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    A reabilitao criminal no passado e no presente: umaviso histrico-jurdica

    Marco Antnio de MenezesCriminlogo, pesquisador em Cincias Penais e membro efetivo do Nufor.NUFOR-IPq-HCFMUSPAv. Dr. Ovdio Pires de Campos, s/n 3 andarCEP 05403-010 Cerqueira Csar So Paulo,SP Tel.: (11) 3069-6525

    Resumo:O autor apresenta um amplo panorama da reabilitao criminal, no Brasil e no mundo, sobo ponto de vista histrico e jurdico. Alm das conceituaes legais estritas, soapresentadas as vises histricas que contextualizaram internacionalmente o sentido dareabilitao legal e sua aplicao social contempornea. Da mesma forma, discute-se as

    questes processuais, o norteamento do instituto da reabilitao na atual legislaobrasileira e as perspectivas da reinsero social do indivduo egresso do sistema prisional.Palavras-chave: reabilitao criminal, histria da reabilitao, direito penal, reinserosocial

    Abstract:The author put forward an extensive view of criminal rehabilitation, under the historicaland juridical point of view. Besides the legal and strict conceptions, were exposed historicalviews, which brought into the international context, the signification of legal rehabilitationand its contemporary social application. In the same way, are considered issues related to alegal process, guidance of the rehabilitation in the present Brazilian legislation and the

    perspectives of social insertion of the person who egresses from the penitentiary system.Key word: criminal rehabilitation, history of rehabilitation, social insertion, penal law

    INTRODUOReabilitao a declarao judicial de que o condenado cumpriu (ou foi julgada extinta

    por outra forma) a sua condenao, estando apto a viver em sociedade, devendodesaparecer os efeitos decorrentes da sentena criminal e ser imposto sigilo sobre osregistro dos antecedentes criminais.

    A reabilitao tende a devolver, ao que foi condenado, a capacidade para o exerccio decargos, direitos, honrarias, dignidades ou profisses das quais foi privado, comoconseqncia da condenao imposta.

    Aparece como um compromisso bilateral: de um lado, concede-se o cancelamento (no aextino) dos antecedentes penais e, de outro, exige-se o transcurso de um tempo aps apena (dois anos, entre ns), para que fique efetivamente demonstrada a emenda dodelinqente.

    Constitui, tambm, uma espcie de reafirmao de que a pena cumpriu seus almejadosefeitos, principais e secundrios, podendo, esses ltimos, constituir-se numa carga, s vezesmais onerosa que a pena principal para o sentenciado, dados suas deletrias conseqncias.

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    O sujeito da reabilitao o condenado por sentena transitada em julgado, cuja penatenha sido executada ou extinta por qualquer outra forma.

    O objeto da reabilitao varia conforme a legislao; mas, de qualquer forma, pode-seafirmar que alcana quaisquer penas impostas, as penas acessrias (se previstas), os efeitosda condenao (incapacidades, perda de empregos ou cargos, etc.) e as anotaes dos

    registros.Segundo Hans-Heinrich Jescheck,

    Reabilitao significa restabelecer juridicamente o prestgio social de um condenadodentro da comunidade.1

    Mas a melhor definio do instituto pode ser obtida consultando-se a Exposio deMotivos do Cdigo Penal, item 83, verbis:

    A reabilitao no tem, apenas, o efeito de assegurar o sigilo dos registros sobre oprocesso e a condenao do reabilitado, mas consiste, tambm, em declarao judicialde que o condenado cumpriu a pena imposta ou esta foi extinta, e de que, durante doisanos aps o cumprimento ou extino da pena, teve bom comportamento e ressarciu odano causado, ou no o fez porque no podia faz-lo. Tal declarao judicial reabilitao condenado, significando que ele est em plenas condies de voltar ao convvio dasociedade, sem nehuma restrio ao exerccio de seus direitos.2

    DESENVOLVIMENTONatureza e formas da reabilitao

    Quanto sua natureza, a reabilitao vista como graa, direito do condenado ou comocomplemento dos sistemas penitencirios.

