ÁREA TEMÁTICA
Transcript of ÁREA TEMÁTICA
ÁREA TEMÁTICA:
Trabalho, Organizações e Profissões
ENTRE A PROFISSÃO E A COMUNIDADE ACADÉMICA: CONTRIBUTOS PARA UMA CARACTERIZAÇÃO
SÓCIO-ORGANIZACIONAL
Carvalho, TEresa
Doutora em ciências Sociais
Universidade de Aveiro
Sousa, Sofia Branco
Doutora em ciências da Educação
CIPES – Centro de Investigação em Políticas do Ensino Superior
2 de 19
3 de 19
Palavras-chave: "[ Profissão académica; Comunidade académica; Segmentação; Feminização ]"
Keywords: "[ Academic profession; academic community; Segmentation; Feminisation ]"
[PAP0746 ]
Resumo
Existe alguma discussão na literatura sobre a possibilidade de associar a atividade académica a uma profissão
Tendo por referência o contexto anglo-saxónico alguns autores criticam a existência de uma ‘profissão’
académica preferindo, em alternativa o termo ‘comunidade académica’. Este termo permite enfatizar a única
dimensão em comum a todos os académicos: o conhecimento. Seja ele relativo à sua transmissão (na docência),
produção (na investigação), difusão ou aplicação (no serviço). Não obstante a problemática em torno da sua
classificação os académicos têm, nos últimos anos, enfrentado desafios importantes decorrentes do impacto das
alterações da sociedade em geral e, de forma mais particular, das mudanças nas Instituições de Ensino Superior
(IES).Este estudo pretende proceder a uma breve caracterização da comunidade académica em Portugal através
de uma abordagem quantitativa assente em dados empíricos recolhidos através das fichas individuais de docentes
da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
A análise dos dados permite concluir que a comunidade académica em Portugal é extremamente heterogénea
tendo o seu crescimento sido acompanhado de uma crescente segmentação e feminização. Há importantes
distinções no sistema com o sub-sector politécnico público a apresentar condições de trabalho mais precárias para
os académicos. Não obstante as alterações verificadas no sistema e nas IES, a noção de comunidade académica
parece continuar a ser estruturada em torno da conjugação das atividades de ensino e investigação sendo o tipo de
conhecimento produzido e a valorização das diferentes formas de o divulgar distinta em função da área científica.
Abstract
There is a relevant discussion in the literature concerning the possibility to associate academic activities to a
profession. Taking the Anglo-Saxon context some authors discuss the possibility of using the term ‘academic
community’ in opposition to ‘profession’. The academic community concept allows giving emphasize to the
knowledge in its three dimensions: transmission (teaching); production (research), application and diffusion
(services).
Nevertheless academics have been facing great challenges in the last years due to the impact of general changes
in society and, in more specific terms, of changes in higher education institutions.
This study intent to develop a brief portrait of academic community in Portugal using a quantitative approach
based in empirical data obtained from the teachers’ individual files from the Agency for Assessment and
Accreditation of Higher Education - A3ES.
Data analysis allows conclude that academic community in Portugal is highly heterogeneous. Academic
community increased a lot in the last years turning into a feminized and segmented profession.
There are important distinctions within the system with the polytechnic subsystem presenting worst working
conditions for these academics. Nevertheless changes in higher education system and institutions, the notion of
academic community is still structured around the confluence of research and teaching being the type of
knowledge produced and the valorization of different ways to divulgate it distinct between different scientific
areas.
4 de 19
5 de 19
1. Introdução
A profissão académica foi apelidada em 1987 por Harold Perkins de ‘profissão-chave’. O autor pretendia
com esse termo, enfatizar a influência e o papel central destes profissionais na sociedade em geral. A
associação da actividade académica a uma ‘profissão’ tem sido amplamente discutida na literatura (Altbach,
2000; Askling, 2001; Becher &Trowler, 2001; Enders, 1999; 2001). Tendo por referência o contexto anglo-
saxónico alguns autores criticam a existência de uma ‘profissão’ académica dado que não lhe reconhecem a
existência de boa parte das características associadas às profissões na literatura do campo (Brennan, Locke &
Naidoo, 2007). Com isto não pretendemos argumentar a recusa da utilização do termo ‘profissão académica’,
mas, pelo contrário, defendemos uma discussão comparativa do termo em relação ao conceito de
‘comunidade académica’. A ‘comunidade académica’, baseada no ethos mertoniano e no próprio conceito de
‘profissão académica’, emerge na sociedade portuguesa como errática (Sousa, 2010) não sendo claro quem
constitui a comunidade académica e como se caracterizam os académicos. Tal carácter errático permite-nos
enfatizar a única dimensão em comum a todos os académicos: o conhecimento. Seja ele relativo à sua
transmissão (na docência), produção (na investigação), difusão ou aplicação (no serviço).
Não obstante a problemática em torno da sua classificação os académicos têm, nos últimos anos, enfrentado
desafios importantes decorrentes do impacto das alterações da sociedade em geral e, de forma mais
particular, das mudanças nas IES. Face aos desafios colocados por estas alterações os académicos são cada
vez mais interpretados como meros assalariados, em lugar de ‘profissionais de elite’ (Carvalho, 2012;
Musselin, 2004; 2008).
Em Portugal os estudos neste domínio são relativamente escassos (Sousa, 2010, 2011; Meira-Soares, 2001;
Santiago & Carvalho, 2008; Carvalho & Santiago, 2010). Assim, é objetivo deste artigo contribuir para a
discussão desta problemática usando os conceitos de profissão académica e o de comunidade académica para
caracterizar o corpo de profissionais das IES em Portugal. Para que se inicie uma discussão mais profunda
sobre esta temática importa saber quem são os académicos em Portugal. Esta análise é empiricamente
suportada pela discussão de dados quantitativos provenientes de uma base de dados compilada pela A3ES
relativa a docentes do ensino superior português. A comparação com estudos anteriores permite-nos analisar
e discutir o sentido da evolução deste grupo profissional no contexto nacional.
