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(RE) AFIRMAÇÕES E (RE) DESCOBERTAS: A NATUREZA DA
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NOS CENTROS INTEGRADOS
DE EDUCAÇÃO PÚBLICA (CIEPS)
Danielle Portilho Muffareg Bosco
Faculdade Cenecista da Ilha do Governador (FACIG)
Resumo: Este ensaio apresenta um recorte de nossa dissertação de mestrado, cujo
fragmento examina a análise histórica realizada e pautada em uma ancoragem documental
nos arquivos que registraram grande parte da memória e do legado deixado pelos CIEPs
e pela proposta de educação (integral em tempo integral) ali empreendida, a fim de pinçar
elementos e indicadores que nos permitisse identificar a natureza da concepção de
educação integral proposta pelo Programa Especial de Educação no Estado do Rio de
Janeiro. O nosso objetivo foi revisitar e redescobrir elementos político-ideológicos que
direcionaram as concepções que embasaram a prática educativa do Programa com vistas
a espelhar experiências empreendidas nesse projeto, buscando compreender sua proposta
educacional. Nessa direção, elegemos dois documentos historicamente significativos para
facilitar a busca pelas respostas às questões propostas e propusemos, metodologicamente,
analisar o conteúdo desses documentos em função do contexto histórico-político em que
foram elaborados. Wallerstein (2002) foi nossa referência para clarificar o entendimento
sobre os três sistemas político-ideológicos que tricotomizaram o mundo nos últimos três
séculos: o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Nossos resultados indicaram
que a proposta pedagógica e concepção de educação integral dos CIEPs transitaram em
pilares liberais e socialistas, criando, por vezes, antíteses que levaram à construção de
sínteses, ora conflitando-se, ora articulando discursos e ações, constituindo, assim, o
fundamento da concepção de educação integral do projeto.
Palavras-chave: CIEP; educação integral; horário integral.
INTRODUÇÃO
Desde a inauguração dos primeiros Centros Integrados de Educação Pública
(CIEPs), no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1985, muito se escreveu e debateu sobre
diferentes aspectos do Programa Especial de Educação (PEE) que os implementou.
Desenvolvido na vigência dos governos do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e
representado pela figura do então Governador Leonel Brizola, este Programa, apesar das
inúmeras críticas recebidas, constituiu-se como marco no cenário educacional fluminense
e, ainda hoje, observamos tentativas de implantação de escolas semelhantes ao que
propunha Darcy Ribeiro, seu idealizador. Os CIEPs são escolas públicas que foram
construídas, no estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de abrigar uma proposta de
educação integral em tempo integral. Eles foram implantados sob a forma de Programas
Especiais de Educação (PEE), sendo o primeiro Programa instalado de 1983 a 1986 e o
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303652
segundo Programa, entre os anos de 1991 a 1994. Atualmente, a arquitetura marcante e
imponente dos CIEPS permanece no cenário fluminense, contudo, a proposta educativa
inicial completamente esvaziada. Recorrendo as reflexões de Cavaliere (2009), que
contrapõe os conceitos ‘Aluno em Tempo Integral’ versus a ‘Escola de Tempo Integral’,
nos certificamos do esvaziamento da proposta dos CIEPS e suas colocações nos permitem
inferir que este projeto é uma evidencia clássica do conceito de ‘escola de tempo integral’
quando afirma que:
“...o esvaziamento da escola em detrimento de outras agências
educativas teve uma evidência material reveladora de um tipo de
direção política que pretende transferir para fora dela as tarefas
inovadoras e enriquecedoras dos processos educativos.(grifos
nossos)” (Cavaliere, 2009: 10)
O PEE compreendeu mais do que a construção dos previstos 500 CIEPs.
Segundo Arantes (1998), ele era composto por metas muito específicas, que pretendiam
conjugar forças que serviriam de base para uma revolução social, de modo a promover a
emancipação de classes populares, a partir do exercício pleno da cidadania e por meio da
viabilidade de uma educação ampliada, dentro de um horário integral.
