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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA PAOLA DALLA CHIESA O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO CAXIAS DO SUL 2018

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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E

PROPAGANDA

PAOLA DALLA CHIESA

O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO

CAXIAS DO SUL 2018

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PAOLA DALLA CHIESA

O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO

CAXIAS DO SUL, RS 2018

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PAOLA DALLA CHIESA

O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO

Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel. Orientador: Prof. Me. Eduardo Luiz Cardoso

CAXIAS DO SUL, RS 2018

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PAOLA DALLA CHIESA

O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO DAWN NO CONTEXTO DO FEMINISMO

Monografia do Curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade de Caxias do Sul, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel. Aprovada em ___/___/______

Banca Examinadora _________________________________ Prof. Me. Eduardo Luiz Cardoso

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_________________________________ Prof. Dr. Ronei Teodoro da Silva

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_________________________________ Prof.ª Ma. Adriana dos Santos Schleder

Universidade de Caxias do Sul – UCS

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Dedico este trabalho à minha família, por sempre me apoiar, em especial à minha mãe Jaqueline, por acreditar no meu potencial e orar pelo meu sucesso.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe Jaqueline, que sempre me apoiou e ajudou da

melhor forma possível para que este sonho tão aguardado se realizasse. Sem o seu

apoio, nada disso seria possível.

À minha irmã Bianca, pelas palavras de apoio e pelos debates que me

encorajaram a seguir em frente.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Ms. Eduardo Luiz Cardoso, por sua

paciência e ajuda para a produção deste trabalho.

Ao meu namorado Sérgio, pelas palavras de incentivo e compreensão

pelos dias ausentes.

Aos meus colegas de trabalho, que aguentaram meu péssimo humor

durante todo o processo. Em especial à Pedrita, pela compreensão e ajuda.

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“A vida é toda sobre determinação. O resultado que vem depois é secundário.” Waka, Okami

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RESUMO

Com tema principal focado em feminismo, perfil arquetípico de personagens femininas e games, este trabalho busca analisar, através de documentos e artigos disponíveis em publicações na internet e fontes bibliográficas, a relação entre o perfil arquetípico e as personagens femininas dos games no contexto do feminismo, mais especificamente da protagonista Aloy do game Horizon Zero Dawn. O game citado é estudado com maior profundidade, desde a história bem como o desenvolvimento da personalidade da protagonista dentro do game, com o intuito de encontrar os arquétipos presentes na Aloy desde sua infância até a vida adulta, com ênfase até a cena da Provação, para por fim analisar a relação entre o perfil arquetípico da protagonista dentro do contexto do feminismo. Também foi apresentada uma breve história da indústria dos videogames, bem como a evolução dos arquétipos na representação feminina e protagonismo nos games. Após a análise, verificou-se que, apesar da protagonista Aloy apresentar arquétipos no contexto do feminismo atual, não há relação entre o perfil arquetípico e as personagens femininas de games no contexto do feminismo. Palavras-chave: Arquétipos, Feminismo, Games, Indústria dos games, Horizon Zero Dawn, Personagem feminina.

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ABSTRACT

With the main theme focused on feminism, archetypal profile of female characters and games, this work seeks to analyze, through documents and articles available in Internet publications and bibliographic sources, the relationship between the archetypal profile and the female characters of the games in the context of feminism , more specifically of the protagonist Aloy of the game Horizon Zero Dawn. The quoted game is studied in greater depth, from the story as well as the development of the personality of the protagonist within the game, with the intention of finding the archetypes present in Aloy from its childhood until the adult life, with emphasis until the scene of the Probation, to finally analyze the relationship between the archetypal profile of the protagonist within the context of feminism. It also presented a brief history of the video game industry, as well as the evolution of archetypes in female representation and protagonism in games. After the analysis, it was verified that although the protagonist Aloy present archetypes in the context of the current feminism, there is no relation between the archetypal profile and the feminine personages of games in the context of feminism. Keywords: Archetypes, Feminism, Games, Industry, Horizon Zero Dawn, Female character.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – O jogo Tennis for Two criado por William Higinbotham, 1958.............. 41

FIGURA 2 – O jogo Spacewar! criado por Steve Russell, 1960............................... 42

FIGURA 3 – O jogo de perseguição criado por Ralph Baer, 1966............................ 42

FIGURA 4 – Gunfight, 1975...................................................................................... 44

FIGURA 5 – Pacman, 1980....................................................................................... 45

FIGURA 6 – Capa do jogo Donkey Kong, 1981........................................................ 46

FIGURA 7 – Super Mario Bros, 1985........................................................................ 47

FIGURA 8 – Altered Beast, 1989.............................................................................. 48

FIGURA 9 – Super Mario World, 1990-1991............................................................. 49

FIGURA 10 – Myst, 1993……………………………………………………..……….…. 50

FIGURA 11 – Wolfenstein 3D, 1993………………………………………………..…… 50

FIGURA 12 – Donkey Kong Country, 1994……………………………………………. 51

FIGURA 13 – Silent Hill, 1999………………………………………………………...…. 52

FIGURA 14 – God of War, 2005………………………………………………………… 53

FIGURA 15 – World of Warcraft, 2004…………………………….……………………. 54

FIGURA 16 – Batman Arkham City, 2011………………………………………..….… 54

FIGURA 17 – Tomb Raider: Definitive Edition, 2014…………………………….…… 55

FIGURA 18 – The Witcher 3: Wild Hunt no PS4 e no PS4 Pro……………………… 56

FIGURA 19 – Two Crude Dudes, 1991……………………………………….......……. 57

FIGURA 20 – Donkey Kong, 1980............................................................................ 58

FIGURA 21 – Super Mario Bros, 1985...................................................................... 59

FIGURA 22 – The Legend Of Zelda, 1991………………………………………….…. 60

FIGURA 23 – Krystal em Planet Dinosaur, 1999...................................................... 61

FIGURA 24 – Krystal aprisionada em Star Fox Adventures, 2002........................... 62

FIGURA 25 – Lara Croft em algumas franquias de Tomb Raider............................ 63

FIGURA 26 – Samus em Super Smash Bros, 2008................................................. 64

FIGURA 27 – Jade em Mortal Kombat 9, 2011........................................................ 65

FIGURA 28 – Samus em Metroid, 1986................................................................... 67

FIGURA 29 – Jade em Beyond Good & Evil, 2003.................................................. 68

FIGURA 30 – Faith em Mirror’s Edge, 2008............................................................. 69

FIGURA 31 – Lara Croft no reboot de Tomb Raider, 2013...................................... 70

FIGURA 32 – Lara Croft em Rise of the Tomb Raider, 2015…………………...…… 71

FIGURA 33 – Ellie e Joel em The Last of Us, 2013…………………………….….…. 72

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FIGURA 34 – Ellie em The Last Of Us, 2013……………………………………….…. 73

FIGURA 35 – Amanda Ripley em Alien: Isolation, 2014........................................... 74

FIGURA 36 – Senua em Hellblade: Senua's Sacrifice, 2017.................................... 75

FIGURA 37 – Rost e a bebê a caminho do ritual...................................................... 78

FIGURA 38 – Rost e Aloy no treinamento................................................................ 79

FIGURA 39 – Aloy e Rost em frente ao vilarejo onde será realizado o rito.............. 80

FIGURA 40 – Aloy, ao fundo, salvando o membro da tribo Nora............................. 81

FIGURA 41 – Aloy prometendo a Rost que nunca deixará de falar com ele............ 82

FIGURA 42 – Aloy durante a Provação.................................................................... 83

FIGURA 43 – Os três arquétipos encontrados na Aloy............................................ 84

FIGURA 44 – Perfil da Aloy...................................................................................... 85

FIGURA 45 – Paralelo entre feminismo, personagens femininas e arquétipos....... 86

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................. 13

2 FEMINISMO................................................................................................. 15

2.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO FEMINISTA........................................ 16

2.2 O FEMINISMO NO BRASIL.......................................................................... 21

2.3 JUNG E OS ARQUÉTIPOS.......................................................................... 24

2.3.1 Arquétipos................................................................................................... 26

2.3.2 Anima e Animus.......................................................................................... 27

2.3.3 A criação de símbolos e o desenvolvimento de mitos........................... 30

2.4 OS 12 ARQUÉTIPOS DE MARK E PEARSON............................................ 31

2.5 OS 10 ARQUÉTIPOS DE CAROLINE MYSS............................................... 35

2.6 OS 16 ARQUÉTIPOS DE VICTORIA LYNN................................................. 38

3 GAMES ........................................................................................................ 40

3.1 O INÍCIO DA INDÚSTRIA............................................................................. 43

3.2 AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NOS GAMES.................................. 56

3.3 O PROTAGONISMO FEMININO NOS GAMES........................................... 66

4 ANÁLISE...................................................................................................... 76

4.1 HORIZON ZERO DAWN.............................................................................. 76

4.2 HISTÓRIA..................................................................................................... 77

4.3 PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY............................................................... 80

4.3.1 O Messias Feminino................................................................................... 81

4.3.2 A Rebelde.................................................................................................... 82

4.3.3 O Herói......................................................................................................... 83

4.4 O PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY NO CONTEXTO DO FEMINISMO.... 84

5 CONCLUSÃO............................................................................................... 89

REFERÊNCIAS............................................................................................ 91

ANEXO A – PROJETO DE PESQUISA ...................................................... 95

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1 INTRODUÇÃO

Da mesma forma que a mulher foi coadjuvante em relação ao homem

durante muito tempo no decorrer da história, na indústria dos games não foi

diferente. Em um passado não tão distante assim, os games eram criados e

direcionados exclusivamente para o público masculino. As personagens femininas

mencionadas nos games eram fortemente sexualizadas e as imagens arquetípicas

eram distorcidas, sempre colocando o papel da mulher como donzela em perigo ou

guerreira sexy. Não havia personalidade e eram criadas somente para atrair o

público masculino, o qual era o foco dos desenvolvedores. Isto é, não havia espaço

para o protagonismo feminino nos games.

Todavia, nas últimas décadas, houve mudanças na cultura, tanto na

conquista dos direitos das mulheres quanto nos arquétipos que representam as

mulheres nos games. A participação do público feminino como consumidoras de

games cresceu nos últimos anos, superando a dos homens em um curto espaço de

tempo, obrigando os desenvolvedores a se adequarem conforme essa mudança no

perfil do público. Entretanto, apesar do aumento a cada ano de games com a

proposta de protagonistas femininas tidas como ícones da representação feminina,

ainda são minoria as que não se encaixam no habitual estereotipado, que ganham

destaque na indústria e que não são sexualizadas ao extremo. Ainda assim, da

mesma forma que o papel da mulher perante a sociedade está mudando no decorrer

dos anos, o mercado dos games vem apresentando uma significativa e gradativa

mudança positiva na criação de personagens femininas, as quais assumem o papel

de heroína e não mais o perfil arquetípico mais conhecido por “donzela em perigo” e

“guerreira sexy” ou “femme fatale”.

É neste ponto que este trabalho deseja chegar. A questão norteadora é:

qual a relação entre o perfil arquetípico e as personagens dos games no contexto do

feminismo? Sendo assim, para responder esta pergunta de pesquisa, este trabalho

terá como objetivo geral: Identificar a construção arquetípica da personagem Aloy do

game Horizon Zero Dawn no contexto do feminismo. E terá como objetivos

específicos: a) Mostrar o avanço do feminismo no decorrer dos anos. b) Examinar os

arquétipos de acordo com três autores: Mark e Pearson (2001), Myss (2013) e Lynn

(2012). c) Descobrir qual é o perfil arquetípico da protagonista do game Horizon Zero

Dawn. d) Identificar a relação entre o feminismo e a evolução das personagens

femininas nos games.

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Para a realização do objetivo geral e específico, o trabalho utilizará a

pesquisa de caráter descritivo com abordagem qualitativa, feita através de

documentos e artigos disponíveis em publicações na internet e fontes bibliográficas,

com o intuito de explicar conceitos acerca da pesquisa, pois segundo Gil (2002), a

pesquisa descritiva tem como principal função a descrição detalhada das

características de um estipulado fenômeno ou conjunto de indivíduos, além de

determinar a relação entre os fatores. Quanto à abordagem, segundo Minayo (2007),

a pesquisa qualitativa trabalha com o porquê das coisas, ou seja, os motivos, as

crenças e atitudes, porém, sem quantificar os valores encontrados. Foi escolhido

para o estudo de caso a protagonista Aloy do game Horizon Zero Dawn, pois seu

perfil arquetípico e história ajudarão a compreender o avanço positivo na

representação da mulher nos games. Segundo Yin (2001), o grande diferencial do

estudo de caso é que se pode lidar com várias evidências: documentação, registros

em arquivos, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos

físicos. E, neste trabalho, pretende-se utilizar como técnica para a coleta de dados a

documentação encontrada em livros e artigos na internet, pois ainda segundo o

autor, o estudo de caso tem características de ser estável, discreta, exata e de

ampla cobertura.

O trabalho será dividido em três partes. A primeira, Feminismo e

Arquétipos: Onde será explicado brevemente o conceito de feminismo e os

movimentos feministas, ações importantes que mudaram a representação da mulher

vista pela sociedade. A segunda parte, Games: A história da indústria explicará

brevemente a evolução dos consoles e dos gráficos dos games. A representação

feminina e o protagonismo nos games apresentarão games com personagens

femininas estereotipadas e games com protagonistas femininas fortes que exercem

o papel principal na trama. O quarto capítulo, intitulado de Análise, irá mostrar a

análise do perfil arquetípico da protagonista do game Horizon Zero Dawn, desde o

início da história até a cena em que ela realiza a Provação, além de fazer uma breve

comparação do perfil arquetípico no contexto do feminismo.

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2 FEMINISMO

Para esclarecer o surgimento do feminismo e alguns movimentos

feministas, é importante explicar, de forma breve, o que é o feminismo. De acordo

com Jesus e Almeida (2016, p. 2) “É complicado definir de maneira exata o seu

significado, pois este termo traduz todo um processo que tem raízes no passado,

que se constrói no cotidiano, e que não tem um ponto predeterminado de chegada.”

Entretanto, segundo Silva e Camurça (2010, p. 11) “A palavra feminismo tem origem

francesa e vem da palavra femme, que em francês significa mulher. Feminismo pode

ser então compreendido como tudo aquilo que diz respeito à emancipação das

mulheres.” Já para Alves (2013, p. 113) o feminismo “[...] é entendido como a ação

política das mulheres, englobando teoria, prática e ética.” Ou seja, de forma

simplificada, o feminismo é um movimento político que foi crescendo durante os

anos, pode ser organizado ou não, é formado por mulheres e é a favor da mudança

da sociedade através da igualdade entre homens e mulheres.

Quanto aos objetivos iniciais do feminismo, para Jesus e Almeida (2016,

p. 2) “Podemos dizer que dentre os objetivos do feminismo, estão a superação da

hierarquia que socialmente se estabelece e que resulta em assimetria de gênero.”

Contudo, Miranda (2007, p. 3) afirma que “O feminismo propõe um projeto de

sociedade alternativa e coloca como objetivo a abolição, ou ao menos transformação

profunda, da ordem patriarcal e de seu poder regulador, em nome de princípios de

igualdade, de equidade e de justiça social.” Em outras palavras, inicialmente o

feminismo lutou para garantir a igualdade de oportunidades para as mulheres, tanto

no mercado de trabalho, quanto na política, na educação e em tantos outros

aspectos. Já o feminismo mais recente, além de ter como objetivo combater a

opressão a que estão sujeitas as mulheres, também luta pelo direito ao aborto, pela

violência contra a mulher, pela defesa da maternidade como opção e entre outros.

A luta das mulheres não é somente por uma igualdade econômica e política, as mulheres conquistam seu espaço também para libertar-se das imposições de uma moral construída pela cultura machista, que perpassa no cotidiano de todas as mulheres até os dias atuais, bem como defendem uma sociedade livre de todas as formas de preconceitos e discriminações. (ALVES, 2013, p. 120)

Isto é, de forma geral e simples, o feminismo representa a luta das

mulheres pelos direitos sociais, respeitando as diferenças entre os gêneros. Significa

não aceitar a desvalorização da mulher e consiste em rejeitar qualquer discriminação

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social, pois foi através dos movimentos feministas que as mulheres ganharam força

e passaram a lutar por seus direitos. (TOSCANO; GOLDENBERG, 1992).

2.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO FEMINISTA

Há mais de 200 anos atrás, as mulheres vêm lutando por liberdade e

direitos iguais. O feminismo então veio para ajudar, empoderar o feminino e o

colocar no principal lugar da sua própria história. Um marco considerado importante

na luta organizada das mulheres aconteceu durante a Revolução Francesa. Todavia,

antes disso, a revolução feminina teve que atravessar vários estágios. Se for

considerado os momentos em que as mulheres se rebelaram contra todas as formas

de dominação e exigiram para as mesmas melhores condições de vida, a história

vem de muito antes e vai muito mais além. (OLIVEIRA; CASSAB, 2014)

As primeiras vozes do feminismo, surgiram no século XVII, antes da

Revolução, onde a igualdade de direitos para a mulher ainda era intolerável. “Na

América o século XVII, que antecede a Revolução, é impregnado por ideias de

insubordinação e por mudanças concretas na organização social do país.” (ALVES;

PITANGUY, 1985, p. 29). Ainda de acordo com essas autoras, nessa época, surge

então uma das primeiras vozes de insurreição feminina registrada na história

americana, Ann Hutchinson. Nascida em 1591, Ann foi uma pregadora

extremamente religiosa que afirmava que a mulher e o homem haviam sido criados

iguais perante aos olhos de Deus, se opondo, portanto, aos dogmas calvinistas da

superioridade masculina. Em 1637, Ann foi banida e acusada de “Ter sido mais um

marido que uma esposa, um pregador que um ouvinte, uma autoridade que um

súdito (...) e de ter mantido reuniões em sua casa, um fato intolerável diante de Deus

e impróprio para seu sexo.” (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 30).

Já para Toscano e Goldenberg (1992, p. 17), o movimento feminista só

vai surgir realizando mudanças significativas a partir do século XVIII:

[...] o movimento feminista, enquanto ação organizada de caráter coletivo que visa mudar a situação da mulher na sociedade, eliminando as discriminações a que ela está sujeita, só vai surgir no quadro de mudanças mais profundas que marcaram a história da Europa Ocidental a partir do século XVIII.

Foi na Revolução Francesa que a condição feminina começou a mudar,

as mulheres se apresentaram pela primeira vez como sujeito político e começaram a

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perceber que não precisavam mais ser submissas aos homens. Toscano e

Goldenberg (1992, p. 17) destacam que “A corrida industrial, a expressão mais

evidente da expansão do capitalismo, e a Revolução Francesa, seu paradigma

político, foram o caldo de cultura de onde brotou o feminismo, tal como hoje o

entendemos.” O movimento revolucionário nessa época, se organizou para procurar

colocar um fim a alguns problemas crônicos dos franceses, acabando com os

benefícios da burguesia e formulando uma das mais relevantes declarações já

criadas, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O título “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” diz respeito a dois tipos distintos de direito: direitos do homem, de caráter pré-social, que se atribuem ao homem independentemente de sua integração em uma sociedade política; e direitos do cidadão, que pertencem aos indivíduos enquanto participantes de uma sociedade política. Os primeiros se relacionam com a liberdade, a propriedade e a segurança; os outros, com as liberdades políticas do indivíduo. (BATISTA, 1999, p. 257)

Essa declaração dava aos franceses liberdade, fraternidade e igualdade,

todavia, esses direitos não eram para todos. Alguns da sociedade não tinham toda

essa liberdade para participar dos assuntos franceses, neste caso, o segmento

excluído foi o das mulheres, que tiveram os seus direitos de participação política

barrados pelos homens. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 32) “Ficavam excluídos

da idéia de igualdade, de forma irreversível - porque em nome do sexo e da raça,

fatores biológicos insuperáveis - as mulheres, os negros, os índios.”

Ainda no século XVII, mais especificamente em 1791, uma grande

feminista francesa chamada Marie Gouze, mais conhecida como Olympe de

Gouges, ficou eternamente conhecida por escrever e propor a aprovação da

Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Nascida em 7 de maio de 1748,

Marie era filha de uma família modesta e membro da Sociedade das Republicanas

Revolucionárias, vivia comprometida com o ambiente feudal, com os costumes

patriarcais e com o antigo paradigma que representavam as relações sociais. Para

ela, os padrões da época deveriam ser mudados, pois nenhuma mulher deveria ser

submissa e viver uma vida regrada de fracassos, uma vez que foi graças a mesma

que o homem foi libertado de suas correntes. (ESCALLIER, 2012). A partir disso,

Marie resolveu então lutar pela defesa dos oprimidos e pela igualdade dos sexos. De

acordo com Toscano e Goldenberg (1992, p. 18) “[...] entre as suas reivindicações

incluíam-se o direito ao voto feminino, o direito de exercer uma profissão e o

reconhecimento pela lei e pelo Estado das uniões de fato”. Ou seja, com a

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Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, Marie pretendia igualar à

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembléia

Nacional, isto é, queria a mulher nas mesmas condições de igualdade que as do

homem, tanto nos direitos como nos deveres e na vida política e civil do país.

Portanto, “Assim inseridos entre duas nótulas1 que interpelam homens e mulheres,

os dezassete [sic] artigos da Declaração enunciam princípios que se querem

universalistas e imortais: o direito de todo o ser humano à liberdade e igualdade.”

