Realismo e Verdade peirce

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1 MARIA DE LOURDES BACHA REALISMO E VERDADE TEMAS DE PEIRCE

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Esse trabalho pode ser visto como continuação de dois trabalhos anteriores, que resultaram em duas publicações, a primeira denominada A Teoria da Investigação de C. S. Peirce e a segunda A Indução de Aristóteles a Peirce.Em A Teoria da Investigação Peirce, buscamos mostrar que para Peirce, a investigação parte de um estado de dúvida incomodo, que bloqueia o fluxo de ações habituais, no qual não se consegue escolher entre cursos de ação alternativos. Esta dúvida é uma dúvida real, genuína, e não simplesmente uma dúvida metodológica, um "faz-de-conta". Assim, a investigação científica constitui um esforço para colocar fim à dúvida e voltar a um estado de crença e a verdade seria, então, um estado de crença inatacável pela dúvida. A Teoria da Investigação também pode ser chamada de Teoria do Método Científico. Para Peirce, somente o método científico pode nos levar à verdade, a longo prazo, num longo percurso, que constitui o processo dinâmico da investigação. Este processo está sujeito ao erro, ao acaso, mas também é passível de auto-correção. Assim, a investigação tem por objetivo único um acordo de opiniões. Por outro lado, o processo de investigação é composto por três estágios: abdução, dedução e indução. Esta distinção é que fundamenta a Teoria da Investigação, formalizando um ciclo; abdução, dedução, indução, nova abdução... . Foi em função das pesquisas sobre a teoria do inquiry, que tivemos a atenção despertada para o tema da indução, o que acabou resultando no outro trabalho publicado: A Indução de Aristóteles a Peirce, cujo objetivo foi analisar o papel do realismo na formulação de sua teoria da indução, lembrando que a validade da indução em Peirce torna-se decorrente do contexto realista de sua filosofia. O fundamento da indução em Peirce é o realismo dos continua ou a doutrina do sinequismo, contrapondo-se a uma visão nominalista, determinista, e necessitarista de outros autores, com destaque para Mill. Portanto, a abordagem do tema foge do enfoque tão somente lógico, recorrendo-se à teoria da realidade de C. S. Peirce como fundamentação do argumento indutivo. Mas face ao interesse pela extensa obra peirceana e como resultado do pós-doutorado, estamos agora apresentando o trabalho Realismo e Verdade - temas de Peirce, cujo objetivo é analisar esses dois temas cruciais para o entendimento de sua obra e, mais especificamente de sua metodêutica. Este livro se concentra na formulação e defesa de uma concepção realista da verdade.

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MARIA DE LOURDES BACHA

REALISMO E VERDADE – TEMAS DE PEIRCE

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Dedico este livro aos meus filhos Ana e Júlio

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Agradeço às amigas que me ajudaram com sugestões, idéias e muito trabalho:

Edith Frankenthal, Heloisa Leão, Jorgina Santos, eSusana Götz; ao Pessoal do Peirce Edition Project, Professores Nathan Houser, Andre DeTienne, Cornelis Waal e Martha, pela gentileza de terem me recebido;

à Professora Dra. Lúcia Santaella, pelo apoio ao projeto de pós-doc: ao amigo Júlio Lamounier, pelo apoio monetário na publicação deste

livro.

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Sumário Introdução Parte I Em defesa do Realismo Científico 1. Introdução 2. Realismo e anti realismo 3. O Realismo peirceano 3.1 A evolução do realismo peirceano Parte II A Verdade seria o fim ideal da investigação científica? 1. Teorias da Verdade 2. Argumentos, inferências e validade 3. Categorização das teorias da verdade 4. Teoria da verdade por correspondência 5. Peirce e a teoria da verdade: correspondência, convergência ou

referência? Classificação da teoria da verdade de Peirce Verdade e método Verdade e pragmatismo O paradoxo do mentiroso

Conclusão

Referências Bibliográficas

Lista de quadros Quadro 1 Realismo e anti realismo Quadro 2 Novo Realismo e Idealismo Quadro 3 Uma categorização das teorias da verdade Lista de figuras Figura 1 Natureza da Verdade Figura 2 Teses de abordagem pragmática Figura 3 Teorias da Verdade

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INTRODUÇÃO

Se você estuda Peirce tem que estar preparado para surpresas: você tem que ser persistente o bastante para considerar a possibilidade de que as coisas possam se provar muito diferentes daquilo que você há muito tempo decidiu que elas seriam. (Smith, 1983:39).

O segredo da grandeza de Peirce como filósofo - uma grandeza que estamos começando a descobrir-repousa na facilidade com a qual ele combinava abertura para a experiência com sagacidade lógica e habilidade para desenvolver um sistema compreensivo e coerente. (Smith,1983:41)

Esse trabalho pode ser visto como continuação de dois trabalhos anteriores, que resultaram em duas publicações, a primeira denominada A Teoria da Investigação de C. S. Peirce e a segunda A Indução de Aristóteles a Peirce.

Em A Teoria da Investigação Peirce, buscamos mostrar que para Peirce, a investigação parte de um estado de dúvida incomodo, que bloqueia o fluxo de ações habituais, no qual não se consegue escolher entre cursos de ação alternativos. Esta dúvida é uma dúvida real, genuína, e não simplesmente uma dúvida metodológica, um "faz-de-conta". Assim, a investigação científica constitui um esforço para colocar fim à dúvida e voltar a um estado de crença e a verdade seria, então, um estado de crença inatacável pela dúvida. A Teoria da Investigação também pode ser chamada de Teoria do Método Científico. Para Peirce, somente o método científico pode nos levar à verdade, a longo prazo, num longo percurso, que constitui o processo dinâmico da investigação. Este processo está sujeito ao erro, ao acaso, mas também é passível de auto-correção. Assim, a investigação tem por objetivo único um acordo de opiniões.

Por outro lado, o processo de investigação é composto por três estágios: abdução, dedução e indução. Esta distinção é que fundamenta a Teoria da Investigação, formalizando um ciclo; abdução, dedução, indução, nova abdução... . Foi em função das pesquisas sobre a teoria do inquiry, que tivemos a atenção despertada para o tema da indução, o que acabou resultando no outro trabalho publicado: A Indução de Aristóteles a Peirce, cujo objetivo foi analisar o papel do realismo na formulação de sua teoria da indução,

Que verdade e justiça são grandes forças no mundo não é figura de expressão, mas fato obvio aos quais teorias precisam se acomodar. (CP 1.348 de 1902).

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lembrando que a validade da indução em Peirce torna-se decorrente do contexto realista de sua filosofia. O fundamento da indução em Peirce é o realismo dos continua ou a doutrina do sinequismo, contrapondo-se a uma visão nominalista, determinista, e necessitarista de outros autores, com destaque para Mill. Portanto, a abordagem do tema foge do enfoque tão somente lógico, recorrendo-se à teoria da realidade de C. S. Peirce como fundamentação do argumento indutivo.

Mas face ao interesse pela extensa obra peirceana e como resultado do pós-doutorado, estamos agora apresentando o trabalho Realismo e Verdade - temas de Peirce, cujo objetivo é analisar esses dois temas cruciais para o entendimento de sua obra e, mais especificamente de sua metodêutica. Este livro se concentra na formulação e defesa de uma concepção realista da verdade.

Charles Sanders Peirce nasceu em Cambridge, Massachusetts, em 1839. Era filho de um famoso matemático de Harvard, tendo se licenciado em ciências e doutorou-se em Química. Lecionou lógica na Universidade de John Hopkins e trabalhou como cientista na U. S. Coast and Geodetic Survey até 1891. No entanto, Peirce que foi filósofo, lógico, cientista e inventor do Pragmatismo, morreu em 1914, em Arisbe aos 75 anos, de câncer, isolado e pobre, trabalhando em seus manuscritos e praticamente desconhecido.

Peirce realizou trabalhos científicos, que contêm contribuições importantes não só em lógica matemática, mas também em astronomia fotométrica, geodésica, psicofísica, filologia. Foi um cientista, tanto por ocupação como por treinamento, o que justifica uma de suas alegações favoritas de que havia crescido num laboratório. Seus trabalhos com pêndulos foram reconhecidos internacionalmente, e foram especialmente estes trabalhos científicos em medições em conjunto com as investigações sobre a teoria do erro provável, que tiveram grande influência no desenvolvimento de alguns pontos de sua filosofia, principalmente sua doutrina do acaso e da continuidade. Mas sendo um lógico rigoroso, mas ao mesmo tempo familiarizado com os procedimentos reais pelos quais nosso conhecimento sobre as várias leis da natureza é obtido, Peirce não poderia admitir que a experiência levasse a provas absolutas, nem poderia desconsiderar as discrepâncias devidas a erros de observação.

Peirce foi um filósofo sistêmico e sua filosofia busca respostas harmônicas para uma série de questões entre as quais o estatuto do cosmos, a questão da temporalidade, a questão do conhecimento, a questão da crença e da dúvida, a questão da interioridade e exterioridade, a dicotomia sujeito-objeto, as condições de possibilidade do pensamento, do real, do imaginário.

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Peirce levou para a filosofia o espírito da investigação científica, assumindo que as disciplinas filosóficas são ou podem se tornar também ciências. Para tal, propôs aplicar na filosofia, com as devidas modificações os métodos de observação, hipótese e experimentos que são praticados nas ciências. Para Peirce, o caminho para a filosofia deveria ser feito através da lógica, isto é, através da lógica da ciência. Portanto, sendo antes de tudo um cientista, seu interesse em lógica era primeiramente um interesse na lógica das ciências e, entender a lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus métodos

de raciocínio. Peirce distinguia duas concepções tradicionais de ciência: primeira,

caracterizada como um corpo sistemático e organizado de conhecimento, seria “um corte superficial capturando principalmente os remanescentes fossilizados da ciência”. A segunda seria “um corte mais profundo”, caracterizada como um método do saber. A segunda visão seria a mais certa, podendo, no entanto, ser comprometida por uma concepção metodológica individualista e por vezes não suficientemente dinâmica.

A esse respeito vale lembrar que Peirce explicitamente diz que nossas investigações devem começar com dados mediados, sujeitos ao erro e necessitando correção, embora os fatos singulares observados são ininteligíveis, mas é a lógica (operação da investigação semiótica) que nos permite entender as coisas em geral e descobrir verdades gerais, anteriormente não observadas. É interessante salientar que no século XIX, Pierce já considerava questões que se tornariam cruciais no século XX e XXI, tais como indeterminismo, incerteza, complexidade, que se tornaram freqüentes na obra de autores contemporâneos, a exemplo de Morin:

Hoje só podemos lançar-nos com a incerteza, inclusive a incerteza sobre a dúvida. Hoje temos de pôr metodicamente em dúvida o próprio princípio do método cartesiano, a disjunção dos objectos entre si, das noções entre si (as idéias claras e distintas), a disjunção absoluta do objeto e do sujeito. Hoje, a nossa necessidade histórica é encontrar um método capaz de detectar, e não de ocultar, as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as imbricações, as interdependências e as complexidades. Temos de partir da extinção das falsas clarezas. Não do claro e do distinto, mas do obscuro e incerto; não do conhecimento seguro, mas da crítica da segurança. Só podemos partir com a ignorância, a incerteza e a confusão. Mas trata-se duma nova consciência da ignorância, da incerteza e da confusão. Aquilo de que tomávamos consciência não foi a ignorância humana em geral, foi a ignorância escondida e dissimulada, a ignorância quase nuclear, no seio do nosso conhecimento considerado como o mais certo de todos – o

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conhecimento científico. (MORIN, 1997:19)

Peirce foi o moderno fundador da Semiótica, ou ciência dos signos, o que aconteceu, na sua vida, como uma conseqüência de sua investigação dos mecanismos de pensamento e raciocínio que dão suporte aos métodos através dos quais as ciências conduzem suas investigações.

Peirce levou para a Filosofia o espírito da investigação científica, assumindo que as disciplinas filosóficas são ou podem se tornar também ciências. Para tal, propôs aplicar na Filosofia, com as devidas modificações os métodos de observação, hipótese e experimentos que são praticados nas ciências. Para Peirce, o caminho para a Filosofia deveria ser feito através da Lógica, isto é, através da Lógica da ciência. Portanto, sendo antes de tudo um cientista, seu interesse em Lógica era primeiramente um interesse na Lógica das ciências e, entender a Lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus métodos de raciocínio.

Primeiramente Peirce concebeu a Lógica propriamente dita como sendo um ramo da Semiótica. Mais tarde concebeu uma concepção mais ampla da Lógica. Mas do fato de que todo raciocínio e todo pensamento se dá em signos, não havendo pensamento ou raciocínio possível sem signos, a Semiótica, como estudo de todos os tipos possíveis de signos, nasceu como um conseqüência natural das descobertas peirceanas em Lógica. A partir de 1900, Lógica e Semiótica se tornaram sinônimos para Peirce.

Embora Peirce considerasse toda e qualquer produção, realização e expressão humana como sendo uma questão semiótica, a Semiótica é apenas uma parte do seu conjunto filosófico, que, por sua vez, é também parte de um sistema ainda maior, o que pode ser percebido através da análise de seu diagrama de classificação das ciências.

Peirce desenvolveu um diagrama das ciências, no qual divide as ciências em ciências da descoberta, ciências da revisão e ciências aplicadas.(CP 1.180 e CP 1.203-83) As ciências da descobertas se dividem em três grandes classes:

A concepção de Lógica em Peirce tem dois sentidos. No sentido mais estreito, é a ciência das condições necessárias para se atingir a verdade. No sentido mais amplo, é a ciência das leis necessárias do pen-samento, é Semiótica geral que trata não apenas da verdade, mas também das condições gerais dos signos, das leis de evolução do pensa-mento, que coincide com o estudo das condições necessárias para a transmissão de significado de uma mente a outra, e de um estado mental a outro.”

(Peirce, CP 1.444).

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1. Matemática, 2. Filosofia e, 3. Ciências Especiais.

Segundo este diagrama, quanto mais abstrata for a ciência, mais ela será capaz de fornecer princípios para as menos abstratas. A classificação das ciências de Peirce não é um esquema linear, mas uma série de escadas relacionadas numa forma tri-dimensional, de forma a exibir as relações de dependência entre as ciências. É baseada na lógica dos relativos e na forma diagramática de pensamento, mostrando os efeitos concebíveis de uma ciência, ou em outras palavras, seu significado pragmático, que segundo Peirce seria uma das formas mais completas de se entender uma ciência.

Sendo as ciências interdependentes, este diagrama mostra os princípios de sua interdependência. A classificação das ciências de Peirce explicita as relações de interdependência de uma ciência para com as outras, indicando os escalonamentos em níveis de abstração através dos quais as ciências mais abstratas funcionam como fundamentação para as menos abstratas, na medida em que é das mais abstratas que as mais concretas tomam emprestados seus princípios, ao mesmo tempo em que é com dados fornecidos pelas ciências menos abstratas que as mais gerais se abastecem.

Fundamental para Peirce era a ordenação das ciências com relação às categorias. Existe dentro de sua classificação uma lógica ternária e os números 1, 2, 3 indicam não somente a ordem, mas também um conteúdo lógico-relacional, de tal forma que, onde o número 1 estiver, há relação com a primeira categoria, a Primeiridade, que é a categoria da qualidade, sentimento, acaso, indeterminação. O número 2 indica relação com a segunda categoria, a Segundidade, que é a categoria do existente, da ação, do aqui e agora, da dualidade. O número 3 está relacionado com a terceira categoria, a Terceiridade, que é a categoria da continuidade, da lei, da generalidade, do crescimento e da evolução. Para Peirce, todas as ciências são observacionais, a diferença entre elas reside no modo de observação empregado em cada uma delas.

No diagrama peirceano, a Matemática é a ciência mais genérica e abstrata e não depende de nenhuma outra ciência. No entanto todas as outras ciências dependem da Matemática, seja implícita ou explicitamente, já que os problemas matemáticos aparecem em todas as ciências e na vida quotidiana, pois sempre temos que estabelecer conseqüências de estados gerais de coisas. Conseqüentemente, todas as ciências têm um conteúdo matemático, ou

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algum ramo para o qual a Matemática é chamada. A Matemática é a grande ciência do geral, da generalidade. A Matemática parte “de uma hipótese, cuja verdade ou falsidade nada tem a ver com o raciocínio; e naturalmente, suas conclusões são igualmente ideais” (CP 2.145) Isto não significa, entretanto, que não dependa da observação. (CP 3.427)

A ciência que ocupa o segundo lugar é a Filosofia. Enquanto a Matemática estuda aquilo que é logicamente possível, a Filosofia como ciência tem como função descobrir “o que é realmente verdadeiro, limitando-se, porém, à verdade que pode ser inferida da experiência comum que está aberta a todo ser humano a qualquer tempo e hora”.(Santaella, 1994:113) A Filosofia peirceana é uma filosofia científica, que também deve empregar métodos de observação, hipótese e experimento como qualquer outra ciência. A Filosofia tem um caráter observacional porque visa examinar e compreender tudo o que se oferece à nossa experiência.

Para Peirce, as questões relativas às leis da natureza ou à classe geral de regularidades da natureza também são questões filosóficas. Por outro lado, fica difícil trazer nossa atenção para aqueles elementos continuamente presentes na nossa experiência, podemos apenas contrastá-las com estados imaginários de coisas, o que torna a observação filosófica bastante difícil. A Filosofia tem três grandes divisões:

1. Fenomenologia, 2. Ciências Normativas e 3. Metafísica.

A Fenomenologia tem por função fornecer o fundamento observacional para as outras disciplinas. Para melhor entender a idéia peirceana de Fenomenologia, é necessário esclarecer o que Peirce entendia por fenômeno (faneron). Para Peirce, fenômeno é tudo o que está diante de nossa mente, pode ser um sonho, uma sensação, pode ser uma presença física ou uma pensamento, não se restringindo a algo "que se pode sentir, perceber, inferir, lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordem-espaço temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o „mundo real‟.” (SANTAELLA, 1995:16)

A Fenomenologia não é uma ciência da realidade, nada diz sobre o que é, nem sobre o que deve ser, apenas constata e classifica os fenômenos, ficando restrita às suas aparências. A Fenomenologia constitui a base fundamental de toda a filosofia peirceana, sendo a primeira instância de um trabalho filosófico, com a criação das categorias, que seria uma das funções do filósofo.

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É através da Fenomenologia que se chega às categorias peirceanas: a Primeiridade, Segundidade e Terceiridade. Os fenômenos aparecem primeiro como liberdade (Acaso), em segundo como alteridade (Existência) e, em terceiro como ordem (Lei).

As categorias correspondem aos três modos de ser e aparecer. A Primeiridade é um modo de qualidade, que na interioridade corresponde à unidade e na exterioridade à diversidade. A Segundidade corresponde ao modo de reação, que na interioridade corresponde aos fatos do passado e na exterioridade ao não-eu. A Terceiridade corresponde ao modo de ordem, que na interioridade se refere à permanência e na exterioridade à regularidade.

A Primeiridade está ligada às idéias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, presentidade, imediaticidade, mônada. (CP 1.300-316) A Segundidade está ligada às idéias de força bruta, dualidade, ação e reação, conflito, aqui e agora, esforço e resistência, díada. (CP 1.317-336) A Terceiridade está ligada às idéias de generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada. (CP 1.337-349) É justamente a terceira categoria que vai corresponder à definição de signo genuíno como um processo relacional entre três termos (signo, objeto, interpretante), sendo próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que Peirce definiu como semiose.

A segunda divisão da Filosofia se refere às Ciências Normativas, que investigam “as leis universais e necessárias da relação com os Fenômenos com os Fins, ou seja, talvez, com a Verdade, o Direito e a Beleza”. (CP 5.121). As Ciências Normativas são assim chamadas porque têm como função compreender os fins, normas e ideais que regem o sentimento, a conduta e o pensamento humanos. As Ciências Normativas tratam das leis da relação dos fenômenos com os fins, isto é, tratam dos fenômenos em sua Segundidade.(CP 5.123) A tarefa das Ciências Normativas é descobrir como “Sentimento, Conduta e Pensamento devem ser controlados, supondo-se que estejam sujeitos „numa certa medida‟, e apenas em certa medida, ao autocontrole, exercido por meio da autocrítica e a formação propositada de hábitos, tal como o senso-comum nos diz que eles, até certo ponto, são controláveis.” (MS 655:24)

As Ciências Normativas se dividem em:

1. Estética 2. Ética e, 3. Lógica ou Semiótica. (CP 1.191)

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A Estética considera aquelas coisas cujos fins devem incorporar qualidades do sentir, enquanto que a Ética considera aquelas coisas cujos fins residem na ação e a Lógica, aquelas coisas cujo fim é o de representar alguma coisa. (CP 5.129). A Estética é a ciência do que é admirável em si, sem qualquer razão ulterior. A Ética é a ciência da conduta autocontrolada e deliberada e a Lógica é a ciência do pensamento autocontrolado deliberado. (CP 1.191)

A última divisão da Filosofia é a Metafísica, que depende da Semiótica ou Lógica. A Metafísica é a ciência da realidade. Para Peirce, real é aquilo que existe independentemente do que pensamos a seu respeito (CP 5.405), A Metafísica relaciona-se com a categoria da Terceiridade pelo seu caráter generalizador.(CP 1.501) Mas ao se afirmar que a Metafísica trata das coisas como elas são, deve-se ter em mente que tais afirmações tenham passado antes pela Lógica para a constatação de que sejam verdadeiras. (CP 1.550, 2.37, 3.454)

Finalmente, a terceira grande classe das ciências são as ciências especiais. Enquanto as observações da Filosofia se voltam para os fenômenos que são comuns, familiares a todos, as ciências especiais descobrem novos fenômenos. As ciências especiais cobrem todas as ciências específicas existentes e por existir, através de treinamento especial, instrumentos especiais, ou circunstâncias especiais, investigam eventos particulares passíveis de experiência.

As Ciências Especiais apelam para a Lógica, como também nas questões mais gerais e abstratas requerem as concepções da Metafísica. Para Peirce, aqueles que negligenciam a filosofia também fazem uso de teorias metafísicas tanto quanto os outros, só que “rudes, falsas e mundanas”. Há aqueles que acham que escapam dos erros metafísicos se não derem atenção à metafísica, mas desde que todas as pessoas devem ter concepções das coisas em geral, é muito importante que estas sejam cuidadosamente examinadas. (CP 7.579) Também a Matemática é grande fonte de princípios para as Ciências Especiais, mesmo que não dependam diretamente da Matemática, dela recebem princípios no que se refere a rigor científico.

Peirce dividiu as Ciências Especiais em físicas, em cuja base estão as ações dinâmicas e as ciências psíquicas, em cuja base estão as ações sígnicas. As ciências físicas se “caracterizam como as ciências das coisas como tal” incluem a Física, Astronomia, Química, Biologia, Geologia, etc. As ciências psíquicas são “as ciências das coisas governadas pelo intelecto e o termo psíquico deve ser tomado como sinônimo de vida inteligente. As ciências

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psíquicas englobam a Psicologia, Psicanálise, Lingüistica, História, Crítica da Arte, Literatura, etc.

As ciências especiais lidam com fenômenos particulares. Enquanto as ciências físicas estudam o universo material e os fenômenos tal como eles ocorrem, as psíquicas investigam os processos e produtos de mentes humanas e outras inteligências.

Por outro lado, Peirce (fortemente influenciado pela teoria de Darwin) foi o primeiro autor a sugerir que a evolução seria um processo de aprendizado semelhante à lógica da indução e também seria um processo criativo semelhante à lógica da descoberta. Segundo Peirce, o percurso da lógica do vago para o definido (do todo para a resposta) e de modo semelhante todo processo evolutivo procederia do vago para o definido. Assim, o primeiro passo na evolução do Universo seria a transição de um mundo, num longínquo princípio, de potencialidade indeterminada e sem limites que pode ser caracterizado como liberdade, acaso e espontaneidade (Primeiridade), no qual, de repente algumas das potencialidades se atualizam (Segundidade), constituindo o segundo passo na evolução do universo. Mas um mundo de Segundidade é um mundo de eventos, de fatos, um mundo sem lei, e portanto um mundo de puro caos. Neste mundo de Segundidade surgem reações acidentais, que constituem o trabalho do acaso, mas a tendência à generalização começa a agrupar estas reações acidentais em contínuos, estabelecendo um hábito... O evolucionismo periceano é composto por três doutrinas: sinequismo, tiquismo e agapismo.

Na doutrina do sinequismo, Peirce utiliza o conceito de continuum para explicar como as idéias se agrupam formando idéias mais gerais. Assim, as idéias se espalham, despertando conexões entre outras idéias, algumas se tornam assimiladas, e enfim, elas estão aptas para se reproduzir. O sinequismo é a doutrina que diz que as leis e os sistemas do universo evoluem gradualmente, no sentido de continuidade matemática, sendo esta evolução constituída de crescimento, desenvolvimento, aprendizado e governada pela lei do hábito que Peirce denomina indiferenciadamente de lei da mente ou lei da associação ou tendência para adquirir hábitos ou tendência para generalização.

Quanto à segunda doutrina do evolucinismo, que Peirce denominou de tiquismo, sua ação se dá com relação às leis, isto é, mesmo as leis mais precisas não são estritamente seguidas, há sempre um grau de erraticidade ou de desvio. O tiquismo é a doutrina segundo a qual o acaso é um dos fatores do universo, isto é, as leis básicas do universo se formaram de conexões ao acaso entre feelings e, que o caos primitivo consistia de conexões aleatórias entre estes feelings. Na visão determinista da filosofia do século XIX não havia

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margem para erro, mas Peirce propõe a doutrina do tiquismo, em que o acaso é um princípio de desordem, de não-lei, é um resquício daquele estágio de ilimitada liberdade, ao qual já havíamos referido, sob a Primeiridade, aquele elemento espontâneo, que é incondicionado, e que vai explicar a imensa variedade do universo e sua complexificação, porque a idéia de complexificação não é derivada da ordem (da lei), mas é derivada da espontaneidade, gerando variedade e crescimento complexo.

Peirce considera três teorias da evolução: a primeira é de inspiração darwiniana, em que o motor dessa evolução é acaso, “sporting”, é a teoria que Peirce denomina de ticasticismo ou tiquismo, que “deve dar origem a uma cosmologia evolucionária, na qual todas regularidades da natureza e da mente são vistas como produtos do crescimento (CP 6.102 de 1892). Para Peirce, esta explicação não é suficiente, porque pelo princípio da adaptabilidade ou do instinto de sobrevivência, ela não explica fundamentalmente a formação de generalidade, de espécies, não explica a idéia de lei, que reúne sob si, espécies, gêneros, semelhanças.

A outra forma de evolução é aquela por necessidade, de interação causal entre os elementos da natureza, de modo que eles se organizam e constituem sistemas. Para Peirce, esta teoria não é suficiente para explicar o lento crescimento da mente do universo. Esta segunda teoria, teoria de evolução por necessidade lógica, necessidade gerada pela causalidade, é chamada de anancasticismo ou ananquismo, por vezes anancismo.

A terceira (por amor, simpatia, afinidade) é a que Peirce chama de agapismo ou de agaspasticismo, significando amor, reunião. O amor vai agir como uma força aglomerante, segundo a qual as idéias se reúnem por afinidade (by affection), em que uma idéia afeta a outra, não só no sentido da necessidade, de causa e efeito, mas no sentido de uma se afeiçoar a outra. Fazendo uma relação da evolução com as categorias, a força evolutiva da espontaneidade está sob a

As obras de Peirce serão citadas obede-cendo às abreviações comumente aceitas entre os estudiosos: CP -Collected Papers HP -Historical Perspectives on Peirce’s Logic of Science. MS- Manuscritos da Houghton Library Harvard University N -Charles Sanders Peirce: Contributions to The Nation NEM -The New Elements of Mathematics PW- The Correspondence between Charles S.Peirce and Victoria Lady Welby W- Writings of Charles S. Peirce. SL- Studies in Logic by Members of John Hopkins University RLT- Reasonings and the Logic of Things - The Cambridge Conferences. EP1-Essential Peirce –vol.i EP2-Essential Peirce vol. II PPMRT- Pragmatism as a Principle and Method of Right Thinking.

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Primeiridade, a da interação dual (ação-reação) está sob a Segundidade e aquela do amor está sob a Terceiridade.

Mas voltando aos objetivos deste estudo, devemos considerar primeiramente o lugar que a Lógica (concebida como Semiótica) ocupa na obra de Peirce. A Lógica não é um mero ramo do conhecimento, mas uma das três ciências normativas, em conjunto com a Ética e a Estética, das quais depende, e não se restringe apenas a aspectos formais, sendo a ciência do raciocínio autocontrolado, incluindo toda a complexidade do pensamento enquanto signo. Por outro lado, para Peirce o pensamento não é um privilégio exclusivo da mente humana. Sua concepção de razão é algo cuja essência nunca pode ser completamente perfeita, estando sempre em estado de insipiência e crescimento.

A lógica para Peirce é a ciência do que precisa ser e do que deve ser a verdadeira representação, em resumo é a filosofia da representação. Assim, o tema Verdade está relacionado Lógica, Raciocínio, e especialmente método científico, que, por outro lado não pode ser desvinculado do Realismo, que é uma hipótese metafísica, mas a Metafísica estudada como a ciência da realidade.

A Parte I denominada Em defesa do Realismo científico tem como objetivo analisar o debate sobre o realismo científico do final do século XX e início do século XXI, tentando mostrar como o realismo de Peirce poderia responder aos ataques não realistas. Inicialmente é apresentada uma revisão da literatura sobre o debate realismo-anti-realismo e depois é apresentada uma discussão sobre os pressupostos do realismo peirceano.

A Parte II cujo nome é A verdade seria o fim ideal da investigação científica? inicia-se com um panorama resumido de vários projetos sobre as teorias da verdade com o objetivo de contextualizar a teoria da verdade desenvolvida por Peirce.

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PARTE I EM DEFESA DO REALISMO CIENTÍFICO

Ao longo dos anos tenho ficado cada vez mais consternado com a recente

tendência de compreender de maneira errada o pragmatismo como uma forma de

relativismo, destinado a ab-rogar padrões racionais, em lugar de uma

doutrina normativa rigorosa destinada a substanciá-los. (RESCHER, 2000)

A verdade, i.e., a realidade e o poder, do pensamento

deve ser demonstrada na prática. Os Filósofos somente interpretaram o

mundo de maneiras variadas, mas a verdadeira tarefa consiste em alterá-

lo.( RUSSELL,1939:144)

[...] o nominalismo é naturalmente bastante atraente para um intelecto brilhante que ainda não tenha

atingido sua capacidade máxima em lógica.. (PEIRCE, MS 625:03 de 1909)

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1. INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como objetivo analisar o debate sobre o realismo

científico do final do século XX e início do século XXI, tentando mostrar como o realismo de Peirce poderia responder aos ataques não realistas. Nos últimos trinta anos, ou, mais precisamente, desde o início da década de setenta, vêm ocorrendo muitas discussões sobre o realismo científico, mas o que chama a atenção é a ausência de consenso a respeito dos princípios que constituem uma visão realista das ciências naturais, principalmente porque os avanços científicos vêm transformando nosso modo de pensar o mundo.

Atualmente, a natureza não pode mais ser tomada como nossos sentidos indicam porque, cada vez mais, entidades e mecanismos invisíveis ao olho nu (como por exemplo, as ondas eletromagnéticas, os elétrons, os prótons e as moléculas DNA) estão espalhados pelo universo e causam fenômenos observáveis. Assim, cabem as perguntas: por que deveríamos considerar as teorias científicas verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras ou por que deveríamos acreditar que estas entidades postuladas por nossas melhores teorias são reais? Por que não considerar tais teorias meros instrumentos para sistematização? (Psillos, 1999:xvii).