    Como graa, ato de liberalidade e de clemncia do Chefe de Estado; como direitosubjetivo, consiste na declarao da regenerao, desde que presentes os requisitos exigidos

    em lei; por fim, encarada como complemento dos sistemas penitencirios, vista como oltimo estgio do regime progressivo de cumprimento de penas. Discute-se, tambm, setrata de instituto de direito penal ou de direito processual penal.

    Hodiernamente, a doutrina majoritria entende que se trata de instituto de naturezapenal, ainda que possa estar ligado a regras processuais.

    1. Formas de reabilitaoa) Reabilitao como graa: teve lugar no direito antigo e sua outorga depende do exerccio

    do direito subjetivo de quem a concede e no de quem a solicita. Trata-se de uma formade clemncia, de expresso da vontade do soberano, competindo sua concesso ao chefede Estado, como ato de benevolncia. Aparece, nessa forma, no Cdigo Penal do

    Equador, Guatemala, Honduras, Nicargua, Bolvia, Colmbia, Costa Rica, Chile,Panam e Mxico.b) Reabilitao legal ou de direito: aquela obtida to s pelo decurso do tempo assinalado

    na lei, sendo, ento, concedida pelo poder legislativo.

    1 Jescheck, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal: parte general. Trad.: Mir Puig & Muoz Conde,Barcelona, 1981, vol. II, p.1247. In: Perez, Augusto Martinez. Reabilitao penal no direito brasileiro. SoPaulo, USP, 1985. Dissertao de mestrado.2 Dirio do Congresso Nacional, Sec. I, Braslia, 1 de julho de 1983.

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    Essa denominao, legal, decorre do fato de ser concedida automaticamente, ex lege,condicionada apenas ao decurso de certos prazos.Tal forma de reabilitao tem sofrido crticas, visto que o fundamento do instituto acorreo do condenado e sua adaptao vida em sociedade, o que implica numa vidahonrada e dedicada ao trabalho honesto, o que no pode ser depreendido do simples

    decurso de um prazo. Entretanto, responde-se a isso com a afirmao de que aressocializao e a reabilitao do delinqente aparecem como fins da pena e no serianormal impor-se ao condenado, uma vez cumprida a pena, que ainda carregue seusefeitos. a forma adotada na Frana.

    c) Reabilitao judicial: assim denominada por competir autoridade judicial o seuexame e aplicao. A sua concesso est subordinada ao cumprimento (ou extino poroutra forma) da pena imposta, alm da observncia de requisitos fixados na lei, taiscomo: a boa conduta, o trabalho honesto, a reparao do dano, quando possvel.Nisso reside a diferena em relao reabilitao legal ou de direito, pois essa ltimaforma no se preocupa com a regenerao efetiva do condenado: ela se contenta comuma presuno de boa conduta, decorrente da ausncia de uma nova condenao.Essa forma de reabilitao foi introduzida na Frana, pela lei de 14 de agosto de 1885,que aperfeioou a legislao de 18 de abril de 1848. considerada a forma mais perfeitade todas as conhecidas at agora, sendo adotada pelas legislaes mais progressistas,tratando-se de poderoso instrumento de poltica criminal, sendo a forma adotada noBrasil.Apresenta vantagens sobre as demais formas existentes, vantagens que consistem

    nas melhores garantias que oferecem a concesso ou denegao da reabilitao; e,alm do mais, o Poder Judicirio quem, em definitivo, faz cessar a privao dedireitos que ele, em virtude de sentena firme, havia imposto.3

    Seu fundamento reside na boa conduta comprovada pelo reabilitando. Por isso, temrecebido aplausos da doutrina, enquanto que as outras recebem censuras, porque lhes falta

    essa condio essencial: a emenda do condenado comprovada pelo proceder reto, durantelapso temporal que a lei estabelece.

    2. Notcia histrica da reabilitao:

    Esse instituto no tem origem recente. Suas razes esto deitadas no direito romano, narestitutio in integrum, a qual se destinava a cancelar integralmente os efeitos da condenaoe restituir ao condenado todos os direitos e dignidades subtradas pela sentenacondenatria.