O objetivo deste ensaio é, portanto, apresentar os resultados e discutir as
concepções de educação integral sob um prisma político-ideológico, visando trazer este
debate para a educação brasileira na atualidade, quando políticas públicas municipais,
estaduais e federais vêm adensando, modificando e praticando o tema educação integral
e tempo integral. Nesse sentido, foram determinantes os estudos de Wallerstein (2002) e
em suas definições sobre os três sistemas político-ideológicos que tricotomizaram o
mundo, no período de 1789 a 1989: o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Nas
reflexões daquele autor, as ideologias elencadas compuseram uma trilogia que conduziu
e encaminhou a história do homem moderno, travando constantes lutas entre si. Nesse
sentido, diz-nos Wallerstein (2002):
O devir histórico dos tempos modernos é bem conhecido, no que
diz respeito à história das ideias ou à filosofia política. Ele pode
ser definido sucintamente da seguinte maneira: ao longo do
século XIX surgiram três grandes ideologias políticas, o
conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Desde então, elas
(adotando aparências sempre diferentes) têm estado
constantemente em luta entre si (p.81).
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303653
Este autor afirma, não apenas uma vez, que as três ideologias se fundiram ao
longo do tempo, ocasionando combinações e causando, por vezes, certa confusão. Por
isso foi importante considerarmos a dinâmica de aproximação e afastamento no tocante
aos ideários constitutivos das três ideologias configurando, por um lado, alianças, e
acirrando, por outro, diferenças. Estas relações dialéticas, que são apontadas por
Wallerstein, abriram possibilidades para identificar, em nossas análises, combinações de
resultados quanto à natureza da concepção de educação integral do I PEE, já que permitiu
o estabelecimento de associações mais ricas e menos estanques no campo teórico, sem
rotular ou caricaturar a proposta de educação integral do IPEE, como esta ou aquela
doutrina político-ideológica.
Para analisar o material selecionado, elegemos a estratégia metodológica da
análise de conteúdo. O locus da análise de conteúdo reside na mensagem que, de acordo
com delineamento amplo de teorias da comunicação possui, como principais elementos,
emissor, receptor, condições de emissão, frequência de emissão, simbologias para
expressar mensagens e, inclusive, silêncios. Nessa direção metodológica, analisamos a
publicação Escola Viva, Viva a Escola, nº 1 que contém um apanhado das denominadas
Teses de Mendes, que representaram um marco no movimento educacional do estado do
Rio de Janeiro à época. Em um segundo momento, elegemos o Livro dos CIEPs como
documento de análise final, buscando também perceber, tanto nos discursos articulados,
bem como nas ações e práticas propostas, indícios e pistas que nos levassem a detectar a
natureza do conceito de educação integral proposto no I PEE.
Procurando evidenciar as várias faces em que a ‘educação integral’ se move e
como esse movimento se traduz em práticas significativas na educação em jornada
ampliada, iniciamos nossas reflexões com uma pergunta: em que bases político-
filosóficas podemos alicerçar as práticas de ‘educação integral em tempo integral’ dos
CIEPs?
1. EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TRÊS ATOS: MANIFESTAÇÕES POLÍTICO-
IDEOLÓGICAS E MODERNIDADE
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303654
A partir de referencial da política, articulamos manifestações e desdobramentos
da concepção de educação integral, na tentativa de apreender esse conceito na história do
pensamento educacional do Ocidente. Nossa busca, nesta seção, é pelas aproximações
que podemos estabelecer entre as três grandes vertentes político-ideológicas da
Modernidade – o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo – e a concepção de
Educação Integral, visando apreender a perspectiva que melhor se adequa às elaborações
teóricas que construíram o I PEE e, por conseguinte, o modelo de educação integral em
tempo integral dos CIEPs.