De um lado, o que dizer das entidades teóricas (t-entitities)?. De outro lado, podemos tratar como reais as relações trabalhadas na matemática? Ora, segundo as argumentações de Peirce, a matemática constrói seus objetos na forma de hipóteses, e delas extrai conseqüências necessárias, sem lidar, contudo, com questões de fato:

Mas o matemático não observa nada além do diagrama que ele mesmo constrói; e nenhuma compulsão oculta governa suas hipóteses, à exceção de uma das profundezas da própria mente. Assim, a característica peculiar da matemática é que ela constitui o estudo científico da hipótese, que primeiro formula e, depois segue seu curso até suas conseqüências. (PEIRCE, NEM 4:268)

Segundo Rorty (1997:14), os filósofos “parecem forçados a fechar o século discutindo o mesmo tópico- realismo- que estavam discutindo em 1990”, embora segundo ele, a discussão agora tenha se deslocado da pergunta sobre se a realidade material é dependente da mente para a “questão sobre que tipos de asserções verdadeiras encontram-se em relações representacionais para com itens não lingüísticos:

Uma discussão acerca do realismo gira agora apenas em torno de se as asserções da física podem corresponder aos “fatos da questão”, ou se as asserções da matemática e da ética têm

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também uma tal possibilidade. Atualmente, o oposto do realismo é chamado simplesmente, “anti realismo”. (RORTY, 1997:14)

Psillos (2001:xx), na Introdução de “Scientific Realism – How science tracks truth”, argumenta que há um campo de batalha sem fim de controvérsias referentes ao realismo, das quais ele destaca as seguintes:se a ciência pode descrever um mundo independente da mente?

se a ciência pode ir além do que é observado a olho nu, revelando verdades sobre entidades não observáveis?

como as teorias científicas deveriam ser entendidas?

se devemos aceitar a verdade das teorias científicas para explicar o sucesso da ciência? Ainda segundo Psillos, o debate sobre o realismo científico tem uma longa história, evoluindo nas primeiras décadas do século XX de uma discussão sobre termos lingüísticos (sobre o significado do discurso científico ou sobre se os termos científicos denotam alguma coisa) para uma argumentação sobre o poder das teorias científicas em explicar entidades não observáveis.

2. REALISMO E ANTI-REALISMO

A revisão da literatura especializada mostra que as investigações sobre a natureza e sobre as condições e a extensão do conhecimento humano constituem alguns dos mais persistentes e instigantes problemas da filosofia e da epistemologia. Estes problemas derivam de uma reflexão sobre o mundo ao nosso redor, dela decorrendo as controvérsias sobre o ceticismo, racionalismo, externalismo, fundacionalismo...

Alguns céticos defendem o argumento de que não temos crenças justificadas a respeito de certas classes de proposições, e sendo assim, não teríamos razão para acreditar em proposições sobre o mundo físico. Assim, com relação à pergunta de Descartes (o que eu sei realmente sobre o mundo externo?), as respostas dos céticos são pessimistas.

Dado que nosso conhecimento sobre o mundo externo deriva de nossos sentidos, como podemos saber algo sobre o mundo sem primeiro provar que nossos sentidos são confiáveis? Ou, como obtemos conhecimento usando uma fonte de crenças sem antes mostrar que ela é confiável? Para Stroud (2000:6), essas perguntas-problema não têm solução, isto é, nada podemos saber sobre o mundo externo:

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As representações ou experiências sensoriais às quais a conclusão de Descartes restringiria meu conhecimento, não poderiam ser outras além das minhas próprias experiências sensoriais: não poderia haver nenhum conhecimento comunitário, mesmo do véu da própria percepção. Se minhas próprias experiências sensoriais não me permitem conhecer as coisas do mundo que me rodeiam elas não me permitem mesmo saber se existem outras experiências sensoriais ou sequer quaisquer outros seres perceptíveis. (STROUD, 2000:6)

Mas o que poderia caracterizar uma visão realista da ciência? Para Plastino (1995: 14), as seguintes proposições poderiam elucidar esta questão:

A existência e a natureza dos fatos do mundo não dependem das teorias ou métodos que a ciência utiliza.

Toda asserção científica, interpretada literalmente, é ou verdadeira ou falsa.

O valor-de-verdade de uma asserção científica é determinado pelo mundo. Uma asserção é verdadeira quando mantém uma relação de correspondência com o mundo.

A ciência procura teorias que façam uma descrição verdadeira (ou aproximadamente verdadeira) do mundo.

Os termos teóricos preservam sua referência durante as mudanças científicas. As teorias científicas sucessoras incorporam o cerne das teorias precedentes.

O progresso da ciência consiste num processo convergente de aproximação de uma teoria científica completa e verdadeira.

Nas ciências maduras, as teorias são aproximadamente verdadeiras e seus termos centrais se referem a objetos do mundo.

Pode-se dizer que há várias formas de tratamento do realismo científico. Enquanto algumas são compostas de suposições de caráter metafísico (ontológico) sobre a existência e independência do mundo físico exterior, outras enfatizam aspectos epistemológicos da investigação científica do mundo ou aspectos semânticos da interpretação das teorias científicas. Entretanto, na maioria dos casos, o realismo científico caracteriza-se como um conjunto integrado e híbrido de teses filosóficas a respeito de diferentes aspectos ou dimensões da ciência.

Para Psillos (2001:xix), a visão metafísica assegura que o mundo tem uma estrutura definida e independente da mente, contrapondo-se às posições idealistas, fenomenalistas, como também ao verificacionismo de Dummet ou ao internalismo de Putnan. Já, a visão semântica toma as teorias científicas em

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seu significado manifesto, vendo-as como descrições condicionadas pelo seu domínio, tanto as observáveis quanto as não observáveis, o que se contrapõe ao instrumentalismo e ao empiricismo reducionista. Por outro lado, a visão epistêmica encara as teorias científicas maduras e bem sucedidas como bem confirmadas e aproximadamente verdadeiras no mundo, contrapondo-se às versões céticas e agnósticas do empiricismo. (O quadro 1 faz um resumo desses pontos).

Quadro 1 Realismo e Anti realismo Realismo ontológico Tradição empirista

Empiricistas conceituais (asserções têm significado se e somente se puderem ser verificadas) Empiricistas reducionistas (a asserções sobre entidades teóricas têm significado porque dizem respeito a entidades observáveis)

Carnap (verificacionismo confirmação

virada estruturalista neutralismo)

Realismo semântico Feigl e Hempel Empirismo reducionista e instrumentalismo de Mach, teorema de Craig e Duhem ( a ciência se preocupa somente com a experiência e como tal não é explicação)

Otimismo epistêmico (Realismo estrutural de Worrall)

Pessimismo indutivo Laudan, empiricismo construtivo Van Fraassen

Fonte: Psillos 2001

Para Horwich (1996: 187-198), realismo é senso comum. O realismo nos assegura que há fatos na Física, Matemática, Psicologia, História ..., e esses fatos têm existência independente de nossa consciência, como também da possibilidade de nos tornarmos deles conscientes, o que torna possível adquirimos considerável conhecimento nestes domínios. Os realistas entendem que, dada nossa idéia ordinária da natureza dos fatos do mundo, é perfeitamente legítimo admitir o conhecimento científico desses fatos, os quais não dependem de nossas crenças a seu respeito.

Bensusan (1994:37) apresenta três teses realistas. A primeira é a tese da literalidade, isto é, de que a linguagem da ciência trata de entidades, observáveis ou não. Essa linguagem é composta de expressões que são, em sua maioria, genuínos enunciados e deve ser interpretada por um modelo de teoria que envolva entidades, que não sejam meras sensações humanas, nem

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apenas entidades observáveis ordinárias (esta tese poderia ser expressa pelo empirismo de Van Fraassen, 1980). A segunda tese realista é a da unicidade, segundo a qual as teorias que prevalecem sobre suas concorrentes levam em conta critérios justificados e não pragmáticos, elas são as mais adequadas entre as concorrentes disponíveis. A terceira corresponde ao realismo ontológico, que implica no princípio de que aquilo que existe é independente as teorias e da representação. Se aceitas estas três teses, pode-se unir a elas uma concepção de verdade por correspondência, “que parece sugerir-se naturalmente”.

Por outro lado, Putnan (1990:113-4) discute quatro tipos de realismo: o realismo ingênuo, o realismo metafísico, o realismo interno e o realismo de senso comum, que se opõem entre si. O realismo ingênuo não se confunde com o realismo de senso comum porque se resume na convicção de que o sujeito tem de se encontrar numa relação absoluta com o mundo e que o mundo real consiste nas aparências que este sujeito consegue apreender. O que Putnan rejeita no realismo metafísico e na perspectiva externalista são três pontos principais: que o mundo seja uma totalidade fixa de objetos independentes da mente, que exista uma única descrição coerente e verdadeira de mundo e que a verdade implique em algum tipo de correspondência. Para o realismo interno, a referência e a verdade não dependem de qualquer misteriosa relação de correspondência, mas são ambas internas às teorias.

Para Putnan (1990:205 ff), não tem sentido qualquer suposição de que haja “entidades independentes da mente”. Em seu realismo interno, Putnan propõe o abandono da dicotomia tradicional entre o mundo em si e os conceitos que utilizamos para nele pensar e falar, e a verdade e a referência de nossas expressões lingüísticas são relativas ao esquema conceitual, ou seja, são internas à perspectiva assumida.

Goodman (1983:102) argumenta que, quando percebemos que os supostos aspectos do mundo são relativos a uma perspectiva particular, então uma versão verdadeira do mundo pode ser incompatível com outras perspectivas, e assim, “o mundo em si rapidamente se esvai”.

Mas há algumas formulações ortodoxas sobre o realismo científico que são defendidas por Fine (apud Plastino, 1995) e têm apoios nas teses descritas a seguir:

há um mundo exterior definido (constituído de entidades com propriedades e relações) que, em grande parte, é independente de nosso conhecimento ou experiência;

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a ciência busca alcançar informação substancial e correta dos aspectos do mundo, ou seja, apresentar teorias verdadeiras que representem os elementos e a estrutura do mundo; e

é possível o acesso epistêmico ao mundo e se espera que a ciência, em seu progressivo desenvolvimento, permita aperfeiçoar nossa capacidade de obter conhecimento (pelo menos aproximado) do mundo.

O realismo dá sentido à ciência a partir de uma postulação da existência objetiva de um mundo (que não depende de nossa capacidade cognitiva) e de uma concepção da verdade por correspondência. Assim, uma proposição científica é vista como falsa ou verdadeira em virtude do modo como as coisas são, independentemente de nossa habilidade em ter acesso ao mundo. Na visão realista, o mundo é aquilo a que a proposição corresponde quando ela é verdadeira, fornecendo um padrão externo a que as teorias científicas devem conformar-se, porque das interagimos com o mundo é que são construídas as representações a seu respeito e a legitimidade das afirmações científicas reside, pois, nas relações externas que mantêm com seu objeto de estudo, isto é, na concordância (aproximada) com algumas partes da realidade.

Para Rorty (1980), as teorias científicas deveriam ser um espelho que reflete a estrutura da natureza. De maneira geral, os realistas entendem que o empreendimento científico objetiva conhecer a verdade sobre o mundo exterior, e a utilização de métodos e procedimentos científicos podem conduzem gradativamente à descoberta da verdade e, ao conseqüente, consenso de opiniões. Alguns autores associam o realismo científico ao naturalismo, por ser mais aconselhável do que o fundacionalismo ou concencionalismo. Rorty (1997: 15) classifica o termo anti-realismo de ambíguo, pois é usado de forma padrão para significar a afirmação, acerca de algumas asserções particulares verdadeiras, de que não há nenhuma questão de fato que essas asserções representem.

Dummett (1978) resume a oposição realismo anti-realismo da seguinte maneira:

Eu caracterizo o realismo como a crença em que asserções da classe disputada possuem um valor objetivo de verdade, independentemente de nossos meios de conhecê-lo; elas são verdadeiras ou falsas em virtude da realidade existente independentemente de nós. O anti-realista opõe a isso o ponto de vista de que asserções da classe disputada devem ser compreendidas somente em referência ao tipo de coisa que nós contamos como evidência para uma asserção dessa classe. (DUMMETT,1978)

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Do ponto de vista do anti realismo, Bensusan (1994:46) discute três teses: o empirismo construtivo de Van Fraasen, que defende a subdeterminação de toda teoria, o instrumentalismo que pode ser dividido em pragmático (que considera que cada teoria pode ser substituída por infinitas outras), e o epistêmico (que acredita que a teoria pode ser um instrumento privilegiado e mais adequado para lidar com determinado domínio).

Por outro lado, segundo Plastino (1995), os anti-realistas consideram que o realismo científico encerra uma tensão insustentável em suas teses principais, ou seja, o conflito entre "a autonomia metafísica do mundo (sua independência em relação a nós) e sua acessibilidade epistemológica (nossa capacidade de aprendermos algo a seu respeito)".

Para o anti-realista, no entanto, não é possível conciliar os diversos pressupostos ontológicos, semânticos e epistemológicos que muitas vezes compõem o realismo científico. Com base em críticas internas (e também externas), o anti-realista conclui que é preciso modificar profundamente a imagem realista tradicional da ciência. (HORWICH, 1990:57).

Para tanto, os anti-realistas dispõem de várias opções:

Alguns recusam a suposição da existência de objetos de certos tipos. (Por exemplo, pode-se negar a existência de objetos inobserváveis (instrumentalismo), de modo que não seja legítimo acreditar literalmente nas teorias que falam a seu respeito, ou de coisas em si independentes da mente ou da linguagem (relativismo conceitual).

Outros preferem mostrar que certos tipos de objetos reduzem-se a outros que parecem ter prioridade epistemológica (fenomenismo).

Outros questionam nossa capacidade de conhecer objetos inacessíveis à observação (empirismo construtivo), embora não neguem a existência de entidades inobserváveis.

Além disso, há anti-realistas que propõem outras concepções de verdade e de referência que permitam eliminar o suposto conflito interno do realismo científico. (PLASTINO, 1995: 15)

Mas em uma concepção anti-realista e instrumentalista da ciência, os princípios realistas são geralmente relegados ou criticados, porque o sentido da ciência não decorre da tentativa de representar uma realidade que existe independentemente de nós, mas “sim das virtudes pragmáticas das teorias (por exemplo, sua confiabilidade instrumental)”. A razão de ser da ciência estaria no modo como ela permite guiar nossas ações e pensamentos, sendo sua principal motivação da pesquisa científica construir teorias que, “em certa medida, estejam adequadas aos fenômenos de nossa observação e que permitam extrair novas e bem-sucedidas conseqüências futuras sobre eventos

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que nós podemos perceber e investigar”. Assim, uma teoria científica será aceita, desde que ela funcione satisfatoriamente. De certo modo, a prática científica é entendida como "uma projeção para fora de nós, de nossos interesses, hábitos e capacidades" (FINE, apud Plastino, 1995).

Para os instrumentalistas, é no interior da própria prática científica que se reconhecem e se apreciam os méritos das conclusões científicas, e é necessário, portanto, que as estratégias adotadas pela comunidade científica sejam tidas como capazes de realizar ou conduzir progressivamente aos fins esperados. Nesse contexto, a verdade, como correspondência ou concordância da teoria com a realidade, não deveria ser considerada como um objetivo da investigação científica, pois em geral não sabemos como determinar se uma dada hipótese ou teoria científica tem a propriedade de ser verdadeira ou estar mais próxima da verdade que outra. Ainda que a verdade possa ser rigorosamente definida e seja em princípio atingível, não há um critério operacional cuja satisfação garanta que um enunciado ou sistema de enunciados da ciência empírica seja verdadeiro ou se aproxime assintoticamente da verdade (em termos realistas). Conseqüentemente, mesmo diante de uma verdade científica não saberíamos identificá-la ou reconhecê-la como tal, e, o máximo que podemos e devemos esperar das teorias científicas é o acordo com nossas observações, sua precisão e simplicidade (sob vários aspectos), seu poder de predição e explicação, sua capacidade de unificar e sistematizar leis empíricas, a abrangência de seu domínio, sua eficácia na solução de problemas teóricos, sua aplicação prática, sua coerência com outras crenças bem estabelecidas. (PLASTINO, 1995)

[...] a noção realista de verdade (como correspondência) transcende nosso conhecimento de tal maneira que não possui nenhuma implicação para a prática efetiva dos agentes da pesquisa científica (e, além disso, abre as portas ao ceticismo).(PLASTINO, 1995:16)

A concepção instrumentalista da ciência entende que o êxito prático da ciência não autoriza a crença nas atuais teorias científicas (literalmente interpretadas) nem na existência das entidades teóricas (inobserváveis) que elas postulam, e as considerações pragmáticas favoráveis a uma teoria científica parecem indicar apenas que ela é um instrumento útil. Nesse contexto, as chamadas entidades teóricas da ciência são consideradas como ficções, construtos mentais ou idealizações simples e convenientes aos propósitos da ciência. Para os instrumentalistas, os argumentos utilizados para fundamentar a aceitação de resultados científicos não servem de base para supormos que a ciência é uma fonte de informação confiável sobre a "estrutura

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subjacente" aos fenômenos naturais observáveis e o debate contemporâneo realismo x instrumentalismo está centrado principalmente na questão epistemológica de se o poder explicativo e preditivo de uma teoria científica justifica a crença na verdade (ou verdade aproximada) dessa teoria. (PLASTINO, 1995)

No entanto, segundo Plastino (1995:10), uma análise histórica da evolução da ciência também mostra a inadequação do realismo com base em sua explicação do êxito científico, porque numerosas teorias científicas que apresentaram considerável êxito em sua época postularam entidades teóricas cuja existência hoje negamos (por exemplo, o flogisto, o fluído calórico ou as forças vitais).

Por outro lado, sem uma explicação sobre o êxito instrumental da ciência, haveria necessidade de reconhecer esse sucesso como sendo fruto de um "milagre" ou talvez de uma misteriosa "coincidência cósmica" e o realismo poderia se apresentar como a concepção que oferece a melhor explicação sobre o êxito experimental da ciência. Mas, como observa Fine (apud Plastino, 1995) há uma “manifesta circularidade nessa tentativa de fundamentar a posição realista” e deveríamos esperar que a fundamentação do realismo científico envolvesse "métodos mais rigorosos do que aqueles utilizados na prática científica ordinária". Desse modo, o realista não é capaz de mostrar (sem petição de princípio) que o poder explicativo do realismo garante a crença na verdade (aproximada) da teoria ou na existência das entidades teóricas que ela postula.

Essa deficiência do argumento do milagre é acertadamente reconhecida por realistas como Boyd (1990), para quem "aceitar a explicação do realista como uma teoria científica não implica aceitar o realismo científico, pois a explicação do realista pode ela própria ser interpretada não-realisticamente". Assim, para evitar a circularidade em sua defesa, o realismo científico deveria ser incorporado a um amplo pacote filosófico de teses epistemológicas, semânticas e metafísicas, incluindo uma versão naturalizada do conhecimento e da referência, em que se relacionam estreitamente considerações filosóficas e descobertas científicas e a estratégia argumentativa a ser usada consistirá em mostrar a superioridade desse pacote realista diante de outros pacotes filosóficos rivais, por exemplo, o empirista de van Fraassen ou o construtivista de Kuhn.

Plastino (1995) também explica que para um instrumentalista aceitar a explicação do realista sem com isso comprometer-se com a verdade das teses realistas; seria suficiente admitir apenas a sua eficácia em explicar satisfatoriamente certos tipos de fenômenos. Assim sendo, o instrumentalista

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propõe que a concepção realista da verdade seja substituída por uma concepção pragmatista em que a verdade é analisada em termos da confiabilidade instrumental (ou da "assertibilidade garantida" de Dewey).

Mas a defesa do realismo deve levar em conta a existência de entidades que são consideradas desnecessárias por algumas posições anti-realistas, como o fenomenalismo, ou o nominalismo (quanto idéias abstratas ou objetos matemáticos) e, que muitos estão dispostos a eliminar com uma navalha de Ockan.

Para Bensusan (1994:37), o realismo precisa rejeitar uma visão instrumentalista das teorias e defender que a ciência trata de entidades e propriedades destas entidades, sejam elas observáveis ou não, e não apenas que sua linguagem parece tratar de entidades e propriedades destas.

Entretanto para aqueles que defendem os "jogos de linguagem", o "relativismo ontológico", "tradução radical" e "versões-de-mundo", como

Wittgenstein, Quine e Goodman, o conhecimento não consiste num

espelhamento imediato das coisas externas, mas na construção de "narrativas" e "interpretações" que são, por sua vez, sistemas de símbolos que ordenam e categorizam a experiência. Nesse contexto, a guinada lingüístico-pragmático-hermenêutica “dissolveria o fundacionismo, o representacionismo e o transcendentalismo” e o lugar da epistemologia e da metafisica poderia ser ocupado com "um mundo sem substâncias ou essências" ou "uma verdade sem correspondência com a realidade". Para os fundacionistas, as nossas crenças acerca dos “sense data” e da experiência presente são infalíveis, daí poderem desempenhar o papel que lhes foi atribuído nesta forma de empirismo; as crenças acerca dos nossos estados sensoriais são infalíveis e podem ser justificadas recorrendo àquele alicerce.

Algumas filosofias pressupõem um realismo metafísico ou epistemológico e compartilham a noção de que existe algo suficientemente objetivo para servir como fundação que garanta o argumento racional ou conclusões possíveis sobre as perspectivas sobre a experiência ou sobre o mundo, que sejam as mais inteligíveis. Outras refutam a idéia de uma “perspectiva mais ampla”, ou “um meta-vocabulário” ou “um espaço comum” ou “um esquema neutro” ou “god´s eye-view”.

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A oposição à tradição metafísica pode tomar uma série de formas e os filósofos mais radicais são Rorty, Davidson e Putnan, para quem o problema central da filosofia- a realidade externa- não pode ser resolvido nem pelo anti-realismo nem pelo fenomenalismo. Eles acusam as filosofias tradicionais de tentar um ataque sem esperança à tarefa de alcançar um estado de pensamento sobre o mundo ou um objeto que seja independente deste pensamento ou qualquer contexto da investigação. Rorty (1989: xiii-xiv), baseia seu ataque na afirmação de que as orientações filosóficas tradicionais pressupõem uma visão neutra e compreensiva da realidade que pode ser apoiada por critérios de verdade e adequação.

Davidson (1990:309) não vê nenhuma razão para “supor que o realismo e o antirealismo, explicados em termos do não-epistêmico radical ou do caráter epistémico radical da verdade”, seriam as únicas formas de darem substância a uma teoria da verdade ou do significado.

Já, Dummet (1933:192), considera que existe uma tendência muito forte com relação a uma visão realista, embora ele não veja como a posição realista possa ser defendida do ataque anti-realista, poderia haver um ponto intermediário, “mas eu não posso ver exatamente qual ele seria” .

Essa posição é criticada por Putnan (1994:491): Dummet entende as opções filosóficas como segue: ou, nossas proposições somente tem condições de assertibilidade, ou, elas tem algo misterioso flutuando sobre elas, corrigindo-as de acordo com a realidade. Mas, como argumentarei, não devemos aceitar a idéia de que somos forçados aescolher somente entre

estas duas opções.(PUTNAN,1994:491) Sob outra perspectiva, Hildebrand (2003:10) considera dois

movimentos que sucederam ao realismo. Segundo Hilebrand, na virada do século 20, alguns filósofos (como Moore, Mach, Peirce, James e Dewey) se revoltaram contra o idealismo, maravilhados pelos avanços na biologia, matemática e lógica. Estes realistas enfatizavam a independência dos objetos e suas relações. Posteriormente, Perry e Montague, se tornaram conhecidos

É difícil que um cientista não seja um homem honesto e imparcial. É verdade que alguns naturalistas foram açu-sados de furtar espé-cimes; enquanto outros se mostraram longe de serem imparciais defen-dendo suas teorias. Estas duas faltas podem ser extremamente noci-vas para a capacidade científica dos mês-mos. Mas geralmente os cientistas têm sido os melhores homens. Por-tanto, é bastante natural que um jovem que possa vir a se desen-volver como cientista, deveria ser uma pessoa de boa conduta. (PEIRCE)

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como componentes do Novo Realismo. O Novo realismo teve grande impacto, e sua revolta contra o idealismo não só assegurava a independência relativa do objeto, mas também envolvia uma redefinição da própria mente. Entretanto, o Novo Realismo se mostrou incapaz de avaliar a consciência e o problema do erro, sendo substituído por uma corrente denominada Realismo Crítico, que argumentava que a mente conhecedora necessitava ser mediada por algum tipo de interface não física. A distinção epistemológica entre objeto e veículo do conhecimento se tornou crucial para os Realistas Críticos. O Realismo crítico abriu uma fenda entre o Novo Realismo e o Pragmatismo.

O quadro abaixo resume essas considerações:

Quadro 2 Novo Realismo e Idealismo

Novos Realistas Iidealistas

Mente inclui ou caracteriza

Mente é uma relação entre conteúdos não mentais

Toda realidade

Os poderes da mente face aos objetos

A mente observa, mas não altera os objetos.

São criativos e constituem

A relação conhecido/ conhecedor

O conhecimento é uma relação externa e o ser dos objetos não depende do sujeito.

objeto não pode causally severed de saber o assunto

A essência da mente A mente é relacional não substantiva, os estados da mente são classes de conteúdos.

A mente é uma unidade sistemática, universalmente auto evolutiva

O status ontológico da mente

A mente na existe a parte das relações entre objetos, eventos ou entidades, estes, entretanto não dependem da mente.

A mente existe indepen-dentemente dos objetos embora possa ser influenciada por eles.

Fonte: Hildebrand (2003:10)

3. O REALISMO PEIRCEANO

O êxito da ciência moderna deveria convencer-nos que a indução é o único ditame imperativo capaz de buscar a verdade. Ora, o pragmaticismo diz simplesmente que o método indutivo é o único essencial para a determinação do teor intelectual de qualquer símbolo.(CP 8.209 DE 1905)

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Como a filosofia de Peirce responde aos ataques recentes ao realismo? Nos textos a seguir vamos tentar responder, dentro de uma perspectiva peirceana, aos desafios de que afirmações metafísicas sobre a realidade ou, sobre objetos extra-linguísticos, ou, ainda, sobre especulação sistemática são possíveis, e não se constituem questões sem sentido, fúteis ou fora de moda, como pregam algumas das posições rivais ao realismo científico, entre elas, o instrumentalismo, o empirismo construtivo, o realismo interno e o relativismo cognitivo.

Felizmente, do ponto de vista epistemológico, Peirce estava consciente da necessidade de fornecer tanto uma justificativa para a crença na existência de um mundo externo quanto um critério para se determinar quais objetos de nossa experiência pertence à classe de objetos externos. E Peirce pergunta: “Como sei que há reais?” A resposta está nas seguintes considerações:

se a investigação não pode ser encarada como comprobatória de que há coisas reais, ela não conduz, pelo menos, a uma conclusão contrária; o método e a concepção sobre a qual se funda permanecem em harmonia contínua;

ninguém pode, portanto, duvidar de que efetivamente existam Reais, pois que, se duvidasse, a dúvida não seria fonte de insatisfação. O impulso social leva os homens a não duvidarem dela;

todos utilizam o método científico para muitas coisas e só deixam de assim proceder quando não sabem como aplicá-lo;

a utilização do método não nos leva a dele duvidar, mas pelo contrário, a investigação científica tem alcançado triunfos estrondosos no campo da conciliação de opiniões (CP 5.384 de 1877).

Mas se não houvesse um objeto, se não houvesse um objeto real, não haveria verdade e, para Peirce, só podemos opinar que há uma coisa como a verdade porque caso contrário o raciocínio e o pensamento não teriam valor.

Para aplacar nossa dúvida, faz-se neces-sário, por conseguinte, que se encontre método por força do qual nossas crenças passem a ser deter-minadas não por algo humano, mas por algo externo e estável - por algo que nossa reflexão não tenha efeito.(...) O algo externo e estável a que nos referimos não seria externo no sentido indicado, caso sua influência atingisse um único indivíduo. Deve-mos dispor de algo que afete ou possa afetar todas as pessoas. E embora as maneiras de afetar sejam neces-sariamente tão diversas quanto as condições individuais, o método deve ser tal que as conclusões últimas de todas as pessoas sejam as mesmas. Tal é o método da ciência. (CP 5.384 de 1877).

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Mas, pergunta ele, o que queremos dizer ao afirmar que há uma coisa como a verdade? E a resposta é que “queremos dizer que há algo ASSIM, correto e justo, independente de que qualquer pessoa pense assim ou não”. (CP 2.135 de 1902)

Para Peirce, o problema do conhecimento da realidade está apoiado no domínio da metafísica. Haveria, então, pelo menos duas posições alternativas: a apriorista e a empirista ou naturalista. A posição apriorista é a kantiana, assumindo que a metafísica é uma ciência da razão pura, com seu conhecimento derivado exclusivamente de conceitos que não sofrem influência de qualquer experiência. A empirista pressupõe que somente a experiência pode solucioná-la (CP 2.137 de 1902). Peirce enfatiza o papel da experiência, isto é, a experiência é aquela determinação da crença ou cognição que o curso da vida força sobre o indivíduo. Mas, precisamente, como ocorre a ação de experiência? Através de uma série de surpresas (CP 5.551 de 1905). Pode-se mentir a respeito disso, mas ninguém pode escapar do fato de que algumas coisas são forçadas sobre sua cognição:

Há um elemento de força bruta, existente, mesmo que você pense ou não que ele existe. Alguém poderá objetar que se ele não pensou assim, ele não seria forçado a pensar assim; pelo que não é um uma instância em questão. Mas esta é uma dupla confusão de idéias. Porque em primeiro lugar, que algo seja assim, mesmo que você pense diferentemente, é algo que não pode ser refutado ou demonstrado se você pensar diferente; e em segundo lugar, o que a experiência força o homem a pensar, ele tem que pensar forçosamente. Mas nesse particular ele não é forçado a pensar que é essa força que o faz pensar assim. A verdadeira opinião cogitada por aqueles que negam que há alguma Verdade, no sentido definido, é que não é força, mas sua liberdade interna que determina sua cognição experiencial. Mas essa opinião é absolutamente contraditada por sua própria experiência. (CP 2.138 de 1902)

Embora algumas pessoas insistam em fechar seus olhos para o elemento de compulsão, este é diretamente experienciado por eles. Mas o próprio fato de poder negá-lo confirma o fato de que é independente da opinião a seu respeito. A hipótese fundamental do método da ciência é de que há reais,

Você pode se iludir quanto você quiser, mas você tem uma experiência direta de algo que reage contra você. Você pode chegar a supor que há uma substância na qual o ego e o não-ego tem as raízes similares no seu ser; mas isso é irrelevante. O fato da reação permanece. Há a proposição que é assim, seja o que for o que você opina sobre ela. A essência da verdade encontra-se em sua resistência a ser ignorada (CP 2.139 de 1902).

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cujos caracteres são completamente independentes de nossas opiniões sobre eles. Segundo Peirce, os argumentos acima mostram que a ciência não só assume legitimamente a existência de um mundo independente como também necessita fazê-lo, se quiser manter a visão objetiva corrente da ciência. A hipótese de Realidade constitui a única prova do método de investigação, então esse método de investigação não deve ser usado para provar as hipóteses (CP 5.384 de 1877).

Para Peirce, a qualquer momento nós estamos de posse de certas informações, de cognições que foram logicamente derivadas por indução e hipóteses de cognições prévias, que são menos gerais, menos diferentes, e das quais nós temos uma consciência menos vívida. Estas, por sua vez, foram derivadas de outras ainda menos gerais, menos diferentes e menos vívidas e assim por diante até voltar ao primeiro ideal, que é bastante singular e bastante fora da consciência. Este primeiro ideal é a “coisa-em-si” particular.

Não existe como tal, isto é, não existe a coisa que é, em si mesma, no sentido de não ser relativa à mente, embora coisas que são relativas à mente sem dúvida existem à parte desta relação.(CP 5.311 de 1868)

Assim, as cognições que nos encontram através desta infinita série de induções e hipóteses são de dois tipos - verdadeiras ou falsas, ou cognições cujos objetos são reais e aquelas cujos objetos não são reais. O real é definido na seguinte passagem:

O real, então, é aquilo no qual, mais cedo ou mais tarde, a informação e o raciocínio resultarão finalmente, e que é portanto independente das minhas e das suas fantasias. Assim, a verdadeira origem da concepção de realidade mostra que esta concepção implica essencialmente a noção de uma COMUNIDADE, sem limites definidos e capaz de um aumento de conhecimento indefinido. (CP 5.311de 1868)

Por outro lado, da existência do real segue que existe uma resposta última para toda questão. Assim, todos esses argumentos mostram uma defesa bem construída do que se entende por verdadeiro quanto à objetividade do conhecimento sobre a realidade externa.