2. Transformações na carreira académica em Portugal
Ao longo dos últimos trinta e cinco anos o sistema e as IES em Portugal foram sujeitas a profundas
alterações. Assistiu-se à diversificação do Ensino Superior (ES) primeiro com a criação de um sistema
binário através da institucionalização dos politécnicos, mais tarde, com a proliferação de IES privado. Estas
alterações no sistema são reconhecidas como tendo permitido o aumento da diversidade da população
estudantil, alvo de diversos estudos no contexto nacional. Menos estudados parecem ser os efeitos das
reformas do ensino superior nos profissionais académicos e não académicos.
Numa perspectiva funcionalista os académicos são tradicionalmente beneficiários de um conjunto de
atributos que permitem o uso descomplexado do constructo de profissão para a sua classificação. Possuindo
monopólio sobre a criação e uso do conhecimento especializado; autonomia técnica assente no controlo
sobre o desempenho das suas tarefas; monopólio sobre a admissão de novos elementos (gatekeeping); um
ethos profissional assente na importância do bem público e o reconhecimento social da sua existência
enquanto grupo profissional, a sua classificação como grupo profissional emerge como inquestionável
(Parsons, 1958, 1972; Freidson, 2001; Parkin, 1979; Murphy, 1988; Johnson, 1972; Dubar & Tripier, 1998;
Dubar, 2003).
Não obstante, abordagens mais recentes da sociologia das profissões colocam em causa uma perspectiva
assente nos atributos preferindo, antes, centrar-se nos processos sociais que conduzem à institucionalização
de um grupo ocupacional como profissão. Neste domínio a profissionalização rouba centralidade à profissão.
Ou, dito de outro modo, os percursos definidos por um grupo ocupacional, no sentido de obter um estatuto
social e privilégios diferenciados na sociedade, passam a ser assumidos como centrais nas análises da
6 de 19
sociologia das profissões. De igual modo, o profissionalismo, entendido como uma terceira lógica de
organização que supera o poder do mercado e do controlo burocrático (Freidson, 2001) ou, como discurso
ideológico que sustenta as práticas reflexivas dos profissionais (Evetts, 2003) assume uma relevância ímpar
no contexto atual de transformações nos sistemas de capitalismo avançado.
A profissão académica, pelo estatuto e poder privilegiado que sempre assumiu no sistema de profissões
emerge como um grupo particularmente interessante para refletir as intersecções complexas que se
estabelecem entre as mudanças sociais e os grupos profissionais que sustentam a sua estrutura. A sua relação
privilegiada e única com o estado parece constituir o pilar que sustenta o seu poder material e simbólico
(Bourdieu, 1990). Em diferentes momentos políticos, e em presença de distintas configurações do estado, os
académicos sempre beneficiaram de uma forte proteção do estado conduzindo autores como Neave e
Rhoades (1987: 213) a classificá-los como um “estado cujo poder, privilégios e condições de emprego estão
protegidas pela lei constitucional e administrativa”.
2.1 O conceito de comunidade académica
Também o conceito de comunidade académica merece alguma atenção tanto do ponto de vista conceptual
como do ponto de vista da sua possível diluição na sociedade contemporânea (Sousa, 2010, 2011). A
hipótese da existência de uma comunidade académica assenta na possibilidade de haver algo partilhado por
todos os académicos. Para Kogan (2000), as disciplinas e as suas áreas seriam o denominador comum das
várias comunidades académicas. Seriam as tribos e os territórios de que nos falam Becher e Trowler (2001).
Henkel (2000) enfatiza outra dimensão que não a base disciplinar das comunidades, isto é, a ‘natureza’
daqueles que as constituem, identificando esta como o ponto de partida para a constituição de uma (e apenas
uma) comunidade de académicos baseada num denominador comum que uniria todos os académicos. Para
Austin existem culturas dominantes que afectam os académicos, entre as quais a cultura da profissão
académica. O autor identifica quatro valores centrais. São eles que o propósito do ‘académico’ é o de
“perseguir, descobrir, criar, produzir, disseminar e transmitir verdade, conhecimento e compreensão, [sendo
que] a investigação, a escrita, a publicação e o ensino são veículos para atingir tais valores” (Austin,
1992:1620) Consequentemente, talvez se possa defender que a comunidade académica (no singular) possua
como ponto central a existência de uma ‘natureza’ comum, partilhada por todos os académicos que residiria
nos quatro valores acima descritos, ou seja, um compromisso com a verdade, com a honestidade, com a
liberdade e com a comunidade.
Mas, quem constitui a comunidade académica? Segundo Jesuíno e Ávila, deve-se a Merton (1973) “a
primeira formulação do conceito de que a comunidade científicai seria dotada duma estrutura normativa, dum
ethos, para utilizar a própria expressão do autor” (Jesuíno & Ávila, 1995:75). Tal ethos fundar-se-ia em torno
de cinco normas fundamentais: o comunalismo, o universalismo, o desinteresse, a originalidade e o
cepticismo. Há várias ligações que podemos estabelecer entre este ethos Mertoniano e a construção do
conceito de comunidade académica, nomeadamente, através de três vectores: (1) o regime do conhecimento
como um bem público, (2) a liberdade académica e (3) o contrato ciência-sociedade.
Segundo Slaughter e Rhoades (2003), o conceito de comunidade académica é, na medida em que se
relaciona com o ethos Mertoniano, independente do Estado e do mercado, sendo caracterizado pela liberdade
que se vive na universidade Assim parece ser possível defender que o conceito de comunidade académica,
desenhado sobre o ethos Mertoniano, se constitui (1) numa relação com o conhecimento como um bem
público, aliado à liberdade académica, à esfera pública e à universidade, (2) privilegiando a liberdade
académica, sendo independente do Estado e do mercado e (3) baseando-se num contrato com a sociedade no
qual o Estado providencia o financiamento necessário. Esta definição não pretende, de modo algum, ser
definitiva (nem contrariar o carácter errático do conceito) servindo apenas o objectivo de possibilitar a
abordagem do conceito de comunidade académica de um modo mais claro no âmbito da investigação do
ensino superior.