Em nossos estudos, guiados pelas terminologias e acepções definidas por
Wallerstein (2002), entendemos que o movimento revolucionário francês, em especial,
no âmbito educacional, delineou duas vertentes: uma focada na utopia da regeneração
social, calcada em ideais de liberdade e legitimados por um Estado consensual que, em
termos de educação, procurava garantir uma educação para a manutenção do status quo e
outra, pautada na Revolução, advinda da convenção jacobina, pautada no conflito, na
radicalização e constante busca da transformação social e humana por meio da instrução
(Portilho, 2006; Boto, 1996). Estas duas perspectivas opunham-se à terceira vertente do
pensamento político ideológico do Estado monarca – conservadorismo – e
representariam, no futuro, o nascedouro das duas vertentes político-ideológicas que
vieram a se consolidar, mais claramente, no século XIX. Estas duas grandes vertentes que
afloraram contra o Estado absolutista e que se definiram ao longo da história como duas
posições político-ideológicas contrastantes foram o liberalismo e o socialismo,
deflagrando a tripartição do pensamento político-ideológico do mundo ocidental
moderno: conservadorismo, liberalismo e socialismo. Como a educação integral foi
representada nestas ideologias no cenário brasileiro?
Enfocando primeiramente a visão conservadora, e a título de exemplo, podemos
apresentar os interesses médico-higienistas, jurídico-policiais e religiosos, manifestados
no final do século XIX e início do século XX, bem como os do movimento integralista,
na década de 30. Moysés Kuhlmann Junior (1991) que, em sua tese de doutorado, realizou
uma revisão histórica sobre as instituições pré-escolares e o caráter assistencial a elas
conferido entre os anos de 1899 a 1922, identificou três movimentos interessados nas
entidades de atendimento integral a crianças que visavam, entre outros interesses, garantir
o controle e a conservação político-social das classes por meio de matrizes educacionais.
Os principais interesses na educação integral como mecanismo de controle e conservação
político-ideológica apresentados pelo autor foram, assim, o interesse médico-higienista,
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303655
a influência jurídico-policial e o interesse religioso. O pensamento conservador transfere-
se, assim, para a educação integral, por meio da busca pela formação integral da criança,
dentro do pensamento entusiasta e conservador em que são apresentadas atividades de
aquisição científica; educação dos sentidos; educação moral e cívica; educação física e
escotismo como atividades essenciais à constituição de um ensino primário com
qualidade.
Concomitantemente, esse ensino apresenta, como fundamento, um sentimento
nacionalista que, eclodindo no léxico empregado, nos evidencia o espírito de restauração
de seus propósitos. Neste bojo, damos destaque para o movimento integralista, na década
de 30, que fez uso da educação integral como elemento ideológico. Nesse sentido, afirma
Cavalari (1999) que “a ideia de educação integral para o homem integral era uma
constante do discurso integralista” (p.46), entendendo essa educação como o “conjunto
do homem físico, do homem intelectual, do homem cívico e do homem espiritual” (Aires,
in Cavalari, 1999, p.47).
No bojo do pensamento socialista, encontramos tendências diversas - tanto os
ideais comunistas, quanto os anarquistas refletem sobre educação e enfatizam o que
compreendem por uma formação completa. No entanto, detendo-nos especificamente no
pensamento/ação anarquista, podemos dizer que a proposta mais ampla de uma sociedade
fraterna e igualitária assume uma postura bastante firme a respeito da educação nesse
contexto. Para este pensamento, conhecimento é poder e gera, ambiguamente, dominação
para quem não o detém e liberdade para os que a ele tem acesso (Bakunin, 1979, p. 34-
35). Na concretização de seu protótipo de sociedade ideal, defende o ensino integral como
um aliado na busca da liberdade pelas massas oprimidas, na injusta e desigual sociedade
de classes, através do que denomina ensino total: uma educação científica ou teórica,
compreendendo também o ensino industrial ou prático. (Bakunin, 1979:44). Sua ideia é
a de democratizar conhecimentos científicos e culturais que se restringem a uma parcela
da sociedade de classes. No Brasil do início do século XX, tivemos experiências de
educação libertária cujos moldes se inspiravam na construção desse homem completo.