O real não é, assim, per se, um objeto imediato (objeto interno) do pensamento, mesmo que o meu pensamento possa vir a coincidir com ele. Mais ainda, o real deve influenciar o pensamento ou eu não poderia, seguindo qualquer norma de raciocínio, chegar a qualquer verdade. (W3:60)

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Do fato de que o real permanece sem ser afetado pelo que pensamos (CP 8.12 de 1871); do fato de que o real é independente do que dele se possa pensar (CP 5.405 de 1877); do fato de que uma comunidade de investigadores utilizando um método correto chegará a uma opinião com a qual todos concordarão (opinião esta cujo objeto é o real e que não depende das opiniões individuais CP 5 407 de 1877), emergem três idéias:

a realidade tem uma espécie de independência com relação àquilo que está sendo pensado e representado.

a realidade está essencialmente relacionada com o pensamento e as idéias

a idéia de realidade é a resultante final da investigação. Neste contexto Peirce faz a seguinte suposição:

Suponha que nossa opinião com referência a uma dada questão esteja completamente estabelecida, de tal modo que mesmo que se a investigação for levada adiante, ela não nos ofereça mais surpresas neste ponto. Então poderemos dizer que alcançamos o perfeito conhecimento sobre essa questão. (CP 4.62 de 1843)

Para Peirce, a realidade não pode ser separada de suas representações, ou seja, dos fenômenos mentais. A única forma de não cair em um “mentalismo” do tipo Locke, está na lógica ou semiótica porque todos os nossos produtos mentais são signos e não podemos pensar sem signos. Essa noção de realidade é expressa na seguinte passagem:

Há coisas reais, cujos caracteres independem por completo de nossas opiniões a respeito delas; esses reais afetam nossos sentidos segundo leis regulares e conquanto nossas sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos, poderemos, valendo-nos das leis da percepção, averiguar através do raciocínio, como efetiva e verdadeiramente as coisas são: e, todo homem, desde que tenha experiência bastante e raciocine suficientemente acerca do assunto, será levado à conclusão única e verdadeira.(CP 5.384 de 1877)

A realidade das coisas está sujeita às seguintes propriedades:

Não depende do desejo ou opinião de indivíduos ou grupos de indivíduos;

Será objeto de consenso entre as pessoas que têm suficiente experiência e conduzem as investigações de forma correta;

De fato, este consenso não é limitado a uma comunidade particular, mas pode incluir qualquer agente racional;

O consenso resulta da ação da realidade externa sobre nossos sentidos e nossas opiniões.

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A noção da realidade para Peirce apresenta dois aspectos importantes: a alteridade, que caracteriza o elemento que reage (associada à Segundidade, categoria da existência) e a insistência da força bruta, que ao manter determinada regularidade, possibilita o conhecimento (associado à Terceirdade, que é categoria da generalidade, da lei), ou nas palavras de Peirce:

Embora em toda experiência direta de reação, um ego, algo interno, seja um membro do par, ainda atribuímos reações a objetos fora de nós. Quando dizemos que uma coisa existe, queremos dizer, na verdade, que reage contra outras coisas. Que estamos transferindo a isto nossa experiência direta de reação. É nossa hipótese explicar o fenômeno – uma hipótese que, semelhante ao trabalho da hipótese de uma investigação científica, embora não possamos acreditar ser ela completamente verdadeira, é útil em capacitar-nos a conceber o que acontece. (CP 7.534 s.d.).

Nossa análise também enfatiza o tratamento dado por Peirce à categoria da segundidade, de forma a mostrar que a compulsividade de nossa experiência perceptiva garante a externalidade do objeto que percebemos. A segundidade é uma experiência que resulta completamente do choque de reação entre o ego e o não-ego.

Aí reside a dupla consciência de esforço e resistência. Isso é algo que não pode ser concebido adequadamente. Porque concebê-lo significa generalizá-lo; e generalizá-lo é perder por completo o aqui e agora que é sua essência. Na minha opinião, a idéia de uma reação não á a idéia de dois mais uma reação. Pelo contrário, pensar em dois pontos como em dois é ter uma pequena experiência de reação e depois de nos dizer que isso é para ser tomado somente num sentido Pickwickiano, como uma mera reação dentro do mundo das idéias, a própria experiência de reação conduzindo-nos de vez a pensar em um mundo de segundos ou existências e um mundo de meras idéias domadas; um resistente, o outro sujeito às nossas vontades. Também nos encontramos pensando nas coisas sem nós, como atuando sobre eles mesmas, como se estivessem realmente ligadas. Bem, isto agora é questão sua como psicólogo, e não minha, de dizer como isto acontece. Eu simplesmente contemplo o fenômeno e digo que toda idéia de relação real, ou ligação contém esse mesmo elemento de reação irracional. Todo o verdadeiro caráter de consciência é meramente a sensação do choque do não-ego sobre nós. (CP 8.266 de 1903).

Apesar de todo seu interesse pelos signos, foi apenas em 1907 (CP 5.461-496), que Peirce estabeleceu a importância da semiótica para o pragmatismo e a afirmação de que todos os pensamentos são signos se torna

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uma posição realista. Então como sabemos que um objeto interno em nossa cognição pode representar um objeto externo à nossa cognição? Para resolver esta questão é necessário analisar tanto a Fenomenologia como a teoria da percepção de Peirce.

Começando pela Fenomenologia, o que Peirce entende como fenômeno? Como sabemos que aquilo que se apresenta na nossa cognição é também a representação de um objeto real que está fora da cognição. Peirce responde a isto com a definição de fenômeno. Fenômeno é tudo o que está diante de nossa mente, pode ser um sonho, uma sensação, pode ser uma presença física ou um pensamento, não se restringindo a algo "que se pode sentir, perceber, inferir, lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordem-espaço temporal que o senso comum nos faz identificar como sendo o „mundo real‟”. (Santaella, 1995:16).

Depois de muitos anos de estudo, Peirce chegou à conclusão de que só há três e não mais do que três categorias, que são pontos para os quais todos os fenômenos tendem a convergir: primeiridade, segundidade e terceiridade ou Acaso, Existência, Lei. As categorias correspondem aos três modos de ser e aparecer, isto é, como primeiridade (a idéia de que o fenômeno aparece como ele é), como segundidade (a idéia de uma relação de dependência) e como terceiridade (a idéia de mediação). A primeiridade é um modo de qualidade, que na interioridade corresponde à unidade e na exterioridade à diversidade. A segundidade corresponde ao modo de reação, que na interioridade corresponde aos fatos do passado e na exterioridade ao não-eu. A terceiridade corresponde ao modo de ordem, que na interioridade se refere à permanência e na exterioridade à regularidade.

A experiência é um processo cognitivo de signos, que corresponde à categoria da terceiridade, mas o elemento mais proeminente desse processo de terceiridade são as relações referenciais da terceiridade e da segundidade, que são expressas na nossa experiência de reação dual em nossa mente cognitiva, e nessa dualidade reconhecemos os objetos representados. Para a ciência, os fatos não podem ser olhados de forma atômica e não relacionada, eles devem ser passíveis de generalização, devem ser vistos dentro de um sistema (CP 1.424 de 1896), onde são relacionados e agrupados de acordo com leis gerais, porque um verdadeiro continuum não pode ser esgotado por nenhuma multiplicidade de particulares. A verdadeira generalidade é de fato continuidade.

Ora, se a força da experiência fosse mera compulsão cega, e, se fôssemos estranhos absolutos no mundo, então, mais uma vez, poderíamos pensar apenas para aprazer a nós mesmos;

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porque, neste caso, nunca poderíamos fazer com que nossos pensamentos se conformassem a essa mera Segundidade. Mas a verdade é que há uma Terceiridade na experiência, um elemento de Racionalidade, em relação ao qual podemos exercitar nossa própria razão a fim de que ela se lhe adeqüe cada vez mais. Se não fosse esse o caso, não poderia existir algo como um bem ou mal lógicos, e, portanto não precisaríamos esperar até ser provado que há uma razão operativa na experiência, da qual nossa própria razão pode aproximar-se. Deveríamos, ao mesmo tempo, esperar que isto assim seja, porquanto nessa esperança reside a única possibilidade de todo conhecimento. (CP 5.160 de 1903)

Fatos atômicos isolados são apenas exemplos de pura segundidade e como tal não podem ser conhecidos ou interpretados, isto é, seriam as “coisas-em-si-mesmas” incognoscíveis kantianas e, em resumo, não teriam para nós nenhuma realidade. Para explicá-los, Peirce propõe a doutrina do sinequismo (continuidade), pressupondo que tudo o que é último é inexplicável, porque a continuidade é a ausência de partes últimas nas quais algo seja divisível (CP 6.173 de 1901), e a única forma sob a qual qualquer coisa pode ser inteligível é a forma da generalidade, que é o mesmo que continuidade.

Obviamente esse princípio repousa sobre a metafísica e a ontologia, porque para Peirce a “metafísica consiste no resultado da aceitação absoluta dos princípios lógicos, não meramente como regulativamente válidos, mas como verdades do ser” (CP 1.487 de 1896). O sinequismo “está fundado na noção de coalescência, o vir a ser contínuo, o vir a ser fundado em leis, o vir a ser instinto com idéias gerais, são apenas fases do e mesmo processo do crescimento da razoabilidade, isto é mostrado com exatitude matemática pela lógica e então inferido metafisicamente” (CP 5.4 de 1903).

No que tange à dupla objeção do título, primeiro darei uma olhada no ramo dele que descansa sobre a idéia de que a concepção de ação inclui a noção de lei ou uniformidade, ou seja, que falar sobre uma reação independente de qualquer coisa, a não ser dos dois objetos individuas reagindo, é um absurdo. A isso eu deveria dizer que uma lei da natureza abandonada a si própria seria bastante análogo a uma corte sem um xerife. A corte nessa situação difícil poderá provavelmente induzir algum cidadão para atuar como xerife; mas até que ela tenha conseguido um funcionário que, diferente dela própria, não poderia falar com autoridade, mas que poderia aplicar a força, sua lei poderia ser a

Generalizar, difundir sistemas contínuos no pensamento, no senti-mento, nos atos, é a verdadeira finalidade

da vida. (Peirce)

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perfeição da razão humana, mas permaneceria mero fogo de artifício, brutum fulmen. (CP 5.48 de 1903)

Hausman (1993:14), reforça esta idéia afirmando que um geral não pode ser pensado sem um telos, com respeito a ser um hábito, um terceiro, o geral é aquilo que é devido a sua influência em instâncias futuras, ou seja, aquilo que é verdadeiramente real está ligado obrigatoriamente à idéia geral que ele representa.

Podemos, então, confiar no raciocínio? Esta questão pode ter um de dois significados, pode ser uma procura de certeza do raciocínio em particular ou qual é a certeza última da verdade da conclusão de qualquer raciocínio? Para Peirce a resposta deve ser da natureza de uma fé, fé esta que deve se relacionar ao caráter geral do Universo ao qual o raciocínio se relaciona:

[...] e deve ser em substância que o universo seja governado por uma razão ativa correspondente àquele aplicado no ato da inferência. Se o objeto imediatamente diante da mente é o objeto real ou não, parece ser uma questão da qual é difícil extrair qualquer significado claro, mas é bastante seguro que nenhum pensamento sobre ele modificará o objeto Real, uma vez que é precisamente isso o que se quer significar ao chamá-lo Real. Às vezes é um objeto moldado pelo pensamento - do qual a verdadeira última frase produz um exemplo; mas, na medida em que é Real, não é modificado por pensar nele. Agora, quando pensado, o objeto diante da mente está sob o controle do pensador e é sempre modificado pela ação de sua vontade. (MS 634:9 de 1909).

Mas o realismo não diz respeito somente à realidade do mundo externo, mas pode ser resumido numa pergunta feita por Peirce em “Logic of 1873”, isto é, “se correspondendo a nossos pensamentos, sensações e representadas em algum sentido por eles, haveria realidades, que não só são independentes do meu, do seu pensamento e do pensamento de qualquer um, mas seriam independentes do pensamento em geral?” E a resposta para esta pergunta está na noção de opinião final:

A opinião objetiva final é independente do pensamento de qualquer homem em particular mas não é independente do pensamento em geral, o que equivale a dizer que, se não houvesse pensamento não haveria opinião e, portanto, nenhuma opinião final. (CP 7.336 de 1873).

A extraordinária a disposição da mente humana para pensar acerca de tudo através da difícil e quase incompre-ensível forma de um continuum apenas pode ser explicada supondo que cada um de nós é na sua natureza real um continuum. (Peirce)

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No âmago dessa questão está outra: se a generalidade ou a racionalidade ou o modo de ser das leis ou a terceiridade são reais. Se não forem reais, o mundo não exibe qualquer estrutura que seja inteligível, o universo não vai se revelar no decurso da investigação científica, mas sim, vai se apresentar apenas como um quebra–cabeças para o qual nós daremos ordem. Mas se forem reais, então haverá a possibilidade de descobrirmos a ordem e a racionalidade do universo, “um fragmento do pensamento divino“, conhecer os desígnios do “geômetra divino”.

Para Peirce, a posição nominalista é inconsistente tomando-se em consideração vários aspectos. O primeiro se refere às qualidades não serem reais, a menos que sejam realmente percebidas. Mas o que é uma qualidade? Uma qualidade é uma mera potencialidade abstrata. Para o nominalista aquilo que é potencial ou possível não é nada, a não ser o que o atual faz, mas para Peirce é “impossível assegurar que uma qualidade somente existe quando for realmente inerente em um corpo”, qualidade está ligada à idéia de um “fenômeno parcial considerado como mônada” (CP 1.429–30 de 1896), significando que na concepção de qualidade estão implicadas a talidade, unidade e a realidade da primeiridade.

O segundo aspecto a ser considerado está relacionado aos perceptos estarem sujeitos a determinadas leis. Para Peirce, se os perceptos não fossem matéria de lei, as nossa idéias seriam uma questão para indiferença. Poderia ser conveniente agir e pensar de acordo com regra, mas um conjunto de regras seria superior a outro só convenientemente ocorrido”. Mesmo “um homem cândido” acredita que os fenômenos são regulares, isto é, são governados por leis gerais, e sendo assim são passíveis de predicação pelo raciocínio. (CP 2.149 de 1902).

O terceiro aspecto diz respeito à realidade dos possíveis. Um possível para um nominalista é simplesmente uma função de nossa ignorância quanto a fazermos uma dada suposição, mas para Peirce não é uma questão de ignorância desde que nada está envolvido a não ser pura hipótese. Os nominalistas consideram os contigentes futuros de Aristóteles como realmente um absurdo, um determinado evento ou acontecerá ou não acontecerá. Não há nada agora na existência para constituir a verdade deste ser acontecer ou não acontecer, exceto certas circunstâncias para as quais, somente uma lei ou uma uniformidade podem levar com eficácia, mas para o nominalista aquela lei não tem ser real, é apenas uma representação mental. Entretanto, se admitirmos que a lei tem um ser real, não do modo do ser de um indivíduo, mas ainda mais real, “então o futuro necessariamente conseqüente de um presente estado de

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coisas será tão real e verdadeiro quanto aquele próprio estado de coisas presente”. (CP 6.367-368 de 1898).

Assim mesmo, deixe uma lei da natureza-- digamos a lei da gravidade - permanecer uma mera uniformidade -- uma mera fórmula estabelecendo a relação entre os termos - e o que no mundo induziria uma pedra, que não é um termo nem um conceito, mas só uma coisa simples, a atuar em conformidade com essa uniformidade? Todas as outras pedras podem ter feito assim, e esta pedra também em ocasiões anteriores, e quebraria a uniformidade se não for fazer assim agora. Mas, e daí? Não tem sentido tentar de fazer raciocinar a uma pedra. Ela é surda e não pensa. Eu deveria perguntar a quem objeta se ele é um nominalista ou um realista escolástico. (CP 5.48 de 1903)

Há ainda um quarto aspecto: para o nominalista não existe conexão entre coisas individuais. Um nominalista define ação como uma noção de lei ou de uniformidade, contra o que Peirce argumenta que “uma lei da natureza abandonada a si própria é muito parecida com um tribunal sem juiz”. Suponhamos que uma lei da natureza, por exemplo, a lei da gravidade permaneça mera uniformidade, mera fórmula estabelecendo uma relação entre termos - o que no mundo induziria uma pedra, que não é um termo, nem um conceito, mas só uma coisa, a agir em conformidade com tal uniformidade? Todas as outras pedras o fizeram e esta também em outras ocasiões e seria quebrar a uniformidade não fazer isso agora. Mas o que fazer? Não adianta falar de razão com uma pedra, ela é surda e desprovida de razão. O nominalista diria que leis são meramente gerais, fórmulas relacionando meros termos. Se for realista, uma lei da natureza pode ser vista como um tipo de esse in futuro, que tem uma realidade presente que consiste no fato de que os eventos acontecerão de acordo com a formulação daquela lei.

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Se ele é um nominalista, ele sustenta de que as leis são meros gerais, isto é, fórmulas relacionadas a meros termos; um bom senso comum deveria forçá-lo a reconhecer de que há ligações reais entre coisas individuais independentes de meras fórmulas. Assim, no sentido desta categoria, qualquer que seja a ligação real entre coisas individuais implica em uma reação entre elas. O objetante, porém, pode encalhar de alguma maneira confessando-se um realista escolástico sustentando de que os gerais podem ser reais. Uma lei da natureza, então, será vista por ele como tendo uma espécie de esse in futuro. I.e., eles terão uma realidade presente que consiste no fato de que os eventos acontecerão de acordo com a formulação dessas leis. Pareceria fútil da minha parte tentar de responder a isso quando, por exemplo, eu faço um grande esforço para levantar um peso pesado e tal vez eu não seja capaz de mexer ele do chão, há realmente uma luta nesta ocasião, independente do que acontece em outras ocasiões; porque o objector simplesmente admitiria

que em tal ocasião eu tenho uma qualidade de

sentir, que eu chamo um sentido do esforço, mas que ele alegaria enfaticamente que a única coisa que faz com que esta designação é apropriada ao sentir, é a regularidade de ligação entre este sentir e certas ações de matéria.(CP 5.48 de 1903)

Nós experimentamos elementos de todas as três categorias da cognição, mas os elementos de Segundidade têm mais intensidade e são mais vividos porque as exigências práticas da vida tornam a Segundidade mais proeminente, porque não é uma concepção nem uma qualidade peculiar, é uma experiência que se manifesta. A característica mais simples comum à segunda categoria é o elemento de luta.

Para Peirce, no que tange ao elemento de luta, não há diferença entre o agente e o paciente. É o resultado que decide (CP 5.45). A Segundidade é aquilo que experienciamos quando nossa vontade encontra resistência ou quando algo se impõe aos nossos sentidos. O exemplo a seguir torna ainda mais claras as características da Segundidade:

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Se de repente, enquanto você estiver caminhando tranqüilamente ao longo da calçada, um homem carregando uma escada lhe bate atrás da cabeça e continua caminhando sem perceber o que ele fez, sua impressão provavelmente será de que ele lhe bateu com muita violência e que você não ofereceu a mínima resistência; apesar de que, de fato, você deve ter resistido com uma força igual a aquela do golpe. Com certeza, deve-se entender que eu não estou usando força no sentido moderno de uma força em movimento, mas no sentido da ação de Newton; mas eu devo advertir-lhes que eu não disponho de tempo como para perceber essas significâncias. Da mesma maneira, se repentinamente no meio de uma profunda escuridão aparecer um relâmpago, você está pronto a admitir que você recebeu um choque e que agiu sobre você, mas você poderá estar inclinado a negar que você reagiu. Certamente você assim o fez, porém, e está consciente de ter feito assim. A sensação de choque é tanto uma sensação de resistência como de que algo agiu sobre você. Acontece assim quando alguma coisa atinge os sentidos. A excitação externa consegue produzir seus efeitos sobre você, enquanto você a sua vez não produz nenhum efeito discernível sobre ela; e conseqüentemente, você a chama de agente, e ignora sua parte na reação. Por outro lado, quando observamos uma demonstração geométrica, se você desenhar a figura na sua imaginação no lugar de fazê-lo no papel, é muito fácil acrescentar a sua imagem qualquer linha subsidiária desejada, ao ponto, de lhe parecer que você agiu sobre a imagem sem que a imagem tenha oferecido qualquer resistência. Porém, que isso não é assim, é facilmente demonstrável. Porque, a não ser que essa imagem tenha tido um certo poder de persistir tal como ela é e de resistir à metamorfose, e se você não for sensível à força de persistência que ela tem, você nunca poderia estar seguro de que a construção com a qual você está lidando numa etapa da demonstração, era a mesma que você tinha em mente numa etapa anterior.(CP 5.45 de 1903)

A questão reside em o que é o fenômeno. Não temos nenhuma pretensão vã de irmos além dos fenômenos. Simplesmente pergun-tamos, qual é o conteúdo do percepto? Todos deveriam ser capazes de responder a isso por eles mesmos. Examine o percepto no caso particular no qual aparece como surpresa. Sua mente estava cheia [com] um objeto imaginário que era esperado. No momento no qual ele era aguardado, a vividez da representação é exal-tada, e de repente, quando deveria chegar, algo bastante diferente vem em seu lugar. Eu lhe pergunto se nesse momento de surpresa não há uma dupla consciência de um lado de um Ego, que é simplesmente a idéia esperada, repentina-mente separada de outro lado do Não-Ego, que é o estranho invasor, em sua aparição abrupta. (CP 5.53 de 1903)

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Peirce também argumenta que a principal distinção entre os mundos interno e externo reside no fato de que os objetos internos prontamente adotam qualquer modificação que desejemos, no entanto, os objetos externos são fatos difíceis que nenhum homem consegue fazer diferente do que eles são. Qualquer pessoa sã vive em um duplo mundo, o mundo externo e o mundo interno, o mundo dos perceptos e o mundo das fantasias. Mas esta distinção é “tão somente relativa”. Os objetos internos oferecem um certo grau de resistência e os objetos externos são suscetíveis de serem modificados em alguma medida por meio de bastante pressão, direcionada de maneira inteligente (CP 5.45 de 1903). Mas, precisamente como é que acontece a ação de experiência, pergunta Peirce ?

Ela acontece por meio de uma série de surpresas. Não há necessidade de entrar em detalhes. Em algum momento uma embarcação está navegando nas águas de um mar calmo e o navegador não tendo nenhuma expectativa a não ser aquela da monotonia usual de tal viagem, quando de repente, a embarcação bate numa roca. A maioria das descobertas, porém, foi resultado de experimentação. Ora, nenhum homem faz um experimento sem estar mais ou menos inclinado a pensar que será obtido um resultado interessante; uma vez que os experimentos requerem muita energia física e psíquica, eles têm um custo físico e psíquico muito elevado para serem feitos aleatoriamente e sem algum alvo. E naturalmente não é possível aprender nada de um experimento que resulta exatamente como fora antecipado. É através de surpresas que a experiência ensina tudo o que ela concede ensinar-nos. (CP 5.51 de 1903)

A experiência está conectada e assimilada ao conhecimento que temos e, assim, recebe uma interpretação ou uma teoria. Interpretação está ligada à experiência e experiência é aprendizado. Peirce desejava mostrar que a experiência de dualidade de ação e reação é direta, mas é independente de nossa deliberação e não pode ser criticamente inferida a partir de nossas cognições prévias, e para demonstrá-lo, teve que provar que a experiência perceptual não esta sob nosso controle. Através da experiência perceptual de dualidade entre as nossas expectativas e os objetos, podemos conhecer a relação indireta entre os homens e os objetos externos.

O próprio fenômeno da surpresa é altamente instrutivo em relação a esta categoria, pela ênfase que ele coloca sobre um modo de consciência, o qual pode ser detectado em todas as percepções, a saber, uma dupla consciência ao mesmo tempo de um ego e de um não-ego, agindo diretamente o um sobre o outro. Entenda-me bem. O meu apelo é para a observação-a observação que cada um de vocês deve fazer

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por si mesmo. (CP 5.52 de 1903)

Assim, a existência como elemento da Segundidade é o modo de ser do que é externo, independente do pensamento. A reação experimentada pela consciência, que é reação direta, comprova que há uma realidade externa.

Embora em toda experiência direta de reação, um ego, algo interno seja um membro do para, ainda atribuímos reações a objetos fora de nós, quando dizemos que uma coisa existe, queremos dizer, na verdade, que reage com outras coisas. Que estamos transferindo a isto nossa experiência direta de reação, é mostrado por nossa afirmação de que uma coisa age sobre outra. É nossa hipótese explicar o fenômeno – uma hipótese semelhante ao trabalho da hipótese de uma investigação científica, embora não possamos acreditar ser ela completamente verdadeira, é útil em capacitar-nos a conceber o que acontece. (CP 7.534 s.d.)

A experiência de Segundidade é vivência imediata e particular, mas se ela aparecer como um campo de reações uniformes, pode ser apreendida como signo. Assim, com a inclusão da generalidade da Terceiridade, a noção de realidade se completa, porque é a forma como os particulares podem ser pensados.

A outra dúvida é se a idéia de Luta é um elemento simples e irresoluto do fenômeno; e em oposição ao fato de isto ser assim, duas partes contrárias estabelecerão uma certa [aliança], sem observar o quanto eles são diferentes entre si. Uma de estas partes estará composta desses filósofos que se conhecem por desejarem reduzir tudo no fenômeno às qualidades do sentimento. Eles aparecerão na arena da psicologia e declararão que de maneira nenhuma há uma coisa assim como um sentido específico de esforço. Não há nada, eles dirão, mas do que sentimentos excitados sob contração muscular, sentimentos, os quais eles podem ou não, estarem dispostos a dizer, que têm suas excitações imediatas dentro dos músculos. A outra parte estará composta desses filósofos que dizem que pode haver somente um e tão somente um elemento absoluto e irredutível, e uma vez que Nous é o tal elemento, Nous é realmente a única idéia profundamente clara que há. Estes filósofos tomarão uma espécie de posição pragmática. Eles manterão que dizendo que, se uma coisa atua sobre uma outra, a única coisa que pode ser entendida é que há uma lei de acordo com a qual, sob todas as circunstâncias de uma certa descrição geral, resultará um certo fenômeno; e, desse modo, falar de uma coisa agindo sob uma outra hic et nunc independente de uniformidade,

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independente do que acontecerá em cada ocasião, é um simples absurdo.(CP 5.56 de 1903)

Para Silveira (2002:110), na concepção dialógica de representação, Peirce torna mais evidente sua posição realista quando argumenta com base no princípio de que se o conhecimento é generalizante, isso decorre da própria realidade conhecida ser dotada de generalidade. E sendo o sinequismo um pressuposto semiótico, “só se sustentará se a própria realidade ontologicamente considerada for de natureza geral e contínua”.

Nesse ponto, voltaremos nossa atenção para a teoria da percepção. Para Peirce não há pensamento sem percepção. Todo pensamento em algum momento nasceu da percepção e é por ela continuamente transformado. A teoria do pensamento-signo implica na continuidade, na semiose, na Terceiridade porque todo pensamento ou representação cognitiva é um signo. Todo raciocínio e todo pensamento se dá em signos e, o signo peirceano constitui uma relação triádica complexa envolvendo o signo, objeto e o interpretante. O signo precisa em certo sentido ser percebido antes de funcionar como signo ao ser mesclado com uma idéia pré existente, ou conceito ou tendência para ação, qualquer que seja o interpretante. De acordo com Peirce, só a percepção pode modificar nossos hábitos. Nós só pensamos através dos signos e os signos são recebidos pela percepção. Assim, sendo o signo alguma coisa que representa qualquer outra coisa para um possível intérprete, há necessidade do interprete porque senão o signo não produziria outro signo.

Segundo Houser, na “Introdução do Essential Peirce, vol II”, a análise de Peirce da relação sígnica como fundamentalmente triádica constitui um elemento muito importante. A insistência de que cada interpretante está relacionado a seu objeto através da mediação de um signo, constitui uma negação da intuição; porque a intuição requer uma relação diádica direta entre um interpretante e seu objeto - de alguma maneira simplesmente conhecemos algo sobre um objeto (uma pessoa, uma situação, seja o que for) sem a intervenção de um signo. Não há nenhuma razão consistente para supor que temos tal faculdade, como Peirce argumentou em seu primeiro trabalho de sua série sobre cognição. Mas ainda, em um sentido diferente, Peirce nos dá uma teoria obrigatória de intuição. Com um apelo à abdução e a sua crença de que estamos em harmonia com a natureza por séculos de desenvolvimento evolucionário - de maneira que somos reais corporificações de princípios naturais - Peirce, dando continuidade às idéias de seu pai, argumenta que temos uma inclinação natural para a verdade, a tendência de adivinhar

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corretamente. Mas este é um tipo semiótico de intuição que se refere ao signo triádico peirceano.

Como é que um objeto determina seu interpretante através da mediação de um signo? De acordo a Peirce, o objeto dinâmico, o objeto realmente eficiente mas imediatamente presente, é o objeto que de alguma maneira determina o signo e através do signo imediatamente determina um interpretante. Mas como pode um objeto que é externo ao signo (o objeto imediato é o objeto interno) ser uma força determinante na formação do interpretante? É importante observar que isto significa perguntar como os objetos (ou o mundo externo) podem determinar a mente. Cada signo representa um objeto (de uma maneira ou de outra) para o interpretante. O interpretante é, ou ajuda a formar, um hábito que "guia" nossas ações futuras (e presentes), ou pensamento em relação ao objeto em questão.

Parece que a causa de alguns filósofos rejeitarem a teoria peirceana se deve a uma certa falta de entendimento da distinção entre o objeto imediato e o objeto dinâmico. Putnan (1987:43) claramente expressa isso, dizendo que para o realismo interno os “makers true” e os “makers verified” de nossas crenças estão dentro e não fora de nosso sistema conceitual.

Peirce criticava a visão idealista de que nós só podemos conhecer aquilo que está imediatamente presente à mente. Sua resposta está na teoria da cognição, ou seja, todas as; a resposta de Peirce está na sua teoria da cognição: todas as operações de signos são interpretações de um signo para outro.

Um signo repre-senta algo para a idéia que ele produz, ou modifica. Ou, é um veículo que transporta para a mente algo de fora. Aquilo no lugar do que está, é chamado seu objeto; aquilo que ele carrega, seu significado; e a idéia a qual ele faz surgir, seu interpretante. O objeto de representação não pode ser outra coisa que uma representação, cuja primeira interpretação é o interpretante. Mas uma série infinita de representações, cada uma representando aquela que está atrás dela, pode ser concebida como tendo um objeto absoluto como seu limite. O significado de uma representação não pode ser outra coisa que uma representação. De fato, não é outra coisa que a própria representação concebida como despida de vestes irrelevantes. Mas estas vestes não podem jamais ser totalmente despidas; somente são mudadas por algo mais diáfano. Assim, aqui há uma regressão infinita. Por fim, o interpretante não é outra coisa que outra representação, à qual é entregue a tocha da verdade; e como representação, ela tem novamente seu interpretante... outra série infinita (CP 1.339, c. 1897)

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O que Peirce mostra é que quanto mais tentamos nos aproximar do objeto dinâmico mais mediações vão surgindo. O único recurso é “ir mudando a roupagem da representação por outra mais diáfana” embora haja um limite, “uma realidade última, como um zero de temperatura”, realidade essa que dada a natureza das coisas só pode ser aproximada, representada. (MS 599, apud Santaella, 1993:88). O que pode ser completado com outra explicação de Peirce para a noção de signo:

Defino um Signo como qualquer coisa que de um lado é assim determinado por um Objeto e, de outro, assim determina uma idéia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino o Interpretante do signo, é desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação triádica com seu Objeto e com seu Interpretante. Mas é necessário distinguir o Objeto Imediato, ou o Objeto como o Signo o representa, do Objeto Dinâmico, ou realmente eficiente, mas não Objeto imediatamente presente”.(CP 8.343) .

Aqui é interessante enfatizar o choque entre o Ego e o não-Ego, a insistência do mundo real, identificando o rompimento do hábito, mas apesar dessa experiência de choque, surpresas, para haver conhecimento há necessidade de que essa experiência seja submetida a uma fórmula geral.