(ESCALLIER, 2012, p. 227). Marie sabia que isso mudaria pouco a situação da

mulher na sociedade, porém, mesmo assim resolveu lutar pela libertação, pois a

faísca do feminismo já havia sido plantada, mesmo que humildemente. (TOSCANO;

GOLDENBERG, 1992). Marie foi guilhotinada em 1793, durante o período do Terror,

por ter se atrevido a exigir a participação feminina na época onde o sistema político

se negava o direito de cidadania às mulheres. Por fim, Alves e Pitanguy destacam

que:

O discurso de Olympe de Gouges não é uma crítica aos princípios fundamentais do liberalismo. Este discurso, que propõe a inserção da mulher na vida política e civil em condição de igualdade com os homens, tanto de deveres quanto de direitos, será repetido durante todo o século XIX pelas feministas, na sua luta pelo sufrágio. (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 34)

No mesmo século, naquela situação onde as mulheres não eram

consideradas cidadãs, uma escritora inglesa chamada Mary Godwin Wollstonecraft,

publicou um livro intitulado de "A Reivindicação dos Direitos da Mulher”, o qual se

tornaria a principal obra sobre os direitos das mulheres no século XIX e fundador do

feminismo moderno. Nascida em 1759, Mary era escritora, filósofa e também

defensora dos direitos das mulheres. A primeira edição da obra foi publicada em

1792 e era contra o posicionamento conservador do estadista francês, Talleyrand. O

livro defende que as mulheres não são inferiores aos homens, apenas aparentam

ser por não possuírem acesso à educação. De acordo com Alves e Pitanguy (1985,

p. 36) “Nele, contesta que existam diferenças “naturais” no caráter ou na inteligência

de meninos e meninas. A inferioridade da mulher, segundo ela, adviria unicamente

de sua educação.” Ainda segundo Campoi (2011, p. 198) “[...] o livro de

Wollstonecraft fazia coro ao discurso favorável às mulheres, mostrando que o debate

1 Significa notas curtas.

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sobre as expectativas sociais femininas ultrapassou as fronteiras nacionais e

também atravessou o Atlântico.”

Em 1910, Clara Josephine Zetkin, uma importante figura histórica do

feminismo, propôs a criação do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, uma data

fundamental na história do movimento feminista. Clara nasceu em 1857, era membro

do Partido Comunista Alemão, militava junto ao movimento operário e se dedicava à

conscientização feminina. (BADIA, 2003). Com essa proposta, Clara queria

homenagear as mulheres de todo o mundo em sua própria luta pela democracia e

pelo socialismo. A data escolhida foi 08 de março, pois foi nessa data, em 1857, que

operárias de uma indústria têxtil morreram queimadas vivas por exigirem melhores

condições de trabalho aos seus patrões.

Durante o século XIX, o feminismo foi criando forma enquanto movimento,

pois as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho e na sociedade

foram se tornando mais evidentes.

O século XIX levou a divisão das tarefas e a segregação sexual ao seu ponto mais alto. Seu racionalismo procurou definir estritamente o lugar de cada um. Lugar das mulheres: a maternidade e a casa, confinadas às tarefas ditas não-qualificadas, subordinadas. Inexistente no nível político, forte mas contido dentro da família, o lugar das mulheres no século XIX é extremo, quase delirante no imaginário público e privado, seja no nível político, religioso ou poético. (JESUS; ALMEIDA, 2006, p. 03)

Os salários que as mulheres recebiam eram menores, além de sofrerem

isolamento no local de trabalho, partido político e nos processos decisórios. A

exploração de mão-de-obra, a dupla jornada de trabalho e a falta de leis de proteção

à maternidade eram apenas algumas das discriminações sofridas pelas mulheres. Já

o movimento sufragista feminino, conhecido por ter como objetivo conquistar o voto

feminino, surgiu na segunda metade do século XIX. E, junto com o movimento

sufragista, nasceu a primeira onda do feminismo. Para Siqueira (2015, p. 330) a

primeira onda “[...] se caracterizou pelo ataque às diferenças discriminatórias e

insustentáveis entre homens e mulheres; se aqueles podem trabalhar e participar da

condução da vida política da comunidade, não há razão para que essas também não

possam fazê-lo.” A primeira onda foi uma referência à luta sufragista feminina, onde

essa perdurou por muito tempo e tinha como objetivo a conquista do poder político

para as mulheres.

Além da luta pelo voto, outras questões estavam inclusas nesses

movimentos, como a oportunidade de acesso à educação, salários iguais aos dos

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homens, maior proteção no trabalho e na maternidade e ampliação do mercado de

trabalho. Foram várias passeatas, prisões, choques com a polícia, mortes e até

greves de fome para que o direito ao voto seja reconhecido, esse que foi autorizado

apenas em agosto de 1928 pelo Parlamento Inglês, terminando uma luta que havia

se iniciado há 72 anos atrás. Já na França, o feminismo estava mais voltado para as

doutrinas socialistas, ou seja, as bandeiras de luta estavam mais focadas a questões

operárias. Somente depois de 1944 que as francesas obtiveram integralmente o

acesso aos direitos políticos. Ainda segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 48) “Se o

movimento sufragista não se confunde com o feminismo ele foi, no entanto, um

movimento feminista [...] Uma vez atingido seu objetivo - o direito ao voto - esta

prática de luta de massas estava fadada a desaparecer.”

Já durante a década de 1960, o movimento feminista ressurgiu com toda

a força nos Estados Unidos e na Europa. Pinto (2010, p. 16) diz que “O feminismo

aparece como um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher – no

trabalho, na vida pública, na educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma de

relacionamento entre homens e mulheres [...]” E, junto com toda essa mudança,

surge a chamada segunda onda do feminismo. A segunda onda, para Siqueira

(2015, p. 330), “[...] estaria centrada nas questões privadas e no corpo da mulher,

com foco, portanto, nas diferenças relevantes entre os sexos.” Ou seja, essa

segunda onda deu prioridade à luta das mulheres pelo direito ao prazer próprio, pelo

corpo e contra a dominação masculina. Portanto, na década de 60, o feminismo

também começa a englobar outras lutas, como as raízes culturais da desigualdade

entre o feminino e o masculino.

No início da década de 1990, em resposta às falhas da onda anterior,

surgiu a terceira onda do feminismo. A terceira onda, mais uma vez pela visão de

Siqueira (2015, p.330) “[...] recentíssima do ponto de vista histórico, reivindica não

mais a diferença entre homens e mulheres, mas as diferenças entre as próprias

mulheres.” Portanto, a última e terceira onda, até o momento, exige a diferença

dentro da diferença, pois as mulheres não são iguais aos homens e também não são

iguais entre si, por isso acabam aprendendo com as diferenças de classes, religião e

localidade.

A partir disso, no decorrer do século XX até os dias atuais, os movimentos

feministas espalhados pelo mundo, organizados ou não, vieram ganhando mais

visibilidade, lutando contra a discriminação e diversas outras formas de

desigualdade. Porém, Siqueira (2015, p. 351) afirma que “Ainda há problemas, por

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exemplo, no mercado de trabalho feminino; na liberdade da mulher em andar nas

ruas e não ser assediada; na violência praticada contra mulheres parturientes [...]”.

Conclui-se, portanto, que ainda há muito para lutar no que se refere às pautas

femininas e, provavelmente, essas pautas serão aceitas igualmente como em uma

brincadeira de avanços e retrocessos, vitórias e derrotas, até atingir o sucesso.

2.2 O FEMINISMO NO BRASIL

O movimento organizado feminista surgiu no Brasil apenas na segunda

década do século XX onde, primeiramente, lutou pelo direito ao voto. Até esse

momento, o feminismo só havia se destacado uma ou outra vez por algumas poucas

mulheres mais avançadas, como foi o caso de Dionísia Gonçalves Pinto, primeira

feminista do Brasil e considerada uma pioneira do feminismo no país. Nascida em

1810 no Rio Grande do Norte, Dionísia Gonçalves Pinto, mais conhecida por Nísia

Floresta, era uma escritora e professora que tratava da condição feminina, publicou

vários livros e ficou conhecida por fazer duras críticas ao ensino feminino da época.

(CAMPOI, 2011).

Entre o final do Segundo Império e a Primeira Grande Guerra, o Brasil

passou por muitas mudanças importantes. Toscano e Goldenberg (1992, p. 26)

acreditam que “As idéias feministas vieram no bojo de tais mudanças, refletindo os

movimentos que eclodiam na Europa, cuja tônica era a luta pela participação maior

da mulher na vida política e nos centros de decisão.” A partir disso, Bertha Lutz,

pioneira do movimento feminista no Brasil, decidiu lutar pelos direitos iguais entre

homens e mulheres e pelo direito ao voto feminino. Segundo Sousa, Sombrio e

Lopes (2005, p. 315) “O seu feminismo dos anos 20-30, já foi rotulado como de elite,

conservador, bem comportado, jurídico-institucional, senão mais do que isso.”

Nascida em São Paulo em 1894, ela era incentivada desde pequena pelo pai a

estudar e trabalhar. Esse foi um dos motivos que fizeram com que Bertha tivesse

sabedoria e força o suficiente para lutar contra a discriminação que a mulher sofria

na época. Bertha criou então, em 1919, a Liga pela Emancipação Feminina, alterada

em 1922 para Federação Brasileira para o Progresso Feminino, a fim de promover a

educação e profissionalização das mulheres.

O direito ao voto foi conquistado somente em 1932 e o direito a proteção

do trabalho feminino veio a ser conquistado entre os anos de 1932 e 1943, com a

solidificação das leis do trabalho. De acordo com Toscano e Goldenberg (1992),

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esse primeiro momento do feminismo é caracterizado por ser organizado, porém,

não revolucionário.

A partir de 1937 até 1970, poucos foram os movimentos feministas que

ocorreram durante esses anos, todavia, em 1950, houve um movimento importante

para o feminismo, que foi a luta contra o alto custo de vida. Barreira (2003, p. 239)

justifica essa falta de movimentos organizados da seguinte forma: “Com o golpe de

1937 ocorre um longo período de refluxo do movimento feminista que se estende até

as primeiras manifestações nos anos 1970.”

Já no início dos anos 70, quando o Brasil passava pela ditadura militar,

um novo feminismo surgiu, o qual era chamado de “mal comportado”, pois começava

a enfrentar tabus e a justiça, diferente do anterior. Nessa época, em 1972, se

manifestou um marco importante para a história do feminismo, um congresso

promovido pelo Conselho Nacional de Mulheres no Brasil, liderado pela advogada

Romy Medeiros da Fonseca, onde reuniu milhares de grupos de mulheres para

reuniões em São Paulo e Rio de Janeiro. Conforme Toscano e Goldenberg (1992, p.

31):

A tônica desse Conselho, daí por diante, foi posta nas questões jurídicas que afetavam a mulher, levantando a discussão em torno de alguns pontos cruciais que seriam mais tarde incorporados ao Código Civil, como o princípio de igualdade entre marido e mulher no casamento e a introdução do divórcio na legislação brasileira.

O ano de 1975 é marcado pelo momento de expressividade do

movimento feminista, pois os grupos organizados deixaram de ser somente

fechados e começaram a incorporar em segmentos sociais em eventos maiores

inserindo, portanto, a participação da mulher na esfera pública. Um evento

considerado importante que ocorreu na mesma época, foi o decreto da Organização

das Nações Unidas para o Ano Internacional da Mulher. A partir disso, segundo

Barreira (2003, p. 239) “O feminismo no Brasil se fortalece com o evento organizado

para comemorar o Ano Internacional, realizado no Rio de Janeiro [...] e com a

criação do Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira.” Outro movimento

importante que ocorreu no mesmo ano foi o Movimento pela Anistia, fundado por

Therezinha Zerbini. Esse movimento lutou contra os civis e militares que estavam no

poder na época.

Já na década de 80, nessa quadra histórica, novos temas surgiram no

movimento feminista, abrangendo não somente o tema político, como também a

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violência e a saúde. Conforme Oliveira e Cassab (2014, p. 5) “Essa mudança

aconteceu também com os programas televisivos, onde eram abordados temas que

antes nem sequer eram cogitados de serem mostrados.” Em praticamente na

maioria dos aspectos, o movimento feminista começou a concentrar a luta contra a

ordem social. Ainda, de acordo com Barreira (2003, p. 137), “Registra-se, ainda,

nesse período, a presença de mulheres na delegacia, vista antes como espaço

exclusivamente masculino, dando visibilidade a agressões antes restrita à área

privada.”

A partir da década de 90, o movimento feminista tomou outras formas de

pensamento, os quais foram divididos em dois cenários. O primeiro trata-se à

dissociação entre o movimento e o pensamento feminista. Já o segundo se refere ao

crescimento e profissionalização do movimento. De acordo com Pinto (2010, p. 17):

Ainda na última década do século XX, o movimento sofreu, seguindo uma tendência mais geral, um processo de profissionalização, por meio da criação de Organizações Não-Governamentais (ONGs), focadas, principalmente, na intervenção junto ao Estado, a fim de aprovar medidas protetoras para as mulheres e de buscar espaços para a sua maior participação política.

Conforme o passar do tempo, muitas conquistas foram acontecendo, mas

foi a partir da IV Conferência Mundial da Mulher que os planos feministas se

voltaram para os direitos humanos, com ênfase na violência contra a mulher, com

atos de manifestações organizadas, passeatas e eventos, solicitando também

alteração no Código Penal. A partir disso, o feminismo só foi ganhando força, uma

prova disso são as conquistas que vieram logo após, como a instituição da

Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, vinculada à Justiça em 2002, a

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e 2003, tendo como função a

articulação de políticas públicas para mulheres que atendam aos interesses e/ou

necessidades das mulheres brasileiras. (OLIVEIRA, 2014). Miranda (2015, p. 54)

afirma que “A criação desses espaços institucionais demonstrou o êxito alcançado

pelos movimentos feministas brasileiros em suas articulações com o Estado.”

Apesar de todos esses avanços terem sido conquistados durante anos

pelo movimento feminista, atualmente a mulher ainda sofre com algumas

discriminações. Segundo Borges e Figueiredo (2015, p. 2) “As vitórias da classe,

ainda não eliminaram totalmente os privilégios do mundo patriarcal, fazendo do

feminismo uma constante necessária nos dias de hoje [...].” Martini e Souza (2015, p.

2) também acreditam que a luta por direitos ainda não terminou:

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Muitos anos se passaram e o que vimos e ouvimos ainda, nos meios de comunicação são mulheres passando por inúmeros conflitos. Mulheres que buscam mudar sua história, engajadas em movimentos para transformar a sociedade, mudar a visão que as culturas possuem sobre sexo feminino, conquistar espaços igualitários dentro do ciclo de sua convivência.

Todavia, por outro lado, a mulher não é mais vista pela maioria como

frágil, incapaz de assumir papéis que antes não lhe eram permitidos. Ainda de

acordo com Martini e Souza (2015, p. 4) “O sexo feminino passa a ser visto com

outro olhar, a mulher passa ser tratada com mais respeito [...]”. A independência

econômica das mulheres colaborou para a autoestima das mesmas. Hoje, com a

conquista das mulheres por um melhor poder aquisitivo, por poder participar da

política e por uma melhor educação, está fazendo com que mudem os arquétipos

femininos que foram herdados da dominação masculina. O perfil de mulher que o

feminismo busca deixar é de que a mulher é forte, persistente e independente, pois

a mulher não é somente uma dona de casa e mãe, ela é uma guerreira que assume

responsabilidades familiares, econômicas e que está a cada dia mais sendo

protagonista da sua própria história. (VALEK, 2014)

2.3 JUNG E OS ARQUÉTIPOS

Antes de explicar o conceito de arquétipos, é importante compreender de

que forma foi feita a divisão da psique de acordo com Jung. Para Jung, o

inconsciente é dividido em duas camadas, sendo estas chamadas de inconsciente

pessoal e inconsciente coletivo. O inconsciente pessoal é a camada mais superficial

do inconsciente, ou seja, é formado por lembranças ou emoções individuais que

estão reprimidas na consciência de cada pessoa. Jung (2008, p. 22) afirma que “Os

materiais contidos nesta camada são de natureza pessoal porque se caracterizam,

em parte, por aquisições derivadas da vida individual e em parte por fatores

psicológicos, que também poderiam ser conscientes.” Isto é, o inconsciente pessoal

é exclusivo da pessoa, pois é criado a partir de suas experiências de vida. Já a

segunda camada, o inconsciente coletivo, é totalmente universal. A camada não é

formada por experiências individuais de cada um, mas sim por experiências

humanas herdadas. Segundo Jung (1979, p. 13) o inconsciente coletivo possui “não

só componentes de ordem pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma

de categorias herdadas, ou arquétipos.” Em outras palavras, essas experiências são

um conjunto de sentimentos compartilhados por toda a humanidade.

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Para Jung, nessa segunda parte do inconsciente da psique, existem

imagens, essas chamadas de arquétipos, que cada indivíduo herda de seus

ancestrais.

O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2000, p. 53)

Esses conteúdos são imagens universais primordiais que existiram desde

os tempos mais antigos. Ainda de acordo com JUNG (2009, p. 203):

Cada homem sempre carregou dentro de si a imagem da mulher; não é a imagem desta determinada mulher, mas a imagem de uma determinada mulher. Essa imagem, examinada a fundo, é uma massa hereditária inconsciente, gravada no sistema vital e proveniente de eras remotíssimas; é um "tipo" ("arquétipo") de todas as experiências que a série dos antepassados teve com o ser feminino, é um precipitado que se formou de todas as impressões causadas pela mulher, é um sistema de adaptação transmitido por hereditariedade.

Para Jung, essa imagem da mulher que o homem carrega é denominada

de anima, parte do arquétipo que existe no inconsciente, que é a essência feminina

que vive no homem. Em contrapartida, o animus é o oposto, é a essência masculina

que vive no inconsciente da mulher. Não tem nada relacionado com gênero, significa

que o masculino tem que ter o feminino e o feminino tem que ter o masculino. De

acordo ainda com Jung, uma pessoa pode ter vários tipos de animus, como por

exemplo, o protetor, o campeão. E vários tipos de anima, como: a mãe, a virtuosa, a

espiritual.

Uma expressão típica para a transmissão de conteúdos coletivos seria a

forma como os tribais primitivos tratavam os arquétipos, pois o conteúdo não era

inconsciente, mas sim consciente, pois eram transmitidos através da tradição.

Os ensinamentos tribais primitivos tratam de arquétipos de uma forma peculiar. Na realidade, eles não são mais conteúdos do inconsciente, pois já se transformaram em fórmulas conscientes, transmitidas segundo a tradição, geralmente sob forma de ensinamentos esotéricos. Estes são uma expressão típica para a transmissão de conteúdos coletivos, originariamente provindos do inconsciente. (JUNG, 2000, p. 17)

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Outra forma de expressão conhecida dos arquétipos é por meio do conto

de fadas e o mito, que também são transmitidas através de longos períodos de

tempo. (JUNG, 2000). Jung ainda afirma que, mesmo que uma pessoa não conheça

conscientemente um mito, lenda ou alguma determinada história mitológica, é

possível que essa mesma pessoa sonhe com isto, pois nosso corpo e mente são

depósitos de histórias herdadas do passado.

Visto isso, para compreender melhor o conceito de arquétipos e seus

tipos segundo Jung, segue uma explicação mais aprofundada do assunto.

2.3.1 Arquétipos

A origem da palavra arquétipo veio do grego arkhétypon/, pelo latim

archetypum.i/ e pelo francês archétype, segundo a etimologia. Arquétipo significa, de

acordo com a filosofia, mais especificamente no ponto de vista de Platão, uma ideia

ou modelo originário utilizado como padrão de origem e princípio para se explicar os

objetos sensíveis. Já para a psicologia, neste caso Jung, os arquétipos são as

imagens que permanecem no inconsciente coletivo e são universais.

A imagem primordial ou arquétipo é uma figura, seja um demônio, homem, ou processo, que se repete no curso da história sempre que a fantasia criativa se manifesta plenamente. Essencialmente, portanto, é uma figura mitológica. Se submetermos essas imagens a um exame mais acurado, descobriremos, que elas são as resultantes formuladas de um sem-número de experiências típicas de nossos antepassados. Elas são, poder-se-ia dizer, o resíduo psíquico de inúmeras experiências do mesmo tipo. (1928 apud JUNG; MCLUHAN, 1973, p. 34)

Em outras palavras, os arquétipos são um conjunto de imagens

primordiais armazenadas no inconsciente coletivo, ou seja, essas imagens são

criadas a partir de uma repetição de uma mesma experiência durante várias

gerações, que se manifestam através de sonhos, mitos e fantasias de maneira

simbólica. Um exemplo disso são as estórias, essas que são passadas de geração a

geração e que são cheias de significado e arquétipos, criadas para mostrar o que

existe no inconsciente.

Além disso, para Jung, os arquétipos são como instintos que orientam

comportamentos e agem no pensamento do indivíduo, influenciando nas ações do

mesmo. Jung (1942, p. 109) diz que “Cada vez que um arquétipo aparece em sonho,

na fantasia ou na vida, ele traz consigo uma “influência” específica ou uma força que

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lhe confere um efeito luminoso e fascinante ou impele à ação.” Ou seja, os

arquétipos se reúnem profundamente no inconsciente coletivo do indivíduo e de lá

formam um molde que, de alguma forma, influenciam e dão sentido ao que acontece

com o mesmo. Ainda de acordo com Jung (1964, p. 69) “[...] estes instintos podem

também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença

apenas através de imagens simbólicas. São a estas manifestações que chamo

arquétipos.” Porém, é importante ressaltar que os arquétipos não expressam uma

imagem definida, e sim uma variação nos detalhes, todavia, mantendo sempre a sua

configuração original.

Desta forma, compreende-se que todos os indivíduos possuem uma

organização mental semelhante, pois a essência do arquétipo é a mesma

independente da cultura, o que muda é a forma que o indivíduo irá lidar com a

situação, que aí sim depende da cultura em que ele está inserido.

