RBAC Volume 44 Número 1 Ano 2012

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    Editorial/Editorial

    Desafio: RenovarChallenge: Renew

    A Revista Brasileira de Anlises Clnicas RBAC foi criada em 1969, sendo editadapela Sociedade Brasileira de Anlises Clnicas SBAC, que teve sua fundao tambmna dcada de 1960, mais precisamente em 1967. Nesses 43 anos, a RBAC vem cumprindoo indelvel papel de difusor cientfico, comunicando e tornando pblicos o debate e osavanos nos diversos setores que compem a atividade laboratorial no Brasil.

    Com a mesma vocao que tem [e deve ter] qualquer peridico, e a prpria cincia,que em ato continuo rompe com antigos paradigmas e estabelece novos modelos eparmetros, a RBAC se renova.

    Nos dicionrios, renovar, do latim renovare, apresenta vrios significados, masaquele que nos parece mais apropriado para simbolizar o momento de transformaoque estamos vivendo na RBAC : "sentir ou fazer sentir mais vigor". Com esse intuito,estamos conduzindo as mudanas editoriais que a modernidade tem solicitado a todosque transitam nos domnios da divulgao cientfica. Essa tarefa, de modo algum, temsido fcil. Muitas so as exigncias e os obstculos, mas a construo [vigorosa] deuma nova realidade editorial ser [e tem sido] possvel com aquilo que Aristteles chamoude virtudes do agir humano: coragem, generosidade e persistncia.

    A objetividade a marca da cincia, e objetivas, ento, devero ser nossas aesdaqui para frente para alcanarmos a confiabilidade necessria da comunidade cientfica.Dessa forma, todo o esforo dever ser [e assim tem sido] implementado para,objetivamente, trazer qualidade RBAC. Na verdade, a qualidade qual nos referimos aquela dos pressupostos cientficos atuais que definem se uma revista pode ou nopode ser veculo de informao da Academia.

    Assim, absolutamente fundamental que os autores estejam conosco afinados eque compreendam que tero que ser mais rigorosos com a qualidade do material queser enviado editoria da RBAC. Do mesmo modo, ser imprescindvel a compreensode que esse rigor tambm passar a fazer parte da seleo de manuscritos parapublicao. Importa compreender que os manuscritos devero apresentar um desenhode estudo e metodologia bem produzidos e fortemente cientficos. Outra questo debase a submisso de manuscritos com carter regional. Estes devero ser evitados, jque h uma tendncia a consider-los de menor interesse geral.

    Deve ficar claro que toda e qualquer mudana na RBAC passa primeiramente pelotratamento dos manuscritos, nossa matria prima. Temos convico de que s atingiremosas metas que estamos propondo se manuscritos de melhor qualidade forem submetidos.Assim fazendo, consideramos que a RBAC tem plenas condies de melhorar suaclassificao junto ao Qualis da Capes, fazer parte do SciELO e ser indexada nasprincipais bases de dados da rea da sade. Por entendermos que essas so aspiraeslegtimas e viveis, que propomos e nos impomos tais metas.

    Reiteramos, no entanto, que este um trabalho colegiado e complexo, tendomuitas variveis a serem abordadas. Alm dos manuscritos, precisaremos cuidar denosso Comit Editorial e Corpo de Revisores, que devero estar compromissados com aqualidade de suas revises e com a pontualidade, ajudando-nos no trabalho de composio

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    Editorial / Editorial

    de cada edio da RBAC. A formao de um grupo de revisores com vnculos comuniversidades e centros de pesquisa de extrema importncia para a seleo demanuscritos metodologicamente mais sofisticados, bem como para a difuso de nossarevista no meio acadmico, o que permitir RBAC receber artigos originais oriundos deprogramas de mestrado e doutorado, criando um crculo cientfico virtuoso.

    Em nosso entender, esses so os pontos cardeais da mudana, quais sejam:manuscritos e revises. Se conseguirmos agir positivamente nestes dois pontos, ficaremosmais prximos da indexao. Melhorando o contedo, a forma consequncia. Nessecampo, inclusive, j estamos atuando. A fim de normatizar a forma, mudanas nasinstrues aos autores foram procedidas. A RBAC est mais criteriosa na recepo demanuscritos, solicitando aos autores declaraes de responsabilidade, conflitos deinteresses e cesso de direitos autorais, bem como pareceres dos comits de tica empesquisa com humanos e animais. A revista passou a ser estruturada em 15 sees oureas temticas e foram criadas mais categorias de comunicao cientfica. O estiloVancouver passou a ser adotado. Mudanas na capa e diagramao da revista tambmforam realizadas. Por fim, a SBAC recentemente adquiriu o Sistema de Gesto dePublicaes [SGP], que permitir uma maior ordenao do trmite de manuscritossubmetidos RBAC, agilizando e dando transparncia a esse processo. Assim, a partirde agora, toda submisso de manuscritos e comunicao entre autor, revisor e editoriaser feita exclusivamente atravs do site www.sgponline.com.br/rbac/sgp.

    Para aumentar a integrao com nossos colaboradores, a RBAC passar, a partirde agora, a receber tambm fotos em alta resoluo [acima de 300dpi] sobre casosclnico-laboratoriais na rea das anlises clnicas que estejam ou no presentes nosmanuscritos enviados publicao, para compor as capas dos diferentes nmeros. Paratanto, os autores devero demonstrar o interesse de que suas fotos sejam avaliadas peloComit Editorial com esse objetivo, atravs do site www.sgponline.com.br/rbac/sgp. Como intuito de estimular o envio de fotos, aquelas escolhidas ganharo gratuidade na inscrioem congressos da SBAC.

    Como mencionado anteriormente, s poderemos levar a cabo nossos objetivos, sepudermos contar com o apoio e a compreenso de todos: Autores, Revisores, Scios,Editoria, Direo e Presidncia da SBAC. Todos deveremos estar unidos e conscientesda necessidade de mudanas e da existncia de sacrifcios pessoais e institucionais. Sequisermos, conseguiremos, pois como disse Toms de Aquino: "A unidade no aconcordncia de mentes, mas de vontades".

    Paulo Murillo Neufeld, PhD Dr. Irineu Grinberg Editor-Chefe da RBAC Presidente da SBAC

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    Reverso do diabetes mellitus tipo 2 atravs da cirurgia baritricaReversal of type 2 diabetes mellitus by bariatric surgery

    Artigo de Reviso/Revision Article

    INTRODUO

    O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) hoje um dos prin-cipais problemas de sade pblica, contribuindo significativa-mente para a morbidade e mortalidade no Brasil e no mundo.Shaw et al.(1) estimaram a prevalncia de diabetes, padro-nizada por sexo e idade, tendo como referncia a populaomundial de 2010, e obtiveram projees para 2030 em diver-sos pases do mundo, entre eles o Brasil. De acordo comessas estimativas, entre 2010 e 2030 haver um aumentode 69,0% no nmero de adultos, na faixa etria de 20-79anos, com diabetes nos pases em desenvolvimento, e umaumento de 20,0% nos pases desenvolvidos. Em 2010, aprevalncia estimada de diabetes, padronizada por sexo eidade e tendo como referncia a populao mundial, foi de6,4% no Brasil.

    No Brasil, de acordo com o Vigitel 2007 (Sistema deMonitoramento de Fatores de Risco e Proteo para DoenasCrnicas No Transmissveis), a ocorrncia mdia de diabe-tes na populao adulta (acima de 18 anos) de 5,2%, o quecorresponde a 6.399.187 de casos da doena.(2)

    O envelhecimento, a obesidade e a baixa escolaridadeso fatores associados elevada prevalncia de DM2 noBrasil.(3) Esses pacientes representam um gasto anual debilhes de reais ao Pas, incluindo tanto os custos mdicos

    com o tratamento da diabetes e suas complicaes comoos custos indiretos causados pela produtividade reduzida,incapacidade para o trabalho, e morte prematura.(4) Umestudo comparativo envolvendo os pases da AmricaLatina, Central e Caribe demonstrou que o Brasil tem amaior estimativa de custos relacionados ao diabetes (82%de custos indiretos).(5) O custo anual com hospitalizaesno Brasil em consequncia do diabetes, em 2006, foi cercade R$ 240 milhes, correspondendo a aproximadamente2,2% do oramento total do Ministrio da Sade.(6)

    Com todos esses dados preocupantes e a crescenteepidemia de DM2 no mundo, a busca de terapias mais efici-entes no controle dessa doena se torna algo fundamental.Nos ltimos anos, vrios estudos vm demonstrando o po-tencial das cirurgias baritricas na reverso do DM2.(4,7-10)Com isso, procedimentos com sucesso teraputico empacientes obesos com DM2 se mostram promissores paraas demais pessoas com diabetes. Alm disso, possibilita aadaptao dessas cirurgias apenas para a reverso doDM2 sem a necessidade de um procedimento mais invasivopara a reduo de peso.(11) No presente artigo, iremos apre-sentar os processos metablicos que envolvem a reversodo diabetes mellitus tipo 2 nas cirurgias baritricas com asnovas metodologias propostas para o tratamento dessadoena.

    ResumoO diabetes mellitus tipo 2 (DM2) uma doena crnica de etiologia multifatorial, na qualo pncreas deixa de produzir insulina ou as clulas param de responder insulina que produzida, fazendo com que a glicose sangunea no seja absorvida pelas clulasdo organismo. Atualmente, o DM2 um dos principais problemas de sade pblica,tendo como principal fator de risco a obesidade. Devido aos dados preocupantes e onmero de pessoas acometidas crescerem a cada ano, a busca por terapias maiseficientes no controle da doena, como a cirurgia baritrica, se torna de sumaimportncia. A perda de peso parcialmente responsvel pela melhora dos pacientessubmetidos a cirurgias por apresentarem melhora no quadro glicmico antes mesmoda reduo de peso. A explicao para isto est nas incretinas, hormnios gastro-intestinais associados liberao de insulina, dependente da ingesto de nutrientes.O glucagon like peptdeo 1 o mais importante das incretinas por suprimir a liberaode glucagon, desacelerar o esvaziamento gstrico, melhorar a sensibilidade insulina,alm de reduzir o consumo de alimentos. Aps novas descobertas da relao dasincretinas, a cirurgia baritrica se mostra como o caminho mais curto na busca por umacura efetiva do DM2.