    Manzini lembra que:

    O instituto da reabilitao se vincula, historicamente, restitutio in integrum dosromanos e precisamente indulgentia (individual) do Prncipe. Essa tinha umcontedo mais amplo que a atual reabilitao e que no era, ento, outra coisa maisque um efeito da graa.4

    Por seu turno, Nelson Hungria preleciona que:

    3 Avallone, Vicente Baeza. p.192 , apud Perez, Augusto Martinez. Op. cit.4 Manzini, Vicenzo. Diritto penale italiano. Nuova Edizione, Torino, UTET, 1950, vol. III, p.671.

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    De fato, alguns trechos do Digesto e do Cdigo (no ttulo: De sententiam passis etrestitutis), fazem referncia ao caso da restituio do condenado aos direitos edignidades de que a sentena o privara. O cancelamento dos efeitos da condenaopodia ser parcial ou total, chamando-se, nesse ltimo caso, restitutio in integrum... fora de dvida, porm, que a reabilitao no teve, no direito romano, o carter de

    instituto sistematizado com que se apresenta na atualidade.

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    2.1 Reabilitao no direito comparado:a) Na Frana: a legislao francesa foi a porta de entrada do instituto no direito moderno:

    ingressou pela Ordenao Real de 1670, que mencionava em seu Ttulo XVI as lettres derhabilitation. Embora dependesse da benevolncia real, a Ordenana estabelecia regrasmnimas para a concesso do benefcio, sendo aceita pela doutrina moderna como o maisremoto antecedente do benefcio, tal como o conhecemos nos dias atuais. Seusfundamentos ainda so os mesmos (basicamente) que foram adotados, depois, pelaRevoluo Francesa e inscritos no Cdigo Penal francs de 1791. Seu grande suportecontinua sendo a prova da emenda do condenado, demonstrada pela boa conduta mantidapor certo perodo.

    Note-se, entretanto, que, com a forma de reabilitao legal, foi introduzida nas leisfrancesas de 26 de maro de 1881 e de 05 de agosto de 1889, recepcionada pelalegislao italiana de 17 de maio de 1907, sendo tambm conhecida como reabilitaoanglo-alem, prpria da Probation of Offenders Actde 1907 e da lei alem de 09 de abrilde 1920.6

    b) Na Sua: a reabilitao j era referida no Cdigo de Processo Penal de Genebra, desde25 de outubro de 1884 e no de Neuchatel, de 25 de setembro de 1893; depois, com onovo cdigo de 21 de dezembro de 1937, com as alteraes sofridas por lei federal de 18de maro de 1971, apontando, como efeitos, a suspenso de todos os efeitos decorrentesda sentena condenatria e o cancelamento dos registros de antecedentes criminais.

    c) Com carter de concesso graciosa, ingressa no direito italiano, por lei de 07 de

    dezembro de 1810.O Cdigo Penal italiano de 1930 conserva a reabilitao judicial, suprimindo a legal, aqual foi introduzida no direito pela lei 197, de 07 de maio de 1906. Destina-se, naquelepas, a extinguir as penas acessrias e todos os efeitos decorrentes da condenao, salvose a lei tiver disposto de maneira diversa. O CP italiano prev a revogao do benefcio,se o reabilitado cometer novo delito, com pena de recluso maior ou igual a trs anos,dentro do prazo de cinco anos a partir da sentena.

    d) Na Espanha, o instituto conheceu uma gradual evoluo, partindo de uma restrio noalcance de seus efeitos, aumentando-se a sua amplitude, at o Cdigo de 1978, no quallogrou-se a plenitude do instituto, com a extino de todos os efeitos da condenao,consitutindo-se num direito do condenado, desde que sua responsabilidade tenha sido

    extinta.

    3. Evoluo histrica no direito brasileiro

    Enquanto ato de clemncia ou de perdo real, o instituto tem, nas Ordenaes Filipinas,sua mais remota raiz.

    5 Hungria, Nelson. Questes jurdico penais. Rio de Janeiro, Jacintho, 1940. p.123.6 Hernndez, Csar Camargo. La rehabilitacin. Barcelona, Bosch, 1960. p.62 e 64.