Há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo percepção e ação. Quando ocorre na vida algo que corresponde a um arquétipo, este é ativado e surge uma compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva contra toda razão e vontade, ou produz um conflito de dimensões eventualmente patológicas. Isto é, uma neurose. (JUNG, 2000, p. 58)

Isto é, do ponto de vista de Jung, os arquétipos são formas já existentes

que são acessados na consciência, por meio de imagens. Por mais que a

manifestação desse arquétipo seja pessoal, a base instintiva é igual para todos.

2.3.2 Anima e Animus

Jung deu importância a determinados arquétipos além do Anima e

Animus, como a persona, a sombra e o eu. Porém, neste trabalho, abordarei

somente o arquétipo Anima e Animus, pois será relevante para o restante do

mesmo.

Anima e Animus vem do termo em latim animare e significam,

respectivamente, alma e espírito. Jung deu esses nomes a esses arquétipos pois

percebia uma semelhança entre Anima e Animus e almas e espíritos animadores.

Ainda segundo Jung (2008, p. 92) “A anima, sendo feminina, é a figura que

compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensadora é de caráter

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masculino e pode ser designada pelo nome de animus.” Deste modo, basicamente,

Anima é o lado feminino encontrado no inconsciente masculino e Animus é o oposto,

ou seja, o lado masculino encontrado no inconsciente feminino.

De acordo com Jung, Anima e Animus são um dos principais arquétipos

que influenciam as atitudes diárias das pessoas e todas, sem exceção, possuem

tanto aspectos femininos quanto masculinos em suas próprias mentes. Essas

atitudes são influenciadas, portanto, pela Anima e Animus e, cada um desses

arquétipos, é exemplificado por figuras específicas explicadas por Jung, isto é,

apresenta quatro estágios de desenvolvimento. Dito isso, o arquétipo Anima é

representado primeiramente pela figura de Eva (relacionamento biológico, instintivo

e sexual), segundo pela figura de Helena de Tróia (relacionamento mais romântico),

terceiro pela figura da Virgem Maria (amor espiritual, maternidade) e por último pela

figura da Deusa Atena (sabedoria).

Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem — os humores e sentimento s instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim, mas nem por isso menos importante, o relacionamento com o inconsciente. (JUNG, 2008, p. 177)

Já o arquétipo Animus é representado primeiramente pela figura de um

atleta ou “homem musculoso” (força física e agilidade), segundo pelo herói de guerra

(capacidade de planejamento), terceiro pelo condutor (o grande orador) e por último

pelo sentido (verdade espiritual). (JUNG, 2008). Essas representações servem para

que no processo de individuação2 de cada um, tanto o homem quanto a mulher,

aprendam a utilizar esses estágios do arquétipo Anima e Animus, a fim de

encontrarem a sua verdade mais profunda no inconsciente.

Quando um homem descobrir e entrar em contato com sua Anima, o

arquétipo irá tentar influenciá-lo com atitudes consideradas mais femininas, como a

fraternidade, intuição, generosidade, gentileza etc. Usando essas influências de

forma singela, o mesmo passará a ser mais cuidadoso com sua aparência, será

mais intuitivo, paciente, amoroso, ou seja, terá também características presentes no

universo feminino, todavia, sem perder a predominância de sua natureza masculina.

Da mesma forma acontecerá com a mulher, quando entrar em contato com o

Animus irá apresentar características consideradas mais do universo masculino,

2 Quando Jung fala de individuação, ele se refere ao caminho que é direcionado pelos símbolos

arquetípicos (também imagens mitológicas) que surgem de repente, de acordo com a natureza da pessoa.

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como a racionalidade, força, objetividade, coragem etc. Quando utilizar as

influências de forma equilibrada, irá desenvolver seu lado racional, irá adquirir

firmeza espiritual e se dará melhor em desempenhar cargos maiores no trabalho.

Jung (2008, p. 190) diz que “[...] o animus pode tornar-se um companheiro interior

precioso que vai contemplá-la com uma série de qualidades masculinas como a

iniciativa, a coragem, a objetividade e a sabedoria espiritual.”. Ou seja, atingindo os

quatro estágios, a mulher terá a sua feminilidade bem cuidada, não precisando ser

mais agressiva e competitiva.

Entretanto, como todo o lado positivo tem o seu lado negativo, com os

arquétipos Anima e Animus não é diferente. Se tanto o homem quanto a mulher se

deixarem dominar pelas atitudes que são influenciadas pela Anima e Animus,

ocorrerão desorganizações em suas mentes. Mais especificamente no arquétipo

Anima, Jung nos mostra o que pode vir a ser negativo no homem:

Nas suas manifestações individuais o caráter da anima de um homem é, em geral, determinado por sua mãe. Se o homem sente que a mãe teve sobre ele uma influência negativa, sua anima vai expressar-se, muitas vezes, de maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e susceptível. [...] Outra maneira pela qual a anima se manifesta de forma negativa na personalidade de um homem é revelada no tipo de observação rancorosa, venenosa e efeminada que ele emprega para desvalorizar todas as coisas. (JUNG, 2008, p. 178)

Já no Animus, Jung ainda nos mostra a parte negativa do arquétipo na

mulher:

O animus negativo não aparece apenas como o demônio da morte. Nos mitos e contos de fadas faz o papel de assaltante ou o de assassino. [...] Sob esta forma, o animus personifica todas as reflexões semiconscientes, frias e destruidoras que invadem uma mulher durante as horas da madrugada, especialmente quando ela deixou de realizar alguma obrigação ditada pelos seus sentimentos. [...] Acalentando secretamente estas atitudes destruidoras, uma mulher pode levar o marido ou a mãe pode levar os filhos a adoecerem, se acidentarem ou até mesmo morrerem. (JUNG, 2008, p. 191)

Embora seja um conflito lidar com esses pontos negativos, o Anima e

Animus é o que vivifica, é o que anima e faz a vida acontecer de verdade. Nós

vamos nos desenvolvendo como pessoas durante a vida, mas o grande salto que

nós damos a partir do momento em que entramos em contato com os arquétipos

Anima e Animus é o que faz a diferença entre homens medíocres que somos e entre

grandes homens, pois esses grandes indivíduos conseguiram ao longo da vida

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controlar essas energias dentro de si, trazendo essas influências para o lado positivo

e para seu próprio crescimento. Nomes como Maria da Penha, Nísia Floresta,

Dandara, Leolinda Daltro, Leila Diniz entre muitos outros, são alguns dos nomes de

importantes mulheres que deixaram a presença do Animus interior influenciar em

suas ações quando resolveram lutar pelos direitos das mulheres em diversas

situações, pois não lhe faltaram força e coragem para enfrentar qualquer represália.

(REIKDAL, 2015)

2.3.3 A criação de símbolos e o desenvolvimento de mitos

Primeiramente, precisamos entender que o inconsciente se manifesta

através de símbolos. E esses símbolos, para Jung (2008), são um termo, nome ou

uma imagem que podem ser familiares ao indivíduo, apesar de possuir conotações

especiais além do seu próprio significado convencional. Ou seja, o símbolo, ao

contrário do sinal, não possui apenas um significado óbvio, mas possui sempre um

significado além que não pode ser explicado plenamente. Como por exemplo, o

nome de Jesus, ele é considerado um símbolo, pois não carrega apenas um nome,

mas carrega muitas outras coisas que não podem ser explicadas e que vivem no

nosso inconsciente.

Já os símbolos podem se manifestar, ainda de acordo com Jung, por meio

de sonhos (2008, p. 55), “Nos sonhos os símbolos ocorrem espontaneamente, pois

sonhos acontecem, não são inventados; eles constituem, assim, a fonte principal de

todo o nosso conhecimento a respeito do simbolismo.” Porém, não são apenas nos

sonhos que os símbolos se manifestam, eles também podem se manifestar em

todos os tipos de manifestações psíquicas, o que pode levar o indivíduo ao encontro

dos arquétipos que habitam no seu inconsciente.

A partir disso, Jung separou os símbolos em dois grupos, ambos bem

distintos, chamados de naturais e culturais. Os símbolos naturais são formados por

imagens coletivas, onde sua existência pode ter raízes arcaicas, ou seja, imagens

que podem ser encontradas nas histórias antigas.

Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique e,

portanto, representam um número imenso de variações das imagens

arquetípicas essenciais. Em alguns casos pode-se chegar às suas origens

mais arcaicas — isto é, a idéias e imagens que vamos encontrar nos mais

antigos registros e nas mais primitivas sociedades. (JUNG, 2008, p. 89)

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No caso dos símbolos culturais, eles são formados por diversas

influências de aspectos da natureza, isto é, são imagens coletivas aceitas pela

sociedade.

Os símbolos culturais, por outro lado, são aqueles que foram empregados

para expressar "verdades eternas" e que ainda são utilizados em muitas

religiões. Passaram por inúmeras transformações e mesmo por um longo

processo de elaboração mais ou menos consciente, tornando-se assim

imagens coletivas aceitas pelas sociedades civilizadas. (JUNG, 2008, p. 89)

Portanto, de acordo com Jung, símbolo não significa uma invenção

literária ou uma criação pessoal, mas significa uma propriedade particular da

condição humana. Além disso, toda a ação e pensamento consciente que temos é

um resultado do processo do nosso inconsciente de simbolização de uma situação

vivenciada.

Diferentemente do símbolo, o mito são relatos expressivos de épocas em

que a experiência humana e os acontecimentos não podiam ser escritos. Para

Campbell (1990, p. 16):

[...] aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida e depois à morte. Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos. E conforme a humanidade for passando por novos acontecimentos, vai adquirindo também novas habilidades e, consequentemente, os mitos vão se transformando.

Isto é, o mito são expressões simbólicas das ações e sentimentos que

permanecem no inconsciente de uma sociedade.

2.4.1 Os 12 Arquétipos de Mark e Pearson

Mark e Pearson (2001), levando em consideração os estudos de Jung

sobre arquétipos e após anos pesquisando sobre a base arquetípica de algumas

marcas de sucesso, acreditam e tentam mostrar em sua teoria como os arquétipos

podem ser utilizados para fortalecer e dar significado a uma marca. Ainda segundo

as autoras (2001, p. 26), o resultado da pesquisa sobre o que a psicologia

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32

arquetípica poderia oferecer para contribuir na criação de uma publicidade mais

eficaz foi muito mais além do que esperado:

A psicologia arquetípica ajuda-nos a compreender o significado intrínseco

das categorias de produto e, consequentemente, ajuda os profissionais de

marketing a criar identidades de marca duradouras que estabelecem o

domínio do mercado, evocam nos consumidores o significado e o fixam, e

inspiram a lealdade do consumidor – tudo isso, potencialmente, de maneira

socialmente responsável.

Portanto, se os arquétipos forem compreendidos corretamente, poderão

trazer certa vitalidade rara para a marca ou empresa, isto é, eles estabelecerão uma

identidade de marca memorável que suportará o teste do tempo e que resultará em

um sucesso duradouro. (MARK; PEARSON, 2001). Todavia, para que essa teoria

pessoal de Mark e Pearson pudesse ser explicada, os arquétipos foram classificados

em 12 categorias, esses que se expressaram com frequência nas atividades

comerciais das marcas analisadas pelas autoras e que ainda guiam a humanidade

desde os primórdios até a atualidade. Os dois quadros abaixo mostram os

arquétipos, bem como suas funções básicas na vida das pessoas e suas

características definidas por Mark e Pearson.

Características Básicas

Arquétipo Desejo

Básico Meta Medo Estratégia Dons

a

O Inocente

Vivenciar o

paraíso Ser feliz

Fazer algo

errado ou ruim

que provocará

punição

Fazer as

coisas direito Fé e otimismo

O

O

Explorador

Liberdade

para descobrir

quem você é,

mediante a

exploração do

mundo

Experimentar

uma vida

melhor, mais

autêntica,

mais

gratificante

Cair numa

armadilha,

conformidade,

vazio interior,

inexistência

Viajar, buscar

e

experimentar

coisas novas,

escapar das

armadilhas e

do tédio

Autonomia,

ambição,

capacidade de

ser fiel à própria

alma

(Continua)

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33

(Continuação)

O

O Sábio

A descoberta

da verdade

Usar a

inteligência e a

análise para

compreender

o mundo

Ser enganado

e iludido; a

ignorância

Buscar

informação e

conhecimento

; autorreflexão

e

compreensão

dos processos

de

pensamento

Sabedoria,

inteligência

O

O Herói

Provar o

próprio valor

por meio da

ação corajosa

e difícil

Exercer a

maestria de

modo a

melhorar o

mundo

Fraqueza,

vulnerabilidade

,“amarelar”

Tornar-se tão

forte,

competente e

poderoso

quanto lhe for

possível ser

Competência e

coragem

O

O Fora-

da-lei

Vingança ou

revolução

Destruir aquilo

que não

funciona (para

ele próprio ou

para a

sociedade)

Não ter poder,

ser comum ou

inconsequente

Rebentar,

destruir ou

chocar

Irreprimível,

liberdade radical

O

O Mago

Conhecer as

leis

fundamentais

do

funcionament

o do mundo

ou do

universo

Tornar os

sonhos

realidade

Consequência

s negativas

inesperadas

Desenvolver

uma visão e

vivê-la

Encontrar

resultados “ganha

– ganha

O

O Cara

Comum

Conexão com

os outros

Pertencer,

adequar-se

Destacar-se ou

parecer que

está dando

ares de

importância, e

por isso ser

rejeitado

Desenvolver

sólidas

virtudes

comuns, o

toque comum,

mesclar-se

Realismo,

empatia,

ausência da

vaidade

O

O Amante

Conseguir

intimidade e

experimentar

o prazer

sensual

Manter um

relacionament

o com as

pessoas, o

trabalho, as

experiências

que ama

Ficar sozinho,

“tomar chá de

cadeira”, ser

indesejado,

não ser amado

Tornar-se

cada vez mais

atraente,

emocionais e

todos os

outros

Paixão, gratidão,

apreço,

comprometimento

O

O Bobo

da Corte

Viver no

momento

presente, com

alegria total

Divertir-se e

alegrar o

mundo

Aborrecer-se

ou ser

maçante

Brincar, fazer

piadas, ser

engraçado

Alegria

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34

(Continuação)

O

O

Prestativo

Proteger os

outros do mal

Ajudar os

outros

Egoísmo,

ingratidão

Fazer coisas

pelos outros

Compaixão,

generosidade

O

O Criador

Criar algo de

valor

duradouro

Dar forma a

uma visão

Ter uma visão

medíocre ou

ser medíocre

na execução

Desenvolver

controle e

aptidão na

área artística

Perfeccionismo,

criação

equivocada

O

O

Governant

e

Controle

Criar uma

família,

empresa ou

comunidade

próspera e

bem-sucedida

Exercer a

liderança

Caos, ser

destituído

Responsabilidade

, liderança

Características Positivas e Negativas

Arquétipo Positivas Negativas

O Inocente Desejo de pureza, bondade e

simplicidade Negação, repressão

O Explorador

Explorar o mundo, insatisfação,

inquietude, anseio e

individualidade

Alienação, tédio

O Sábio Desejo profundo de encontrar a

verdade

Confusão, dogmatismo, torre de

marfim, desligamento da

realidade

O Herói Força, competência, coragem e

mestria

Desumanidade e necessidade

obsessiva de vencer

O Fora-da-lei Revolucionário Comportamento criminoso ou

prejudicial

O Mago Transformador, carismático e

inovador Manipulação e feitiçaria

O Cara Comum Humanitário e amigo

Vítima que prefere sofrer abuso

ao invés de ficar sozinha; ou a

pessoa disposta a praticar

qualquer ato a fim de pertencer

à uma gangue

Page 35: ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ......mudança positiva na criação de personagens femininas, as quais assumem o papel de heroína e não mais o perfil arquetípico mais

35

(Continuação)

O Amante Amor espiritual, auto aceitação

e fiel

Promiscuidade, obsessão,

ciúme, inveja

O Bobo da Corte Divertido, esperto e

transformador

Auto complacência,

irresponsabilidade, brincadeiras

mesquinhas

O Prestativo Generoso, preocupado com o

mundo e cuidadoso

Martírio, transferência do poder

pessoal, a “viagem” da culpa

O Criador Criativo, inovador e

influenciador

Dramatizar demais a própria

vida, vivendo um melodrama

O Governante Responsável, líder e focado Comportamentos tirânicos ou

manipuladores

(Conclusão) Fonte: Quadro criado pela estudante com base nas autoras Mark e Pearson (2001).

Cada arquétipo possui suas características, algumas mais predominantes

do que outras. De forma breve, segundo as autoras, enquanto o arquétipo “O

Inocente” busca a realização no aqui e agora, “O Explorador” vai sempre à procura

dela, e “O Sábio” diz que a felicidade é o resultado da instrução. Já os arquétipos “O

Herói”, “O Fora-da-Lei” e “O Mago”, possuem a capacidade de enfrentar os desafios

do cotidiano, de correr riscos e quebrar as regras. O arquétipo “O Cara Comum”

possui o senso de adequação que o faz capaz de ver o valor de todas as pessoas, e

não só daquelas que se destacam. “O Amante” auxilia no processo de se tornar

atraente para os outros, além de ajudar a desenvolver aptidões para a intimidade

sexual. “O Bobo da Corte” ensina a viver com leveza, a viver o momento presente

sem se preocupar com que os outros pensam. “O Prestativo” ajuda a resolver o

problema dos outros, porém, é menos focado em seus próprios problemas. “O

Criador” exerce o controle através de um poema criado, uma pintura, uma

composição musical ou um produto, pois o ato de criar uma experiência de forma

artística dá senso de controle. E, por fim, o arquétipo “O Governante” tem a

responsabilidade de tornar a vida o mais previsível possível e, para isso, assume o

controle das situações, inclusive quando se está fora de controle.

2.5.2 Os 10 Arquétipos de Caroline Myss

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36

Já com o objetivo bastante diferente de Mark e Pearson, a autora Caroline

Myss pretende ajudar cada indivíduo a encontrar e se conectar com o seu próprio

arquétipo interior, descobrir qual que o influencia nas ações bem como qual se

expressa em sua vida. (MYSS, 2013). A autora acredita que, embora os arquétipos

sejam símbolos coletivos compartilhados por culturas, eles também passam

mensagens individuais, ou seja, padrões arquetípicos pessoais que são o alicerce

de motivações, impulsos, crenças e ações, que influenciam os nossos

relacionamentos durante a vida. Ainda segundo Myss (2013, p. 21) “Somos atraídos

por filmes, livros e videogames com personagens que representam nossa imagem

de poder.” E durante toda a vida, desde o nascimento, o indivíduo padroniza essas

imagens e vive inconscientemente esses arquétipos, que são como energias.

Entretanto, além de possuir esses arquétipos em sua mente, o indivíduo também

examina e procura, consciente ou não, o mundo em busca de padrões arquetípicos

nas pessoas, pois isso é uma parte natural do mecanismo intuitivo de sobrevivência.

Ainda referente aos padrões arquetípicos, Myss (2013, p. 31) afirma que

“De acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade, as imagens arquetípicas

que nos influenciam também se transformam, alterando nossas definições de

beleza, poder e objetivos de vida.” Ou seja, esses padrões arquetípicos, na visão da

autora, vivem em mudança constante, pois cada época possui sua definição de

arquétipo, como por exemplo, a mulher com características de cuidadora, ela pode

ter um lado rebelde apenas por se adaptar à vida em um mundo tão diferente

daquele em que as mulheres de outras gerações viviam. (MYSS, 2013). A partir

disso, Myss apresenta 10 padrões arquetípicos que refletem as tendências dos

tempos modernos: a advogada, a artista/criativa, a atleta, a cuidadora, a fashionista,

a intelectual, a rainha/executiva, a rebelde, a buscadora espiritual e a visionária.

No quadro a seguir, serão apresentadas as características de cada um

desses arquétipos pela visão da autora, a fim de compreender as questões básicas

que definem as mulheres atualmente.

Arquétipo Desafio Principal Missão Estado

Positivo Estado Negativo

(Continua)

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37

(Continuação)

A Advogada

Encontrar uma

causa que

envolva sua força

e talento em vez

de sua raiva ou

reivindicações

pessoais

Ser uma

representante

consciente das

mudanças

sociais/ambientais

positivas

Esperança

Acreditar que os

outros devem

reconhecer o valor

do seu trabalho.

A Artista/Criativa

Superar o medo

de não ser

original

Cultivar a

imaginação e

explorar novas

maneiras de

expressão criativa

Criatividade

Medo de ser uma

pessoa comum;

Medo de não ser

reconhecida

A Atleta

Respeitar os

pontos fortes e as

limitações do seu

corpo

Experimentar a

vida por meio da

força e resistência

do corpo físico

Determinação

Acreditar que a

força física é

suficiente para

atingir todos os

objetivos

A Cuidadora

Receio de ser

egoísta ou

incapaz de cuidar

dos outros

Cuidar dos outros

da maneira que

não são capazes

de cuidar de si

mesmas

Compaixão

Sentir-se

rancorosa e

desamparada

A Fashionista

Desenvolver as

qualidades

pessoais e a

expressão da

beleza

Buscar uma vida

que não se

fundamente

apenas na

aparência

Exuberância

O patinho feio que

nunca se torna

cisne

A Intelectual

Permanecer

aberta a novas

ideias

Buscar o

conhecimento pelo

conhecimento e

descobrir a verdade

em todas as suas

expressões

Sabedoria

Usar habilidades

intelectuais para

manipular e

comprometer a

verdade

A

Rainha/Executiva

Identificar a causa

nas quais vale a

pena investir

poder e influência

Aprender a ser

responsável pelo

bem-estar dos

outros

Generosidade

Comprometer sua

integridade para

manter seu trono

A Rebelde

Encontrar a

própria voz e a

maneira de

expressão

Quebrar as

barreiras que

restringem a

liberdade

Justiça

Confrontar um

ego motivado por

interesses

pessoais para

ganhar a atenção

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38

(Continuação)

A Buscadora

Espiritual

Criar um estilo de

vida que combine

suas

necessidades

espirituais,

emocionais e

físicas

Tornar-se uma

pessoa

espiritualmente

harmoniosa

Humildade

Nada de ruim vai

acontecer, porque

estou em um

caminho espiritual

A Visionária

Permanecer

comprometida

com uma nova

visão por tempo

suficiente para

vê-la concretizada

Trazer o futuro para

o presente Coragem

Abusar do seu

poder visionário

para imaginar os

piores resultados

possíveis

(Conclusão) Fonte: Quadro criado pela estudante com base na autora Myss (2013).