Continuando Peirce argumenta:

Tente, então, a outra alternativa, que é por percepção direta, i.e., é em um julgamento perceptivo direto, que um homem sabe que está surpreso. O juízo perceptivo, contudo, certamente não representa que é ele mesmo que pregou uma peça em si próprio. Um homem não pode estremecer pulando com uma exclamação Uuuh/Bu! Nem poderia o julgamento perceptivo ter representado qualquer coisa tão fora do comum. O julgamento perceptivo, assim, somente pode ser aquilo que é o Não-Ego, algo sobre,

Quando um homem fica surpreso, ele sabe que está surpreso. Então temos um dilema. Ele sabe que ele está sur-preso por percepção direta ou por inferência? Primeiro tente a hipótese de que é por inferência. Esta teoria seria que uma pessoa (que deveria ser idosa o bastante para ter adquirido auto-consciên-cia) ao ficar consciente dessa quali-dade peculiar de sentir, que sem lugar a dúvidas pertence a toda surpresa, é induzida por alguma razão a atribuir este sentimento a si próprio. É, contudo, um fato patente que nós nunca, em primeira instância, atribuímos uma Qualidade do Sentir a nos mesmos. Primeiro o atribuímos ao Não-Ego e somente chegamos a atribuí-lo a nos mesmos quando razões irresis-tíveis nos obrigam a assim fazê-lo. Portanto, a teoria deveria ser que o homem pronunciasse primeiro o objeto surpre-endente um milagre, e após refletir, se convencer de que é só uma maravilha no sentido de que está surpreso.

Essa deveria ser a teoria.

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contra o Ego e caindo sobre ele, surpreendeu-o. Mas se isso for assim, esta percepção direta apresenta um Ego ao qual pertencia a expectativa esmagada, e o Não-Ego, o homem mais triste e sábio, ao qual pertence o novo fenômeno. (CP 5.58)

Para Peirce, são três os elementos da percepção: o percepto, o percipuum e o julgamento perceptivo. A teoria da percepção de Peirce, por ser triádica, constitui uma tentativa de romper a dicotomia do sujeito que percebe e o objeto que é percebido. Mas a percepção embora tenha uma lógica triádica, está sob o domínio da segundidade, dada a relação entre percepção e ação. Na percepção o sujeito é passivo, na ação é ativo. A percepção está sob o signo da segundidade, quando percebemos algo, estamos inteirados de que uma dualidade, na qual há algo que resiste contra nós, pois o perceber é algo externo ao percebedor.

Haack (1994:10) afirma que a teoria de Peirce é uma tentativa muito feliz “para escapar dos confins da falsa dicotomia e apreender o meio campo." Assim, a dicotomia entre o realismo típico e o inferencialismo está superada pela distinção de Peirce entre o julgamento perceptivo, a crença que acompanha a experiência perceptiva, e o percepto, o aspecto fenomenal, interativo de uma experiência perceptivo.

A percepção é um processo no qual nós sofremos a ação do percepto, aquilo que se apresenta à percepção para o sujeito. De acordo com Peirce, só a percepção pode modificar nossos hábitos.que se apresenta à percepção para o sujeito. Já em 1885, Peirce comentava:

O erro capital de Hegel, que permeia todo o seu sistema em cada uma de suas partes, é de que ele ignora o Choque Externo quase por completo. Além da consciência inferior do sentimento e da superior, da nutrição, esta consciência direta de bater e ser batido penetra toda cognição e serve para fazer que queira significar algo real. É a lógica formal que nos ensina isto; não aquela de um Whateley ou de um Jevons,

Mas está em conflito com os fatos que são, que um homem está mais ou menos plácida-mente esperando um resultado, e de repente encontra algo em com-traste com aquilo, se forçando sobre seu reconhecimento. Assim, uma dualidade se impõe sobre ele: de um lado, sua expec-tativa, que ele tinha atribuído à Natureza, mas à qual agora ele é obrigado a atribuir a algum mero mundo interior, e por outro lado, um forte fenomeno novo que empilha essa expec-tativa para o fundo e ocupa o lugar dela. A velha expectativa, que é aquela com a qual ele estava famíliarizado, em seu mundo interior, ou Ego. O novo fenomeno, o estranho, é do mundo externo ou Não-Ego. Ele não conclui de que ele deve estar sur-preso porque o objeto é tão Maravilhoso. Mas pelo contrário, é pela dualidade que se apresenta como tal que ele [é] conduzido por generalização a uma concepção de uma qualidade do maravi-lhoso. (CP 5.57).

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mas lógica formal em seu novo desenvolvimento, extraindo nutrientes da psicologia e da história sem abandonar a sólida base das formas lógica. (CP 8.41 de 1885 )

Para Peirce, o conhecimento começa pela porta da percepção, isto é, pelo trabalho da mente face ao mundo externo e o choque externo como forma de segundidade seria nosso meio de acesso à realidade, assim, o real que é objeto de nossas investigações somente pode ser encontrado através da percepção (Hookway, 1985: 151).

O conhecimento tem início com o percepto, que é o objeto percebido num único ato de perceber. É impossível relatar através de auto-observação, o que acontece no ato de percepção. Posso testemunhar, como qualquer outro homem poderia que em meu estado desperto há um fluxo ininterrupto ou percepção, ou, como deveria talvez acreditar, uma sucessão tão rápida de espasmos de percepção, que o efeito em minha distinta consciência (que é limitada tanto ao meu sentimento quanto posso absolutamente controlar) é o de um fluxo contínuo. (HP: 803-851)

No entanto, o conhecimento não se esgota na percepção, pois o conhecimento visa o futuro, porque ele tem como objetivo antecipar as características da experiência futura e o processo cognitivo que se segue tem como fim o estabelecimento de uma regra ou um hábito. Mas a continuidade do pensamento é rompida pelo percepto:

Por isso, meu único modo de descrever uma percepção é considerar uma delas, distinta das outras, por sua superior vivacidade. Suporei que, antes da percepção, minhas ideais estiveram passando numa sucessão controlada, principalmente pelas suas próprias afinidades naturais e pelos hábitos de pensamento, que cresceram conforme minhas experiências.(HP: 803-851)

Segundo Peirce, com a experiência, o percepto agride nossos sentidos rompendo o estado habitual e,

[...] de repente, num momento, caracterizado por um forte sentido de agoricidade, no qual pareço detectar algo, correspondendo a uma indivisibilidade e a um isolamento deste agora, (embora isso possa ser ilusório), experimento uma força compulsiva

Isto é porque eles tanto descuidam o Choque Externo que não sabem o que é a experiência. São como Roger Bacon, que após afirmar em termos eloqüentes que todo conhecimento vem da experiência, continua mencionando que a iluminação espiritual das alturas como uma das mais valiosas classes de expe-riências. (CP 8.42 de 1885)

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(significando, por isso, um sentido de resistência), e uma mudança de meus hábitos de sentimento é provocada, imediatamente, por uma imagem presente, de extraordinário detalhe e positividade. Uma vez que (dentro de limites) o órgão de sentido está sob as mesmas excitações, o sentido de compulsão continua junto com a imagem. Quando o percepto me deixa, resta um hábito imaginativo, chamado memória do percepto. (HP: 803-851)

Os perceptos não são conhecimento, mas são seu ponto de partida, num processo em que muitos perceptos e possibilidades de perceptos são elaborados em proposições. Além dos perceptos há outros elementos do conhecimento, que se assemelham a perceptos, ao serem imagens concretas, mas que não são tão insistentes nem tão definidas. Em 1905, no manuscrito (R 939), Peirce diz que um percepto se assemelha a uma fotografia que se move acompanhada de sons e outras sensações. A partir da observação predomina o efeito do mundo exterior, ação e reação. Quando a ação é suspensa permanece um “habito imaginativo”, mas embora o percepto seja um evento singular, aqui e agora, a memória parece incorporar as características dos perceptos.

Você ainda menciona que há uma tal coisa como o conhecimento. Sua opinião de que há qualquer uso em lógica trai essa opinião. Para você, o não-ego não é uma coisa desconhecida em si mesma. Como o argumento de realidade acima é de que ela é experimentada, o mesmo argumento lhe obriga a admitir de que há conhecimento; pelo que este ramo desta segunda questão não precisa de maior atenção. Mas seria bom de observar vagamente em que sentido este argumento lhe obriga a admitir a existência de conhecimento.(CP 2.140 de 1902 )

Mas o conhecimento que somos obrigados a admitir é aquele conhecimento, que é diretamente forçado sobre nós, e onde não há crítica. Por exemplo:

[...] aqui eu estou sentado na minha mesa com o meu tinteiro e papel na minha frente, a minha pena na minha mão, a minha lâmpada ao meu lado. Pode ser que tudo isto seja um sonho. Mas se é assim, havendo esse sonho, há conhecimento. Mas aguarde: o que eu tenho anotado é somente uma descrição imperfeita do percepto que forçado sobre mim. Eu me atrevi a colocá-lo em palavras. Nisto tem havido um empenho, um propósito - algo que não me foi imposto, mas antes é o produto da reflexão. Eu não fui forçado a esta reflexão. Eu não podia ter desejado descrever o que eu vejo, sinto, e ouso, do jeito que eu o vejo, sinto, e ouso. Não somente que eu não poderia vê-lo no papel, mas eu não

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poderia ter nenhum tipo de pensamento adequado ou alguma forma para isso. (CP 2.141)

Mas um conjunto de perceptos produz um quadro de um universo perceptivo. Sem reflexão, esse universo pode ser considerado como causa de tais objetos, como são representados em um percepto. Apesar de vago, seu objeto é o resultado da ação do universo sobre o quem percebe:

Centenas de perceptos têm seguido uma após outra, enquanto eu escrevia estas frases. Eu reconheço que há um percepto ou um fluxo de perceptos muito diferente de qualquer coisa que eu possa descrever ou pensar. O que isso é exatamente eu não posso mesmo responder a mim mesmo. Teria ido embora, muito antes de que eu poderia ter me dito muitos assuntos; e esses assuntos seriam bem diferentes dos próprios perceptos. Neste pensamento sempre haveria esforço ou empenho. Qualquer que for o produto de esforço, poderá ser suprimido pelo esforço, e, em conseqüência, é sujeito a um erro possível. Eu sou forçado a contentar-me não com os perceptos fugazes, mas com os pensamentos crús e possivelmente errados, ou auto informações, do que foram os perceptos. A ciência da psicologia me assegura de que os verdadeiros perceptos foram construções mentais, e não as primeiras impressões de sentido. Mas o que as primeiras impressões do sentido podem ter sido, eu não o sei à exceção por inferência e da maneira mais imperfeita. Praticamente, o conhecimento com o qual eu devo contentar-me, e devo chamar "a evidência de meus sentidos", em vez de ser na verdade a evidência dos sentidos, é somente uma classe de relatório estenográfico dessa evidência, possivelmente errado..(CP 2.141 de 1902)

O percepto consiste em um evento singular. Mas segundo Peirce, mesmo considerando os fatos perceptuais, ou os julgamentos imediatos que fazemos concernentes aos nossos perceptos singulares, o percepto é a realidade, mas ele não está numa forma proposicional. O julgamento mais imediatamente concernente a ele é abstrato, que, entretanto, é diferente da realidade, embora deva ser aceito como verdade para esta realidade. Sua verdade consiste no fato de que é impossível corrigi-lo, e no fato de que ele

somente professa considerar um aspecto do percepto. (CP 5.568 de 1901)

Mas eu não tenho nenhuma intenção de criticar, corrigir ou voltar a compará-los, exceto se eu puder recolher novos fatos perceptivos relacionados a novos perceptos, e com essa base poder inferir que os relatórios anteriores eram verdadeiros. Os fatos perceptivos são um relatório muito imperfeito dos perceptos; mas eu não posso ir atrás desse relatório. Com respeito ao meu retorno às primeiras impressões do sentido, como alguns lógicos me recomendam fazer, essa seria a mais quimérica das realizações.(CP 2.141 de 1902)

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Um percepto contém somente dois tipos de elementos: os de Primeiridade e os de Segundidade .(CP 7.630). O objeto imediato de todo conhecimento e de todo pensamento é, em última análise, o percepto, que bate à porta da percepção, cego, bruto, insistente. “O percepto é uma ocorrência singular que acontece aqui e agora. O percepto não pode ser generalizado sem perder seu caráter essencial. É um verdadeiro duelo entre o não ego e o ego“. (CP 2.246 de 1903) O percepto vem acompanhado de um sentido de externalidade, algo que não é você e bate à sua porta.

Tal é o percepto. Então, qual é sua contribuição lógica para o conhecimento e a crença? Isto pode ser resumido em três itens, como segue: 1º. contribui com algo positivo. (Assim, a cadeira tem suas quatro patas, assento e encosto, sua cor amarela, sua almofada verde, etc. Aprender isto é uma contribuição para o conhecimento.) 2º. obriga o percebedor a reconhecê-lo. 3º. não oferece qualquer razão por tal reconhecimento, nem tem qualquer pretensão de ser razoável.Este último ponto distingue o percepto do axioma. Eu sou um completo ateu de axiomas; mas em relação à proposição, digamos, que uma linha reta é a distância mais curta entre dois pontos, mesmo que pareça auto-evidente, parece ser razoável. É fundamentado na razão ou na natureza das coisas, ou fundamentado em algo, que se recomenda a si mesmo. O percepto, ao contrário, é completamente mudo. Age sobre nós, se impõe sobre nós; mas não recorre à razão, nem apela a nada para seu suporte.(CP 7.622 de 1903)

Os perceptos, portanto, são brutos, experiências compulsivas compostas de qualidades de sentimentos, mas Peirce espera conectar o caráter de força bruta irracional da Segundidade à dupla consciência envolvida na percepção, na experiência do percepto como outro além do sujeito. O percepto se apresenta aos sentidos. Através da percepção adquirimos informação sobre o ambiente ao nosso redor e os julgamentos que formamos são ocasionados por um contato sensorial com esses objetos, portanto

No lugar do percepto, que, embora não seja a primeira impressão de sentido, é uma construção com a qual minha vontade não tem precisamente nada a ver, e pode, assim, ser chamada apropriada-mente a "evidência de meus sentidos", a única coisa que eu levo embora comigo são os fatos perceptivos, ou a descrição do intelecto sobre as evidências dos sentidos, feita por meu empenho. Estes fatos perceptivos são completamente dife-rentes do percepto, na melhora das hipó-teses; e eles podem ser completamente não verdadeiros para o percepto. (CP 2.141 de 1902).

O percepto direto, como aparece no primeiro momento, aparece como forçado sobre nós, não tem nenhuma generalidade e, sem generalidade, não pode haver psicalidade. O percepto se força sobre nós brutalmente. Assim ele aparece sob um disfarce físico. Ele não é geral, é até anti-geral, em seu caráter como percepto, e, assim ele não aparece como psíquico. (CP 1.253 de 1902)

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uma teoria da percepção tem que explicar essa conexão: a confrontação sensorial e a interpretação conceitual do que é percebido.

O caráter sumamente originário do Percepto, fulcro irredutível de todas as representações tem a máxima extensão, pois toda determinação de seu domínio deverá se fazer a partir dele. Seu objeto deve ser compreendido como Universo, que, nos termos de Peirce, “são classes que, sendo enormemente amplas, muito promíscuas e somente conhecidas em pequena parte, não podem ser satisfatoriamente definidas e, portanto só podem ser denotadas por índices. (SILVEIRA, 2001:9)

Pode-se dizer que o processo de conhecimento tem início com o percepto ao romper com hábitos de sentimento e originando no lugar desse perceptos, imagens que, combinadas, podem se referir a uma possível experiência, envolvendo a mesma ocasião em que surgiram aqueles perceptos.

[...] em relação ao objeto direto da percepção, o percepto, é verdade que ele não possui uma realidade inteiramente desenvolvida; mas ele é a verdadeira coisa existente em si mesma, independente de um exterior à mente. Pois dizer que ela existe, significa dizer que ela reage. Ora, o percepto se força sobre mim a despeito de todo esforço direto para expulsá-lo. (L427, apud SANTAELLA, 1993: 20)

O modo como a mente apreende o fenômeno está relacionado com a teoria da percepção. Na lógica triádica da percepção, o primeiro é o aparelho sensório motor. O percipuum, que é o modo como o percepto será traduzido pelo aparelho sensório, equivale ao objeto imediato, sem o qual o percepto não seria percebido. O percepto é um segundo (ele desempenha o papel de objeto dinâmico) e o julgamento perceptivo seria um terceiro, equivalendo a uma proposição (interpretante). (Santaella, 1995:69) A sobrevivência dos seres humanos depende deste aparelho sensório motor e o percipuum é o modo como o aparelho sensório motor vai traduzir o percepto. O julgamento de percepção é instantâneo porque o percipuum é absorvido imediatamente nas malhas de nossos esquemas cerebrais, num continuum que Peirce denomina julgamento perceptivo. O percipuum é o reconhecimento do caráter do que é passado, o percepto aquilo que pensamos que lembramos, uma interpretação se força sobre nós, mas não é fornecida nenhuma razão para isso (CP 7.677 de 1903). Mas o percipuum traduz de forma adaptada, ele filtra algumas coisas, ignora outras, dependendo do sujeito, ou do tipo de aparelho sensório de cada animal ou célula.

Nada podemos saber sobre o percepto, a não ser pelo testemunho do julgamento de percepção, exceto o fato de que

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sentimos o golpe do percepto, a reação dele contra nós. Assim como vemos os conteúdos dele arranjados no objeto. Mas, no momento em que fixamos nossa mente sobre o percepto e pensamos sobre o menor detalhe dele, é o julgamento de percepção que nos diz o que nós assim percebemos. Por esta e outras razões, proponho considerar o percepto, tal como ele é imediatamente interpretado no juízo perceptivo, sob o nome de percipuum (CP 7.642 de 1903).

De acordo com Rosenthal (2001), Peirce usa o termo percipuum em dois sentidos diferentes, um amplo e um restrito, enfatizando dois sentidos correspondentes do julgamento perceptivo. O termo, percipuum, parece ter sido usado pela primeira vez por Peirce, em um manuscrito de 1903, no qual propõe considerar o percepto como ele é imediatamente interpretado no julgamento perceptivo, sob o nome de percipuum. Peirce afirma que "não há um Percipuum tão absoluto como para não estar sujeito a um possível erro".

Peirce, porém, está aqui usando o termo percipuum em seu sentido amplo, um sentido que no contexto precedente serviu o propósito de mostrar que o tempo não está formado de uma série de instantes discretos. Como Peirce explica, "o percipuum não é um evento absoluto", mas antes ocorre em um espaço de tempo que inclui memória e expectativa. Aqui Peirce está preocupado em enfatizar a continuidade de tempo ou a expansão temporal passageira no qual o percipuum olha para ambos o passado e o futuro. O que esta passagem mostra é que quando Peirce faz distinção dentro do percipuum, ele está fazendo abstração com o propósito de análise.

Por outro lado, os termos "ponecipuum," "percipuum," e "antecipuum" são usados por ele para indicar tais abstrações analíticas. O percipuum, em seu sentido abrangente, como na realidade ocorre no assim chamado presente espacial, contém vários elementos analíticos, um dos quais é o percipuum no seu sentido restrito. Embora o uso destes termos possa parecer representativo da escuridão desnecessária freqüentemente encontrada nos escritos de Peirce, sem dúvida eles esclarecerão certas posições fundamentais que seriam escurecidas ou má interpretadas pelo uso de termos epistemológicos mais tradicionais. E, portanto, para Rosenthal, sem distinguir o percipuum no seu sentido amplo e restrito, a radical transformação pragmática de Peirce de algumas concepções epistêmicas tradicionais não podem ser completamente entendidas. Toda percepção tem algo de antecipador (antecipuum) e depende da memória (ponecipuum) .

Em “Prolegomena to an Apology for Pragmatism” (4.530ff de 1905), Peirce expõe as relações entre o percepto e o julgamento perceptivo. O interpretante dinâmico do Percepto é um sema (o sema pretende representar

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alguma coisa que serve diante de qualquer propósito um substituto de um objeto do qual ele é, em algum sentido um representante ou signo, CP 4.540 de 1905) enquanto que o julgamento perceptivo é um fema, que pretende significar um signo que é equivalente a uma oração gramatical, seja ela interrogativa, imperativa ou assertiva, ou nas palavras de Peirce:

O fato de que somos conscientes de nossos Perceptos é uma teoria que me parece inquestionável; mais não é uma fato de Percepção Imediata. Um fato de Percepção Imediata não é um Percepto, não qualquer parte de um Percepto; um Percepto é um Sema, ao passo que um fato de Percepção Imediata, mais exatamente, o Julgamento Perceptivo do qual dito fato é o Interpretante Imediato, é um Fema que é o Interpretante Dinâmico direto do Percepto e do qual o Percepto é o Objeto Dinâmico, e é (como demonstra a história da psicologia) diferenciado com certa considerável dificuldade, do Objeto Imediato, embora esta distinção é sumamente significativa.(CP 4.539 de 1905)

Nesse texto Peirce indaga como é que o percepto, que é um sema, tem por interpretante dinâmico o julgamento perceptivo que é um fema? Esta pergunta pode ser traduzida da seguinte forma: como um possível determina um existente sem quebra de continuidade?

Silveira (2001) discute esta questão:

Diante da questão proposta por Peirce ao leitor sobre os raciocínios, sustentando que no caso do Percepto, um Sema pode ter como Interpretante Dinâmico um Julgamento perceptivo, isto é, um Fema, uma investigação que se inicia na tentativa de encontrar principalmente dentre os escritos do autor a resposta solicitada. Parece não ser tão difícil entender que uma inferência abdutiva original, como propõe Peirce, poderia ser responsável pro tal processo. No entanto, uma nova tarefa é proposta ao pesquisador para delinear mais precisamente o status do Sema, o Percepto deve dar conta de tal processo. A conclusão a que o texto peirceano nos permite chegar pe que diante de todo percepto, pode –se descobrir que a Mente tem como seu objeto, o Universo dos Universos, sendo cada Universo composto de Assuntos aos quais as idéias pertencentes ao Mundo Interior possam ser atribuídas. E, por fim, o objeto da Mente poderia ser identificado, de forma assintótica, ao Ideal Supremo de todo Pensamento: a Verdade.(SILVEIRA, 2001:6)

Continuando Silveira (2001:7-10) faz uma junção entre a teoria do conhecimento de Peirce e sua teoria do real. Nessa explicação, o sema como um mero substituto de um objeto do qual ele é representante somente se compara ao objeto, pois é um signo de possibilidade, e exerce sua função, exista ou não o objeto. Portanto, a percepção não pode se restringir a um

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“passar de imagens diante dos olhos”, e, por conseguinte, eminentemente icônica, porque seria ilógico que determinasse um interpretante de existência um fema. Ainda segundo Silveira, os componentes do percepto podem determinar duas espécies de interpretantes. O objeto imediato que qualquer signo tenta representar é ele próprio um signo, mas Peirce colocou muita ênfase na dominância da categoria da segundidade, da experiência viva, atual. De um lado, “até mesmo o objeto da percepção é ele mesmo um signo”, de outro lado há ênfase na segundidade que significa interação existencial: “em relação ao objeto direto da percepção, o percepto, é verdade que ele não possui uma realidade inteiramente desenvolvida, mas ele é a verdadeira coisa existente em si mesma independente de um exterior à mente”. (L 427) O que evidencia sua tendência realista, evidenciando a primazia do existente sobre o pensado.

[...] fenomenologicamente considerado e, conseqüentemente, antes de qualquer consideração de ordem analítica e conceitual, o percepto não apresenta qualquer submissão ao auto-controle: ele não pode ser abandonado à vontade, nem mesmo da memória, quem percebe está atento a uma compulsão que sobre si é exercida e tem consciência de estar sendo compelido a perceber o que percebe. (SILVEIRA, 2001: 8)

Há, portanto, dois tipos de efeitos: um de primeiridade quando o percepto nos atinge em certos momentos de disponibilidade perceptiva, estando a mente não poluída, e outro de segundidade, de surpresa ou choque, quando a mente está preenchida com uma expectativa:

Assim, dois tipos absolutamente diferentes de elementos irão compor qualquer percepto. Em primeiro lugar, estão as qualidades de sentir ou sensação, cada uma das quais é algo positivo e sui generis, sendo tal como é, independente de como ou que é qualquer coisa. Por conta desta auto suficiência, é conveniente chamá-los os elementos da "Primeiridade". No percepto, estes elementos de Primeiridade são percebidos como conectados de maneiras definidas. Um percepto visual de uma cadeira tem uma forma definida. Se ela é amarela com uma almofada verde, isso é bastante diferente de ser verde com uma almofada amarela. Este conectivos são percebidos diretamente, e a percepção de cada um deles é uma percepção ao mesmo tempo de dois objetos opostos, --uma dupla percepção. Em relação a cada uma destas conexões, uma parte do percepto aparece como o faz relativamente a uma segunda parte. Portanto, é conveniente chamá-los elementos de "Segundidade". A vividez pela qual um percepto constitui um elemento de segundidade; porque o percepto é vívido em proporção à intensidade de seu efeito sobre quem percebe. Estes elementos de segundidade trazem junto a peculiar unidade do percepto.

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Esta unidade consiste em uma dupla determinação. Porque por um lado, o percepto não contém nenhum espaço em branco, o qual ao representá-lo, somo livres de preencher como nos apraz. O que eu quero dizer será visto se nós considerarmos qualquer conhecimento que possamos ter do futuro. Eu ouvi alguém dizer que a ponte do Brooklyn cairia algum dia. A única maneira pela qual ele poderia sequer pensar que ele sabia que isso aconteceria, seria sabendo que qualquer ponte que eu fosse selecionar que fosse construída de uma certa forma, cairia. Não há tal universalidade sobre o percepto. É bastante individual. Do outro lado, a determinação do percepto é de uma classe perfeitamente explícita. Em qualquer conhecimento do passado, algo é, como se fosse, mantido em reserva. Há um vácuo que não temos liberdade de preencher, mas que a informação adicional pode preencher. Sabemos que a Esfinge foi feita por algum rei do Egito. Mas qual deles? O percepto, entretanto, ele existe completamente. Estes dois tipos de determinação, primeiro, que o percepto não brinda nenhuma classe de liberdade para alguém que possa se comprometer a representá-lo, e, segundo, que não se reserva nenhuma liberdade para si mesmo para ser de uma maneira ou de outra, uma em relação à outra, constituem aquela absoluta ausência de "classe" que é chamada de singularidade, ou unidade, do percepto, um que o torna individual e o outro positivo. O percepto é, por outro lado, total e indivisível. Ele tem partes, no sentido de que no pensamento ele pode ser separado; mas não se representa como tendo partes. Em seu modo de ser como percepto, é um todo único e completo. (CP 7.625 de 1903).

Nenhuma cognição e nenhum signo é absolutamente preciso, nem mesmo o percepto (CP 4.542 de 1905) porque todo signo guarda uma certa indeterminação com relação ao objeto representado, mantendo uma certa vagueza própria à evolução do pensamento, mas mesmo assim ele representa o objeto naquelas qualidades primordiais e que “são aquilo independentemente de qualquer outra coisa” (Silveira, 2001:11) A percepção pode falhar, mas também pode ser corrigida se houver vários tipos de acesso ao objeto, e aquilo que percebemos é o percepto. Mas, segundo Santaella (1993:90), a grande prova que Peirce apresentou a favor de seu realismo, encontra-se na evidência de que nossa percepção comete erros.

[...] penso que a percepção é o processo mais privilegiado para colocar na frente do nosso pensamento a massa dos três elementos de que somos feitos: o físico, o sensório e o cognitivo (Santaella, 1993: 90)

Almender (1970) enfatizou que há algo no mundo que não é simplesmente objeto da cognição. Existência significa reação, ora, o percepto se força sobre nós, a despeito de todo esforço direto para expulsá-lo. Assim

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sendo, ele satisfaz a definição de um existente. Ele independe da mente na medida em que seus caracteres não dependem de nossa vontade, mas é suficientemente óbvio que ele é apenas conhecido na relação com nossos órgãos.

Para Hookway (1985:170), na experiência reagimos com um indivíduo existente. O caráter diádico deste elemento da experiência surge sendo uma confrontação entre nos e algum existente com o qual nós reagimos. Assim como "sentimos" seu impacto, a presença de reação bruta na percepção, e o caráter diádico desta reação, é mostrada pela presença de um índice no julgamento perceptivo, uma expressão do fundo a cuja função pertence esta interação. Assim, o percepto só pode ser conhecido na medida em que passa pelos nossos órgãos sensoriais, o que não significa afirma que ele não exista independemente dessa mediação, ou nas palavras de Peirce:

[...] isso de modo algum contradiz sua independência, a menos que sejamos nominalistas a ponto de negar que os objetos independentes podem ser membros de pares dos quais algo é verdadeiro. Pois uma relação não é senão um fato que diz respeito a um conjunto de objetos. Que o percepto é exterior à mente é um fato, visto que, sem deixar de considerar as diferenças de pontos de vista, um observador verá uma coisa e uma câmera fotográfica mostrará a mesma coisa. (L.427, apud SANTAELLA, 2000)

Voltando nossa atenção para o julgamento perceptivo, ele é aquilo que diz o que está sendo percebido. O julgamento perceptivo tem uma estrutura proposicional, ele é uma proposição de existência determinada pelo percepto, que ele interpreta CP 5.541 de 1902). O julgamento perceptivo entra na dimensão de terceiridade. Peirce chega a dizer:“atrevo-me de fato a afirmar que toda forma geral de reunir conceitos é, em seus elementos, dada na percepção (CP 5.186 de 1903) porque o julgamento de percepção é a percepção automatizada, habitual, graças ao qual nós sobrevivemos, “apesar de sua aparente primitividade, todo percepto é o produto de processos mentais. (CP 7.624 de 1903). Mas o julgamento perceptivo é inteiramente diferente do percepto:

Se for verdade, como a minha análise faz que seja, que um percepto contém somente dois tipos de elementos, aqueles de primeiridade e aqueles de segundidade, então o grande ponto de diferença é que o julgamento perceptivo professa representar algo, e desse modo representa algo, seja verdadeira ou falsamente. Esta é uma diferença muito importante, já que a idéia de representação é essencialmente o que pode ser chamado de "Terceiridade", i.e., implica idéia de determinar uma coisa para se referir a outra. O elemento de

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segundidade no percepto consiste em que uma parte é relativa à outra. Mas o percepto se apresenta pronto, e não contém nenhuma idéia de nenhum estado das coisas sendo efetuado. Há uma rígida demonstração matemática (a qual eu não posso dar aqui) de que a idéia de Primeiridade, ou aquela de uma talidade positiva, e a idéia de Segundidade, ou aquela de que uma coisa está se referindo a outra, não pode de maneira alguma ser combinada como para produzir a idéia de uma coisa A, referindo a uma segunda, B, na precisa ação de estar se referindo a uma terceira, C. Este é o elemento de Terceiridade, ou mediação, que a concepção da representação de algo para alguém obviamente implica. Em um julgamento perceptivo a mente professa dizer ao próprio futuro da mente qual é o caráter do percepto atual. O percepto, pelo contrário, se apóia sobre suas próprias pernas e não faz afirmações de tipo nenhum (CP 7.630ff).

Assim, o percepto, embora não possa ser descrito em sua imediatez é a evidência dos sentidos, aquilo que somos obrigados a aceitar, o fato perceptual, por sua vez consiste na descrição intelectual da evidência dos sentidos, na verdade, o percepto ou os fatos perceptuais só podem ser apreendidos através de inferências, no que são marcados com a generalidade própria do pensamento (Bortolotti, 2001:183). Mas há outras diferenças, que são descritas a seguir.