Barnett (1994) defende que o conceito de ‘comunidade académica’ parece estar a diluir-se e com ele o
próprio termo de ‘comunidade’ na sociedade mais vasta. Kogan (2000) sustém que os valores comunitários
estão a ser postos em causa. Becher e Trowler referem algumas mudanças nas características da comunidade
7 de 19
académica, tais como a “desprofissionalização da carreira académica”, a “perda de laços” que unem a
comunidade académica, a “estratificação”, “hierarquização interna” e “divisões”, a “identidade esquizóide”
do académico, a “perda de liberdade e controlo” sobre o trabalho académico, a “obsessão pela propriedade
intelectual” e a “prestação de contas” (controlo externo, vindo de fora da academia) (Becher & Trowler,
2001:15-19). Dill refere a erosão da “coesão académica”, das “tribos e territórios académicos”, da
“solidariedade académica” e do “poder da cultura académica” através da “rápida fragmentação dos campos
académicos”, da “supremacia da autonomia institucional”, do “declínio da solidariedade académica” e do
“rápido crescimento” (Dill, 1995).
Em investigações anteriores sobre a comunidade académica portuguesa (Sousa, 2010, 2011) concluiu-se que
a comunidade académica, baseada no ethos mertoniano e no próprio conceito de profissão académica,
emerge na sociedade portuguesa como errática não sendo claro quem constitui a comunidade académica e
como se caracterizam os académicos. Tal carácter errático permite-nos enfatizar a única dimensão em
comum a todos os académicos: o conhecimento. Seja ele relativo à sua transmissão (na docência), produção
(na investigação), difusão ou aplicação (no serviço).
O académico é assumido como, simultaneamente, um professor e um investigador: Mas esta simultaneidade
é caracterizada pela procura de excelência em ambos os campos. Ser um académico implica ser um professor
excelente e ser um investigador excelente. Está relacionado com um tipo de classe de ‘elite’ que, apesar de
não ignorar a sociedade está, de algum modo, separado e protegido dela. Esta dimensão – da relação entre os
académicos e a sociedade – está repleta de contradições. Por um lado, a sociedade é perspectivada como uma
dimensão importante do trabalho académico, já que é percepcionada como parte desse trabalho devendo ser
envolvida nele. Por outro lado, a importância da investigação fundamental (que a sociedade não parece
entender tão bem como os académicos) é referida nos discursos, sendo o tempo, a disponibilidade e o
silêncio (só possíveis de atingir se a academia estiver distante da sociedade) características que são
perspectivadas como fundamentais do trabalho académico.
2.2 A profissão académica em Portugal
Uma das tendências dominantes na profissão académica em Portugal é para a sua crescente segmentação e
diversificação. Na verdade, apesar dos grupos profissionais tenderem a ser interpretados como homogéneos
diversos autores têm chamado a atenção para a existência de diversidade na unidade (Abbott, 1988;
Carvalho, 2012).
No quadro do regime do estado novo a profissão académica sendo classificada como de elite não era, no
entanto, una não partilhando os seus membros do mesmo esquema interpretativo e da mesma identidade
normativa. No entanto, o caráter repressivo do regime impunha a existência de uma única versão tida como
homogénea. O sistema era, então, tal como o definiu Burton Clark (1983) altamente hierarquizado e assente
num controlo fortemente burocrático, centralizado e ideológico.
Com a emergência do regime democrático, e as alterações supracitadas, importantes transformações são
constatadas neste grupo profissional. A par com o aumento da diversidade da sua constituição, com a
emergência do sub-sistema politécnico surgem, também, professores de ensino superior com um perfil mais
orientado para a prática, é criado o novo regime legal que institui uma carreira académica baseada em
distintos níveis e, mais importante ainda, do seu profissionalismo já que os académicos se passam a assumir,
então, como uma espécie de garante da democracia. Na década de 80 a emergência e consolidação do sub-
sistema privado contribuiu para intensificar a segmentação do grupo (Carvalho, 2012). Nesta altura a
profissão académica perde o seu estatuto de elite para se transformar numa profissão chave na sociedade
(Perkin, 1987) dado que assumia a responsabilidade por criar o conhecimento especializado necessário à
sustentação dos restantes grupos profissionais (Carvalho, 2012). Esta crescente segmentação do grupo
profissional dos académicos foi sendo acompanhada pela sua feminização. A participação das mulheres no
ensino superior cresceu não só por via do aumento extraordinário do número de alunas mas, também, pelo
aumento da sua participação como profissionais.
8 de 19
Nos últimos anos, o ensino superior em Portugal, como praticamente em todos os países desenvolvidos, tem
sofrido pressões centradas na imposição de ideologias managerialistas. A influência da Nova Gestão Pública
(NGP) nos académicos portugueses faz-se sentir na degradação das condições de trabalho (Carvalho &
Santiago, 2008); no aumento do controlo e das barreiras impostas à entrada para a profissão
(consubstanciadas na alteração do estatuto legal da carreira); no questionamento da autonomia com a
crescente imposição de modelos de responsabilização individual (accountability); nas alterações nos modos
de produção de conhecimento e na imposição de mudanças nas práticas profissionais com a emergência de
novos regimes de avaliação de desempenho.
Neste âmbito é pertinente questionarmos: que efeitos têm estas alterações no grupo profissional? Que
concepção têm de si como grupo profissional? Estará a sua subjectividade a ser afectada? Será possível
identificar características dominantes de profissionalismo num grupo tão segmentado?
3. Análise dos Resultados: Profissão e comunidade académica em Portugal
Os dados empíricos que sustentam esta análise resultam de análises quantitativas desenvolvidas com base na
recolha efectuada pela A3ES aquando da acreditação ou acreditação prévia dos cursos de ensino superior
existentes em Portugal. Este processo obriga ao preenchimento de uma ficha individual de docente onde para
além dos dados pessoais (Nome; Instituição de Ensino Superior; Unidade Orgânica, Categoria; Grau; Área
científica do grau académico; Ano em que foi obtido o grau académico e Instituição que conferiu o grau
académico) está, também, incluída informação referente a outros graus académicos; as publicações ou
atividades artísticas mais relevantes nos últimos 5 anos bem como a experiência profissional relevante e
informação relativa às unidades curriculares a lecionar no ciclo de estudos. Nesta análise a ênfase é colocada
nas fichas individuais dos docentes da A3Es dado que estas integram dados dos sub-sistemas público e
privado.
