Raul Isaias Campos - CORE · Ao meu pai Davi Isaias, que há algum tempo faz o papel de pai e mãe...

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Raul Isaias Campos INSTRUMENTAÇÃO PARA O ENSINO DE FÍSICA B: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O PROCESSO QUE ENVOLVE A FENOMENOLOGIA E A MODELIZAÇÃO Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação Científica e Tecnológica Orientador: Prof. Dr. Frederico Firmo de Souza Cruz. Coorientador: Prof. Dr. Paulo José Sena dos Santos. Florianópolis SC 2014

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Raul Isaias Campos

INSTRUMENTAO PARA O ENSINO DE FSICA B: UMA

INVESTIGAO SOBRE O PROCESSO QUE ENVOLVE A

FENOMENOLOGIA E A MODELIZAO

Dissertao submetida ao Programa de

Ps-Graduao em Educao Cientfica e

Tecnolgica da Universidade Federal de

Santa Catarina como requisito parcial para

a obteno do Grau de Mestre em

Educao Cientfica e Tecnolgica

Orientador: Prof. Dr. Frederico Firmo de

Souza Cruz.

Coorientador: Prof. Dr. Paulo Jos Sena

dos Santos.

Florianpolis SC

2014

ATA da defesa

Em memria de minha me Cleide

Campos.

AGRADECIMENTOS

Um sonho sonhado sozinho

um sonho. Um sonho

sonhado junto realidade.

(Raul Seixas)

Esta pesquisa fruto da colaborao e cooperao de vrias

pessoas. A todas, os meus agradecimentos. Ao meu pai Davi Isaias, que

h algum tempo faz o papel de pai e me com muita garra e amor. Aos

meus irmos Paula, Lucas e a todos os meus familiares. A todos os meus

amigos, em especial ao Chico e a Patrcia, que compreendem bem meus

devaneios sem duvidar da minha normalidade mental. Aos amigos Joo

Paulo, Ivan Carlos, Elizandro, Karline, Bruno, Mari Cordeiro e Juliana

pelo auxlio dedicado ao longo deste trabalho. A Mariana Montanini,

que esteve comigo nos momentos mais sombrios. Aos professores Paulo, Snia, Custdio e Pinho e demais do Programa de Ps-

Graduao em Educao Cientfica e Tecnolgica da Universidade

Federal de Santa Catarina, indispensveis nesta etapa de minha vida.

Aos professores do Instituto de Fsica da Universidade Federal de Gois

que tiveram grande importncia para minha formao inicial como

professor e pesquisador. Ao professor Mikael por ter aceitado participar

da banca de anlise da dissertao. E, por ltimo, e no menos

importante, ao professor Fred, por todas as conversas e conselhos que

ele me proporcionou durante minha pesquisa. Pelo grande homem,

amigo e professor que , eu agradeo.

No se pode ensinar coisa alguma a algum, pode-

se apenas auxili-lo a descobrir por si mesmo.

(GALILEU GALILEI)

RESUMO

O conhecimento fsico sobre o mundo construdo por meio de

aproximaes, abstraes e idealizaes. Em um processo amplo e

complexo, os fenmenos so explorados e estudados. Em contrapartida,

no ensino de fsica, temos uma ausncia desse processo, apresentando

apenas os resultados de teorias e suas aplicaes. Para evitar isso, o

ensino de fsica deveria se desenvolver como um conjunto de

competncias capazes de abordar fenmenos naturais e tecnolgicos,

presentes em modelos estabelecidos histrico e socialmente pela cincia.

Atualmente, a fim de cumprir com essa postura, existe, no curso de

Licenciatura em Fsica da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), a matria denominada Instrumentao para o Ensino de Fsica

(INSPE), que se divide em Instrumentao para o Ensino de Fsica A

(INSPE A), Instrumentao para o Ensino de Fsica B (INSPE B),

Instrumentao para o Ensino de Fsica C (INSPE C). Elas possuem

como metas, num primeiro momento em INSPE A, propiciar aos

licenciandos uma discusso de forma analtico-crtica sobre os principais

trabalhos destinados melhoria do ensino de fsica; posteriormente, em

INSPE B e C, gerar a produo de um projeto temtico (PT) que

proporciona a explorao e o estudo de fenmenos complexos e

realistas. A partir desse ambiente de formao de professores, nossa

pesquisa objetiva investigar o processo de construo dos PTs no

decorrer da disciplina de INSPE B pelos licenciandos de uma turma da

sexta fase do curso de Licenciatura em Fsica da UFSC. Para isso, foi

feita uma anlise documental dos trabalhos desenvolvidos por eles

durante a disciplina, dando nfase ao processo que envolve a

fenomenologia e a modelizao. Mostraremos que as dificuldades e

resistncias apresentadas pelos grupos so manifestaes de dois tipos:

primeiro, devido ao fato de enfrentarem as mudanas nas tarefas e

atividades que a disciplina prope e, segundo, referentemente s que se

enquadram numa reverso ontolgica, na qual os objetos em estudo

so substitudos por modelos, leis e teorias, muitas vezes sem dialogar

com os fenmenos.

Palavras-chave: Instrumentao para o ensino de fsica.

Fenomenologia. Modelizao e formao de professores.

ABSTRACT

Physical knowledge of the world is built through approximations,

abstractions, and idealizations. In a broad and complex process,

phenomena are explored and studied. In contrast, physics teaching lacks

that, only presenting the results of theories and their applications. To

avoid it, physics teaching should be developed as a set of skills,

enabling the approach to natural and technological phenomena present

in models established historically and socially through science.

Nowadays, in order to play this role, there is a subject called

Instrumentation for Physics Teaching (INSPE), in the Physics Teaching

Degree Course of Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),

which is divided into Instrumentation for Physics Teaching A (INSPE

A), Instrumentation for Physics Teaching B (INSPE B) and

Instrumentation for Physics Teaching C (INSPE C). As goals, they

maintain, at first, INSPE A to provide undergraduates an analytical and

critical discussion about major works that aim at improving physics

teaching; later, in INSPE B and C, to produce a thematic project (TP),

which provides the exploration and study of complex and realistic

phenomena. From that teacher education environment, our research aims

to investigate the TPs construction process during INSPE B by

undergraduates in a sixth semester class of the Physics Teaching Degree

Course of UFSC. Hence, a documentary analysis was perform in the

TPs, with emphasis on the process that involves phenomenology and

modelling. We will show that the difficulties and resistances presented

by them manifest in two different ways: first, due to the fact that they

face changes in tasks and activities that the discipline proposes, and

second, related to those that involve an "ontological reversal", in which

objects studied are replaced by models, laws and theories, often without

dialoguing with phenomena.

Keywords: Instrumentation for Physics Teaching. Phenomenology.

Modelling and Teacher Education.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Boneco Primrio de Efeito Estufa. .................................... 41

Figura 2 Boneco Primrio de Ondas Ssmicas. ............................... 42

Figura 3 - Espectro eletromagntico. ................................................. 63

Figura 4 - Radiao solar. .................................................................. 64

Figura 5 - Balano energtico Sol/Terra. ........................................... 65

Figura 6 - Balano energtico Terra. .................................................. 66

Figura 7 - Fluxo de energia na Terra .................................................. 68

Figura 8 - Absoro da radiao pelos gases da atmosfera. ............... 70

Figura 9 - Esquema para explorao das ondas ssmicas. .................. 73

Figura 10 - Ondas primrias. .............................................................. 75

Figura 11 - Ondas secundrias. .......................................................... 75

Figura 12 - Tenses de cisalhamento. ................................................ 76

Figura 13 - Ondas de superfcie. ........................................................ 76

Figura 14 - Escala de Mercalli. .......................................................... 79

Figura 15 - Escala Richter. ................................................................. 81

Figura 16 Radiao de Corpo Negro. .............................................. 96

Figura 17 Balano energtico. ......................................................... 98

Figura 18 Balano energtico. ....................................................... 105

Figura 19 Tipos de Ondas Ssmicas. ............................................. 108

Figura 20 Escala Ssmica. ............................................................. 136

Figura 21 - Boneco Primrio de Fukushima..................................... 163

Figura 22 Boneco Primrio de Raios Csmicos. ........................... 164

Figura 23 - Boneco Primrio de Radiao Solar .............................. 165

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

INSPE Instrumentao para o Ensino de Fsica

PT Projeto Temtico

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

OC Ondas Curtas

OL Ondas Longas

SUMRIO

INTRODUO ................................................................................. 21

1 INSTRUMENTAO PARA O ENSINO DE FSICA B ............. 31

1.1 ETAPAS CONTEMPLADAS NA DISCIPLINA ........................ 31

1.2 A DISCIPLINA DE INSPE B NO SEGUNDO SEMESTRE DE

2011 .................................................................................................... 33

1.3 OS SUJEITOS QUE PARTICIPARAM DA DISCIPLINA ........ 43

1.3.1 Licenciandos.............................................................................. 43

1.3.2 Professor .................................................................................... 44

1.3.3 Pesquisador ............................................................................... 45

2 FUNDAMENTAO TERICA .................................................. 47

2.1 A FENOMENOLOGIA PARA A DISCIPLINA DE INSPE B ... 48

2.2 MODELOS E MODELIZAO PARA O ENSINO DE FSICA52

3 CARACTERIZAO DA PESQUISA E MATERIAL DE

REFERNCIA PARA ANLISE...................................................... 59

3.1 PESQUISA QUALITATIVA ...................................................... 59

3.2 MATERIAL DE REFERNCIA PARA ANLISE DOS

TRABALHOS DESENVOLVIDOS PELOS GRUPOS .................... 62

3.2.1 Efeito Estufa .............................................................................. 62

3.2.2 Ondas Ssmicas ......................................................................... 73

4 ANLISE DOS DADOS ................................................................ 83

4.1 AS ETAPAS DESENVOLVIDAS PELOS LICENCIANDOS ... 83

4.1.1 Descrio fenomenolgica realizada pelos grupos .................... 83

4.1.1.1 Grupo de Efeito Estufa ........................................................... 84

4.1.1.2 Grupo de Ondas Ssmicas .................................................... 107

4.1.2 Escolha do recorte realizada pelos grupos ............................... 122

4.1.2.1 Grupo de Efeito Estufa ......................................................... 124

4.1.2.2 Grupo de Ondas Ssmicas ...............................................125

4.1.3 Modelizao realizada pelos grupos ........................................ 125

4.1.3.1 Grupo de Efeito Estufa ........................................................ 127

4.1.3.2 Grupo de Ondas Ssmicas .................................................... 130

4.2 DIFICULDADES E RESISTNCIAS DOS GRUPOS ............. 137

CONSIDERAES FINAIS ........................................................... 143

REFERNCIAS ............................................................................... 147

APNDICE ...................................................................................... 153

ANEXO A ........................................................................................ 159

ANEXO B ........................................................................................ 163

21

INTRODUO

O conhecimento fsico sobre o mundo fruto de um longo

processo de apreenso. Os fenmenos so observados1, dissecados,

descritos, interpretados e representados. A partir da anlise deles e, por

meio da criao ou utilizao de modelos e teorias2, desenvolve-se a

construo do conhecimento cientfico.