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    Com efeito, o Ttulo 130, nmero 3, do Livro V, das Ordenaes, cuida do Perdooferecido pelo Rei, enquanto que o Ttulo 125, nmero 06, determina o registro doslivramentos e perdes, ao p de cada assento, constantes no Livro Ordenado perAlfabeto. Assim determinado, fazia-se desaparecer os registros de antecedentes, cujameno era possvel apenas nas folhas corridas destinadas aos juzes, verbis:

    E para os Scrives com mais facilidade responderem s folhas, far cada hum, humLivro Ordenado per Alfabeto, com os nomes dos culpados, e das culpas, e temposdellas, e dos degredos; e ao p de cada assento registraro os livramentos e perdes,que os culpados houverem, e de todo faro declarao nas respostas, que derem sfolhas, para os Julgadores bem informados procederem como lhe parecer Justia.7

    (sic)

    A Constituio Poltica do Imprio do Brasil, oriunda da Carta de Lei de 25 de maro de1824, proclamava a edio de um Cdigo Civil e de um Cdigo Criminal. Em 16 dedezembro de 1830 surge o Cdigo Criminal do Imprio do Brasil, que foi seguido peloCdigo de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, no aparecendo, explicitamente,a reabilitao.

    A Constituio de 1824, em seu artigo 101, 8, trata a reabilitao como forma deperdo e como faculdade do poder moderador exercido pelo monarca, transportando-se dapara o Cdigo Criminal do Imprio, no artigo 66; verbis:

    O perdo ou minorao das penas impostas aos rus com que os agraciar o podermoderador no os eximir da obrigao de satisfazer o mal causado em toda a suaplenitude.8

    O Cdigo Penal de 1890, em seu artigo 72, 3, traz a rehabilitao (sic) como uma dascausas de extino da condenao, segundo terminologia consagrada naquele diploma,sendo que o instituto assim vem definido em seu artigo 86:

    A rehabilitao consiste na reintegrao do condemnado em todos os direitos quehouver perdido pela condemnao, quando for declarado innocente pelo SupremoTribunal Federal, em consequncia de reviso extraordinria da sentenacondemnatria.9(sic)

    Portanto, o que na poca se denominava de reabilitao, nada mais era do que um efeitodo que hoje conhecemos como reviso criminal. Contudo, o grande mrito do Cdigo Penalde 1890 foi introduzir a palavra reabilitao em nosso direito, ainda que para denominarmatria imprpria. De qualquer maneira, a partir de ento, o assunto mereceria a ateno dolegislador.

    Com efeito, o instituto foi tratado em todos os projetos de Cdigo Penal que tivemos.O Projeto Galdino Siqueira, de 1913, repete as disposies do Cdigo de 1890, fazendo

    da reabilitao um mero efeito da anulao da sentena criminal, pelo S.T.F., em virtude deerro judicirio.

    7 Pierangelli, Op. cit. p.174, apud Perez, Augusto Martinez. p.49.8 Pierangelli, Jos Henrique. Cdigos penais do Brasil: evoluo histrica, p.122. In: Perez, AugustoMartinez. Reabilitao penal no direito brasileiro. So Paulo, USP, 1985. Dissertao de mestrado.9 Pierangelli, Jos Henrique. Op. cit. p.277.

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    O Projeto Virglio de S Pereira consagra a autonomia do instituto, destinado a extinguiras interdies e incapacidades, bem como a cancelar o registro da sentena condenatria nopronturio do condenado.

    A mesma finalidade foi dada ao instituto no Projeto Alcntara Machado, de 1938. Esseprojeto foi de uma atualidade impressionante, pois impedia, por exemplo, a revogao da

    reabilitao em caso de cometimento de crime culposo, como ocorre na Itlia.Esse projeto, contudo, quanto reabilitao, no foi aproveitado pela Co-missoRevisora, que restringiu o alcance do instituto, prevendo a revogao quando houvessecondenao a pena privativa de liberdade, destinando-o apenas a extingir penas acessrias.