Citamos como exemplos a criação de duas Escolas Modernas – à semelhança das Escolas
Modernas de Ferrer Y Guardia, na Espanha – em São Paulo, bem como a constituição,
ainda que por um curto espaço de tempo, da Universidade Popular, no Rio de Janeiro.
Quanto à perspectiva liberal em relação à educação integral, observamos sua
manifestação consubstanciada nas bases do desenvolvimento do pensamento educacional
brasileiro, também no início do século XX. Cavaliere (2003) já apontara que a principal
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303656
representação desta corrente foi apresentada no movimento da Escola Nova, tendo em
Anísio Teixeira o principal expoente dessa concepção e de sua implementação. O
pensamento de Anísio é direcionado por dois vieses: necessidade de democratização do
ensino público e ampliação das funções da escola para a sociedade contemporânea
emergente. Anísio é ainda definido como um entusiasta da ampliação do tempo -
quantidade – associado às atividades de trabalho, de estudo, de recreação e de arte no
espaço formal da escola, ou seja, de uma gama de práticas educativas que consubstanciam
o que denominamos como educação integral, mesmo não utilizando esse termo
específico.
É sua a ideia de implantação de uma instituição escolar constituída por Escolas-
Classe e por uma Escola-Parque. Este Centro, construído em bairro popular da cidade de
Salvador, na Bahia – o Centro Educacional Carneiro Ribeiro -, nas palavras do autor,
seria uma escola com “programa completo de leitura, aritmética, e escrita, e mais
ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação
física (...) que eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações” (Teixeira, 1968,
p.141). Mas era também uma escola de dia completo ou, como denominamos hoje, em
tempo integral.
Para Anísio, uma formação completa dependia, também, de um tempo ampliado
na escola. Esta fórmula, entretanto, não é consensual. Em outras palavras, nem sempre a
uma ampliação da jornada escolar corresponde uma educação mais completa, o que não
significa que não devamos perseguir esta meta. Afinal, acreditamos, é muito mais
significativo conceber, com um tempo ampliado/integral, atividades integradoras, que se
consubstanciem em uma formação completa para o aluno, do que fazê-lo em um tempo
reduzido/parcial. Como já preconizava Anísio, provavelmente essa redução não
redundará em qualidade.
Diante dos vários caminhos pelos quais se pode entender a educação integral,
fomos guiados pelo viés das representações político-ideológicas e em uma tentativa de
introduzir nossa segunda seção, cabe-nos questionar: qual concepção de educação
integral constituiu as bases político-ideológicas dos CIEPs? Como esta natureza se
evidenciou nas práticas propostas para o Programa no que tange a aplicação do conceito
de educação integral?
2. DADOS, NÚMEROS E DEDUÇÕES
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303657
Com vistas a averiguar a natureza do discurso político-ideológico contido nas
expressões inscritas nos documentos que balisaram e transcreveram a proposta política e
educacional dos CIEPS, definimos pelo menos duas grandes categorias a priori às
análises, Pensamento Liberal e Pensamento Socialista, que serão aprofundadas e/ ou
desmembradas à medida que novos trechos e elementos se apresentem durante as análises.
Mas porque fixar o olhar apenas nestas duas grandes categorias que representam as duas
ideologias, já que, na seção anterior, trabalhamos a tríade ideológica representadas pelo
conservadorismo, liberalismo e socialismo?
Em função dos direcionamentos teóricos que nos auxiliaram no resgate histórico
e conceitual acerca das bases da educação integral dos CIEPs, inferimos, durante as
reflexões realizadas em nossa revisão bibliográfica, que a proposta de educação integral
evidenciada pelo I PEE não apresentou contornos, seja pela sua natureza, seja pelas
práticas empreendidas, que caracterizariam a ideologia de cunho mais conservador. A
partir desta constatação, apresentamos os resultados da análise de dados de ambos os
documentos e composição dos índices. O trabalho que originou este artigo explicitou oito
subcategorias emergentes na medida em que avançamos no exame dos documentos,
dentre elas focaremos duas especificamente: 1 D e 2 D.