O percurso de construo desse conhecimento pode se iniciar

com uma descrio, destacando vrios processos fsicos envolvidos nos

fenmenos. Procura-se evidenciar parmetros relevantes e que estejam

associados a um ponto central de investigao. Perguntas bem definidas

so feitas, surgindo assim uma problematizao.

Nesse processo, que busca uma interpretao para os fenmenos

que nos cerca, feita uma definio do objeto a ser investigado. Para

isso, ferramentas como a abstrao e a idealizao3 so aplicadas,

delimitando-se um recorte que contribui para um estudo mais

aprofundado e para a preciso da pesquisa cientfica.

J no ensino de fsica comum observar somente a apresentao

do resultado da construo desse conhecimento. (MACHADO, 2009;

REZENDE JUNIOR, 2006). Temos um estudo voltado para os modelos

e teorias da cincia, que so trabalhadas de maneira geral, enquanto os

1 A observao mencionada neste trabalho no tratada como uma observao

neutra ou sendo atribuda apenas pela captao dos nossos sentidos, como tida

por um indutivista ingnuo. A observao aqui dita algo que depende da

experincia, do conhecimento, das expectativas do observador, etc. (BUNGE,

2012; CHALMERS, 1993; FRENCH, 2009).

2 Para um melhor entendimento sobre o papel das teorias e dos modelos

cientficos para a fsica, ver nota como apndice.

3 Segundo Chakravarty (2001), abstrao seria o ato de selecionar parmetros

relevantes dentro de um contexto, pois alm de o nmero de fatores presentes

em um fenmeno ser extremamente elevado, percebe-se tambm a influncia de

outros parmetros de certa forma relevantes, mas que so negligenciados na

construo do entendimento do fenmeno em determinada investigao, o que

tornaria impraticvel o desenvolvimento de um modelo preciso. J a idealizao

funciona como ato de assumir determinados pressupostos que nunca poderiam

ser obtidos, ou seja, simplificando a natureza dos parmetros escolhidos. Como

exemplo de idealizao, temos a suposio da mecnica clssica em concentrar

a massa de um corpo em um nico ponto sem extenso, denominado ponto

material.

22

fenmenos, que por sua particularidade so singulares, no so tratados

como objetos de ensino. Percebe-se que para entender determinados

fenmenos, os conceitos e processos fsicos presentes neles so

utilizados apenas com a inteno de exemplificar ou ilustrar uma teoria

ou um modelo. (DAHLIN et al., 2009).

Segundo Dahlin et al. (2009), essa prtica de ensino pode ser

denominada de fetichismo ou fetiche terico, pois o mundo visto

apenas luz de abstraes e idealizaes sobre a natureza, sem ao

menos explicar como se chegam a elas. O entendimento sobre os

conceitos e processos fsicos envolvidos nos fenmenos ou uma simples

discusso acerca das etapas desenvolvidas na construo do

conhecimento cientfico so colocados de lado.

Para evitar essa postura, o ensino de fsica deveria desenvolver

estratgias capazes de abordar fenmenos naturais e tecnolgicos, no

qual os modelos e as teorias ganhariam maior relevncia, auxiliando na

compreenso do objeto em estudo. Um passo importante para

alcanarmos esse objetivo a incorporao da fenomenologia e da

modelizao4 nos cursos de formao inicial de professores, pois

proporcionaria aos licenciandos a apropriao do entendimento referente

natureza da cincia e iria capacit-los, por meio da interpretao de

fenmenos e de modelos, a analisar situaes fsicas referentes aos

aspectos especficos, sociais e histricos da mesma. (MACHADO,

2009; REZENDE JUNIOR, 2006).

No curso de Licenciatura em Fsica da Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC), a disciplina denominada Instrumentao para o

Ensino de Fsica (INSPE), que se divide em trs - Instrumentao para o

Ensino de Fsica A (INSPE A); Instrumentao para o Ensino de Fsica

B (INSPE B); Instrumentao para o Ensino de Fsica C (INSPE C) -

visa atualmente a cumprir com essa perspectiva.

Diferentemente de outras universidades brasileiras que tambm

possuem a disciplina de Instrumentao para o Ensino de Fsica em seu

quadro curricular5, na UFSC ela tem objetivos e metodologias de ensino

4 A fenomenologia aqui tratada como o estudo e a explorao de fenmenos

naturais e tecnolgicos. J a modelizao o ato de construir e utilizar modelos

para uma melhor compreenso dos fenmenos. (HESTENES, 1996). A partir de

nosso referencial terico, no segundo captulo deste trabalho, iremos definir

melhor esses termos.

5 No curso de Licenciatura em Fsica da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), por exemplo, a disciplina divide-se em duas, Instrumentao para o Ensino de Fsica (EPEF) 1 e 2. Essas possuem o objetivo de trabalhar os

23

que proporcionam aos licenciandos em Fsica uma experincia completa

de uma proposta e aplicao didtica inovadora.

Em INSPE A, o objetivo discutir de forma analtico-crtica os

principais trabalhos destinados melhoria do ensino de fsica nas

ltimas dcadas. (DEPARTAMENTO DE FSICA/UFSC, 2007).

Alguns projetos de ensino de fsica nacionais e internacionais j

desenvolvidos - PSSC, Projeto de Ensino de Fsica (PEF),

Harvard Physics Project, etc. - so expostos e, em seguida, passa-se a discutir as novas linhas de pesquisa em ensino, como concepes

alternativas, CTS (Cincia, Tecnologia e Sociedade), modelos,

modelizao e a influncia da didtica francesa no Ensino de Cincias.

(DEVEGILI, 2012; MACHADO, 2009). A ideia que a disciplina

fornea uma base para os licenciandos pensarem e refletirem os diversos

enfoques existentes na rea de pesquisa em Ensino de Fsica e que

possam auxili-los posteriormente nas disciplinas de INSPE B e C.

Em INSPE B e C, o objetivo o desenvolvimento de projetos

temticos (PTs) e de um minicurso de 8 horas/aula para alunos do

Ensino Mdio, explorando e tratando temas complexos e realistas. Nesse

processo, as disciplinas visam aproximar a fenomenologia e a

contedos de fsica dos ensinos Fundamental e Mdio, na perspectiva das

metodologias e das tecnologias de ensino, com vistas sua aplicao em sala de

aula. A disciplina de EPEF 1 promove tarefas relacionadas familiarizao com

materiais didticos disponveis comercialmente; utilizao de laboratrios, de

recursos de informtica e de vdeos; s formas de comunicao em sala de aula;

ao uso de ferramentas bsicas para a montagem de atividades didticas simples;

s atividades extraclasse; ao aproveitamento de espaos especiais, como museus

interativos e mtodos de avaliao diagnstica, formativa e somativa. J a

disciplina de EPEF 2 se desenvolve em torno de um conjunto de atividades e

prticas relacionadas diretamente preparao de aulas. Cada atividade

corresponde elaborao de um plano de aula, que envolve a seleo do tema

especfico, anlise dos Parmetros Curriculares Nacionais, a escolha do livro-

texto e da bibliografia complementar, o preparo de material didtico e o mtodo

de avaliao. Cada licenciando recebe um conjunto de temas para serem

desenvolvidos ao longo do semestre, sendo que, no final do curso, cada um ter

desenvolvido um plano de aula em cada uma das reas da fsica e utilizado um

livro-texto diferente em cada projeto. Ao final de cada projeto, o aluno tem

ainda um prazo de uma semana para a apresentao de um relatrio sob a forma

de um plano de aula comentado. (AMORIM; BARROS, 2008). Para mais

exemplos de universidades que possuem em sua grade curricular a matria de

Instrumentao para o Ensino de Fsica, ver o segundo captulo da dissertao

de mestrado de Da Silva (2002).

24

modelizao do ensino; apresentar as relaes entre a Fsica e suas

implicaes sociais, culturais e econmicas e promover a experincia na

elaborao de um material didtico.

Nessas disciplinas, cria-se uma situao didtica diferenciada.

(DE SOUZA CRUZ et al., 2005). Os licenciandos so levados, por meio

da elaborao dos PTs, ao desafio de, numa primeira fase (INSPE B),

compreender, interpretar e representar fenmenos complexos e realistas

e, numa segunda fase (INSPE C), transp-los didaticamente para

estudantes do Ensino Mdio.

Em INSPE B, em um primeiro momento, com o intuito de

elucidar para os licenciandos as principais etapas contempladas na

disciplina, o professor faz a exposio de dois exemplares que

apresentam similaridades com os temas que sero tratados por eles. Em

seguida, grupos so formados e algumas temticas do cotidiano,

predefinidas pelo professor , so direcionadas a eles mediante sorteio.

Feito isso, inicia-se o processo de construo do PT de INSPE B.

O desenvolvimento desse trabalho tem a seguinte organicidade:

primeiramente, temos uma explorao do tema. Trata-se de uma

familiarizao com o fenmeno, na qual alguns conceitos e processos

fsicos envolvidos devem ser reconhecidos pelos licenciandos. Neste

momento, espera-se que os grupos construam uma trama articulada

sobre a temtica, cujos aspectos relevantes associados aos fenmenos

em estudo sejam devidamente colocados. tambm um momento de

problematizao, pois perguntas devem ser feitas por eles a fim de

nortear o estudo sobre a temtica. Essas questes, quando trabalhadas,

podem trazer uma explicao e um conhecimento geral sobre o tema.

Com isso, espera-se que, nesse incio de trabalho, os licenciandos faam

um descrio global do fenmeno em anlise.