    Assim, quem era condenado apenas pena principal, no podia se valer do instituto, ques alcanava os duplamente condenados (pena principal mais pena acessria), e s esses que obtinham o sigilo de suas condenaes. O Projeto Alcntara Machado, com o textomodificado pela Comisso Revisora, transformou-se no Cdigo Penal de 1940.

    O alcance do instituto, porm, foi sendo ampliado gradativamente pelos tribunais, o queprovocou a edio da Lei 5.467, de 05 de julho de 1968, a qual estabeleceu que areabilitao alcanaria quaisquer penas impostas por sentena definitiva.

    O Cdigo Penal de 1969 mantm a mesma redao, praticamente, do CP de 1940, comas alteraes introduzidas pela Lei 5.467/68. Contudo, esse Cdigo teve a sua vignciatantas vezes prorrogada que, afinal, foi revogado pela Lei 6.578, de 11 de outubro de 1978.

    Pode-se concluir que o instituto foi tratado de forma tmida pelo legislador nos cdigosanteriores ao atual. Seu pouco alcance, j que no reabilitava determinados crimes; osprazos demasiadamente longos e, sobretudo, o entendimento de que se tratava de causaextintiva da punibilidade, foram alvos de crticas das mais abalizadas opinies jurdicasbrasileiras.

    4. A reabilitao penal na atualidadeCom o advento da Lei 7.209/84, reformando totalmente a Parte Geral do Cdigo Penal,

    passou a vigorar o entendimento de que a reabilitao apenas suspende alguns efeitos dasentena penal condenatria, como se pode ver na Exposio de Motivos do Cdigo Penal,item 82:

    A reabilitao no causa extintiva da punibilidade e, por isso, ao invs de estardisciplinada naquele Ttulo, como no Cdigo Vigente, ganhou Captulo prprio, noTtulo V. Trata-se de instituto que no extingue, mas to-somente suspende algunsefeitos penais da sentena condenatria, visto que a qualquer tempo, revogada areabilitao, se restabelece o statu quo ante. Diferentemente, as causas extintivas dapunibilidade operam efeitos irrevogveis, fazendo cessar definitivamente a pretensopunitiva ou a executria.

    4.1. Dispositivos legais sobre a reabilitao:

    Transcrevemos, a seguir, os artigos do Cdigo Penal e Lei de Execuo Penal,concernentes ao tema em estudo, para maior facilidade dos leitores. Em seguida,analisaremos cada um deles.

    Do Cdigo Penal:Captulo VIDos efeitos da condenao

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    Efeitos genricos e especficosArt. 91. So efeitos da condenao:

    I Tornar certa a obrigao de indenizar o dano causado pelo crime;II OmissisIII Omissis

    Art. 92. So tambm efeitos da condenao:I a perda de cargo, funo pblica ou mandato eletivo:a) Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano,

    nos crimes praticados com abuso de poder ou violao de dever para com aadministrao pblica;

    b) Quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos,nos demais casos;

    II a incapacidade para o exerccio do ptrio poder, tutela ou curatela, nos crimesdolosos, sujeitos pena de recluso, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

    III a inabilitao para dirigir veculo, quando utilizado como meio para a prtica decrime doloso;

    Pargrafo nico os efeitos de que trata este artigo no so automticos, devendo sermotivadamente declarados na sentena.

    Captulo VIIDa reabilitao

    Art. 93. A reabilitao alcana quaisquer penas aplicadas em sentena definitiva,assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenao.

    Pargrafo nico a reabilitao poder, tambm, atingir os efeitos da condenao,previstos no art. 92 deste Cdigo, vedada reintegrao na situao anterior, nos casosdos incisos I e II do mesmo artigo.

    Art. 94. A reabilitao poder ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que forextinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execuo, computando-se o perodode prova da suspenso e o do livramento condicional, se no sobrevier revogao,desde que o condenado:I tenha tido domiclio no Pas no prazo acima referido;II tenha dado, durante esse tempo, demonstrao efetiva e constante de bom

    comportamento pblico e privado;III tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta

    impossibilidade de o fazer, at o dia do pedido, ou exiba documento que comprove arenncia da vtima ou novao da dvida.