    Palavras-chaveCirurgia baritrica; Diabetes mellitus tipo 2; Obesidade; Incretinas

    Rafael Schutz1

    Larisse Longo1

    Leila Xavier Sinigaglia Fratta1

    Guilherme Correa Sckenkel1

    Barbara Christina Ritter1

    Deise Cristiane Brodbeck1

    Giana Indiara da Silva1

    Gustavo Mller Lara2

    1Biomdico. Instituto de Cincias da Sade, Universidade Feevale Novo Hamburgo, RS, Brasil.2Professor adjunto da Disciplina de Imunologia Clnica Biomedicina, Instituto de Cincias da Sade, Universidade Feevale Novo Hamburgo, RS,Brasil.

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    Schutz R, Longo L, Fratta LX, Sckenkel GC, Ritter BC, Brodbeck DC, Silva GI, Lara GM

    DIABETES MELLITUS TIPO 2

    O diabetes mellitus tipo 2 uma doena crnica deetiologia multifatorial decorrente de uma deficincia nas clulas do pncreas produtoras de insulina; a funo dessas clulasse reduz em torno de 5% ao ano nos portadores de DM2, emdecorrncia da resistncia insulina.(9,12) Devido a essa insufi-cincia de insulina, a hiperglicemia crnica se torna a principalcaracterstica, muitas vezes associada a dislipidemias, hiper-tenso arterial e disfuno endotelial.(12) No momento do diag-nstico, cerca de 50% dos pacientes apresentam complica-es como doena arterial coronariana, doena vascularperifrica, nefropatias, neuropatias entre outras.(13)

    Dentre os fatores de risco, a obesidade o principalfator no gentico que contribui para o desenvolvimento destapatognese. H um aumento exponencial no risco de desen-volver diabetes mellitus tipo 2 quando correlacionado a obe-sidade, sendo que 90% desta populao sofre de obesi-dade ou sobrepeso; nos casos de obesidade mrbida, essarelao ainda maior. Desta forma, provvel que os fatoresambientais interajam com a suscetibilidade gentica napatognese do diabete tipo 2.(14,15)

    O acmulo excessivo de gordura corporal em decor-rncia de um distrbio no balanceamento dos nutrientes aprincipal caracterstica dessa doena crnica, que induzida,entre outros fatores, pela dieta alimentar inadequada.(16)Neste sentido, alguns estudos demonstram que o controleda dieta, peso e o aumento da atividade fsica diminuem aresistncia insulina e, consequentemente, as possibilida-des de desenvolver DM2.(4,17)

    CIRURGIAS BARITRICAS

    Com o avano da medicina e das novas tcnicas decirurgias baritricas, essas comearam a ser utilizadas notratamento da obesidade mrbida com operaes quecausavam m absoro, sendo ento abandonadas no fimda dcada de 70 pelos seus efeitos indesejveis graves efrequentes.(18) Entretanto, os mdicos comearam a observaruma relao dessas cirurgias com a melhora ou remissocompleta do quadro do DM2 nesses pacientes ps-cirr-gicos.(19) O bypass gastrojejunal, a partir de 1990, foi a primeiratcnica descrita com reverso do quadro de diabetes, acredi-tando ser, num primeiro momento, em razo da perda depeso como consequncia da cirurgia.(11,20) A partir disso,outras tcnicas que alteram a anatomia do sistema digestivodenominadas disabsortivas surgiram sempre com a finali-dade de tratar a obesidade.(20)

    Junto com o bypass gastrojejunal, a gastroplastia verti-cal com bypass duodenal (Fobi-Capella) e as derivaesbiliopancreticas (DBP ou Scopinaro ou Duodenal Switch)so as tcnicas mais utilizadas hoje, sendo que, nessascirurgias, sempre feito algum desvio intestinal, ao contrriode outras cirurgias que so puramente restritivas (bandagstrica ajustvel).(20,21)

    Hoje, sabe-se que a perda de peso parcialmenteresponsvel pela melhora no quadro de DM2 em pacientessubmetidos a cirurgias baritricas, causando alteraesmetablicas;(19) isso decorrente de alguns pacientes j apre-sentarem melhoras no quadro glicmico antes mesmo deterem reduo de peso. Alguns estudos demonstram paci-entes com melhora j nos primeiros dias aps a cirurgia,(4,19)enfatizando que essa melhora se mostra mais acentuadaem pacientes que fizeram procedimentos disabsortivos eno puramente restritivos.(21,22)

    Em um estudo de longo prazo, em pacientes diab-ticos que realizaram procedimentos disabsortivos nosEstados Unidos, foi demonstrado que a efetiva melhora e aremisso do DM2 algo permanente na grande maioria doscasos em um perodo de 14 anos aps a cirurgia de bypassgstrico.(23) Schauer et al.(24) relatam igualmente um resoluode 83% do diabetes tipo 2 em uma coorte de 191 pacientessubmetidos a bypass gstrico laparoscpico, sugerindo quea interveno cirrgica precoce garantida para aumentar aprobabilidade dos pacientes se tornarem euglicmicos.

    A explicao para a reverso do DM2 em pacientes querealizaram procedimentos disabsortivos ser maior e maisrpida do que em pacientes que realizaram procedimentoapenas restritivo apresenta relao com os demais hor-mnios gastrointestinais associados liberao de insulina,denominados incretinas, ou os entero-hormnios, que tmo seu perfil de liberao alterado aps a cirurgia.(15,20)

    Indivduos obesos ou diabticos apresentam nveisnormais de incretinas polipeptdeo YY (PYY) e glucagon likepeptdeo 1 (GLP-1) em jejum, porm ps-prandiais baixos.Nas operaes disabsortivas, o alimento levado maisrapidamente parte final do intestino delgado, aumentandodo nvel srico das incretinas que so estimuladas pelapresena de alimento no digerido na luz intestinal.(14)

    Baseando-se nesse melhor conhecimento da fisio-patologia e das alteraes hormonais presentes nessadoena multifatorial, novas tcnicas foram e esto sendopropostas com a finalidade de tratar exclusivamente o DM2para os pacientes obesos e tambm no obesos (IMC

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    insulina, alm de reduzir o consumo de alimentos.(19,20) Estu-dos demonstram um aumento nos nveis de GLP-1 na res-posta ps-prandial aps a cirurgia baritrica em indivduosobesos, bem como em pacientes com DM2, dois dias apsa realizao da cirurgia de bypass gstrico.(28,29) Procedi-mentos puramente restritivos no resultam em um aumentode GLP-1.(26)

    O polipeptdeo inibitrio gstrico (GIP) tambm umaincretina secretada pelas clulas K aps a absoro decarboidratos e lipdeos; sua principal funo estimular asecreo de insulina, porm, poucos estudos tm relatadoos efeitos da cirurgia baritrica sobre seus nveis.(19,26)

    A grelina, que um hormnio produzido quase que emsua totalidade no fundo gstrico, rea excluda aps arealizao da cirurgia bypass gstrico, apresenta relao coma saciedade e liberao do hormnio do crescimento(GH).(27,30) No entanto, no parece que esse hormnio tenhaqualquer efeito direto sobre o controle do diabetes mellitustipo 2 aps a realizao das cirurgias. Ao invs, pode atapresentar efeito contrrio, dificultando a liberao e aoda insulina.(26) Outro hormnio intestinal importante opolipeptdio YY (PYY), produzido pelas clulas L do tratogastrointestinal, principalmente na sua poro distal do leo,clon e reto, apresentando inmeras aes, como o retardodo esvaziamento gstrico, inibio da secreo gstrica epancretica, alm de auxiliar na absoro ileal de fluidos eeletrlitos.(15,26,27) Um estudo realizado recentemente relatouum aumento dos nveis de PYY aps a realizao da cirurgiade bypass gstrico, sendo esse efeito no observado apsuma perda de peso combinado, alcanado com a restrioalimentar.(31)

    Independente desses outros hormnios no terem amesma influncia na liberao de insulina, como o GLP-1, importante lembrar que os sinais do intestino e do estmagoatravs desses hormnios sobre o contedo da ingestoalimentar fundamental para gerar uma resposta metablicaapropriada para a saciedade e respostas adequadas insulina.(27)

    A RELAO DO GLP-1 COM O DM-2

    O glucagon like peptideo 1 (GLP-1) um peptdeo pro-duzido, em resposta ingesto de nutrientes, pelas clulasentero-endcrinas L na regio distal do intestino delgado eclon, onde est colocalizado com o PYY.(28) Sua ao ocorreatravs da ativao de receptores da protena G-coupled pararegular uma srie de sistemas fisiolgicos.(32) No sistemanervoso central, o GLP-1 ativa a sensao de saciedade e,como consequncia, a reduo do apetite; j no estmago,ele regula a assimilao de nutrientes atravs da inibio doesvaziamento gstrico, alm de exercer funo inibitria naliberao da glicose do fgado para corrente sangunea.(32-34)

    Em relao ao DM2, a ao mais importante do GLP-1acontece no pncreas onde fundamental para o controleda glicemia. Nas clulas alfa do pncreas, ele inibe a

    liberao de glucagon, e nas clulas beta estimula a libera-o de insulina glicose-dependente.(29,32-34) Estes dadosapoiam a ideia de que o GLP-1 melhora o controle glicmicoem pessoas com diabetes tipo 2, aumentando a secreode insulina, por inibir a secreo de glucagon e pelo atrasodo esvaziamento gstrico, em vez de alterar o metabolismoda glicose extra-heptica.(28,34)

    Outro ponto muito importante na relao do GLP-1 comDM2 a estimulao da proliferao das clulas betapan-creticas e efeitos neognicos antiapoptticos sobre clulasbetapancreticas, expandindo a massa dessas clulas.(35)

    O fato do GLP-1 exercer um importante papel insu-linotrpico e na neognese de clulas beta forneceu insightsimportantes sobre o potencial teraputico e a possibilidadede se estimular o tratamento farmacolgico do DM2 comesse peptdeo, gerando grandes investimentos em pes-quisa e estratgias para desenvolver uma nova droga contrao DM2.(35) Essas estratgias incluem anlogos de GLP-1(incretinomimticos) e inibidores da DPP-IV para evitardegradao in vivo do GLP-1.(36)

    Estudos recentes mostram que os medicamentosdisponveis no mercado que atuam como anlogos de GLP-1 e inibidores de DPP-4 tm um bom sucesso na terapia.(37,38)Essas medicaes, administradas em combinao comoutros agentes antidiabticos, como metformina, sulfo-nilureias e/ou tiazolidinedionas, podem ajudar a recuperar ahomeostase glicmica de pacientes com DM2 no contro-lados.(37,38)