Em seguida, os grupos buscam fazer certo recorte no tema. Visto

a complexidade de se tratar o fenmeno como um todo, eles precisam

elencar parmetros relevantes, cujo estudo seja de seu interesse. Neste

ponto, os licenciandos definem o que vai ser aprofundado e os aspectos

que tero no projeto um tratamento mais informativo. Dessa forma, eles

estabelecem critrios de seleo para suas escolhas e apresentam suas

justificativas. Feito isso, os grupos partem para a construo de modelos

ou da utilizao de modelos e/ou teorias cientficas, visando elaborar um

quadro explicativo sobre determinado aspecto da temtica. Esses

processos de desenvolvimento do trabalho podem ser divididos em trs

25

etapas: descrio fenomenolgica6, escolha do recorte e modelizao.

Estas sero mais bem explicitadas no primeiro captulo desta

dissertao.

Ao final dessas etapas, espera-se que os grupos apresentem um

PT que possua um nvel de profundidade conceitual compatvel com o

Ensino Superior, pois esse trabalho servir de subsdio para a construo

de um material destinado ao professor de Ensino Mdio e tambm

servir de base para a construo e aplicao de um minicurso em

INSPE C. Alm disso, cada grupo apresenta dois seminrios, um na

metade do curso, com objetivo de relatar aos colegas o trabalho j

desenvolvido, e outro ao final, apresentando a consolidao do PT e de

possveis estratgias que utilizaro no semestre seguinte.

A disciplina de INSPE C essencialmente uma fase de

transposio didtica do tema para o Ensino Mdio, em que os

licenciandos do continuidade ao trabalho desenvolvido em INSPE B.

Eles redefinem o PT e tambm elaboram um material voltado ao

professor do Ensino Mdio, contendo dados relevantes do trabalho,

como os principais conceitos e processos fsicos presentes nos

fenmenos em estudo e estratgias para a implementao da temtica.

No final da disciplina, os grupos ainda realizam um minicurso de 8

horas/aula para estudantes de escolas vizinhas universidade sobre o

tema que foi estudado e explorado nos dois semestres, apresentando

experimentos, simulaes e escolhas de abordagens didticas, como

CTS, Interdisciplinariedade, Histria da Fsica, etc. (DEVEGILI, 2012).

Essas trs disciplinas (INSPE A, B e C) so ministradas aps as

disciplinas do ciclo bsico, que contm matrias especficas e

pedaggicas. Dessa forma, a INSPE tem como objetivo fazer o vnculo

entre essas matrias. A ideia preparar os licenciandos para tratar

questes prticas envolvidas com o ensino de contedos especficos.

Espera-se, com isso, que eles tenham uma base conceitual estabelecida

para enfrentar atividades como o desenvolvimento e aplicao do PT.

(REZENDE JUNIOR, 2006).

Ao enfrentar os desafios que as INSPEs propem, como a

mobilizao de conhecimentos anteriores, a explorao de fenmenos,

tomadas de decises e estabelecimento de critrios de seleo, os

6 A anlise da primeira etapa de INSPE B foi apresentada no IX Encontro

Nacional de Pesquisa em Educao em Cincias, com o ttulo: Reverso

ontolgica e o enfoque fenomenolgico numa disciplina de Instrumentao

para o Ensino de Fsica. (CAMPOS et al., 2013).

26

licenciandos apresentam dificuldades e resistncias7 no desenvolvimento

das atividades. Na busca de romper com esses desafios, as disciplinas

criam uma situao extremamente rica para analisarmos o

desenvolvimento dos licenciandos diante de uma situao que envolve o

estudo e a explorao de fenmenos complexos e realistas. (REZENDE

JUNIOR, 2006). Isso possibilita-os desenvolver competncias que

envolvam um aprimoramento do conhecimento conceitual sobre

determinado tema e o desenvolvimento de um senso crtico, capaz de

analisar, explorar e fazer escolhas em suas investigaes. (MACHADO,

2009).

A ligao dessa estrutura presente em INSPE com o processo de

conceitualizao j foi objeto de duas pesquisas. Primeiramente,

Rezende Junior (2006), que em sua tese de doutoramento buscou fazer

uma anlise da tradio do ensino de fsica e das situaes didticas

luz da Teoria dos Campos Conceituais de Grard Vergnaud8. Em seu

trabalho, o autor mostra que, em contextos especficos, como temas de

Fsica Moderna e Contempornea, essa tradio pode criar obstculos

para a formao de professores e em suas futuras atividades

profissionais. Em seguida, o trabalho debate e argumenta como as

disciplinas de INSPE B e C podem se constituir como situaes

didticas diferenciadas que possibilitam o desenvolvimento e a anlise

7 Neste trabalho, o termo resistncia ser tratado como algo maior que uma

dificuldade. De acordo com o Dicionrio Houaiss (HOUAISS et al., 2001),

podemos entender resistncia como algo duradouro, que possui certa obstinao

a mudanas. J o termo dificuldade, de acordo com esse mesmo dicionrio,

pode ser entendido como algo que provoca complicaes, mas que podem ser

mais facilmente sanadas.

8 Segundo a teoria de Campos Conceituas de Vergnaud, a definio de conceito

se d por meio de trs conjuntos: C = {S,I,R}. Para o ensino de fsica, De Souza

Cruz et al. (2005) define: [S]: conjunto de situaes (problemas, questes,

fenmenos que necessitam [de] explicao e cujo enfrentamento exige a

utilizao ou criao de um ou mais conceitos, trazendo tona o seu significado

e ou aplicabilidade); [I]: o invariante, o esquema de articulao dos conceitos,

(trama conceitual) fornece a ligao e visualizao da dinamicidade entre os

conceitos. Seu domnio possibilita a utilizao dos mesmos no enfrentamento de

situaes diversas, isto , na estruturao de esquemas. Tambm podem ser

obstculos quando confrontados com {S}. Estes invariantes fazem parte do

conhecimento prvio ou conhecimento estabelecido; [R]: formalizao ou

representao simblica. Conjunto das formas. Sendo que o processo de

aprendizagem exige uma inseparabilidade da tripla {S,I,R}.

27

do processo de conceitualizao de licenciandos em Fsica. Como as

atividades solicitadas nas disciplinas fogem das tradicionais tarefas de

listas de exerccios e resoluo de problemas, os licenciandos so

levados a uma dinmica que se aproxima da concepo de Vergnaud

sobre o processo de conceitualizao. Como resultado, a pesquisa

mostra que houve um ganho significativo por parte deles tanto em

aspectos conceituais do conhecimento fsico, como nos processos de

ensino, didtico e metodolgico.

Mais recentemente, em uma dissertao de mestrado, Devegili

(2012) buscou analisar a possibilidade de uma ressignificao conceitual

durante a elaborao dos PTs nas disciplinas de INSPE B e C, sendo

essa ressignificao uma redefinio do significado atribudo ao

conceito cientfico pelos licenciandos. Para tanto, a pesquisa foi

realizada em duas etapas. Na primeira etapa, com o intuito de mapear a

possibilidade de ressignificao conceitual, foi feita uma leitura do

produto do Projeto Temtico de INSPE B (material escrito em INSPE C

e denominado como Unidade de Ensino). J, na segunda etapa, foram

traadas categorias empricas fundamentadas na anlise de contedo

com a finalidade de verificar uma mudana nas argumentaes sobre

conceitos fsicos de ondulatria entre os licenciandos das disciplinas.

Pelo resultado obtido, verificou-se que alguns avanos na aprendizagem

deles, relativos aos conceitos fsicos e os processos inerentes s

disciplinas, como o de modelizao, proporcionaram uma maior

autonomia na construo de seus modelos sobre alguns fenmenos.

J Machado (2009), em sua dissertao de mestrado, buscou

outro enfoque para sua pesquisa. O foco foi sobre o processo de

modelizao. Neste trabalho, a autora investigou o entendimento sobre

os conceitos de modelo e modelizao admitidos pelos licenciandos que

participaram da disciplina de INSPE B, por meio da anlise de contedo

dos PTs e da aplicao de questionrios a um grupo de sujeitos da

pesquisa. O resultado foi a constatao de que as atividades propostas na

disciplina promoveram um espao privilegiado para desenvolver e

compreender esses conceitos, apontando, tambm, que o principal

resultado de seu trabalho foi diagnosticar uma grande variedade de

entendimentos sobre esses por parte dos licenciandos que participaram

da disciplina.

Outro ponto que tambm j foi objeto de pesquisa foi feito por Da

Silva (2002)9. Em sua dissertao de mestrado, a autora teve por

9 Na poca em que foram feitas as pesquisas de Da Silva (2002), Rezende

Junior (2006) e Machado (2009), as disciplinas de INSPE B e C tinham um

28

objetivo identificar o papel, a importncia e as implicaes das

disciplinas de INSPE A, B e C na formao do licenciando em Fsica.

Para isso, a pesquisadora optou por uma pesquisa com enfoque

qualitativo, na qual utilizou como ferramentas para a retirada de dados

as observaes em sala de aula e a aplicao de questionrio e

entrevistas. Os resultados dessa investigao mostraram que as

Instrumentaes podem proporcionar ao licenciando: uma preparao

adequada para a disciplina de Prtica de Ensino (disciplina oferecida

posteriormente INSPE); as disciplinas esto de acordo com as

demandas atuais para o ensino de fsica no Ensino Mdio (sugeridas nos

Parmetros Curriculares Nacionais e nas Diretrizes para a Formao de

Professores da Educao Bsica em Curso Superior) e oferecem

subsdios para a preparao de um futuro professor pesquisador.

E nesse contexto de formao inicial de professores, e que se

tornou ao longo dos anos foco de algumas pesquisas, que o presente

trabalho se enquadra, objetivando investigar o processo de construo

dos PTs no decorrer da disciplina de INSPE B pelos licenciandos de

uma turma da sexta fase do curso de licenciatura em Fsica da UFSC.

As questes norteadoras so: Como os licenciandos desenvolvem as

atividades propostas ao longo das trs etapas contempladas na disciplina

de INSPE B? Quais as dificuldades e resistncias que eles apresentam

nesse processo?

Sendo assim, so assumidos os seguintes objetivos especficos:

- construir um material de referncia para anlise dos trabalhos

desenvolvidos pelos licenciandos;

- analisar o desenvolvimento dos trabalhos elaborados pelos

grupos em cada etapa de INSPE B;

- identificar as dificuldades e resistncias apresentadas por eles

no decorrer da disciplina.