    Pargrafo nico negada a reabilitao, poder ser requerida, a qualquer tempo, desde que

    o pedido seja instrudo com novos elementos comprobatrios dos requisitosnecessrios.

    Art. 95. A reabilitao ser revogada, de ofcio ou a requerimento do MinistrioPblico, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por deciso definitiva, a penaque no seja a de multa.

    Observaes:

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    1. Embora o art. 93 diga que a reabilitao alcana quaisquer penas, preciso entender queo instituto no tem esse alcance (embora possa ser requerida em quaisquer crimes); o queela garante apenas o sigilo sobre o processo e a suspenso condicional dos efeitos dacondenao, elencados no art. 92 do CP.

    2. A reabilitao no rescinde, de forma alguma, as condenaes anteriores de modo que, se

    o condenado vier a praticar novo delito dentro do prazo do art. 64, I, do CP, serconsiderado reincidente.

    4.2 Anlise dos incisos do art. 92:

    I Perda de cargo, funo pblica, ou mandato eletivo.Aqui, cumpre fazer uma distino: somente nos delitos funcionais tpicos, os chamados

    crimes de mo prpria, isto , aqueles descritos, dentre outros dispositivos, nos arts. 312 a326 do Cdigo Penal (v.g., peculato, concusso, prevaricao, etc.) praticados com violaofuncional ou abuso de poder, a perda de cargo, funo pblica ou mandato eletivo decorre,automaticamente, da condenao a pena privativa de liberdade por tempo maior ou igual a1 ano; nos demais casos, ou seja, nos crimes comuns que forem praticados por funcionrios

    pblicos (ex.: roubo, homicdio, etc.), a perda advm de condenao pena privativa deliberdade, por tempo superior a 4 anos.Nesses casos, pode o agente, aps a reabilitao, voltar a exercer cargo, funo ou

    mandato eletivo, estando vedada sua reintegrao na situao anterior. A reintegrao nessahiptese

    A reconduo do funcionrio ao mesmo cargo de que fora demitido, com opagamento integral dos vencimentos e vantagens do tempo em que esteve afastado.10

    Dessa forma, na esfera penal no se impede que o reabilitado se candidate a novo cargoou funo pblica, por concurso, ou se candidate ao exerccio de mandato eletivo dequalquer natureza, vedando-se a sua volta ao cargo, funo ou mandato que ocupava.

    II Incapacidade para o exerccio de ptrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos,sujeitos pena de recluso, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado.

    Esse dispositivo deve ser entendido da seguinte forma: a perda do ptrio poder, etc.decorre do cometimento de crime doloso (exclui-se o culposo e a contraveno), sujeito pena de recluso (os sujeitos a deteno ou outra esto excludos), no qual a vtima tenhasido o filho, tutelado ou curatelado, mas no de qualquer crime; apenas aqueles maisgraves, dos quais resulte uma incompatibilidade com o exerccio do ptrio poder, tutela oucuratela ou um abuso de autoridade de parte do titular do poder, v.g., estupro,favorecimento prostituio, maus-tratos com leso corporal grave e outros.

    Note-se que a incapacidade subsiste, ainda que o juiz substitua a pena de recluso por

    outra. O artigo fala em crimes dolosos sujeitos pena de recluso e no em penaaplicada.Em casos tais, a reabilitao restitui o exerccio do ptrio poder, tutela e curatela apenas

    em relao aos filhos, tutelados e curatelados que no foram vtimas do crime, pois se tratade incapacidade permanente.

    10 Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 4 ed. So Paulo, Ed. RT, 1976. p.420.

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    III Inabilitao para dirigir veculo, quando utilizado como meio para a prtica decrime doloso.

    Trata-se de um efeito da condenao tambm permanente, subsistindo enquanto no forconcedida a reabilitao. Aplica-se naqueles casos em que o veculo foi utilizado comomeio para a prtica de crime doloso, no devendo ser confundida com a medida adotada no

    art. 292 da Lei 9.503/97 Cdigo de Trnsito Brasileiro.De se notar, ainda, que a expresso veculo, empregada no inciso, lato senso,abrangendo todo e qualquer veculo: aeronaves, motocicletas, etc.

