RE 597854 - Cursos de Especializacao - Parecer AGU

7
fIIl· ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO SECRETARJA-GERAL DE CONTENCIOSO Excelentíssimo Senhor Ministro RICARDO LEWANDOWSKl, Relator do Recurso Extraordinário 597854 Repercussão Geral. Constitucional. Administrativo. Ensino SlJperior. Curso de pós-graduação lato sensu em instituição pública. Demandas individuais especializadas não a1brangidas pela missão constitucional das Universidades públicas. Cobrança de mensalidade. Possibilidade. Colaboração da sociedade na educação. Manifestação pelo ingresso da União e, no mérito, pelo provimento do recurso extraordinário. A UNIÃO, devidamente representada por seu Advogado-Geral (art. 4°, lIl, Lei Complementar 73/93), nos autos do recurso extraordinário interposto pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFGO em face de TIAGO MACEDO DOS SANTOS, vem, respeitosamente, requerer seu ingresso no feito nr qualidade de amicus curiae, nos termos do art. 543-A, §6°, do Código de Processo Civil, e do art. 323, § 3°, do Regimento Interno desse Supremo Tribunal Federal, fazendo-o conforme os seguintes fundamentos de fato e de direito.

description

parecer AGU sobre cursos de especialização

Transcript of RE 597854 - Cursos de Especializacao - Parecer AGU

  • fIIl

    ADVOCACIA-GERAL DA UNIO SECRETARJA-GERAL DE CONTENCIOSO

    Excelentssimo Senhor Ministro RICARDO LEWANDOWSKl, Relator do

    Recurso Extraordinrio n 597854

    Repercusso Geral. Constitucional. Administrativo. Ensino SlJperior. Curso de ps-graduao lato sensu em instituio pblica. Demandas individuais especializadas no a1brangidas pela misso constitucional das Universidades pblicas. Cobrana de mensalidade. Possibilidade. Colaborao da sociedade na educao. Manifestao pelo ingresso da Unio e, no mrito, pelo provimento do recurso extraordinrio.

    A UNIO, devidamente representada por seu Advogado-Geral (art. 4, lIl, Lei Complementar n 73/93), nos autos do recurso extraordinrio interposto pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS - UFGO em face de TIAGO MACEDO DOS SANTOS, vem, respeitosamente, requerer seu ingresso no feito nr qualidade de

    amicus curiae, nos termos do art. 543-A, 6, do Cdigo de Processo Civil, e do art. 323, 3, do Regimento Interno desse Supremo Tribunal Federal, fazendo-o conforme os seguintes fundamentos de fato e de direito.

  • L DO CASO DOS AUTOS

    Trata-se de recurso extraordinrio interposto com fundamento no art. 102,

    inCISO 111, alnea a, da Constituio Federal, contra acrdo prolatado pelo Tribunal

    Regional Federal da Ia Regio, que deu provimento ao recurso qe apelao para

    assegurar ao ora recorrido a frequncia e concluso do curso de ps-graduao

    ministrado pela instituio de ensino ora recorrente, independentemente do pagamento

    de mensalidades.

    Irresignada, a UFGO invoca, em suas razes recursais, a repercusso jurdica e econmica da matria versada no recurso. No mrito, alega que o acrdo impugnado

    viola as normas previstas nos arts. 205; 206, I; 208, VII e 212, 3, todos do Carta da Repblica.

    Em 23.03.2012, esse Supremo Tribunal Federal, por seu plenrio Virtual,

    reconheceu a repercusso geral da matria constitucional deduzida nest~ recurso.

    Em consequncia da relevante controvrsia observada nos a4tos, assim como

    em razo da existncia de fundado interesse jurdico da Unio na soluo da demanda, vem este ente pblico apresentar manifestao, a fim colaborar para a melhor elucidao

    da questo, requerendo o seu ingresso no feito e o provimento do recurso extraordinrio.I

    11. JUSTIFICATIVA PARA INTERVENO NO FEITO

    Segundo a experincia jurisprudencial dessa Suprema C01e, a habilitao para atuar na condio de amicus curiae ou terceiro interessado nos recursos

    extraordinrios processados sob o rito do art. 543-B do Cdigo de Processo Civil

    depende da demonstrao simultnea de dois requisitos: (i) a relevncia da matria; (ii) e a representatividade adequada do requerente.