Nossa inteno complementar as pesquisas j feitas, trazendo

agora para o centro de investigao, alm da modelizao, aspectos

formato diferente do atual. Em INSPE B, os licenciandos construam um Projeto Temtico com algum contedo de fsica do Ensino Mdio e, em INSPE

C, eles aplicavam esse projeto em uma unidade de ensino de fsica para turmas-

piloto da comunidade. A grande diferena que, atualmente, os PTs so

desenvolvidos, num primeiro momento em INSPE B, com um nvel de

exigncia para o Ensino Superior, ou seja, espera-se que tenham um carter

conceitual mais profundo, sendo que, em INSPE C, esse trabalho passa por uma

transposio didtica para se adequar a um novo pblico, que so alunos do

Ensino Mdio.

29

relacionados fenomenologia. Com esse enfoque, que j foi apontado

por Rezende Junior (2006), buscaremos entender o estudo dos

fenmenos trabalhados na disciplina de INSPE B.

Nosso trabalho apresentado da seguinte forma: aps essas

consideraes iniciais, no primeiro captulo, pretendemos situar o

ambiente e o contexto de nossa pesquisa. Na primeira seo,

apresentaremos as etapas contempladas na disciplina de INSPE B, que

so divididas em trs: descrio fenomenolgica, escolha do recorte e

modelizao. Nossa pretenso com essa primeira seo de definir as

etapas e elencar os aspectos relevantes de cada uma. Em seguida, na

segunda seo, faremos uma descrio da disciplina de INSPE B da

UFSC ocorrida no segundo semestre do ano de 2011. Apresentaremos as

atividades realizadas pelos licenciandos e as estratgias desenvolvidas

pelo professor para a conduo da disciplina. Posteriormente, na terceira

seo, iremos destacar os sujeitos que participaram da disciplina e que

so importantes para nossa pesquisa: o professor, que ser definido

como professor-orientador; os licenciandos de dois grupos, Efeito Estufa

e Ondas Ssmicas, no qual buscaremos justificar essa escolha, e o

pesquisador, que ser classificado como pesquisador-observador.

No segundo captulo, de fundamentao terica, ser ressaltado o

papel da fenomenologia, dos modelos e da modelizao para o ensino de

fsica. Na primeira seo, iremos definir a acepo de fenomenologia

que tratada nesta dissertao e, em seguida, com base em nosso

referencial, mostraremos que o estudo de fenmenos no aparece de

maneira relevante no ensino de fsica, pois tradicionalmente estudam-se

os modelos e teorias da cincia, tratando-os apenas como ilustraes dos

fenmenos. (DAHLIN et al., 2009). Posteriormente, na seo seguinte,

apontaremos o papel dos modelos e da modelizao para o ensino e para

a disciplina de INSPE B.

No terceiro captulo, iremos caracterizar nossa pesquisa e

apresentar um material de referncia que construmos para a anlise dos

trabalhos desenvolvidos pelos grupos de Efeito Estufa e Ondas

Ssmicas. Na primeira seo, classificaremos nossa pesquisa como

sendo qualitativa e, a partir de um referencial terico, justificaremos a

razo desse enquadramento. Em seguida, na segunda seo,

apresentaremos o material de referncia, que constitui uma ferramenta

essencial para nossa pesquisa, pois alm de conter as principais etapas

que espervamos que os grupos realizassem, serve tambm como objeto

para anlise dos trabalhos desenvolvidos por eles.

No quarto e ltimo captulo, faremos a anlise dos dados. Na

primeira seo, analisaremos o processo de elaborao dos PTs

30

realizado pelos dois grupos em cada etapa da disciplina. Para isso,

faremos uma anlise documental dos dirios e PTs desenvolvidos por

eles. J na segunda seo, classificaremos as dificuldades e resistncias

apresentadas pelos grupos ao elaborarem seus trabalhos. Apontaremos

que estas se manifestam em dois tipos: primeiro, dificuldades e

resistncias que surgem ao enfrentarem as mudanas das tarefas e

atividades que a disciplina prope e, segundo, dificuldades e resistncias

que se enquadram em uma reverso ontolgica, em que os objetos em

estudo so substitudos por modelos, leis e teorias, muitas vezes sem

dialogar com os fenmenos.

Encerraremos o trabalho tecendo nossas consideraes finais.

31

1 INSTRUMENTAO PARA O ENSINO DE FSICA B

Neste captulo, pretendemos situar o contexto e o ambiente da

nossa pesquisa. A disciplina de INSPE B foi desenvolvida com uma

carga horria de 72 horas, distribudas em 36 encontros, sendo dois

encontros por semana. Na primeira seo, apontaremos os detalhes das

trs etapas contempladas na disciplina, descrio fenomenolgica,

escolha do recorte e modelizao.

Em seguida, na segunda seo, faremos uma descrio da

disciplina ministrada no segundo semestre do ano de 2011, com isso

apresentaremos as atividades cumpridas pelos licenciandos e as

estratgias de ensino utilizadas pelo professor durante o semestre.

Por ltimo, na terceira seo deste captulo, iremos apresentar

os sujeitos que participaram da disciplina de INSPE B - os licenciandos,

o professor e o pesquisador. Nossa inteno caracterizar melhor os

sujeitos e os papis desempenhados por eles no cenrio investigado.

Alm disso, iremos apresentar as razes para a escolha dos grupos de

Efeito Estufa e de Ondas Ssmicas para nossa anlise, que ser

apresentada no captulo 4.

1.1 ETAPAS CONTEMPLADAS NA DISCIPLINA

A disciplina de INSPE B tem como principal objetivo aproximar

a fenomenologia e a modelizao do ensino de fsica. Os licenciandos,

em grupos de no mximo trs, recebem temas envolvendo fenmenos

complexos e realistas, tais como: Efeito Estufa, Furaces, Forno de

Micro-ondas, Raios Csmicos, Terremotos etc. Esses temas englobam

fenmenos naturais e tecnolgicos, incorporam diversos conceitos e

processos fsicos e proporcionam uma explorao significativa da Fsica

e de sua relao com o social, o cultural e o econmico.

Podemos dividir a disciplina em trs etapas: descrio

fenomenolgica, escolha do recorte e modelizao. A primeira etapa

corresponde a um reconhecimento da temtica, uma traduo dos

fenmenos em termos de conceitos e processos fsicos envolvidos, no

qual os licenciandos podem reconhec-los nos processos naturais e

tecnolgicos presentes no tema. Essa descrio no apenas uma

listagem, mas tambm a descoberta de uma trama, isto , a percepo de

relaes e das cadeias de eventos e processos associados ao assunto em

estudo. Essa descrio estabelece uma base para a formulao de

possveis problemas de investigao.

32

Dessa forma, trata-se de uma etapa de problematizao, na qual

perguntas podem ser feitas pelos grupos com a inteno de que estas

possam gui-los no percurso para a compreenso dos temas. Nesse

processo, criam-se certos critrios de seleo que auxiliam o

desenvolvimento das investigaes sobre as temticas, e em que se tem

uma busca inicial por parmetros relevantes dos fenmenos em estudo.

Sendo assim, esse trabalho inicial no necessita ser uma explicao

completa sobre o tema, mas sim um apontamento inicial de aspectos

importantes e um levantamento de questes.

Na segunda etapa, temos a escolha do recorte. Como as temticas

so bastante amplas, torna-se necessrio escolher um foco para ser

aprofundado. Nessa etapa temos um momento de redefinio do objeto

em anlise, no qual algumas grandezas so selecionadas como

relevantes e outras no. Essas escolhas exigem dos grupos o

estabelecimento de relaes entre os processos fsicos e sua importncia

para a compreenso de determinados aspectos dos fenmenos, passo

importante para a criao de um modelo e que vai se realizar na terceira

etapa, de modelizao. A escolha do recorte o que define a preciso da

investigao, pois parte-se de uma estrutura global do tema para uma

viso pontual sobre uma frao do tema.

Na terceira e ltima etapa, temos o processo que envolve a

modelizao. Aps uma clarificao do foco e um enfrentamento de

questes mais especficas, na terceira etapa os grupos buscam um

aprofundamento do estudo, procurando explicaes mais consistentes

para um ou mais processos relevantes para o tema. Por meio da

mobilizao e da criao de instrumentos conceituais ou experimentais,

eles podem estabelecer uma compreenso, uma explicao e uma

representao de parte da temtica.

De forma mais consciente, pode-se, nessa terceira etapa, construir

um modelo representativo e explicativo sobre parte da temtica. Este

modelo pode ser at qualitativo e conceitual, desde que possua

informaes importantes e precisas sobre determinado aspecto do tema.

O produto final do desenvolvimento dessas trs etapas um PT

que possui um nvel de complexidade compatvel com o Ensino

Superior. Isso se deve ao fato de que o trabalho desenvolvido em INSPB

B servir de base para a elaborao de um material destinado ao

professor do Ensino Mdio, alm de conter possveis indicaes para o

desenvolvimento do minicurso que ocorre no semestre seguinte, na

disciplina de INSPE C. Sendo assim, espera-se que os trabalhos

proporcionem um nvel conceitual claro e profundo, o que justifica a

33

exigncia para que o PT de INSPE B seja compatvel com o nvel

superior.

Na disciplina de INSPE C, o material desenvolvido em INSPE B

passa por uma transposio didtica, trazendo novas discusses e uma

redefinio do trabalho desenvolvido anteriormente. As escolhas que

definem as abordagens a serem utilizadas em INSPE C devem partir dos

licenciandos, logicamente orientados pelo professor, mas que sejam

interessantes para eles e para um novo pblico, alunos do Ensino Mdio.

Essa fase no foi tratada nesta pesquisa, mas vale como indicao para

prximas investigaes.

1.2 A DISCIPLINA DE INSPE B NO SEGUNDO SEMESTRE DE

2011

No primeiro encontro da disciplina, os licenciandos receberam o

plano de aula e o cronograma10

(Anexo A) das atividades que deveriam

ser desenvolvidas. Nesse mesmo dia, eles foram separados em grupos,

num total de cinco, sendo compostos por trs integrantes cada. Os temas

a serem trabalhados (Efeito Estufa, Radiao Solar, Desastre de

Fukushima, Raios Csmicos e Ondas Ssmicas), previamente definidos,

foram destinados aos grupos por meio de sorteio. Para escolher esses

temas, o professor adotou alguns critrios, como: temas que envolvem

conceitos fsicos interessantes para o Ensino Mdio e que no esto

sendo bem trabalhados na escola, como ondas, termodinmica e Fsica

moderna; temas que evidenciem bem os processos de fenomenologia e

de modelizao e temas que possibilitem a abordagem de vrios

enfoques.