3.1.A caracterização da profissão
3.1.1.A segmentação da profissão
Na amostra selecionada das fichas individuais de docentes disponibilizadas pela A3ES estão representados
19.794 casos. A constatar a diversidade e segmentação dos profissionais académicos em Portugal depois da
revolução democrática do 25 de Abril a amostra inclui uma maioria de académicos do sub-setor público
(48,6% do sub sistema universitário e 26,8% do sub sistema politécnico) e uma minoria do sector privado
(20,1% do sub sistema universitário e 4% sub sistema politécnico).
As caraterísticas dos profissionais académicos analisados nestas fichas individuais de docentes integram já as
alterações legais impostas à carreira universitária e do politécnico pelos Decretos-lei 205/2009 e 207/2009.
Estes documentos legais vieram alterar a regulamentação das carreiras definidas desde o final da década de
70 e que, pela sua longevidade, assumiam um caráter quasi-constitucional (Carvalho, 2012). Embora se
tenha mantido a estrutura burocrática e hierárquica das carreiras procede-se a uma alteração que alinha a
carreira em Portugal com os parâmetros internacionais – o doutoramento passa a ser o modo privilegiado
para aceder à comunidade académica (Jackson & Tinkler, 2000).
Embora esta regulamentação seja relativamente recente a nossa amostra é constituída por 48,5% de
doutorados. A verificar-se esta representatividade na população em geral tal significa que em Portugal mais
de metade dos académicos não possui doutoramento.
O caráter distinto do sub-sistema politécnico, criado com uma vertente mais vocacional, ditou a criação de
condições diferenciadas de acesso para os académicos a esta carreira. O bacharelato constituía, desde 1981 o
grau necessário para entrar no primeiro patamar da carreira. Assim sendo, é de alguma forma expectável que
a maioria dos académicos com bacharelato se encontre no politécnico. Pelo contrário, dada a longa tradição
dos doutoramentos na carreira é, sobretudo, nas universidades públicas que se concentram os académicos
com doutoramento.
9 de 19
Gráfico nº1 - Distribuição dos académicos de acordo com o grau e tipo de instituição
Ao analisar a distribuição dos académicos por categoria no sub-sistema universitário verificamos que, a
maioria da amostra se concentra em posições para as quais o doutoramento não é uma qualificação
necessária (60% no público e 56,3% no caso do setor privado).
No que diz respeito às condições de trabalho é importante salientar que, no caso das universidades públicas,
cerca de 48% dos académicos possui nomeação definitiva. No caso das privadas este número é bastante
inferior (22,9%). Dos que não possuem nomeação definitiva apenas cerca de 20% no público se encontra
numa posição conducente à obtenção da nomeação definitiva enquanto no privado esta percentagem sobe
para cerca de 47%.
Nos últimos anos, as dificuldades de acesso e progressão na carreira conduziram ao surgimento de uma
carreira informal ou paralela (Carvalho e Santiago, 2008). As condições permitidas no quadro legal para a
contratação de professores convidados que poderão ser contratados para uma função para a qual não
possuem qualificações através da avaliação do currículo permitiu criar uma oportunidade para a contratação
fora da carreira. Muitas vezes esta figura do convidado passou a ser usada por um lado, como uma forma de
aceder ou ascender na carreira dadas as limitações orçamentais, por outro, para permitir a contratação de
profissionais que não conseguiram obter o diploma necessário no período legalmente determinado.
No caso das universidades públicas 23,8% dos académicos encontram-se na carreira paralela sendo que
apenas cerca de 2% (2,3%) estão numa situação estável (como professores catedráticos ou associados). No
caso do setor privado este número sobe para 30% sendo que apenas 3,5% se encontra numa posição que
podemos considerar segura.
10 de 19
Publico Privado
Tipo Posição N % N %
Com nomeação Definitiva Professor catedrático 705 7,3 122 3,1
Professor catedrático convidado 45 ,5 60 1,5
Professor Associado 1185 12,3 297 7,4
Professor Associado Convidado 169 1,8 80 2,0
Professor Auxiliar (pre-2005) 2463 25,6 358 8,9
Sem
nomeação
Definitiva
Com
possibilidade
Professor Auxiliar (post-2005) 1031 10,7 338 8,5
Assistente 789 8,2 1232 30,9
Assistente Estagiário 9 ,1 287 7,2
Sem
Possibilidade
Professor Auxiliar Convidado 512 5,3 419 10,5
Assistente Convidado 1561 16,2 643 16,1
Outros 433 4,5 83 2,1
Total 8973 93,2 3987 100,0
Missing 651 6,8 1 ,0
Total 9624 100,0 3988 100,0
Tabela nº 1 – Distribuição dos académicos por categoria no sub-sistema universitário
No caso do sub-sistema politécnico a tendência no que respeita à nomeação definitiva no sub-setor público e
privado inverte-se. No sub-setor público são cerca de 30% que não possuem nomeação definitiva enquanto
no sub-setor privado são 48%. Tal significa que no caso dos politécnicos públicos, ao contrário do que
acontece nas universidades, existe uma maior precariedade na carreira do que no setor privado. Esta
tendência confirma-se quando analisamos os dados referentes à possibilidade de vir a obter a nomeação
definitiva - 20% no setor público e 37% no setor privado têm possibilidade de vir a conseguir a nomeação
definitiva.
A figura correspondente no sub-sistema politécnico para a carreira paralela é a do professor equivalente. No
caso dos politécnicos do setor público a percentagem de académicos na carreira paralela é de 32,7% sendo
que no caso do setor privado esta percentagem é manifestamente mais baixa com apenas 10,7% na carreira
paralela.
Em suma, estes dados parecem revelar a existência de condições diversas de trabalho para o setor público e
privado no sub-sistema politécnico sendo que estas condições surgem como mais favoráveis no setor
privado.