    CONSIDERAES FINAIS

    Aps as novas descobertas da relao das incretinas,em especial do glucagon like peptideo 1, a cirurgia baritricase mostra como o caminho mais curto na busca por umacura efetiva do DM2 sem a necessidade de dependnciamedicamentosa para manter a homeostase glicmica.Apesar dos resultados estimulantes, importante lembrarque o diabetes tipo 2 no uma doena homognea,desenvolve-se em pessoas com predisposio gentica ouas que sofreram impactos fsicos ou qumicos, ocasionandomutao nas clulas. As estratgias cirrgicas tero que seravaliadas diante dessas variaes no futuro. Vale tambmressaltar que o tratamento do diabetes mellitus tipo 2, pormeio das tcnicas cirrgicas, embora tenha embasamentoterico na literatura cientfica, ainda deve ser consideradoexperimental, por no conseguir atingir o consenso esperadopela classe mdica e pela sociedade. Novas tcnicas tmsido propostas baseadas num melhor conhecimento dafisiopatologia e das alteraes hormonais, e estas devemser precedidas de um protocolo de pesquisa encaminhadoa um comit de tica e pesquisa e aprovado pela ComissoNacional de tica em Pesquisa (CONEP) obedecendo aospressupostos emanados pelo Conselho Federal de Medicina(CFM) e Conselho Nacional de Sade (CNS), de prefernciaprecedidos de estudos em modelos animais.(39)

    Reverso do diabetes mellitus tipo 2 atravs da cirurgia baritrica

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    Schutz R, Longo L, Fratta LX, Sckenkel GC, Ritter BC, Brodbeck DC, Silva GI, Lara GM

    SummaryDiabetes mellitus type 2 (T2DM) is a chronic disease of multifactorialetiology, in which the pancreas stops producing insulin or cells stopresponding to insulin that is produced, causing the blood glucose isnot absorbed by the body's cells. Currently, T2DM is a major publichealth problems, the main risk factor is obesity. Due to data concernthe number of people affected to grow each year, the search for moreefficient therapies for disease control, such as bariatric surgerybecomes paramount. Weight loss is partially responsible for theimprovement of patients undergoing bariatric surgery, because theyhad improvements in glycemic framework before they have evenweight loss. The explanation for this is the incretins, gastrointestinalhormones associated with insulin release, dependent on the nutrientintake. Glucagon like peptide 1 is considered the most importantincretins, by suppressing the release of glucagon, slowing gastricemptying, improve insulin sensitivity and reduces food intake. Afterthe discoveries of the relationship of incretins, bariatric surgeryappears as the shortest path in the search for an effective cureiabetes mellitus type 2.

    KeywordsBariatric surgery; Diabetes mellitus type 2; Obesity; Incretins

    REFERNCIAS1. Shaw JE, Sicree RA, Zimmet PZ. Global estimates of the prevalence

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    CorrespondnciaLarisse Longo

    Laboratrio Experimental de Hepatologia e GastroenterologiaCentro de Pesquisa Experimental

    Hospital de Clnicas de Porto Alegre HCPAAvenida Ramiro Barcelos,2350

    90035-903 Porto Alegre, RS, BrasilFone: (51) 3359-8847

    Email: [email protected]

    Reverso do diabetes mellitus tipo 2 atravs da cirurgia baritrica

  • 10 RBAC. 2012;44(1):10-4

    Anlise dos aspectos epidemiolgicos, hematolgicos esorolgicos presentes em doadores de sangue do HemocentroRegional de Cruz AltaAnalysis of the epidemiological, haematological and serological aspects present Inblood donors in the Regional Blood-Center of Cruz Alta

    Daniele Meurer Ferreira1

    Daniela Griza2

    Elisa Sisti3

    INTRODUO

    Nas ltimas duas dcadas houve crescimento conside-rvel da preocupao com a garantia da segurana trans-fusional, desencadeada principalmente pelo surgimento daepidemia de AIDS.(1) Paralelamente, o envelhecimento dapopulao, a violncia e os acidentes, associados aos avan-os tcnico-cientficos na rea mdica, trouxeram um aumentona demanda por transfuses, nem sempre acompanhado porum incremento no nmero de doadores de sangue.(2,3) Colabo-ram com esta situao polticas que adotam um maior rigor noprocesso de seleo de doadores e, consequentemente, umdecrscimo no nmero de indivduos que preenchem oscritrios de aptido.(4) Neste contexto, estima-se que a taxa dedescarte sorolgico nos bancos de sangue nacionais varia de10% a 20%, apresentando-se mais alta do que em pasesdesenvolvidos, principalmente devido alta porcentagem depessoas que doam pela primeira vez e que apresentam umaprevalncia de infeces prxima da populao em geral.(5)

    ResumoA triagem sorolgica, bem como a determinao de alguns antgenos sanguneos soestratgias imprescindveis para se evitar a transmisso de agentes infecciosos e asreaes transfusionais. O objetivo deste estudo avaliar o perfil epidemiolgico, hema-tolgico e imunossorolgico entre doadores de sangue do Hemocentro Regional de CruzAlta durante o ano de 2007. O estudo retrospectivo foi realizado atravs das fichas detriagem clnica e do banco de dados do Hemocentro. Dentre 3.512 doadores analisados,172 (4,9%) apresentaram anti-HBc reagente, 51 (1,45%) apresentaram sorologia positivapara HIV, 40 (1,13%) resultados reagentes para o HBsAg, 25 (0,71%) para a Doena deChagas e 21 (0,60%) para hepatite C. O tipo sanguneo O positivo foi predominante em44,54% das doaes, seguido pelo A positivo (29,95%), O negativo (10,53%), B positivo(6,47%) e, em menor frequncia, os tipos A negativo (4,49%), AB positivo (1,97%), Bnegativo (1,18%) e AB negativo (0,78%). Os dados obtidos evidenciaram uma baixa taxade descarte quando comparados a estudos anteriores, demonstrando um aumento daqualidade do sangue transfundido, pois a taxa de descarte de bolsas no representaapenas a prevalncia de uma determinada infeco na populao de doadores, mas,principalmente, a qualidade do sangue e hemocomponentes disponibilizados para transfuso.

    Palavras-chaveHemoterapia; Transfuso sangunea; Doenas infecciosas; Descarte de bolsas; Triagemsorolgica

    Sabe-se ainda que o tropismo de agentes infecciosospor determinado componente do sangue determina acontaminao dos diferentes hemocomponentes (concen-trado de hemcias, concentrado de plaquetas, concentradode leuccitos e plasma). Assim, o vrus linfotrpico da clula Thumana (HTLV) e o citomegalovrus (CMV) localizam-se exclu-sivamente nos leuccitos; o vrus da hepatite B (HBV) e o vrusda hepatite C (HCV) localizam-se preferencialmente no plas-ma. O Trypanosoma cruzi, agente etiolgico da doena deChagas, pode estar presente em todos os hemocomponentes;o Plasmodium, agente etiolgico da malria, encontra-se nashemcias, e o vrus da imunodeficincia humana adquirida(HIV), nos leuccitos e plasma.(6)

    Os sistemas de grupos sanguneos ABO, descobertosem 1900 por Karl Landsteiner, at hoje permanecem comosendo os sistemas mais importantes na prtica transfusional.A transfuso de um tipo ABO incorreto pode resultar em umareao hemoltica intravascular, seguida de alteraes imuno-lgicas e bioqumicas, ou at mesmo na morte do paciente.(7,8)

    Universidade de Cruz Alta Unicruz Cruz Alta, RS, Brasil.

    1Biomdica, formada pela Universidade de Cruz Alta Unicruz, atuante no Laboratrio Municipal de Alvorada, RS, Brasil.2Bioqumica do Laboratrio Municipal de Alvorada, RS, Brasil.3Biomdica, Professora e Coordenadora do Curso de Biomedicina da Universidade de Cruz Alta Unicruz, RS, Brasil.

    Artigo Original/Original Article

  • RBAC. 2012;44(1):10-4 11

    Percebe-se que, para se obter segurana dos produ-tos sanguneos a serem utilizados em transfuses, rgidosparmetros de qualidade devem ser seguidos. Salientando-se o fato de que, embora tenham ocorrido avanos na buscade segurana transfusional, no possvel garantir a exis-tncia de transfuses isentas de riscos.(9,10) Da a importnciade se cumprir com eficincia o ciclo hemoterpico, cujoprocesso inicia-se com a captao e seleo de doadores,seguindo-se a triagem sorolgica e imuno-hematolgica,processamento e fracionamento das unidades coletadas,dispensao, transfuso e avaliao ps-transfusional.(10)

    Dessa forma, o presente trabalho objetivou avaliar operfil epidemiolgico, hematolgico e imunossorolgico dosdoadores de sangue do Hemocentro Regional de Cruz Alta,durante o ano de 2007.

    MATERIAL E MTODOS

    Realizou-se um estudo transversal descritivo retros-pectivo, atravs da anlise das informaes de todos osdoadores sanguneos, contidas nos registros do Hemo-centro Regional de Cruz Alta, referente ao perodo compre-endido entre 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2007.

    Algumas informaes pessoais, tais como idade esexo, necessrias ao estudo, foram coletadas a partir dasinformaes registradas nas fichas de cadastro de cadadoador e utilizadas apenas para esta finalidade, respeitando-se os princpios ticos pertinentes.

    Dados referentes aos diferentes tipos sanguneos eao sistema Rh foram obtidos a partir dos livros de registrosinternos de tipagem sangunea e analisados no intuito dedeterminar a prevalncia dos mesmos entre a populaoabordada e relacion-los com a frequncia de descarte debolsas de sangue e hemoderivados.

    Informaes referentes deteco de sorologia positivapara HIV-1 e HIV-2, HTLV-1 e HTLV-2, HBsAg e anti-HBc total,anti-HCV e citomegalovrus foram coletadas a partir dos livrosinternos de registros sorolgicos, a fim de promover umaanlise da prevalncia de cada doena infecto-contagiosapresente na populao estudada.

    Alm disso, foram coletadas informaes referentes determinao de ttulos reagentes para a doena de Chagase sfilis, as quais tambm foram obtidas a partir dos livrosinternos de registros imunolgicos, a fim de promover umaanlise da prevalncia destas doenas na populaoestudada.

    RESULTADOS

    O nmero total de doaes realizadas no ano de 2007foi de 3.512, sendo que, deste total, 325 bolsas (9,25%)foram descartadas por apresentarem sorologia positivapara um ou mais testes realizados nas mesmas.