    O conceito de relevncia, embora de definio bastante fluida, est de certo

    modo relacionado com a complexidade do tema em apreo e com as mltiplas

    repercusses que a sua definio poder projetar sobre as diferente~ realidades dos jurisdicionados. Sempre que a soluo a ser ministrada puder trazer implicaes sociais assimtricas, ser conveniente que, antes de decidir, essa Suprema Corte tenha

    RE-RG 597854, ReI Min Ricardo Lewar.dowski 2

  • conhecimento desses efeitos, de modo a ponder-los da melhor maneira pbssvel. Para isso,

    ser necessrio que ela franqueie a terceiros a faculdade de apresentar elementos de

    informao que singularizem as suas situaes jurdicas.

    A relevncia da matria resta plenamente demonstrada no caso, tanto que o relator, ao manifestar-se pela existncia de repercusso geral neste recurso extraordinrio,

    asseverou que a definio da questo constitucional trazida aos autos "servir de orientao

    para os demais rgos do Poder' Judicirio, mostrando-se relevante para a maior parte das

    instituies pblicas de ensino superior e seus alunos".

    o requisito da representatividade adequada do terceiro requerente, por sua vez, deve ser entendido como a capacidade de captao das expectativas normativas de

    setores da sociedade envolvidos com a questo constitucional em debate. Essa

    capacidade pode advir de inmeros fatores, como do fato de o tergeiro requerente

    possuir funo institucional pertinente causa, de ele constituir! uma entidade associativa de mbito territorial significativo cujo objeto social diga resp;eito ao tema em debate, ou de ele deter um domnio tcnico do assunto que torne sua interveno

    recomendvel.

    No caso, quanto representatividade da Unio, embora a discusso, a priori,

    no parea correlacionada ao ente federal, revela-se de todo pertinente a su'!- participao na

    lide. Como se sabe, compete Unio legislar sobre diretrizes e bases da educao nacional

    (art. 22, XXIV), razo pela qual a definio da questo constitucional suscitada interessa diretamente ao ente federal.

    Alm disso, conforme ser abordado ao longo desta petio,1 a cobrana de

    mensalidades em curso de ps-graduao lato sensu revela no apen'ts uma deciso

    decorrente do exerccio da autonomia universitria por cada uma elas instituies

    federais de ensino superior, mas representa uma orientao expedida por rgos

    federais responsveis por deliberar a respeito da poltica de promoo do ensino

    superior em mbito nacional. Surge evidente, portanto, a existncia dei nexo temtico

    entre a Unio e a matria em exame.

    Assim, h que se reconhecer, nos termos do art. 323, 3, dp RISTF e art. 543-A, 6, do CPC, o interesse da Unio em contribuir para o deslinde da causa, na RE-RG 597854, ReI. Min. Ricardo Lewandowski 3

  • qualidade de amicus curzae, uma vez que a soluo dada ao litgio transcender os

    interesses da recorrente. Dessa forma, resta evidente o preenchimento dos requisitos

    necessrios atuao como amicus curiae, pelo que se requer sua admiss~ no feito. 111. MRITO

    A Constituio da Repblica, em seu art. 206, incluiu a gratuidade do

    ensino pblico em estabelecimentos oficiais (inciso IV) como um dos princpios com base nos quais o ensino ser ministrado. Da mesma forma, disps a Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional- LDB (Lei n 9.394/1996, art. 30, VI).

    primeira vista, parece que a forma genrica com que tanto a norma constitucional quanto a legal dispuseram sobre a gratuidade do ensino conduziria

    concluso de que tambm os cursos de ps-graduao lato sensu devero ser oferecidos

    de forma gratuita, nos estabelecimentos oficiais de ensino. Foi neste sentido que restou

    decidido no acrdo recorrido, in verbis:

    (...) a gratuidade de ensino em estabelecimentos ofi~iais, prevista no I

    inciso IV do artigo 206 da Constituio Federal de 1988, no discrimina nveis, inexistindo, portanto, fundamento para la cobrana de mensalidades em instituies oficiais de ensino pblico, por ofender o princpio da gratuidade prevista na norma constitucion~1 (...).

    No entanto, esta interpretao literal da norma no alcana ai real vontade do

    legislador. No se pode deixar de considerar que a Constituio Federal, ao mesmo

    tempo em que assegura a gratuidade do ensino pblico em estabelecimento oficiais,

    tambm coloca a educao como um dever do Estado e da faml~a, devendo ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade (art. 205).

