Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert...

20
6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição DAVID A. BALDWIN E O BALANÇO DO PODER NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Área temática: Teoria das Relações Internacionais Juliano dos Santos Bravo/ PUCRS 25 28 de julho de 2017, Belo Horizonte/ MG.

Transcript of Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert...

Page 1: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição

DAVID A. BALDWIN E O BALANÇO DO PODER NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Área temática: Teoria das Relações Internacionais

Juliano dos Santos Bravo/ PUCRS

25 – 28 de julho de 2017,

Belo Horizonte/ MG.

Page 2: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Resumo: O poder é multidimensional, relativo e em constante transformação, e por esse motivo é estudado nas mais diversas esferas do conhecimento humano. Nas Relações Internacionais (RI), enquanto campo reconhecidamente jovem, o estudo do poder (Cratologia) detém centralidade medular nas interações entre os atores do sistema internacional, especialmente entre os Estados, uma vez que esse sistema se formou a partir dessa relação. No entanto, apesar dessa significativa importância, - e superando os fatores multidimensional e relativo, com foco nas RI e nas interações entre os Estados, respectivamente - a constante transformação do poder, advinda de variadas causas, requer uma progressiva averiguação de seus mecanismos, fontes e dinâmicas, embasadas na epistemologia da área. Desse modo, David Allen Baldwin, que lançou um recente estudo acerca do poder (2016), além de deter obra farta nessa temática (1971a; 1971b; 1979; 1980; 1989; 2013), está disposto na centralidade deste exame analítico. Por assim dizer, o objetivo central da pesquisa é construir uma síntese explanatória da consistência lógica e sistemática do poder na obra de Baldwin, com destaque para o trabalho mais recente. Para tanto, o artigo se estrutura sob uma introdução do conceito de poder a partir do mainstream das RI, na sequência projeta a visão de Baldwin para, por fim, articular as críticas fundamentais via o próprio mainstream, ou seja, a crítica teórica das variantes do realismo, do liberalismo e do construtivismo. Como o próprio autor sustenta, o incisivo estudo sobre o poder inspira de modo propositivo a forma com que se deve levar em conta esse seminal conceito nas futuras pesquisas de RI.

Palavras-chave: Teoria. Poder. David Baldwin.

1. INTRODUÇÃO

Em larga medida, é praxe na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas partir da

importância do objeto em análise, o procedimento de Baldwin (1979; 2013; 2016) e este

artigo não é diferente nesse ponto. Logo, a análise do nosso objeto está estruturada a partir

de sua importância para as relações internacionais (RI). Exemplo de sua relevância é a

própria temática focal do presente encontro anual da Associação Brasileira de Relações

Internacionais/ABRI (2017) e o futuro congresso anual da International Studies

Association/ISA de 2018, em São Francisco nos Estados Unidos. Em ambos, o poder se

revela central nos estudos sobre relações internacionais, enquanto base epistêmica ou

propriamente acerca da atual configuração do cenário internacional e suas variadas

interações.

Um dos pontos de partida essenciais sobre poder nas Relações Internacionais1

está na conhecida obra de Edward Carr de 1939. A partir de então, Carr (2001) estabelece

que “a política internacional é sempre política de poder, pois é impossível eliminar o poder

da política” (CARR, 2001, p. 188). Na esteira de consolidação das RI, Morgenthau (1948) se

torna pedra angular nesta perspectiva. Esse arcabouço fundante sobre poder é parte

central, uma espinha dorsal, na compreensão e estudo da política internacional.

Nesse mesmo prisma, muitos estudiosos atribuíram importância ao poder, como

Lasswell; Kaplan (1950, p. 75), observando que “o conceito de poder é possivelmente o

1 Conforme é habitual, Relações Internacionais com iniciais maiúsculas representam o objeto de

estudo, diferente das efetivas e multidimensionais relações internacionais entre os povos.

Page 3: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

mais importante em toda a ciência política”2. Ou, ainda, a atuação ao longo do tempo de

conceituados especialistas no tema, de Robert Dahl (1957; 1968) – The concept of power –

à Joseph Nye (2011) – The future of power –, e mesmo o próprio Baldwin(2016) ainda que

não seja com efeito um teórico. Há, também, respeitados periódicos científicos centrados

nessa temática, como o Journal of Political Power. Portanto, a gama de autores é vasta, a

sua importância é sólida e seu entendimento é controverso, como se observará no decorrer

do texto.

Visualizando o resumo e esse breve trecho inicial, algumas diretrizes e premissas

puderam ser auferidas, outras estarão estruturadas de forma mais clara a partir de agora.

David Baldwin (1979; 2013; 2016) estabeleceu um ponto de virada, um verdadeiro

divisor de águas, da pesquisa recente sobre o conceito de poder, este marco é a publicação

do livro Power and Society (1950) de Harold Lasswell e Abraham Kaplan. Dado esse ponto

de partida, consolidou-se um grupo basilar formado por Hebert Simon (1953; 1954), James

G. March (1955; 1956; 1957) e Robert Dahl (1957; 1968), nos quais se encontram tanto a

visão de poder em que Baldwin se assenta quanto o conteúdo fundamental sobre poder em

que o artigo dialoga, além de expressar importante divergência conceitual entre esses

autores e a escola realista e construtivista. Aspectos estes que serão mais detidamente

analisados no decorrer do texto, ressaltando aqui os traços orientadores introdutórios.

Ajustadas algumas questões pertinentes iniciais, a pesquisa em desenvolvimento

se sustenta da seguinte maneira: (I) trazer à tona a concepção de poder na teoria das

relações internacionais, restringindo-se ao mainstream, em particular estadunidense; (II)

orientando em que ponto está colocado Baldwin nessa discussão, ainda que não seja

efetivamente um teórico do poder; (III) articular um debate crítico a respeito do poder entre

as vertentes do realismo, neoliberalismo e construtivismo. Estes pontos orientam-se sobre

um objetivo comum de construir uma síntese explanatória consistente e sistemática, uma

análise conceitual, sem estudos de caso ou teste de hipóteses empíricas. Além de

indicar/induzir futuras pesquisas, no campo teórico, para além dos paradigmas em tela.