    Das 325 (9,25% do total) bolsas descartadas, 172 (52%)apresentaram resultados reagentes para o teste anti-HBc,

    51 (16%) foram reagentes para HIV, 40, (12%) reagiram noteste HBsAg e 25 (8%) se mostraram positivas para a doenade Chagas. Um menor nmero de bolsas foi descartado porapresentarem resultados positivos para o anti-HCV, tota-lizando 21 (6%) descartes, 15 (5%) por apresentarem VDRLreagente e duas bolsas (1%) por apresentarem HTLV positivo,como mostra o Grfico I.

    Alm dos doadores que tiveram suas bolsas descar-tadas, ainda houve um nmero considervel de doadores(105 indivduos 2,9 %) que no completaram sua doaopelos motivos citados no Grfico II, mas foram contabilizadoscomo doadores nos registros internos da Instituio, poissuas bolsas j haviam sido numeradas e identificadas comos respectivos cdigos do Hemocentro (Grfico II).

    Quanto aos aspectos sociodemogrficos dos doadoresque recorreram ao Hemocentro Regional de Cruz Alta no anode 2007, podemos observar que os doadores do sexo mas-culino foram mais frequentes, representando 60,23% do total,enquanto o sexo feminino representou 39,77%. Pode-seobservar tambm que os doadores com idades acima de 29

    Grfico I. Frequncia (%) das sorologias positivas encontradas nasbolsas descartadas no Hemocentro de Cruz Alta no ano de 2007.

    Grfico II. Frequncia (%) das doaes consideradas incompletase os respectivos cdigos encontrados no Hemocentro de Cruz Altadurante o ano de 2007.

    COD 50: Baixo fluxo ou formao de cogulo; COD 100: deixou dvida ao sertriado; RV: Reao vagal; IV: Inacessibilidade venosa; PAV: Perda de acesovenoso.

    Anlise dos aspectos epidemiolgicos, hematolgicos e sorolgicos presentes em doadores de sangue doHemocentro Regional de Cruz Alta

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    Ferreira DM, Griza D, Sisti E

    anos atingiram 57,88% do total, enquanto os mais jovens,com idades entre 18 e 29 anos representaram 42,12%. Osnmeros se mostraram muito mais significativos em relaoaos doadores de repetio, que contemplaram 67,39% dasdoaes, sendo que os indivduos que doaram pela primeiravez representaram apenas 32,61% da populao estudada.

    Ao relacionarmos as doaes realizadas com osrespectivos grupos sanguneos dos doadores, podemosobservar uma maior incidncia do grupamento O positivo(44,54%). O segundo grupamento mais frequente foi o tipo Apositivo, (29,97 %), seguido do grupamento O negativo(10,53%), e do tipo B positivo (6,49%). Frequncias menoresforam encontradas nos grupamentos A negativo (4,49 %), ABpositivo (1,99%), B negativo (1,20%) e AB negativo (0,79%),respectivamente, conforme a Tabela I.

    encontrada na presente pesquisa pode ser relacionada qualidade da triagem prvia do doador realizada na Instituio,que promove a excluso do mesmo, sempre que relatadoou observado qualquer comportamento de risco para doen-as infecciosas.

    Dentre os principais inconvenientes encontrados naclnica transfusional est a transmisso do vrus da hepatiteB, fato que consolida a pr-triagem sorolgica para omarcador do vrus da hepatite B como uma alternativa vivele importante para os centros e unidades hemoterpicas,proporcionando reduo de custos, principalmente em reasde elevada endemicidade da doena.(12)

    No presente estudo, 40 bolsas (12% do total des-cartado) foram descartadas devido presena de soro-positividade para o marcador de infeco pelo vrus dahepatite B (HBsAg). Relatrios de produo da Hemorrede(Anvisa), datados de 1999, demonstraram que, dentre2.837.937 doaes de sangue efetuadas no Brasil, houvereatividade de 0,7% ao HBsAg e 4,9% ao anti-HBc total.(13)

    A triagem sorolgica para o HIV tambm relevantepara a clnica transfusional devido ao grande impacto dessaepidemia, onde h a possibilidade de soroconverso e adificuldade do diagnstico de infeco pelo HIV no perodode janela imunolgica. No estudo realizado, 51 bolsas (16%)foram descartadas devido soropositividade para o HIV,demonstrando assim uma soroprevalncia de 1,45% paraesta doena, constituindo ndices maiores do que os encon-trados na cidade de Santa Maria (0,17%), cidade localizadana mesma regio do estado.(14,15)

    A doena de Chagas caracterizada por apresentaraltos ndices de cronicidade e pelo fato de que cerca de60% dos portadores crnicos desta doena apresentam oTripanossoma cruzi circulando em seu sangue, gerandoum risco de transmisso de 12,5% a 25% atravs de umanica transfuso. Contudo, sabe-se que esta patologia no endmica na regio estudada, sendo encontrada umasoroprevalncia de 1,56% em estudos realizados previa-mente em cidades vizinhas. Neste contexto, o presenteestudo demonstrou uma frequncia ainda menor (0,71%)para a sorologia testada.(15,16)

    O anti-HCV positivo foi responsvel pelo descarte de21 bolsas (6% dos descartes sorolgicos), apresentandouma prevalncia para o HBV de 0,6%, um percentual baixoconsiderando-se o quadro clnico assintomtico que os paci-entes podem apresentar e o fato de que uma grande parcelada populao portadora crnica desta doena. Entretanto,ndices semelhantes foram previamente verificados namesma regio do estado.(15,17)

    Apesar de no ter sido detectado nenhum caso de trans-misso transfusional desde 1966(5) e de no ter sido confir-mada a presena do DNA do Treponema pallidum em amos-tras positivas e confirmadas de doadores de sangue, athoje a maioria dos pases continua realizando a triagem soro-lgica para sfilis em doadores de sangue, atravs dautilizao de um teste no treponmico (VDRL).(18,19)

    DISCUSSO

    Do total de doaes sanguneas realizadas no ano de2007 (3.512 doaes), um total de 325 (9,29%) bolsas foidirecionado ao descarte por apresentar sorologia positivapara um ou mais testes executados. O descarte das bolsasfoi considerado maior entre o sexo masculino (56,7%), en-quanto que o sexo feminino representou 43,3% dos casos, oque pode ser explicado pelo fato de que os homens (60,23%)realizaram mais doaes no ano de 2007 do que as mu-lheres, as quais representaram apenas 38,77% da populaoestudada.

    A idade mdia dos indivduos que realizaram doaosangunea no ano de 2007 foi de 29 anos (57,88%), emboraa cidade pesquisada seja composta principalmente poruniversitrios, os quais costumam promover trotes solidriosonde os calouros so convidados a doar sangue. J anali-sando a idade mdia dos indivduos que tiveram suas bolsasdescartadas, verificou-se que a mesma foi de 39 anos parao sexo masculino e 38 anos para o sexo feminino.

    Tendo em vista que a taxa de descarte sorolgicodescreve a qualidade do sangue e a relevncia da triagempara evitar transmisses de doenas, importante salientarque o ndice encontrado em nosso estudo (9,29%) foi menorque o observado em todo o Brasil (10% a 20%).(11) A frequncia

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    Na pesquisa em questo, 15 (5%) bolsas sanguneasforam descartadas por apresentarem o teste reativo, sendoencontrada uma prevalncia estimada da doena de 0,43%,taxa prxima demonstrada no estudo de Machado e Zuravski(2005), que detectou 0,48%. Porm, preciso salientar que autilizao de testes de triagem no treponmicos, como oVDRL, apresentam, como inconveniente, resultados falsospositivos biolgicos, podendo tambm apresentar resul-tados falsos negativos na presena de excesso de anticorposna amostra analisada (fenmeno de pr-zona).(15,19)

    Alguns autores acreditam ser desnecessria a triagemsorolgica para sfilis em doadores de sangue, pois o Trepo-nema pallidum torna-se invivel num espao de tempo de72 horas aps o armazenamento das bolsas contendo citrato,entre 4 e 8C aps a coleta. Parece que o tempo de inativaodo Treponema, nessas condies, depende da concentraobacteriana, ou seja, quanto maior a concentrao maior deveser o tempo de estocagem, podendo chegar at cinco dias.(19,20)

    O HTLV, vrus associado ao desenvolvimento de leuce-mias e vrios tipos de deficincias neuromusculares, basica-mente transmitido por transfuses sanguneas, e tambmapresentou baixa prevalncia (0,06%), seguindo a tendnciaencontrada no estudo citado anteriormente.(5,15)

    O conhecimento da frequncia fenotpica dos vriosgrupos sanguneos na nossa populao essencial paraestimar a disponibilidade de sangue compatvel para paci-entes que apresentem anticorpos antieritrocitrios. O perfilsanguneo dos doadores estudados seguiu a tendncia veri-ficada em outros estudos, apresentando maiores ndicespara o tipo O positivo (44,53%), A positivo (29,97%) e O nega-tivo (10,54%).(8,21)

    Devido presena regular de anticorpos naturais hemo-lticos no sistema ABO, regra bsica no transfundir hem-cias portadoras de antgenos que possam ser reconhecidospelos anticorpos do receptor. Assim, devem ser realizadas,sempre que possvel, a transfuso de isogrupos (doador ereceptor de mesmo grupo sanguneo) e, quando estas noforem possveis, realizar transfuses de heterogrupos (do-ador e receptor de grupos sanguneos diferentes) respeitan-do-se o esquema clssico de compatibilidade e plasmaisogrupo do receptor.(22)

    Um crescimento significativo da preocupao com asegurana transfusional vem sendo observado nas ltimasdcadas, paralelo s alteraes demogrficas e sociais dapopulao, alm dos avanos tcnico-cientficos que aumen-tam naturalmente a demanda por transfuses de sangue.Entretanto, apesar dos investimentos na captao de doa-dores, seu dficit continua sendo crnico.

    No Brasil, o problema agravado pelos altos per-centuais de inaptido clnica e sorolgica entre indivduosque se dispem a doar sangue, alm dos elevados custosfinanceiros que envolvem a garantia da segurana trans-fusional, hoje em grande parte sob responsabilidade dosistema pblico. , portanto, um dos grandes desafios dosservios de hemoterapia a garantia do atendimento da

    demanda transfusional, aliando disponibilidade dos produ-tos sanguneos sua qualidade.