Myss (2013) explica que esses dez arquétipos apresentados trazem

questões que definem as mulheres da atualidade, incluindo seus conflitos pela

procura do crescimento pessoal e profissional. Todavia, os arquétipos estão em

constante mudança e podem mudar daqui a dez anos. Portanto, para a autora, é

importante descobrir os padrões arquetípicos que se expressam em decisões

cotidianas e rotineiras, uma vez que eles são responsáveis pelos hábitos pessoais

de cada um, na qualidade dos relacionamentos e em vários outros padrões que

sempre se repetem.

2.5.2 Os 16 Arquétipos de Victoria Lynn

Agora, com uma abordagem voltada para a criação de personagens e

completamente diferente das citadas anteriormente, Victoria Lynn Schmidt, uma

estudiosa da mente humana e autora do livro 45 Master Characters, acredita que,

baseados na mitologia grega, existem no total 45 arquétipos básicos. Desses

arquétipos, 16 são considerados como modelos femininos e os outros 16 como

modelos masculinos, os outros 13 são vistos por ela como arquétipos secundários,

portanto, não serão abordados neste trabalho. Em sua teoria, Schmidt acredita que

todo personagem possui seu lado bom e o seu lado ruim, sendo assim, possuindo

arquétipos e faces opostas. Essas faces são fundamentadas a partir das deusas

mitológicas, com seus lados positivos e negativos de cada uma. (MASSARANI). No

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39

quadro abaixo serão listados somente os 16 arquétipos femininos, bem como suas

características, pois serão relevantes para a análise final.

Arquétipo Características

A Musa Sedutora Decidida e de sexualidade aberta; Gosta de ser o centro das

atenções

A Femme Fatale (lado negro da

Musa Sedutora) Manipuladora; Usa o corpo como uma arma para conquistar

A Amazona

Feminista, faz questão de mostrar a força existente na mulher

e possui um lado masculino tão forte quanto o feminino;

Guerreira; Apaixonada por natureza; Valoriza a liberdade

A Górgon (lado negro da

Amazona)

Agressiva; Ditadora; Transforma pessoas em pedra apenas

com o olhar

A Filha do Pai Quer ser igual a um homem; Vê as mulheres como um sexo

frágil

A Traiçoeira (lado negro da Filha

do Pai) Vingativa; Atropela os outros para atingir os objetivos

A Cuidadora Protetora; Não é vaidosa; Coloca sempre os outros na sua

frente

A Mãe Superprotetora (lado negro

da Cuidadora)

Vitimista; Senso materno descontrolado; Acredita que os

outros não podem viver sem ela;

A Matriarca Forte; Comprometida; Fiel; Amorosa; Esposa perfeita

A Desprezada (Lado negro da

Matriarca) Sofrida; Abandonada; Iludida

A Mística Pacífica; Escolheu a paz espiritual ao invés do casamento ou

desejos carnais;

(Continua)

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40

(Continuação)

A Traidora (lado negro da Mística) Maldosa; É o lobo em pele de cordeiro; Acredita que ninguém

verá o seu lado verdadeiro

O Messias Feminino Altruísta; Tem uma força interior que nunca morre e sempre se

sacrificará pelos outros

A Destruidora (lado negro do

Messias Feminino)

Protege o bem maior a qualquer custo; Às vezes causa mais

malefícios do que bondades

A Donzela Despreocupada; Alegre; Vulnerável; Dependente;

Sem muitas responsabilidades

A Adolescente Problema (lado

negro da Donzela)

Descontrolada; Irresponsável; Depressiva;

Invejosa; Egoísta; Se acha sempre acima da lei

(Conclusão) Fonte: Quadro criado pela estudante com base em Massarani.

Resumidamente, segundo a autora, são 8 arquétipos femininos baseados

na mitologia grega, cada um com o seu lado “negro”, totalizando os 16 arquétipos,

sendo esses: “A Musa Sedutora” o lado bom da “A Femme Fatale”, “A Amazona” o

lado bom da “A Górgona”, “A Filhinha do Papai” o lado bom da “A Traiçoeira”, “A

Cuidadora” o lado bom da “A Mãe Superprotetora”, “A Matriarca” o lado bom da “A

Desprezada”, “A Mística” o lado bom da “A Traidora”, “O Messias Feminino” o lado

bom da “A Destruidora” e a “A Donzela” o lado bom da “A Adolescente Problema”.

3 OS GAMES

O momento exato do surgimento do videogame ainda é um assunto

polêmico, pois segundo Da Luz (2010), pode existir até três datas dependendo da

argumentação utilizada. Porém, a data mais antiga encontrada utiliza como ponto de

partida para o início da história a interação com um monitor de vídeo em 1958, onde

William Higinbotham decidiu criar algo atrativo para colocar em exposição na

Columbia, nos Estados Unidos. Com um computador analógico e um monitor de

osciloscópio3, Higinbotham conseguiu criar um jogo interativo, onde era possível

3 O osciloscópio é um instrumento de medida de sinais elétricos/eletrônicos que apresenta gráficos a

duas dimensões de um ou mais sinais elétricos.

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41

jogar uma partida de tênis apenas controlando uma bolinha e o momento da

rebatida, conforme ilustrado na Figura 1.

Figura 1 - O jogo Tennis for Two criado por William Higinbotham, 1958.

Fonte: www.videogamehistorian.wordpress.com/tag/william-higinbotham/

Outra data considerada aceita para o nascimento do videogame, ainda de

acordo com Da Luz (2010), utiliza como argumento a interação entre um monitor de

vídeo e o uso de um software. E isso aconteceu em 1960 quando Steve Russell,

membro de um clube de entusiastas em eletrônica, resolveu desenvolver um jogo

interativo usando um monitor de computador. Foram seis meses de programação até

Russell completar o seu jogo, chamado de Spacewar!, uma batalha espacial entre

duas naves que eram controladas por botões do computador, conforme apresentado

na Figura 2. Segundo Lynch et al. (2016), o desenvolvimento do Spacewar!

incentivou vários jogos e também inspirou o design do videogame Computer Space,

lançado em 1971.

Após algum tempo, Russell e alguns amigos desenvolveram também um

controle rudimentar, que ajudava na interação entre o jogador e o jogo. Da Luz

(2010, p. 23) acredita que “Apesar da controvérsia de Spacewar! ser ou não o

primeiro vídeo game, ele de fato é o primeiro jogo de computador, o primeiro

software de entretenimento.”

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Figura 2 - O jogo Spacewar! criado por Steve Russell, 1960.

Fonte: www.videogamehistorian.wordpress.com/tag/steve-russell/

Já a terceira data, ainda segundo o autor, não é bem certa e é proposta

pelo engenheiro Ralph Baer, o qual é considerado atualmente o pai do conceito de

videogame. Em 1951, Baer teve a ideia de utilizar uma televisão de forma interativa,

com algum tipo de jogo passando na tela. Porém, foi apenas em 1966 que ele

resolveu desenvolver essa ideia e, em pouco tempo, havia criado um aparelho que

tinha a capacidade de gerar um jogo de perseguição, onde dois pequenos pontos

perseguiam um ao outro, conforme mostrado na Figura 3. Em dois anos, Baer criou

jogos simples de pingue-pongue e outros parecidos, como o voleibol e o hockey,

além de conceitos inovadores como a da pistola ótica, o qual podia apontar e atirar

em objetos que passavam na tela.

Figura 3 - O jogo de perseguição criado por Ralph Baer, 1966.

Fonte: www.holodek.com.br/holodek/blog.php?cod_5==0UVxYDVR1TP&entra_no_web1==UmVGl1VR1TP

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A partir disso, sua criação foi licenciada pela Magnavox4 em 1971 e se

transformou no Odyssey5, motivo que levou Baer a ser conhecido por ser o pai do

conceito do videogame, pois segundo Da Luz (2010, p. 24) “[...] Baer deu forma de

produto de mercado à sua criação e criou o conceito e vídeo game como mídia de

entretenimento na sala de estar.”

Apesar dos diferentes critérios adotados por cada um desses três

criadores, um fator em comum entre eles é a vontade de criar um game interativo

por meio de um vídeo, seja essa ferramenta uma tela de televisão, um osciloscópio

ou um monitor de computador.

3.1 O INÍCIO DA INDÚSTRIA

Atualmente, os games formam uma indústria bilionária que possui

diferentes plataformas para diferentes tipos de jogadores. (MELLO; MASTROCOLA,

2016). Porém, para alcançar esse sucesso de mercado, desde seus primeiros anos,

os games precisaram evoluir continuamente por meio de avanços tecnológicos,

objetivos de desenvolvedores e interesses do consumidor. (LYNCH et al., 2016).

Entretanto, no início da indústria, entre 1970 e 1975, não existiam tantas opções de

consoles e nem tanto público quanto hoje.

Apesar do Odyssey ter sido o primeiro console de videogame a ser

vendido, só ficou no mercado durante os anos de 1971 e 1973, pois não tinha

chamado muito a atenção do público. Foi nessa época, que Nolan Bushnell, um

estudante de engenharia dos Estados Unidos, resolveu criar um game igual ao

Spacewar!, porém, numa máquina dedicada unicamente a rodar o próprio game.

Após ter o protótipo em mãos, Bushnell fez parceria com uma empresa que atuava

no ramo de entretenimento eletrônico, Nutting Associates. Segundo Da Luz (2010), a

parceria foi um fracasso, o que fez Bushnell trocar o nome do seu game para

Computer Space e a criar sua própria empresa em 1972, chamada de Atari. Algum

tempo depois, Bushnell e seu funcionário Al Alcorn, criaram um game estilo pingue-

pongue, batizado de Pong. E foi um sucesso, pois de acordo com Da Luz (2010, p.

28):

[...] a Atari teve que quadruplicar suas instalações e o primeiro videogame de sucesso foi distribuído para todo o mundo, tornando conhecida a nova

4 Popular fabricante de televisores.

5 Primeiro console de videogame a ser comercializado.

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mídia que virava febre por onde passava. [...] em apenas três meses após seu lançamento já era possível ver clones não autorizados em diversas localidades.

Com seu êxito no Pong, a Atari começou a produzir diversos outros

games, como: o primeiro videogame de corrida de carros do mundo, Gran Trak, o

primeiro videogame de labirinto do mundo, Gotcha, e um jogo de corrida e batalha

espacial, Space Race. Todos esses jogos eram baseados em circuitos discretos e

sua lógica era construída por transistor a transistor, o que fazia com que os gráficos

não fossem bons. Todavia, em 1975, uma empresa americana fabricante de pinballs,

Midway, resolveu entrar para o mercado de videogames e inovar os gráficos com um

microprocessador. E essa inovação influenciou toda a história do videogame, pois o

microprocessador ampliou a capacidade gráfica dos jogos. (DA LUZ, 2010).

Gunfight, um jogo de tiro, foi o primeiro videogame criado com um microprocessador,

conforme na Figura 4.

Figura 4 - Gunfight, 1975.

Fonte: www.arcade-history.com/?n=gun-fight-model-597&page=detail&id=1040

Em 1978, após o mercado dos games sofrer uma queda de vendas, uma

indústria japonesa chamada Taito Corporation, resolveu colocar no mercado o

Space Invaders, primeiro videogame com personagens animados. Além de trazer

um tema novo, o qual era impedir uma invasão alienígena apenas obtendo um

canhão, o jogo criou novos conceitos para os arcades6, pois não tinha um tempo

determinado para o fim. Da Luz (2010, p. 34) acredita que “O lançamento de Space

6 É um aparelho de jogo eletrônico.

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Invaders marcou o início de uma nova era de jogos criativos e inovadores [...]”. Isso

porque no final dos anos 70 e início dos anos 80, os games elevaram a tensão do

videogame que antes era tão ardente e exaustiva fisicamente.

No início da década de 80, os videogames estavam no seu auge e os

games faziam tanto dinheiro quanto a indústria do cinema.

Uma matéria de capa da revista Time noticiou que os americanos colocaram 20 bilhões de quartos [cinco bilhões de dólares, já que um quarto é 25 centavos] em videogames em 1981 e o “vício do videogame” custou 75.000 homens-ano jogando essas máquinas. O artigo explicava que a indústria do videogame havia ganhado o dobro do dinheiro recebido por todos os cassinos de Nevada juntos, quase o dobro do dinheiro arrecadado pela indústria do cinema, e três vezes o dinheiro que as ligas de beisebol, basquete e futebol americano haviam ganhado. (2001 apud KENT; DA LUZ, 2010, p. 39)

Foi nessa época que nasceu o videogame mais conhecido do mundo: o

Pacman (Figura 5), lançado em 1980 pela empresa Namco. Segundo Da Luz (2010),

Toru Iwatani, o criador do Pacman, estava cansado de games violentos que só

tratavam de guerras e destruição. Por isso, resolveu criar algo que as mulheres

também pudessem jogar e, partindo de um conceito básico, comer, ele criou um

game de perseguição, onde era baseado em um personagem que tinha que

percorrer um labirinto sem ser pego pelos fantasmas que o perseguiam durante todo

o trajeto. Além de ter sido um sucesso, Pacman expandiu os limites da indústria do

videogame, pois foi o primeiro jogo a disponibilizar produtos licenciados.

Figura 5 - Pacman, 1980.

Fonte: www.moma.org/collection/works/164917

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Após um ano, mais especificamente em 1981, surge o game que salvaria

a empresa Nintendo7 da falência, chamado de Donkey Kong (Figura 6). O jogo era,

basicamente, sobre um gorila que escapava de seu dono, raptava sua namorada e

corria para um prédio em manutenção. O gorila, que era o vilão do jogo, jogava

barris na direção do herói para tentar impedi-lo de chegar até o topo do prédio. O

game só terminava quando o herói derrotasse o gorila e salvasse sua namorada.

Assim como o Pacman, o Donkey Kong causou alvoroço na mídia, apareceu em

programas de televisão e vendeu vários itens licenciados, o que acabou resultando

em uma das maiores franquias de sucesso da Nintendo. (DA LUZ, 2010)

Figura 6 - Capa do jogo Donkey Kong, 1981.

Fonte: www.all3games.com/enquanto-isso-na-suecia-nova-estatua-gigante-do-mario/

Sem nenhum motivo aparente, entre os anos de 1982 e 1985, a indústria

do arcade sofreu uma queda nas vendas, sendo acompanhada também pelo

mercado de consoles domésticos. De acordo com Da Luz (2010), essa queda ficou

conhecida na história como “crash do software” e, além disso, o mercado só voltou a

apresentar uma aquecida nas vendas em 1985 com o lançamento do Super Mario

Bros (Figura 7), da Nintendo. O game apresentava um mundo colorido e divertido,

7 Nintendo é uma empresa japonesa fabricante de games eletrônicos. Ela é considerada uma das

maiores empresas da indústria e também um dos grandes símbolos mundiais devido ao seu sucesso.

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cheio de desafios e com uma tecnologia diferente dos demais, o chamado side-

scrolling, que é uma plataforma de rolagem que faz com que o game se desenrole

como um pergaminho, com a ação passando da direita para à esquerda. Ainda

segundo o autor, o sucesso do game foi inigualável, pois foi um dos mais vendidos

de toda a história.

Figura 7 - Super Mario Bros, 1985.

Fonte: www.bestoldgames.net/super-mario-bros

Com o passar dos anos, o desenvolvimento dos videogames fez com que

os consoles se tornassem tão bons quanto os computadores de 8 bits com boa

memória, todavia, a qualidade dos gráficos ainda era baixa, permitindo poucas

cores. Foi somente em 1987 que uma empresa japonesa fabricante de

computadores, NEC, resolveu apresentar um videogame de 8 bits com um

processador gráfico de 16 bits, onde permitia uma resolução maior da tela e uma

opção maior de cores.

Em 1989, uma empresa desenvolvedora de software para videogames e

produtora de consoles chamada Sega, começou a criar um sistema poderoso

superior aos dos videogames da época, onde permitia gráficos com mais detalhes e

complexidade. Para o lançamento desse sistema, o Sega Mega Drive, foi feita uma

adaptação de um game que já fazia sucesso nos arcades, Altered Beast (Figura 8).

Com a mudança do processador, era possível notar algumas diferenças, como as

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expressões faciais e o tamanho dos personagens que apareciam na tela. (DA LUZ,

2010)

Figura 8 - Altered Beast, 1989.

Fonte: www.mobygames.com/game/turbo-grafx/altered-beast/promo/promoImageId,128662

Para desbancar o Mega Drive, a Nintendo lançou em 1990 o Super

Famicom, mais conhecido atualmente como NES, um console que pretendia ser

melhor que o dos concorrentes. O sucesso do lançamento foi tão grande que,

segundo Da Luz (2010, p. 55):

O lançamento do Super Famicom no Japão em novembro de 1990, foi acompanhado de filas em portas de lojas e caos pelas poucas unidades que foram disponibilizadas nesse dia. A confusão foi tão grande que o governo japonês pediu à Nintendo que realizasse seus próximos lançamentos apenas em finais de semana.

Surge então, para acompanhar o sistema, o game Super Mario World

(Figura 9), da Nintendo. As cores eram mais vibrantes, chamativas e o mundo ainda

maior e mais complexo do que os lançamentos anteriores, além de ser mais extenso

se comparado com os outros games da mesma época. Ao total, Super Mario World

oferecia 96 fases, as quais podiam ser finalizadas de várias formas, seguindo

caminhos diferentes e podendo haver segredos entre elas. Segundo Coutinho

(2014) “Super Mario World foi um jogo que uniu gerações de jogadores com idades

diferentes. O jogo podia ser jogado por crianças de todas as idades e sua dificuldade

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para desbloquear todos os estágios, oferecia um desafio para adolescente e até

adultos.”

Figura 9 - Super Mario World, 1990-1991.

Fonte: www.snesparadise.blogspot.com/2012/03/super-mario-world.html

No final de 1991, a Sega lançou seu Mega-CD, um acessório que permitia

o aumento do poder de processamento do processador, ou seja, enquanto os games

nos cartuchos variavam entre 8 e 16 megabits, no CD eles podiam chegar até 650

megabytes, além de permitir avanços no som e imagens digitalizadas. A Sony

também acabou criando uma unidade de CD independente para concorrer com o

Mega-CD da Sega, o Sony Playstation. Todavia, com a popularização dos

computadores cada vez mais alta, o CD-ROM acabou se tornando uma ameaça

para os videogames, pois nessa época, os computadores vinham equipados com

uma capacidade multimídia capaz de gerar milhares de cores simultâneas, enquanto

o CD ainda não era uma mídia adequada aos videogames por causa de sua

lentidão. (DA LUZ, 2010)

Alguns anos depois, em 1993, é lançado o grande sucesso multimídia dos

computadores e o primeiro CD a vender mais de um milhão de cópias, Myst (Figura

10). O game apresentava cenas detalhadas e consistia em procurar pistas e resolver

quebra-cabeças para passar de fase. As texturas que Myst mostrava eram novidade,

pois a luz era refletida em metal opaco e apareciam até os grãos na madeira e

sombras no decorrer do game. Da Luz (2010) afirma que, apesar da publicidade não

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ter apresentado nada de especial e a divulgação do game ter sido fraca em seu

lançamento, o Myst foi um dos games responsáveis pelo sucesso dos kits

multimídia, pois os clientes compravam apenas para conseguir jogá-lo.

Figura 10 - Myst, 1993.

Fonte: www.imdb.com/title/tt0158814/mediaviewer/rm1842751232

Ainda na mesma época, outra novidade que revolucionou a indústria foi a

criação de um game em 3D para computador, chamado de Wolfenstein, conforme

mostrado na Figura 11, onde o jogador controlava um soldado em primeira pessoa,

através de um castelo, matando nazistas e o próprio Adolf Hitler. Além da novidade

da ação em 3D, o game proporcionou uma nova experiência ao propor uma

jogabilidade diferente, onde os inimigos ao serem mortos não desapareciam do

chão, mas sim ficavam deitados sangrando. Até então, isso era inédito.

Figura 11 - Wolfenstein 3D, 1993.

Fonte: www.moregameslike.com/wolfenstein-3d/

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Apesar da evolução do termo multimídia e do CD, o sucesso de 1994 foi

um game de cartucho lançado para o console NES, o Donkey Kong Country (Figura

12). O game possuía uma tecnologia inovadora que permitia uma qualidade gráfica

nunca vista antes em um videogame de 16 bits, além de possuir uma jogabilidade8

perfeita. (DA LUZ, 2010). Os dois personagens jogáveis, DK e Diddy, tinham

personalidade, o ambiente era rico em cores e efeitos visuais, permitindo a

identificação de neblina, chuva e a mudança do dia para a noite. Além disso, entre

as 39 fases disponíveis, era possível encontrar cenas embaixo d’água, com gráficos

detalhados. Esse lançamento foi considerado a salvação do NES de 16 bits, que na

época estava em apuros por causa da rivalidade na indústria dos games.

Figura 12 - Donkey Kong Country, 1994.