Ref. Categoria Ref. Categoria
1 Pensamento Liberal
2 Pensamento Socialista
Subcategorias Subcategorias
1A
Valorização do indivíduo
(individualismo) 2A Valorização do coletivo
(coletivismo)
1B
Educação/ Escola
Salvacionista (Ênfase da
Reforma Social) 2B
Educação/ Escola política
(Ênfase na Revolução Social)
1C
Educação como princípio para
liberdade, progresso individual
e harmonização social 2C
Educação como princípio da
liberdade coletiva e veículo de
emancipação de classes
1D
Horário/ educação integral
para qualidade da escola e
progresso do indivíduo
2D
Horário/ educação integral
para libertação do indivíduo
dos mecanismos de classe
Tabela 1 – Categorias e subcategorias de análise
Quanto as subcategorias elencadas para exposição neste ensaio, Horário/
educação integral para qualidade da escola e progresso do indivíduo versus Horário/
educação integral para libertação do indivíduo dos mecanismos de classe, encontramos
significativas referências que apontam a(s) natureza(s) da concepção de educação e tempo
integral empregados no I PEE.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303658
Os primeiros trechos que destacamos estão presentes no Livro dos CIEPS
referem-se a primeira subcategoria Horário/ educação integral para qualidade da escola
e progresso do indivíduo:
Um fator importante do nosso baixo rendimento escolar reside na
exigüidade do tempo de atendimento que damos à criança A
criança das classes abonadas que têm em casa quem estude com
ela, algumas horas extras, enfrenta galhardamente esse regime
escolar em que quase não se dá aulas. Ele só penaliza, de fato, a
criança pobre oriunda de meios atrasados, porque ela só conta
com a escola para aprender alguma coisa. (Ribeiro, 1986. Livro
dos CIEPS, p.13)
Rebaixando a qualidade do ensino a níveis intoleráveis e
restringindo a jornada escolar de todos os alunos a poucas horas.
(Ribeiro, 1986. Livro dos CIEPS, p.20)
O absurdo maior, porém, é a jornada de duas e meia ou três horas
de aula, que efetivamente se dá às crianças desde que foi adotado
o terceiro turno diário. (...) Em todo o mundo se considera que
cinco horas de atenção direta e contínua ao aluno por eu professor
é a jornada mínima indispensável. Como as crianças das classes
mais favorecidas têm em casa quem estude com elas algumas
horas extras, enfrentam sem problemas esse regime. Ele só
prejudica, de fato, a criança pobre – que só conta com a escola
para lhe ensinar. (Ribeiro, 1986. Livro dos CIEPS, p.33)
No Brasil, antes da criação dos CIEPS, nunca se fez uma escola
popular de dia completo. Em lugar disso, adotou-se o
desdobramento do regime escolar em vários turnos (...) Essa
deformação do sistema de ensino, com o tempo, tirou as
qualidades já escassas da antiga escola pública. (Ribeiro, 1986.
Livro dos CIEPS, p.41)
O CIEP é fundamentalmente uma boa escola de 1° grau,
funcionando em regime de dia completo. (...) Cada CIEP, durante
um período de 8 horas diárias (inclusive horário de almoço),
ministra aos alunos currículo de 1° grau, com aulas e sessões de
Estudo Dirigido, além de oferecer atividades como esportes,
participação em eventos culturais, numa ação integrada que
objetiva elevar o rendimento global de cada aluno (Ribeiro, 1986.