Ainda nesse encontro, com o intuito de acompanhar o processo

de desenvolvimento do trabalho que seria realizado pelos licenciandos,

foi solicitado a cada grupo que entregasse relatrios denominados Dirio

de Bordo. Estes deveriam conter os pontos investigados, as dvidas e a

bibliografia.

Nos trs encontros seguintes, o professor iniciou os trabalhos

exemplificando os aspectos relacionados ao estudo e explorao de

fenmenos complexos e realistas. Para isso, fez-se a anlise de dois

10

A disciplina de INSPE B ministrada em cada semestre por professores diferentes, sendo que cada um estabelece suas prioridades para o curso. Dessa

forma, o plano de aula e o cronograma apresentados em anexo servem como

base que pode, dependendo do professor, sofrer modificaes.

34

temas, Fsica dos Esportes e Tecnologia do Forno de Micro-ondas. O

primeiro tema bastante amplo, sendo que para a explorao dele

poderia haver inmeras escolhas. Inicialmente, discutiu-se com os

licenciandos esse aspecto, ou seja, como uma temtica to extensa

poderia dificultar a escolha de um foco para um PT. Mostrou-se,

tambm, que as vrias possibilidades de esportes (esportes com bola,

atletismo, ciclismo etc.) poderiam levar escolha de temas interessantes

para os projetos. A fim de limitar a temtica, pois a amplitude desta

dificultaria ou at impossibilitaria o estudo preciso da mesma, o

professor elaborou suas primeiras perguntas: Qual esporte devemos

tratar? Esportes com bola (vlei, futebol, tnis, basquete etc.) ou

esportes de atletismo (corridas, saltos, arremessos de peso etc.)?

A escolha, neste momento, foi pela fsica do ciclismo. Para essa

seleo, o critrio utilizado foi que a fsica do ciclismo parecia ter

grande potencial em envolver conceitos e processos fsicos interessantes

da mecnica clssica, possibilitando uma explorao dos conceitos de

cinemtica e dinmica dentro de uma situao diferente da usualmente

tratada nos livros-textos e nas listas de exerccios, alm de permitir a

utilizao de simulaes, vdeos e programas computacionais para uma

melhor explorao, compreenso e apresentao do tema.

Nesse ponto, foi enfatizado que as escolhas dos grupos no

decorrer de suas investigaes so de extrema importncia para a

elaborao do PT e que esses devem aprender a estabelecer certos

critrios de seleo de forma clara, pois como so temas extensos, para

um estudo mais profundo e preciso so necessrias algumas redues.

Fixando-se na fsica do ciclismo, o professor discutiu com os

licenciandos que ainda havia vrias possibilidades de estudo, pois

existem diversas modalidades, como o ciclismo indoor, o ciclismo de

velocidades e o ciclismo de corridas de longa durao, alm de outro

enfoque que poderia ser a fsica da bicicleta, que levaria a outro foco de

trabalho. A opo foi por corridas de longa durao, especificamente a

Volta da Frana de Ciclismo. Dessa forma, o tema que era, inicialmente,

Fsica dos Esportes foi redefinido e passou a ser Volta da Frana de

Ciclismo. O critrio para essa escolha foi o mesmo do anterior.

Para deixar bem marcadas as etapas do desenvolvimento do

projeto, fez-se a anlise exploratria do projeto, iniciando pela descrio

fenomenolgica do novo tema. A corrida e suas etapas foram descritas,

contemplando suas caractersticas fundamentais como as inclinaes, as

curvas e o asfaltos, bem como os atletas, analisando o ritmo dos

competidores, a energia e a potncia dispendida por eles, se h variao

de rendimento nos diferentes trechos e a sua razo; descreveu-se

35

tambm os tipos de bicicletas, destacando o peso, as rodas e os pneus.

Todos esses aspectos envolveram questes que permitiram definir os

parmetros e as grandezas importantes para a investigao do tema. Esse

primeiro levantamento para o estudo da temtica gerou as seguintes

perguntas: O relevo mesmo em todo trajeto? Como o piso? Qual a

distncia a ser percorrida? Que tipo de bicicleta ser utilizada? Existe

algum estudo prximo ao nosso?.

Aps a descrio, o professor escolheu, como foco de trabalho,

traar uma previso temporal para que um ciclista percorresse toda a

Volta da Frana. Nesse momento, ele enfatizou a segunda etapa do

trabalho (escolha do recorte). Da descrio fenomenolgica, tem-se que

os aspectos mais importantes esto ligados fora originada do atrito de

rolamento, a foras de arrasto aerodinmico devido ao vento, fora peso

e fora motriz do ciclista. Para entender a pista, ele utilizou mapas

topogrficos e realizou uma pesquisa bibliogrfica. O resultado foi que

para um estudo sobre o tempo decorrido para se completar a Volta da

Frana, pode-se eliminar as curvas, tratando a pista como sendo uma

trajetria retilnea e que, nos pontos de aclives e declives, pode-se

defini-los como sendo planos inclinados.

A partir desses parmetros construiu-se um modelo, cuja pista

se transformou num conjunto de planos inclinados, com trajetrias

retilneas, isto , as curvas foram desprezadas por se considerar que no

influenciariam de maneira significativa a trajetria (curvas muito amplas

comparadas com o tamanho das bicicletas). O piso foi considerado

homogneo e o atrito levado em conta foi apenas o atrito de rolamento,

supondo que as bicicletas no escorregam. Foram levados em conta os

ventos, que aparecem atravs de uma fora de arrasto aerodinmica, e

que proporcional rea do corpo do ciclista, supondo-se uma rea

mdia, correspondente a um ciclista mdio, com um peso mdio e uma

bicicleta tambm com um dado peso mdio. No caso do ciclista,

levantou-se a suposio de uma potncia mdia dispendida ao longo de

cada trecho.

Essa modelizao foi enfatizada para que os licenciandos

percebessem o papel da fenomenologia para o levantamento dos

parmetros importantes, que balizam o modelo. Dessa forma, foi

ressaltada a importncia de ter as noes de escala de relevncia e a

justificao das aproximaes feitas.

Feito isso, o professor desenvolveu uma formalizao

matemtica, que permitiu, por meio da construo de uma equao do

movimento, obter dados sobre a performance do ciclista ao longo dos

trechos na Volta da Frana. A capacidade dessa equao para

36

descrever a corrida foi ainda testada, fazendo-se uma previso do tempo

despendido para completar todo o trajeto e comparando com os

resultados reais das corridas.

Tratou-se, portanto, de um modelo completo, que vai desde

testes de limitaes at uma formalizao matemtica. Mais do que

explicativo, esse modelo permitiu trabalhar e manipular dados. Sendo

assim, pode-se explorar esse modelo tanto nos aspectos de adequao

aos resultados empricos quanto aos aspectos conceituais, como por

exemplo, o papel de cada um dos parmetros inicialmente elencados.

Esse projeto fez um apontamento total de todas as etapas contempladas

na disciplina, construindo uma problematizao inicial na descrio

fenomenolgica, evidenciando parmetros relevantes para determinada

escolha de recorte e representando parte da temtica em um modelo,

passvel inclusive de teste.

O segundo tema que serviu como exemplo foi o de Tecnologia

do Forno de Micro-Ondas. Nesse caso, o tema mais complexo e a

primeira etapa de descrio ganhou bastante nfase. O intuito foi

proporcionar aos licenciandos exemplos de problematizao a partir do

estudo do fenmeno.

O tema consta de vrios conceitos e processos fsicos

envolvendo o funcionamento do forno de micro-ondas e suas aplicaes,

como o processo de gerao de micro-ondas, a transmisso de ondas

para o interior da cavidade, a formao de ondas estacionrias e tambm

a ao das ondas sobre algum objeto, ou seja, a interao da radiao

com a matria. Portanto, este possui uma sequncia maior de processos

fsicos, aspectos conceituais diversos e um nvel de formalizao

matemtica que pode ser mais ou menos avanada, dependendo do foco

de investigao escolhido.

Para iniciar a explorao do tema, o professor fez algumas

perguntas: Como as ondas so geradas e transmitidas para o interior da

cavidade? Como elas se comportam dentro desta cavidade? E como, ao

interagir com os alimentos, elas os aquecem?. Para compreender a

gerao, foi necessrio estudar o funcionamento do magnetrom. Nesse

sentido, iniciou-se a descrio do magnetron mostrando a diversidade de

conceitos fsicos contidos nele, discutindo com os licenciandos sobre o

que uma onda eletromagntica e como se pode ger-la atravs de um

circuito em que se tem a troca de energia entre campos eltricos e

magnticos. A partir disso, foram feitas novas questes: Como o

magnetron gera uma onda eletromagntica de uma dada frequncia?

Qual o papel de cada um dos componentes (as aletas, a fonte de eltrons,

37

o campo magntico etc.)? Quais as grandezas e os processos fsicos

importantes para a gerao de micro-ondas?.

Com isso, buscou-se debater essas questes e, em seguida, foi

mencionado que se pode entender o magnetron como sendo um circuito

RLC. As cavidades entre as aletas funcionam como um capacitor e as

aletas como um indutor. Isso significa que a gerao de micro-ondas

pelo magnetron se deve ao fato de que este gera uma oscilao de

eltrons semelhante ao circuito RLC, em que a frequncia de oscilao

est ligada indutncia e capacitncia do circuito.

Nesse momento, foi enfatizado que o estudo e a explorao do

magnetron j seria um foco relevante para um PT, que isso dependeria

do interesse e dos critrios de escolha do recorte. Porm, esta no seria a

escolha para aquele momento, pois a inteno do professor era de

mostrar os diversos conceitos e processos fsicos presentes no tema de

Tecnologia do Forno de Micro-ondas, bem como os vrios focos de

trabalho que este proporciona.

Na sequncia da apresentao, destacou-se que a transmisso da

onda para o interior da cmara do micro-ondas envolve a fsica da

antena. Esta capta a onda gerada pelo magnetron e a transmite na

direo do forno atravs do guia de ondas. Por meio desse guia, as ondas

chegam cavidade do forno. Na cavidade, a radiao poderia tanto ser

difundida como formar ondas estacionrias, mas que, devido s relaes

entre as dimenses da cavidade e os comprimentos de onda, tem-se a

formao de ondas estacionrias. Por fim, h, ento, o aquecimento de

alimentos.