    Estudos prvios tm apontado alguns aspectos relevan-tes para a diminuio da taxa de descarte de bolsas de sangue.Dentre eles podemos ressaltar a introduo de um sistemainformatizado em rede que impede novas doaes por indi-vduos com sorologia anteriormente reativa a um ou mais dosagentes etiolgicos, a automao dos testes laboratoriais, aintroduo de padres de qualidade para certificao ISO 9000e as campanhas educativas que aumentaram, sobremaneira,a porcentagem de doadores de repetio.(5)

    Embora haja conhecimento do perfil clnico, epidemio-lgico e sorolgico dos doadores de sangue, no se conhe-cem esses dados a respeito dos receptores de sangue noBrasil, em especial aqueles que necessitam de sangue even-tualmente. Estes fatos mostram a necessidade de estudosque avaliem o perfil sorolgico pr-transfusional do receptorde sangue, especialmente o eventual e aquele sem passadotransfusional. A deteco de uma determinada patologiatransmitida pelo sangue em um receptor antes da transfusocontribuir para adoo de medidas teraputicas precoces,propiciando dessa maneira a minimizao do risco decomorbidade. Alm disso, respaldaria o Estado e os servi-os de hemoterapia quanto sua iseno como rgosresponsveis pela infeco imputada transfuso em casosde demanda judicial.(10)

    Por outro lado, apesar de no ter ocorrido de formasistemtica em todo o pas, a legislao brasileira contemplaa incorporao da tcnica de biologia molecular na triagemlaboratorial dos doadores de sangue, diminuindo o perodode janela imunolgica para a identificao das contaminaespor HIV e HCV. A sua incorporao reduziria o risco de trans-misso desses agentes virais por transfuses de hemo-componentes, aumentando a segurana transfusional.(23)

    Soma-se ainda o fato de que apesar de estaremdisponveis atualmente tcnicas moleculares para o estudode grupos sanguneos em alguns servios de hemoterapia,at o momento estas no so utilizadas rotineiramente, tendosido aplicadas em casos especiais de investigao ou noestudo de pequenas populaes devido seu alto custo ecomplexidade tcnica.(22)

    CONCLUSES

    A taxa de descarte sorolgico no representa a preva-lncia de uma determinada infeco na populao dedoadores de sangue, contudo, reflete um conjunto de vari-veis que tm extrema importncia para a qualidade do sangue.O presente estudo demonstrou uma taxa de descarte soro-lgico inferior considerada como estimativa nacional,apresentando-se, no entanto, significativamente maior que ade pases desenvolvidos, como, por exemplo, os EstadosUnidos, onde o descarte de aproximadamente 4%.(3,5) Umfator que contribui para reforar tal diferena justamente operfil do doador que atualmente procura o referido hemocentro,

    Anlise dos aspectos epidemiolgicos, hematolgicos e sorolgicos presentes em doadores de sangue doHemocentro Regional de Cruz Alta

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    prevalecendo os doadores de repetio (67,39%) em detri-mento daqueles que vo doar sangue pela primeira vez,havendo ndices favorveis de doaes espontneas (50,52%).

    Portanto, o conhecimento das frequncias fenotpicasdos principais sistemas de grupos sanguneos em doadoresde sangue brasileiros pode contribuir para o clculo daprobabilidade de encontro de unidades negativas para deter-minado fentipo. Sendo assim, conclui-se que a seguranada transfuso sangunea depende de alguns fatores que, emconjunto, vo determinar a qualidade dos hemocomponentesa serem transfundidos. Dentre eles podemos destacar: aseleo da populao de doadores, a triagem clnica, arealizao dos testes imuno-hematolgicos, a triagem soro-lgica e o uso racional dos hemocomponentes.

    SummarySerological screening and determination of some blood antigensare key strategies to prevent transmission of infectious agents andtransfusion reactions. The aim of this study is to evaluate theepidemiological profile, hematological and immune-serologicalamong blood donors from the Regional Blood Center in Cruz Alta, inthe year 2007. The retrospective study was conducted through therecords of clinical screening and the Blood Center's database. Among3512 donors tested, 172 (4.9%) had anti-HBc reactive, 51 (1.45%)tested positive for HIV, 40 (1.13%) donors reagents results for HBsAg,25 (0.71%) for Chagas disease, 21 (0.60%) hepatitis C. The bloodtype O positive was prevalent in 44.54% of the donations, followedby the A positive (29.95%), O negative (10.53%), B positive (6.47%)and less frequently types A negative (4.49%) AB positive (1.97%), Bnegative (1.18%) and AB negative (0.78%). The data obtained showeda low rate of discharge when compared to previous studies, showingan increase in the quality of the blood, because the rate of disposalof stock is not only the prevalence of infection in a particular donorpopulation, but mainly the quality of blood and blood products andavailable for transfusion.

    KeywordsHemotherapy; Blood transfusion; Infectious diseases; Hemotherapy;Scholarships disposed; Serological screening

    AGRADECIMENTOS

    Agradecemos equipe do Hemocentro Regional deCruz Alta pela oportunidade de realizao deste trabalho, emespecial bioqumica Danile Sausen Lunkes e admi-nistradora Carla Tatiana dos Santos Coelho.

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    CorrespondnciaDaniele Meurer Ferreira

    Rua Bandeirantes, 112/03, Bairro Vila Maria94814-060 Alvorada, RS

    E-mail: [email protected]

    Ferreira DM, Griza D, Sisti E

  • RBAC. 2012;44(1):15-25 15

    Associao entre a ocorrncia de parasitos intestinais e diferentesvariveis clnicas e epidemiolgicas em moradores da comunidadeRibeira I, Araci, Bahia, BrasilAssociation between the occurrence of intestinal parasites and different epidemiologicaland clinical variables in the community residents Ribeira I, Bahia, Brazil

    Vaneide Firmo Oliveira1

    Ana Lcia Moreno Amor2

    INTRODUO

    As parasitoses intestinais constituem-se num graveproblema de sade pblica e contribuem para problemaseconmicos, sociais e mdicos, sobretudo nos pases emdesenvolvimento, sendo um dos principais fatores debi-litantes da populao.(1) No Brasil, as parasitoses so deampla distribuio geogrfica, sendo encontradas em zonasrurais ou urbanas, com intensidade varivel, segundo oambiente e espcie parasitria. Em reas endmicas, amorbidade a estas doenas est fortemente associada coma intensidade e a cronicidade da infeco.(2) Podem apre-sentar estreita relao com fatores sociodemogrficos eambientais, tais como: precrias condies socioecon-micas, consumo de gua contaminada, estado nutricionaldos indivduos e outros.(3,4) Acometem principalmente ascrianas e os adultos jovens, exercendo importante influnciasobre o estado nutricional e crescimento dos mesmos, sendoque o grande prejuzo se traduz no baixo ndice de aproveita-mento escolar.(5,6) Diversas so as manifestaes clnicascausadas por enteroparasitos, desde indivduos assintom-ticos at queles apresentando alguma sintomatologia carac-terstica, mais grave em paciente imunodeprimido.(7) Apesar

    ResumoO presente estudo teve como objetivo determinar a prevalncia de parasitos intestinaiscorrelacionando-a com anemia, estado nutricional e outras variveis clnicas eepidemiolgicas em moradores da comunidade Ribeira I em Araci, Bahia, Brasil. O perodode pesquisa foi de outubro de 2005 a julho de 2006. Tratou-se de um estudo de cortetransversal, seccional descritivo com demanda aleatria de 31,4% (n = 344) da populaoresidente no distrito. Os dados obtidos evidenciaram alta frequncia de indivduosparasitados (78,5%), principalmente por protozorios (89,0%), e maior prevalncia depoliparasitados, constatando provvel contaminao ambiental e hbitos favorveis disseminao das infeces parasitrias. Em decorrncia dos achados parasitolgicos,medidas de combate s infeces foram tomadas: atendimento mdico na localidadepara avaliao dos laudos laboratoriais, dispensao de medicamentos antiparasitriose palestras educativas na comunidade. Contudo, faz-se relevante a realizao de maisaes que modifiquem o saneamento bsico precrio e hbitos de higiene pessoalinadequados, evitando quadro de reinfeco por parte da populao.

    Palavras-chaveParasitos intestinais; Prevalncia; Fatores epidemiolgicos e clnicos

    1Acadmica. Curso de Farmcia, Faculdade de Tecnologia e Cincias FTC Salvador, BA, Brasil.2Docente. Centro de Cincias da Sade Universidade Federal do Recncavo da Bahia UFRB Cruz das Almas, BA, Brasil.

    de isoladamente no apresentarem alta letalidade, as entero-parasitoses podem, alm de afetar o equilbrio nutricional,induzir sangramento intestinal e m absoro de nutrientes,alm de competir pela absoro de micronutrientes, reduzira ingesta alimentar, causar complicaes cirrgicas comoprolapso retal, obstruo e abscesso intestinal,(5) agindo porvrios mecanismos, entre eles ao alergizante e ao espo-liadora. A ao alergizante apresenta a eosinofilia como umachado caracterstico em indivduos parasitados.(8) A aoespoliadora pode relacionar-se com um quadro de anemiapor deficincia de ferro que traz inmeras consequncias:para adultos, diminuio da capacidade reprodutiva,(9) e, paracrianas, deficincia na aprendizagem escolar e efeitos ne-gativos sobre o crescimento ponderal e estatural.(10-12) A pre-sena de infeco parasitria correlaciona-se com deter-minantes diversos, contribuindo no processo sade-doenade uma populao. Estes determinantes so, por exemplo:saneamento bsico precrio, ingesto de gua no tratada,ausncia de sistema de esgotamento sanitrio, contato diretoe contnuo com o solo, precrios hbitos de higiene e o des-conhecimento a respeito do mecanismo de infeco, quepode ter relao com o nvel cultural dos envolvidos.(13)

    Objetiva-se, com esta pesquisa, determinar a prevalncia

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    de enteroparasitos correlacionando-a com anemia, estadonutricional e outras variveis clnicas e epidemiolgicas, pro-movendo orientaes quanto aos cuidados para prevenirestas infeces em moradores da comunidade Ribeira I nomunicpio de Araci, estado da Bahia, Brasil.

    MATERIAL E MTODOS

    Desenho do estudoTrata-se a presente pesquisa de um estudo do tipo

    corte transversal, descritivo, explorativo, realizado na comu-nidade rural de Ribeira I, municpio de Araci, estado da Bahia.Por meio de demanda aleatria foram integrantes desteinqurito indivduos de ambos os sexos com faixa etriavariada. Foram selecionados 398 indivduos, sendo que 54(13,6%) desistiram da pesquisa, por motivos diversos, resul-tando em uma amostra de 344 indivduos participantes,representando em torno de 31,4% da populao. O perododa pesquisa foi de outubro/2005 a julho/2006.