Considerando o juízo, "Esta cadeira parece amarela", ele separa a cor da cadeira, fazendo de uma o predicado e da outra o sujeito. O percepto, do outro lado, apresenta a cadeira em seu conjunto e não faz análise de nenhum tipo. Assim a "singularidade" do percepto é um composto de dois modos, o primeiro consiste em que seu intérprete imparcial e total não dispõe de nenhuma liberdade, mas pelo contrário, tudo está prescrito. Mas o julgamento perceptivo 'Esta cadeira parece amarela' tem vagamente em mente várias coisas amarelas, das quais algumas foram vistas, e outras que podem ser ou poderão vir a ser vistas; e o que significa querer dizer é, 'Pegue qualquer coisa amarela que você gostar, e você verá, comparando-a com esta cadeira, que elas concordam bastante bem na cor.' Isso, na opinião de Peirce, “convida diretamente ao exercício de liberdade de escolha da parte do interpretante (qualquer coisa amarela respondendo tão bem quanto qualquer outra) uma liberdade que o percepto exclui severa e estupidamente”. (CP 7.630ff de 1903)

O outro modo de determinação do percepto consiste em que ele é perfeitamente explícito. O julgamento perceptivo enuncia “com descuido” que a cadeira é amarela. Ele não considera qual pode ser o tom, matiz e pureza particular do amarelo. O percepto, por outro lado, é tão escrupulosamente específico que faz esta cadeira diferente de qualquer outra no mundo; ou de preferência, faria assim se ele favorecesse qualquer comparação. Pode-se

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objetar que os termos do julgamento se parecem com o percepto. Considerando primeiro, o predicado, 'amarelo' no julgamento que "esta cadeira parece amarela', este predicado não é a sensação contida no percepto, porque é geral. “Ele nem mesmo se refere em particular a este percepto, mas a uma espécie de fotografia composta de todos os amarelos que foram vistos.” Assim, se ele se assemelhar ao elemento sensacional do percepto, esta semelhança consiste só no fato que o novo julgamento o predicará sobre o percepto, exatamente como o faz este julgamento. Mas ele também desperta na mente uma imaginação incluindo um elemento sensacional. Então juntando todos este fatos, segundo Peirce, vemos que não há relação entre o predicado do julgamento perceptivo e o elemento sensacional do percepto, salvo conexões forçadas. Quanto ao sujeito do julgamento perceptivo, com sujeito, ele é um signo, mas ele pertence a uma considerável classe de signos mentais sobre os quais a introspecção pode dificilmente dar alguma explicação.

De fato, o julgamento perceptivo que eu traduzi como "essa cadeira é amarela" estaria representado de maneira mais acurada assim: "é amarelo", um dedo índice apontando, tomando o lugar do sujeito. Em geral, é suficientemente claro que o julgamento perceptivo não é uma cópia, um ícone, ou diagrama do percepto, aproximado contudo. Pode ser avaliado como um grau mais elevado da operação da percepção. (CP 7.630ff de 1903)

Que tipo de julgamento é o julgamento perceptivo? Peirce compara o julgamento perceptivo às inferências abdutivas, ou seja, a forma de raciocínio pelo qual novas hipóteses são sugeridas. Os juízos perceptivos são juízos impostos em termos absolutos à nossa aceitação através de um processo no qual somos incapazes de controlar e, por conseguinte, criticar (CP 5.157 de 1903). Para Peirce os julgamentos perceptivos são o resultado de um processo não suficientemente consciente para ser controlado, ou melhor, não controlável e, portanto não plenamente consciente. Tanto o julgamento perceptivo como a abdução são igualmente falíveis, embora o, julgamento perceptivo, mesmo sendo falível é indubitável. Por outro lado, o julgamento perceptivo tem algo de insistente, compulsivo que somos obrigados a reconhecer enquanto que o abdutivo nasce em momentos mais soltos, mais lúdico, e por isso mesmo são destituídos de certeza. Daí nossas abduções devem ser submetidas à crítica, o que não acontece com os julgamentos perceptivos, pois sendo as primeiras premissas de todos os nossos raciocínios, eles não podem ser colocados em questão”.(CP 5.116 de 1903) Outra diferença, portanto, entre os juízos percetivos e as inferências abdutivas é que os primeiros não estão sujeitos à análise lógica:

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A inferência abdutiva se transforma no juízo perceptivo sem que haja uma linha clara demarcação entre eles: ou em outras palavras, nossas primeiras premissas, os juízos perceptivos, devem ser encarados como um caso extremo das inferências abdutivas, das quais diferem por estar absolutamente além de toda crítica.(Peirce, CP 5.181de 1903)

Há, portanto, em todo julgamento perceptivo um elemento hipotético e nós só percebemos aquilo que estamos preparados para interpretar (CP 5.181 de 1903), pois a percepção é interpretativa (CP 5.184 de 1903). O julgamento constitui a interpretação do percepto, que embora advenha à consciência antes do próprio julgamento, somente pode ser compreendido como um fato interpretado. O julgamento perceptivo contém elementos de generalidade que possibilitam a derivação de inferências. Como um elemento de Terceiridade, ele aponta para o futuro.

Para Ibri (2001:14) um sistema realista deverá especular sobre a generalidade contida na percepção:

[...] é este, parece-nos o grande problema peirceano no que respeita às relações entre o conteúdo empírico da percepção e o juízo perceptivo que, de natureza, deve ser geral, substancializando a inferência abdutiva. (IBRI, 2001:14)

Os fatos perceptuais são relativamente certos e constituem o único ponto de partida de nosso conhecimento sobre o mundo externo. Eles são totalmente únicos (CP 2.141 e CP 5.11 de 1907). Nós estamos sempre experienciando novos fatos perceptivos para a avalição de nossas crenças ou teorias e, a relação entre os fatos perceptivos com as teorias científicas é crucial para a evolução do conhecimento. Segundo Peirce, os processos pelos quais temos intuições sobre o mundo dependem dos julgamentos perceptivos, que permitem a dedução de proposições universais. O papel cognitivo na percepção é desempenhado pelo julgamento perceptivo, que tem as seguintes características:

existe num contínuo,

é a primeira premissa de nossos raciocínios,

contém características gerais de terceiridade , e

ele se mistura e desaparece na abdução e

contém elementos hipotéticos e portanto falíveis. O julgamento de percepção por ser um signo ocupa a posição de um primeiro, que é determinado por um objeto dinâmico que tem primazia real sobre o signo. Ele aparece e se força sobre nós, brutalmente, no sentido de que não é guiado pela razão.

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Toda a questão reside em quais são os fatos perceptivos, como aparecem em julgamentos perceptivos diretos. Por julgamento perceptivo, eu quero dizer um julgamento verificando em forma proposicional o que é um caráter de um percepto diretamente presente à mente. O próprio percepto, claro, não é um juízo, não pode um julgamento de forma alguma se assemelhar a um percepto. Eles são tão diferentes entre si como as letras impressas em um livro, onde a Madona de Murillo é descrita são diferentes do próprio quadro. (CP 5.53 e 5.54 de 1903)

O julgamento perceptivo está na mesma relação lógica com o conhecimento e a crença que o percepto embora lhe falte a força da irracionalidade deste. (CP 7.627 de 1903)

O julgamento perceptivo afirma representar o percepto. Portanto, uma defesa lógica disso deveria ser baseada, seja no percepto como uma premissa dessa defesa lógica, ou diferente, no percepto como um fato representado por tal premissa. Mas o percepto não pode ser uma premissa, já que não é uma proposição; e uma afirmação do caráter do percepto deveria se apoiar no julgamento perceptivo, em lugar de isto sobre aquilo. Assim, o julgamento perceptivo não representa logicamente o percepto. De que maneira inteligível , então, ela representa o percepto? Não pode ser uma cópia dela; porque, como se verá a continuação, não representa o percepto para nada. Há ainda uma maneira pela qual pode representar o percepto; a saber, como um índice, ou verdadeiro sintoma, assim como um cata-vento indica a direção do vento ou um termômetro a temperatura. Não há fundamento para dizer que o julgamento perceptivo é na realidade tal índice do percepto, outro que o ipse dixit do próprio julgamento perceptivo. E mesmo se for assim, o que é um índice, ou sintoma verdadeiro? É algo que, sem nenhuma necessidade racional, é forçado cegamente a corresponder a seu objeto. Dizer, então, que o julgamento perceptivo é um sintoma infalível do caráter do percepto, significa somente que de alguma maneira inexplicável nós nos achamos impotentes para recusar nossa concordância com ele na presença do percepto, e que não há nenhum apelo dele. Assim, à força do julgamento perceptivo lhe falta a pura irracionalidade do percepto, somente neste ponto em que afirma representar o percepto, enquanto a perfeição da irracionalidade do percepto consiste em tanto como não afirmar nada. O julgamento perceptivo, então, quase não cumpre de maneira acurada a condição de força nem a de irracionalidade, como deveria fazer para estar estritamente autorizado a ser considerado um produto de percepção. Mas as diferenças são tão pequenas e tão pouco importantes logicamente que será conveniente negligenciá-las. Talvez me seja permitido inventar o termo percipuum para incluir ambos o percepto e o julgamento perceptivo. (CP 7.628-629 de 1903)

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Para Rosenthal (2001), o julgamento perceptivo em seu sentido amplo é indubitável, isto é, não no sentido de que a descoberta de sua falsidade é inconcebível, já que sua verdade ou falsidade pode ser afirmada por experiência futura, mas antes no sentido de que não há bases positivas para estimular a dúvida, presente na situação perceptiva. Como Peirce enfatizou em sua rejeição da dúvida universal de Descartes, não podemos inventar a dúvida, a não ser que seja dada uma base positiva para a dúvida na situação perceptiva, então, os julgamentos perceptivos e certas crenças vagas devem ser tomados como indubitáveis, embora sejam eminentemente falíveis, visto que sujeitas ao teste de experiência futura. Assim, chega-se, num amplo sentido, à "falibilidade" de Peirce. A falibilidade do julgamento perceptivo, em seu sentido amplo, se encontra no fato de que será rejeitado como falso, se não se encaixar no contexto interpretativo geral como fora discutido anteriormente. A indubitabilidade neste nível entra no sentido de que a formação do julgamento perceptivo não pode ser controlada e está além da crítica lógica quanto a sua formação. Ao passo que não podemos controlar criticamente o julgamento, entretanto, podemos criticar seus resultados e concluir, baseados em experiência futura, de que é falso. Subjacente à verdadeira possibilidade destas indubitabilidades de sentido comum que podem ser falsas, não obstante, viu-se que existe uma indubitabilidade à qual nem a verdade nem a falsidade é aplicável, o que é "pragmaticamente certa".

A percepção para Peirce seria o modo pelo qual pelo qual entramos em contato com um mundo quantitativo amplamente estruturado, que é bem maior que os estreitos limites estabelecido tanto pelos empiricistas quanto pelos racionalistas e pelos analistas contemporâneos (Bernstein, 1964:165-189).

Se, portanto, nossa cuidadosa interpretação direta da percepção, e de maneira mais enfática, de tal percepção que implica surpresa, é que a percepção representa dois objetos reagindo um sobre o outro, essa não é somente uma decisão da qual não há apelo, mais é puro não senso disputar o fato de que em percepção dois objetos na realidade assim reagem um sobre o outro.(CP 5.55 de 1903)

Rosenthal (2001) resume as relações entre o percepto, o percipuum e o julgamento perceptivo da seguinte maneira: o presente percepto, interpretado à luz do ponecipuum, é o percipuum em seu sentido restrito. Este percipuum é o resultado do julgamento perceptivo em seu sentido restrito e garante o “conteúdo repetido”, que serve para ativar o hábito, embora, como um ponto de chegada analítico, não fornece nenhuma antecipação de experiência futura. O julgamento perceptivo em seu sentido restrito é a hipótese abdutiva primitiva de uma repetição atual de um conteúdo experiencial passado, e o conteúdo de

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fato se transforma em uma repetição de conteúdos previamente experimentados somente quando o julgamento perceptivo o assimila a aqueles conteúdos no processo abdutivo de reconhecimento. Ou, o percipuum é um reconhecimento do caráter do que é passado.

Com sua teoria da percepção, Peirce consegue resolver alguns problemas ligados ao real como fonte perceptiva do nosso conhecimento, a estrutura da percepção está ligada à origem da verdade na teoria de Peirce. O entendimento da teoria do objeto na filosofia de Peirce é crucial para as discussões ontológicas e epistemológicas do universo sígnico.

Qualquer coisa que aparece à mente produz nela um efeito. Esse efeito é um primeiro em relação àquilo que aparece. Ao apreender aquilo que aparece, a mente imediatamente reage, produz algo. Esse algo é um primeiro, e aquilo que provoca o efeito é um segundo. Aí está: o signo, efeito surge como primeiro e aquilo que provoca o signo, ou seja, seu objeto, como segundo. A primazia lógica é do signo, mas a primazia real é do objeto. O objeto é determinante, mas só nos aparece pela mediação do signo. (SANTAELLA, 1993:44)

Para Peirce, é o objeto que governa a unidade do signo (Pape, apud Santaella, 1993:40) e a filosofia realista nos fornece justificativas para nossa crença na existência de um mundo real que independe daquilo que se possa pensar ou fantasiar a seu respeito. Peirce sugere que é com a confrontação com os objetos externos que os signos cognitivos ganham verdade ou falsidade.

Dessa maneira, um signo, como para cumprir com seu dever, de se pôr em prática, deve ser compelido por seu objeto. Evidentemente este é o motivo da dicotomia entre o verdadeiro e o falso. Porque onde um não quer, dois não brigam, e uma compulsão envolve uma dose tão grande de luta como se requereria para conseguir o impossível de haver compulsão sem resistência. (CP 5.554 de 1905)

Peirce distingue claramente a coisa em si mesma incognoscível da concepção de realidade externa cognoscivel independente da função representativa da mente, o que o torna bem distante de alguns pragmatistas ou coerentistas tais como Davidson (1986:312) para quem obviamente não podemos entrar dentro de nossas peles para saber o que está causando os acontecimentos internos dos quais estamos conscientes:

Mesmo após que o percepto está formado há uma operação que me parece bastante incontrolável. É aquela que julga o que é que a pessoa percebe. Um julgamento é um ato de formação de uma proposição mental combinado com sua adoção ou o fato de concordar

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com ela. Um percepto, do outro lado, é uma imagem ou quadro em movimento ou outra exibição. O juízo perceptivo, i.e., o primeiro julgamento de uma pessoa com respeito ao que se encontra diante de seus sentidos, não guarda maior semelhança com o percepto do que a figura que eu for desenhar se parece com um homem. (CP 5.115 de 1903)

Por outro lado, a verdade instintiva do julgamento perceptivo se deve à concordância ou coerência do interpretante dinâmico com o interpretante emocional do percepto e, esta estrutura coerente é transparente e está embebida no julgamento perceptivo. Esse processo está alem do nosso controle racional, no qual não podemos decidir se o resultado é falso ou verdadeiro. Peirce sugere alguns testes, que poderiam ser realizados:

Os perceptos, pudesse eu ter certeza do que sejam, constituem a própria experiência que sou forçado a aceitar, Mas se elas são experiências do mundo real, ou apenas a experiência de um sonho, é uma questão a que não tenho meios de responder com absoluta certeza. Contudo tenho três testes que, embora nenhum deles seja infalível, satisfazem muito bem em casos ordinários. (CP 2.140 de 1902)

O primeiro teste consiste em tentar dispensar os perceptos:

Uma fantasia ou devaneio pode ser comumente dispensada por um esforço direto da vontade. Se acho que a seqüência de perceptos persiste constantemente, apesar de minha

vontade, em geral estou satisfeito. Ainda, pode ser uma alucinação. (CP 2.140 de 1902)

Se houver razões para se acreditar que a situação acima seja o caso, então aplica-se o segundo teste, que consiste em perguntar, para alguma outra pessoa, se ela vê ou ouve a mesma coisa. Se a resposta for positiva, e se o mesmo acontece com várias pessoas, isso ordinariamente será tomado como conclusivo. Contudo, é um fato estabelecido que algumas alucinações e ilusões afetam grupos inteiros de pessoas. (CP 2.140 de 1902)

Porém, resta um terceiro teste que pode ser aplicado, que é o mais seguro dos três:

A saber, eu posso fazer uso de meu conhecimento das leis da natureza (conhecimento muito falível, confesso) para predizer que, se meu percepto tiver sua causa no mundo real, um certo experimento dever ter um resultado certo – um resultado que, na ausência daquela causa, não seria pouco surpreendente. Aplico este teste do experimento. Se o resultado não ocorre, meu percepto é ilusório: se ocorre, recebe forte confirmação. Por exemplo, se eu e todo grupo ficássemos tão excitados a ponto de pensarmos estar vendo um fantasma,

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posso atentar para o que uma foto desprovida de imaginação poderia fazer. Assim, Macbeth fez a experiência de tentar agarra o punhal. (CP 2.140-2.141)

Assim embora esses testes possam confirmar a insistência do mundo real, sua existência não é fornecida pela experiência imediata, mas por nossas inferências derivadas dos fatos perceptuais:

Todos este testes, entretanto, dependem da inferência. Os dados a partir dos quais começa a inferência e depende todo raciocínio, são os fatos perceptivos, que constituem o relatório falível do intelecto dos perceptos, ou a "evidência dos sentidos". É somente nestes perceptos que podemos confiar por completo, e isso não como representantes de qualquer outra realidade que eles mesmos. (CP 2.143 de 1902)

Desde os anos 60 Peirce sempre defendeu a teoria de que o conhecimento é derivado do mundo exterior. Mesmo as conclusões sobre nosso estado emocional e afetivo são conseqüências de inferências a partir do mundo exterior (CP 5.392). Mas a impossibilidade de controlar e criticar este processo quase inferencial instintivo (e a este respeito é incorrigível) não é um fundamento absoluto de nosso conhecimento. Onde então, no processo cognitivo, começa a possibilidade de controlá-lo? Na opinião de Peirce, certamente, não antes de que esteja formado o percepto.

A “maquinaria da mente” não pode produzir por si só qualquer forma de conhecimento, apenas transformá-lo, ou seja, somente após os fatos oriundos da observação, deparamos com algo novo que alimenta o pensamento em seu processo de conhecimento (CP 5.392). Temos então: perceptos e rompimento de hábitos concomitantes a imagens e sensações e fim do estímulo externo, permanência de um hábito imaginativo, que reproduz ou representa o percepto enquanto uma imagem ou idéia geral. (Bortolotti, 2002:152-153)

Não vejo como pode ser possível exercer qualquer controle sobre essa operação ou de submetê-la à crítica.Se pudéssemos sequer criticá-la, tanto quanto eu posso ver, essa crítica estaria limitada a fazê-lo novamente e observamos, mais atenciosamente, se conseguimos o mesmo resultado. Mas quando o voltamos a fazer, sem lhe dar a devida atenção, o percepto provavelmente não é o mesmo que era antes. Não vejo que outros meios temos para sabermos se é o mesmo que era antes ou não, salvo comparando o primeiro julgamento perceptivo com este último. u deveria desconfiar por completo de qualquer outro método de verificação sobre qual era o caráter do percepto. Em conseqüência, até que eu não for melhor aconselhado, eu considerarei o julgamento perceptivo como absolutamente fora de controle. Se eu estiver

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errado nisto, o Percepto, de qualquer modo, pareceria estar assim." (CP 5.115 de 1903)

Essa análise pode explicar a posição de Peirce contrária à dos fundacionalistas, que aceitam o “dado” como fundamento do conhecimento.

Por outro lado, segundo Rosenthal (2001), a memória está envolvida no verdadeiro reconhecimento do conteúdo visto anteriormente e que pode ser visto novamente, isto é, uma apreensão que permite que esse conteúdo se transforme na base para um significado predicativo. Esta base, assim, não é certa, mas sujeita ao engano da memória e incapaz de suprir um alicerce indubitável de conhecimento empírico em qualquer sentido fundamentalista dos termos. O que é fornecido não é a certeza absoluta das asseverações fundamentalistas, mas "certeza pragmática". A percepção de uma aparência é, indubitável no sentido de que sua falsidade é inconcebível. Ela está além de dúvida concebível, porque duvidar dela no sentido que se pensa que pode mostrar-se errada de fato, literalmente, não tem sentido. Duvidar significa colocar em dúvida algo para o que não há ferramenta para ficar "atrás" disso para compará-lo com qualquer coisa mais fundamental.

Ainda segundo Rosenthal, a percepção de uma aparência não é certamente verdadeira em oposição ao possivelmente falso. Ela é certa no sentido de que nem a verdade nem a falsidade é aplicável a ela. O julgamento perceptivo em seu sentido restrito nem mesmo pode ser classificado certamente correto em oposição a ser possivelmente incorreto. Não há nenhum reconhecimento correto ou incorreto envolvido neste nível, porque aquilo que é o percipuum é somente determinado reconhecendo-o e não pode ser determinado de nenhum outro modo. Ele se converte em uma "repetição" de conteúdos prévios somente sendo assimilado por aqueles conteúdos no julgamento perceptivo. Na opinião de Rosenthal, em relação a visões mais tradicionais, esta conclusão é seguramente mais paradoxal do que a conclusão de que o julgamento perceptivo, em seu sentido amplo, é falível porque pode mostrar-se errado em relação à experiência futura. Talvez a novidade da conclusão anterior, ligada a sua própria omissão de esclarecer as distinções conceituais na direção das quais ele estava tateando, conduziram Peirce a mudar sutilmente de posição em sua tentativa de fazer que ela parecesse "menos paradoxal".

Podemos testar e assim verificar ou refutar o próprio julgamento perceptivo não no mesmo processo no qual ele é desenvolvido, mas pela elaboração mais controlada da observação do mesmo objeto. Portanto, podemos distinguir entre falsos e verdadeiros através da evolução de nosso conhecimento e da investigação científica (CP 2.141 de 1902). Podemos

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distinguir principalmente entre ilusões ou representações confirmadas (CP 2.142 de 1902). Peirce traz nessa discussão os problemas cruciais da teoria do conhecimento e o conhecimento do mundo externo que preocupam a filosofia atualmente. A concepção naturalista da evolução do conhecimento e o método de adquirir a verdade através do trio de operações lógicas, a falibilidade do conhecimento humano se mantém para qualquer conhecimento, para a experiência do dia-a dia e para a ciência ou para a filosofia. Esse é o método racional para tornar nossas idéias claras.

Parece-me, entretanto, que temos, por meio da aplicação de nossa norma, alcançado uma compreensão tão clara do que queremos dizer com realidade, e do fato sobre o qual descansa a idéia, que, talvez, não deveríamos estar fazendo uma pretensão tão presunçosa que seria singular, se fôssemos oferecer uma teoria metafísica de existência de aceitação universal para aqueles que empregam o método científico de fixar a crença. Entretanto, como a metafísica é uma matéria muito mais curiosa do que útil, o conhecimento da qual, ao igual que um recife afundado, serve sobretudo para habilitar-nos a tomarmos cuidado dela, eu não mais incomodarei o leitor com mais Ontologia pelo momento. Eu já fui conduzido muito além da trilha de conduta do que eu teria desejado; e eu tenho dado ao leitor tal dose de matemática, psicologia, e tudo aquilo é o mais confuso, que eu receio que ele já possa ter-me abandonado, e que o que eu estou escrevendo agora é exclusivamente para o linotipista e o revisor de provas. Confiei na importância da matéria. Não existe um caminho real para a lógica, e idéias realmente valiosas somente podem ser obtidas ao preço de minuciosa atenção. Mas eu sei que em matéria de idéias o público prefere as baratas e de má qualidade; e no meu próximo trabalho eu retornarei ao inteligível acessível, e não me desviarei disso novamente. leitor que se esforçou para avançar por este trabalho, será recompensado no próximo vendo de que bela maneira, o que foi desenvolvido tediosamente, pode ser aplicado para a afirmação das normas do raciocínio científico. Não temos, até agora, atravessado a soleira da lógica científica. É certamente importante saber como deixar claras as nossas idéias, mas elas sempre poderão ser claras sem serem verdadeiras. Como torná-las assim é algo que temos de estudar a seguir. Como dar a luz essas idéias vitais e pró-criativas que se multiplicam em mil formas e se difundem por toda parte, se antecipando à civilização e dignificando o homem, é uma arte ainda não reduzida a normas, mas de cujo segredo a história da ciência arisca a dar alguns palpites. (CP 5.410 de 1877)

Portanto, a prova de nosso conhecimento negativo de algo externo pode ser alcançada pela análise da epistemologia de Peirce, e já em 1906, ele já afirmava que o mais alto grau de realidade é somente alcançado pelos signos. (CP 8.327 de 1904)

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Hookway (1985:168), argumenta que não podemos saber que indivíduos existem no mundo, que propriedades esses indivíduos têm na realidade, ou que indivíduos participam em interações, representando quais das leis, assim, para caracterizar o mundo real, devemos especificar que coisas ele contém e quais das propriedades ele tem. O que encontramos na percepção é a representação de qualidades mediante coisas existentes particulares. O julgamento perceptivo se refere a um indivíduo, uma qualidade e afirma que o último representa o primeiro.

Mas para complementar nossa discussão sobre a percepção e a existência do mundo externo é interessante analisar alguns pontos sobre a evolução do realismo peirceano, que será desenvolvida no próximo tópico.

3.1 A evolução do realismo de Peirce

O percurso percorrido por Peirce do Nominalismo ao Realismo é abordado por Fisch (1986: 184-199) em “Peirce’s Progress from Nominalism toward Realism” que o divide em cinco fases:

“nominalista”1 (1867-1868),

primeiro passo em direção ao realismo (1868),

segundo passo em direção ao realismo (1871),

período Pré-Monist (1871-1890), e

período Monist (1891-1914).

Para Fisch, a fase “nominalista” de Peirce duraria até 1868. Nessa fase, o “nominalismo peirceano” ficaria evidente em suas primeiras publicações profissionais em lógica e filosofia, que constituíram cinco “papers” apresentados na American Academy of Arts and Sciences, em 1867, e a revisão do livro de John Venn – The Logic of Chance (CP 8.1-2 de 1867). A posição nominalista estava relacionada à questão da probabilidade e à freqüência relativa, que

1 A nosso ver, embora Peirce, mesmo na sua fase de juventude não possa ser chamado de

nominalista, na verdadeira acepção do termo, ainda assim conservaremos esta classificação usando o termo “nominalista”, mas significando menos realista do que na fase madura.

O que é a realidade? Talvez não haja uma tal coisa. Como insisti repetidamente, trata-se de uma retrodução, uma hipótese de trabalho que assumi-mos na nossa deses-perada esperança de tudo conhecermos. Pode ainda suceder, e será otimismo esperar algo melhor, que a hipótese da realidade, embora funcione bem, não corresponda perfei-tamente àquilo que é. Mas se há alguma realidade, ela consiste no seguinte: que há no ser das coisas algo que corresponde ao pro-cesso de raciocínio, que o mundo vive, se move e tem o seu ser numa lógica de aconte-cimentos. (PEIRCE)

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Peirce sustentaria durante mais de trinta anos e que ele já manifestava nas conferências de Lowell de 1866.

No entanto, esta é uma questão polêmica entre os comentadores de Peirce; alguns, entre eles Don Roberts (1970:67-83), contestam que Peirce tenha sido nominalista. Um dos pontos que Roberts levanta é que, embora a teoria peirceana da probabilidade possa ser classificada como nominalista, isso não torna sua filosofia nominalista. Outro ponto que Roberts coloca, se refere à atmosfera científica da juventude de Peirce, que favorecia ênfase na comunidade ao invés do individualismo (MS 655). Também, na opinião de Roberts, alguns textos de Peirce de 1859-60 deveriam ser vistos apenas como idéias que eram experimentadas.

Para Michael (1988: 317-348), até 1867 os escritos de Peirce estão permeados da doutrina dos nominalistas medievais e sua posição na questão dos universais é muito próxima daquela de Occam. Michael traz, como exemplo, uma passagem de 1865 do texto “An Unpsychological View of Logic”, onde Peirce havia escrito: “qualidades são ficções, porque embora seja verdadeiro que as rosas são vermelhas ainda a vermelhitude não é nada mais do que ficção emoldurada para os propósitos de filosofar...” Nesta passagem Peirce nega a realidade dos universais, parecendo comprometido com alguma forma de nominalismo.

Ainda segundo Michael, na fase “nominalista” de Peirce, não haveria generalidade fora do pensamento e da linguagem, posição esta que ele manteria até 1983, quando forçado por sua nova lógica, gradualmente se converteria e desenvolveria uma nova forma de realismo escolástico. Michael traz outro exemplo que é uma passagem de 1868, do texto “Questions on Reality”, onde Peirce diz :“o elemento nominalista de minha teoria é certamente uma admissão de que nada fora da cognição e da significação geralmente tem alguma generalidade” (MS 931 de 1868). Em outra passagem, do mesmo teor Peirce mantém que, na cognição, os universais são tão reais quanto os singulares:

O real é o objeto de uma proposição absolutamente verdadeira. Portanto, chegamos a uma teoria que, embora seja nominalista, na medida em que baseia os universais em signos, é, contudo, oposta ao individualismo que com freqüência se acredita coexistir com o nominalismo. Pois não há nada que impeça as proposições universais de serem absolutamente verdadeiras, e, portanto, os universais podem ser tão reais quanto os individuais [...]. Cada ato de cognição que possuímos é um julgamento cujos sujeito e predicado são termos gerais. (MS 931 de 1868)

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Ibri (1992:xv) não compartilha da opinião de Fisch e Michael. Peirce, em seus textos de juventude, seria apenas “menos realista”:

Acrescente-se ainda que ao se auto-acusar de „nominalista‟ devido ao teor de certos ensaios de sua juventude, entendemo-lo, na verdade, como apenas ´menos realista´, uma vez que o realismo ontológico foi sua posição cabal desde os primórdios de seu pensamento.(IBRI, 1992:xv)

Entretanto, como mostra Fisch, há algumas passagens da maturidade, nas quais o próprio Peirce faz uma autocrítica com relação a esta questão, como por exemplo, em CP 6.103 de 1892 sobre a doutrina do sinequismo, na qual ele se refere a textos anteriores dizendo “mas agora sou capaz de melhorar aquela exposição na qual estava um pouco cego por pressuposições nominalistas.” Ou na passagem CP 6.270, de 1892, sobre a consciência de uma idéia geral, em que Peirce diz:

[...] há muito tempo atrás no Journal of Speculative Philosophy, mostrei que uma pessoa não é nada mais que um símbolo, envolvendo uma idéia geral. Mas minhas opiniões eram então muito nominalistas para me permitir enxergar que toda idéia geral tem o sentimento vivo unificado de uma pessoa. (CP 6.103 de 1902)

Segundo Peirce, “a ordem apropriada para filosofar seria começar com nominalismo e fazê-lo passar por uma prova justa antes de ir para o realismo” (CP 8.251 de 1897), ou “todos deveriam ser nominalistas no início e continuar nesta opinião até que fossem guiados pela força maior de fatos irreconciliáveis” (CP 4.1 de 1898) ou, “o que distingue o nominalista é que ele não admite certos elementos. O realista, se for um pensador “saudável”, deve ter ocupado esta posição” (L392). No entanto, deve-se lembrar que, já em 1859, na passagem MS 921, Peirce se autodenomina realista, ou “seja reconhecido que, nunca durante os 30 anos nos quais tenho escrito sobre estas questões filosóficas, tenha falhado na minha fidelidade às opiniões realistas e a certas idéias de Scotus” (CP 6.605 de 1893).

O primeiro passo de Peirce em direção ao realismo se dá nos ensaios da série cognitiva, que foram publicados entre 1868 e 1869 pelo The Journal of Speculative Philosophy. Estes ensaios são os famosos textos anti-cartesianos:

(1868) “Questions Concerning Certain Faculties Claimed for Man”- CP 5.213-63,

(1868) “Some Consequences of Four Incapacities - CP 5.264-317 e,

(1869) “Gounds of Validity of the Laws of Logic: Further Consequences of Four Incapacities” - CP 5.318-57 .

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Para Hookway (1992:15), estes textos constituem um único argumento unificado, em que nos dois primeiros Peirce discute mente e realidade, de forma a permitir, no terceiro ensaio, a explicação da validade do raciocínio dedutivo e da inferência ampliativa. Além disso, só através de um enfoque não psicológico para a lógica, com o exame das formas de pensamento é que se torna possível explicar a validade da indução e como a inferência sintética é capaz de “redução da variedade à unidade” (CP 5.276 de 1868). Sob um outro ponto de vista, quanto ao pensamento discursivo, pode-se considerar que estes três ensaios discutem questões bastante interligadas: o primeiro trata do nosso poder de intuição, o segundo contém críticas ao cartesianismo e o terceiro poderia ser visto como uma refutação às “acusações” de Mill ao silogismo.