A partir dessa descrio global do tema e de sua

problematizao, o professor mostrou a quantidade de aspectos

associados ao forno de micro-ondas. Com isso, ele apresentou as vrias

possibilidades de recortes, como fsica da gerao, da transmisso e da

interao da radiao com os alimentos. Novamente, foi enfatizado que

as escolhas que permitiriam a seleo de aspectos que se tornariam

mais profundos e outros mais informativos. Por exemplo, a escolha da

fsica do magnetrom como foco principal implicaria tratar o

aquecimento de alimentos de forma mais informativa e vice-versa.

Em seguida, escolheu-se como foco de trabalho o cozimento

dos alimentos. Essa escolha gerou nova problematizao: Por que

certos materiais no se aquecem, enquanto outros se aquecem? Como se

d o cozimento? Qual o papel do prato girante? Quanto de radiao

absorvida? Essa radiao monocromtica, isto , a radiao do forno

tem uma frequncia bem definida ou se estende por uma faixa de

frequncias? Qual a intensidade da radiao dentro do forno? Qual a

38

intensidade absorvida? A intensidade absorvida depende da frequncia?

A intensidade absorvida depende do alimento?.

O professor ento mostrou que algumas dessas questes podem

ser respondidas quantitativamente por meio da lei de Beer-Bouguer-

Lambert11

. Essa lei, devidamente explorada, serve de base para o

estabelecimento dos parmetros mais importantes no processo, isto , o

papel da intensidade, da frequncia e das caractersticas relevantes das

diferentes substncias.

Essa lei foi ressaltada no sentido de fornecer meios para descobrir

quais os parmetros importantes para a ocorrncia do fenmeno de

aquecimento. Com o auxlio dela, pode-se discutir o coeficiente de

absoro associando ao ndice de refrao do material, evidenciando a

dependncia desse coeficiente com a frequncia da onda e com as

propriedades da matria. O resultado final que pode-se construir e

apresentar um modelo que tratava especificamente sobre o cozimento

dos alimentos, dentro de um tema maior que a Tecnologia do Forno de

Micro-Ondas.

Nota-se que esse tema exige bem mais do que o primeiro, pois a

complexidade da sua elaborao no permite, necessariamente, a

construo de um modelo to formalizado como o da Volta da Frana de

Ciclismo. Explorando a descrio, enfatizou-se a fase de

problematizao e dos critrios para a escolha de um recorte. Sendo que

este tambm permitiu uma compreenso mais conceitual e qualitativa

sobre os parmetros fsicos mais importantes da temtica.

Esse segundo exemplar tambm mostrou que um tema pode ser

separado em vrios focos de investigao, dependendo dos processos

que se ache relevantes. Nisso se torna necessria a definio de critrios

para a escolha do recorte, que podem surgir das perguntas levantadas, do

interesse, da curiosidade dos licenciandos e tambm dos aspectos que

eles julguem importantes para a construo futura de um minicurso.

Esses aspectos foram colocados em relevo durante a apresentao.

11

A lei de Beer-Bouguer-Lambert a combinao de duas leis empricas que foram construdas independentemente. A lei de Lambert-Bouguer, que relaciona

a quantidade de radiao absorvida e a distncia que ela percorre em um meio

absorvedor homogneo, e a lei de Beer, que relaciona a absoro de radiao e a

concentrao da substncia absorvente. Juntas, temos a lei de Beer-Bouguer-

Lambert. (ECHER et al., 2001).

39

Em sntese, na explorao dos dois exemplares, o professor

destacou passos importantes no desenvolvimento do trabalho, como a

definio, a explorao e problematizao dos temas; os recortes

necessrios para determinadas investigaes; e o aprofundamento do

foco do trabalho, sendo que este ltimo ponto poderia ser realizado por

meio da construo de um modelo para a explicao de parte da

temtica e/ou atravs da utilizao de teorias e/ou modelos cientficos.

Com isso, ele demonstrou as trs etapas contempladas na disciplina - a

descrio fenomenolgica, a escolha do recorte e a modelizao.

No final do quarto encontro, foi ressaltado que a colocao

desses dois exemplares distintos se deve ao fato de demonstrar aos

licenciandos que os modelos podem ser tratados de diferentes formas e

isso vai depender exclusivamente das escolhas realizadas durante o

desenvolvimento do trabalho.

Nos encontros seguintes, do 5 ao 18, os licenciandos

desenvolveram as atividades referentes primeira etapa da construo

do PT, a descrio fenomenolgica. Na primeira etapa, a inteno foi

obter deles uma descrio qualitativa e global sobre a temtica. Esse

momento seria tambm o primeiro para que os grupos apresentassem

suas dvidas inicias sobre o tema, as quais seriam respondidas e

aprofundadas posteriormente, buscando alcanar uma maior e melhor

compreenso dos fenmenos e processos fsicos envolvidos. Foi ainda

enfatizado que eles seriam avaliados por meio da anlise de suas

dvidas e questes sobre o tema. Com essa atitude, esperava-se que as

questes fossem se tornando mais sofisticadas e especficas medida

que o projeto fosse se desenvolvendo.

Textos sobre os temas foram trazidos pelos licenciandos a fim de

levantar uma discusso preliminar sobre o assunto. A partir desses

textos, o professor debateu com eles os diversos fenmenos fsicos

presentes em cada tema, questionou sobre os critrios que eles tiveram

para escolher esses materiais e em que os textos os auxiliariam na

descrio fenomenolgica da temtica.

Com o intuito de auxiliar os grupos neste momento inicial, foram

disponibilizados outros textos de apoio. Esses eram artigos de

profundidade varivel e que levantavam pontos ora especficos ora

gerais do assunto a ser trabalhado. O objetivo foi de proporcionar a eles

um levantamento inicial da fenomenologia do trabalho. Com isso,

perguntas amplas sobre os temas deveriam ser levantadas na inteno de

nortear o desenvolvimento do estudo e proporcionar uma orientao e

clarificao para as futuras pesquisas bibliogrficas.

40

Em seguida, o professor elaborou, para cada grupo, o chamado

Boneco Primrio12

(Figuras 1 e 2). Este instrumento foi apresentado em

um momento em que os licenciandos j deveriam ter feito a descrio

fenomenolgica do tema. Sendo assim, o objetivo do Boneco foi de

apontar lacunas na descrio feita pelos licenciandos, mostrar como os

temas podem ser esquematizados em diversos conceitos e processos

fsicos envolvidos, bem como as relaes desses com aspectos sociais,

econmicos e culturais.

Neste Boneco, encontramos a trama que estabelece um percurso

para a compreenso global do tema. A partir dele podemos encontrar os

links dos vrios aspectos que formam a rvore central da temtica e tambm podemos retirar questes iniciais para o desenvolvimento do

trabalho. Alm disso, com esse instrumento, podemos criar critrios

para a escolha dos recortes.

Dessa forma, o boneco uma expectativa do que se esperaria de

uma descrio por parte dos grupos, no se restringindo ao esquema,

mas sim ao que e como eles poderiam percorrer e fazer os vnculos entre

os conceitos e processos fsicos presentes na temtica.

12

Apresentamos no corpo deste trabalho somente os Bonecos Primrios destinados aos grupos de Efeito Estufa e de Ondas Ssmicas, pois foram os

trabalhos desenvolvidos por esses grupos que utilizamos em nossa anlise. Os

outros dirios esto em anexo (Anexo B).

41

Figura 1 - Boneco Primrio de Efeito Estufa.

42

Figura 2 Boneco Primrio de Ondas Ssmicas.

Aps a apresentao e discusso dos Bonecos Primrios, os

licenciandos deram continuidade a seus trabalhos partindo para a

segunda etapa da disciplina, de escolha do recorte (encontros 19 ao 23).

Com novas investigaes, buscaram elencar parmetros relevantes para

determinados aspectos do tema e passaram a determinar os focos que

receberiam um maior aprofundamento.

Aps realizadas essas duas primeiras etapas, os grupos

apresentaram seminrios, com o objetivo de compartilhar com os

demais colegas o trabalho j realizado (encontros 24 ao 26). Nessas

apresentaes, eles destacaram as etapas de descrio fenomenolgica e

de escolha do recorte. Tais apresentaes caracterizam-se como uma

atividade importante, pois o professor pode fazer sugestes e avaliaes

dos trabalhos desenvolvidos.

Aps os seminrios, os licenciandos passaram a desenvolver a

terceira etapa do trabalho que envolve o processo de modelizao

43

(encontros 27 ao 33). Os grupos, a partir dos pontos que consideravam

relevantes na etapa anterior, buscaram aprofundar o estudo sobre estes

pontos. Nessa etapa, eles poderiam construir um modelo sobre

determinado aspecto do tema e/ou utilizar modelos e/ou teorias

cientficas. O intuito que estes modelos pudessem auxiliar na

compreenso do foco escolhido em estudo.

Nos ltimos encontros, houve nova apresentao de seminrios,

nos quais os grupos compartilharam com os demais colegas o resultado

das atividades desenvolvidas durante o semestre (encontros 34 ao 36).

Esses seminrios tambm serviram para que o professor fizesse mais

uma avaliao e que j apontasse novas dicas para os grupos, no sentido

que esses j comeassem a pensar sobre o desenvolvimento do

minicurso que seria realizado na disciplina de INSPE C, e que se

desenvolveria no primeiro semestre de 2012.

Finalizando a disciplina, os grupos entregaram o trabalho

denominado de PT de INSPE B, em que exploraram um tema com

significado conceitual em nvel de Ensino Superior e tambm um

material contendo as apresentaes, simulaes, animaes ou outros

recursos de mdia que utilizaram no decorrer do curso.

1.3 OS SUJEITOS QUE PARTICIPARAM DA DISCIPLINA

1.3.1 Licenciandos

A disciplina de INSPE B, desenvolvida no segundo semestre de

2011, era composta por 15 licenciandos do curso de Licenciatura em

Fsica da UFSC. Neste momento do curso, os licenciandos j tinham

concludo algumas das disciplinas do currculo base, como Fsica Geral

A e B e Fsica Geral 2, 3 e 4 com suas respectivas disciplinas de

Laboratrio; Complementos de Termodinmica e Ondas; Clculo 1, 2, 3

e 4; Geometria Analtica; Qumica Geral A e B; Introduo Cincia da

Computao; Fundamentos da Educao; Psicologia Educacional;

Didtica Geral e INSPE A. Dessa forma, esperava-se que os

licenciandos apresentassem uma base conceitual estabelecida pelas

disciplinas vistas anteriormente, tanto especficas como pedaggicas.