Salienta-se, também, que a justificativa da escolha restritiva a três escolas teóricas

e a produção nos EUA se orienta não só pelo caráter limítrofe e gerencial do texto, pela

própria seleção destas por Baldwin (2013; 2016), mas conjuntamente lastreado no survey

Trip Around the World: teaching, research, and policy views of International Relations

Faculty in 20 countries (2012), o qual sustenta a importância desses paradigmas, da

produção/universidades dos Estados Unidos e dos próprios autores. O que não implica,

2 Toda tradução do original em inglês é do autor.

Page 4: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

obviamente, na irrelevância das demais teorias, produções fora dos EUA e outros autores.

Além do mais, o que é provável é que acarrete em um espaço para pesquisas futuras.

2. O Poder no mainstream das Relações Internacionais

O que é o mainstream das Relações Internacionais? Podemos responder essa

pergunta por inúmeras vias de observação, contudo, aqui será respondida por somente

duas, pensando ser o suficiente para nos balizar, uma vez que este não é o foco principal,

mas somente um conceito analítico, ou melhor, uma linguagem que designa um parâmetro

procedimental. Em síntese, a via histórica e a via quantitativa. A conhecida origem histórica

do campo de estudos, ou seja, contexto e local, e a consubstanciação atual via survey

(2012, p. 47), imagem abaixo. A título de controle textual e conceitual, consideram-se aqui

as escolas Realista, Liberal e Construtivista, em seus variantes, e centrado na América do

Norte e Europa como o mainstream das Relações Internacionais.

Portanto, quais são as características que identificam e diferenciam o conceito de

poder entre estas diferentes matrizes? Como os principais autores desses paradigmas

estruturam a importância, a amplitude, a medição, o meio ou o fim, do poder nas relações

internacionais? O texto a seguir procura responder satisfatoriamente estas perguntas. Cabe,

ainda, esclarecer que o exercício de analisar um conceito específico na totalidade dos três

paradigmas seria superior a este autor e a este limite de páginas, portanto, pautar-se-á

através de autores e obras exclusivas.

Nos variantes do realismo, concentra-se em Hans Morgenthau, Kenneth Waltz e

John Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; no construtivismo em

Alexander Wendt, Steven Lukes e Stefano Guzzini. Além disso, baseia-se em Baldwin

(1993; 2013; 2016) e procura em diferentes autores solidificar a análise.

Page 5: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

2.1 O Realismo

O “poder é um conceito chave na teoria realista” (WALTZ, 1986, p. 333) e, por esse

motivo fundamental, toda pesquisa alicerçada nessa corrente de pensamento de RI deve

levar em conta seus princípios norteadores do conceito de poder.

O primeiro momento de reivindicação do poder como conceito central e

indispensável para análise das relações internacionais se originou na contra ofensiva dos

estudos internacionalistas na década de 1930. Isso porque durante a década de 1920, estes

estudos estavam concentrados em “cursos de direito internacional, história diplomática,

economia internacional e organização internacional” (BALDWIN, 2016, p. 92). Nessa esteira,

a obra mais conhecida que aborda essa perspectiva inicial é de Edward Carr, Vinte anos de

crise: 1919-1939. Carr “apresentou uma crítica aos escritos anteriores e uma teoria da

política internacional baseada diretamente em um conceito de poder que combinava

elementos psicológicos, econômicos e militares” (SPROUT, 1949, p. 405). Ainda conforme

Sprout (1949), outros autores incorreram nessa linha, como Frederick Schuman, Frank

Simonds, Brooks Emeny, Nicholas Spykman, culminando com a robusta obra de

Morgenthau, Politics among Nations em 1948 (Sprout, 1949).

“A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder.

Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objetivo

imediato” (MORGENTHAU, 2003, p. 49). Portanto, a partir de Morgenthau o poder tomou a

centralidade do debate e dos estudos de relações internacionais, consolidou e pautou a

escola realista em volta da análise sobre poder até os dias atuais. Algumas questões

especiais permeiam esse debate, quais sejam: (I) definição; (II) objetivo ou meio?; (III)

instrumento; (IV) e capacidade. Como os três principais autores da linha realista

condicionam essas questões na análise do poder?

A definição do poder é uma das questões mais controversas da ciência política e

das relações internacionais, porém, como a teoria realista imputa ao poder lugar especial no

seu arcabouço, a questão da definição é relevante. Mearsheimer (2001), por exemplo, de

forma clara e direta assegura: “O poder, como o defino, não representa nada além de

recursos específicos ou recursos materiais que estão disponíveis para o Estado”

(MEARSHEIMER, 2001, p. 57). Nesse mesmo sentido, “o poder deve ser definido em

termos de distribuição de capacidades; a extensão do poder não pode ser deduzida dos

resultados que um pode ou não conseguir” (WALTZ, 1979, p. 192). Fica claro, portanto, o

posicionamento realista sobre a definição do conceito enquanto posse.

Quanto ao segundo ponto, um dos autores em exame diferencia-se na forma de

implicar o poder como objetivo dos Estados na política internacional ou como meio para

Page 6: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

inúmeros objetivos. Ou seja, o poder, na política internacional, é um meio pelo qual os

Estados atingem seus objetivos ou, de outro ponto de vista, o poder é o próprio objetivo,

pois subordina os resultados. Morgenthau (2003) e Mearsheimer (2001) alinham-se na ideia

do poder como objetivo dos Estados, a política como uma luta pelo poder. Nesse sentido,

ironiza Morgenthau (2003): “tendo em vista esta ubiquidade da luta pelo poder, em todas as

relações sociais e em todos os níveis de organização social, pode alguém estranhar o fato

de que a política internacional consista necessariamente na política do poder?”

(MORGENTHAU, 2003, p. 66).

Morgenthau (2003) objetiva o poder enquanto propósito através da fundamentação

da natureza humana, herança hobbesiana. Para Mearsheimer (2001), mesmo entendendo o

poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido de que “o sistema internacional

força os estados a maximizarem o seu poder relativo, porque essa é a melhor forma para

maximizar sua segurança” (MEARSHEIMER, 2001, p. 21), uma vez que a sobrevivência é “o

fim primordial das grandes potências” (MEARSHEIMER, 2001, p. 46). Assim, devido à

particularidade do sistema internacional, o poder é um objetivo e não um meio, o que torna

mais clara a afirmação de que “o poder é a moeda da política das grandes potências e os

estados competem por ele entre si” (MEARSHEIMER, 2001, p. 12).