Apesar de se autodenominar idealista (CP 5.264 de 1868) e realista escolástico (CP 5.312 de 1868), Peirce aponta claramente os pontos em que diverge destas teorias, deixando explícito nestes textos principalmente sua posição contrária ao nominalismo e subjetivismo de Descartes. Com relação ao realismo escolástico de Peirce, Michael (1968:317-348), distingue duas formas fundamentalmente diferentes de realismo, a primeira muito próxima do nominalismo, concordando com Fisch e a segunda reconhecidamente de inspiração escolástica, aceita por comentadores como Boler (1983) e Skagestad (1981).

Ainda segundo Michael, o realismo inicial de Peirce parece estar comprometido com o nominalismo e difere do realismo maduro, com respeito a realidade dos universais fora da cognição, e o realismo que Peirce desenvolve após 1883 estaria relacionado com a visão da realidade dos universais fora da mente.

Nos dois primeiros textos da série “Questions Concerning Certain Faculties Claimed for Man” (CP 5.213-63 de 1868), “Some Consequences of Four Incapacities” (CP 5.264-317 de 1868), Peirce desenvolve sua relação triádica de signo, que servirá de base para a teoria do conhecimento, sendo pensamento é um processo ininterrupto, em uma relação de três elementos: signo, pensamento, objeto, ou pensamento precedente, ao qual o signo se segue e pensamento subseqüente. Se todo pensamento é signo, segue-se que todo pensamento deve se endereçar a um outro, deve determinar outro, porque esta é a tendência do signo (CP 5.253 de 1868). Pensamento requer temporalidade, e Peirce rejeita a possibilidade de fundamentar o conhecimento em reflexões teóricas da consciência individual sem qualquer relação com o mundo externo, é o fato externo que determina a cadeia de cognições (CP 5.251 de 1868). Daí decorre que não há conhecimento sem interpretação, visto que todo conhecimento é condicionado pelos fatores anteriores a ele no

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processo de cognição e só se revela no momento em que é interpretado num conhecimento subseqüente,

Ao examinar o processo cognitivo, Peirce enfatiza que sua generalidade se estende ad infinitum, portanto não há primeira cognição. Por outro lado, sendo impossível saber intuitivamente que uma dada cognição não é determinada por uma anterior, o único modo de sabê-lo é através de inferência hipotética a partir dos fatos observados (CP 5.260 de 1868).

Assim, supor algo inexplicável como originário só pode ser feito através do raciocínio em signos, mas a única justificativa para uma inferência a partir de signos é que a conclusão explique o fato (CP 5.261, de 1868) Portanto, supor que o fato seja absolutamente inexplicável é não explicá-lo e, por conseguinte, esta suposição nunca é permitida.

É possível dizer que no primeiro ensaio, um dos caminhos que já apontam para o realismo seria esta questão da generalidade do signo, pois uma das características do realismo estaria na indeterminação do produto da cognição, pois o nominalismo dá mais importância ao singular existente, determinado.

No segundo texto da série cognitiva “Some Consequences of Four Incapacities”, Peirce apresenta sua teoria da cognição. Neste ensaio também Peirce declara sua preferência pelo realismo de Scotus (CP 5.312 de 1868) e introduz a noção de comunidade e de opinião última (CP 5.264 de 1868) e desenvolve uma concepção de real, que rejeita a “coisa em si” incognoscível nominalista e não se restringe ao plano individual nem ao plano mental, e embora seja derivada do mundo externo, tem sua verdade garantida a longo prazo pelo processo cognitivo e pelo consenso da comunidade. Pode-se dizer que ao romper com a visão nominalista da filosofia tradicional cartesiana (dúvida metodológica, intuição, conhecimento imediato, concepção de certeza), Peirce dá seus primeiros passos para um posicionamento realista baseado na estrutura triádica sígnica da cognição, pois as generalidades de nossas concepções são reais e os aspectos existenciais e individuais do nominalismo são substituídos pela indeterminação do processo sígnico.

[...] Por conseguinte, o mais elevado conceito que se pode atingir por abstrações a partir dos juízos da experiência – e, portanto, o mais elevado conceito que pode ser atingido em geral – é o conceito de algo que é da natureza de uma cognição. (CP

5.255-257 de1868)

Em “Some Consequences...”, Peirce se declara explicitamente a favor do realismo escolástico, segundo o qual nenhuma das nossas cognições pode ser absolutamente determinada, então os gerais devem ter uma existência real

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- CP 5.312 de 1868), afirmando que “consequentemente, tudo que seja significado por qualquer termo como „o real‟ é cognoscível até certo ponto e, assim, é da natureza da cognição, no sentido objetivo do termo” (CP 5.310 de 1868). Peirce então define o real, introduzindo a idéia de long run, de comunidade indefinida e de independência com relação à nossas representações, o que se torna, então, um passo decisivo em favor do realismo, realismo este que ainda pode ser visto como uma oposição à “coisa-em-si” incognoscível.

O real, então, é aquilo no qual, mais cedo ou mais tarde, a informação e o raciocínio resultarão finalmente, e que é portanto independente das minhas e das suas fantasias. Assim, a verdadeira origem da concepção de realidade mostra que esta concepção implica essencialmente a noção de uma COMUNIDADE, sem limites definidos e capaz de um aumento de conhecimento indefinido." (CP 5.311 de 1868)

A teoria da realidade de Peirce pode ser vista como conseqüência de sua teoria da cognição, pois do fato de nenhuma das nossas cognições possa ser absolutamente determinada, então os gerais devem ter uma existência real; “ser” é sinônimo de cognição: ser é ser cognoscível (CP 5.257 de 1868).

O realista, então, é simplesmente aquele que sabe que “não há a mais recôndita realidade além daquela contida na representação verdadeira” (CP 5.312 de 1868), isto é, se a palavra homem é verdadeira a respeito de alguma coisa, então aquilo que homem significa é real. Já, o nominalista deve admitir que homem é verdadeiramente aplicável a algo, mas acredita que há a “coisa-em-si”, uma realidade incognoscível.

Para Peirce, não somente as cognições devem conter termos gerais, como também estes termos devem permanecer vagos, para assumir seu papel como signo, ou seja, um signo só pode funcionar como signo somente se for capaz de ser interpretado e esta interpretação deve ocorrer na forma de outro signo (CP 5.287 de 1868), em sua fase madura, esta generalidade vai se converter em continuidade, a partir do desenvolvimento da lógica dos relativos.

Passando agora, para o terceiro texto da série cognitiva “Grounds for The Validity of The Laws of Logic: Further Consequences of the Four Incapacities” (CP 5.318-57 de 1869), nele Peirce trabalha a base lógica para validação objetiva das leis da lógica, fazendo uma análise sobre a validade do silogismo. Peirce fornece uma justificativa para nossas concepções gerais, obtidas através do processo indutivo, fundamentando-as na sua teoria da realidade e expondo também sua teoria social da lógica (CP 5.356 de 1869).

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Peirce apresenta o acordo da comunidade como sendo uma forma de comportamento racional, assim o abandono dos interesses individuais em prol daqueles mais amplos da comunidade vai se constituir numa necessidade lógica.

Ao rechaçar as críticas de outros filósofos ao silogismo Peirce usa como argumento sua teoria da realidade, a qual consiste no acordo a que chegaria toda a comunidade, tornando-a algo que é constituído por um evento indefinidamente futuro (CP 5.331 de 1869).

Disso resulta podermos dizer que a generalidade das induções, a longo prazo, se aproxima da verdade e, que, ao aceitarmos uma conclusão indutiva, a longo prazo, nossos erros se compensarão uns aos outros. Assim, nossas generalizações seriam resultado de cognições derivadas do mundo exterior, condicionadas à opinião última da comunidade (CP 5.350 de 1869). Por outro lado, se há um real (considerando que esta realidade consiste no consenso último de todos os homens e considerando que o raciocínio das partes para o todo é o único raciocínio sintético do homem), então, de uma sucessão de inferências de partes para o todo, a longo prazo, segue-se necessariamente que o homem chegará ao conhecimento, não estando condenado a fazer induções sem valor. O sucesso das generalizações depende da existência do real, as generalizações se referem a aspectos do mundo real obtidas na condução da investigação (CP 5.351 de 1869).

Para finalizar, vamos resumir alguns pontos levantados por Fisch (1986:187) com relação ao realismo de Peirce nesta fase:

Peirce se declara a favor do realismo de Scotus;

esta declaração está confinada a um só parágrafo;

realismo de Peirce, nesta fase não se opõe ao nominalismo, mas pode ser a ele acrescido;

nominalismo, ao qual Peirce se opõe, é o da “coisa-em-si incognoscível”;

esta rejeição não é nova, já era contemplada em sua fase “nominalista”;

realismo pode ser considerado como subproduto de teoria da realidade de Peirce, a distinção entre distinção entre cognições cujos objetos são reais e aqueles cujos objetos não são reais é feita em termos do real, como aquilo a que mais cedo ou mais tarde a informação ou raciocínio finalmente resultarão e que é portanto independente das fantasias individuais;

que deve ser enfatizado não é o realismo, mas a teoria da realidade modificada;

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a ênfase no caráter anti-individualista, em decorrência das modificações na teoria da realidade;

Peirce não denomina seu posicionamento de realismo, mas cognocionismo e portanto idealismo;.

a declaração a favor do realismo é muito moderada. Segundo Fisch (1986: 188), o segundo passo de Peirce em direção ao

realismo se dá em 1871, com a resenha da obra editada por Fraser “The works of George Berkeley"(CP 8.7-38). Esta resenha poderia ser considerada como uma síntese dos trabalhos anteriores referentes à teoria da cognição e teoria da realidade, além de um desenvolvimento da questão do realismo-nominalismo.

Os universais são reais?, segundo Peirce esta pergunta é respondida quando se considera o que seja o real. Peirce divide os objetos, de um lado, em ficção e sonho e de outro lado, em realidade. Os primeiros só existem na medida em que alguém os imagine; os últimos possuem uma existência que independe da mente de qualquer pessoa. Este ponto é fundamental para a distinção entre o que é real e o que é criação da mente. A realidade tem permanência e alteridade diante da mente e “o real é aquilo que não é o que eventualmente pensamos dele, mas não é afetado por aquilo que possamos pensar dele" (CP 8.12 de 1871).

A questão referente aos universais é, portanto, se homem, cavalo, ... e outros nomes de classes naturais correspondem a algo que todos têm em comum, independentemente de nosso pensamento, ou se estas classes se constituem “simplesmente por uma semelhança no modo pelo qual nossas mentes são afetadas por objetos individuais que, em si mesmo, não têm semelhança ou relação, qualquer que seja” (CP 8.12 de 1871).

Onde se deve encontrar o real, a coisa independente de como a pensamos? Deve haver algo assim, pois vemos que nossas opiniões são de algum modo constrangidas. Portanto deve haver algo que influencia nossos pensamentos e que não é por eles criado. É verdade que não temos nada que nos seja imediatamente presente a não ser nossos pensamentos. Estes pensamentos, no entanto, foram causados por sensações, e essas sensações são compelidas por algo que está fora da mente. Esta coisa fora da mente, que influi diretamente sobre a sensação, e através da sensação, o pensamento, porque está fora da mente, é independente do modo como a pensamos e é, em suma, o real. Esta é uma concepção de realidade, uma concepção bastante familiar.(CP 8.12 de 1871)

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A questão, portanto, está em que existe algo fora da mente, que influi diretamente sobre a sensação e através da sensação, sobre o pensamento, é este o traço fundamental da realidade é estar aí, permanecer sendo, ser independente, é a alteridade, a característica de ser outro.

Mas a opinião humana tende universalmente, a longo prazo, para uma forma definida, que é a verdade. Que um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o suficiente sobre uma questão qualquer, e o resultado será que ele chegará a uma certa conclusão definida, que é a mesma a que chegará qualquer outra mente nas mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. [...] Existe, portanto, para toda questão, uma resposta verdadeira, uma conclusão final, para a qual a opinião de todo homem constantemente tende. (CP 8.12 de 1871)

Peirce apresenta sua concepção de verdade a partir da definição de real. Também enfatiza que, apesar dos erros, há possibilidade de que, a longo prazo, se chegue à verdade. Segundo ele, dizer que os objetos reais são externos à mente e agem sobre a mente é significante e verdadeiro, porque uma análise pragmática mostra que, a longo prazo as opiniões tendem para um acordo sobre a realidade de tais objetos. Para Peirce, o erro ou a vontade arbitrária pó,dem adiar este acordo geral, mas a opinião final é independente de tudo que é arbitrário e individual no pensamento. O realismo de Peirce vê o real como um objeto da opinião verdadeira. A verdade não é uma questão individual, a verdade tem um sentido coletivo, o indivíduo poderá até perdê-la de vista, mas mesmo assim “permanece o fato de que há uma opinião definida para a qual tende a mente do homem no conjunto e a longo prazo” (CP 8.12 de 1871).

Portanto, esta opinião final é independente não, de fato, do pensamento em geral, mas de tudo o que seja arbitrário e individual no pensamento; é totalmente independente daquilo que o leitor ou eu ou qualquer número de pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que se pensar existir na opinião final é real, e nada além disso. (CP 8.12 de 1871)

Assim, esta teoria da realidade é “instantaneamente fatal à idéia de uma coisa em si mesma – uma coisa que exista independentemente de toda relação com a concepção que dela tem a mente”, ela nega que haja uma realidade absolutamente incognoscível e esta concepção do real é inevitavelmente realística, “porque concepções gerais entram em todos os juízos e, portanto, em todas as opiniões verdadeiras”. Portanto, uma coisa no geral é tão real quanto no concreto (CP 8.13 de 1871). Assim, a generalidade dos termos

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nunca pode ser exaurida pela própria enumeração dos particulares e a vagueza, ou seja a capacidade indefinida para futuras interpretações, é essencial para a significação.

Segundo Peirce, esta teoria realística é uma “posição altamente prática e de senso comum, porque seja qual for o acordo universal que prevaleça, o realista não irá perturbar a crença geral com dúvidas fictícias e inúteis. O realista não separa a existência fora da mente e o ser na mente como sendo dois modos totalmente desproporcionais (CP 8.17 de 1871). A teoria da cognição substitui as formas de obter conhecimento através da intuição e da introspecção, através da cognição será adquirido conhecimento do mundo exterior através do raciocínio inferencial, e as concepções resultantes deste

processo se referem ao real, pois Peirce nega o incognoscível, assim:

Operar uma distinção entre a verdadeira concepção de uma coisa e a própria coisa, é, ele dirá, considerar apenas uma e mesma coisa apenas sob dois pontos de vista diferentes, pois o objeto imediato de pensamento num juízo verdadeiro é a realidade. O realista acreditará, portanto, na objetividade de todas as concepções necessárias: espaço, tempo, relação, causa e semelhantes. (CP8.17 de 1871)

Segundo Fisch (1986:188), o período pré-Monist corresponde às maiores contribuições de Peirce para a ciência, incluindo trabalhos em astronomia, geodésia, psicologia, metrologia até matemática e lógica matemática. Do ponto de vista da lógica e matemática, seus maiores desenvolvimentos dessa época constituem a lógica das relações, as tabelas de verdade, os índices, a questão da quantificação, a reformulação das categorias e seu trabalho sobre Cantor e Dedekind, a respeito de números transfinitos.

Embora o termo realista não apareça explicitamente nos textos dessa fase, seus efeitos vão aparecendo à medida que analisamos os trabalhos deste período, que explicitam o amadurecimento de sua filosofia. Este período pode ser visto como uma conseqüência da junção da teoria idealística da cognição como a teoria da realidade e aponta para uma aproximação ao seu realismo maduro nas concepções de acaso, continuidade, evolução...

Merece menção o fato de que, ainda nesta época, Peirce acreditava que as duas visões realista e nominalista não seriam totalmente “irreconciliáveis, embora tomadas de pontos de vista amplamente separados,” posição esta que vai mudando à medida que se torna um realista extremo. A passagem completa a que ele se refere a esta posição é a seguinte:

Temos aqui, então, dois modos opostos de conceber a realidade. O primeiro, que foi anteriormente desenvolvido em

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certa medida, e que naturalmente decorre dos princípios que foram expostos nos capítulos precedentes deste livro, é uma idéia que estava de forma obscura na mente dos realistas medievais; ao passo que o segundo é o princípio fundador do nominalismo. Não acredito que as duas visões sejam absolutamente irreconciliáveis, embora elas partam de pontos de vista bastante distintos. A visão realista enfatiza particularmente a permanência e estabilidade da realidade; a visão nominalista ressalta sua externalidade. Contudo, os realistas não precisam, nem deveriam, negar que a realidade existe externamente à mente; tampouco historicamente eles o têm negado, como um conceito geral. O que é externo à mente, é o que é, a despeito de quais sejam nossos pensamentos sobre qualquer assunto; exatamente da forma que é real aquilo que o é, não importa quais sejam nossos pensamentos a respeito daquela coisa em particular. Portanto, uma emoção da mente é real, no sentido de que ela existe na mente quer estejamos claramente conscientes dela ou não. Mas não é externa porque, embora não dependa do que pensamos sobre ela, depende do estado de nossos pensamentos sobre algo. Ora, o objeto da opinião final, que, como vimos, independe do que uma determinada pessoa pensa, pode muito bem ser externo à mente. E não há objeção em se dizer que esta realidade externa provoca a sensação, e que por meio da sensação originou toda aquela cadeia de pensamento que finalmente levou à crença. (CP 7.339 de 1873).

Posteriormente na passagem já na sua fase madura, Peirce vai dizer que a questão do realismo e do nominalismo, quando claramente formulada, dá lugar a apenas uma resposta (CP 6.107 de 1881)

Peirce apresenta uma classificação dos tipos de raciocínio, para posteriormente relacioná-los ao cálculo das probabilidades. Os raciocínios podem ser: explicativo, analítico ou dedutivo e, ampliativo, sintético ou indutivo (CP 2.680 de 1878). No raciocínio explicativo (analítico ou dedutivo) determinados fatos são estabelecidos pelas premissas, fatos esses que são em todo caso, uma “multidão inexaurível”, mas podem ser freqüentemente resumidos numa simples proposição através de alguma regularidade que todos eles apresentem. Estando os fatos estabelecidos, pode ser verificada entre eles alguma ordem (mesmo que não tenha sido antes percebida), e isto nos levará a colocar partes desses fatos numa nova proposição, que será a conclusão de uma inferência analítica (CP 2.686 de 1878), todas as demonstrações matemáticas são deste tipo.

Mas no raciocínio sintético, os fatos estabelecidos na conclusão não estão nas premissas (CP 2.680 de 1878). O raciocínio explicativo, portanto, é aquele em que os fatos estabelecidos na conclusão já estão implicados nas premissas, mas podem estar implícitos ou só serem notados até que as

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inferências sejam feitas. Então, dada uma conclusão sintética requerida para se conhecer todos os possíveis estados de coisas, quantos estarão, até certo ponto, de acordo com esta conclusão? Percebemos que é “apenas um absurdo tentar reduzir raciocínio sintético a analítico e, nenhuma solução definitiva é possível” (CP 2.685 de 1878). Mas há outro problema em conexão com este tópico: dado um certo estado de coisas, que proporção de todas inferências sintéticas a ele relacionadas serão verdadeiras para um dado nível de aproximação. Por que gostaríamos de conhecer a probabilidade de que um fato estaria de acordo com nossas conclusões?

Peirce volta então à questão kantiana: “Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?”, que “abalou a filosofia corrente da época”. Segundo Peirce, por juízos sintéticos Kant entendia “aqueles que afirmam o fato positivo e que não são apenas casos de combinação; em suma, juízos do tipo que o raciocínio sintético produz e que o juízo analítico não pode produzir”. (CP 2.690 de 1878). Mas há uma outra pergunta que deveria ter sido feita antes, que é “como é possível qualquer juízo sintético? Como é que um homem pode observar um fato e imediatamente emitir um juízo a respeito de um outro fato diferente que não está envolvido no primeiro?

Para Peirce, a solução está ligada a “uma filosofia geral do universo” (que vai ser trabalhada em “The Order of Nature). Peirce sugere que se considere a solução apresentada por Kant para os juízos sintéticos a priori, (segundo a qual os juízos sintéticos a priori são possíveis, porque tudo aquilo que é universalmente verdadeiro, está envolvido nas condições da experiência), deveria ser estendida para os juízos sintéticos em geral, constituindo um “enunciado satisfatório do princípio da indução” (CP 2.691 de 1878).

Como todo conhecimento provém da inferência sintética, devemos inferir igualmente que toda certeza humana consiste meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a conclusões verdadeiras. Embora uma inferência sintética não possa ser de maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação suficiente. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é, realmente, um dos fatos dos quais parte a lógica. (CP 2.692-93 de 1878)

Segundo Peirce, a relação que existe entre raciocínio sintético e dedutivo é importante porque quando acolhemos certa hipótese, não é apenas porque ela explique os fatos observados, mas também porque a hipótese

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contrária conduziria provavelmente a resultados contrários ao observado. Analogamente, quando fazemos uma indução, ela não apenas explica a distribuição das características da amostra, mas também porque uma regra diferente teria provavelmente conduzido a amostra diversa (CP 2.628 de 1878).

Vale observar que nessa época, Peirce começa a introduzir a questão referente às leis da natureza, que é um tópico de fundamental importância na fase madura de sua obra. Neste contexto, ao conceber a Natureza como antropomórfica, “perpetuamente efetuando deduções em Barbara", Peirce dá seus primeiros passos em direção ao idealismo objetivo, a doutrina na qual tudo é mente, atribuindo à indução a responsabilidade pela descobertas de leis na Natureza:

Concebemos que há Leis da Natureza que são suas Regras ou premissas maiores. Concebemos que casos surgem sob estas leis; estes casos consistem na predição ou ocorrência de causas que são os termos médios dos silogismos. E, finalmente, concebemos que a ocorrência destas causas, em virtude das leis da Natureza, resultam em efeitos que são as conclusões do silogismo. Concebendo a Natureza dessa forma, concebemos a ciência como tendo três tarefas: 1. A descoberta de Leis, que é efetuada pela indução, 2. A descoberta das Causas, que é efetuada pela inferência hipotética, e 3, a predição dos Efeitos, que é efetuada pela dedução. CP 2.713 de 1883.

Peirce pergunta, do fato geral de que existem leis, como elas podem ser explicadas? A explicação estaria na idéia geral de evolução: a “evolução é o postulado da lógica, por si próprio; porque o que é uma explicação além da adoção de uma suposição mais simples para explicar um estado complexo de coisas” (W4:547 de 1883). Segundo Peirce, voltando a um passado indefinido, as leis se apresentam menos e menos determinadas, como isto poderia ser explicada pela causação rígida necessária? Peirce sugere que elas possam ser explicáveis por meio da hipótese da evolução, em cujo processo está contida a lei do acaso. A única solução que Peirce encontra, que é plausível, é a de que as leis têm uma origem, isto é, as leis da natureza teriam se originado de um estado de coisas onde elas não existiam. Para Peirce, o acaso é o agente especial do qual depende todo o processo. No entanto, na visão determinista não há margem para o erro, para o desvio, porque o desvio se deve à presença do acaso.

Em 1885, na resenha de Josiah Royce, Peirce reafirma a definição de realidade como a verdadeira resposta para uma questão, que consiste no fato de que as investigações humanas - raciocínio humano e observação- tendem em direção ao acordo último de conclusões definitivas que são independentes

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de quaisquer pontos de vista, com os quais os pesquisadores iniciaram o processo, de tal forma que o real é aquilo em que o homem acredita e sobre o qual está pronto a agir, se a investigação fosse levada a cabo suficientemente. Peirce enfatiza a diferença que há entre ser e ser representado e reforça o papel relevante da experiência como alteridade (Outward Clash) na validação das teorias, isto é, o choque da teoria com o fenômeno, com a realidade os fatos. É este choque com o mundo externo que vai validar a construção das teorias.

Hoje nós acreditamos que, além dos termos gerais, dois outros tipos de signos são absolutamente indispensáveis em todo raciocínio. Um deles é o índice, que, como um dedo que aponta, exerce uma força fisiológica real sobre a atenção, - como um hipnotizador - e a direciona a um objeto particular da percepção. Pelo menos um índice dessa natureza deve fazer parte de toda proposição, sendo sua função designar o sujeito do discurso. (CP 8.41 de 1885)

Peirce também ressalta que se uma dada questão será respondida não é tão simples dada à tendência de complexificação, o número de questões está sempre aumentando, e também a capacidade para respondê-las. Não há uma forma de saber quais as perguntas que terão resposta, a solução é continuar com a investigação, se pudermos nos “satisfazer com o fato de que a investigação tem uma tendência universal em direção ao acordo de opiniões” (CP 8.43 de 1885).

Devemos, portanto, supor “um elemento de puro acaso, de espontaneidade, de liberdade na natureza” e, devemos supor também que, em tempos passados, este elemento tivesse sido indefinidamente mais proeminente do que agora, e, que no presente, a conformidade aproximada da natureza com a lei é algo que veio se desenvolvendo. Se o universo vem progredindo de um estado de puro acaso para um estado da mais completa determinação, devemos supor que haja uma “tendência original, elementar de aquisição de hábitos. Este é o Terceiro, elemento mediador entre o acaso, que traz o Primeiro, e a lei, que produz seqüências ou o Segundo (W5:293 de 1886). Peirce apresenta sua famosa solução para o segredo da esfinge: são três os elementos ativos no mundo: primeiro - acaso, segundo- lei, terceiro – aquisição de hábitos.

Fazendo um resumo do período Pré-Monist, podemos dizer que na teoria da cognição(1868-69) e na teoria da realidade (1878-79), já estavam presentes as categorias e a teoria do signos, mas faltava ainda uma elaboração, o que Peirce conseguiu particularmente na época de sua

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participação no Metaphysical Club, principalmente no que se refere à relação objeto-pensamento e nas concepções de dúvida/crença/investigação.

No contexto de 1868-89, mostramos que o processo cognitivo tinha como objetivo atingir a “opinião última” da comunidade. Posteriormente, ao formular sua teoria da investigação, Peirce introduz algumas mudanças, principalmente com respeito ao método científico e à primeira formulação do pragmatismo, como um método de verificação de nossas concepções gerais. Assim, há um objeto externo que insiste de forma regular e uniforme sobre nossas cognições e há uma realidade que pode ser encontrada e é independente do pensamento individual, de tal forma que todos aqueles que investigam, independentemente de suas áreas de atuação, compartilham a esperança de atingir a verdade, relativa ao consenso de opiniões.

A nosso ver, a busca de Peirce de um método para fixação das crenças, que fundamentasse a investigação científica conduziu-o à elaboração de uma teoria da verdade e da significação, ao mesmo tempo em que examinava as questões relativas à inferência sintética. Do fato que sabemos que “todo conhecimento provém da inferência sintética, devemos inferir igualmente que toda certeza humana consiste meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a conclusões verdadeiras”. Embora uma inferência sintética “não possa ser de maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação suficiente”. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é, realmente, “um dos fatos dos quais parte a lógica" (Peirce CP 2.692-93 de 1878).

Mas pode-se dizer que a maior parte da fase Pré-Monist é caracterizada pelo chamado realismo de uma só categoria (segundo Fisch), que é o realismo da Terceiridade. Mas há um passo de extrema importância que é o reconhecimento da necessidade dos índices para a notação adequada à representação do raciocínio, porque há necessidade de trazer o pensamento às situações reais, pois o mundo real não pode ser distinguido do mundo da imaginação por qualquer descrição, daí a necessidade de pronomes e índices. Foi a partir dessa descoberta que Peirce introduziu a tricotomia ícone-índice-símbolos e reformulou suas categorias.

O período Monist é assim chamado, de acordo com Fisch (1986:183), porque o recém fundado The Monist de Open Court, se tornaria o principal meio de expressão de Peirce, que nele publica quatro séries de artigos. A primeira série é conhecida como “The Monist Metaphysical Series, foi publicada

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entre 1891-93 e inclui cinco artigo. A segunda série inclui os artigos escritos sobre a álgebra e a lógica dos relativos de Schröder, publicada em 1896-97. A terceira série se refere aos ensaios do Pragmatismo, que foram publicados em 1905-1906 e a quarta série, conhecida como “Amazing Mazes”, foi publicada em 1908-1909.

Pode-se dizer que o período Monist faz uma junção de duas linhas fundamentais do pensamento de Peirce que são a sua semiótica e o seu pragmatismo.

Nos anos 80, iniciando com “A Guess at the Riddle”, Peirce começa a reunir suas doutrinas filosóficas num sistema integrado. Nos cinco textos da primeira série Monist estão reunidos os grandes temas da metafísica peirceana, cada texto vai sucedendo ao outro e construindo as concepções de generalidade, cosmologia, evolucionismo, continuidade, acaso e liberdade. Estes artigos são revolucionários porque rompem com uma série de pressupostos da filosofia, entre os quais a idéia de um mundo governado pela necessidade e a dualidade mente-matéria, oferecendo como alternativas lógicas o idealismo objetivo, o sinequismo, o tiquismo e o agapismo. Por outro lado, estes textos contêm também o espírito do evolucionismo, que na filosofia genética de Peirce é um evoluir do “vago para o definido”. A passagem a seguir de “The Law of Mind”, pode ser vista como síntese dos pontos acima mencionados:

Tentei desenvolver o melhor que pude, num espaço pequeno, a filosofia sinequista aplicada à mente. Acho que consegui tornar claro que esta doutrina dá espaço para explicações de muitos fatos que sem ela seriam absoluta e desesperadamente inexplicáveis, ainda ela dá suporte para as seguintes doutrinas: primeiro, um realismo lógico do tipo mais pronunciado; segundo, idealismo objetivo; terceiro, tiquismo, com seu evolucionismo radical. Pode-se também notar que a doutrina não apresenta obstáculos a influências espirituais, como fazem algumas filosofias. CP 6.163 de 1891

Por outro lado, além do desenvolvimento de sua cosmologia e metafísica científica, um dos objetivos de Peirce nos anos 90 seria o de retomar o pragmatismo e trazê-lo como um componente de sua filosofia sistêmica, para a qual a teoria dos signos funcionou como elemento integrador.

Nas Conferências de Harvard do Pragmatismo e na terceira série Monist sobre pragmatismo, Peirce vai enfatizar que a “prova” do pragmatismo é, ao mesmo tempo a prova do realismo, assim o pragmatista é obrigado a subscrever a doutrina da “Modalidade real, incluindo a Necessidade real e a Possibilidade real” (CP 5.457 de 1905).