Podemos separar a turma de licenciandos que participaram da

disciplina em dois blocos. Um primeiro que era composto por grupos

dispostos e motivados a enfrentar os desafios propostos pela disciplina e

um segundo bloco constitudo por grupos que, mesmo tendo cumprido

as atividades, apresentaram resistncias mais agudas e com maior

44

obstinao s mudanas provocadas pelas atividades propostas em

INSPE B.

Para nossa anlise, que ser apresentada no quarto captulo,

escolhemos os trabalhos desenvolvidos por dois grupos, Efeito Estufa e

Ondas Ssmicas. O primeiro grupo elaborou e entregou ao professor dois

dirios, enquanto o segundo apresentou quatro. Alm disso, estes

tambm entregaram a representao de todo o trabalho desenvolvido em

INSPE B na forma de um PT.

So dois grupos compostos por sujeitos que apresentaram

posturas distintas desde o incio da disciplina. O grupo de Efeito Estufa

era formado por licenciandos que sempre se mostraram interessados

pelas atividades que seriam desenvolvidas, mesmo tendo apresentado ao

longo da disciplina certas dificuldades referentes ao processo de

construo do PT realizado em INSPE B. J o grupo de Ondas Ssmicas

apresentou maiores resistncias disciplina, sendo que este grupo

possua certa especificidade, pois era formado por integrantes que j

haviam cursado bacharelado em Fsica e que estavam no curso de

licenciatura em Fsica a fim de ficarem aptos para se inscreverem em

concursos pblicos destinados a licenciados.

Sendo assim, a escolha desses dois grupos para anlise se deve ao

fato de termos elementos representativos de dois blocos distintos que

participaram da disciplina - o grupo de Efeito Estufa, correspondendo ao

primeiro bloco acima mencionado, e o de Ondas Ssmicas, ao segundo.

1.3.2 Professor

O professor sempre deixou claro para os licenciandos que ele

trabalharia como orientador do processo. Em verses anteriores, de

acordo com ele, os grupos o viam como um avaliador constante, o que

trazia certas angstias e proporcionava obstculos para o

desenvolvimento dos trabalhos. Os licenciandos, diante do professor/

avaliador tendiam sempre a apresentar respostas e no perguntas assim,

o estabelecimento do professor/ orientador visou estimular a

problematizao e a discusso.

Ele acompanhou toda a construo do PT de INSPE B,

auxiliando com dicas e construindo ferramentas que possibilitaram uma

melhor compreenso das atividades propostas na disciplina, como o

Boneco Primrio. Os grupos eram orientados durante todas as aulas, em

que o professor se informava do andamento do projeto, debatia com eles

as questes formuladas e levantava novas questes, alm de fornecer e

45

discutir as referncias bibliogrficas necessrias para o desenvolvimento

do trabalho.

Com essa postura, o professor ministrou e avaliou o processo de

maneira contnua, levando em conta todas as atividades realizadas pelos

grupos, como dirios, apresentaes e o PT. Nessa avaliao, ele

procurou diagnosticar a aprendizagem, no apenas observando as

afirmaes contidas nos textos e nas falas dos licenciandos, mas tambm

levando em conta os questionamentos que eles desenvolviam. O

progresso do projeto era avaliado analisando se as questes se tornavam

mais profundas a cada etapa e se traziam em sua estrutura novos

conhecimentos (conceitos, modelos e/ou teorias), sendo aplicados na

tentativa de responder os questionamentos anteriores. A anlise das

questes (problematizao) fornecia tambm ao professor o nvel de

entendimento que os grupos tinham sobre o tema.

O dilogo entre as partes possibilitou a interpretao sobre as

necessidades e os anseios dos licenciandos para com o trabalho.

Intervindo de maneira pontual em cada etapa e em cada grupo, o

professor sempre procurou esclarecer as atividades que deveriam ser

cumpridas, bem como os aspectos relacionados aos conhecimentos

especficos.

Um dos pontos importantes e que foi uma preocupao do

professor que os alunos se aprofundassem no conhecimento, mas que

este no os distanciasse da temtica. Essa preocupao se deve ao fato

de que os grupos, muitas vezes, ao se aprofundarem num dado

conhecimento terico, afastavam-se do tema e partiam para uma busca

do domnio sobre uma teoria mais geral, sem conseguir retornar ao

fenmeno. Esse aspecto est vinculado ao que chamamos de reverso

ontolgica e que ser melhor tratado no prximo captulo.

1.3.3 Pesquisador

O pesquisador presenciou todas as atividades desenvolvidas no

segundo semestre de 2011 na disciplina de INSPE B, mas no participou

ativamente do processo, dando opinies ou propondo mudanas. A

inteno foi observar o trabalho desenvolvido pelos grupos no decorrer

do semestre. Ressaltando que observar no simplesmente olhar,

observar destacar um conjunto, reconhecendo caractersticas e

informaes para determinado estudo. (TRIVIOS, 2008).

Dessa forma, o pesquisador delimitou o objeto de estudo como

sendo o processo de desenvolvimento do PT realizado pelos grupos,

enquadrou o espao como sendo a disciplina de INSPE B e fez o recorte

46

temporal ao selecionar uma turma que cursou a disciplina no segundo

semestre de 2011.

Pode-se dizer que a observao propiciou alcanar mais de perto

a perspectiva dos licenciandos, revelando algumas dificuldades e

resistncias por parte desses ao realizar as atividades propostas na

disciplina. O contato direto com as pessoas pertencentes pesquisa, seja

o licenciando ou o professor, foi fundamental para entender melhor o

percurso e o processo desenvolvido em INSPE B.

Algumas limitaes podem ser atribudas observao. Dentre

elas destacam-se as possveis alteraes no ambiente de sala de aula ou

no comportamento dos grupos. (LDKE; ANDR, 1986). No decorrer

da disciplina, foi possvel notar que, em alguns momentos de discusso

e debate entre os membros, eles se sentiam pouco vontade quando o

pesquisador estava presente, talvez com receio de que este pudesse estar

avaliando seus conhecimentos.

No foi feito nenhum tipo de gravao das aulas, fato que por um

lado pode ter causado uma certa restrio dos dados a serem analisados

na pesquisa, mas por outro evitou que os licenciandos se sentissem mais

inseguros diante dessa ferramenta. Sendo assim, os dados, que sero

analisados no quarto captulo, surgem da explorao dos trabalhos

escritos, Dirio de Bordo e PT.

47

2 FUNDAMENTAO TERICA

Sabemos que a Fsica pode ser estabelecida pelo estudo de

fenmenos e pela construo/utilizao de modelos derivados de

aproximaes, abstraes e idealizaes. Em contrapartida, o ensino de

fsica apresenta apenas o resultado final desse processo. (MACHADO,

2009; REZENDE JUNIOR, 2006). As teorias e os modelos so at

utilizados em determinados contextos de aplicaes, mas no so

explorados em situaes desafiadoras, servindo apenas como ilustrao

de fenmenos.

Neste captulo, buscaremos pressupostos tericos que

aprofundem a discusso sobre essa problemtica. Para isso, o captulo

ser dividido em duas sees: Fenomenologia para a Instrumentao de

Ensino de Fsica B e Modelizao para o Ensino de Fsica.

Na primeira seo, ser feita uma discusso a respeito da

fenomenologia. Acreditamos que a explorao de fenmenos complexos

e realistas traz uma contribuio positiva para o ensino de fsica, pois a

natureza dos conceitos cientficos e o processo de como se chega a estes

conceitos mais bem trabalhado, exposto e iluminado.

(OSTERGAARD et al., 2007). Iniciaremos, a partir de trabalhos

desenvolvidos por Rezende Junior (2006), Dhalin et al. (2009) e

Ostergaard et al. (2008; 2009), apresentando nossa posio com respeito

fenomenologia para o ensino de fsica. Em seguida, iremos definir a

fenomenologia desenvolvida na disciplina de INSPE B, situando o

termo como sendo uma investigao de um fenmeno que busca

explorar e analisar um objeto, no caso da disciplina, o estudo de um

tema.

Na segunda seo deste captulo, iremos abordar aspectos

relacionados aos modelos e modelizao para o ensino de fsica.

Entendemos que estes fazem parte da estrutura do conhecimento

cientfico, sendo essencial para a construo do mesmo. Dessa forma,

enfatizaremos a necessidade de abordar os modelos e a modelizao no

ensino de fsica, seja para clarificar melhor a funo desses para a

cincia ou em sua utilizao como ferramenta para a investigao e

compreenso de determinados fenmenos. Por fim, discutiremos a

modelizao desenvolvida na disciplina de INSPE B.

48

2.1 A FENOMENOLOGIA PARA A DISCIPLINA DE INSPE B

Todos ns estamos cercados de fenmenos, sejam naturais ou

tecnolgicos. Entendemos como fenmeno qualquer fato ou evento que

ocorra de maneira natural ou tecnolgica. Desde crianas vivenciamos

vrios desses como o fluxo da gua de um rio, as diferentes estaes, os

corpos quentes e frios etc. Com eles, aprendemos a nos maravilhar,

mesmo que de maneira ingnua, com o mundo que nos envolve.

(REZENDE JUNIOR, 2006).

certo que o homem sempre se deparou e se preocupou em

compreender os principais fenmenos ao seu redor, buscando

entendimento e explicaes para tais. Prova disso so os inmeros mitos

e lendas que surgiram ao longo da histria da humanidade ao tentar

explicar o movimento dos astros, o dia e a noite, os relmpagos, os

troves etc. (HEMPEL, 1979). Para Hempel (1979), so dois motivos

que nos levam a buscar uma compreenso sobre o que nos cerca: um

primeiro, de carter prtico, ao tentar se aperfeioar e controlar nossas

aes sobre o mundo e um segundo, de maneira existencial, em que se

busca um entendimento melhor dos fenmenos e das relaes que se

estabelecem no mundo.