    Localizao e caractersticas da reaO municpio de Araci, com uma rea de 1.524.068 km,

    localiza-se no nordeste baiano, a 220 km de Salvador (capitaldo estado da Bahia).(14) Apresenta clima tropical quente emido com estao seca no inverno, possuindo uma popu-lao total estimada de 54.713 habitantes, segundo o censode 2008.(15) O distrito rural Ribeira I, onde foi realizada apesquisa, localiza-se a 22 km de Araci, tem em sua abran-gncia uma populao aproximada de 1.100 habitantes,como em outros distritos e povoados do municpio.(16) A situ-ao de moradia dos habitantes no perodo da pesquisamostrou muitas casas de tijolo, algumas de adobo e semreboco, com cobertura de telha simples, e, em menor pro-poro, com cobertura de palha ou plstico; ruas sem sanea-mento bsico; moradias com alto nvel de aglomerao, comesgoto a cu aberto, acmulo de lixo nos quintais e becoscom presena de insetos. Sem abastecimento de gua nasresidncias nem poos artesianos no local, as famliasutilizavam gua da barragem coletiva, tanto para o banhoquanto para o consumo. A principal atividade econmica dodistrito a agricultura para sobrevivncia.

    Amostra para o estudo e instrumentos de pesquisaO trabalho iniciou-se aps resposta positiva do Secre-

    trio Municipal de Sade de Araci, Bahia, para a execuo daatividade no local, destacando-se colaborao da equipe napoca para a realizao desta pesquisa. Realizou-se palestrana comunidade Ribeira I com a finalidade de convidar osmoradores a participarem da pesquisa, orientando-os sobreo tema e os objetivos da mesma. Iniciou-se o reconhecimentoda rea de abrangncia e a diviso dos setores a serempesquisados.

    Este trabalho foi aprovado pelo Comit de tica emPesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Tecnologiae Cincias, Salvador, BA (registro 230). Cada participante da

    pesquisa foi orientado a assinar (ou marcar sua digital) emum termo de consentimento, inserindo-se e/ou aceitando aparticipao dos filhos (ou crianas sob sua responsabili-dade) como critrio de incluso para realizao da pesquisa.Para coleta de informaes foi elaborado um questionriocom dados pessoais. Cada participante recebeu um nmerode registro e trs recipientes por indivduos (coletores) iden-tificados, para coleta de fezes, a fim de serem realizadosexames parasitolgicos, com data identificada para a entregae informaes para a coleta das mesmas.

    Avaliao do estado nutricionalPara avaliao do estado nutricional foi utilizado o ndice

    de massa corporal (IMC)(17): IMC = peso/altura (kg/m), comadequao por percentuais para idade e sexo.(18,19) Os valoresso considerados como referncia pela OMS para estaavaliao: < 18,0 baixo peso (desnutrido); 18,0-24,9 pesonormal (eutrfico); 25,0-29,0 sobrepeso; 29,1-39,9 obesi-dade; > 40,0 obesidade grave. Para o peso utilizou-sebalana Filizola, calibrada diariamente, provida de braometlico para aferir a estatura e, para crianas menores de 2anos, utilizaram-se balana infantil e fita mtrica para medidada estatura. Estes procedimentos foram realizado por umaauxiliar de enfermagem no mesmo dia da aplicao doquestionrio.

    Avaliao socioeconmica, cultural e ambientalDados obtidos por observao direta e/ou por meio de

    entrevistas durante as visitas domiciliares, com preenchi-mento de questionrio confeccionado.

    Procedimentos laboratoriaisa) Pesquisa de enteroparasitos: foram coletadas trs

    amostras de fezes de cada indivduo em diferentes dias,totalizando 1.032 amostras fecais coletadas e analisadas.Para esta pesquisa, por dificuldades operacionais, foi em-pregada apenas uma tcnica para diagnstico parasito-lgico, o mtodo coproscpico de Hoffman, Pons e Janer(sedimentao espontnea), realizado no laboratrio doCentro de Sade Municipal de Araci, Bahia, com leitura detrs lminas por amostra. Os sedimentos obtidos foram con-servados em formol a 10% para leitura posterior pelas pesqui-sadoras e tcnico especializado no Laboratrio de Parasito-logia da Faculdade de Tecnologia e Cincias, Salvador, Bahia.

    b) Anlises hematolgicas: a partir de uma amostra de5 mL de sangue venoso em EDTA fez-se a determinao dahemoglobina pelo mtodo da ciano-hemoglobina, e o hema-tcrito pelo clculo indireto do VCM, realizado por contadoreletrnico de clulas (MS4). Considerou-se anmico quandoHb < 11,5 g/dL e Ht < 35% (para o sexo feminino), e Hb < 12 g/dLe Ht < 35% (para o sexo masculino), obedecendo a critriosda Organizao Mundial de Sade (OMS).(20) A pesquisa deeosinfilos foi feita atravs da contagem diferencial deleuccitos, pela observao, ao microscpio de distensessanguneas, em lminas com sangue sem anticoagulante.

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    Foi considerado eosinoflico o indivduo que apresentou emsua distenso sangunea mais de 6% do total de 100 leuc-citos, segundo os valores de referncias de Lewis.(21)

    Anlise estatsticaOs dados foram processados e analisados pelo pro-

    grama Epi-Info verso 6.04 e Excel, por meio de medidas defrequncias, mdias, desvio-padro, teste de associao emedidas de comparao de mdias. Os resultados foramconsiderados estatisticamente quando p < 0,05.

    RESULTADOS

    O inqurito coproparasitolgico foi positivo em 78,5%(n = 270) dos indivduos pesquisados (n = 344): 24,7% (n =85), do sexo masculino e 53,8% (n = 185) do sexo feminino(2 = 2,82) (Tabela 1).

    Com relao aos indivduos infectados, 27,4% (n = 74),monoparasitados e 72,6% (n = 196), poliparasitados (Figura1) e positividade de 89,0% (n = 566) para protozorios e11,0% (n = 70) para helmintos intestinais (Figura 2).

    As idades dos participantes variaram entre 1 ano e 6meses a 68 anos, com maior prevalncia de enteroparasitospara faixa etria de 2 a 15 anos e 21 a 30 anos; com maiorprevalncia para Giardia lamblia e ancilostomdeos. Nohouve correlao estatisticamente significante entre presenade parasitos e faixa etria do pesquisado, apesar do resultadodo qui-quadrado (2 = 15,40) ter sido prximo ao qui-quadradocrtico (2 crtico = 15,51) (Tabela 2).

    Figura 2. Prevalncia de helmintos e protozorios intestinais nas270 amostras positivas para enteroparasitos.

    Na avaliao por espcie parasitria em relao ao totalde parasitos encontrados nos exames positivos (n = 636),Entamoeba coli foi o protozorio intestinal mais frequente(31,9%; n = 203), e os ancilostomdeos, os helmintos maisprevalentes (5,8%; n = 37) (Figura 3).

    Quanto ao estado nutricional, os resultados estodescritos na Tabela 3 e Figura 4, com observaes dacorrelao entre enteroparasitados e estado nutricional. Nohouve correlao estatisticamente significante entre estadonutricional e infeco parasitria.

    Em relao dosagem de Hb e Ht, para anlise daanemia, 18,3% (n = 63) dos pesquisados apresentaramanemia. As observaes entre enteroparasitados (n = 270) eanmicos evidenciaram uma prevalncia de 74,6% (n = 47)(p = 0,41) (Tabela 4 e Figura 4). Contudo, esta correlao nose mostrou estatisticamente significante ( 2 = 0,69).

    Observou-se eosinofilia presente em 46,8% (n = 161)(p = 0,14) dos 344 participantes da amostra. Entre oseosinoflicos verificaram-se 82,0% de parasitados (Tabela 5e Figura 4). No houve correlao estatisticamentesignificante entre eosinofilia e parasitose

    Apresentavam-se poliparasitados: 72,3% (n = 34) dosanmicos e infectados; 70,5% (n = 93) dos eosinoflicos eparasitados; e 73,7% (n = 70) dos desnutridos e parasitados(Tabela 6). No houve correlao estatisticamente signi-ficante entre desnutrio, anemia e eosinofilia com inten-sidade parasitria: monoparasitismo e poliparasitismo.

    Associao entre a ocorrncia de parasitos intestinais e diferentes variveis clnicas e epidemiolgicas emmoradores da comunidade Ribeira I, Araci, Bahia, Brasil

    Figura 1. Prevalncia de entroparasitos e distribuio dos positivosde acordo com o grau de acometimento (mono e poliparasitados).

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    Figura 3. Distribuio por espcie parasitria encontrada nas 270 amostras positivas

    Considerando os parasitos patognicos, os ancilos-tomdeos foram os helmintos mais prevalentes nos indivduoscom alterao nas variveis anemia, desnutrio e eosinofilia,e o protozorio patognico E. histolytica foi o mais prevalentenos indivduos com as variveis citadas (Tabela 7).

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    Associao entre a ocorrncia de parasitos intestinais e diferentes variveis clnicas e epidemiolgicas emmoradores da comunidade Ribeira I, Araci, Bahia, Brasil

    Figura 4. Prevalncia de desnutrio, anemia, eosinoflia, sinais e sintomas, composio e renda familiar, condio ambiental e familiarinadequada entre os pesquisados. (A presena de * indica correlao com significncia estatstica).

    Quanto sintomatologia, foi observada uma positi-vidade de 86,3% (n = 297) para presena de sinais e sinto-mas ocorridos nos ltimos 15 dias nos 344 moradoresanalisados. Destes sintomticos, 77,8% (n = 231) tambmse apresentaram parasitados (p = 0,42) (Figura 4). Nohouve correlao estatisticamente significante entrepresena de sinais e sintomas e parasitoses (2 = 0,65).Todavia, ressalta-se que existem outros fatores que tambmprovocam sinais e sintomas semelhantes e o fato daausncia destes tambm no exclui necessariamente asinfeces parasitrias, j que entre os assintomticos[13,7% (n = 47)], 83,0% (n = 9) apresentavam-se comresultados coproparasitolgicos positivos (Tabela 8).

    No presente estudo, dor abdominal, anorexia, pruridoanal, diarreia e manchas na pele foram os sinais e sintomasmais prevalentes nos moradores (Tabela 9).