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O período Monist pode ser caracterizado pelo realismo extremo de Peirce, portanto vamos apresentar alguns comentários que possibilitem uma compreensão maior do que seja este realismo extremo. Segundo Fisch (1986:183), é em uma passagem da Grand Logic. de 1893, que Peirce usa pela primeira vez o termo realismo extremo. É este realismo extremo que vai se tornar a “doutrina da realidade da continuidade”, como Peirce explicita a seguir:

A realidade da continuidade aparece, com maior clareza, com referência aos fenômenos mentais; e tem-se demonstrado que todo conceito geral é, com referência a seus individuais, estritamente um continuum. Isto (sustentado por Kant e outros) não parecia muito evidente à medida em que a doutrina dos gerais restringia-se aos termos não-relativos. Mas, à luz da lógica dos relativos, o geral é visto como sendo precisamente o contínuo. Portanto, a doutrina da realidade da continuidade é simplesmente a doutrina que os escolásticos chamavam de realismo; e, tal como a concebiam, era uma noção bastante simples; contudo, como demonstrou Dr. F. E. Abbot, em outra roupagem é a doutrina de toda ciência moderna. (CP 8, Bibliography General)

Peirce pergunta, o que é esta questão do realismo e nominalismo? E a resposta em suas próprias palavras é a seguinte:

[...] é a questão sobre o que é melhor, as leis ou os fatos sujeitos a estas leis. É verdade que isso não foi expresso dessa maneira. Conforme foi declarado, a pergunta era se os universais, tais como o Cavalo, o Asno, a Zebra, e assim por diante, eram in re ou in rerum natura. Mas que não há grande mérito nesta formulação da questão evidencia-se por meio de dois fatos; primeiro, que muitas respostas diferentes foram a ela dadas, ao invés de um simples sim ou não, e, segundo, que todos os debatedores dividiram a pergunta em várias partes. Era, portanto, uma pergunta ampla e é adequado ir além da letra para examinar seu espírito. A maior parte destes escolásticos, cujos trabalhos são lidos ocasionalmente hoje, eram dualistas comuns; e, quando utilizavam a expressão re ou in rerum natura ao formular a pergunta, eles pressupunham algo a respeito do qual outros debatedores, embora de maneira pouco clara, discordavam. Pois alguns deles consideravam os universais mais reais do que os individuais. Assim sendo, a realidade, ou, como diria eu para evitar qualquer questionamento sobre a questão, o valor ou mérito, não apenas dos universais, mas também dos individuais, era uma parte da pergunta ampla. Finalmente, sempre se concordou que havia outros tipos de universais além de gênero e espécie, e, ao usarmos a palavra “lei”, ou “regularidade”, estamos destacando o tipo de universais aos quais a ciência moderna dedica maior atenção. A grosso modo, os nominalistas concebiam o elemento geral da cognição como uma mera conveniência para compreender este ou aquele fato e que não tinha outro

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valor que não fosse cognição, ao passo que os realistas, falando ainda de modo muito genérico, consideravam o geral não só como o fim e o propósito do conhecimento, mas também como o elemento mais importante do ser. (CP 4.1 de 1898)

Assim, se as leis forem ficções, o mundo em si mesmo não é inteligível e, portanto, não exibe qualquer estrutura racional. Se, por outro lado, as leis são reais, se “as leis são realmente operativas na natureza”, o mundo deve obedecer a algum tipo de lei, “segue-se que estamos fadados a esperar que tal processo lógico da evolução da lei na natureza possa ser descoberto e que é nosso dever, como homens de ciência procurar por ele” (CP 7.480 de 1898). Então, existe a possibilidade de se descobrir a estrutura racional do mundo através da investigação e para Peirce “não haveria tal coisa chamada verdade, a menos que existisse alguma outra coisa que é como é, independente de como possamos pensar que seja. Isto é realidade, e temos de investigar o que é a sua natureza” (CP 7.659 de 1903).

Segundo Fisch (1986: 199), o ponto de disputa entre realistas e nominalistas é a questão da possibilidade real, e só a partir de 1897, é que Peirce encontrou este caminho, quando repudiou a visão nominalista da possibilidade e explicitamente retornou para a doutrina da possibilidade real de Aristóteles. Nesta fase, o próprio Peirce se autodenomina “um aristotélico de inclinação escolástica” (CP 5.77 de 1897). Há, portanto, uma mudança na visão realista, que agora passa a incluir a realidade da Primeiridade, distinguindo a generalidade dos primeiros e dos terceiros, e rejeitando a visão nominalista de que o possível é “meramente aquilo que não sabemos se é verdadeiro” (CP 3.527 de 1897). A passagem a seguir é bem explícita com relação a esses pontos:

É evidente que o pragmatismo envolve o realismo escolástico, uma vez que faz com que todo conteúdo intelectual, e, portanto, o significado da própria realidade consistam naquilo que seria (would’be), sob condições concebíveis, que, em grande parte, jamais podem ser concretizadas. Envolve, portanto, tornar o ser real, incluindo existência. Ora, este é precisamente o ponto de disputa entre os realistas e os nominalistas. “Uma Possibilidade Real”, diz o nominalista, é um contra-senso. Pois o que é possível, não sabemos se é verdadeiro. O realista afirma que há, além disso, uma possibilidade real e uma necessidade real (não uma mera compulsão, mas uma necessidade racional, como nas leis da natureza). (MS 845:29-30 de 1905)

Peirce se refere à seguinte passagem como o seu passo mais decisivo em relação ao realismo, ao acrescentar o possível como modo de ser:

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O possível é um universo positivo, e duas negações se encaixam nele, mas isto é tudo. Obviamente, há o possível lógico geral que não é mais do aquilo que defini. Mas há também um possível que [é] uma outra coisa. Cheguei a esta verdade estudando a questão dos possíveis graus de multiplicidade, e fiquei completamente envolvido até que pude elaborar uma lógica completa da possibilidade - tarefa muito difícil e laboriosa.(CP 8.308 de 1897).

A inclusão do possível como um modo de ser, tem algumas conseqüências para a filosofia peirceana, uma das quais é o abandono da teoria probabilística das freqüências. Outra conseqüência se refere ao esquema das categorias, que se torna fundamentalmente completo, e seu realismo se torna um “realismo de três categorias, após 1900, com a inclusão do possível como um modo de ser ao aceitar as possibilidades reais de Aristóteles, isto é, a realidade da Primeiridade.

Uma conseqüência disto merece uma observação especial, já que há de preocupar nos bastante quando da nossa classificação das ciências, e não obstante geralmente é descuidado e se presume que não é do jeito que é. A saber, segue-se que pode ser quase impossível traçar uma forte linha de demarcação entre duas classes, embora elas sejam classes reais e naturais na estrita verdade. I.e., isto acontecerá quando a forma sob a qual os indivíduos de uma classe se agrupam não for tão diferente à forma sob a qual os indivíduos de outra classe se agrupam, mas de que as variações de cada forma média precisamente possam concordar. Em tal caso, podemos saber em relação a qualquer forma intermediária que proporção dos objetos de essa forma tinha um propósito e que proporção a outra; mas, a não ser que tenhamos alguma informação suplementar, nós não podemos dizer quais tinham um propósito e quais o outro. (CP 1.208 de 1902).

Na Conferência IV do Pragmatismo de 1903 “The Seven Systems of Metaphysics” (PPMRT:189-203), Peirce discute a realidade das três categorias, afirmando que o “Universo é vasto Representamen... e cada símbolo dever ter organicamente ligados a si seus índices de reações e ícones de qualidades” (CP 5.119 de 1903). A Primeiridade é uma realidade consistindo em sua incontrolável presença e seu efeito sobre a consciência, “as premissas do processo da própria natureza são todos os elementos independentes e sem causa que concluem a variedade da natureza, como premissas elas devem envolver qualidades”. Quanto à Segundidade, nós todos admitimos que a “experiência é nossa grande mestre”, praticando um método pedagógico que invariavelmente nos ensina por meio de surpresas; tínhamos uma expectativa baseada naquilo que nos era familiar, ao nosso mundo interno ou ego, mas

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ocorre um novo fenômeno, que é exterior, non-ego, e aí “nada nos resta a não ser aceitar a surpresa” (PPMRT: 202). A Terceiridade é “sinônimo de representação”, é apropriado dizer que um princípio geral que é operativo no mundo real é da natureza essencial de um representação e de um símbolo... (CP 5.105 de 1903). A seguinte passagem, de 1896, também é bastante clara e elucidativa sobre o que estaria envolvido no pensamento peirceano quanto à esta questão:

Novamente aqui, não é o uso da língua que procuramos aprender, mas qual deve ser a descrição do fato para que nossa divisão dos elementos dos fenômenos em categorias de qualidade, fato e lei possa não somente ser verdadeira, mas também ter o maior valor possível, sendo governada pelas mesmas características que realmente dominam o mundo fenomenal. O primeiro requisito é apontar algo que deve ser excluído da categoria do fato, qual seja, o geral, e, com ele, o permanente ou eterno (pois permanência é uma espécie da generalidade), e o condicional (que envolve igualmente a generalidade). A generalidade ou é do tipo negativo que pertence ao meramente potencial, como tal, e assim é peculiar à categoria da qualidade; ou é do tipo positivo que pertence à necessidade condicional, o que é peculiar à categoria da lei. Essas exclusões reservam para a categoria do fato, em primeiro lugar, aquilo que os lógicos chamam de contingente, isto é, o acidentalmente real; e em segundo lugar, o que quer que envolva necessidade incondicional, isto é, a força sem lei ou razão, a força bruta. (CP 1.427 de 1896).

A partir de 1890, o realismo de Peirce vai sendo influenciado pelos grafos existenciais e a geometria tópica, além de sua aproximação com Hegel. Estas mudanças, em conjunto com sua atenção voltada para a importância da continuidade, motivaram o conteúdo das Conferências de Cambridge2 de 1898, sob o título geral de “Reasoning and The Logic of Things”. Os desenvolvimentos apresentados nestas conferências se associam à consolidação do estudo da Lógica dos Relativos, levando Peirce a ampliar o conceito de generalidade, que é fundamental para se entender o “realismo extremo”:

A generalidade é, com efeito, um ingrediente indispensável da realidade, pois a simples existência individual ou concretude sem qualquer regularidade é uma nulidade. O caos é o puro nada. [...] a continuidade é um elemento indispensável da realidade, e

2 Foram oito as Conferências de Cambridge: 1)-Philosophy and The Conduct of Life (RLT:105-

122), 2)-Types of Reasoning (RLT:123-145), 3)-The Logic of Relatives (RLT:165-189) 4)- First Rule of Logic (RLT:165-180), 5)-Training on Reasoning p 181- 196, Conferência 6 Causation and Force (RLT:197-217), 7)- Habit (RLT:218-242), 8)- TheLlogic of Continuity (RLT: 242-270).

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continuidade é simplesmente o que a generalidade se torna na lógica dos relativos e, assim, como a generalidade, e mais do que a generalidade, é um caso de pensamento, e é a essência do pensamento. (CP 5. 436 de 1905)

Também na Grand Logic de 1893, Peirce vai reafirmar que é um “escotista realista”, aprovando inteiramente a breve afirmação do Dr. F. E. Abbot em seu “Scientific Theism”, de que o “realismo está implicado na ciência moderna”. Mas enfatiza que ao se autodenominar um escotista, não “está retroagindo às visões gerais de 600 anos antes”, mas apenas o considera como o ponto mais importante sobre o qual se deve insistir contemporaneamente (CP 4.50 de 1893).

Na análise que faz sobre o realismo peirceano, Ibri (1997:7) comenta que também é da escolástica que Peirce traz para a contemporaneidade a distinção entre realidade (como “expressão ontológica da generalidade dos continua”) e existência (como “o locus do individual”), extraindo duas de suas categorias, inicialmente fundadas fenomenologicamente, e que são a Terceiridade, “o modo de ser real da generalidade da Lei”, e Segundidade, “o modo de ser real do individual ou particular como concreção da generalidade ontológica”, completando suas categorias, numa tríade, em que a Primeiridade, “que subsume, metafisicamente, o modo de ser do incondicionado, daquilo que, fenomenologicamente, aparece como diversidade, assimetria e espontaneidade na Natureza, e que, na sua condição genética de liberdade, contradita o modo de ser da lei, fundado na uniformidade, na ordem e na simetria.”

A insistência na generalidade é perfeitamente consistente com a ênfase na realidade dos individuais reais, o que para um realista scotista, conota um elemento de vontade e resistência, mas, em procedimentos lógicos, significa o teste da verdade e da falsidade de qualquer proposição. Nos procedimentos científicos, a generalidade significa que a integridade da crença geral é mais importante que as crenças verdadeiras individuais, porque é a condição deste procedimento. Da ação do sinequismo, surge a “lei da expansão”, que tanto ser verifica na mente como na evolução do universo:

Que as idéias não possam de modo algum ser ligadas sem continuidade é suficientemente evidente para aquele que reflete sobre o assunto. Mas, ainda pode ser considerado que, uma vez que a continuidade tornou possível a ligação entre idéias, então elas podem ser ligadas de outras formas que não por meio da continuidade. Certamente não posso entender como alguém pode negar que a infinita diversidade do universo, que chamamos acaso, possa aproximar idéias que não estão associadas a uma idéia geral. Ela pode fazer isso muitas vezes. Mas, então, a lei da expansão contínua produzirá a associação mental; e esta é,

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suponho, uma descrição resumida da forma como o universo tem evoluído. Mas, se me for perguntado se um cego “anank” não consegue concatenar as idéias, primeiro eu observaria que ele não continuaria cego. Havendo uma ligação contínua entre as idéias, elas se associariam infalivelmente a uma idéia geral viva, emotiva e perceptível. Depois, não vejo em que consistiria a necessidade ou obrigatoriedade deste “anank”. Na uniformidade absoluta do fenômeno, diria o nominalista. “Absoluta” é uma boa intervenção; pois, se só ocorreu dessa forma três vezes em seguida, ou três milhões de vezes em seguida, na ausência de qualquer motivo, a coincidência só poderia ser atribuída ao acaso. Mas, uniformidade absoluta deve se estender a todo o futuro infinito; e é inútil tratar disso exceto como uma idéia. Não; penso que só podemos afirmar que sempre que as idéias se aproximam, elas se fundem em idéias gerais; e, sempre que elas estejam ligadas de forma geral, essa ligação é governada por idéias gerais; e essas idéias gerais são sentimentos vivos espalhados. (CP 6.143 de 1892

)

Assim, a evolução do universo se dá na direção do crescimento da racionalidade, isto é, do crescimento da terceiridade. Mas, ainda há um elemento de liberdade e de espontaneidade, que é responsável pela aproximação das idéias tanto na mente como no universo, e o elemento que vai promover a esta integração está contido na doutrina do agapismo:

O desenvolvimento agapástico do pensamento é a adoção de certas tendências mentais, não aleatoriamente como no ticasma, nem tão cegamente pela mera força das circunstâncias ou da lógica, como no anancasma, mas por uma imediata atração pela idéia em si mesma, cuja natureza é pressentida antes que a mente a possua, pelo poder da simpatia, isto é, por virtude da continuidade da mente...(CP 6.307 de 1891)

Fazendo um resumo dos principais pontos do Período Monist, estes podem ser assim resumidos: aceitação da realidade da Primeiridade e da Segundidade, conscientização de que a racionalidade humana é um contínuo da racionalidade do universo, como parte da doutrina do sinequismo, desenvolvimento da doutrina do tiquismo e do agapismo, a constatação do inter-relacionamento das ciências normativas, segundo a qual o pragmatismo se torna uma doutrina onde as concepções não são relativas à ação, mas sim

O objetor pode, contudo, tomar uma posição mais rigorosa por confessar-se um realista escolástico, afirmando que os gerais podem ser reais. Uma lei da natureza, então, será por ele considerada como tendo um tipo de esse in futuro. Isto é o mesmo que dizer que eles têm uma realidade presente que consiste no fato de que os eventos ocorrerão de acordo com a formulação dessas leis. CP 5.48 de 1905 .

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ao summum bonum, ou admirável. O desenvolvimento destas questões permitem a melhor compreensão da teoria do método indutivo, a que ele chegou nesta época, caraterizando-se como aquele método que, se levado suficientemente longe, tem a tendência de se autocorrigir. Por outro lado, podemos dizer que as leis são sistemas de relações que prescrevem conduta regular, então sendo uma lei uma regra geral para todos os particulares da existência, esta questão se torna fundamental para se entender a indução, porque o vetor da evolução é também é um vetor de generalização, isto é, do particular para o geral. Do fato de que o mecanismo indutivo é um mecanismo que generaliza do particular para o geral, a passagem evolutiva do caos para o cosmos é da natureza da indução, porque a construção de leis é uma indução. O universo apresenta tem mecanismos da natureza do pensamento, como a formação de hábitos e de generalização, o que do ponto de vista lógico, é uma tendência indutiva (RLT:258 de 1898).

Portanto, o realismo de Peirce implica, não apenas uma consideração de um objeto real, independente do mundo exterior, mas um reconhecimento da realidade dos universais. Para o nominalismo, o continuum é tão somente uma questão de linguagem. Para os nominalistas os universais são simplesmente signos criados para designar a qualidade de coisas particulares. Os nominalistas recusam uma correspondência objetiva de nossos conceitos com as leis da natureza, assim a questão do nominalismo e realismo implica em saber se a verdade das leis ou das nossas inferências lógicas é objetiva ou subjetiva. A grosso modo, os nominalistas concebem o elemento geral da cognição como uma mera conveniência para o entendimento deste ou daquele fato, não acrescentando nada para a cognição, enquanto que o realistas vêem este geral, não só como forma objetiva de conhecimento, mas como o elemento mais importante do ser (CP 4.1 de 1898)

Uma das principais doutrinas destes homens (os nominalistas) ... é aquela herdada das épocas pré-científicas, segundo a qual toda generalização é uma mera matéria de conveniência. O homem científico, de outro lado, sem teorizar sobre os gerais, implicitamente defende que as leis são realmente operativas na natureza, e que a classificação que ele tão duramente está tentando obter é expressiva de fatos reais” (Peirce, N-II)

A natureza se conforma a leis gerais, que realmente determinam como futuros eventos deverão ocorrer e, estas “fórmulas” estão intimamente relacionadas às características da razão humana, ou “toda explicação científica de um fenômeno natural é a hipótese de que há algo na natureza à qual a razão humana é análoga” (CP 1.316 de 1903). Acrescente-se o fato de que a

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natureza foi feita há muito tempo atrás, mas ainda está num longo processo de se tornar cada vez mais admirável à razão humana. Uma lei está sob a terceiridade, é mediação, uma lei pode ser vista como a generalização de um particular porque para uma lei ser verdadeira significa que todos os fatos possíveis, que obedecem a esta regra.

O realismo não é uma hipótese sobre o passado, mas sim sobre a ciência como processo “sócio-histórico” que permite previsões sobre o futuro, porque a “realidade é uma idéia que insiste em se auto-proclamar, quer nós gostemos ou não” (CP 8.156 de 1901

No contexto da filosofia peirceana, a investigação científica é uma atividade voltada para um fim que é a descoberta da verdade e dentro da visão realista, a ciência progride por convergência em direção à verdade, no sentido de correspondência com a realidade. Este é um elemento muito importante, porque a própria validade da indução está relacionada com as previsões, mas não como base para ação, mas como validade do método científico, como um caminho para a descoberta da verdade. Se uma teoria explica os fatos a ela submetidos, ela pode ser considerada verdadeira, e uma teoria é verdadeira porque ela prevê bem o curso futuro dos eventos.

Assim, a teoria do continuum de Peirce pretende demonstrar que a natureza tem continuidade do passado para o futuro, que é a própria legitimação das leis da natureza e da indução, porque se assim não fosse não haveria representação. É a regularidade, generalidade, continuidade que permitem a representação.

Mas, se de outro lado, for concebível que o segredo seria revelado à inteligência humana, será algo que o pensamento pode alcançar. Ora, o pensamento é da natureza de um signo. Neste caso, então, se pudermos descobrir o método certo de pensar – o método certo de transformar signos- e pudermos segui-lo, então a verdade não pode ser nada mais nada menos do que o último resultado para o qual, seguindo aquele método, finalmente seríamos levados. Neste caso, isto a que a representação se conformaria é algo da natureza da representação ou signo – alguma coisa nomológica, concebível, e definitivamente uma coisa-em-si-mesma. (CP 5.553 de 1905)

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PARTE II A VERDADE SERIA O FIM IDEAL DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA?

Se houve, nos últimos séculos, mutação decisiva no complexo desenvolvimento ocidental, foi sem dúvida a que levou a considerar-se a verdade não como uma garantia, a mais segura e sólida das garantias, do conhecimento, mas

como o objecto de uma suspeita, e de uma suspeita extrema, radical, quanto ao seu valor na compreensão do mundo, dos

fenômenos, dos acontecimentos. (Carilho)

O homem de ciência recebeu uma forte impressão com a majestade da verdade, como aquela frente à qual, mais cedo

ou mais tarde, cada joelho deverá se curvar" (Peirce)

Somente estou dizendo ser isso o que eu chamo de Verdade. Não posso infalivelmente saber se existe alguma verdade.

(Peirce, Cartas para Lady Welby)

A primeira pergunta é: Supondo que uma tal coisa seja verdade, que tipo de prova devo demandar para satisfazer-

me de sua verdade? (Peirce)

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1. TEORIAS DA VERDADE

Aparte objetos abstratos como proposições e sentenças, se é que temos isso, as únicas coisas neste mundo que são verdadeiras são alguns enunciados e algumas crenças. Quando dizemos que um enunciado ou uma crença é verdadeira, predicamos com verdade tal enunciado ou crença, assim, eu não vejo nenhum mal em manter que a verdade é uma propriedade. (Davidson) .

Raramente as grandes descobertas ou invenções são rapidamente reconhecidas. O cientista, como qualquer outro profissional, comete às vezes erros de julgamento devido a preconceitos ou à aceitação cega de "verdades" ditadas por grandes nomes. Não há um sistema perfeito, pois não somos perfeitos. O que vale é nos enamorarmos de uma idéia, mas nunca cegamente. (Gleiser)

Este capítulo apresenta um panorama resumido de vários projetos sobre

as teorias da verdade, ou seja, pretende ser um mapeamento dessas teorias para contextualizar a teoria da verdade desenvolvida por Peirce.

Segundo Rorty (1997:55), em nossa cultura as noções de “ciência”, “racionalidade”, “objetividade”, e “verdade” estão em ligação estreita umas com as outras, “a ciência é pensada como fornecendo uma verdade “sólida”, “objetiva” e a verdade enquanto correspondência à realidade seria o único tipo de verdade “digno desse nome”.

Nesse contexto, Searle (1993) argumenta que as relações entre a realidade e o pensamento têm uma longa história na tradição ocidental, relações essas que envolvem uma concepção particular de verdade, razão, realidade, racionalidade, lógica, conhecimento, justificação e demonstração e que seriam tão fundamentais, que de certa forma definiriam essa tradição. Para Searle, a concepção mais simples de ciência teria como objetivo formular um conjunto de frases verdadeiras, na forma de teorias, que são verdadeiras porque correspondem aproximadamente a uma realidade independente do pensamento. Assim, para a concepção de metafísica ocidental subjacente à concepção ocidental de ciência, o principio fundacional seria o realismo, para o qual a realidade existe independentemente das representações humanas. Searle também argumenta que há muitas teorias da verdade, mas é a teoria da verdade por correspondência a mais importante para a tradição ocidental.

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Davidson (1990) também considera que inegavelmente há uma longa tradição na qual o conceito de verdade seria um dos assuntos mais importantes da discussão filosófica, mas a partir do século XX essa tradição tem sido questionada por um grande número de filósofos, para não mencionar os historiadores, críticos da literatura, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos e outros.

Goodman (2001) argumenta que a verdade vem sendo amplamente atacada e, quando filósofos se encontram para discutir os modos do conhecimento ou de crença, alguns tratam a palavra verdade como algo vergonhoso. Outros consideram dogmáticos ou fascistas aqueles que acreditam que exista realmente uma verdade a ser conhecida, verdade esta que pode ser de qualquer espécie.

Assim, não causa surpresa que uma revisão da literatura traga uma grande variedade de conceitos ou teorias muito divergentes, principalmente se considerarmos áreas como a semântica, lógica, epistemologia ou ontologia. Uma das divergências mais profundas se refere a se a noção de verdade seria epistêmica, ontológica, lingüística, pragmática ou se a noção de verdade seria substancial ou deflacionária. Deve-se enfatizar que não é nosso escopo aqui responder a questões do tipo: quais são os problemas filosóficos da verdade ou quais questões deveria uma teoria da verdade responder.

À guisa de introdução vale considerar as argumentações de Marcelo Gleiser (Professor de física e astronomia do Dartmouth College, USA, e autor do livro A Dança do Universo), em um artigo denominado “A Dolorosa Busca Pela Verdade”, segundo o qual verdade, mesmo nas ciências exatas, é um conceito que exige muito cuidado. Em princípio, não há uma verdade final, uma teoria "perfeita" do mundo. O que existe são aproximações, algumas mais precisas do que outras, como os modelos matemáticos que descrevem os fenômenos que observamos na natureza. Complementando, o físico diz:

Em raras ocasiões, teorias podem até prever a existência de novos fenômenos ou objetos ainda não observados ou descobertos, como se nossa imaginação se antecipasse aos nossos “olhos", criando realidades que depois comprovamos existir. [...] O ceticismo que marca o trabalho do cientista é ao mesmo tempo fundamental e brutal para preservar a credibilidade da ciência. No seu trabalho, o cientista tem poucas certezas. Uma delas é a do ceticismo com que uma idéia nova será acatada. Isso se ela não for completamente desprezada, claro. A grande vantagem desse sistema é que se uma idéia for mesmo correta, ela será aceita pela comunidade científica. Anos, ou mesmo décadas, podem se passar antes que isso aconteça, o que muitas vezes pode trazer grande sofrimento e desespero ao seu proponente. Se

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por um lado temos de acreditar em nossas idéias e saber como defendê-las das críticas de colegas, por outro devemos também saber aceitar quando estamos errados, evitando frustrações ainda mais prolongadas. Essa lição oferecida pela ciência pode ser muito útil também fora dela.”(GLEISER, 1999: 1-14)

Os comentários acima, feitos por Gleiser, como cientista, enfatizam que o conceito de verdade tem um duplo caráter curioso e instigante, porque de um lado aparece como uma idéia clara e simples e por outro lado, essa aparente clareza e simplicidade, num exame mais atento pode conduzir a contradições lógicas ou problemas insolúveis.

Há dois tipos de observação que fazem o conceito de verdade aparecer claro e simples. O primeiro pode ser encontrado no trabalho de alguns filósofos, entre eles Aristóteles3, autor da citação a seguir:

O fato de ser de um homem traz consigo a verdade da proposição de que ele é, e a implicação é recíproca: porque se um homem é, a proposição na qual alegamos que ele é verdade, e inversamente, se a proposição na qual alegamos que ele é verdade, então ele é. A proposição verdadeira, porém, não é de maneira nenhuma a causa do ser do homem, mas o fato do homem ser parece ser de alguma maneira a causa da verdade da proposição, porque a verdade ou falsidade da proposição depende do fato do homem ser ou não ser. (ARISTÓTELES, Categorias: 14b14-18)

O segundo tipo de observação foi feito pela primeira vez no século XX, e é atribuído a Ramsey. No entanto, sua formulação mais clara está na Convenção T de Tarski, implicando nos dois famosos bicondicionais: a neve é branca é verdade se e somente se a neve é branca ("„p‟ é verdadeiro se e só se p"), isto é, uma sentença na forma p é verdadeira implica a sentença p e vice-versa. Tarski, em “Verdade e Demonstração”, considera que a noção de verdade ocorre em muitos contextos diferentes, existindo diversas categorias distintas de objetos aos quais o termo verdadeiro é aplicado. Mas no que se refere à noção lógica de verdade, o significado do termo verdadeiro será

3 Para alguns autores é do pensamento aristotélico que derivam duas das mais tradicionais

teorias da verdade, a por correspondência e a da coerência, e partindo da teoria da correspondência pode-se encontrar as teorias pragmáticas e as semânticas. Por outro lado, das teorias semânticas são derivadas as teorias não tradicionais, deflacionistas ou minimalistas.

Dizer do que é que não é, ou do que não é, que é falso: enquanto dizer do que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro. (ARISTÓ-TELES, Metafísica)

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tomado com relação a sentenças e sua concepção de verdade parece concordar essencialmente com a de Aristóteles, na qual a palavra “falso” significa o mesmo que “não verdadeiro”, podendo ser por ela substituída, se referindo na visão de Tarski a apenas sentenças que “dizem” de alguma coisa que esta “é” ou “não é.”

Segundo Chauí (1994:98-99), nossas acepções comuns de verdade dependem muito das acepções que emergem de diferenças lingüísticas. Em grego, verdade é aletheia, com referência àquilo que não está oculto ou não está dissimulado. Aletheia é o oposto de pseudos, que é justamente o escondido, o que está dissimulado. Quando predomina a aletheia, considera-se que a verdade está nas próprias coisas, ou na própria realidade e a marca do conhecimento verdadeiro seria a evidência.

Gadamer (2002:46) chama atenção para a relação privilegiada da verdade com a ciência. Para ele, é evidente que foi a ciência que “cunhou a civilização ocidental em seu modo de ser peculiar e também em sua unicidade”, e aletheia significa propriamente “desocultação” ou seja, a verdade é “desocultação”.

Por outro lado, ainda segundo Chauí (1994:98-99), em latim, verdade é veritas, e se refere à exatidão de um relato, ou ao grau de exatidão de um relato. Não se trata aqui da verdade como uma qualidade das coisas, mas do quanto uma narrativa é acurada, exata, pormenorizada. Quando predomina a veritas, considera-se que a verdade depende da precisão e do rigor na criação e uso das regras de linguagem. Também não se pode esquecer de que, em hebraico, verdade (emunah), se refere ao que foi pactuado, para o presente ou para o futuro e tem a ver com a idéia de algo que se espera ou foi combinado vá mesmo acontecer. Quando predomina a emunah, a verdade depende de um acordo ou de um pacto de confiança entre os pesquisadores.

Carrilho (1990:31) explica que a problemática da verdade se desenvolve segundo dois tipos de abordagem, a genealógica e a epistemológica, que correspondem a dois modos de pensar a articulação conhecimento/verdade. No primeiro caso, a ênfase está não só em justificar o conhecimento como também usar como modelo o conhecimento científico e, no outro, interrroga-se o valor desse mesmo modelo e seu significado.

Blackburn e Simmons (1999) ao analisar a verdade indagam o que compartilham as proposições verdadeiras ou o que falta às proposições falsas? Para esses autores, “a verdade sobre como as coisas são, corresponde a afirmação falsa que elas são de outro modo”, assim:

Suponha que chamamos as coisas que poderíamos dizer ou acreditar, de proposições [...]. Então, verdade é

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similarmente abstrato no que ela pode ser aplicada a proposições de qualquer espécie, sobre qualquer assunto. Podemos falar de mente, matéria, números, tempo, do que foi e do que será, ou do que poderia te sido, e podemos falar de coisas mundanas tais como neve e pingüins. E sobre todos esses assuntos, podemos dizer coisa que são verdadeiras, ou, é claro, coisas que não são verdadeiras. (BLACKBURN E SIMMONS, 1999)

Musgrave (1999:247), considera que o problema filosófico da verdade se refere a duas questões, a primeira corresponde ao significado de dizer que algo é verdadeiro e a segunda tem a ver com o que é a verdade na qual estamos interessados ou como a encontramos a verdade?

Da Costa (1997:22) considera que o conhecimento acha-se correlacionado com verdade e por dependerem da verdade, tanto o conhecimento como a lógica “acham-se imbricados entre si”. Também do ponto de vista epistemológico, verdade e justificação são dois conceitos que têm ligação.

Já para Kirkham (1997:49), a justificação deve ser defendida ou analisada com referência à verdade, ou como se diz usualmente, o conceito de justificação pressupõe o de verdade

No entanto, há autores que discordam desse ponto de vista. Entre esses pode–se destacar Rorty (1979:280), para quem as teorias sobre verdade e significado são desnecessárias. Segundo ele, a tese da justificação/verdade é muitas vezes defendida apenas como entrada para outras doutrinas e seria apenas uma forma de expressar a hipótese de que não há realmente nenhum programa filosófico no qual a verdade possa exercer seu papel.Assim, não necessitaríamos nenhuma teoria da verdade distinta da teoria da justificação. Também para Rorty, a tese da justificação seria uma metáfora para a tese de que a verdade é relativa ao esquema conceitual ou uma forma de negar que a verdade tenha algum valor epistemológico.

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Figura 1 Natureza da Verdade

NÃO. A Verdade expressa uma propriedade qualquer? SIM. Ela tem mais de uma?

SIM, pluralismo. NÃO, mas a verdade seria pelo menos epistêmica?

NÃO, redundância ou

prossetencialismo. SIM, minimalismo.

A verdade tem uma natureza?

SIM, pragmática,

verificacionista, coerência.

NÃO, a verdade seria uma relação

entre o pensamento e o mundo?

SIM, correspondência.

NÃO, teoria da Indentidade.

SIM e Não Heiddeger. Fonte: Lynch 2001

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2. ARGUMENTOS, INFERÊNCIAS E VALIDADE

Antes de prosseguirmos com a discussão sobre

as teorias da verdade, vamos apresentar alguns conceitos relacionados com esse tema: argumentos, inferências e validade.