Fonte: www.analisedegames.blogspot.com/2010/11/donkey-kong-country.html

Com o lançamento dos consoles Playstation e Nintendo 64, novos

padrões de linguagens gráficas começaram a surgir e, com isso, acabou se

estabelecendo a consolidação do CD como mídia viável para os videogames e o

visual 3D como premissa. Agora, os consoles apresentavam uma arquitetura de 32

bits e alguns traziam controles revolucionários que ajudavam na jogabilidade dos

games, como por exemplo, o Silent Hill (Figura 13) lançado em 1999. Ele

apresentava efeitos especiais e um 3D imersivo, características encontradas em

jogos de microprocessadores de 32 bits.

8 É um termo na indústria de jogos eletrônicos que inclui todas as experiências do jogador.

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Figura 13 - Silent Hill, 1999.

Fonte: www.afontegeek.wordpress.com/2015/08/17/silent-hill-1999-review-um-game-para-se-jogar-sozinho/

Nessa época, o videogame já havia se transformado em um

entretenimento nas casas de todo o mundo e, foi a partir disso, que a gigante

Microsoft resolveu criar em 2001 sua própria plataforma de videogame baseada na

tecnologia dos computadores, o Xbox. O console possuía um microprocessador de

64 bits que permitia alguns resultados estéticos nos jogos, como: efeito de luz e

sombra, neblina, fumaça em explosões e efeitos de física. De acordo com Da Luz

(2010, p. 110) “[...] as animações se tornaram ainda mais fluidas e a física de

partículas proporcionava uma experiência a mais na jogabilidade. Era possível agora

interagir, indiretamente, com elementos nos jogos.” Halo: Combat Evolved, GTA San

Andreas, Tony Hawk’s Pro Skater 3 e Halo 2 foram considerados alguns dos

melhores games que fizeram sucesso no primeiro console da Microsoft, pois

apresentavam gráficos revolucionários.

Ainda segundo Da Luz (2010), o título God of War (Figura 14) foi um

game de sucesso, lançado em 2005, todavia, para a plataforma Playstation 2, que

também utilizou desses recursos para auxiliar na imersão do game, criando uma

profundidade de campo reduzida que dava a sensação de imensidão ao jogador. Ou

seja, a forma como os níveis foram projetados deram a impressão de um mundo

mais amplo, onde cada local se conectava de alguma forma, e isso acabava

gerando nessa sensação de imersão.

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Figura 14 - God of War, 2005.

Fonte: www.digitaltrends.com/gaming/the-original-god-of-war-was-an-intellectual-brute/

Da Luz (2010, p. 71) afirma que:

As inovações da geração 32 bits para a geração 128 bits nos consoles, foram puramente de tecnologia, com a indústria buscando os melhores gráficos, o melhor som, a melhor reprodução. Grandes inovações em linguagem e/ou semântica ficaram para a geração seguinte, mas, com o advento da internet e das conexões em banda larga, os vídeo games jogados em computadores ganharam um gênero praticamente só deles, que criou uma linguagem própria e uma nova horda de jogadores: os Online RPGs.

Ou seja, o avanço da informática fez com que os desenvolvedores

criassem universos online, onde jogadores de todo o planeta pudessem interagir e

jogar entre si 24 horas por dia. Aqui, a principal mudança ocorreu nos gráficos dos

games, onde era possível explorar em tempo real mundos tridimensionais. Um

exemplo disso é o World of Warcraft (Figura 15) lançado em 2004, jogo que tinha até

o final de 2007, nove milhões de jogadores registrados. A partir disso, o videogame

chegava em um ponto em que os universos tridimensionais exploráveis eram uma

realidade em games online em tempo real. (DA LUZ, 2010)

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Figura 15 - World of Warcraft, 2004.

Fonte: www.polygon.com/2018/5/23/17386428/world-of-warcraft-battle-for-azeroth-mount-bfa-auction-house

Em 2006, com o lançamento dos consoles Nintendo Wii e Playstation 3, a

capacidade dos games era de, pelo menos, HD, o que permitia uma linguagem de

realidade fantástica e uma física de partículas com qualidade de cinema. (DA LUZ,

2010). O game Batman Arkham City (Figura 16), lançado em 2011 para a plataforma

Playstation 3, fez parte da 7º geração de videogames e apresentou novas opções de

interface, além de um recurso visual maduro para a época.

Figura 16 - Batman Arkham City, 2011.

Fonte: www.playstation.com/en-us/games/batman-arkham-city-ps3/

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Mais uma vez, porém, agora entre os anos de 2012 e 2013, surgem

consoles mais avançados em termos de desempenho gráfico, inovadores, com

armazenamento maior e uma configuração mais potente. Com o lançamento do

Nintendo WIIU da Nintendo em 2012, do Playstation 4 da Sony em 2013 e do Xbox

One da Microsoft também no mesmo ano, nasce a 8º geração do videogame,

considerada uma das mais importantes para a evolução das plataformas.

(BARBOSA et al., 2013). A resolução dos games agora apresentada é de 1080p HD,

e é possível ver essa diferença gráfica no Tomb Raider: Definitive Edition (Figura

17), lançado em 2014 para o PlayStation 4 e Xbox One. De acordo com Barros

(2014) “A iluminação, as sombras e os movimentos de elementos do cenário estão

mais reais do que nunca no PlayStation 4. As folhas se mexem, vento, chuva e neve

têm características mais apuradas, e a reação dos cenários a eles também. O jogo

está muito mais bonito [...].” Isto é, os gráficos ficaram mais definidos e bonitos em

comparação com os consoles da geração anterior.

Figura 17 - Tomb Raider: Definitive Edition, 2014.

Fonte: www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/01/tomb-raider-comparacao-entre-ps3-e-ps4-mostra-diferenca-em-graficos.html

Por fim, o lançamento dos consoles Playstation 4 Pro e Xbox One X em

2016, trouxeram para o mercado de games um dos últimos avanços tecnológicos até

o momento, que é a opção de resolução em 4K, ou seja, uma definição quase quatro

vezes maior que o padrão (1080p HD) utilizado nos games das plataformas

anteriores. Isso fez com que as imagens dos mesmos ficassem mais nítidas, com

uma maior variação de cores e mais brilhantes, como por exemplo, no The Witcher

3: Wild Hunt. O site da IGN de Portugal (2017) fez uma comparação entre o game

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The Witcher 3: Wild Hunt no Playstation 4 e o mesmo game no Playstation 4 Pro, a

fim de mostrar a diferença entre as resoluções das duas plataformas (Figura 18).

Figura 18 - The Witcher 3: Wild Hunt no PS4 e The Witcher 3: Wild Hunt no PS4 Pro.

Fonte: www.pt.ign.com/the-witcher-3/49657/video/the-witcher-3-wild-hunt-comparacao-grafica-ps4-pro-vs-ps4

Com o passar dos anos, a linguagem gráfica dos videogames cresceu e

se transformou em uma mídia cativante e expressiva, capaz de criar uma indústria

que, atualmente, pode se comparar economicamente à do cinema. Além disso, com

seus gráficos minimalistas, o videogame apresentou um novo uso para o vídeo e

para a televisão, ou seja, a interação com uma imagem na tela fez com que os

jogadores pudessem sentir como se estivessem conversando com uma ferramenta,

a qual respondia em tempo real à suas ações. (DA LUZ, 2010). Ainda de acordo com

o autor (2010, p. 137) “Os vídeo games não devem mais ser tratados como

brinquedos e hoje são estudados academicamente como fenômenos culturais e de

comunicação e atuam inclusive como ferramentas educacionais em importantes

programas de pesquisa [...].” Após toda essa evolução, o videogame acabou se

tornando uma mídia poderosa, onde dialoga com várias áreas de conhecimento e

tem seu alcance além de seu suporte físico.

3.2 AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NOS GAMES

Os personagens têm sido um ponto importante para o sucesso de vendas

na maioria dos games atuais. Cada vez mais, os desenvolvedores desse mercado

estão investindo em enredos ricos em histórias bem como na profundidade de seus

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personagens, com o objetivo de agradar a variedade do público gamer encontrado

atualmente. Hoje, esse público é formado por crianças das mais diversas idades,

homens, mulheres e até idosos. (PERES, 2015). Porém, nem sempre os games e

seus personagens foram criados com o intuito de agradar todo o tipo de público, pois

antigamente o foco era o público masculino, o qual era predominante nesse universo

gamer. Segundo Mendes (2006 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 43)

“Dos primórdios dos jogos eletrônicos (meados dos anos 1970) até 1996, a

montagem dos personagens dava importância aos personagens centrais

masculinos: o heroísmo era expresso apenas por figuras machistas, viris e com

músculos hipertrofiados.” Como por exemplo, no game lançado em 1991 chamado

de Two Crude Dudes (Figura 19). De tão fortes que os protagonistas eram, eles

conseguiam levantar de tudo, desde placas e pedras até veículos em chamas.

(LEMES, 2012)

Figura 19 - Two Crude Dudes, 1991.

Fonte: www.podflix.com.br/fliperamadeboteco/fliperama-de-boteco-36-beat-em-up-obscuros

Isso ocorria com frequência porque os desenvolvedores dos games eram

todos homens, pois de acordo com Matsuura (2014):

O universo dos videogames tem um passado machista. Nos estúdios, eram

homens fazendo jogos para homens jogarem. Isso pedia, de uma maneira

não preconceituosa, personagens masculinos, jogos de batalhas com certo

grau de violência.

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Isso impedia, de certa forma, que esses desenvolvedores criassem

personagens femininas fortes e independentes, que tivessem um papel relevante

para a história do game ao invés de serem somente um artefato masculino no

decorrer do mesmo. As personagens femininas nos games, para Fortim e Monteiro

(2013, p. 246) “Seguem praticamente a mesma história: no início, eram

representadas como ingênuas, de inteligência limitada e submissas aos homens.”

Exemplo disso é a princesa Peach, personagem participante da famosa franquia

considerada ícone da Nintendo, conhecida por Super Mario Bros.

Com quase 40 anos de história, Mario é o protagonista da franquia Super

Mario Bros, criada por Shigeru Miyamoto9 em 1985. Todavia, foi em 1981 em que

Mario apareceu pela primeira vez como coadjuvante em um game chamado de

Donkey Kong (Figura 20), criado também por Miyamoto, onde tentava salvar a sua

namorada indefesa, Pauline, das garras de um gorila gigante.

Figura 20 - Donkey Kong, 1981.

Fonte: www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/09/super-mario-veja-maiores-curiosidades-sobre-famosa-franquia.html

Durante quase toda a franquia de Super Mario Bros (Figura 21), o

protagonista tenta salvar Peach, princesa do Reino dos Cogumelos, das garras do

vilão Bowser, pois ela está sempre em apuros e sendo sequestrada pelo mesmo.

Segundo Tanan (2017) “Na maioria dos jogos da franquia ela faz o papel da donzela

em perigo, pois é sempre raptada ou posta em perigo.” Em 14 games da franquia em 9 Shigeru Miyamoto é um famoso designer e produtor de games eletrônicos japonês, conhecido por

ser o criador de algumas das mais bem sucedidas franquias de games eletrônicos de todos os tempos.

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que a princesa aparece, ela é raptada em 13. Ou seja, Mario é considerado o herói

do jogo enquanto Peach é vista apenas como uma donzela em perigo, aguardando

para ser salva. O game só termina quando Mario consegue derrotar Bowser e salvar

por definitivo a princesa.

Figura 21 - Super Mario Bros, 1985.

Fonte: www.gamelab.mit.edu/making-good-things-some-comments-on-independent-games/gameover/

De acordo com Myss (2013), o arquétipo de “donzela em perigo” é antigo

e classifica a mulher como bonita e vulnerável, que precisa ser resgatada pelo herói

caso venha a ser sequestrada ou fique em apuros. Geralmente, em videogames, o

termo “donzela em perigo” é um recurso de enredo em que uma personagem

feminina é colocada em situação de perigo do qual não pode escapar sozinha,

sendo necessário ser resgatada por um personagem masculino, sendo esse, na

maioria das vezes, o objetivo central do protagonista do game. E isso faz com que

as personagens femininas presentes no enredo sejam classificadas somente como

um prêmio a conquistar, um tesouro a encontrar ou um objeto a se alcançar.

(SARKEESIAN, 2013). Segundo Fortim e Monteiro (2013, p. 246):

As personagens podem ser classificadas como princesas ou velhas sábias

nos jogos de fantasia; objetos esperando o resgate masculino; mulheres

fetichistas feitas para o olhar masculino ou repetição dos estereótipos das

habilidades femininas e suas características.

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Dando continuidade a mesma linha de personagem intitulada de donzela,

em 1986 é lançado o game The Legend Of Zelda (Figura 22), o primeiro da franquia

e que continua sendo um sucesso atualmente. Na história, o protagonista e herói

chamado Link precisa proteger e salvar o reino de Hyrule e a relíquia deixada pelas

Deusas criadoras do mundo. Durante aproximadamente os 12 games e abrangendo

um percurso de mais de 25 anos, a princesa Zelda é raptada, amaldiçoada,

possuída e transformada em pedra em quase todos os games da franquia. Além

disso, Zelda nunca foi a protagonista da aventura, muito menos uma personagem

jogável na série principal, porém, se comparada à personagem Peach comentada

anteriormente, ela desempenha um papel um pouco mais ativo no game. Ou seja,

em alguns games posteriores, ela percorre o enredo como donzela e também como

ajudante, facilitando a aventura do protagonista. Entretanto, isso não fez com que a

mesma ganhasse uma posição de destaque dentro do game, uma vez que ela

continuou desempenhando apenas um papel de objeto de ajuda para o herói.

Sarkeesian (2013) acredita que algumas personagens “[...] são criadas para serem

objetos especiais, e são frequentemente programas com pouca interação, como

objetos sexuais para serem usadas e abusadas.”

Figura 22 - The Legend Of Zelda, 1991.

Fonte: www.strategywiki.org/wiki/The_Legend_of_Zelda:_A_Link_to_the_Past/

De acordo com Sarkeesian (2013), se for comparado o papel de donzela

em perigo com o arquétipo do herói, a diferença entre um e outro é grande. Quando

o personagem masculino é raptado ou machucado de alguma forma, ele consegue

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arquitetar a sua própria fuga sozinho, utilizando a força e a inteligência. Por outro

lado, a personagem feminina que é classificada como donzela é mostrada como

incapaz de escapar do problema por conta própria, precisando sempre da ajuda de

um personagem masculino para sobreviver.

Avançando um pouco mais no tempo, agora em 1999 e seguindo com o

mesmo padrão anterior, uma empresa de design de games chamada Rare, criou um

título original para a plataforma Nintendo 64, Planet Dinosaur. O game apresentava

uma protagonista de 16 anos chamada Krystal (Figura 23), forte e heróica, onde seu

objetivo era lutar contra monstros usando seu bastão mágico e salvar o mundo.

Figura 23 - Krystal em Planet Dinosaur, 1999.

Fonte: www.dinosaurplanet.wikia.com/wiki/Krystal

Porém, o game nunca foi lançado, pois o designer de games, Shigeru

Miyamoto, resolveu colocá-lo como continuação da sua franquia de sucesso

chamada Star Fox. Então, os desenvolvedores reescreveram e refizeram o design

do game, lançando-o em 2002 com o nome de Star Fox Adventures. Na versão

reformulada, Krystal (Figura 24), que antes era a protagonista, acabou sendo

transformada em donzela em perigo, passando a maior parte do game trancada em

uma prisão, esperando ser salva pelo protagonista. Além da incapacidade de se

salvar sozinha, Krystal ganhou uma roupa menor e mais sexualizada, outro fator

utilizado pelos desenvolvedores dos games para chamar a atenção do público

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masculino. Portanto, a história de como Krystal passou de protagonista de sua

própria aventura para uma personagem passiva no game de outra pessoa, ilustra

como o arquétipo de donzela em perigo rouba das personagens femininas a chance

de serem heroínas de sua própria história. (SARKEESIAN, 2013).

Figura 24 - Krystal aprisionada em Star Fox Adventures, 2002.

Fonte: www.starfox.wikia.com/wiki/File:Screenshots.Adventures.33.FireYoshi5.jpg

A partir disso, forma-se um padrão que era utilizado na década de 90 e

que ainda persiste nos dias atuais, porém, com menos intensidade, onde os

personagens masculinos aparecem como heróis e protagonistas dos games

enquanto as personagens femininas são apresentadas como frágeis, indefesas e a

espera por alguém que as salve. (SARKEESIAN, 2013).

Além do arquétipo de donzela em perigo, existe outra forma utilizada

pelos desenvolvedores para representar a mulher dentro dos games, que é pelo

meio da sexualização da personagem, ou seja, a forma como seu corpo é criado e

mostrado através das roupas. Embora tenham surgido mais games que optaram por

inserir personagens femininas em suas histórias, a imagem que algumas

representam ainda é sexualizada. Segundo Lynch et al. (2016), em comparação com

os personagens masculinos, os games com personagens femininas apresentam com

mais frequência roupas que as deixam parcialmente nuas ou vestidas

inadequadamente para o gênero do game.

É o caso da famosa protagonista Lara Croft (Figura 25) da franquia Tomb

Raider nos primeiros lançamentos do game. Somando mais de 20 anos de

existência, lançado pela primeira vez em 1996 e tendo como seu último lançamento

no ano de 2015, a saga Tomb Raider é considerada uma das mais tradicionais dos

games. Lynch et al. (2016) acreditam que o lançamento de Lara Croft em 1996 pode

ter servido como um catalisador para os desenvolvedores de videogames criarem

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mais personagens femininas sexualizadas como uma estratégia de vendas para

atrair jogadores masculinos. Com gênero de ação-aventura, Tomb Raider apresenta

uma arqueóloga chamada Lara Croft que busca por relíquias, artefatos e tesouros

escondidos pelo mundo. Segundo Romano (2018), quando Tomb Raider apareceu

pela primeira vez, logo seguido por Tomb Raider II um ano depois, a protagonista

Lara Croft foi criticada por ser apenas mais uma personagem com “seios grandes”.

“Com seus “seios poligonais” e voz rouca, era difícil para alguns críticos vê-la

representando mais do que uma fantasia sexual digitalizada.” (ROMANO, 2018).

Foram poucas as alterações visuais que Lara Croft sofreu até o lançamento do

reboot em 2013, onde a real mudança começava a acontecer.

Figura 25 - Lara Croft em algumas franquias de Tomb Raider.

Fonte: www.pinterest.co.uk/pin/49258189644734879/

Outra personagem feminina que se encaixa no perfil sexualizado citado

anteriormente, é a personagem Samus em sua aparição no game Super Smash

Bros10 da Nintendo, conforme mostrado abaixo na Figura 26.

10

Super Smash Bros é um game de luta desenvolvido pela HAL Laboratory e publicado pela Nintendo para a plataforma Nintendo 64.

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Figura 26 - Samus em Super Smash Bros, 2008.

Fonte: www.garotasgeeks.com/nova-roupa-de-samus-e-a-sexualizacao-nos-games/

Por se tratar de um game de luta, nada mais coerente do que a

personagem utilizar uma armadura para se proteger, porém, a mesma aparece com

uma roupa curta, aparentemente feita de pano, ousada e sem sentido para o gênero

do game.

"A sexualidade e a atratividade física são partes importantes da identidade feminina, e muitas mulheres e homens gostam de jogar com personagens sexy contanto que o contexto faça sentido. Mas quando você tem um personagem masculino de armadura e uma feminina de biquíni lutando lado a lado, é difícil para as mulheres não se sentirem trivializadas e objetificadas". (REDAÇÃO CANALTECH, 2016)

Com a personagem Jade (Figura 27) da franquia Mortal Kombat11 não é

diferente. Jade apareceu pela primeira vez em Mortal Kombat II como uma

personagem secreta a ser desbloqueada caso o jogador conseguisse realizar uma

série de especificações. Mas foi apenas no Ultimate Mortal Kombat III em que Jade

virou uma personagem jogável. Na história, a personagem é apresentada como uma

assassina de elite, treinada para matar inimigos e ajudar sua melhor amiga. Todavia,

não é sua história que a faz atraente. De acordo com Pessoa (2013), Jade se

destaca por sua representação sexualizada excessiva e trajes sumários quase

inexistentes dentro do game.

11

Mortal Kombat é uma série de jogos criados pelo estúdio de Chicago da Midway Games. A franquia é conhecida pelos altos níveis de violência, incluindo especificamente as Fatalidades, que são os movimentos finalizadores, onde requerem uma sequência de botões para serem executadas.

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Figura 27 - Jade em Mortal Kombat 9, 2011.

Fonte: www.fanpop.com/clubs/the-ladies-of-mortal-kombat/images/25628921/title/jade-screencap

Segundo Lynch et al. (2016), ao longo dos anos 90 e início dos anos

2000, a indústria introduziu personagens femininas mais sexualizadas do que em

outros períodos, pois os avanços tecnológicos contribuíram para a criação de

personagens em 3D de alta resolução para a época. Entretanto, novas pesquisas de

mercado estão mostrando o começo de uma nova tendência na indústria gamer. A

forte presença das mulheres no universo dos games representou em 2017, segundo

uma pesquisa feita pela Pesquisa Game Brasil (PGB), que traça o perfil do jogador

brasileiro, 53,6% no total de jogadores do país. (DO UOL, 2016). Já numa pesquisa

mais recente, feita pela mesma empresa nos meses de fevereiro e março de 2018,

essa porcentagem cresceu para 58,9%, ou seja, atualmente, as mulheres

representam o maior público gamer do Brasil. (REDAÇÃO GALILEU, 2018). Esse

crescimento é resultante de uma decrescente sexualização da mulher nos games

pois, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de Indiana, nos EUA,

mostra que o nível de sexualização de personagens femininas encontrados em

games tem caído muito na última década, desde 2006. (DO UOL, 2016).