Kenneth Waltz (1979), contudo, tem um ponto de divergência entre os realismos de

Morgenthau e Mearsheimer. Essa discordância é tênue, porém leva a caminhos muito

distintos. O poder não é um objetivo senão um meio. Os estados “não podem deixar o

poder, um meio possivelmente útil, tornar-se o fim que perseguem. O objetivo que o sistema

encoraja a perseguir é a segurança. O aumento do poder pode ou não servir a esse fim”

(WALTZ, 1979, p. 126). O debate da ideia do poder enquanto objetivo ou meio está em

disputa dentro da teoria, revelando mais um traço de importância e falta de consenso desse

conceito.

O poder enquanto instrumento se remete essencialmente ao equilíbrio de poder.

Bastante utilizado por analistas, o equilíbrio de poder esteve presente de Tucídides à

Morgenthau ([1948] 2003), Waltz (1979) e muitos outros grandes estudiosos

contemporâneos. O ponto mais importante e comum aos três autores em estudo se refere a

“ideia de poder como propriedade ao invés de uma relação” (BALDWIN, 2016, p. 117).

Morgenthau (2003) introduziu o equilíbrio de poder, a partir da experiência política europeia,

na academia americana e o estabeleceu na forma de um conceito universal.

O poder na qualidade de capacidade, quarto aspecto da análise, se lança a um

autor em especial, Kenneth Waltz (1979). O realismo estrutural de Waltz (1979) estabelece

uma teia analítica, que assim segue: “Um sistema é composto por uma estrutura e por

Page 7: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

unidades em interação” (WALTZ, 1979, p. 79). Essa interação das unidades se encontra em

um ambiente anárquico, caracterizado pela distribuição desigual das capacidades. Pelos

motivos dos traços do sistema, os estados devem buscar sempre a sobrevivência como

prioridade máxima. O poder reside nas capacidades dos estados, segue Waltz (1979):

Uma teoria sistêmica requer que em parte definamos as estruturas pela distribuição das capacidades entre as unidades [...] As capacidades econômicas, militares e outras das nações não podem ser organizadas por setores e pesadas separadamente. [...] A sua posição depende de como pontuam em todos os seguintes itens: tamanho da população e do território, dotação de recursos, capacidade econômica, força militar, estabilidade política e competência (WALTZ, 1979, p. 131).

A distribuição dessas capacidades, ou poder, gera uma série de implicações lógicas

para a teoria de Waltz, como gradação, medição, hierarquia etc., pormenorizados no

decorrer do estudo, já que nesse subitem tratou-se de marcas de identificação próprias do

realismo nas questões que envolvem o poder, de forma sistemática e explanatória. O quarto

tópico do estudo volta a estes temas de forma mais analítica. Segue, agora, o conceito de

poder na escola liberal, sob as diretrizes previamente traçadas.

2.2 Liberalismo3

Por que Robert Keohane e Joseph Nye? Pelo grau controlável do texto e,

especialmente, pela importância dos autores. Relevância auferida por pares e pelo survey

anteriormente mencionado. Segundo o realista Robert Jervis (1998), o livro Power and

Interdependence (1977 [2011]), de Keohane e Nye, é uma análise “revolucionária” e

“pioneira” (JERVIS, 1998, p. 991). Juntamente a este livro, o conceito de poder em

observação nessa escola está apoiado nos livros Soft Power (2004) e The Future of Power

(2011), de Joseph Nye.

Na imagem abaixo, survey (2012, p. 49), pesquisadores de vinte países

responderam uma pergunta sobre quais estudiosos do campo de Relações Internacionais

tem desenvolvido o melhor trabalho nos últimos vinte anos. Robert Keohane ocupou o

segundo lugar e Joseph Nye o quarto no ranking envolvendo todos as resposta

indistintamente de país.

3 Algumas explicações iniciais devem ser abordadas para deixar mais claro a linguagem em uso.

Portanto, compartilho a nota de Baldwin (2016): “A aplicação de rótulos como neorrealistas e neoliberais a vários estudiosos pode ser enganosa, a menos que esses estudiosos apliquem esses rótulos para si mesmos. Carr, Morgenthau e Mearsheimer aplicam o rótulo realista, mas Keohane prefere o termo institucionalismo para caracterizar seu trabalho; e Nye prefere o realista liberal. Assim, as desculpas são devidas tanto a Keohane quanto a Nye [...]” (BALDWIN, 2016, p. 170). Neste caso, a nota fica a título de esclarecimento e compreensão no uso dos termos.

Page 8: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Em vista disso, quais são as características essenciais da concepção do poder na

escola liberal? Ou, mais precisamente, como está consubstanciada a ideia de poder nesses

específicos autores e livros? O que os diferenciam do paradigma realista? Este conciso

subtítulo tenta atender devidamente estas questões e, para tanto, sustenta-se nas seguintes

temáticas: (I) definição; (II) interdependência; (III) soft power, hard power e smart power.

Esses autores se diferenciam da escola realista, evidentemente, em muitos

aspectos e, na definição do poder, não é diferente. Sua elaboração assenta bases no poder

relacional. Desse modo, o poder aqui não são os recursos pertencentes e a disposição dos

atores estatais, o poder não é uma posse capaz de medição e gradação universal. O poder,

nesta perspectiva, é “a capacidade para fazer coisas em situações sociais para afetar outros

a conseguirem os resultados que queremos” (NYE, 2011, p. 6), ou o “poder pode ser

pensado como a capacidade de um ator para fazer com que outros façam algo que de outra

forma não fariam” (KEOHANE; NYE, 2011, p. 10). De forma semelhante está presente em

Nye (2004, p. 2; 2007, p. 60). Poder é, portanto, causalidade, é “um resultado a ser buscado

por uma grande variedade de meios” (BALDWIN, 2016, p 168). Ainda sobre essa definição,

segue a diferenciação feita por Keohane; Nye (2011):

Uma distinção básica pode ser feita entre o poder comportamental - a capacidade de obter os resultados desejados - e o poder dos recursos - a posse dos recursos geralmente associados à capacidade de obter os resultados desejados. O poder comportamental, por sua vez, pode ser dividido em poder duro e suave [hard power e soft power]. (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216).

Basicamente, estas são linhas de definição do poder na escola liberal, em particular

nesses autores, o que os diferencia do realismo.