Pode-se dizer que explicar os fenmenos um dos principais

objetivos das cincias naturais, especificamente da Fsica. O

conhecimento cientfico originado por essa cincia busca evidenciar e

compreender conceitos e processos fsicos resultantes dos fenmenos,

sendo que esse estudo se diferencia das vises ingnuas e metafricas da

realidade tidas pelo senso comum.

Neste trabalho, utilizaremos o conceito de fenomenologia13

como

explorao e estudo de um fenmeno. Sem entrar em discusses mais

13

O termo fenomenologia tem uma longa histria na cincia e na filosofia.

Pode-se dizer que a fenomenologia como um conceito ou como prtica de

pesquisa j existe h cerca de dois sculos. Georg Wilhelm Friedrich Hegel

(1770 1831) em Phnomenologie des Geistes, publicado em 1807, mostra

talvez a primeira utilizao conhecida do termo, embora Edmund Husserl (1859

- 1938) seja considerado o primeiro a tratar a fenomenologia como uma

filosofia moderna. Hegel foi inspirado pela epistemologia e ontologia implcita

em Goethe. Os princpios bsicos da fenomenologia de Hegel so o no-

dualismo e o idealismo emprico. O no-dualismo" refere-se nfase sobre a

participao do sujeito na constituio do objeto ou do fenmeno observado,

enquanto o termo "idealismo emprico" refere-se viso de que ideias e

conceitos so experincias de vida em vez de entidades puramente formais.

(OSTERGAARD et al., 2008). Como filosofia moderna, a fenomenologia surge

49

profundas, temos: o objeto no mundo associado noo de fenmeno e

o ato de investig-lo com inteno descritiva e explicativa como sendo

fenomenologia. Dessa forma, a fenomenologia seria o que nasce mais

diretamente da investigao dos objetos do mundo.

A fenomenologia, na acepo aqui tomada, exige uma

aproximao com a natureza, visando a uma explorao e uma

apreenso dos processos e conceitos fsicos inerentes aos fenmenos.

Compreend-los requer uma ligao com o objeto em estudo,

permitindo compreend-lo de maneira mais ntima e visando sempre ao

estabelecimento de um conhecimento sobre o mesmo. (REZENDE

JUNIOR, 2006).

Para Rezende Junior (2006), a Fsica tem tido sucesso no

entendimento dos fenmenos utilizando de abstraes, idealizaes e

aproximaes, ou seja, o conhecimento cientfico construdo por essa

cincia caracterizado por um profundo caminho que nos leva do

mundo real ao estabelecimento de objetos, como os modelos e as

teorias. Por outro lado, temos um ensino que usualmente ignora esse

processo de construo, tratando apenas do resultado final dele. Temos

um ensino de fsica que utiliza apenas as teorias e suas aplicaes, sem

que seja ao menos feito um tratamento com respeito ao surgimento

delas.

Segundo Dahlin et al. (2009), o que ocorre no ensino uma

reverso ontolgica, epistemolgica e pedaggica. Reverso ontolgica,

pois, de acordo com os autores, existe uma substituio da percepo de

mundo vivido por uma percepo abstrata, que enxerga o mundo

apenas com o uso de modelos, teorias, leis e frmulas matemticas, sem

nem explorar os processos para se chegar a essas formalizaes. A

reverso epistemolgica entende que o conhecimento construdo pela

cognio conceitual da natureza no lugar de uma prtica atenta, isto ,

a produo do conhecimento no se d por meio de um dilogo com o

fenmeno atravs de sentidos e percepes do mundo vivido, mas

pela utilizao de conceitos j estabelecidos. E a reverso pedaggica,

que desenvolve o conhecimento por meio de ferramentas que coloquem

a construo como uma mera ao, um treinamento com o auxlio de

no final do sculo XIX e incio do sculo XX, tendo como pai e mestre Husserl.

Para o fenomenologista, toda construo cientfica deveria partir de um ponto zero", pelo qual todo o conhecimento poderia ser desenvolvido. (ALES

BELLO, 2006). Essas e outras acepes filosficas ao termo fenomenologia no

sero discutidas neste trabalho.

50

repetidos exerccios e que fazem apenas aplicaes da teoria,

esquecendo completamente o fenmeno.

Neste trabalho, enfatizaremos a reverso ontolgica, pois

observaremos, ao longo de nossa anlise, e conforme descrito no quarto

captulo, como os alunos enxergam em primeira instncia o tema a partir

de teorias e modelos j estruturados e somente depois incorporam aos

fenmenos. Acreditamos que a revero pedaggica poderia ser mais

bem observada na disciplina de INSPE C, pois durante o minicurso os

licenciandos demonstram suas prticas, aes e posies didticas. J a

reverso epistemolgica poderia ser observada em outra pesquisa, que

investigasse o entendimento dos licenciandos a respeito da origem do

conhecimento cientfico.

Nossa hiptese de que a reverso ontolgica se deve em grande

parte tradio didtica do ensino de fsica, pois o que observamos

que esta visa sobretudo a ensinar as grandes teorias universais da Fsica:

mecnica clssica, eletromagnetismo, termodinmica e mecnica

quntica. As teorias, por sua vez, dizem respeito ao comportamento de

objetos fsicos em geral, no dizem respeito a fatos singulares, ou

fenmenos singulares, pois, pela sua prpria natureza, elas so a base

para o tratamento de todos os fenmenos, associados a uma classe de

objetos.

Assim, as equaes de movimento da mecnica clssica no

dizem respeito a nenhum fenmeno em particular, mas a todos os

movimentos de todo e qualquer objeto clssico. A teoria de ondas diz

respeito a todos os movimentos ondulatrios e no especificamente s

ondas ssmicas ou ondas sonoras ou eletromagnticas.

Dessa forma, no ensino de fsica, alguns fenmenos aparecem

apenas para exemplificar ou ilustrar uma determinada teoria.

Acreditamos que este foco nas teorias, unido tradio de exerccios,

problemas e atividades experimentais de um certo tipo, criam no

estudante uma crena de que para compreender qualquer fenmeno

natural ou qualquer processo fsico, este tem de partir de uma teoria.

Isto leva ao que Dhalin et al. (2009) chama de substituio da percepo

do mundo vivido por uma percepo abstrata, que enxerga o mundo

apenas atravs de teorias e modelos j estabelecidos pela cincia, ou

seja, concebe-se o conhecimento fsico como algo que s pode ser

compreendido e analisado a partir de uma teoria ou um modelo

cientfico.

Vale dizer que os autores no sugerem com isso que um

tratamento fenomenolgico seria o completo abandono de modelos e

teorias. A explorao de um fenmeno pode ter como referencial os

51

princpios e as teorias cientficas, possibilitando que, por meio delas, o

objeto em estudo ganhe uma representao terica.

Para Rezende Junior (2006), o ato de fazer fenomenologia em

Fsica proporciona:

[...] o enfrentamento do problema fazendo

aproximaes, abstraindo, usando e trazendo

conceitos tona, descrevendo o fenmeno,

entendendo a dinmica ou validando outras tantas

perguntas cientficas seminais cujo papel histrico

permite aprender o processo de construo dos

modelos e teorias. (REZENDE JUNIOR, 2006, p.

108).

Com essa viso, os modelos e as teorias ganham importncia a

partir da observao e explorao dos fenmenos, ou seja, os modelos e

as teorias esto e devem ser relacionados fenomenologia. De acordo

com Ostergaard et al. (2007), o uso de modelos e teorias produz um

aprofundamento do entendimento dos fenmenos, desde que colocados

em um contexto significativo, tornando-se uma explicao ou

continuao do objeto em estudo e no uma mera simplificao desse.

O que acreditamos que o ato de fazer fenomenologia traz uma

importante contribuio para o ensino de fsica ao proporcionar uma

ligao entre determinado fenmeno e os conceitos e processos fsicos

associados a ele (OSTERGAARD et al., 2007), sendo que ao analisar,

descrever e investigar determinado tema, possvel construir modelos

ou utilizar modelos e teorias j existentes, comportando-se como uma

ferramenta que auxilia na compreenso desse tema.

Em INSPE B, este ato est presente nas trs etapas desenvolvidas

na disciplina - descrio do fenmeno, escolha do recorte e

modelizao. Nas duas etapas iniciais, o fenmeno inicialmente

analisado, cortado, recortado, seus parmetros elencados e suas escalas

estabelecidas. Alguns aspectos so selecionados, enquanto outros,

mesmo que importantes para outras investigaes, so descartados. O

foco de problematizao que vai definir o que se deve ser relevante ou

no.

Nessas etapas, solicitado aos licenciandos uma anlise

exploratria do tema. Esta exige um olhar diferente sobre o objeto a ser

conhecido, um olhar que se volta, em primeiro lugar, para os processos

associados ao tema e um olhar em busca de questes, diferentemente das

52

do estudo de teorias, que, em geral, so compreendidas como fonte de

respostas.

Em seguida, os licenciandos passam para a terceira etapa, a de

modelizao (essa etapa ser mais bem trabalhada na prxima seo

deste captulo). Nesse momento, ocorre uma investigao mais profunda

das relaes entre as grandezas, sendo que as dependncias, as

invarincias e as formas de variao, uma vez estabelecidas, podem

levar construo de um modelo que pode at ser mais qualitativo e

conceitual. Sendo assim, esta terceira etapa envolve a construo de um

quadro explicativo para o projeto temtico, a partir dos questionamentos

e das observaes, isto , do dilogo com a fenomenologia do projeto.

Supe-se, nesta proposta didtica, que a partir da explorao e do

estudo do fenmeno, os licenciandos devem mobilizar conhecimentos

anteriores e/ou buscar novos conhecimentos que, por ventura,

necessitem para gerar uma explicao sobre determinado aspecto. Esta

atividade exige habilidades distintas das usualmente utilizadas nas

tarefas de exerccios e problemas. O confronto de conceitos com

situaes diferentes das tericas encontradas nos livros-texto e nos

exerccios obriga o aluno a se encontrar com novos sentidos e

significados dos conceitos, bem como questionar significados e

compreenses anteriores.

Dessa forma, dizemos que os licenciandos so colocados em uma

situao diferenciada, cujo ponto de partida no so teorias ou modelos

cientficos, mas sim fenmenos que necessitam de uma explicao que

no decorrncia direta desses elementos. Consequentemente, esta

situao gerada pelo curso exige atividades e tarefas muito diferentes

das atividades das tarefas usuais solicitadas na maior parte