    Foram analisados os seguintes fatores epidemio-lgicos ambientais: presena de gua encanada, destinoadequado dos dejetos, destino adequado do lixo domsticoe presena de animais no domiclio, correlacionando-oscom os resultados coproparasitolgicos (Figura 4).

    A populao em geral no possui, em seu domicilio,sistema de abastecimento de gua potvel, no praticamdestino adequado de descarte do lixo domstico e apenas14,0 % (n = 48) possuem fossa sanitria em sua residncia,enquanto que a maioria lana as fezes, juntamente com olixo, em geral a cu aberto e/ou na barragem. Houvecorrelao estatisticamente significativa entre parasitose edestino adequado de dejetos, pois 80,4% (n = 238) nopossuam sistema de destino adequado dos dejetos eapresentaram positividade parasitria (p < 0,05; 2 = 4,62).Cerca de 46,2% (n = 159) dos moradores relataram possuiranimal domstico. Dentre estes, 86,2% (n = 137) estavam

    tambm enteroparasitados (Figura 4). Foi observada, nestecaso, uma correlao estatisticamente significante (p < 0,05;p = 0,001; 2 = 10,31) (Tabela 10).

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    Na anlise entre o tamanho da famlia e a distribuiode exames coprolgicos, verificou-se alta prevalncia deenteroparasitos nas famlias com cinco a sete pessoas, onde82,7% (n = 139) (Figura 4) dos indivduos deste grupoapresentavam-se parasitados; contudo verificou-se tambmuma prevalncia alta naquelas famlias com quatro oumenos pessoas, 72,8%, evidenciando alta distribuio dosenteroparasitos nas famlias pesquisadas. No houvecorrelao estatisticamente significante entre esta varivel eparasitose (Tabela 11).

    As condies econmicas foram analisadas por meioda renda familiar per capita. Com uma renda familiar abaixode um salrio mnimo mensal, foram encontrados 99,7% (n =343) dos indivduos pesquisados. Para a correlao entrerenda familiar e enteroparasitados, 78,7% (n = 270) dospesquisados com a supracitada renda mensal apresentavam-se infectados (Figura 4). Dados estatisticamente nosignificantes (Tabela 12).

    Nos resultados referentes escolaridade dos pes-quisados da amostra, a frequncia de enteroparasitadosmostrou-se elevada entre indivduos com nenhum nvel deescolaridade (72,3%, n = 94) e entre os indivduos com 1grau incompleto (82,2%, n = 171). No houve correlao esta-tisticamente significante entre esta varivel e parasitose(Tabela 13).

    DISCUSSO

    Verificou-se que 78,5% da populao estudada dodistrito de Ribeira I, Araci, regio do semirido baiano,apresentavam infeco por enteroparasitos. Esta frequnciaalta nos resultados est em consonncia com a maioria dosestudos realizados em localidades diversas do Brasil comcaractersticas de reas semelhantes ao municpio pes-quisado.(5,13,22-26)

    O hospedeiro humano pode albergar diferentesespcies de enteroparasitos e o fato de o ambiente externoapresentar graus elevados de contaminao, aumenta aprobabilidade de infeces com poliparasitismo.(27) Prova-velmente, os hbitos higinicos da populao em estudocontriburam no somente para o expressivo nvel de para-sitismo intestinal (78,5%), como tambm na frequncia donmero de poliparasitados, principalmente por protozoriosintestinais comensais. Os valores sugerem maus hbitos

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    de higiene e sade da populao em estudo, o que tambmtem sido relatado por outros autores.(3,13,26,28-30)

    Houve maior ocorrncia de enteroparasitos na faixaetria de 2 a 15 anos, dados condizentes com outros estu-dos.(9,24,31,32) Esta tendncia est de acordo com as modifica-es naturais que se processam no comportamento do indiv-duo enquanto criana, onde, medida que ganha autonomia,aumenta o seu contato com o meio ambiente.

    O percentual por espcie parasitria encontrada porsexo do parasitado no apresentou diferena significante,caracterizado por maus hbitos higinicos mtuos e expo-sio da populao falta de saneamento bsico e consumode gua no tratada.

    A alta prevalncia de protozorios (89,0%) e o baixopercentual de helmintos (11,0%) revelaram que, provavel-mente, a veiculao de cistos de protozorios, principalmentepor meio da gua no tratada, parece ser a realidade destacomunidade.

    A ascaridiose, tricurose e a ancilostomose representamas parasitoses intestinais mais frequentes no Brasil.(33) Aocorrncia de Ascaris lumbricoides (1,3%) e Trichuris trichiura(0,1%) neste estudo constituiu um valor abaixo dos achadospor outras pesquisas, mostrando um padro diferente dorestante do Pas, em diversos grupos, localidades e faixasetrias, cujas prevalncias destes helmintos so elevadas,com taxas que variam de 10,4% a 66,6%.(3,9,29,34,35)

    Infeco por A. lumbricoides parece estar relacionadaa fatores exgenos (ambientais).(22) Alguns trabalhos tam-bm evidenciam prevalncia baixa ou nula para o encontrode infeco por A. lumbricoides e T. trichiura.(25,36,37) Resul-tados obtidos a partir de prevalncias pesquisadas nascidades de Joo Costa e So Raimundo Nonato (sudestedo Piau), povoados do entorno do Parque Nacional Serra daCapivara, mostraram considervel ocorrncia de protozo-rios intestinais em relao aos helmintos nas amostrasanalisadas, sem referncia a tratamentos em massa dapopulao com anti-helmnticos, chamando ateno, tam-bm, a ausncia da infeco por T. trichiura e a baixa fre-quncia de A. lumbricoides.(25,36) Verifica-se que o espectroparasitrio e a prevalncia podem variar em diferentes re-gies, de acordo com as diferenas climticas, socioeco-nmicas, educacionais e condies sanitrias de cada rea.(38)O percentual de ancilostomdeos (5,8%), helminto mais preva-lente na regio, mostra um ndice significativo de infecopor penetrao de larvas, mostrando o solo adequado parasua proliferao. Situao verificada tambm por Rocha etal.(39) e Ribeiro et al.(37)

    Houve uma maior prevalncia de protozorios intesti-nais do tipo enterocomensais [E. coli (31,9%), Endolimaxnana (20,6%) e Iodamoeba butschlii (12,6%)] em relaoaos outros protozorios intestinais patognicos [E. histolytica(17,3%) e G. lamblia (6,6%)], como verificado em outrostrabalhos.(27,35,39-41) um dado importante tambm, visto queeles tm o mesmo mecanismo de transmisso e podemservir como indicadores de condies sociossanitrias pre-

    crias (indicam contaminao orofecal) e da m qualidadede higiene alimentar.

    A prevalncia de G. lamblia nos indivduos parasitadose a elevada frequncia deste parasito nos indivduos des-nutridos evidenciam a necessidade da adoo de medidasde cuidados com a gua a ser ingerida e utilizada no preparodos alimentos, tendo em vista que a principal via de trans-misso desse parasito a gua, fato tambm verificado portrabalhos de Castro et al. no levantamento das parasitosesintestinais em escolares da cidade de Cachoeira de Itape-mirim, ES.(42)

    A prevalncia da E. histolytica na amostra pesquisadapode estar subestimada ou superestimada, considerando apossibilidade de no diferenciao com a Entamoeba dspar(no patognica), pois so duas espcies distintas, morfo-logicamente idnticas ao microscpio, s sendo diferen-ciadas por mtodos de biologia molecular (PCR)(43) e imuno-lgicos para pesquisar coproantgenos.(44)

    Apesar de predominantemente eutrficos, houve umataxa elevada de desnutrio na populao estudada. O estadonutricional merece ateno e monitorizao constante, consi-derando-se a fragilidade socioeconmica da comunidadeem adquirir uma dieta nutricionalmente no vulnervel. Oparasito patognico de maior prevalncia nos desnutridosfoi a E. histolytica seguido de G. lamblia, e, dos helmintos, amaior prevalncia foi para ancilostomdeos, A. lumbricoidese S. stercoralis. A giardase uma das causas provveis dedesnutrio; a m absoro de nutrientes, como vitaminaslipossolveis (A, D, E e K) vitamina B12, ferro, xilose e lactose,pode produzir danos srios aos indivduos, principalmentecrianas, assim como a ao espoliativa exercida pelosancilostomdeos.(8)

    A prevalncia de anemia observada no presente estu-do, 18,3%, inferior prevalncia observada em Tucano,22,3%,(45) e em Jequi, 32,2%,(9) tambm municpios do esta-do da Bahia e da regio do semirido. Outros estudos nomostraram associao entre enteroparasitos e anemia.(7,46,47)Estes desencontros ressaltam a importncia de cada contextoepidemiolgico, considerando rea, tempo e a populaoestudada.

    Trabalhos mostram tambm associaes entre asenteroparasitoses e fatores de risco estabelecidos para asinfeces parasitrias, tais como saneamento deficiente(representado pela ausncia de fossa sanitria no domiclio,anemia e desnutrio).(11,48)

    O diagnstico de ancilostomdeos e E. histolytica deveservir de alerta para adequada avaliao e tratamento daanemia, a fim de evitar o desenvolvimento de formas gravesda doena. Os ancilostomdeos tm sido associados ane-mia devido ao intenso hematofagismo exercido pelos vermesadultos na fase crnica. Nesta amostragem encontraram-se nove pacientes com anemia e protoparasitolgico positivopara ancilostomdeos, associao amplamente relatada ediscutida na literatura, mostrando sua ao anemizante.(10)Na comunidade de Ribeira I, a E. histolytica foi o parasito que

    Associao entre a ocorrncia de parasitos intestinais e diferentes variveis clnicas e epidemiolgicas emmoradores da comunidade Ribeira I, Araci, Bahia, Brasil

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    apresentou a menor taxa de hemoglobina e hematcrito(7,3 g/dL e 22,0%, respectivamente), seguido de ancilos-tomdeo (9,7 g/dL e 29,0%) (dados no visualizados). ParaE. histolytica, houve correlao com anemia em dezoito mora-dores. Weigel et al.,(49) com estudo realizado em Quito, Equa-dor, encontraram, entre gestantes, 88,0% de infeco por E.histolytica e associao positiva com anemia.

    importante a avaliao leucocitria nos indivduosparasitados. A correlao entre parasitos e eosinofilia nosinfectados da populao pesquisada apresentou maiorporcentagem nos indivduos poliparasitados. Uma elevaoquantitativa de eosinfilos tem sido demonstrada nos paci-entes infectados por helmintos, sendo maior nas coinfecescom estes, quando comparada a indivduos infectados comprotozorios ou coinfeco helminto e protozorio.(3,50) Naausncia de parasitolgico de fezes, a eosinofilia umachado importante e que deve servir como alerta para inves-tigao de parasitos intestinais, especialmente helmintos,(51)pois, especialmente no incio da infeco helmntica, a eosi-nofilia intensa e o aumento de eosinfilos pode ser obser-vado precedendo o encontro de ovos nas fezes e que setorna intensa na fase em que determinadas larvas migrampelo pulmo, acarretando tosse, febre, crise de asma (Sn-drome de Loefler).(8,33) Contudo, h de se salientar queinmeras outras afeces so acompanhadas de eosinofilia,como, por exemplo, os quadros clnicos de alergia.