Livro dos CIEPS, p.42)
Nestes trechos, foi necessário analisar duas evidências. A primeira caracterizada
pela forte presença do foco dado ao tempo integral e a segunda, pela correlação existente
entre tempo/ educação integral com qualidade do ensino e promoção do progresso e
desenvolvimento do indivíduo. Nos quatro primeiros trechos, observamos a relação
marcante do fator tempo integral com qualidade de ensino. Esta manifestação é tão
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303659
presente, que foi possível encontrar o mesmo fragmento da primeira citação mais de uma
vez, no Livro Preto, bem como em partes destacadas nas Teses de Mendes:
“O fator crucial do baixo rendimento escolar reside na exigüidade
do tempo de atendimento dado às crianças. (Ribeiro, 1986. Livro
dos CIEPS, p.33)
“O fator crucial do nosso baixo rendimento escolar reside também
na exigüidade do tempo de atendimento que damos às crianças.
(Bloco I, tese 8, p.10)”
Curiosa, também, foi outra relação presente, de modo mais emblemático, no
terceiro trecho destacado, que marca a associação entre criança pobre e tempo integral.
Esta associação também marcou o Programa, e foi alvo de inúmeras críticas, criando, por
vezes, rótulos e estigmas que marcaram negativamente a concepção de horário integral,
prejudicando, de certa forma, o elo entre educação ampliada e qualidade.
Já no último trecho observamos, de maneira mais evidente, a relação educação
integral e qualidade de ensino. Nesta fala, além da associação tempo integral e bom
ensino, está marcada a intenção em registrar, também, qualidade de ensino com
oferecimento de atividades educativas e culturais que, possivelmente, nos leva a inferir
que existe a presença da concepção de educação integral associada à melhoria da
qualidade escolar, bem como a melhoria do desempenho global dos alunos.
Uma percepção geral observada nos documentos foi a intenção em utilizar o
espaço e o horário escolar pelo maior tempo possível e com mais programas e projetos
que sejam possíveis, caracterizando o CIEP, de certa forma, como uma Escola 24hs e
multifuncional, dada a intensa atividade e tempo empregados (relação tempo e educação
integral).
A subcategoria 2D horário/educação integral para libertação do indivíduo dos
mecanismos de classe também se apresenta nos Livros dos CIEPS, mesmo que de forma
pouco emblemática. Encontramos no fragmento da fala do idealizador da arquitetura dos
CIEPS, Oscar Niemeyer, indícios que nos levariam, a partir de uma interpretação, a uma
referência sobre esta subcategoria:
O mais importante nesse programa de escolas que o governador
Brizola criou é, sem duvida, o sentido social, o desejo de levar as
classes mais pobres, às crianças tão esquecidas deste país, o apoio
indispensável, instruindo-as, ocupando-as, dando-lhes a
possibilidade de uma participação futura nos problemas da vida
brasileira. (Ribeiro, 1986. Livro dos CIEPS, p.110)
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303660
Ainda que nos pareça dúbia, a afirmação do arquiteto acerca da função da escola
de horário integral e do tipo de educação integral ali ministrada, podemos interpretar as
expressões “ocupando-as” e “participação futura nos problemas da vida brasileira” como
possível associação da concepção de tempo integral com a emancipação política e social
das crianças de classes menos favorecidas. A grande preocupação no relato e
oferecimento de atividades diversificadas, como por exemplo, estudo dirigido,
informática para crianças, circuito de TV, recreação, animação cultural, salas de leitura,
biblioteca, esportes, atividades de higiene e saúde evidenciam a forte presença de uma
concepção de educação integral. O que não é evidente é a relação que estas atividades
diversificadas e educativas mantêm com uma concepção mais emancipatória dessa
educação.