Isso significa que, conforme Souza, Camurugy e Alves (2009, p. 43) “As

personagens começam a ficar mais “poderosas” quebrando o paradigma de

mulheres frágeis e tornam-se as heroínas. Heroínas destemidas que além de

possuírem inteligência e beleza, também possuem força e agilidade [...]” Ou seja, a

nova geração de personagens femininas apresenta mais diversidade, menos

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sexualização, aparecem como personagens principais, desempenham papéis de

heroínas e até mesmo papéis importantes no enredo.

3.3 O PROTAGONISMO FEMININO NOS GAMES

“A partir da época em que a sociedade era patriarcal, foi criando-se uma

imagem de que a mulher deveria ficar cuidando da casa, enquanto o homem caçava

e trazia proventos [...] Esse estereótipo existente não foi diferente com o surgimento

dos jogos.” (SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 44). Segundo Lynch et al.

(2016), os primeiros anos da indústria de videogames perpetuaram a diferença de

gêneros no mercado de consoles, todavia, o interesse atual e crescente das

mulheres nesse universo está fazendo com que o conteúdo dos games seja

influenciado de várias formas positivas. Ainda de acordo com as autoras, os

videogames agora apresentam mais personagens femininas jogáveis e com

características positivas, de fato importantes para o desenvolvimento da história.

Entretanto, na década de 80 e 90, poucas foram as personagens femininas não

estereotipadas nos games, e essas são lembradas até hoje não por seus corpos

esculturais, e sim por terem se desenvolvido na história e se destacado em seus

papéis principais no enredo.

Samus Aran (Figura 28) foi uma das primeiras personagens femininas a

conquistar o seu protagonismo nos games, e isso aconteceu em 1986 com a estreia

da famosa franquia de games da plataforma Nintendo chamada de Metroid. Na

história, Samus Aran é uma caçadora de recompensas que vive em uma galáxia

futurística que foi destruída por invasores inimigos. Com seu planeta destruído e

sendo a única sobrevivente da sua espécie, Samus acaba sendo adotada por uma

raça alienígena que a treina para se tornar uma guerreira. Vasconcellos (2016)

acredita que “em uma época em que a maioria dos protagonistas eram masculinos,

o primeiro título da franquia conquistou o público e criou uma legião de fãs – não

apenas do jogo mas também da própria Samus.” Por causa de sua armadura que

escondia todo seu corpo e rosto, Samus era frequentemente confundida com um

personagem masculino por conta de sua força e pela ênfase em heróis masculinos

nos games eletrônicos nessa época. (SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009).

Inclusive, no próprio manual do game, Samus era tratada com pronomes masculinos

e descreviam sua personalidade como “cheia de mistérios”. Os jogadores acabavam

descobrindo que ela era uma mulher apenas no final do game, quando a mesma

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aparecia sem parte de sua armadura, revelando seu rosto e os cabelos compridos.

Esse foi um momento importante para a história dos videogames, principalmente

para as jogadoras, pois nessa época, quase todos os protagonistas eram

masculinos. Conforme Vasconcellos, quando o game foi lançado, a probabilidade de

uma mulher fazer parte do papel principal de um game era quase impossível, por

isso os jogadores nem cogitavam na possibilidade de Samus ser uma personagem

feminina. Metroid se destacou por ser um exemplo de game que permitia múltiplos

finais alternativos, que desbloqueava habilidades da protagonista e contabilizava os

desempenhos do jogador.

Figura 28 - Samus em Metroid, 1986.

Fonte: www.lgbtqgamearchive.com/2015/09/04/samus-aran-in-metroid/

Outra personagem conhecida por seus talentos profissionais, por suas

convicções altruístas e por seus laços com os amigos é a protagonista do game de

gênero ação em terceira pessoa chamado Beyond Good & Evil, Jade (Figura 29).

Lançado em 2003, o game conta a história de uma fotógrafa valente que tem como

objetivo acabar com uma conspiração entre extraterrestres e o governo corrupto.

Como membro de uma organização da resistência, Jade usa seu talento de fotógrafa

para reunir provas que incriminam o governo de sequestrar moradores da cidade e

utiliza suas habilidades para salvar as vítimas sequestradas. A partir do primeiro

momento em que Jade aparece no game, já é possível identificar que a mesma

representa uma jovem responsável e ativa, ou seja, que tem um trabalho a fazer,

pois a sua narrativa e suas ações mostram isso desde o início. (SARKEESIAN,

2013). Os desenvolvedores do game criaram Jade como uma personagem feminina

independente, sem ser designada a cumprir os desejos de ninguém tanto fora

quanto dentro do enredo, além disso, ela não precisa ser resgatada e nem salva por

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alguém em momento algum. Suas roupas são confortáveis e práticas, uma vez que

a personagem precisa realizar vários saltos e movimentos de luta para se proteger

dos inimigos. Entretanto, apesar da protagonista demonstrar habilidades e uma

personalidade forte, ela não cai no clichê de “personagem feminina forte como um

homem”, que resolve tudo na base da violência bruta. Ela é motivada pela

necessidade de ajudar sua família e seu mundo e, diferente de outros personagens,

conserva seu lado amável e humano durante todo o objetivo, escolhendo não

castigar fisicamente seus inimigos.

Figura 29 - Jade em Beyond Good & Evil, 2003.

Fonte: www.poptardsgo.com/?p=1846

De acordo com Souza, Camurugy e Alves (2009, p. 43):

Os tempos mudaram, e agora a presença do público feminino tem sido notada, e também faz parte da estatística de jogadores em todo o mundo. A imersão de jovem, adulto e criança nesta mídia foi intensificando e as empresas começaram a buscar alcançar todos os gêneros, com jogos que atraíssem vários públicos, não somente o do sexo masculino como era de costume [...]

Exemplo disso é o Mirror’s Edge, um game de ação lançado em 2008 que

apresenta como personagem principal uma mulher forte que luta contra um regime

totalitário controlado pelo governo. Na história, a protagonista Faith (Figura 30) é

uma corredora e lutadora de artes marciais talentosa que possui perfeitas

habilidades atléticas e um grande conhecimento dos bairros da cidade de Glass.

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Seu passado no game é retratado como problemático, pois quando tinha apenas 7

anos presenciou a morte de toda a sua família que participava de um protesto

pacífico contra uma corporativa. Cansada de ter que viver em um mundo onde a

liberdade de expressão era proibida e a mídia controlada pelo rígido governo, a

protagonista resolve entrar para um grupo de corredores rebeldes chamados de

Runners e utiliza toda a sua habilidade e agilidade para entregar mensagens

proibidas sem que o governo perceba, isso tudo através da corrida e do parkour12.

(STACHI, 2011). Quanto ao seu estilo, ainda segundo Fonseca (2013, p. 66) “Possui

cabelo curto, pinturas no rosto e corpo, traduzindo uma mulher independente e

revoltada, que não se importa com valores como sensualidade e feminilidade.” Além

disso, suas roupas são parecidas com as usadas por pessoas que praticam esportes

radicais, pois são confortáveis e não mostram as curvas do corpo. Apesar de não ter

feito muito sucesso no mercado, Faith é um exemplo de protagonista jovem e

independente.

Figura 30 - Faith em Mirror’s Edge, 2008.

Fonte: www.beagamecharacter.com/2013/05/01/the-faith-workout/

12

Parkour é uma disciplina física de origem francesa, em que o participante sobrepõe obstáculos de modo mais rápido e direto possível, utilizando-se de diversas técnicas como saltos, rolamentos e escaladas.

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Entretanto, em 2012, uma empresa especializada em games, a Design e

Pesquisa de Entretenimento Eletrônico (EEDAR), analisou 669 títulos com

protagonistas de ambos os sexos e constatou que somente 24 deles apresentavam

mulheres como protagonistas. Embora existam exceções, a indústria ainda estava

focada em criar protagonistas masculinos.

Em 2013, é lançado um game que foi importante para a história dos jogos

digitais, que teve uma considerável repercussão mundial e que mostrou uma grande

mudança positiva na construção da personagem, o chamado Tomb Raider.

(FONSECA, 2013). Durante os 22 anos de existência do game, a protagonista Lara

Croft sofreu inúmeras alterações visuais e gráficas. Porém, foi só a partir do Tomb

Raider lançado em 2013 que a desenvolvedora resolveu criar uma versão da Lara

Croft (Figura 31) realista, deixando finalmente de lado os exageros anatômicos.

Além de seu aspecto físico, as vestimentas também sofreram uma principal

mudança, essas que se mostravam mais discretas e de acordo com o gênero de

aventura do game. Quanto às mudanças gerais da protagonista, segundo Borges

(2013):

Esqueça tudo o que você conhece sobre Tomb Raider, principalmente aqueles momentos em que Lara desfilava em seu iate super equipado ou esbanjava riqueza ao andar de triciclo no jardim de sua mansão. Aqui você controla uma jovem desesperada em busca de um único objetivo: sobreviver. Esqueça também o sarcasmo e a frieza que a heroína apresentou ao longo de dezenas de títulos. Dessa vez Lara é inexperiente e acaba sendo guiada pelo instinto de sobrevivência.

Figura 31 - Lara Croft no reboot de Tomb Raider, 2013.

Fonte: www.spotern.com/en/spot/movie/tomb-raider-reboot/64625/the-ice-axe-of-lara-croft-in-tomb-raider-2013

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De acordo com Lynch et al. (2016, p. 11) “Se o primeiro Tomb Raider

pode ter sido causa para a tendência de sexualização das personagens femininas

na década de 90, devido ao seu sucesso, o reboot de 2013 é a redenção da série,

que traz uma Lara Croft muito mais humanizada.” A partir disso, a atenção do

público deixava de ser física e passava a ser focada nas habilidades da

protagonista. (GOMES, 2018). Agora, no game mais recente da franquia, Rise of the

Tomb Raider lançado em 2015, Lara Croft (Figura 32) se apresenta mais experiente

e madura, pois suas habilidades estão mais avançadas. Com isso, o game atual

mostrou que fez uma continuação do anterior, apresentando a evolução das

habilidades da protagonista com o passar dos anos, a deixando mais forte e

inteligente. (TEIXEIRA, 2015)

Figura 32 - Lara Croft em Rise of the Tomb Raider, 2015.

Fonte: www.techtudo.com.br/review/rise-tomb-raider.html

The Last of Us13 foi um game que, de acordo com Thees (2017), sofreu

inúmeras críticas por parte de executivos, pois na maioria das artes criadas que

serviria para a divulgação do game, o destaque era maior na protagonista Ellie, e

não no também protagonista Joel, como mostrado na Figura 33. Essa pressão

aconteceu porque os executivos acreditavam que uma menina na capa poderia

prejudicar as vendas. Todavia, além da produtora negar o pedido, fez questão que

mulheres participassem da sua equipe de testes. Ainda de acordo com o autor, o

13

The Last of Us é um game de gênero ação-aventura e sobrevivência lançado em 2013 e desenvolvido pela Naughty Dog e publicado pela Sony Computer Entertainment.

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game ganhou mais de 200 prêmios de Jogo do Ano e vendeu mais de 1,3 milhões

de cópias em apenas uma semana, um sucesso de vendas.

Figura 33 - Ellie e Joel em The Last of Us, 2013.

Fonte: www.techtudo.com.br/listas/2017/11/the-last-of-us-veja-10-curiosidades-sobre-o-game.ghtml

Quanto à jovem protagonista Ellie (Figura 34), ela é um exemplo de

personagem que se destaca por ser corajosa. Apesar de não ser a única

protagonista do game, seu papel é crucial para o desenrolar da história. Desde nova,

ela precisa sobreviver a um mundo apocalíptico e dominado pelo caos. Após uma

contaminação em massa destruir e transformar quase todos os seres humanos em

zumbis, os protagonistas Ellie e Joel se unem para encontrar a cura da infecção.

(DEMARTINI, 2017). Segundo a visão de Gasi (2017), o instinto de sobrevivência é

tão grande que “Matar não é mais um problema. Os mais fracos vivem escondidos e

acuados, enquanto os mais fortes impõem sua supremacia pela violência.” Durante

quase todo o game, ambos os protagonistas enfrentam e tentam se esconder tanto

dos infectados quanto dos próprios seres humanos, onde muitas vezes se mostram

mais perigosos que os outros. Sobre a personalidade de Ellie, Gasi (2017) ainda

acredita que “Ellie pode ser muitas coisas simultaneamente: uma assassina, uma

menina amedrontada, uma guerreira protetora, uma garota maravilhada com a

natureza, uma piadista.” Isto é, apesar da protagonista ser forte e lutar contra seus

inimigos, ela ainda apresenta momentos de humanidade em meio a destruição, pois

continua sendo apenas uma criança com uma responsabilidade grande dentro do

game.

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Figura 34 - Ellie em The Last Of Us, 2013.

Fonte: www.residentevildatabase.com/entrevista-com-luiza-caspary-voz-de-ellie-em-the-last-of-us/

Alien: Isolation é um game de suspense lançado em 2014 muito

conhecido por ter sua criação inspirada na famosa série de filmes “Alien”. Na

história, a protagonista Amanda Ripley (Figura 35) aproveita uma oportunidade para

ir em busca de pistas do desaparecimento de sua mãe, Ellen Ripley, e embarca em

uma estação espacial chamada Sevastopol. Após o plano dar errado e sem

nenhuma arma para se defender, Ripley tem como objetivo principal encontrar um

jeito de escapar da estação com vida, tentando evitar ao máximo se encontrar com o

invasor inimigo: o Alien. Possuindo apenas alguns equipamentos encontrados no

decorrer do cenário, a protagonista é obrigada a utilizar sua inteligência e todo seu

conhecido em engenharia para usar os materiais disponíveis na estação e

sobreviver. (CARVALHO, 2014). De acordo com Gasi (2017) “É uma mudança que

traz diversidade para os games inspirados pela franquia.” O fato da personagem

principal exercer uma profissão de impacto dentro do game e ser determinada,

mostra como existe uma evolução na criação e desenvolvimento das personagens

femininas, onde é cada vez mais frequente encontrar um game com a proposta de

protagonistas femininas fortes, heróicas e corajosas. (GUTIERREZ, 2017).

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Figura 35 - Amanda Ripley em Alien: Isolation, 2014.

Fonte: www.alienanthology.wikia.com/wiki/Amanda_Ripley

Em 2016, as mulheres já ultrapassavam o público masculino,

representando 52,6% do público gamer no Brasil, segundo uma pesquisa feita pela

Game Brasil 2016. Com essa diversidade de consumidores, a indústria dos games

começou a investir ainda mais em games com protagonistas femininas fortes e

heroícas. (LYNCH, 2016). Nesse caso, como exemplo, Senua (Figura 36), a

protagonista do Hellblade: Senua's Sacrifice. Ela é uma personagem poderosa que

apresenta uma força de vontade interna fora do comum e um desafio de superação

muito forte. Lançado em 2017, com foco na cultura viking e no desenvolvimento dos

personagens, o game conta a história de Senua, uma guerreira celta que, após ter o

seu povo destruído por uma terrível invasão viking inimiga, fica traumatizada e

começa a desenvolver psicoses, isto é, começa a ouvir vozes e a ver uma realidade

distorcida, fruto de sua imaginação. Tendo como objetivo central encarar seus

medos para ter um pouco de sanidade, a protagonista acaba embarcando em uma

aventura sombria, em direção a um submundo infernal, onde precisa enfrentar vários

inimigos em combates mortais. (VINHA, 2017). Entretanto, ainda de acordo com

Vinha (2017), o game é tão focado nos distúrbios da mente da protagonista, que faz

questão que “o jogador seja lembrado que os maiores inimigos não são aqueles que

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estão em sua frente durante um combate, mas sim os que moram em sua cabeça.”

Ou seja, além de ter que enfrentar os inimigos em sua realidade, Senua precisa ser

forte o suficiente para compreender o que é real e o que é apenas obra de sua

mente instável.

Figura 36 - Senua em Hellblade: Senua's Sacrifice, 2017.

Fonte: www.pstrophies.com.br/hellblade-senuas-sacrifice-ganha-novo-trailer-sombrio/

Após uma apresentação breve dessas protagonistas é possível entender

que, com base em Fonseca (2013, p. 48) “no século XXI, percebe-se que o número

de personagens e protagonistas femininos aumenta. Aumenta também o trabalho

em cima das características pessoais das personagens e sua autonomia perante a

figura masculina.”

Com o crescimento do público feminino no universo dos games, cada vez

é mais frequente encontrar personagens femininas fortes e heróicas, livres de

estereótipos onde a mulher é dita como frágil e dependente. Além disso, a tendência

de diminuição da sexualização na criação das personagens femininas provou ser

promissora para o surgimento de uma cultura de games igualitários para todos, pois

uma vez que games com protagonistas femininas começaram a ser lançados, mais

mulheres começaram a entrar na indústria e adquirir produtos. (LYNCH, 2016)

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4 ANÁLISE

A análise apresentada a seguir está dividida em quatro partes.

Primeiramente, será apresentada brevemente algumas informações sobre o game

Horizon Zero Dawn e, em seguida, a história do game, com ênfase nos primeiros

momentos de jogabilidade. A segunda parte será composta pelo perfil arquetípico da

protagonista Aloy, com base em três autores diferentes, sendo eles: Mark e Pearson

(2001), Myss (2013) e Lynn (2012). Foi escolhido um arquétipo de cada autor para

identificar os arquétipos presentes na protagonista, todos diferentes um do outro,

manifestados no início do game até a cena da Provação, onde a personalidade de

Aloy é formada. Num terceiro momento, será explicado o perfil arquetípico de Aloy

no contexto do feminismo, fazendo uma breve comparação com o conceito de

feminismo. A última e quarta parte, será mostrada uma linha do tempo, que servirá

como apoio para entender melhor a relação entre o perfil arquetípico e as

personagens femininas de games no contexto do feminismo.

4.1 HORIZON ZERO DAWN

Horizon Zero Dawn é um game de gênero ação lançado em fevereiro de

2017. Desenvolvido pela Guerrilla Games e publicado pela Sony Interactive

Entertainment unicamente para o PlayStation 4, é um game de mundo aberto

ambientado em um novo tipo de cenário pós-apocalíptico com uma história

interessante, personagens memoráveis e uma ambientação incrível. Somando mais

de 7,6 milhões de unidades vendidas em apenas um ano, Horizon Zero Dawn

ocupa, atualmente, o primeiro lugar de games que mais fizeram sucesso criados por

um estúdio da Sony para a plataforma PlayStation 4. Além de ser um grande

sucesso de vendas, o game faturou em fevereiro de 2018 dois prêmios na 21º

edição do D.I.C.E. Awards14, um que avaliava o desempenho técnico e o outro a

história.

Considerado pelos críticos um dos melhores games do ano e um dos

mais bem-sucedidos comercialmente, Horizon Zero Dawn apresenta uma premissa

bastante incomum, pois quebra estereótipos culturais relacionados à representação

feminina nos games, uma vez que é uma jovem mulher que assume o papel de 14

É uma premiação americana que reconhece os melhores videogames do ano: jogos de console, jogos de computador, entretenimento online, pessoas e equipes que participaram do desenvolvimento do game.

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protagonista heroica que luta bravamente contra criaturas robóticas para sobreviver

e encontrar respostas. Além disso, os papéis de gênero apresentados aqui não se

desenvolvem ao longo das linhas patriarcais, ou seja, pessoas de diferentes etnias,

principalmente mulheres, podem assumir qualquer profissão e prosperar, seja ela

uma chefe de guerra, caçadora ou simplesmente mulheres que assumem posições

de poder e autoridade, como as Matriarcas, por exemplo. Em uma entrevista feita

pelo Polygon, um site de notícias espanhol, o diretor executivo da Sony Interactive

Entertainment, Shuhei Yoshida, admitiu ter se sentido nervoso no lançamento do

game, pois segundo ele, toda a equipe tinha dúvidas quanto a reação do público em

relação a protagonista principal ser uma mulher, uma heroína pouco convencional.

Essa dúvida referente a Aloy surgiu ainda no desenvolvimento do game, mais

especificamente na criação da personagem. Em um vídeo liberado pela Sony, a

desenvolvedora Guerrilla Game afirmou que “No começo do projeto não sabíamos

exatamente quais seriam as regras do mundo, então entre esses pilares, Aloy tinha

que ser uma personagem muito ágil e fluida, e a mecânica de combate, além do

sistema furtivo, tinham de ser perfeitos". A partir dessa ideia e de muito estudo,

nasceu a protagonista Aloy, uma jovem mulher extremamente forte, bem

desenvolvida, inteligente, carismática e que seria o novo mascote da Guerrilla

Games.

4.2 HISTÓRIA

O game se passa em um futuro pós-apocalíptico, aproximadamente mil

anos após uma grande guerra misteriosa entre os humanos acabar com quase toda

a humanidade, onde o verde da natureza domina o mundo e máquinas hostis

gigantescas vagam livremente pela paisagem sem o controle dos humanos. Em

Horizon Zero Dawn, várias tribos de diferentes etnias compartilham de diferentes

tradições, pensam e vivem de maneira completamente oposta uma das outras, onde

uns acreditam em religião e outros na ciência, uns são mais evoluídos

tecnologicamente e culturalmente do que outros, onde a tecnologia abandonada

pela civilização anterior causa certa estranheza para alguns e curiosidade por parte

de outros que ali vivem. Entre as principais tribos existentes, está a tribo a qual Aloy

foi exilada, Nora. Eles são como uma típica tribo nativa que tira seu sustento da

natureza, onde os habitantes são treinados desde jovens a irem em busca de

recursos e a caçarem máquinas para sua própria sobrevivência. São totalmente

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primitivos, pois repudiam qualquer tentativa de evolução e usam equipamentos

arcaicos, como a lança e o arco e flecha. Os demais membros da tribo Nora são

liderados por anciãs conhecidas por Matriarcas e todos acreditam em uma Deusa

chamada Mãe-de-Todos, aquela que criou tudo o que existe na Terra.