11 de 19
Publico Privado
Tipo Posição N % N %
Nomeação Definitiva Professor Coordenador com
‘Agregação’
21 ,4 6 ,8
Professor Coordenador 319 6,0 120 15,0
Professor Adjunto 1266 23,9 255 31,9
Sem
Nomeaçã
o
Definitiva
Com
Possibilidade
Assistante
(1st e 2nd triennium)
1074 20,3 295 36,9
Sem
Possibilidade
Professor Coordenador Equivalente 30 ,6 7 ,9
Professor Adjunto Equivalente 1005 19,0 27 3,4
Assistente Equivalente 1226 23,1 51 6,4
Especialmente contratados 2 ,0 1 ,1
Outros (Especialistas, Outros) 229 4,3 37 4,7
Total 5172 97,5 799 99,9
Missing 130 2,5 1 ,1
Total 5302 100,0 800 100,0
Tabela nº 2 - Distribuição dos académicos por categoria no sub-sistema politécnico
O que estes dados parecem demonstrar é, de facto, uma realidade muito diversa na profissão académica. A
diversificação da carreira com o surgimento do sub-sector politécnico e privado traduziu-se, também, numa
forte segmentação da profissão. A profissão académica deixou de ser uma profissão de elite existindo, antes,
uma forte diversidade no seu interior. Tal como Sacks (2012) refere para o caso de outros profissionais há
bandas de marginalidade dentro do grupo profissional dos académicos. Este está longe de ser homogéneo
não só em termos do quadro normativo-ideológico que o enforma (Carvalho, 2012) mas, também, em termos
das condições de trabalho.
Há uma percentagem considerável de professores que se encontra em situações precárias (sem nomeação
definitiva) estando uma boa parte enquadrada numa carreira informal ou paralela. Adotando estes critérios
poderemos dizer que os académicos dos politécnicos públicos constituem o grupo mais marginal em termos
de condições de trabalho dentro da comunidade académica. É importante, no entanto, salientar que estamos a
tratar de dados obtidos através de respostas dos próprios professores para uma agência nacional de avaliação.
Não sabemos, de facto, se as categorias usadas pelos informantes são correpondentes no setor público e
privado e, não tendo acesso às condições contratuais, podemos apenas supor que estas correspondem às
definidas na legislação para o sector público.
3.1.2.Feminização
A acompanhar a segmentação da profissão assistiu-se, também, à sua feminização. A maioria dos elementos
da amostra são homens (57,6%). Esta amostra corresponde à composição de género da população de
académicos do sector público já que dados retirados da base de dados nacional, do então Ministério da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, revelam que, em 2005, 43% dos académicos eram mulheres
(MCTES/OCES, 2005). Estes dados permitem-nos levantar a hipótese de que a inclusão do sub-setor privado
não altera as carateristicas de feminização detetadas no sub-setor público.
12 de 19
Esta percentagem de mulheres no ensino superior em Portugal representa um valor superior ao da média
europeia (de acordo com o relatório She Figures (2009) em 2006 30% dos investigadores na EU eram
mulheres). A expressão da feminização da profissão académica em Portugal resulta do processo democrático
do 25 de Abril, da tradição de elevada participação das mulheres no mercado de trabalho em Portugal mas,
sobretudo, do aumento extraordinário do número de alunas graças ao processo de massificação e suposta
democratização do ES em Portugal. A este respeito importa, no entanto, especificar que o número de
professoras está ainda longe de igualar a percentagem de alunas.
A respeito da feminização da profissão académica importa também salientar que se constatam em Portugal
os mesmos fenómenos de segregação horizontal e vertical verificados noutros sistemas de ensino superior (
Carvalho & Santiago, 2010). As mulheres estão mais concentradas nas áreas chamadas ‘soft’ e nas posições
iniciais ou intermédias da carreira.
Como se pode verificar no gráfico seguinte as mulheres estão mais concentradas nas áreas da saúde e das
ciências sociais, humanidades e educação. No entanto, nesta área a nossa amostra parece não representar a
distribuição de género no universo dos profissionais a desenvolver o seu trabalho na academia portuguesa já
que a percentagem de homens ultrapassa a de mulheres. Na referida base do ministério de 2005, embora
comportando apenas os académicos das universidades públicas, as mulheres constituem a maioria nas áreas
da educação/ensino (62,9%) e nas humanidades (54,1%). A elevada percentagem de homens nas ciências e
tecnologias confirma a tendência, já antes verificada, para as diferenças de género sobretudo nas áreas das
engenharias (Carvalho & Santiago, 2010).
Gráfico nº 2 – Distribuição dos académicos por género e área científica
A distribuição dos académicos por género e categoria profissional permite perceber a persistência do
fenómeno da segregação vertical. Nos últimos patamares da carreira, isto é, nas posições de topo, o
diferencial entre homens e mulheres aumenta tanto no sub-sistema universitário como politécnico.
No caso do sub-sistema universitário (Gráfico nº 2) a participação de homens e mulheres chega a ser quase
igualitária nos patamares iniciais da carreira mas a participação das mulheres diminui à medida que
avançamos até à categoria de professor catedrático onde a percentagem de homens é manifestamente
superior.
13 de 19
Os homens parecem ter, também um acesso mais facilitado à carreira informal ou paralela já que constituem
a maioria nas posições de convidado. Tal justifica-se pelo facto dos processos informais de recrutamento
favorecerem os homens em relação às mulheres o que de alguma forma resulta da maior facilidade que estes
possuem na integração em redes informais.
