na

Foz Velha, a cargo das senhoras Militoas. Quando se esgota a

capacidade docente destas boas mestras de ao pé da porta, impõe-

se que o jovem Raul Brandão vá procurar no Porto novas e ais

vastas fontes de saber – o Colégio de S. Carlos – no alto da Rua

Fernandes Tomás. Desse lugar e dessa época data o seu primeiro

encontro com a vida, que começa a pressentir não ser já feita à

imagem dos seus sonhos infantis.

Em 1891, depois de terminado o curso secundário e de uma breve

passagem, como ouvinte, pelo Curso Superior de Letras, matricula-

se, na Escola do Exército. À parte algum tempo de quartel, quase

toda a vida de oficial foi passada escriturando papelada

burocrática numa repartição do Ministério da Guerra, conforme a

sua folha de serviço.

Raul Brandão escreveu em jornais, sendo o fundador da ‘Seara

Nova’ juntamente com Jaime Cortesão e Raul Proença.

A raia para ser boa, deve ser comida de caldeirada de pitau (Mira), menos em

maio, porque «raia em maio, tumba à porta», e a faneca com três fff – fresca,

fria e frita. Cada peixe tem a sua época: «a solha, no tempo do milho, come-a com

o teu amigo», a sardinha antes da desova e o próprio caranguejo só lá para agosto

é que, assado na casca, atinge a perfeição. Mas todo o peixe regala quando sai da

rede para o lume: tem um sabor único a mar, e até a reluzente savelha e o horrível

cação, lavados e amanhados na maré, se tornam toleráveis. Quanto ao linguado, ao

goraz, à corvina, à gordíssima sarda, à pescada e à saborosa sardinha, para não

falar dos peixes hoje quase desaparecidos, do rodovalho, do peixe-rei, ignora-lhes

o sabor e o delicado perfume quem os não trouxe do barco para casa, ainda a

escorrer dentro do cabaz, sobre uma cama e algas e de limos. São tão esplendidos

assados, fritos, de caldeirada, com um fio de azeite, ou preparados pelo próprio pescador sobre umas brasas.

[...]

A toninha, que anda sempre atrás do banco da sardinha, afigura-se-me o ser mais

feliz do mar. Tem a mesa sempre posta – e inesgotável. (...) Dão-me sempre uma

impressão de liberdade e de vida deliciosa. Saltam, vê-se-lhes o dorso reluzente,

mergulham e irrompem, com o costado azul a escorrer, quando menos se espera, lá ao fundo... Os pescadores (Raul Brandão)

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