    Parasitose intestinal uma condio endmica nospases em desenvolvimento, podendo apresentar mani-festaes diversas, desde assintomtica at diarreia, perdaproteica intestinal, desnutrio, anemia e dores abdominais,entre outros.(47) muito comum o aparecimento de alteraescutneas, como manchas claras circulares disseminadaspelo rosto, tronco e membros superiores, associadas aoscasos de parasitoses intestinais, principalmente na infecocom A. lumbricoides,(8) baixa ocorrncia em Ribeira I. Nestedistrito, dor abdominal, anorexia e diarreia sem sanguetambm prevaleceram. A ausncia dos sinais e/ou sintomasno exclui necessariamente as infeces parasitrias,ficando claro, portanto, a necessidade de um programa commedidas sanitrias de combate s parasitoses, enfocandoa facilidade da disseminao, principalmente, em crianase adolescentes.

    O reconhecimento da rea de abrangncia na regiorural Ribeira I, em Araci, Bahia, mostrou que a regio apre-senta um histrico bastante favorvel presena de para-sitoses intestinais. A alta positividade no distrito existe emdecorrncia no s da questo social, mas, principalmente,pela falta de uma infraestrutura relativa ao saneamento bsico.Vrios fatores ambientais facilitadores da infeco entero-parasitria estavam claramente presentes no mbito dacomunidade estudada, entre esses a ausncia de gua deboa qualidade e de fossas; dejetos e detritos a cu aberto;solo mido; altas temperaturas; grande proliferao de inse-tos; dificuldade de acesso aos servios pblicos de sade,populao em massa servindo-se de gua poluda, convi-

    vendo com o lixo, banhando-se em barragem junto comanimais, realizando suas necessidades fisiolgicas ao arlivre, formando a trade epidemiolgica para a transmissodos parasitos intestinais: possibilidade de encontro doparasito com o hospedeiro no ambiente.

    O sistema de abastecimento de gua em Ribeira Imostrou-se precrio e praticamente inexistente no perodoestudado. gua de m qualidade e sem nenhum tratamento,contribuindo assim para a provvel transmisso das para-sitoses. No municpio de Cansao, tambm no semiridobaiano, Assis et al.(52) evidenciaram que a inexistncia detratamento da gua agravava ainda mais os quadros deinfeco por parasitos de veiculao hdrica, como visto nodistrito de Ribeira I. O suprimento tambm se d atravs debarreiros ou poos, cuja gua usada para utilizaodomstica e manuteno dos animais. importante salientartambm que, nos locais onde h gua encanada, esta deveser de boa qualidade. Melhorias no saneamento bsico as-sociadas a obras de infraestrutura so excelentes recursospara melhor qualidade de vida nas populaes carentes.

    Concomitantemente com este trabalho estavam sendorealizadas algumas obras de infraestrutura e de saneamentobsico na comunidade deste estudo, tais como: calamentoda praa e construo de sanitrios em algumas residncias,o que pode contribuir com a qualidade de vida desta popu-lao.

    A presena de animais domsticos pode estar relacio-nada com a prevalncia de enteroparasitoses, tendo em vistao potencial zoontico de algumas espcies. Contudo, Malta,(27)investigando os fatores pertinentes que possam estar envol-vidos na epidemiologia dos enteroparasitos em crianasfrequentadoras de creche municipal, no municpio de Votu-poranga (So Paulo), no observou diferena significanteentre a presena de animais domsticos comparada com aprevalncia de parasitoses. No estudo em Ribeira I houvecorrelao estatisticamente significante entre presena deanimais domsticos e infeco parasitria.

    Verificou-se que, enquanto nas famlias com cinco asete pessoas os resultados positivos chegam a 82,7%,naquelas com menos de quatro pessoas chegam a 72,8%;logo, a taxa de infeco parasitria foi alta e prxima dentroda avaliao da composio familiar, no apresentando dife-rena estatisticamente significante. Com resultados seme-lhantes, Pedrazzani et al.(31) levantaram as seguintes hipte-ses para explicar tal fato: (a) a varivel "tamanho (composio)familiar" um ndice de condio socioeconmica bastantesensvel para detectar os efeitos da distribuio de entero-parasitos que esto com taxas normalmente elevadasquando a condio socioeconmica baixa; (b) ocorre defato uma agregao familiar na distribuio das helmintoses.Desta forma, o fato de ter-se detectado prevalncia alta (mes-mo que a relao no tenha sido estatisticamente signi-ficante) entre renda familiar e enteroparasitos, sugere consis-tncia na relao entre tamanho familiar e os resultadoscoprolgicos.

  • RBAC. 2012;44(1):15-25 23

    A comunidade, em questo, de nvel socioeconmicobaixo, que no tem como gerenciar sua prpria sade, doponto de vista financeiro, no tendo plano de sade privado,contando somente com a assistncia mdico-hospitalargratuita. A partir dos resultados obtidos, pode-se considerara regio como uma das regies pobres do mundo, ondeparasitoses intestinais constituem verdadeiras endemias.

    A renda familiar da comunidade em estudo baixa:99,7% das famlias com renda familiar inferior a um salriomnimo. Levando-se em considerao que o nmero mdiode habitantes por domiclio foi de cinco pessoas, no mnimo,a renda familiar per capita mensal (dividindo a renda familiarpelo nmero de indivduos da residncia) equivale a R$ 35,00,valor esse inferior quantia usualmente aceita como mni-ma suficiente para manuteno de uma famlia: 0,25 salriomnimo per capita(53) ou o equivalente a R$ 87,50 (os clculosforam procedidos com base no salrio mnimo vigente emoutubro/2005: R$ 300,00, equivalente a US$ 130.43).

    Parece haver uma relao ntima entre escolaridadecom o nvel de renda familiar e enteroparasitoses, asso-ciao que mais tem sido utilizada para avaliar a condiosocioeconmica.(7) Os dados deste trabalho no evidenciamuma associao estatisticamente significante, contudo osvalores so consideravelmente altos.

    Em local onde grande parte da populao em idadeescolar frequenta a escola, o tratamento dos parasitos e daanemia pode ser implantado com certa facilidade, j que asescolas podem desenvolver programas tanto de combates parasitoses quanto de promoo de uma alimentaosaudvel.

    Esta pesquisa tornou-se ampla, transformando-se emum projeto de interveno para a melhoria da sade napopulao local: interveno medicamentosa associada nutreica, atendimento mdico e doao de filtros para guaatravs da ao social. Posteriormente ser repetida paracomparao dos resultados obtidos antes e ps-inter-veno.

    Paralelo a este trabalho, o governo municipal com acolaborao do estadual e federal executaram melhorias nalocalidade do estudo: implantao do Programa de Sadeda Famlia PSF e saneamento bsico (calamento dapraa, construo de sanitrios nas residncias, tubulaohdrica do projeto Araci Norte). No posto de atendimento, osindivduos receberam orientao sobre a preveno dosenteroparasitos prevalentes na regio.

    As condies sanitrias do distrito e socioecon-micoeducacionais da populao avaliada so pontosimprescindveis para a origem do problema levantado: preva-lncia elevada de enteroparasitos em uma comunidade ruraldo interior da Bahia. Os percentuais de positividade dasamostras fecais para enteroparasitos observados nesteestudo condizem com diversos outros trabalhos publicadosna literatura que estudaram populaes semelhantes.

    Salienta-se a importncia de utilizao do exame para-sitolgico de fezes adequado, leitura eficaz da(s) lmina(s),

    atentando-se para o controle de qualidade do materialanalisado, evitando o surgimento de resultados falso-positivoe/ou falso-negativo, que podem levar a um tratamento inade-quado ou desnecessrio para o paciente.(54)

    Por fim, enfatiza-se a necessidade de se prosseguircom novas pesquisas visando aprofundar a compreensodos fatores de risco associados infeco por entero-parasitos na comunidade, visando aumentar a eficcia dasmedidas de controle a estes agentes.

    CONCLUSO

    Com base nos resultados obtidos no presente estudo,pode-se concluir que:

    1. A prevalncia de enteroparasitos na populao foi de78,5%;

    2. Os grupos etrios, de 2-7 anos e 8-15 anos, apre-sentaram as maiores taxas de prevalncia (76,0% e 82,7%,respectivamente);

    3. Houve predomnio da prevalncia de protozorios(89,0%);

    4. O protozorio E. coli teve maior frequncia sobre asdemais espcies de protozorios em todos os grupos etrios;

    5. Para os helmintos, os ancilostomdeos apresentarammaior frequncia, tendo 5,8% de casos positivos, seguidopelo E. vermicularis com 3,0%, A. lumbricoides com 1,3%,S. stercoralis com 0,5%, H. nana com 0,3% e T. trichiura com0,1%;

    6. As infeces intestinais causadas pelos parasitos,caracterizaram-se pelo predomnio poliparasitrio em 72,6%dos casos positivos;

    7. Associaes entre protozorios e helmintos foramfrequentes;

    8. As residncias com 5-7 moradores apresentammaiores riscos de infeco por enteroparasitos; contudo, nohouve diferena estatisticamente significante;

    9. Apesar do baixo nvel de escolaridade e socio-econ-mico da maioria dos participantes, constatou-se que nohouve diferena significante entre o grau de escolaridade,renda mensal e infeco parasitria;

    10. Quanto aos fatores epidemiolgicos, foram obser-vadas associaes estatisticamente significantes destescom infeces parasitrias para o fator presena de animaisdomsticos e destino inadequado dos dejetos.

    Logo, na populao estudada, a interao entre amisria, o meio ambiente inspito e a falta de ateno sade geram fome e infeces constantes, so respon-sveis pela situao catica prevalecente. Em virtude dasaltas prevalncias de desnutrio, anemia e parasitosesintest