Page 9: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

A interdependência, como se pode auferir logicamente, implica em um

relacionamento de mútua dependência. “A interdependência na política mundial refere-se a

situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores de diferentes

países” (KEOHANE, NYE, 2011, p. 7). É importante não inferir a esse relacionamento um

resultado sempre benéfico ou horizontal, em medidas alinhadas. Ou seja, não é

necessariamente benéfico ou simétrico, alias, é mais provável ser assimétrico. Os custos e

os ganhos em uma relação interdependente podem ser analisados, segundo os autores,

através de duas formas: “O primeiro se foca nos ganhos conjuntos e perdas conjuntas para

as partes envolvidas. O outro enfatiza os ganhos relativos e as questões distributivas”

(KEOHANE, NYE, 2011, p. 8). Portanto, de acordo com Keohane; Nye (2011):

É a assimetria em dependência que é mais provável que forneça fontes de influência para os atores em suas relações entre si. Os atores menos dependentes geralmente podem usar o relacionamento interdependente como fonte de poder na negociação sobre uma questão e talvez para afetar outras questões (KEOHANE; NYE, 2011, p. 9).

Assim, quando analisado a relação entre interdependência e poder nesta obra, os

escritores estão se referindo a capacidade de controlar resultados via interdependência, ou

como ela é capaz de produzir esse mecanismo, ou, ainda, a potencialidade de afetar os

resultados desejados, a depender da sensibilidade e vulnerabilidade dos atores em seus

variados escopos.

A contribuição mais significativa na escola liberal, do ponto de vista

especificadamente conceitual de análise de poder e difusão, pode ser identificada na ampla

produção de Joseph Nye, algumas aqui em destaque (1990; 2004; 2006; 2007; 2009; 2011).

O autor cunhou o termo Soft Power que logo se transformou em vocábulo global, muitas

vezes atribuído de forma errônea quando não completamente equivocada com o sentido

(por vezes intrincado) adotado por Nye. Em vista disso, o que é Soft Power?

Soft Power “é a capacidade de obter os resultados desejados porque outros

querem o que você quer; é a capacidade de alcançar os resultados desejados através da

atração e não da coerção” (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216). Soft Power “repousa sobre a

capacidade de moldar a preferência dos outros” (NYE, 2004, p. 5). Porém, Soft Power não é

“meramente o mesmo que influência” (NYE, 2004, p. 6). É a “capacidade de afetar outros

utilizando meios cooptativos de ajuste da agenda, persuasão e produção de atração positiva

para a obtenção dos resultados preferidos” (NYE, 2011, p. 21-21). Além da definição do

conceito, Nye articula as fontes do soft power, o comportamento de atração e seus modos

de produção, como os alvos são afetados pela atuação dos atores e a difusão do poder.4

4 Para uma análise mais detida sobre o Soft Power ver: BRAVO; FRÖHLICH, 2016.

Page 10: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Por outro lado, o Hard Power “é a capacidade de fazer com que os outros façam o

que de outra forma não fariam por meio de ameaças de punição ou promessa de

recompensa” (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216). Nye usa muito a imagem da cenoura e da

vara para pensar o Hard Power, ou seja, a capacidade de coagir o outro através da

recompensa ou da força, respectivamente. “Hard Power é impulso; Soft Power é atração”

(NYE, 2011, p. 20). Nye (2011, p. 21) produz de forma mais clara um espectro do

comportamento de poder, conforme ilustração abaixo:

HARD SOFT

E o Smart Power, onde está? “Uma narrativa para o smart power no século XXI não

é sobre maximizar o poder ou preservar a hegemonia. É sobre encontrar maneiras de

combinar os recursos em estratégias bem sucedidas” (NYE, 2011, p. 207-208). A proposta

do autor não é a mera combinação do Hard com o Soft Power, não é sobre como alçar ao

hall das grandes potências ou preservar seu status quo hegemon. Smart Power é estratégia.

Essa estratégia, uma busca consciente de resultados preferidos, requer a análise de quatro

etapas, ou melhor, está estruturada na resposta de cinco perguntas, quais sejam:

Primeira: que objetivos ou resultados são preferidos? [...] que recursos estão disponíveis e em que contextos? [...] quais são as posições e as preferências dos alvos de tentativas de influência? [...] que formas de comportamento de poder têm maior probabilidade de sucesso? [...] e qual é a probabilidade de sucesso? (NYE, 2011, p. 208-209).

Ainda que toda teoria possua referência geográfica e contextual, Nye (2011)

procura argumentar que a estratégia de Smart Power não é, de modo algum, de finalidade

exclusiva para a política externa dos Estados Unidos. Segundo o autor, pequenos e médios

Estados podem praticar e se beneficiar através do Smart Power5. Esta é uma janela para o

debate.

Por fim, como o poder se encontra na escola construtivista será o próximo

assunto/tópico.

5 Estudos nessa perspectiva, em especial sobre o Brasil, podem ser estudados em AYRES PINTO

(2011; 2012; 2013).

Comanda –> Coage Ameaça Paga Sanciona Ajusta Persuade Atrai <– Coopta

Page 11: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

2.3 Construtivismo

A linha de pensamento6 construtivista é relativamente nova, comparada com as

tradicionais escolas do realismo e do liberalismo, pois sua estrutura cognoscente se forma a

partir da década de 1970, basicamente. O debate em torno do construtivismo é bastante

amplo, a começar pelo seu status dentro das RI, quer dizer, é um paradigma? Debate em

aberto e longo, conforme Pecequilo (2016). Ainda, segundo a autora, o construtivismo está

baseado na definição de “um foco no papel das ideias e das interações sociais [...] No

trabalho de Nicholas Onuf (2002) a preocupação é dar conta da inter-relação entre os

agentes sociais e o Estado, tendo como fundamento esta preocupação com as ideias”

(PECEQUILO, 2016, p. 208). Juntamente com Onuf, grandes autores do construtivismo são

Richard Ashley, Emanuel Adler, Alexander Wendt, Stefano Guzzini, Michael Barnett e

Raymond Duvall.

Wendt (1999) adverte que, “no estudo do pós-guerra, o ponto de partida para a

maior parte da teorização sobre política internacional foi o poder e o interesse nacional”

(WENDT, 1999, p. 92), critica, ainda, o reducionismo do papel do poder “basicamente como

capacidade militar, e o interesse, como um desejo egoísta de poder” (WENDT, 1999, p. 92).

Atribui às escolas realistas e liberais uma abordagem materialista e calcada limitadamente

ao tripé poder, segurança e riqueza. Porém, de acordo com sua teorização, existe um quarto

fator, as ideias.