A história começa com um homem chamado Rost e um bebê de apenas 6

meses (Figura 37), sem nome, indo para uma espécie de ritual. Normalmente, nesse

ritual, o bebê teria o seu nome escolhido pela sua mãe e sua tribo estaria presente

juntamente com as Matriarcas, porém, Rost diz ao bebê que ela não tem mãe, nem

pai, e que ambos são exilados da tribo chamada Nora, portanto, precisariam seguir

com o ritual sozinhos. Durante o trajeto, Rost explica um pouco sobre a história do

lugar e algumas das tradições das tribos que ali vivem, bem como o motivo que

acredita que levou a extinção da maioria dos humanos na Terra. Chegando ao local

onde as tribos antigas faziam uma espécie de batismo, a bebê é apresentada a

natureza e tem seu nome abençoado às escondidas por uma Grande Matriarca, a

Teersa, a qual resolve ajudar Rost e a criança, agora batizada de Aloy.

Figura 37 - Rost e a bebê a caminho do ritual.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A

Passando-se seis anos após o batismo, Aloy agora é uma criança que se

mostra cada vez mais curiosa sobre tudo o que a rodeia. Apesar de ter o

conhecimento de que é uma exilada de sua tribo, mesmo sem saber o motivo, ela

tenta, sem sucesso, se aproximar de outras crianças. Chateada por ser sempre

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evitada por todos, Aloy acaba tropeçando e caindo em uma ruína, uma espécie de

destroços da civilização anterior, lugar que é proibido pelos Nora, pois eles

acreditam ser amaldiçoado. Lá ela encontra um dispositivo misterioso e

desconhecido chamado de Foco. Esse aparelho é capaz de mapear o ambiente,

ouvir gravações e projetar hologramas apenas o posicionando próximo ao ouvido. E

é isso que Aloy faz durante todo o game, pois o dispositivo a ajuda nas batalhas e a

ajuda a entender sobre o que aconteceu com o mundo no desenrolar da história.

Quando Rost a encontra com esse aparelho, percebe que está na hora de lhe

ensinar a sobreviver sozinha na natureza. O uso do arco e flecha, a habilidade na

pontaria e a agilidade na coleta de recursos só foram alguns dos conhecimentos

aprendidos pela protagonista no decorrer do treinamento. Cheia de dúvidas e

questionamentos quanto a sua origem, sobre quem era sua mãe e porque ela era

uma exilada, Aloy decide ir a procura das pessoas que poderiam responder todas a

essas perguntas, as Matriarcas da tribo Nora. Todavia, para isso, Aloy precisaria

passar por um rito de passagem muito perigoso, chamado de a Provação, onde o

vencedor deixaria de ser um exilado e as Matriarcas concederiam a ele um desejo. A

partir disso, Rost decide treinar Aloy até que ela esteja preparada para enfrentar tal

desafio (Figura 38).

Figura 38 - Rost e Aloy no treinamento.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A

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Foram anos de treinamento até Aloy se sentir, finalmente, apta a enfrentar

tal teste. Agora mais madura e mais habilidosa do que nunca, ela parte para o

vilarejo da tribo Nora onde será realizado a Provação (Figura 39).

Figura 39 - Aloy e Rost em frente ao vilarejo onde será realizado o rito.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A

Apesar de ter vencido o desafio, tudo dá errado para a protagonista. O

vilarejo é atacado por um grupo misterioso e, tentando proteger Aloy, Rost desiste

de sua própria vida para salvar a dela. Após o ataque à aldeia e a morte de seu pai

adotivo, Aloy finalmente descobre o motivo de ter sido exilada de sua tribo quando

recém-nascida. Por ela ter sido encontrada em frente a uma grande porta de aço e

pela tribo Nora ser contra a qualquer tipo de coisa que tenha a ver com os robôs e

de onde eles vieram, foi o motivo que a levou ao exílio. Todavia, Teersa, a Matriarca

que a ajudou desde quando era um bebê, sempre acreditou que Aloy tivesse sido

enviada por algum motivo especial e que seu destino seria ajudar as pessoas do

planeta. Por esse e outros motivos, Aloy é escolhida para a tarefa de procurar a

verdade e acabar com a corrupção. Entretanto, a jornada não é nada fácil para a

protagonista, pois no decorrer da missão, ela descobre que é o ponto chave para a

solução de todo o mistério que envolve a Terra e é a única pessoa que pode salvar o

planeta de uma terrível destruição.

4.3 O PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY

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Aloy foi uma personagem criada, desde o começo, para ser uma heroína.

Os desenvolvedores já tinham em mente, muito antes de criar a própria história, uma

jovem mulher de cabelos ruivos, com seu arco e flecha, em um planeta pós-

apocalíptico, lutando contra máquinas futurísticas. Todavia, Horizon Zero Dawn não

se concentra apenas em Aloy como uma jovem adulta, habilidosa e destruindo

máquinas com grande facilidade. A história também nos apresenta Aloy quando era

apenas um bebê de 6 meses e uma criança de 6 anos. Essa passagem de tempo e

os acontecimentos fizeram com que o game fornecesse informações importantes

para entendermos a personalidade de Aloy, bem como a construção do seu perfil

arquetípico.

4.3.1 O Messias Feminino

Logo no início do desenvolvimento da história, Aloy já demonstrava ser

uma criança com uma grande força interior. Nascida exilada de sua tribo, sem pais e

amigos, tendo apenas Rost como companhia, teve que aprender desde cedo a ser

forte. Percebendo a curiosidade de Aloy em descobrir mais coisas sobre o que a

rodeava, Rost decide lhe treinar e ensinar a como caçar máquinas e sobreviver.

Porém, no meio do treinamento, um membro da tribo Nora que estava por perto se

machuca e fica muito próximo as máquinas hostis. Aloy, mesmo possuindo pouca

experiência, contra a vontade de Rost e sem pensar duas vezes, decide por contra

própria arriscar a sua vida para salvar um desconhecido (Figura 40).

Figura 40 - Aloy, ao fundo, salvando o membro da tribo Nora.

Fonte: www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A

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A partir dessa cena, é possível identificar um dos arquétipos que define o

perfil arquetípico da protagonista no decorrer da história: O Messias Feminino.

Segundo Lynn, quanto às características, a pessoa que possui esse arquétipo é

altruísta e sempre se sacrificará pelos outros. Não apenas nessa cena, mas em

várias outras, Aloy se dispõe a ajudar habitantes de diversas tribos, mesmo que isso

lhe colocasse em perigo ou lhe custasse a vida.

4.3.2 A Rebelde

Apesar de Aloy possuir um bom coração e sempre estar disposta a ajudar

os outros, ela demonstra a sua rebeldia por diversas vezes no game. Afinal, seguir

regras não é com ela. A cena escolhida para explicar a presença do arquétipo “A

Rebelde” na protagonista, é quando Aloy promete a Rost que, por mais que passe

na Provação e passe a ser um membro da tribo Nora, nunca deixará de falar com

ele, mesmo que isso lhe cause consequências.

Figura 41 - Aloy prometendo a Rost que nunca deixará de falar com ele.

Fonte: www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A

Como explicado anteriormente, os membros da tribo são extremamente

proibidos de manter qualquer contato com exilados e, caso isso venha a ocorrer, o

membro sofrerá como punição o exílio permanente dos Nora. Porém, isso não

intimida Aloy, que segue firme em sua decisão até o fim. De acordo com Myss

(2013), quanto aos objetivos, o arquétipo “A Rebelde” faz com que a pessoa quebre

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qualquer barreira que lhe proíba de ser livre. Aloy, durante a história, além de

quebrar a regra que a proíbe de falar com exilados, utiliza um dispositivo, também

proibido, criado pelo Mundo Mecânico, como é chamado por Rost. Por diversas

vezes, a protagonista desafia as regras e se expressa de forma diferente dos demais

da tribo, isto é, não segue as mesmas crenças e vai em busca de sua própria voz,

outra característica importante do arquétipo “A Rebelde”, segundo a autora.

4.3.3 O Herói

Provar o seu próprio valor por meio de uma ação perigosa e difícil, é o

que Aloy faz durante todo o desenrolar do game. Esse, segundo Mark e Pearson

(2001), é o objetivo principal do arquétipo “O Herói”. O primeiro momento em que a

protagonista tenta provar para si e para os outros a sua capacidade de ser uma

Nora, é durante o rito da Provação, uma prova de resistência e agilidade muito difícil,

onde os membros da tribo e os exilados possuem uma oportunidade de se tornarem

valentes. No decorrer da Provação, Aloy precisa caçar máquinas, escalar montanhas

e saltar objetos. Como se não bastasse ser perigoso o suficiente, ela se arrisca em ir

para um atalho ainda mais perigoso (Figura 42), onde participantes anteriores já

haviam se machucado fatalmente. Porém, após alguns sustos e muita habilidade,

Aloy é a primeira a chegar e, por fim, ganha a Provação.

Figura 42 - Aloy durante a Provação.

Fonte: www.youtube.com/watch?v=8rU0nVb-45A

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Em outros momentos, Aloy usa de suas habilidades para vencer a

corrupção e salvar a Terra, mais uma característica importante do arquétipo “O

Herói” encontrado na protagonista que, de acordo com as autoras, tem como meta

exercer a maestria de modo a melhorar o mundo. Por último, quanto às

características positivas, o arquétipo exige força, competência e coragem,

qualidades que se encaixam perfeitamente em Aloy. Ela usa a força para se proteger

e sobreviver, demonstra competência em vencer todos os desafios e mostra

coragem ao encarar as perigosas missões e inimigos.

Figura 43 - Os três arquétipos encontrados na Aloy.

Fonte: Figura criada pela estudante com base na análise do perfil arquetípico da Aloy.

4.4 O PERFIL ARQUETÍPICO DE ALOY NO CONTEXTO DO FEMINISMO

De acordo com Valek (2014), o perfil de mulher que o feminismo busca

deixar é de que a mulher é forte, persistente e independente. E a Guerrilla Games

criou uma heroína, corajosa e independente, forte o suficiente para enfrentar

qualquer desafio, inclusive, para inspirar os jogadores não apenas pela sua força,

complexidade e inteligência, mas também pela sua feminilidade. Além disso, Aloy

não é uma protagonista sexualizada. Suas curvas não são desproporcionais e suas

roupas e armaduras tribais não foram criadas com o intuito de realçar seus atributos

físicos ou agradar olhares masculinos (Figura 44).

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Figura 44 - Perfil da Aloy.

Fonte: www.artstation.com/artwork/JQErv

Agora, partindo do princípio em que o feminismo defende os direitos das

mulheres a fim de garantir a igualdade entre os gêneros, Horizon Zero Dawn é um

game que apresenta o equilíbrio entre o homem e a mulher, ou seja, as

oportunidades são as mesmas para ambos. E Aloy incorpora bem essa igualdade,

desde o início do game, quando tenta se comunicar com os Nora mesmo sendo uma

exilada, até o final do mesmo, onde ela consegue unir as tribos de todo o mundo

para lutar contra o inimigo e salvar a Terra da extinção.

Mesmo sendo a protagonista, Aloy não é a única mulher que desenvolve

um papel importante e de poder no decorrer da história. Há personagens femininas

como líderes de tribos, caçadoras, guerreiras e chefes de batalhão. Inclusive, desde

o início do game, já fica claro que as mulheres possuem certa autoridade e

destaque. Em Horizon Zero Dawn, não existe aquela ordem patriarcal em que o

homem sente a necessidade de controlar as mulheres, bem pelo contrário.

Além da luta pela igualdade entre os gêneros, o feminismo de terceira

onda, o qual é considerado o atual, luta também pela diferença dentro da diferença,

ou seja, a diferença entre as próprias mulheres. O feminismo não é composto

apenas por mulheres brancas de classe média alta, como era abordado no

feminismo da segunda onda, mas sim por mulheres de todas as etnias, religiões,

culturas e classes sociais. E o game retrata isso perfeitamente. Além de cada tribo

ter a sua cultura e religião, há várias personagens femininas de diversas etnias, e o

game não tem como propósito, de forma alguma, diferenciar ou discriminar qualquer

personagem com base em seu gênero ou cor de pele.

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Apesar de Horizon Zero Dawn apresentar uma história revolucionária,

onde a protagonista assume o arquétipo de herói e as personagens femininas

exercem papéis importantes e não são objetificadas, a desigualdade entre homens e

mulheres perdurou por bastante tempo e o feminismo só começou a surgir efeito na

indústria dos games de uns anos para cá, como pode ser observado na imagem

abaixo:

Figura 45 - Paralelo entre feminismo, personagens femininas e arquétipos.

Fonte: Figura criada pela estudante.

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Em 1980, no final da segunda onda do feminismo e início da terceira

onda, marcada pela luta das mulheres pelo direito ao prazer próprio, pelo corpo e

contra a dominação masculina, inclusive pela reinvindicação da diferença entre as

próprias mulheres, surgia o primeiro game com uma personagem feminina, chamado

Donkey Kong. Nesse período, entre 1980 e 1995, as mulheres já haviam

conquistado inúmeros direitos e não eram mais vistas como frágeis e submissas,

porém, o arquétipo predominante que representava as mulheres nos games, nessa

mesma época, era o de donzela em perigo, ou seja, onde uma personagem feminina

é colocada em situação de perigo do qual não pode escapar sozinha, sendo

necessário ser resgatada sempre por um personagem masculino, sendo esse

geralmente o protagonista. Quando a personagem não é sequestrada, é identificada

como a namorada do herói ou apenas é um troféu a se conquistar. Pauline, a

princesa Peach e a Zelda são somente alguns exemplos de personagens que são

classificadas com esse perfil arquetípico.

Entretanto, o arquétipo de guerreira sexy e de femme fatale só apareceu

em 1996, com o lançamento do primeiro Tomb Raider. A partir desse mesmo ano,

mais especificamente até 2005, as personagens femininas nos games eram

extremamente sexualizadas, isto é, apresentavam roupas que as deixam

parcialmente nuas ou vestidas inadequadamente para o gênero do game. Como a

maioria dos desenvolvedores de games eram homens e o público alvo também, de

acordo com as pesquisas, isso acabou contribuindo para esse aumento de perfil

arquetípico negativo.

Foi somente em 2006 que a criação de personagens femininas

sexualizadas ao extremo sofreu uma queda, dando espaço para a criação de poucas

protagonistas realistas que apresentavam o arquétipo de herói, onde se mostravam

fortes, inteligentes e independentes. Com o surgimento dessas protagonistas e com

a diminuição da sexualização das personagens, houve um crescimento no interesse

do público feminino nos games. Em 2016, o público feminino já ultrapassava o

masculino, representando 52,6% do público gamer no Brasil, segundo uma pesquisa

feita pela Game Brasil 2016. Consequentemente, com a predominância das

mulheres nesse mercado, os desenvolvedores começaram a investir ainda mais em

games com protagonistas femininas fortes e heroicas. Todavia, apesar do público

feminino ter crescido consideravelmente nos últimos anos, a maioria dos

personagens criados ainda são masculinos e algumas personagens femininas

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continuam desempenhando papéis que não representam a verdadeira mulher de

hoje em dia.

Para finalizar, como citado anteriormente, Horizon Zero Dawn é

considerado um game revolucionário por dar tanta ênfase às mulheres como

personagens fortes e livres de estereótipos. Todavia, ele foi lançado em 2017, e o

feminismo buscava por esse perfil desde sua primeira onda, no século XIX e início

do século XX. Sendo assim, após a análise das linhas do tempo, pode-se afirmar

que o feminismo e seus objetivos não acompanharam a evolução na indústria dos

games. Portanto, no contexto do feminismo, não há relação entre o perfil arquetípico

e as personagens femininas nos games.

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5 CONCLUSÃO

Falar sobre um tema que dispõe de pouco material e que ainda carece de

estudos é uma tarefa delicada. A evolução na indústria dos games juntamente com o

crescimento do público feminino nesse universo que era tido somente como

masculino, levaram a uma mudança gradativa e positiva na representação das

mulheres nos games, inclusive do perfil arquetípico.

As primeiras personagens femininas criadas entre 1980 e 1995, eram

retratadas como frágeis e incapazes, e acabavam por depender sempre de um

personagem masculino no game. A popularidade dos arquétipos “donzela em

perigo” e “femme fatale” fizeram com que o mercado dos games estabelecesse um

padrão, onde os homens eram os heróis e as mulheres desempenhavam somente

papéis de interesse masculino, ou seja, quando não eram sexualizadas ao extremo,

eram objetos a se conquistar ou um tesouro a encontrar. Na mesma época, em

paralelo com a indústria dos games, o feminismo seguia lutando contra qualquer tipo

de desigualdade entre os gêneros. Acesso à educação, direito ao voto e participação

feminina na política foram apenas alguns dos direitos conquistados pelas feministas,

muito antes do primeiro game ser lançado. De acordo com Valek (2014), o perfil de

mulher que o feminismo sempre buscou deixar é de que a mulher é forte, persistente

e independente, muito diferente do que era e ainda é - em menor quantidade -

mostrado pelo mercado de games. Partindo desse fato e também dos elementos

apresentados sobre o feminismo, personagens femininas nos games e o perfil

arquetípico das mesmas no decorrer dos anos, se pode afirmar que, de fato, não há

relação entre o perfil arquetípico e as personagens femininas no contexto do

feminismo.

Ainda assim, na última década, as personagens femininas vêm

apresentando mudanças positivas em seu perfil arquetípico. Apesar de representar

ainda a minoria, se comparado ao número de games lançados com protagonistas

masculinos, algumas personagens exercem o papel principal no enredo, como

protagonistas heroicas e fortes. É o caso da protagonista Aloy em Horizon Zero

Dawn, analisada no capítulo anterior. Além de desempenhar o papel de uma heroína

e apresentar um perfil arquetípico no contexto do feminismo, o mundo em que ela

vive é matriarcal. Ou seja, o game todo deixa nítido a importância do papel das

mulheres na história, sendo elas líderes de tribos, caçadoras, chefes de batalhão, ou

mães.

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Após mais de 30 anos de mercado, agora é visível a diversidade de

personagens e protagonistas femininas que antes não existiam nesse universo.

Protagonistas femininas que fogem do papel estereotipado e que assumem papéis

de destaque, cada vez mais importantes. Apesar do feminismo não ter contribuído

desde o início para a criação de personagens femininas nos games, por outro lado,

continua lutando para que a mulher não seja mais vista pela maioria como frágil,

incapaz de assumir papéis que antes não lhe eram permitidos, tanto na vida real

quanto na dos games.

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ANEXO A – PROJETO DE PESQUISA

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

PAOLA DALLA CHIESA

O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO

DAWN E A RELAÇÃO COM O PERFIL DA CONSUMIDORA GAMER

Caxias do Sul 2017

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

PAOLA DALLA CHIESA

O PERFIL ARQUETÍPICO DA PROTAGONISTA DO GAME HORIZON ZERO

DAWN E A RELAÇÃO COM O PERFIL DA CONSUMIDORA GAMER

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação na disciplina de Monografia I Orientador(a): Eduardo Luiz Cardoso

Caxias do Sul 2017

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 04 2 TEMA ................................................................................................................. 05 2.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ............................................................................... 05 3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 06 4 QUESTÃO NORTEADORA ............................................................................... 07 5. OBJETIVOS ...................................................................................................... 08 5.1 OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 08 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 08 6. METODOLOGIA ............................................................................................... 09 7. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................. 10 7.1 FEMINISMO E ARQUÉTIPOS ......................................................................... 10 7.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E OS GAMES................................. 14 7.3 HORIZON ZERO DAWN................................................................................... 18 8. ROTEIRO DOS CAPÍTULOS ............................................................................ 19 9. CRONOGRAMA ............................................................................................... 20 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 21

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1 INTRODUÇÃO

Da mesma forma que a mulher foi coadjuvante em relação ao homem

durante muito tempo no decorrer da história, na indústria dos games não foi

diferente. Em um passado não tão distante assim, os games eram criados e

direcionados exclusivamente para o público masculino. As personagens femininas

mencionadas nos games eram fortemente sexualizadas e as imagens arquetípicas

eram distorcidas, sempre colocando o papel da mulher como donzela em perigo,

garota sexy ou namorada do herói. Não havia alguma personalidade e eram criadas

somente para atrair o público masculino. Não havia espaço para o protagonismo nos

games.

Todavia, nas últimas décadas, houve mudanças na cultura, tanto na

conquista dos direitos da mulher quanto na dos games. A participação do público

feminino como consumidoras de games cresceu, obrigando os desenvolvedores a se

adequarem conforme o perfil do público. Ainda são poucas as personagens

femininas que não se encaixam no habitual, que ganham destaque na estória e que

não são sexualizadas ao extremo. Uma prova disso são os games com

protagonistas femininas que estão sendo criados e que as personagens são tidas

como ícones da representação feminina. Ou seja, assumem o papel de herói e não

mais o de donzela em perigo.

Este trabalho procurará mostrar a mudança da indústria gamer em

relação ao crescimento recente de consumidoras femininas e a quebra da cultura

arquetípica tradicional da mulher que a colocava sempre como coadjuvante ou

segundo plano. Além disso, este texto focalizará em analisar o perfil arquetípico da

protagonista do game Horizon Zero Dawn e irá relacionar com o perfil das

consumidoras desse game.

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2 TEMA

O feminismo e sua relação com os arquétipos e a comparação entre o

perfil das consumidoras do game Horizon Zero Dawn e a protagonista arquetípica

desse game.