    E sob este prisma que deve ser compreendida a cobrana de mensalidade

    pelo oferecimento de cursos de ps-graduao lato sensu, ou seja, como uma forma de colaborao da sociedade para, o ensino.

    Por outro lado, cabe destacar que a Constituio garantiu a obrigatoriedade e

    gratuidade da educao no que tange ao ensino fundamental (art. 208, I). Em relao ao ensino mdio, vale notar que a Carta Poltica assegurou no simplesmente a gratuidade,

    I mas a progressiva universalidade do ensino gratuito (art. 208, 11). RE-RG 597854, Rel l\Iin. Ricardo Lewandowski 4

  • Recentemente, a L,ei ,no 12.796/2013, que alterou a LDB, estendeu a " .

    gratuidade para toda a educao bsica, que inclui a pr-escola e os ensinos fundamental

    e mdio, e tambm educao infantil, para as crianas de at 5 anos d~ idade (art. 4, I e II). Assegurou, ainda, o "atendimento educacional especializa~o gratuito aos educandos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades

    ou superdotao, transversal a todos os nveis, etapas e modalidades, preferencialmente

    na rede regular de ensino" (inciso IH). Portanto, no h norma especfic~ dispondo sobre a gratuidade dos cursos de ps-graduao lato sensu.

    Para melhor compreender o alcance do dispositivo constitucional e o que

    realmente deve ser oferecido gratuitamente pelos estabelecimentos 0ryciais, preciso

    atentar para o significado do termo ensino.

    A LDB, ao dispor sobre os cursos e programas abrangido, pela educao

    superior, incluiu entre eles a ps-graduao e a extenso (art. 44, III eIIV). A respeito dessa norma, assim se manifestou o Conselho Nacional de Educao, r~o responsvel pela emisso de parecer sobre assuntos da rea educacional, nos termos da Lei nO

    4.02411961 (art. 7, caput e 1, d):

    Esclareamos, ento, o que parece naturalmente fluir d LDB. A ordem "educao escolar" se constitu de duas famlias, equcao bsica e educao superior. Estas famlias se subdividem em g~eros. O caso em tela exige discernr entre as espcies do gnero ps-gvaduao que, na le atual, ao contrrio da que lhe antecedia, mais abrangente. a prpria lei, contudo, associada doutrina narrada, q~e vai permitir a adequada separao das quatro espcies componertes do gnero educao superior. So elas os programas de ps-graduao senso estrito e os cursos de especializao e outros, senso lato. Os primeiros, so aqueles regulares, na vertical diversificao do ensino superior, conducente" a diplomas; os segundos, so aqueles su~lementares, no regulares, conducentes certificao. (...) Aqueles gneros regulares, conducentes a diplomas, esto claramente inseridQs no mandato

    I constitucional de gratuidade, posto que integram a essncia mesma da existncia das instituies de ensino superior, sua razo de existir. As outras espcies, no regulares, fazem parte de sua obrigao com a comunidade, por um lado, no caso da extenso, r de demandas especializadas e especficas de aperfeioamento profissIonal, por outro. Esto obrigadas as IFES e as entidades pblicas de outros nveis de ensino, portanto, a oferecer gratuitamente, em obedinbia aos ditames constitucionais, seus cursos regulares, nos quais se aUfe~em diplomas. E no que tange aos outros cursos, outras gneros no regulares de educao superior, no somente podem as instituies cobrar por

    I

    RE-RG 597854, ReI !v/in. Ricardo Lewandowski 5

  • sua oferta quanto, mais ainda, decididamente, devpriam cobrar por ela, visto que no se espera que as universidades Qblicas destinem recursos pblicos para tarefas que no faam pa~te de sua misso constitucional, para a qual, e somente para esta, est preceituada a gratuidade. I (Grifou-se) ,

    Como se v, considerando que a ps-graduao lato sensu no constitui I

    curso regular, pois atende a demandas individuais esp,ecializadas de

    aperfeioamento profissional, afasta-se das finalidades precpuas das instituies

    pblicas de ensino superior, admitindo, por esta razo, a $ontraprestao pecuniria.