Por conseguinte, Wendt (1999) distingue em duas vias as teorias das RI de acordo

com a constituição do poder entre elas, uma vez que é harmônica a importância desse

conceito. A primeira diz respeito à “hipótese materialista de que os efeitos do poder são

constituídos principalmente por forças materiais brutas” (WENDT, 1999, p. 97); por outro

lado, “é a de que o poder seria constituído principalmente por ideia e contextos culturais”

(WENDT, 1999, p. 97). Esta abordagem de duas vias dita o ritmo da análise de poder em

Wendt, gerando alguns pontos de debate contido no último tópico do texto.

Já no entendimento de Stefano Guzzini (2007) houve significativa contribuição, pois

“o construtivismo colocou alguma ordem em seus conceitos de poder, que geralmente vêm

como variações sobre o tema de ‘Lukes-plus-Foucault’” (GUZZINI, 2007, p. 23). O trecho de

Guzzini (2007) evidencia a base conceitual do poder de sua obra e, em larga medida, a

base conceitual do poder no construtivismo.

Barnett e Duvall (2005b) buscam trazer uma nova conceptualização capaz de

captar “as diferentes formas de poder [...] e oferecer uma compreensão mais rica e matizada

6 “Linha de pensamento”, “escola”, “paradigma”, “teoria”, são termos usados indistintamente no texto

ainda que o debate em torno do construtivismo como sendo ou não uma teoria das RI não tenha se concluído.

Page 12: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

do poder nas relações internacionais” (BARNETT; DUVALL, 2005b, p. 2). Para tanto, sua

conceituação de poder é “a produção, dentro e através das relações sociais, de efeitos que

moldam sua capacidade de controlar seu destino” (BARNETT; DUVAL, 2005ª, p. 45). Além

disso, estabelecem duas dimensões: (1) “os tipos de relações sociais através das quais as

capacidades dos atores são afetadas (e efetuadas); e (2) a especificidade dessas relações

sociais” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 45). Portanto, quais são as características e

implicações do conceito de poder contido nesses dois autores?

Os autores constroem uma taxonomia própria composta por quatro subtipos de

poder: obrigatório, institucional, estrutural e produtivo. Tais subtipos confeririam vantagens

para os estudiosos de RI. Conforme segue:

[I] Porque se baseia em uma decomposição explicita e logicamente sistemática do conceito geral de poder, é capaz de separar as discussões de poder das limitações do realismo e incentivar os estudiosos a ver as múltiplas formas de poder [...] [II] Nossa abordagem fornece um quadro para a integração [...] os diferentes tipos não devem ser vistos como concorrentes, mas como formas diferentes em que o poder atua na política internacional [...] [III] incorpora tanto as relações sociais de interação como de constituição, ou seja, ‘poder sobre’ e ‘poder para’ [...] [IV] nossa teoria não mapeia precisamente sobre diferentes teorias das relações internacionais. Certamente, cada tradição teórica favorece uma compreensão de poder que corresponde a um ou outro dos conceitos distinguidos por nossa taxonomia (BARNETT e DUVALL, 2005a, p. 43-44-45).

Encaminhando-se para o fim do artigo, Barnett; Duvall (2005a) realizam um estudo

de caso sob a perspectiva conceitual desenvolvida com foco na ideia de governança e

império, com destaque para o império Americano. Nesse sentido, para os autores o poder é

“central para a governança global, e nossa taxonomia destaca as formas múltiplas e

interconectadas nas quais ela opera” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 57). Além de outras

conclusões, como o papel das agendas. As quais “permitem que alguns atores promovam

seus interesses e ideais, exerçam controle sobre outros e limitam a capacidade dos atores

para se envolverem em ações coletivas efetivas” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 58). Ou as

implicações da governança, como além de “cooperação, coordenação, consenso e

progresso normativo. A governança também é uma questão de compulsão, parcialidade

institucional, privilégio e restrições desiguais na ação” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 62).

E qualquer atenção dada a ideia de um império passa pela atenção observância ao papel do

poder institucional (BARNETT; DUVAL, 2005a, p. 64).

Enfim, se a escola construtivista é, de certa perspectiva, bastante jovem, o poder na

mesma é ainda mais recente. Wendt, Guzzini, Barnett e Duvall trazem as principais

contribuições na área, percepção compartilhada por Emanuel Adler (2013), onde conclui seu

artigo da seguinte maneira: “Recentes trabalhos teóricos e empíricos sobre poder (Barnett e

Duval, 2005), identidade (Checkel e Katzenstein, 2009), securitização (Buzan e Waever,

Page 13: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

2003) [...] são passos na direção certa” (ADLER, 2013, p. 135). Ademais, algumas questões

envolventes do poder no construtivismo parecem um tanto mais nebulosas que nas

concepções realistas e liberais.

Em linhas gerais, estas são as características básicas do papel, do lugar ocupado e

da conceituação do poder nas três escolas teóricas das Relações Internacionais

estabelecidas acima. Com o objetivo explanatório e introdutório em cada uma das escolas, o

texto cumpriu seu propósito. Cabe, ainda, conectar com os fundamentos essenciais contidos

no pensamento de Baldwin e um breve debate por fim.

3. Fundamentos e premissas do poder em Baldwin

A partir do momento em que o entendimento básico sobre o poder está posto no

mainstream, os fundamentos e premissas estruturadas na obra de Baldwin, sobretudo em

Power and International Relations (2016), se tornam mais transparentes, mais inteligíveis,

para uma análise da compreensão tanto do poder, de um modo geral, quanto em seus

próprios trabalhos.

David Allen Baldwin é professor emérito da Universidade de Columbia e cientista

político sênior na Woodrow Wilson School na Universidade de Princeton. Ao menos desde a

década de 1970 produz trabalhos que giram em torno do conceito de poder na ciência

política ou nas relações internacionais. Exemplo disso é o seu livro mais recente,

mencionado anteriormente, em que o autor projeta três objetivos centrais: “o primeiro é

esclarecer e explicar o conceito de poder de Dahl [...] o segundo propósito é examinar doze

problemas controversos na análise de poder” (BALDWIN, 2016, p. 4-5). O primeiro desnuda

sua base essencial, sua principal influência e sobre a qual Baldwin dedica obras específicas.

“O terceiro é descrever e analisar o papel do conceito do poder na literatura de relações

internacionais” (BALDWIN, 2016, p. 5).