2.1 Delimitação do tema

Estudo dos direitos conquistados pelo feminismo e a representação

arquetípica da mulher na sociedade. Os fatores pessoais e culturais que influenciam

no comportamento da consumidora de games. Identificação dos arquétipos

presentes na protagonista do game Horizon Zero Dawn a partir do estudo dos

arquétipos da psiquiatra junguiana Jean Shinoda Bolen e a comparação desses

arquétipos encontrados na protagonista com o perfil da consumidora desse game.

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3 JUSTIFICATIVA

O presente trabalho é especialmente importante devido aos seus

objetivos de pesquisa, que mostram a luta feminina pela igualdade entre os homens

e as mulheres, as mudanças na indústria de games com a chegada do público

feminino, a análise do perfil arquetípico da protagonista do jogo Horizon Zero Dawn

e a comparação com o perfil das consumidoras desse game.

O tema escolhido é relativamente novo, não existem muitos assuntos

referentes a games e mulheres, pois o mercado há pouco tempo atrás era focado

apenas no público masculino. Surge então a oportunidade para pessoas

interessadas e que desconhecem sobre o assunto, de utilizar este material para

pesquisa e conhecimento. Além disso, é formidável para as consumidoras gamers

observar essa mudança na criação dos games atuais, pois as personagens estão

ganhando espaço principal, assumindo as mesmas características que antes eram

somente dos homens. As imagens arquetípicas que caracterizavam as personagens

já não são mais as mesmas, possibilitando agora uma possível identificação do perfil

da consumidora com o perfil da protagonista. Isso é o resultado de muita história de

luta e do reconhecimento do mercado em acreditar que as mulheres podem assumir

o protagonismo tanto quanto os homens, e fazer sucesso igual ou até superior.

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4 QUESTÃO NORTEADORA

Qual a relação entre o perfil da protagonista arquetípica do game Horizon

Hero Dawn e o perfil das consumidoras desse game?

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5 OBJETIVOS

5.1 Objetivo geral

Examinar o perfil arquetípico da protagonista do game Horizon Zero Dawn

e comparar com o perfil das consumidoras.

5.2 Objetivos específicos

- Estabelecer uma relação entre o feminismo e os arquétipos;

- Mostrar a mudança da indústria de games com a chegada da

consumidora gamer;

- Descobrir qual é o perfil arquetípico da protagonista do game Horizon

Zero Dawn;

- Examinar os sete arquétipos das Deusas Gregas no ponto de vista da

psiquiatra junguiana Jean Shinoda Bolen e relacionar com a protagonista do game

Horizon Zero Dawn e o perfil das jogadoras desse game.

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6 METODOLOGIA

Esse trabalho terá uma pesquisa de caráter exploratório e abordagem

qualitativa. As pesquisas exploratórias, segundo Gil (2002, p. 41) “[...] têm como

objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições.” O autor

diz ainda “Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a

consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado.” (GIL, 2002, p.

41). A pesquisa será feita através de documentos disponíveis em publicações e

fontes bibliográficas, tendo como principal finalidade obter informações que

contribuam para compreender a relação entre o feminismo e os arquétipos e a

mudança da indústria de games com a chegada da consumidora gamer.

A metodologia a ser delineada será o estudo de caso, pois de acordo com

Fonseca (2002 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 39):

Um estudo de caso pode ser caracterizado como um estudo de uma entidade bem definida como um programa, uma instituição, um sistema educativo, uma pessoa, ou uma unidade social. Visa conhecer em profundidade o como e o porquê de uma determinada situação que se supõe ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico. O pesquisador não pretende intervir sobre o objeto a ser estudado, mas revelá-lo tal como ele o percebe. O estudo de caso pode decorrer de acordo com uma perspectiva interpretativa, que procura compreender como é o mundo do ponto de vista dos participantes, ou uma perspectiva pragmática, que visa simplesmente apresentar uma perspectiva global, tanto quanto possível completa e coerente, do objeto de estudo do ponto de vista do investigador.

Para Yin (2001, p. 27) “O estudo de caso é a estratégia escolhida ao se

examinar acontecimentos contemporâneos mas quando não se podem manipular

comportamentos relevantes.” Segundo o autor, o grande diferencial do estudo de

caso é que se pode lidar com várias evidências: documentos, artefatos, entrevistas e

observações.

Pretende-se utilizar como técnica para a coleta de dados um questionário,

que será enviado via e-mail e via Facebook para as consumidoras do game Horizon

Zero Dawn e que, de alguma forma, estão conectadas com o universo gamer. Após

a coleta de resultados, será feita a análise para se chegar a conclusão que permite

responder a questão norteadora.

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7 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

7.1 FEMINISMO E ARQUÉTIPOS

O mundo atual vive em grande transformação. Novos hábitos, valores,

crenças e culturas fazem com que as pessoas conquistem, de certa forma, um

espaço próprio na sociedade. É essa necessidade que, da mesma maneira, faz com

que lutem sem se submeter à obrigação de ordem social. No início dos tempos, na

mitologia grega, houve uma grande valorização do feminino com a representação

arquetípica das Deusas, porém, com a criação do patriarcado, a mulher foi deixada

como coadjuvante, perdendo assim o seu desenvolvimento na história.

Após o tempo das cavernas e no decorrer dos séculos, o perfil das

mulheres tem sido criado a partir de pressupostos determinados antecipadamente

por um ponto de vista de dominação patriarcal, prejudicando-as no desenvolvimento

social e as colocando como um ser inferior. E, no ponto de vista da autora Cecil

Jeanine Albert Zinani, para a libertação da mulher, é preciso desconstruir os

conceitos tradicionais fixos, rever o papel de ambos os sexos e os preparar para

encarar as novas tarefas com igualdade.

O movimento feminista das últimas décadas vem ajudando na construção

dos direitos igualitários. Desde a Revolução Francesa, no século XVIII, a mulher vem

provando ser diferente, deixando de ser submissa ao homem, participando de

manifestações e impondo sua voz. Todavia, antes disso, a revolução feminina teve

que atravessar vários estágios. A pesquisa de Kolbenschlag (1991) diz que na

primeira fase do estágio, o movimento feminino foi caracterizado pelo conhecimento

do próprio abuso patriarcado que delimitava a vida da mulher. Esse conhecimento

fez com que a mulher lutasse pela igualdade e libertação da dependência

econômica e psicológica. O segundo estágio ficou marcado pelo resgate do feminino

autêntico, ou seja, a busca pela espiritualidade e visão essencial. Já a terceira fase,

a luta era pela integração e participação na política.

Portanto, desde o início do movimento até os dias atuais, o feminismo

procurou superar as organizações tradicionais dominadas pela hierarquia. Para os

autores Alves e Pitanguy (1970, p. 09):

O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a

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modelos hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em sua globalidade.

De acordo com Cecil Jeanine Albert Zinani em seu livro – Literatura e

Gênero: A construção da identidade feminina – essa desigualdade social teve início

desde os primórdios:

[...] quando o homem saiu para prover a subsistência, enfrentando animais ferozes, e consequentemente, desenvolvendo uma série de habilidades, enquanto ela ficou escondida na caverna, cuidando da prole. (ZINANI, 2006, p. 188).

Essa divisão de tarefas possibilitou uma maior evolução de certos

potenciais arquetípicos na mulher, como a sensibilidade, agressividade, emoção,

intuição, hospitalidade, fertilidade, cuidado e transformação.

Os arquétipos são um conjunto de imagens primordiais armazenadas no

inconsciente coletivo, ou seja, essas imagens são criadas a partir de uma repetição

de uma mesma experiência durante várias gerações, que se manifestam através de

sonhos, mitos e fantasias de maneira simbólica. Fato que pode explicar os motivos

que levaram ao começo da luta pela mudança dos arquétipos femininos no decorrer

dos anos. JUNG (2000, p. 15), em seu livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo,

afirma que nós temos uma camada mais profunda do que a camada superficial no

consciente pessoal, chamada de inconsciente coletivo. E os conteúdos do

inconsciente coletivo são chamados de arquétipos.

O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2000, p. 15)

Esses conteúdos são imagens universais primordiais que existiram desde

os tempos mais antigos. Ainda de acordo com JUNG (1986, p. 180):

Cada homem sempre carregou dentro de si a imagem da mulher; não é a imagem desta determinada mulher, mas a imagem de uma determinada mulher. Essa imagem, examinada a fundo, é uma massa hereditária inconsciente, gravada no sistema vital e proveniente de eras remotíssimas;

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é um "tipo" ("arquétipo") de todas as experiências que a série dos antepassados teve com o ser feminino, é um precipitado que se formou de todas as impressões causadas pela mulher, é um sistema de adaptação transmitido por hereditariedade.

Para Jung, essa imagem da mulher que o homem carrega é denominada

de anima, parte do arquétipo que existe no inconsciente, que é a essência feminina

que vive no homem. Em contrapartida, o animus é o oposto, é a essência masculina

que vive no inconsciente da mulher. Não tem nada relacionado com gênero, significa

que o masculino tem que ter o feminino e o feminino tem que ter o masculino. De

acordo ainda com Jung, uma pessoa pode ter vários tipos de animus, como por

exemplo, o protetor, o campeão. E vários tipos de anima, como: a mãe, a virtuosa, a

espiritual.

Uma expressão típica para a transmissão de conteúdos coletivos seria a

forma como os tribais primitivos tratavam os arquétipos, pois o conteúdo não era

inconsciente, mas sim consciente, pois eram transmitidos através da tradição. Outra

forma de expressão conhecida dos arquétipos é por meio do conto de fadas e o

mito, que também são transmitidas através de longos períodos de tempo. As

imagens arquetípicas das deusas da mitologia grega também permanecem na

mente humana, segundo Bolen (1990, p. 7). A psiquiatra junguiana acredita que

cada mulher possui uma ou mais deusas em seu interior e, conhecer cada uma

delas, faz com que mulher compreenda seus sentimentos e recupere seu Eu.

A presença de padrões arquetípicos comuns em todos os povos prova as

similaridades nas mitologias de muitas culturas distintas. Eles, de certa forma,

acabam influenciando no comportamento e na reação entre uns e outros.

Ainda para Bolen (1990, p. 34) “As vidas das mulheres são modeladas por

papéis permitidos e imagens idealizadas da época.” Em décadas passadas, a

mulher era vista como dona de casa e mãe de vários filhos, não havia espaço para

mulheres curiosas e que tinham desejo de superioridade. Já nos anos 70, década

marcada pelo movimento feminista, as mulheres iam atrás da conquista, ou seja,

começavam a ser as protagonistas de suas próprias vidas. Agora, os tempos são

outros. Cada geração viveu o seu modelo de arquétipo, e atualmente não é

diferente, porém, os modelos de arquétipos são diferentes. A mulher deixou de ser

“feiticeira” para se transformar em “guerreira”, de coadjuvante passou a ser a

protagonista.

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7.2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E OS GAMES

A sociedade evolui constantemente de uma cultura de massa, o consumo

faz parte do dia a dia de todos, indivíduos selecionam, compram, descartam serviços

e produtos para satisfazer necessidades fisiológicas ou até mesmo necessidades

ligadas a auto realização. Essas necessidades humanas estão em uma hierarquia

chamada de hierarquia dos motivos humanos. Para Maslow (1943 apud HESKETH;

COSTA, 1980, p. 59):

Conforme o seu conceito de premência relativa, uma necessidade é substituída pela seguinte mais forte na hierarquia, na medida em que começa a ser satisfeita. Assim, por ordem decrescente de premência, as necessidades estão classificadas em: fisiológicas, segurança, afiliação, auto-estima e auto-realização.

Muitos consumidores compartilham do mesmo favoritismo, porém, cada

consumidor é diferente um do outro, e cabe ao mercado identificar esses grupos e

desenvolver produtos para os diferentes segmentos.

Segundo Larentis (2009, p. 15) o comportamento do consumidor também

possui suas diversas características. O primeiro aspecto é a motivação, onde o

consumidor procura satisfazer seus desejos, ou seja, é seu próprio motivador. Em

segundo lugar, é um processo, ou seja, é uma sequência de etapas que podem

receber influências emocionais e culturais, envolvendo desde a compra do produto

até o seu descarte. Em terceiro lugar, são várias atividades que envolvem

características físicas, mentais e sociais. Em quarto lugar, o consumidor pode

assumir diversos papéis, sendo o usuário do produto ou apenas o pagador e

comprador, também podendo exercer todos esses papéis. Em quinto lugar, fatores

externos influenciam no comportamento: preço, embalagem, custo x benefício,

publicidade, promoções, distribuição e localização. Além disso, o humor, tempo

disponível, ambiente do local, o stress e a ansiedade também influenciam tanto

quanto a cultura, a classe social, os valores, costumes e hábitos de compra e

consumo. Em sexto lugar, é a diferença entre as pessoas, pois não existem

consumidores iguais.

Para Solomon (2011, p. 37) existem variáveis demográficas que tornam

os consumidores diferentes uns dos outros como a idade, gênero, estrutura familiar,

classe social e renda, raça e etnia, geografia, estilos de vida, entre outros. Partindo

desse mesmo discurso:

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Conhecer, por exemplo, quais os papéis desempenhados pelo consumidor e os papéis desempenhados nas compras familiares permitirá saber com quem a empresa precisa se comunicar através da propaganda, publicidade ou venda pessoal. Conhecer as preferências do consumidor e os seus hábitos de compra pode auxiliar a desenvolver o produto, definir o seu preço e escolher o melhor ponto de venda para sua distribuição. (LARENTIS, 2009, p. 22).

Todavia, não adianta considerar somente as características individuais do

consumidor para entender seus motivos de compra, mas é preciso também valorizar

as influências culturais. Larentis (2009, p. 86) afirma que “A cultura supre as pessoas

com um senso de identidade e uma compreensão do comportamento aceitável

dentro da sociedade.” Um produto que oferece vantagens relacionadas a uma

cultura especifica tem muito mais chances de obter a aceitação do mercado. No

entanto, a cultura não é fixa, ou seja, os valores da sociedade mudam

continuamente, o que pode gerar mudança nas reações à publicidade. Há duas

forças que explicam essa alteração de valores:

A primeira força é uma tríade de instituições: família, instituições religiosas e educação. A segunda são as experiências de início de vida, que incluem guerras, movimentos de direitos civis e realidades econômicas. Além disso, governo e mídia também exercem influência em valores. (LARENTIS, 2009, p. 90).

Algumas características fazem das pessoas únicas, como o agir, o pensar

e o gostar, que acabam resultando na personalidade. A personalidade se refere a

atributos psicológicos que diferenciam as pessoas umas das outras, como a

autoconfiança e o domínio. Portanto, a personalidade e a autoimagem são fatores

pessoais importantes que também vão determinar a compra.

Além da cultura e da personalidade, a influência da família e do domicilio

também é um fator determinante, principalmente porque a mudança de papéis das

mulheres e o crescimento da população feminina despertou o interesse do mercado.

De acordo com Engel, Blackwell e Miniard (2000, p. 493) “Os gerentes de marketing

sempre estiveram interessados nas mulheres, pois as consumidoras compram

muitos produtos.”.

Já no universo específico gamer, os desenvolvedores deixavam claro que

o público alvo sempre foi direcionado exclusivamente para os homens, pois eram os

consumidores predominantes dos jogos.

Dos primórdios dos jogos eletrônicos (meados dos anos 1970) até 1996, a montagem dos personagens dava importância aos personagens centrais

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masculinos: o heroísmo era expresso apenas por figuras machistas, viris e com músculos hipertrofiados. (MENDES, 2006 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 43).

Existia um pré-requisito invisível que dizia que videogames eram para

meninos e não para meninas. Pré-requisito chamado de cultura. As personagens e

narrativas eram criadas com atrativos para eles, com pouca roupa, muita

maquiagem, voz sedutora e padrões que seriam ideais para o imaginário masculino.

Fortim e Monteiro (2013, p. 246) afirmam que “[...] as personagens femininas

apareciam pouco e em papéis relativamente pequenos, sendo prêmios ou donzelas

a serem salvas.”. Já Grimes acredita que:

Na maior parte dos jogos as personagens são feitas para a escopofilia masculina, ao invés de propiciar uma identificação feminina. Mostra que as personagens são vistas como atrativas para o sexo masculino: são caucasianas, tem formas curvilíneas, e as roupas deixam o corpo à mostra, em conformidade com os ideais de beleza do mundo ocidental. (GRIMES, 2003 apud FORTIM; MONTEIRO, 2013, p. 246)

De uns anos para cá, o mercado de entretenimento vem buscando

alcançar todos os gêneros, pois as mulheres estão cada vez mais inseridas nesse

universo gamer. Prova disso foi uma pesquisa realizada em 2017 pela Entertainment

Software Association (ESA), mostra que a porcentagem de mulheres que jogam

videogames é de 42%, contra 59% deles. Um grande avanço se for comparar com

alguns anos atrás. Apesar dessa estatística, ainda são poucos os principais papéis

de destaque confiados a personagens femininas em jogos.

Tavares (2009 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 43), diz que

um jogo que agradaria a todos deve conter os princípios básicos na criação do

game, como balanceamento, criatividade, energia e deve ser principalmente livre de

gênero. E é nisso que os desenvolvedores estão focando atualmente, em narrativas

atrativas para as consumidoras. As personagens estão deixando de ser frágeis e

estão se tornando guerreiras, características que antes eram só tidas como

masculinas.

[...] o preconceito em torno do uso dos jogos pelas mulheres existe, tanto na parte do desenvolvimento de games, como por uma parte do público masculino que os utiliza. Contudo, o preconceito presente na indústria dos jogos eletrônicos não bloqueia o desenvolvimento destes jogos apenas para o público masculino. (FORTIM, 2009 apud SOUZA; CAMURUGY; ALVES, 2009, p. 44).

Como dito anteriormente, as personagens atuais estão sendo

representadas com outras habilidades físicas, o enredo está mais desenvolvido e

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algumas até se assemelham às mulheres reais, ou seja, não são perfeitas. Essas

novas características presentes na imagem feminina fazem relação com as

conquistas que a mulher adquiriu na sociedade ao longo dos anos. É o começo de

um reconhecimento da consumidora gamer na indústria dos games e seus

consumidores.

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7.3 HORIZON ZERO DAWN

Horizon Zero Dawn é um game de RPG de gênero ação lançado em

fevereiro de 2017. Desenvolvido pela Guerrilla Games e publicado pela Sony

Interactive Entertainment unicamente para o PlayStation 4, é um game com grande

foco nos personagens e que se destaca por sua história, ambientação e roteiro. Sua

premissa é bastante incomum, pois é uma personagem feminina que assume o

papel de protagonista do game e que luta bravamente contra criaturas robóticas

para sobreviver.

Aloy é uma protagonista extremamente forte, bem desenvolvida,

inteligente, carismática e que possui traços muito parecidos com a realidade. Em um

vídeo liberado pela Sony, a desenvolvedora Guerrilla Game afirmou que “No começo

do projeto não sabíamos exatamente quais seriam as regras do mundo, então entre

esses pilares, Aloy tinha que ser uma personagem muito ágil e fluida, e a mecânica

de combate, além do sistema furtivo, tinham de ser perfeitos". Por serem tão reais as

características e emoções da Aloy, as pessoas que jogaram o game acabaram se

identificando com a personagem.

O game se passa em um futuro pós-apocalíptico, onde máquinas hostis

gigantescas dominam o mundo e vagam livremente pela paisagem sem o controle

dos humanos. As pessoas que lá habitam vivem em tribos e desconhecem a

tecnologia. Aloy é a protagonista, uma menina que foi exilada de sua tribo ainda

quando era um bebê, abandono que fez com que ela aprendesse a caçar e

desenvolver o instinto de sobrevivência. Sem entender o porquê de nunca ter

conhecido sua mãe e sofrer com o preconceito, ela cresce solitária juntamente com

seu tutor Rost, que também é um exilado da tribo. Com a transição da infância para

a vida adulta, Aloy mostra que está pronta para encarar os desafios sozinha e com

garra, indo então em busca de sua identidade e respostas.

Por causa do sucesso do game e por vários outros motivos, a

personagem acabou se tornando um novo ícone para a indústria dos games. Aloy é

uma protagonista bem construída, heroína e fora dos padrões arquetípicos que

classificavam a maioria das personagens mulheres em games.

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9 ROTEIRO DOS CAPÍTULOS

1. INTRODUÇÃO

2. FEMINISMO E ARQUÉTIPOS

2.1 A história da mulher desde os primórdios

2.2 O surgimento do movimento feminista

2.3 O feminismo atual e a representação arquetípica da mulher na sociedade

2.4 JUNG E OS ARQUÉTIPOS

2.4.1 O inconsciente coletivo

2.4.2 O conceito de Anima e Animus

2.4.3 A criação de mitos e o desenvolvimento de símbolos

2.5 JEAN SHINODA BOLEN E OS ARQUÉTIPOS FEMININOS

2.5.1 A Mitologia Grega e as sete deusas

3. COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E OS GAMES

3.1 Fundamentos do comportamento do consumidor

3.2 Influências sobre o comportamento do consumidor

3.2.1 Cultura

3.2.2 Fatores pessoais

3.3 OS GAMES E SEUS CONSUMIDORES

3.3.1 A indústria dos games

3.3.2 As representações femininas nos games

3.3.3 O protagonismo feminino nos games

4. HORIZON ZERO DAWN

4.1 História

4.2 Arquétipos presentes na protagonista

4.3 Perfil das consumidoras

4.4 Relação entre o perfil arquetípico da personagem e consumidoras

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10 CRONOGRAMA

Jun/17 Jul/17 Ago/17 Set/17 Out/17 Nov/17 Dez/17

Entrega do projeto de monografia

X

Leitura e pesquisa do tema

X X X X

Redação do capítulo 2

X X

Redação do capítulo 3

X X

Redação do capítulo 4

X X

Considerações finais e

bibliografia

X

Impressão e revisão

X

Entrega para a banca

X

Apresentação do TCC

X

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REFERÊNCIAS

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