Essas subcategorias se confrontaram uma com a outra, criando, por vezes,
antíteses que nos levam à construção de sínteses mais ricas. Vale destacar, ainda como
explicação metodológica, que optamos por uma análise simultânea dos documentos para
enfocar, de maneira mais aprofundada, o volume de dados e indicadores que evidenciam
a subcategoria elegida, aqui, para apresentação. Com base na análise quantitativa dos
temas, chegamos aos seguintes indicadores:
Ref. Categoria Ocorrências
Temas
% Ref. Categoria Ocorrências
Temas
%
1 Pensamento Liberal 104 83% 2 Pensamento
Socialista 21 17%
Subcategorias Subcategorias
1A Valorização do
indivíduo
(individualismo)
25 24% 2A Valorização do
coletivo (coletivismo) 07 33%
1B Educação/ Escola
Salvacionista (Ênfase da
Reforma Social)
39 38% 2B Educação/ Escola
política (Ênfase na
Revolução Social)
10 48%
1C Educação como
princípio para liberdade,
progresso individual e
harmonização social
15 14% 2C Educação como
princípio da liberdade
coletiva e veículo de
emancipação de
classes
03 14%
1D Horário/ educação
integral para
qualidade da escola e
progresso do individuo
25 24% 2D Horário/ educação
integral para
libertação do
indivíduo dos
mecanismos de classe
01 5%
Tabela 2: Resultados compilados – Teses de Mendes e Livro Preto
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos verificar, a partir dos dados e índices obtidos, como também das
análises e interpretações derivadas, que o pensamento socialista marca presença pouco
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significativa na concepção de horário/ educação integral dos CIEPs. Outras subcategorias
não explicitadas nesse recorte, contudo, apresentaram indicadores mais expressivos,
como a concepção da escola como mecanismo de revolução social, característica do
pensamento socialista. Entre outras evidências que demarcam a presença da ideologia
socialista, em outras subcatergorias não apresentadas nesse recorte, podemos dizer que
esta visão manifesta-se nos documentos encontrados, quando critica e condena, por vezes,
o caráter elitista e opressor da escola brasileira, enfatizando a clientela proletária e popular
como alvo dos discursos e ações educacionais do Programa, com vistas a promover a
mobilização da consciência nacional.
Contudo, também podemos dizer que o pensamento liberal se manifesta mais
vezes em escala quantitativa, mais especificamente, nas atribuições da escola que preza
componentes democráticos em seus fundamentos e ações, bem como na concepção de
educação/horário integral proposto pelo projeto.
Nesse sentido, nos mantivemos atentos ao discurso que exprime certa dubiedade
de sentidos sobre as ideias que fundamentaram a concepção politico-ideológica do
Programa, caracterizando-as ora como um discurso liberal, ora como um discurso
socialista, ora como uma combinação de ambas as visões. Por outro lado, não podemos
deixar de relembrar a fala categórica presente no Livro dos CIEPS sobre o
posicionamento ideológico do PDT, como justificativa para o alto investimento no campo
educacional:
A escolha da educação como a prioridade fundamental responde,
essencialmente, à ideologia socialista-democrática do Partido
Democrático Trabalhista de Leonel Brizola. Essa ideologia é que,
contrariando uma prática antiqüíssima de descaso em matéria de
Instrução Pública, nos deu a coragem de abrir os olhos para ver e
medir a gravidade do problema educacional brasileiro. (grifos
nossos) (Ribeiro, 1986. Livro dos CIEPS, p. 16).
Estas evidências de pensamentos socialista e liberal, que ora se encontram, ora
se conflitam, ora se articulam em outras possíveis alianças ideológicas, a nosso ver, nos
levam a indagar se elas, porventura, não poderiam constituir-se como o fundamento da
concepção de educação integral proposta pelo Programa dos CIEPs. Do ponto de vista
dialético, ele não é puramente liberal; ele também não é fundamentalmente socialista.
Nesse sentido, podemos afirmar que ele unifica e conforma estas visões de mundo.
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TABELAS
Tabela 1 – Categorias e subcategorias de análise
Tabela 2: Resultados compilados – Teses de Mendes e Livro Preto
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTAIS
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___________________________ Escolas de tempo integral versus alunos em tempo
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TEIXEIRA, A. Educação não é privilégio. São Paulo, Companhia Editora Nacional,
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WALLERSTEIN, E. Após o Liberalismo. Em Busca da Reconstrução do Mundo.
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Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303663