Gráfico nº 3 – Distribuição dos académicos por género e categoria profissional no sub-sistema
universitário
No caso do sub-sistema politécnico a situação não é muito distinta (Gráfico nº 3). Nas categorias iniciais,
como assistente ou professor adjunto, a participação de homens e mulheres é muito semelhantes já no topo
da carreira, enquanto professor coordenador a diferença aumenta com os homens a constituirem uma maioria
de quase 60% (59,7%) nos professores coordenadores e de 66,7% nos coordenadores com agregação. As
diferenças de género nos lugares de convidado são, ainda, mais marcantes neste sub-sistema. Os homens são
81,6% dos professores coordenadores equivalentes, 61,3% dos professores adjuntos equivalentes e 74, 2%
dos especialistas. Tal poderá dever-se ao facto da progressão na carreira nos politécnicos estar mais
condicionada em função das restrições na abertura de vagas pelo estado nos últimso anos. A única exceção
para estes casos são os assistentes equivalentes (onde o número de homens e mulhers é semelhante) e os
especialmente contratados (onde o número de mulheers é superior) provavlemente devido ao número
elevados de mulheres que entraram nos politécnicos na fase inicial de implementação.
14 de 19
Gráfico nº 4 – Distribuição dos académicos por género e categoria profissional no sub-sistema politécnico
Uma análise mais atenta do processo de feminização revela que, tal como outros estudos no contexto
internacional destacam, a distribuição do número de mulheres não é homogénea de acordo com o tipo de
instituição (Bagilhole, 2000). No caso nacional é notório que o número de mulheres aumenta à medida que
diminui o prestígio social das IES: as mulheres representam cerca de 41% dos académicos nas universidades
públicas e 46% nos politécnicos privados. Apesar de não existirem dados que o comprovem cremos que o
capital simbólico das universidades é superior ao dos politécnicos. Não obstante existe uma percentagem
mais elevada de mulheres nos politécnicos (tanto públicos como privados) em relação às universidades
privadas. Tal poderá ficar a dever-se ao facto de existir uma forte concentração de formações na área da
saúde e da educação nos politécnicos que, habitualmente, são áreas conducentes a profissões com elevadas
taxas de feminização (veja-se o caso dos enfermeiros).
Tabela nº 3 – Distribuição dos académicos por tipo de instituição e género
Tipo de instituição
UPU -
Universidade
Pública
UPI -
Universidade
Privada
PPU -
Politécnico
Público
PPI -
Politécnico
Privado
Género Feminino N 3916 1708 2365 371
% 40,7% 42,8% 44,6% 46,4%
Masculino N 5708 2280 2937 429
% 59,3% 57,2% 55,4% 53,6%
Total N 9624 3988 5302 800
% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 66,70%
59,70%
81,60%
51,90% 61,30%
53,30% 50,10% 33,30%
74,20%
56,10%
Distribuição dos académicos por género e categoria profissional no sub-sistema
politécnico
Fem.
Masc.
15 de 19
Referimos antes que mais importante do que perceber as caraterísticas particulares da profissão académica é
perceber os elementos que permitem afirmar que existe unidade no conjunto da diversidade em que se foi
transformando a profissão. Procuramos, de seguida, perceber se a desconstrução da profissão académica
como profissão de elite deu lugar a uma comunidade académica assente no conhecimento como valor
comum.
3.2.Conhecimento e comunidade académica
Como verificámos, antes, uma das condições essenciais que parece agregar mais os académicos é a produção
e divulgação do conhecimento (Sousa, 2010). Não obstante, a tradição Humboldtiana ditou que a
estruturação da profissão se desenhasse em torno das actividades de ensino e investigação. As duas seriam
interpretadas como interdependentes. As perspectivas mais recentes da profissão, decorrentes da influência
da NGP e das pressões da avaliação e classificação das universidades nos rankings, enquadradas no âmbito
da sociedade do conhecimento levaram a que na atualidade a ênfase seja crescentemente colocada na
investigação relegando o ensino para um segundo plano.
Estudos empíricos anteriores realizados em Portugal demonstram que ao serem questionados sobre a
preferência pelo ensino ou pela investigação os académicos em Portugal, de acordo com a tradição
Humboltiana, afirmam que preferem conjugar as duas (Carvalho & Santiago, 2008). A forma como
conjugam estas atividades distintas parece estar diretamente relacionada com a gestão do tempo académico.
No entanto, sabemos que é dada uma forte valorização pelos académicos à produção do conhecimento como
atividade fundamental. Mas provavelmente mais importante do que a sua valorização é a questão de perceber
que tipo de conhecimento estão os académicos a produzir.
Face ao pedido para registarem as publicações mais relevantes dos últimos 5 anos ao preencherem as fichas
individuais os académicos deram sempre destaque às publicações em revistas internacionais com revisão por
pares.
. Referências Ref. 1 Ref. 2 Ref. 3 Ref. 4 Ref. 5
Livros nac 9,5 5,0 3,3 2,2 1,5
Livros inter. 1,3 0,9 0,5 0,4 0,3
Capítulos nac. 2,3 1,8 1,7 1,4 0,9
Capítulos inter. 2,3 2,0 1,5 1,3 0,7
Artigos nac. 8,0 7,1 5,9 4,3 2,6
Artigos inter. 21,3 22,4 20,9 16,6 12,7
Actas nac 4,8 4,6 3,7 2,8 1,5
Actas inter. 6,3 7,3 7,1 6,3 4,6
Act. artística 2,8 2,6 2,2 1,8 1,3
Teses/dissertações 3,5 1,7 1,1 0,9 1,1
Outros 3,8 2,8 2,5 2,5 2,6
Tabela nº 4 – Cinco principais referências dos académicos
Mais do que a valorização que os académicos poderão conceder a estas publicações é a valorização que
percecionam existir no exterior (e em especial na avaliação das IES e do seu desempenho) que os poderá
conduzir a selecionar como a referência mais importante. Apenas na 1ª referência os livros nacionais foram
os referidos em 2º lugar. Em todas as restantes referências surgem imediatamente a seguir aos artigos
internacionais as publicações em actas de congresso internacional
16 de 19
Dos 19.794 casos analisados fizeram referência a publicações internacionais em revistas com revisão por
pares 8393 profissionais. A análise por instituição revela que a grande maioria dos que referem ter publicado
este tipo de artigos pertencem às universidades públicas (71,5%) seguidos pelos politécnicos públicos
(15,9%). Com percentagens muito inferiores surgem as universidades privadas (10,9%) e os politécnicos
privados (1,6%). Estes dados são de alguma forma esperados dado que, apesar dos conhecidos fenómenos de
academic drift, os politécnicos não possuem na sua missão de forma tão evidenciada a investigação. As
instituições privadas também são conhecidas por terem vindo a desenvolver uma estratégia de crescimento e
desenvolvimento baseada sobretudo no ensino.