    4.3 Art. 93, caput:

    O sigilo, de que trata o art. 93, aps o advento da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (Leide Execuo Penal), prescinde do pedido de reabilitao. Com efeito, o art. 202 da LEPassegura que

    Cumprida ou extinta a pena, no constaro da folha corrida, atestados ou certidesfornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justia, qualquer notcia oureferncia condenao, salvo para instruir processo pela prtica de nova infraopenal ou outros casos expressos em lei.

    De modo que o sigilo sobre os antecedentes, hoje, automtico.

    4.4 Art. 94:

    Caput: exige-se que a pena tenha sido cumprida ou extinta de qualquer outra forma, talcomo a prescrio da pretenso executria, o indulto, etc., no sendo exigvel o seu efetivocumprimento. Tratando-se da pena de multa, necessrio o seu pagamento ou a declaraode sua extino por algum dos motivos legais.

    Observao a ser feita diz respeito ao art. 32 da Lei 6.368/76, que estabelece prazodiferente para a reabilitao dos crimes referentes a txicos. Esse artigo foi revogado pela

    reforma de 1984, dentro do princpio de que lex posterior derrogat lex anterior. Hoje oprazo de dois anos para todos os casos, seja o delito apenado com recluso ou deteno.

    Contagem do prazo de dois anosa) Na extino da pena: dever ser feito a partir do dia em que, efetivamente, ocorreu a

    prescrio da pena, e no do ato de sua formal declarao.b) No sursis:no h carncia para que o condenado possa requerer a reabilitao, podendo

    faz-lo assim que cumprida a pena pelo sursis ou pelo livramento condicional. O prazocomea a fluir a partir da audincia admonitria.

    c) Na medida de segurana: o termo inicial do lapso contado do trmino da execuo damedida de segurana detentiva eventualmente imposta.

    Inciso I, Domiclio no Pas: pode ser provado por todos os meios de prova, admitidosem Direito.

    Inciso II, bom comportamento: o instituto da reabilitao, como j assinalado, pode serrequerido e concedido seja qual for o crime cometido, presentes os requisitos legais. O bomcomportamento deve ser comprovado pelas formas estatudas no Cdigo de Processo Penal,artigos 743 e seguintes, que no foram revogados: mediante certides expedidas pelosrgos pblicos, mormente a polcia, dos locais onde o reabilitando tenha residido.

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    Inciso III, prova do pagamento do prejuzo: esse requisito tem sido exigido com muitaelasticidade pelos tribunais, haja vista que a grande maioria das vtimas no faz questo doressarcimento, e os condenados so, em sua grande maioria, pobres.

    4.5 Art. 95, Revogao da reabilitao

    Para que ocorra, preciso que:1 O reabilitado seja condenado por sentena definitiva. No basta a prtica de nova

    infrao, nem a denncia ou o processo, mas sentena condenatria transitada emjulgado.

    2 Que seja condenado a pena que no seja a de multa. Isto , s penas privativas deliberdade, j que as restritivas de direitos no podem ser aplicadas ao ru reincidente,por fora do art. 44, II, do CP.

    3 Que o condenado seja reincidente. preciso que o novo crime seja cometido dentrodo prazo do art. 64, I, do CP: tempo menor ou igual a 5 anos desde a extino daprimeira pena, para que o condenado seja considerado reincidente.

    Apenas quando estiverem presentes estes trs requisitos, simultaneamente, ser a

    reabilitao revogada. Efeitos da revogao: quando revogada a reabilitao, os efeitos suspensos voltam a

    operar normalmente, desaparecendo o sigilo dos registros, ocorrendo a perda do ptriopoder, tutela ou curatela, o cargo, a funo pblica ou o mandato eletivo, bem como ahabilitao para dirigir veculos.

    Revogada a reabilitao, nada impede que seja novamente requerida, desde que sejamobservados os requisitos do art. 94, CP.