Já a base conceitual do poder de Baldwin repousa especialmente na tradição de

cinco autores, em Lasswell e Kaplan (1950), Herbert Simon (1953; 1954), James G. March

(1955; 1956; 1957) e em Robert Dahl (1957; 1968). Tradição entendida por Baldwin (2016)

como uma “verdadeira revolução na análise de poder” (BALDWIN, 2016, p. 3). Logo após

salientar o quanto os precursores de Dahl são parcamente reconhecidos, Baldwin (2016) se

detém em trazer à tona o conceito de poder de Dahl, sua relevância, seus críticos e sua

marcada posição no debate teórico, que já se estende desde a década de 1950.

Essa revolução está apoiada em uma nova abordagem sobre o poder, uma

abordagem relacional, o poder como uma causalidade. Assim, de acordo com Baldwin

(2013):

Page 14: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Essa noção causal concebe o poder como uma relação (real ou potencial) em que o comportamento do ator A provoca pelo menos parcialmente uma mudança no comportamento do ator B. ‘Comportamento’ nesse contexto não precisa ser definido de forma restrita, mas pode ser entendido amplamente para incluir crenças, atitudes, preferências, opiniões, expectativas, emoções e/ou predisposições para agir. Nessa visão, o poder é uma relação real ou potencial entre dois ou mais atores (pessoa, estados, grupos, etc.), ao invés de uma propriedade de qualquer um deles (BALDWIN, 2013, p. 274-275).

Após essa concisa noção de entendimento do poder, é francamente observável o

quanto se contrapõe a escola realista nas RI. Por outro lado, a identificação, ao menos de

base conceitual, com os autores liberais estudados é bastante saliente. E, diferentemente do

que se poderia imaginar, não é muito próximo dos construtivistas. Essa falta de proximidade

está substancialmente contida nas distintas bases conceituais, ainda que ambas se refiram

ao poder relacional, enquanto os construtivistas estão alicerçados em Lukes; Foucault,

Baldwin está em Lasswell, Kaplan; Simon; March; Dahl.

Em vista disso, afinal, o que é poder para Robert Dahl?

Ainda na introdução, Robert Dahl (1957) estabelece dois pontos especiais na

análise de poder e na sua conceituação. O primeiro diz respeito a um significado central,

uma “noção primitiva que parece estar por trás de todos os conceitos [de poder]” (DAHL,

1957, p. 202). Chega-se, assim, ao conhecido conceito em que “A tem poder sobre B na

medida em que ele pode fazer com que B faça algo que B de outra forma não faria” (DAHL,

1957, p. 202-203). A partir desse entendimento o segundo ponto é gerado: a dificuldade

desse conceito de se tornar operacional em pesquisas empíricas. Essa bipartição acarreta,

por sua vez, a importante delimitação entre o conceito abstrato e o conceito operacional.

Essa delimitação conceitual deve ser muito clara, uma vez que o próprio Dahl (1968) chegou

a escrever que a “lacuna entre o conceito e a definição operacional é geralmente muito

grande, tão grande, realmente, que nem sempre é possível ver a relação entre a definição

operacional e a abstrata” (DAHL, 1968, p. 414).

Dada às características essenciais, vale sublinhar o caráter multidimensional do

poder nessa base conceitual. Esse aspecto gera consequências lógicas, sendo que para

lidar com elas as principais dimensões entendidas pelos atores são: em primeiro lugar, o

escopo e o domínio (em relação a que, em que aspecto; e em relação a quem) e, em

seguida, peso (probabilidade de poder), custos e meios. Nesse mesmo sentido, entende-se

que o poder é uma questão de gradação. Esse é um dos pontos em que essa base teórica

se afasta de uma escola teórica não abordada neste estudo, a marxista (BALDWIN, 2013;

2016).

Soma-se ao delineamento das características do poder na base conceitual que

fundamenta o trabalho de Baldwin, as preferências e consequências da relação entre A e B.

Page 15: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Baldwin (2016) destaca que “o conceito de poder de Dahl é muitas vezes mal interpretado

para implicar que A e B têm desejos ou preferências conflitantes e que uma relação de

poder deve ser aquela em que A ‘ganha’ e B ‘perde’” (BALDWIN, 2016, p. 38). Sentido,

inclusive, utilizado por Barnett e Duvall (2005a; 2005b).

4. O poder do Poder – um debate carente de consensos

Onde estão os pontos sensíveis de debate em torno de poder na teoria das

relações internacionais, segundo David Baldwin?

Conforme compreendido anteriormente, existem basicamente duas grandes linhas

conceituais, uma que entende o poder como relacional e outra como propriedade/recursos.

O realismo, como se pode auferir, está vinculado ao entendimento do poder como posse,

propriedade ou recursos que um estado ou ator pode deter. Em divergência com a ideia de

que poder é uma relação, causal no sentido de produzir resultado real ou potencial.

Conforme Dahl (1957), “A tem poder sobre B na medida em que ele pode fazer com que B

faça algo que de outra forma B não faria” (DAHL, 1957, p. 203-204).

Cabe salientar as fronteiras porosas da teoria, pois “os realistas geralmente

reconhecem a existência de objetivos além do poder, mesmo quando eles assumem o

objetivo da maximização do poder” (BALDWIN, 2016, p. 112). O que Baldwin (2016) quer

dizer com isso é que o caráter lógico de implicação de valoração sobre algo requer

gradação, ou seja, quando se afirma que a política internacional é uma luta por poder recai

sobre o poder, consequentemente, um juízo. De forma mais crítica, Baldwin (2016) afirma

que Mearsheimer “trata o poder como um meio e um fim em diferentes lugares do livro”

(BALDWIN, 2016, p. 126).

Na obra de Waltz (1979), o poder está colocado claramente como meio, e em

concordância Baldwin (2016) mantém certa proximidade com Waltz nesse ponto e se

distancia de Mearsheimer e Morgenthau. Dado seu entendimento de que o poder pode ser

“um objetivo para os estados, mas a afirmação de que a maximização do poder é/ou deve

ser o principal objetivo de todos os estados em todas as situações é intelectualmente difícil

de defender” (BALDWIN, 2016, p. 112). O autor sustenta tal postura na lógica da análise

marginal determinada pela situação (contexto) como diretriz da alocação de recursos

escassos (finitos) de um país.

Outra problemática cara a teoria realista, nesse caso recaindo sobre Morgenthau

(2003) e Mearsheimer (2001), é a consequência implícita da política internacional como uma

luta ou competição pelo poder. O poder de soma zero. “Aqueles que adotam essa

abordagem enfatizam que é o poder relativo que importa – ou seja, o tamanho da lacuna

entre os recursos de poder de um país os recursos de outro país” (BALDWIN, 2016, p. 120).