Para além dos artigos em revistas internacionais são também referidos os nacionais. Tanto no caso dos livros,
como dos capítulos de livros e das atas de congressos são sempre referenciados os nacionais e internacionais.
Não deixa de ser curioso o facto de não terem sido feitas referências a patentes. Tal parece demonstrar que o
tipo de produção de conhecimento que os académicos valorizam (ou percecionam como valorizada pelo
exterior) é a que está configurada pelo modo 1 de produção do conhecimento (Gibbons et al, 1994).
Referimos anteriormente que alguns autores denunciam a importância da área científica na construção da
identidade académica. A noção das tribos e territórios académicos decorre do princípio que a área disciplinar
detém um forte poder sobre a definição normativa e identitária dos académicos. Assim sendo, procurámos
perceber se existem diferenças no tipo de referências que os académicos de diferentes áreas expõem. É
possível constatar que, por exemplo, dos que referiram artigos internacionais há uma maior concentração na
área das ciências, matemática e informática (31,3%), bem como nas áreas Engenharia, indústrias
transformadoras e construção (20,8%). Já no que concerne às publicações em revistas nacionais estas foram
referidas por académicos nas áreas das Ciências Sociais e do Comportamento (35,2%) e pela saúde (18,1%).
Estes dados poderão não traduzir especificamente outputs em termos de publicações mas expressarem, antes,
perceções distintas na valorização de modos distintos de divulgação do conhecimento.
Quando questionados sobre a caracterização epistemológica do conhecimento que produzem cerca de 70%
afirma concordar muito ou muitíssimo com a afirmação de que o conhecimento é aplicado ou orientado para
a prática. Mas, existe também uma percentagem considerável que concorda muito ou muitíssimo com a
afirmação de que produz conhecimento básico ou teórico (43,2%). Estas diferenças percentuais ficam a
dever-se a diferenças entre as áreas disciplinares. No 1º caso são, sobretudo, as engenharias, indústrias
transformadoras e construção que referem desenvolver conhecimento aplicado enquanto nas ciências sociais
e do comportamento é o conhecimento básico ou teórico.
Em suma, à diversidade das condições que os académicos possuem nos seus locais de trabalho, junta-se
também a diversidade na conceção epistemológica do conhecimento que é produzido em função das áreas
académicas. O único elemento comum entre os profissionais da academia que poderá configurar a sua
descrição enquanto comunidade académica é a dedicação às atividades de ensino e investigação.
4. Conclusão
A discussão sobre as características particulares da profissão académica tem já uma forte tradição teórica.
Apesar de não parecerem existir dúvidas quanto ao uso do termo profissão para classificar este grupo já o
mesmo não parece ser verdade para o uso do epíteto de comunidade académica.
Este estudo, baseado, essencialmente, em dados empíricos recolhidos através das fichas individuais de
docentes da A3ES revela-nos alguns elementos de caracterização do grupo importantes para esta discussão
teórica.
Na realidade a profissão académica em Portugal, fruto da diversificação do sistema e da sua expansão, é hoje
extremamente variada. Se é verdade que a profissão continua a usufruir de um poder simbólico e cultural
forte na sociedade o grupo não pode ser considerado homogéneo. Antes pelo contrário, o desenvolvimento
do grupo foi acompanhado pela sua crescente segmentação de tal forma que hoje podemos afirmar que o
grupo profissional dos académicos, sendo um grupo de elite, ou uma profissão-chave na sociedade possui, no
17 de 19
seu interior, margens de marginalidade significativas. A este nível podemos afirmar que é o sub-sctor
politécnico público o que apresenta as condições mais precárias para os académicos.
A par da segmentação a crescente feminização conduziu a que hoje a profissão académica em Portugal
apresente dos índices mais elevados na Europa. Importa, no entanto, realçar que a feminização não traduz
uma democratização do ensino já que as mulheres se encontram nas áreas mais ‘soft’ e nas posições de base
ou intermédias na carreira. Mais curioso parece o facto de os homens parecerem ter mais oportunidades no
acesso informal à carreia o que a manter-se poderá ditar uma situação inversa da verificada na atualidade no
acesso de homens e mulheres á carreira.
Finalmente, a noção de comunidade académica parece ser estruturada em torno da conjugação das atividades
de ensino e investigação sendo o tipo de conhecimento produzido e a valorização das diferentes formas de o
divulgar distinta em função da área científica.
Referências
Abbott, A. (1988). The system of professions. An essay on the division of expert labour. Chicago and
London: The University of Chicago Press.____________
Altbach, P (2000). The Changing Academic Workplace: Comparative Perspectives. (Ed.) Boston, Center for
International Higher Education.
Askling, B. (2001). Higher education and academic staff in a period of policy and system change. Higher
Education, 41, 157-181.
Austin, A. E. (1992). Section IV. Faculty and Students: Teaching, Learning and Research. Faculty Cultures.
In B. Clark & G. Neave (Eds.), The Encyclopedia of Higher Education, (Vol. 3, pp. 1614-1623). New York:
Pergamon Press.
Bagilhole, B. (2000). Too little too late? An assessment of national initiatives for women academics in the
British university system. Higher Education In Europe. 23(2), 139-145
Barnett, R. (1994). Recovering an Academic Community. Above but not Beyond. In R. Barnett (Ed.),
Academic Community. Discourse or Discord (pp. 3-20). London: Jessica Kingsley Publishers.
Becher, T. and Trowler, P. (2001) Academic Tribes And Territories. Intellectual Enquiry And The Culture Of
Disciplines. Second Edition. Buckingham: Open University Press.
Bourdieu, P. (1990). Homo Academicus. Standford. Standford University Press.
Brennan, J., Locke, W., & Naidoo, R. (2007). United Kingdom: An Increasingly Differentiated Profession.