    5. Questes processuais referentes reabilitao:

    1. O pedido de reabilitao s pode ser formulado por quem tenha capacidade postulatria

    para estar em juzo (leia-se advogado regularmente inscrito na O.A.B.).2. S o sentenciado pode pleitear a reabilitao, tratando-se de pleito personalssimo.Falecendo aquele, o direito no se transmite a seus sucessores, como na reviso criminal.

    3. A L.E.P. no revogou o art. 743 do Cdigo de Processo Penal, de modo que acompetncia para apreciar o pedido de reabilitao continua sendo do juzo dacondenao e no da execuo penal.

    4. A reabilitao est sujeita ao duplo grau de jurisdio, cabendo recurso contra a decisoque a denegue. Na legislao anterior, o fundamento era o art. 581, IX, do Cdigo deProcesso Penal, j que era considerada causa extintiva da punibilidade. Diante da leinova, que no mais a considera assim, mas como medida de poltica criminal, o recursocabvel o de apelao.

    6. Reabilitao e indulto, graa e anistia:A graa uma medida de carter individual, devendo ser solicitada (art. 188 da LEP); o

    indulto medida de carter coletivo e espontneo, podendo ser total, alcanando todas assanes impostas, ou parcial, prevendo a reduo ou substituio das sanes (comutao).

    Em ambos os casos, extinguem a punibilidade, subsistindo o crime, a condenaoirrecorrvel e seus efeitos secundrios (salvo no caso em que o indulto concedido antes do

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    trnsito em julgado da sentena condenatria). Dessa forma, subsistindo aqueles efeitos, cabvel pleitear-se reabilitao, em caso de indulto ou graa.A anistia, por seu turno, concedida em regra aos crimes polticos, extingue a punibilidade edemais conseqncias de natureza penal, apaga o crime, rescinde a sentena penal. Nessecaso, entendo que no cabe o pedido de reabilitao, por ausncia do que reabilitar.

    CONCLUSOA reabilitao medida de poltica criminal, tratando-se de direito subjetivo do

    condenado, que visa colaborar na sua reinsero.Apresentado o pedido ao juiz, caber a ele examinar apenas os requisitos de tempo

    decorrido da extino da pena e se o condenado comprovou, por documentos, o bomcomportamento, sendo vedado ao magistrado tecer quaisquer comentrios ou juzos arespeito da pessoa do reabilitando, sobre seu passado criminoso, elaborando hipteses sobresua reincidncia.

    O instituto tem um grande alcance, na medida em que garante o sigilo sobre os

    processos suportados pelo reabilitado, o que lhe assegura o direito intimidade,protegendo-o da mcula de condenaes que, certamente, poderiam tisnar-lhe o futuro,impedindo-o de se reintegrar sociedade.

    Entretanto, embora a melhor doutrina reconhea que a forma de reabilitao adotada emnosso ordenamento seja a mais avanada, ela peca por lavar as mos do poder pblico,uma vez que, contentando-se com a mera comprovao de no delinqncia, o governo nose obriga a estabelecer uma efetiva poltica de reinsero em favor daquele.

    O que o candidato futura reabilitao vai fazer na sua vida para se manter problemaexclusivamente dele; vale tudo, da informalidade ao subemprego, desde que no resvale areincidncia.

    De fato, quando um condenado deixa a priso, s pode contar com sua sorte, para

    conseguir uma vaga no estreitssimo mercado de trabalho globalizado. Considerando-se quea grande maioria dos condenados no tem qualificao profissional quando entram nospresdios e l no a recebem, e que o efeito recuperativo da priso cada vez mais um idealintangvel, a vis atractiva do crime muito grande, sobre os egressos do sistema prisional,atuando como verdadeiro fator de reincidncia.

    Ora, a prpria ONU j determinou que a responsabilidade do Estado para com o presono termina com sua libertao, devendo quele assistir a este, para que no volte adelinqir. Ento, por que no criar mecanismos que possibilitem a real insero docondenado no mercado de trabalho? A mesma sociedade que negou, ao condenado, osmeios que lhe permitiriam viver condignamente, votando-o ao crime, criou formas dereabilitar quem j cumpriu pena, sem obrig-la a aceit-los, atravs da ausncia depolticas pblicas, de leis, nesse sentido.

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