Page 16: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Já o debate em torno das variantes do liberalismo consiste em certo domínio do

Soft Power. O que tem contribuído para isso é seu amplo uso na academia e fora dela,

contribuindo também para um uso controverso e muitas vezes problemático. Baldwin (2016)

adianta uma sentença que introduziria o conceito de forma mais assertiva, menos dúbia e

mais clara, “o soft power não é um instrumento a ser usado por formuladores de política

externa, mas sim um resultado a ser buscado por uma grande variedade de meios”

(BALDWIN, 2016, p. 168).

Consoante Baldwin (2016), ainda, a contribuição do poder e da interdependência de

Keohane e Nye consiste na combinação total da obra, não especificadamente nas questões

isoladamente. Decorre da combinação como uma “‘lente’, um ‘modelo’, uma ‘abordagem

teórico/conceitual’, uma ‘estrutura analítica’” (BALDWIN, 2016, p. 164). Evidência dessa

afirmação está na relevância atual da obra, mesmo completando 40 anos de sua primeira

edição.

Por outro lado, Wendt (1999) e a divisão do poder entre materialistas e

contextuais/ideias gerou em Baldwin (2016) questionamentos, tais como: “Não é

inteiramente claro o que os construtivistas querem dizer quando dizem que outras teorias

das RI são ‘materialistas’” (BALDWIN, 2016, p. 145). Além do mais, procurou enfatizar que

mesmo as “teorias que postulam capacidades militares como a variável mais importante

provavelmente apontarão que coisas não significativas como moral, competência e

legitimidade podem afetar essas capacidades” (BALDWIN, 2016, p. 145). Soma-se a esta

crítica a observação de que Wendt (1999) não formula uma conceituação alternativa de

poder, conceituação esta que seria formada por ideias e contextos culturais, e, assim,

“permanece insatisfeita” (BERENSKOETTER apud BALDWIN, 2016, p. 146).

Porém, a “vantagem comparativa de uma perspectiva construtivista consiste em

chamar a atenção para o papel das normas, valores, instituições, ideias, identidades e

contextos culturais na análise social” (BALDWIN, 2016, p. 157). Em sentido oposto, a

desvantagem consiste em basear a concepção de poder em Lukes-plus-Foucault. O

problema sobre Lukes está em sua base de 1974, uma vez que a segunda edição (2005)

atribui aquele conceito como um erro (BALDWIN, 2016, p. 148).

Um ponto onde Baldwin (2016) pesa a crítica tanto para a concepção conceitual

liberal quanto construtivista é sobre o caráter dimensional do poder. Isso se dá porque

muitos autores dessas linhas apresentam o poder a partir de Lukes (1974) e este afirma que

o poder em Dahl é unidimensional, além de concluir que amplia o conceito de Dahl. Baldwin

(2016), no entanto, certifica que isso “é altamente enganador” (BALDWIN, 2016, p. 39),

propondo cinco justificativas para tanto.

Page 17: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Na primeira, o controle da agenda e o controle da consciência estão perfeitamente

de acordo com o conceito de Dahl; na segunda, Lukes (1974) está equivocado ao basear o

conceito de poder de Dahl no livro Who Governs? (Quem Governa?) 1961, pois as

definições metodológicas em uso são significativamente distintas de onde Dahl “discute o

conceito – por exemplo, 1957, 1963, 1968, 1970, 1976, 1984, 1991 e/ou Dahl e

Stinebrickner (2003)” (BALDWIN, 2016, p. 40); na terceira, mesmo em Quem Governa? é

possível auferir controle da agenda e modelagem de preferencia como meios de poder; na

quarta, Lukes limita e não amplia o poder de Dahl (BALDWIN, p. 40); na quinta, o poder em

Dahl nunca foi unidimensional, “em 1970, ele observou que ‘o poder realmente tem muitas

faces. Com perseverança, pode-se definir literalmente milhares de diferentes tipos de

influencia’ (1970: 25)” (BALDWIN, 2016, p. 40).

Por fim, cabe destacar o entendimento de Baldwin (2016) de que a “análise de

poder é um potencial ponto de convergência para pelo menos alguns membros de cada

campo” (BALDWIN, 2016, p. 149). Ainda que marque posição bastante clara, através de sua

base conceitual a partir da qual sistematiza sua análise, outro aspecto relevante de seu

trabalho é produzir insights sobre análise de poder em diferentes escolas do pensamento

das relações internacionais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O poder é de suma importância, senão conceito central, no estudo das relações

internacionais. Sentença essa sustentada pelos grandes estudiosos e teóricos da área e

pela empiria tradicional e contemporânea. Independentemente da matriz paradigmática, os

autores reforçam essa relevância, ao mesmo tempo em que não adentram em seu conceito

ou o evitam, em larga medida.

O poder é um conceito distante de consensos, apesar do grande avanço da

produção científica nos últimos 50 anos. Por esse motivo, os autores podem preferir evitar

uma maior atenção conceitual e, em muitos casos, isso é bastante claro, tendo em vista que

ao considerar um enfoque específico sobre poder pode-se gerar, consequentemente, um

delineamento lógico do estudo. Porém, a partir do ponto em que se atribui tal dimensão a

um conceito, preza a boa pesquisa dedicar atenção especial ao mesmo.

O poder, na teoria das relações internacionais, divide-se basicamente em dois

vieses, o poder relacional e o poder como recursos. O poder enquanto recursos recebe

maior atenção por parte dos atores e dos cientistas, sobretudo o poder militar, ainda que em

muitos casos, a depender do contexto e das dimensões do poder, este aspecto possa ser de

fato menos efetivo. Na teoria realista, a título de exemplo, há em aberto o debate interno

sobre o objetivo a ser maximizado, o poder ou a segurança.

Page 18: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

Muitas dessas questões são observadas ao longo do texto e, em nossa análise,

não recebem a devida luz no campo de estudo. Questão que é bem elaborada e elucidada

na obra de Baldwin, especialmente em Power and Internacional Relations (2016). Ademais,

a base conceitual em Dahl continua a ser fundamental para o entendimento do poder na

ciência política e nas relações internacionais, todavia é relevante exatamente nesse sentido

fundamental, na base. As contribuições especificadamente da área, como em Waltz,

Mearsheimer, Nye, Guzzini são mais substanciais para o entendimento de um campo com

grandes transformações conjunturais em um período de tempo bastante curto, ainda que,

por óbvio, cada contribuição tenha seu limite.