In W. Locke & U. Teichler (Eds.), The Changing Conditions for Academic Work and Careers in Select
Countries (pp. 163-176). Kassel: INCHER.
Carvalho, T. (2012) Shaping the ‘new’ academic profession. Tensions and contradictions in the
professionalisation of academics. In Guy Neave & Alberto Amaral (ed.) Higher Education in Portugal 1974-
2009. A Nation, A Generation. Pp. 329-352. Springer Publishers.
Carvalho, T. & Santiago, R. (2010). Still Academics After All. Higher Education Policy. pp. 397-411.
Carvalho, T. & Santiago, R. (2008) Gender differences on research: Perceptions and use of academic time
Tertiary Education and Management, 14(4), pp. 317-330.
Carvalho, T. & Santiago, R. (2010) New challenges for women seeking an academic career: The hiring
process in Portuguese HEIs. Journal of Higher Education Policy and Management, Vol.32, nº 3, pp.239-249.
Clark, B. (1983). The Higher Education System. Academic Organization in Cross-National Perspective. .
Califonia: University of California Press.
18 de 19
Dill, D. (1995). Trough Deming’s Eyes: a cross-national analysis of quality assurance policies in higher
education. Quality in Higher Education, 1, 2, 95-110.
Dubar, C. 2003, Sociologie Des Groupes Professionnels En France: Un Bilan Prospectif, In Menger, Pierre
Michel (Dir.), Les Professions et Leurs Sociologues, Paris, Éditions de la Maison des Sciences de l’Homme,
Pp. 51-59.
Dubar, C. and Tripier, P. 1998, Sociologie des Professions, Armand Colin, Paris.
Enders, J. (1999), Crisis? What crisis? The academic profession in ‘knowledge’ society, Higher Education,
38(1), 71-81.
Enders, J. (2001). Between State Control And Academic Capitalism: A Comparative Perspective On
Academic Staff In Europe. In Enders, J. (Ed). Academic Staff In Europe. Changing Contexts And Conditions,
Westport, CT Greenwood Press.
Evetts, J. 2003. The Sociological Analysis Of Professionalism, In International Sociology, Vol. 18 (2): 395-
415.
Freidson, E. 2001, Professionalism. The Third Logic, Chicago, The University Of Chicago Press.
Gibbons, M., Limoges, C., Nowotny, H., Schwartzman, S., Scott, P., & Trow, M. (1994). The New
Production of Knowledge. The Dynamics of Science and Research into Contemporary Societies. London:
Sage.
Henkel, M. (2000). Academic Identities and Policy Change in Higher Education. London: Jessica Kingsley.
Kogan, M. (2000). Higher Education Communities and Academic Identity. Higher Education Quarterly,
54(3), 207-216.
Jackson, C., & Tinkler, P. (2000). The PhD Examination: An Exercise in Community-building and
Gatekeeping? In I. McNay (Ed.), Higher Education and its Communities (pp. 38-50). Buckingham: Society
for Research into Higher Education/Open Univeristy Press.
Jesuíno, J., & Ávila, P. (1995). Modelos e Representações da Ciência. In J. Jesuíno (Ed.), A Comunidade
Científica Portuguesa nos Finais do Século XX (pp. 75-88). Oeiras: Celta.
Johnson, T. 1972. Professions and power. Londres: Macmillan.
Meira-Soares, V. (2001). The Academic Profession in a Massifying System: The Portuguese Case. In
Enders, J. (Ed), Academic Staff in Europe Changing Contexts and Conditions. Westport, CT. Greenwood
Press.
Merton, R. K. (1973). The Sociology of Science. London: The University of Chicago Press.
Murphy, R. (1988). Social Closure. The theory of monopolization and exclusion. Oxford: Oxford University
Press.
Musselin, C. (2004). Towards A European Labour Market? Some Lessons Drawn From Empirical Studies
On Academic Mobility. Higher Education, Vol.48(1): 55-78.
Musselin, C. (2008). Towards A Sociology of Academic Work In Amaral, A.; Musselin, C. And Ivar Bleikie
(Eds). From Governance To Identity. A Festschrift For Mary Henkel. Springer. 47-56.
Neave, G. and Rhoades, G. (1987). ‘The academic estate in Western Europe’, in Clark, B. (ed.), The
Academic Profession: National, Disciplinary, and Institutional Settings. Los Angeles: University of
California Press. 211-270.
Parkin, F. 1979. Marxism and class theory. London: Tavistock Publications.
Parsons, T. 1958. The Professions And Social Structure, In Essays In Sociological Theory, Glencoe, The
Free Press, pp. 3450 (1ª Edição De 1939).
19 de 19
Parsons, T. 1972. Professions, In International Encyclopedia Of The Social Sciences, London, Macmillan
Company, 12:536-546.
Perkins, H. (1969). Key Professions. The History of the Association of University Teachers. New York: A.M.
Kelley Publishers.
Sacks, M. (2012). Defining a Profession: The Role of Knowledge and Expertise. Professions And
Professionalism, 2(1).
Santiago, R. and Carvalho, T. (2008). Academics In A New Work Environment: The Impact Of New Public
Management On Work Conditions. Higher Education Quarterly, 62(3):204-223.
EU 2009. She Figures 2009. Statistics and Indicators on gender equality in Science. Brussels. European
Commission.
Slaughter, S., & Rhoades, G. (2003 ). Contested intellectual property: The role of the institution in United
States higher education. In A. Amaral, V. L. Meek & I. M. Larsens (Eds.), The Higher Education
Managerial Revolution? (pp. 203-228). Netherlands: Kluwer Academic Publishers.
Sousa, S. B. (2011). The transformation of knowledge production and the academic community: Playing the
game and (still) being an academic? Educação, Sociedade e Culturas, 32, 55-71.
Sousa, S. B. (2010). A ‘Comunidade Académica’ como um Conceito Errático. Sociologia, XX, 149-166.
i Irá ser utilizado, neste trabalho, o conceito de ‘comunidade científica’ como equivalente ao de ‘comunidade
académica’.