    Neste sentido, merece destaque o que consignado na NTA TCNICA N 073/2011-CGLNES/GAB/SESu/MEC:

    6. (...) no se incluem no conceito de ensino superior os cursos de ps graduao lato sensu, pois tais cursos, de e,special izao ou aperfeioamento, tm carter eventual e objetivos tcriico-profissionais, sem abranger o campo total do saber em que se insery a especialidade. Estes cursos concedem certificados de concluso, m'as no conferem graus acadmicos. 7. Dessa forma, os cursos de ps graduao lato se'nsu, que atendem a necessidades individuais e no caracterizam qualquer processo contnuo ou regular de preparao formal, contrastam com a definio de ensino regular, no se revestindo de gratuidad~ obrigatria nos termos da Constituio Federal. Tais cursos, em virtude de suas caractersticas, aproximam-se muito mais do conceito Ide extenso. Em razo deste entendimento, independem, exceto em c~sos de entidades no educacionais, de prvia autorizao e de superviso continuada por este Ministrio da Educao. (...) 9. Neste-s termos, se os cursos de ps-graduao lato sensu fossem entendidos como ensino superior, acabaria-se por impor um nus injustificvel aos cofres pblicos, implicando um deSvirtuamento dos recursos que deveriam ser destinados para as funes essenciais da universidade, quais sejam, suas atividades de ensino qlie se enquadram nos limites do preceito constitucional da gratuidade.

    Conforme acima explicitado, impedir a cobrana de mensalidade em curso de

    ps-graduao lato sensu poder gerar duas consequncias, igualmente nefastas ao

    interesse pblico, quais sejam: a paralisao da atividade, ante a falta d:e recursos para custe-la, ou o desvirtuamento de recursos pblicos, conform(f esclarece o supramencionado parecer do Conselho Nacional da Educao, in verbis:

    I Parecer CNE/CES 0364/2002, disponvel em http://Portal.mec.gov,br/Cne/arguivOs/PdfJ20~2/pces36402,pdf. Acesso em 15.07.2013. RE-RG 597854, Rei. Min. Ricardo Lewandowski 6

  • No devem, portanto, as casas pblicas de ensino superior destinar suas dotaes para oferta gratuita de especializaes e aperfeioamentos. Ressalte-se, adicionando-se argumento material lgica do raciocnio, que inexistem, nos oramentos das universidades pblicas, dotaes para os cursos de especializao, tambm no hav:endo para eles a hiptese de financiamento pelas Agncias de Fomento, fazendo impossvel, de novo, agora por razes materiais, que se os oferea gratuitamente. (...) A permanncia da gratuidade importaria em nus injustificvel aos cofres pblicos, caracterizando impertinente uso d~ recursos que, a rigor, teriam como prioridade a sua destinao ~ara as funes essenciais da universidade, precisamente aquelas q'ue se enquadram

    I nos limites do preceito constitucional da gratuidade. Ignorar esta circunstncia e as prioridades sociais a serem contenipladas implicaria na transferncia de recursos exguos e, em certo sentid6, inelsticos para a sustentao de atividades assessrias, em prejuzo das suas funes mais relevantes, ao contrrio do que inspirou a nossa Constituio? (grifou-se)

    Por fim, considerando que a Constituio Federal estabfleceu que "as

    atividades universitrias de pesquisa e extenso podero receber apoip financeiro do

    Poder Pblico" (art. 213, 2), inafastvel a concluso de que tais atividades podem ter outras fontes de financiamento, entre elas, a mensalidade paga pelo al~no.

    IV. PEDIDO

    Ante todo o exposto, pugna a Advocacia-Geral da Unio, inicialmente, pelo

    acolhimento de seu pedido" de interveno no feito, nos limites p! opostos, e, no

    mrito, recebida a manifestao, pelo provimento do presente Recurso Extraordinrio.

    Braslia,A2de agosto d

    LUI

    GRACE MARIA FE DES MENDONA Secretria-Geral e Contencioso

    PATRCIA GUIMARES FRANZINI Advogada da Unio

    2 Parecer CNE/CES 0364/2002, disponvel em http://portal.mec.gov.br/cne/arguivos/pdf/2002/pqes364 02.pdf. Acesso em 15.07.2013. I RE-RC 597854, ReI. iV/in. Ricardo Lewandowski 7

    2013-08-12T16:46:25-0300CESAR EDUARDO LIGABUE:27065588149