Ainda há inúmeros espaços para pesquisas futuras sobre poder nas relações

internacionais, onde pode haver contribuições significativas no avanço do seu entendimento

conceitual, analítico e empírico. Tema esse importante para a estabilidade do sistema

internacional, para o papel que o poder deve desempenhar na estratégia das nações

centrais ou periféricas, como os Estados Unidos, China e o Brasil, etc. Responder as

interrogações da política internacional contemporânea passa pelo entendimento de muitas

variáveis e certamente o poder está entre as mais importantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADLER, Emanuel. Constructivism in International Relations: Sources, Contributions and Debates. IN Handbook of International Relations. Ed. Thomas Risse, Walter Carlnaes and Beth A. Simmons. London: Sage, 2013, pp. 112-144.

AYRES PINTO, Danielle Jacon. Smart Power: os pilares deste poder na política externa brasileira. In: 3º ENCONTRO NACIONAL ABRI, 2011, SÃO PAULO. v. 1. p. 2-18. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000122011000100061&script=sci_arttext

AYRES PINTO, Danielle Jacon; MESQUITA, L. R. Smart Power Brasileiro: A cooperação internacional como projeção de poder internacional. In: 1º Seminário de Pós-graduação em Relações Internacionais. BELO HORIZONTE: ABRI, 2012. v. 1. p. 1-29. Disponível em: http://www.seminariopos2012.abri.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=800

AYRES PINTO, Danielle Jacon. Brazil's Smart Power: A New Way to Influence International Politics. In: ISA Annual Convention, 2013, San Francisco: ISA, 2013. v. 1. p. 1-18. Disponível em: http://files.isanet.org/ConferenceArchive/e62299428f1747dfa48957c9aaeb6b85.pdf

BALDWIN, David A. Power and International Relations. A conceptual approach. Princeton: Princeton University Press, 2016.

BALDWIN, David A. Power and International Relations. IN Walter Carlsnaes; Thomas Risse; Beth A. Simmons. Handbook of International Relations. SAGE Publications, 2013, pp. 273-297.

______. Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate. Columbia University Press, 1993. [cap. 1, pp. 3-25].

Page 19: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

______. Power analysis and world politics: new trends versus old tendencies. World Politics. Vol. 31, Issue 2: 161-94, 1979.

______. Power and Social Exchange. The American Political Science Review, Vol. 72, No. 4, pp. 1229-1242, 1978.

BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Power in International Politics. International Organization. 59 (1), pp. 39-75, 2005a.

BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Power in Global Governance. IN Poder in Global Governance. Eds BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. Cambridge: Cambridge University Press, 2005b. [Cap 1, pp. 1-32].

BRAVO, Juliano dos Santos; FRÖHILICH, Matheus. Poder e política internacional no século XXI: uma análise do Soft Power. 3º Seminário de Relações Internacionais ABRI, 2016. Disponível em: http://www.seminario2016.abri.org.br/resources/anais/23/1474672825_ARQUIVO_Manuscritocompleto.pdf

CARR, Edward H. Vinte anos de crise: 1919-1939. Uma introdução ao estudo das Relações Internacionais. Universidade de Brasília: IPRI, 2ªed, 2001.

DAHL, Robert A. The concept of power. Behavioral Science. 2:3 July/1957, pp. 201-215.

DAHL, Robert A. Power. In. International Encyclopedia of the Social Sciences. Editor David Sills. The Macmillan Company & The Free Press, 1968.

GUZZINI, Stefano. The concept of power: a constructivist analysis. IN Power in World Politics. Ed Felix Berenskoetter; M. J. Williams. London: Routledge, 2007, pp. 23-42.

JERVIS, Robert. Realism in the Study of World Politics. International Organization, 52, pp 971-991, 1998.

KEOHANE, Robert O; NYE, Joseph S. Power and Interdependence. 4th ed. New York: Longman Classics in Political Science, 2011.

LASSWELL, Harold D.; KAPLAN, Abraham. Power and Society. A framework for political inquiry. Yale University Press, 1950, pp. 74-102. [cap. V].

MALINIAK, Daniel; PETERSON, Suzan; TIERNEY, Michael J. Trip around the world: teaching, research, and policy views of International Relations Faculty in 20 countries. The College of William and Mary Williamsburg, Virginia. May 2012. Acessível em: https://trip.wm.edu/home/

MARCH, James. An introduction to the Theory and measurement of influence. American Political Science Review. 49 (2): 431-51, 1955.

MARCH, James. Measurement concepts in the Theory of influence. Journal of Politics. 19 (2): 202-26, 1957.

MEARSHEIMER, John J. The tradegy of Great Power politics. New York: Norton & Company, 2001.

MORGENTHAU, Hans J. (2003). A Política entre as Nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora da UnB. [Parte 1, 2 e 3].

NYE, Joseph S. The Future of Power. New York: Public Affairs, 2011.

NYE, Joseph S. Get Smart: Combining Hard and Soft Power. Foreign Affairs, 2009. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/2009-07-01/get-smart

NYE, Joseph S. Understanding International Conflicts. An Introduction to Theory and History. New York: Longman sixth edition, 2007, [Cap. 3].

Page 20: Área temática: Teoria das Relações Internacionais … Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; ... poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido

______. Smart Power: In search of the balance between Hard and Soft Power. Democracy, n.2, 2006. Disponível em: http://democracyjournal.org/magazine/2/smart-power/

______. Soft Power: the means to success in world politics. New York: Public Affairs, 2004.

______. Soft Power. Foreign Policy. N. 80, pp. 153-171, 1990.

PECEQUILO, Cristina Soreanu. Teoria das Relações Internacionais: o mapa do caminho – estudo e prática. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.

SIMON, Herbert. Notes on the observation and measurement of political power. Journal of Politics. 15 (4): 500-16, 1953.

SIMON, Hebert. Spurious Correlation: a causal interpretation. Journal of the American Statistical Association. 49 (267): 467-79, 1954

SPROUT, Harold. In Defense of Diplomacy. World Politics, 1, pp 404-413. 1949.

WALTZ, Kenneth N. Reflections on Theory of International Politics: A Response to my critics. IN Robert O. Keohane (ed). Neorealism and its Critics. New York: Columbia University Press, 1986, [cap. 11, pp. 322-345].

WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. London: Addison-Wesley, 1979.

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, pp. 92-138.