Em 1867, ainda sob forte influência kantiana, no texto “On the Natural Classification of Arguments” (CP 2.451-2.516) Peirce define argumentos e inferências em termos silogísticos. Toda inferência contém três partes essenciais: premissa, conclusão e um princípio guia de inferência. Algumas das definições apresentadas neste ensaio são as seguintes:

O termo "argumento" significa um conjunto de premissas consideradas como tais;

O termo "premissa" vai se referir a algo estabelecido (seja numa forma permanente ou comunicável de expressão ou somente em algum signo imaginado) e não a algo só virtualmente contido no que é dito ou pensado, e também somente aquela parte do estabelecido que é (ou se supõe que seja) relevante para a conclusão (CP 2.461 de 1867);

Toda inferência envolve o juízo de que se proposições tais como as premissas são verdadeiras, então uma proposição relacionada com ela, tal com a conclusão, há de ser ou é provável que seja verdadeira (CP 2.462 de 1867);

Um argumento válido é aquele cujo princípio guia é verdadeiro (CP 2.463 de 1867). Para que um argumento determine a verdade necessária ou provável de sua conclusão, devem ser verdadeiros tanto as premissas como o princípio guia. Não há argumento sem premissas e sem princípio guia (CP 2.464 de 1867).

A relação entre as premissas e o princípio guia também é explicada neste texto: uma inferência consiste em premissas, conclusão e o princípio guia (ou regra de inferência), de acordo com o qual, a conclusão se segue das premissas (CP 2.465 de 1867).

O princípio guia contém, por definição, tudo o que se considera requisito, além das premissas, para determinar a verdade necessária ou provável da conclusão, não pode conter nada que seja irrelevante ou supérfluo (CP 2.466 de 1867).

[...] meu interpretante final é o resultado interpretativo ao qual todo intérprete está destinado a chegar se o signo for suficiente-mente considerado {...} O interpretante final é aquilo para o qual o real tende. (Peirce SS:111)

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Posteriormente, Peirce vai explicar as inferências como a passagem de determinadas idéias ou crenças para outras idéias ou crenças, de acordo com um princípio guia, que seria uma regra da qual estamos conscientes e seguimos quando fazemos inferências, isto é, uma regra pela qual as premissas da inferência são relacionadas à conclusão. Portanto, uma inferência válida tem um princípio guia verdadeiro. Há um ponto importante a ser notado, que é o seguinte: quando se diz que um princípio guia verdadeiro permite extrair conclusões verdadeiras de premissas verdadeiras, isso não significa que aconteça em todos os casos, porque alguns princípios guias permitem extrair conclusões verdadeiras apenas numa proporção de casos, e é esta a distinção entre a inferência necessária e provável. Para Peirce todas as formas de inferência válida compartilham um mínimo princípio guia que fundamenta qualquer inferência: “se dois fatos se relacionam como razão e conseqüente, se a razão é verdadeira, o conseqüente é (ou provavelmente ou necessariamente) verdadeiro” (W2:295)

Peirce define argumento silogístico como “um argumento simples, completo válido”. Um argumento silogístico tem a forma geral:

S é M, M é P, S é P e a forma do silogismo em Barbara é: M é P, S é M; S é P (CP 2.466-78 de 1867).

Se o argumento tem premissas verdadeiras e conclusão falsa, ele é inválido. Um argumento é válido apenas se não tiver e não puder ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.

No texto “Some Consequences of Four Incapacities” (CP 5.264-317 de 1868), Peirce argumenta que todo raciocínio válido tem uma forma geral e “ao tentar reduzir toda ação mental às fórmulas da inferência válida, procuramos reduzi-la a um único tipo singular” (CP 5.279 de 1868). Todo argumento implica na verdade de um princípio geral de procedimento inferencial (quer envolva alguma matéria de fato referente ao assunto de um argumento ou simplesmente uma máxima relacionada com um sistema de signos), de acordo com o qual é um argumento válido (CP 5.280 de 1868).

Dizer que um argumento é válido é dizer que ele é tão verdadeiro como pretende ser, o que é essencial para o raciocínio. (CP 2.446 de 18976). Considerando-se um argumento válido, então dedutivamente se as premissas são verdadeiras, a conclusão será necessariamente verdadeira. Assim,

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premissas e conclusões precisam ser capazes de serem falsas ou verdadeiras, o que leva muitos autores a decidirem se são sentenças, enunciados ou proposições.

Haack (2002:114) define sentença como qualquer cadeia gramaticalmente correta e completa de expressões de uma língua natural. Por enunciado, indica-se o que é dito quando uma sentença declarativa é proferida ou escrita, embora fique a dúvida se todo proferimento ou inscrição de uma sentença declarativa vai produzir um enunciado. Por proposição, entende-se o que é comum a um conjunto de sentenças declarativas anônimas. Dessa explicação resulta que se pode ter a mesma sentença, mas diferentes enunciados, ou o mesmo enunciado, mas diferentes sentenças e diferentes proposições, ou a mesma proposição, mas diferentes sentenças e diferentes enunciados.

Haack (2002:117), também argumenta que a atitude que se tem face aos enunciados, sentenças ou proposições é marcada por concepções metafísicas, ou seja, os nominalistas ou os extencionalistas tendem a uma predisposição contrária em face dos enunciados e das proposições e favorável em face de sentenças. Usualmente, a disputa a respeito dos portadores da verdade se dá quando se assume que a verdade é uma propriedade, então dever-se-ia ser capaz de identificar o tipo de coisa que a possui.

Alguns autores (entre eles Strawson, 1950 ou Putnan, 1971), argumentam que é impróprio ou mesmo destituído de significado falar que as sentenças são verdadeiras. Assim, para se admitir que sentenças sejam pode –se explorar a estrutura gramatical na definição de verdade, como em algumas versões da teoria da correspondência e, mais notadamente a teoria semântica de Tarski. Embora claramente as sentenças possuam estrutura gramatical, os enunciados e as proposições sendo extralingüísticos não o possuem, assim, a plausibilidade da teoria de Tarski poderia ser uma razão para se considerar sentenças como portadoras de verdade.

Para Tarski, o conceito de verdade depende da linguagem particular que será considerada. A validade, em um sistema lógico-formal, pode ser definida tanto sintaticamente quanto semanticamente, isto é, em termos dos axiomas ou regras do sistema ou em termos de sua interpretação.

Por outro lado, é interessante enfatizar a conceituação de Peirce com relação a raciocínio:

Raciocínio é um processo no qual o pensador está consciente de que um julgamento, a conclusão, é determinado por outro julgamento ou julgamentos, as premissas, de acordo com um hábito geral de pensamento, o qual ele pode não estar

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precisamente apto a formular, mas que ele aprova como conduto para o verdadeiro conhecimento. Por conhecimento verdadeiro ele quer dizer, apesar de que ele não está usualmente apto a analisar seu significado, o conhecimento último no qual ele espera que a crença final não seja perturbada pela dúvida, ao olhar para o assunto particular ao qual sua conclusão se relaciona. [...] o raciocínio, desta forma, começa com premissas que são adotadas como representando perceptos, ou generalizações de tais perceptos, ou antes, a proposições expressando fatos da percepção. (CP 2.773 de 1901)

3. CATEGORIZAÇÃO DAS TEORIAS DA VERDADE

Há várias classificações para as teorias da verdade. A de Kirkham (1995:20) nos parece uma das mais completas e adequadas ao escopo deste trabalho, conforme mostra o quadro a seguir, embora no decorrer deste capítulo façamos menção a outras classificações como as de Blackburn & Simmons (1999) ou Musgrave (1999).

Kirkham (1995:20) propõe três grandes divisões para as teorias da verdade: o projeto metafísico, o projeto de justificação e o projeto dos atos de fala.

O projeto metafísico teria como objetivo identificar no que consiste a verdade, ou, o que seria uma proposição verdadeira. Esse projeto tem três ramos, que são o extensional, naturalístico e essencial.

Com relação ao projeto de justificação, alguns filósofos buscaram descobrir que tipo de evidência pode ser usada para determinar se uma dada proposição é ou não provavelmente verdadeira. O que conta como evidência relevante varia de acordo com cada tipo de proposição, se referente a objetos físicos ou abstratos. As teorias de justificação respondem a questões do tipo: para uma dada proposição (crença ou sentença), quando e como se pode estar justificado em pensar que ela seja verdadeira. São exemplos do projeto justificação: Bradley, James e Blanshard.

QUADRO 3. Uma categorização das teorias da verdade 1. PROJETO METAFÍSICO

A. projeto extensional

Filósofo Escola teórica

Tarski Teoria semântica

Kripke Teoria semântica

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B. projeto naturalístico

C. projeto essencial

Filósofo Escola teórica

Peirce Pragmaticismo

William James Instrumentalismo

Russel Teoria da correspondência

Austin Teoria da correspondência

Blanshard Teoria da coerência

Horwich

2. O PROJETO DE JUSTIFICAÇÃO

Filósofo Escola teórica

Bradley Teoria da coerência

William James Instrumentalismo

Blanshard Teoria da coerência

Outros Fundacionalismo

3. PROJETO DOS ATOS DE FALA

A. projeto ilocucionário

Filósofo Escola teórica

Strawson Teoria da performance

Price Teoria darwiniana

B. projeto asserção

C. projeto atribuição

pessoa comum (ingênua)

projeto estrutura profunda

Filósofo Escola teórica

Ramsey Teoria redundante

White Teoria da avaliação

Williams Teoria redundante

Grover, Camp e Belnap Teoria “prossentencial”

Fonte: Kirkham (1995:37).4

Com relação ao projeto dos atos de fala, este tem como objetivo

descrever os propósitos locucionários ou ilocucionários que usam expressões que parecem imputar a propriedade da verdade alguma proposição. Podem ser classificados em ilocucionários, asserção ou atribuição.

3.1. projeto metafísico

4 Segundo Kirkhan, Field, Davidson e Dummet foram excluídos desta lista porque não teriam uma

teria da verdade, mas estariam defendendo projetos mais simples.

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O projeto metafísico pode ser dividido em: extensional, naturalístico e essencial.

O projeto extensional, que é a primeira divisão do projeto metafísico, objetiva identificar as condições necessárias para que uma proposição seja membro de um conjunto de proposições verdadeiras. Em outras palavras, ele fixa a extensão do predicado “é verdadeiro”, fornecendo uma especificação não circular do conjunto de todas as proposições verdadeiras, uma expressão extensionalmente equivalente a “é verdadeiro” e fornecer uma proposição que implique materialmente “x é verdadeiro”.

São representantes do projeto extensional Tarski e Kripke (teoria semântica). Tarski apresenta seu projeto de estruturação formal segundo o qual a definição de verdade é relativa a uma linguagem, isto é, há uma estrutura da linguagem, na qual a definição de verdade é dada e apresentam-se os conceitos que devem ser empregados na definição e regras formais às quais a definição deve se conformar. Dessa forma, uma mesma sentença pode ser verdadeira em uma linguagem e ou falsa ou sem significado em outra e, os paradoxos podem ser evitados pela utilização de uma meta-linguagem.

Tarski (1969:63) usa o termo verdade exclusivamente se referindo a sentenças, isto é, verdade semântica. Tarski considera que a noção de verdade ocorre em diferentes contextos e há numerosas categorias distintas de objetos aos quais o termo pode ser aplicado, por exemplo, numa discussão psicológica se poderia falar em emoções ou crenças verdadeiras, numa discussão sobre o domínio da estética, a verdade intrínseca de um objeto poderia ser analisada...

Por outro lado, Popper baseou sua teoria da verossimilhança ou proximidade da verdade na teoria de Tarski, argumentando que ela seria uma versão mais precisa do que as teorias da correspondência (Haack, 2002:129) Posteriormente, Gottlieb, Frege, Ramsey vão argumentar a adição do predicado verdade não contribui com nenhum novo conteúdo para uma sentença enquanto Apel (1983:190) critica a explicação semântica da verdade por razões semióticas, porque essa concepção, restrita a linguagens formalizadas, deve abstrair a dimensão pragmática do uso ou interpretação da linguagem.

O projeto naturalístico, que é a segunda divisão do projeto metafísico, tem como objetivo encontrar condições, em qualquer mundo natural, que sejam individualmente necessárias ou conjuntamente suficientes para que uma proposição seja, pelo menos contingentemente verdadeira naquele mundo. Vale observar, segundo Kirkham (1995:23), que a análise fornecida por uma teoria naturalista correta da verdade é verdade somente em um mundo com todas e as mesmas leis da natureza como esta. Por outro lado, esta análise

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não precisa ser uma lei da natureza por si própria. Muitas teorias sobre o que é uma lei da natureza constrangem ainda mais o que pode ter importância como tal lei, além do simples requisito de que a proposição em questão seja verdadeira em todos os mundos naturalmente necessários.

Sendo as leis da lógica verdadeiras em qualquer mundo possível e não em qualquer mundo naturalmente possível, alguns filósofos tentaram uma análise da verdade em seu grau máximo de universalidade. Esse é o projeto essencial (a terceira diivsão do projeto metafísico), que busca uma expressão que seja equivalente para “x é verdadeiro”, em todos os mundos possíveis. Esse projeto é defendido por Peirce, James, Russel, Austin, Blanshard, Horwich.

Para Kirkhan (1995:72), o projeto metafísico parece não ter interesse em fornecer um critério que pudesse realmente ser usado para determinar se uma proposição é verdadeira, porque seguramente identifica as condições necessárias e suficientes para a verdade. Ainda segundo Kirkham, as respostas aos ramos do projeto metafísico podem ser divididas em duas grandes categorias: as teorias realistas e as não realistas. As teorias realistas incluem aquelas historicamente denominadas de correspondência e as não realistas incluem as de semântica, coerência e redundância.

[...] uma condição ulterior, para que uma teoria que valha como uma teoria Realista da verdade, é que o fato em questão deve ser independente da mente, isto é, nem sua existência nem sua natureza depende da existência de qualquer mente, nem dos pensamentos de qualquer mente, nem do esquema conceitual de qualquer mente, nem das capacidades epistêmicas, limitações, ou realizações de cada mente. (KIRKHAM, 1995:72) 5

3.2 projeto de justificação

Com relação ao projeto de justificação, alguns filósofos buscaram descobrir que tipo de evidência pode ser usada para determinar se uma dada proposição é ou não provavelmente verdadeira. Aqui, o que conta como

5 Um fato é, portanto, um state of affairs no mundo real. O termo state of affairs é usado em

sentido filosófico, ou seja, qualquer coisa que possa ser afirmada verdadeira ou falsa com uma sentença declarativa Uma outra condição para que uma teoria seja realista é que seja independente da mente, ou seja, sua existência ou natureza não depende da existência de qualquer mente. Dessa forma, uma teoria realista da verdade impõe uma certa condição ontológica para o truth bearer (portador da verdade). Como veremos ainda neste capítulo, a teoria da verdade de Peirce é realista, preenchendo os requisitos acima descritos.

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evidência relevante varia de acordo com cada tipo de proposição, se ela se refere a objetos físicos ou abstratos. As teorias de justificação respondem a questões do tipo: para uma dada proposição (crença ou sentença), quando e como se pode estar justificado em pensar que ela seja verdadeira. São exemplos do projeto justificação: Bradley, James e Blanshard.

Para Kirkham, em nenhum momento se poderia pensar em uma teoria de justificação para fornecer uma definição de verdade. Os teóricos da teoria da justificação se referem a “critérios de verdade”, que contrastam com as teorias metafísicas, porque no projeto metafísico, ao identificar as condições necessárias e suficientes para a verdade, se estabelece um conjunto de critérios para se determinar se uma dada proposição é verdadeira.

Davidson (1990:307-308) argumenta que ”igualar a verdade com justificativa tem a implicação intuitiva contrária que o valor de verdade de uma afirmação pode mudar, quanto mais evidência relevante se encontrar disponível”.

Na teoria da justificação se busca um critério prático de verdade, assim as teorias de justificação não seriam teorias de verdade propriamente dita. Além do mais alguns filósofos foram interpretados com tendo negado a diferença entre verdade e justificação, por exemplo, James, Blanchard ou Dummet.

3.3 projeto dos atos de fala

Conforme explicação anterior, o projeto dos atos de fala tem como objetivo descrever os propósitos locucionários ou ilocucionários que usam expressões que parecem imputar a propriedade da verdade a alguma proposição. Podem ser classificados em ilocucionários, asserção e atribuição. O projeto ilocucionário é defendido por aqueles que estão convencidos de que as expressões em questão não tem nenhum propósito locucionário. É defendidos por Strawson e Price. Já o projeto asserção é defendido por aqueles que estão convencidos de que as expressões em questão têm um propósito locucionário. O projeto atribuição é defendido por aqueles que acreditam que o uso de tais expressões constituem um guia confiável e seguro do que estamos dizendo quando as usamos (Ramsey, White, Williams, Grover).

Musgrave (1999:149) classifica a verdade em objetiva e subjetiva, assim se definirmos verdade consistindo “não em uma relação entre crença e o mundo externo, mas de “alguma propriedade interna das crenças”, assumindo

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que o “believer” pode saber se sua crença é verdadeira, então o “believer” pode também conhecer a verdade, o que Musgrave chama de verdade subjetiva:

A teoria da auto-evidência: uma crença é verdade se e tão somente se ela é auto evidente para mim;

A teoria da indubitabilidade: uma crença é verdade se e tão somente se eu não posso duvidar dela;

A teoria da percepção clara e distinta: uma crença é verdade se e tão somente se eu a perceber clara e distintamente;

A teoria da coerência: uma crença é verdade se e tão somente se ela é coerente com o resto de minhas crenças,

A teoria pragmaticista: uma crença é verdade se e tão somente se eu achar útil tê-la;

A teoria da verificação: uma crença é verdade se e tão somente se ela é confirmada por minha experiência

A teoria do consenso: uma crença é verdade se e tão somente se minha comunidade intelectual concorda com que ela é.

Mas segundo Musgrave, uma objeção que se faz às teorias subjetivas é que elas podem conduzir ao relativismo, isto é, uma proposição pode ser verdadeira, ou coerente, ou confirmada pela experiência para um indivíduo e não para outro.

[...] o subjetivismo da verdade acarreta necessariamente o relativismo da verdade, e isso desafia as duas leis da verdade. Estas são as leis do meio excluído ('ou s é verdade ou não s é verdade') e a lei da contradição ('S e não-S não são ambas verdade). Suponha que consigamos condições de adequação para estas leis a qualquer avaliação da verdade, iisto é, requeiramos que qualquer avaliação garanta que estas leis sejam adequadas. Então, qualquer teoria subjetiva de verdade deve ser julgada inadequada. Assim temos um argumento reductio ad absurdum contra teorias da verdade subjetiva: elas deverão ser rejeitadas porque conduzem aos absurdos do relativismo e à violação das leis da verdade.[...] a esperança é que socializando-se desta maneira, em última análise, o ideal e o relativismo da verdade serão evitados e as leis da verdade serão preservadas. (MUSGRAVE, 1999:149)

Blackburn & Simmons (1999:1-29) classificam as teorias de verdade em

dois tipos: teorias tradicionais de verdade e teorias minimalistas. Teorias tradicionais de verdade

As teorias tradicionalistas da verdade, ou seja, as teorias substantivas de verdade. As teorias tradicionais ainda são defendidas, mas atualmente

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as versões das teorias minimalistas são mais populares. As teorias substantivas ou tradicionais da verdade são basicamente quatro: a teoria da correspondência, a teoria da coerência, a teoria pragmatista e a teoria da verificação ideal. Analisando- se inicialmente as teorias tradicionais de verdade, considera-se que X é uma frase, uma declaração, um pensamento ou uma proposição e que o símbolo sse (iff) é o "se e somente se", então, as quatro teorias podem ser assim expressas:

Teoria da correspondência: X é verdadeiro sse X corresponde a um fato (a teoria da correspondência será detalhada ainda neste capítulo). As teorias da correspondência entendem que a verdade de uma proposição consiste não em suas relações com outras proposições, mas em sua relação com o mundo, sua correspondência com os fatos. Foram sustentadas por Russel, Wittgenstein, e Austin.

Teoria da Coerência: X é verdadeiro sse X é um membro de um conjunto de crenças coerente internamente; os defensores da teoria da coerência apresentam a idéia de verdade como relações de coerência dentro de um conjunto de crencas. Teorias da coerência foram propostas por Bradley, Neurah, Resher, e Dauer. Segundo Schmitt (1995:103) em uma teoria da coerência, uma proposição verdadeira é aquela que pertence a algum conjunto coerente de proposições, sendo esse conjunto designado tipicamente definido de forma epistemológica Para os defensores dessa concepção, a frase ou proposição são verdadeiras na medida em que formam estruturas coerentes ou consistentes.

Teoria da Verificação Ideal: X é verdadeiro sse X é provável, ou verificável em condições ideais. Teoria Pragmatista ou pragmática: X é verdadeiro sse X é útil de se

acreditar; para os pragmatistas é importante o critério de como as pessoas utilizam verdade ou verdadeiro como expressão de valor a uma sentença. A teoria pragmatista foi desenvolvida nas obras de Peirce, Dewey, James e Dummet. Segundo Haack (2002: 129), Dewey e James têm afinidades tanto com as teorias da coerência quanto com as da correspondência, ao admitir que a verdade de uma crença deriva de sua correspondência com a realidade. Mas Schimitt (1995:103) argumenta que a teoria pragmática da verdade torna verdade uma relação entre proposições e crenças. Nesse sentido, está ligada com o relativismo e pode se constituir em uma variação da teoria da correspondência. Já segundo Rorty (1989), para os pragmatistas, a verdade é apenas o nome de uma propriedade que todos as proposições verdadeiras compartilham (Rorty, 1989). As

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principais teses da abordagem pragmática podem ser resumidas segundo a figura a seguir:

Figura 2 Teses da abordagem pragmática Fonte: Haack, 2002

Para Tarski (1991:94), a concepção pragmática e a teoria da coerência

parecem ter caráter exclusivamente normativo, mantendo pouca conexão com o uso real do termo verdadeiro, e ainda não foram formuladas com “um bom grau de clareza e precisão”.

Numa outra perspectiva, Da Costa (1997:22) considera que existem pelo menos três teorias da verdade relevantes em ciência: a teoria da correspondência, a da coerência e a pragmática. No entanto, em cada domínio da ciência empírica, dever-se-ia utilizar o sistema cognitivo que melhor desse conta do mesmo.

Teorias minimalistas

As teorias minimalistas pertencem ao campo semântico, sendo as principais a teoria deflacionista, a teoria da redundância de Ramsey e a teoria semântica de Davidson.

Começando pela teoria deflacionista, deve-se enfatizar que Horwich, foi o pai da idéia básica do deflacionismo. Conforme o próprio nome está dizendo, a teoria minimalista é composta por adeptos consideram que teorias da verdade que “dessubstantivam” a verdade, “desessencializam” a verdade, isto é, retiram da verdade qualquer carga metafísica. A perspectiva deflacionista nega que haja uma questão tal como: qual é a natureza da verdade?

Segundo Davidson (1990), a idéia comum aos vários tipos de deflacionismo é que a verdade, embora um conceito legítimo, é essencialmente

O fim da investigação

correspondência com a realidade

crença (estável) satisfatória

coerência com a experiência –

verificabilidade

O que autoriza a crença a ser

denominada ‘conhecimento’

Peirce James

Dewey

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trivial, e certamente não tem o valor tão grande quanto a atenção metafísica lhe conferiu.

Os filósofos deflacionistas acreditam que a verdade não seja uma propriedade "real", ou "robusta", ou uma propriedade metafisicamente interessante. Para eles, a verdade não é um predicado. De acordo com a teoria deflacionista da verdade, afirmar que uma afirmação é verdade é somente afirmar a própria afirmação. Por exemplo, dizer que 'a neve é branca' é verdade, ou que é verdade que a neve é branca, é equivalente a dizer simplesmente que a neve é branca, e isto, de acordo com a teoria deflacionista, é tudo o que significativamente pode ser dito sobre a verdade de ' a neve é branca'.

Os deflacionistas mantêm que a concepção de verdade é "redundante", isto é, o que falamos sobre a verdade é algo puramente formal. Assim, verdade e verdadeiro, para os deflacionistas, pertencem não ao campo metafísico, mas sim ao campo da pragmática da linguagem, ou seja, quando se diz que "é verdade que p", estamos dizendo de um modo mais eficaz, mais enfático, até talvez mais econômico, apenas "p"; assim, o termo "verdade" não cabe no templo metafísico, mas cabe tão somente nos usos da linguagem. (Ghiraldelli Jr., 2000b).

A teoria da redundância de Ramsey

Ramsey (1990: 38) foi um dos primeiros a tentar levantar a questão de que "não há realmente um problema da verdade distinto, mas meramente uma confusão lingüística". Seu argumento começa por notar que "É verdadeiro que César foi assassinado" e esta sentença não quer dizer nada mais que "César foi assassinado". Em tal contexto, "é verdadeiro que" simplesmente opera de modo como opera uma dupla negação, um conectivo de sentenças que mapeia as sentenças verdadeiras como verdadeiras e as sentenças falsas como falsas.

Ramsey levanta a mesma questão sobre frases como "é um fato que", notando que não se pode eliminar o predicado verdade em sentenças como "ele está sempre certo", isto é, "qualquer coisa que ele diz verdadeira", tendo desenvolvido a idéia de uma escada (a escada de Ramsey), cuja imagem é a seguinte: na base da escada podemos dizer "p", no primeiro degrau podemos dizer "é verdadeiro que p", no segundo degrau da escada podemos colocar "está na ordem do universo que é verdadeiro que p" e assim por diante. Nos últimos degraus (se é que isso tem fim) poderíamos florear a frase ao máximo

de acordo com a performance lingüística que desejamos. Dizer que é

verdade é dizer nada mais nada menos que o próprio , que a verdade é

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simplesmente aquela propriedade ou predicadado que satisfaz um -

esquema para todo portador da verdade e um adequado

bicondicional e. Houve diversas variações da teoria de Ramsey: a explicação performativa de Strawson, a teoria simples da verdade sugerida por Prior e ampliada por Mackie.

A teoria semântica de Davidson.

Para Davidson (2001:1), a Verdade não é um objeto, e portanto ela não pode ser verdadeira. Verdade é um conceito, e é inteligivelmente atribuída a coisas tais como sentenças, enunciados, crenças e proposições, entidades que têm um conteúdo proposicional. Assim, seria um erro pensar que se alguém busca entender o conceito de verdade, esta pessoa está necessariamente tentando descobrir verdades gerais importantes sobre justiça ou fundamentos da física e esse erro está ligado à idéia de que uma teoria da verdade deveria nos informar o que “é verdadeiro, ou ao menos descobrir verdades“.

Davidson defende a idéia de que as sentenças significam o que significam por causa das propriedades semânticas das palavras e dos dispositivos combinatórios que contém. Poder-se-ia entender uma sentença se não se soubesse a que os nomes ou outros termos singulares se propõem referir, ou se não se está consciente da extensão dos seus predicados, desde que a gramática está disponível, contudo, partes aprendidas separadamente podem ser aglutinadas de novas maneiras, e a verdade é separada do meramente útil ou aprovado. As referências de nomes, a extensão de predicados, os próprios dispositivos combinatórios, estão disponíveis para quem ensina e para a sociedade; a verdade não.

Mas saber isso é saber que materiais, os quais fazem a verdade e a falsidade, estão presentes. Isso é dessa forma mesmo quando sabemos que um termo falha como referência ou quando um predicado tem uma extensão vazia. Nosso entendimento de condições de verdade é central para nosso entendimento de toda e qualquer sentença.(DAVIDSON, 2001:2)

Para Davidson, condições de verdade e explicação do significado pelo uso “não são coisas que estão concorrendo entre si” e, por isso, não há porque ao escolher uma ou excluir outra:

Quase todos concordam que ao menos algumas sentenças tem o valor de verdadeiro e falso, e que para tais sentenças, poderíamos falar em condições de verdade. Mas os deflacionistas e outros tendem a duvidar de que este fato tenha a ver com o

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que as sentenças significam. Significado, é dito freqüentemente, tem a ver antes com as condições sob as quais uma sentença é justificada ou apropriada para se fazer uma afirmação; em geral, significado tem a ver com o como as sentenças são usadas antes do que com suas condições de verdade. Aqui há duas confusões. A primeira é que condição de verdade e explicação do significado pelo uso estão de algum modo em competição. Alguém pode legitimamente disputar a afirmação de que uma definição de verdade do tipo da de Tarski pode servir como uma teoria do significado. Penso que pode, quando bem entendida, mas essa não é a minha tese aqui. O que é claro é que alguém que sabe sob que condições uma sentença seria verdadeira entende essa sentença, e se a sentença tem um valor de verdade (verdadeiro, falso ou nenhum) então alguém que não sabe sob que condições seria verdadeira não a entende. Essa afirmação simples não nega uma abordagem do significado que mantém que sentenças significam o que elas significam por causa de como elas são usadas; pode ser que elas são usadas como são por causa de suas condições de verdade, e tem as condições de verdade que tem por causa de como elas

são usadas. (DAVIDSON, 2001:2)

No entanto, Haack (2002:128) alerta que é comum fazer uma distinção entre definições de verdade e critérios de verdade. De modo geral, enquanto uma definição dá o significado da palavra “verdadeiro”, um critério fornece um teste através do qual se diz se uma sentença é verdadeira ou falsa. Enquanto Tarski “renuncia” a qualquer interesse de fornecer um critério de verdade, Russell acusou os pragmatistas de “terem confundido a definição e o critério de verdade”.

Mesmo entre os proponentes da teoria da coerência, essa questão é discutida. Bradley (apud Haack, 2002:130), parece admitir que uma explicação do significado da verdade possa necessitar de recuso a algo como a correspondência, enquanto que a coerência seria um teste da verdade. Já Blanshard insiste que a verdade consiste em coerência, o que seria tanto uma definição quanto um critério.

A figura a seguir traz um resumo das principais teorias da verdade.

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Figura 3: Teorias da Verdade.

Fonte: Haack (2002:128)

tem

po

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Haack (2002:133) argumenta que o conceito de verdade é tão importante para a epistemologia quanto para a filosofia da lógica. Algumas teorias da verdade têm um componente epistemológico importante e dizem respeito à acessibilidade da verdade, assim, a busca por um critério de verdade é, freqüentemente, a manifestação de tal preocupação. Na figura acima as teorias do lado esquerdo consideram a dimensão epistemológica mais seriamente do que as da direita. Nesse contexto são mais “ricas”, as teorias da coerência e pragmatistas. Por outro lado, as teorias da redundância não teriam “virtualmente nenhuma carne epistemológica sobre si”.

Tendo apresentado um panorama sobre as teorias da verdade, a seguir, faremos um resumo das principais características da teoria da correspondência, que é a que mais se relaciona com o escopo deste trabalho.

4. TEORIA DA VERDADE POR

CORRESPONDÊNCIA6:

O que seria melhor para acreditarmo? Isto se parece muito com uma definição de verdade. (William James)

O verdadeiro é o nome daquilo que se revela bom como crença e bom, também pro razões explícitas (William James).

De acordo com a teoria da verdade por correspondência "X é verdadeiro sse X corresponde a um fato". Assim a definição de verdade pela teoria da correspondência leva a uma discussão sobre o que é

6 Daremos ênfase à teoria da verdade por correspondência em função de sua importância para a

análise da teoria da verdade desenvolvida por Peirce

Se os termos 'verdade' e 'falsidade' usados por você forem tomados em acepções que sejam definíveis em termos de dúvida e crença e de curso da experiência (tal como, por exemplo, eles o seriam se você definisse 'verdade' como uma crença para a qual a crença tenderia se tendesse indefinida-mente para uma fixidez absoluta) muito bem; nesse caso, você só estaria falando de dúvida e crença. Contudo, se por verdade e crença você entender algo que não seja de modo algum definível em termos de dúvida e crença, neste caso estará falando de entidades de cuja existência você nada pode saber, e que a navalha de Ocam eliminaria de imediato. Os problemas seriam muito simplificados se, em vez de dizer que deseja conhecer a ‟verdade‟, você dis-sesse simplesmente que deseja alcançar um estado de crença inatacável pela dúvida. (Peirce, CP 5.411).

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um fato? Para alguns autores a definição de fato, como aquilo que realmente acontece, ou, como aquilo que é verdadeiro, ou como o que corresponde à verdade, cai em um círculo vicioso.

Para Blackburn e Simon (1999), a teoria da verdade como correspondência “é um lugar comum que ninguém nega”. Mas as dificuldades começam quando tentamos dissecar a noção envolvida. Que tipo de “coisa" é um fato: por exemplo, há fatos gerais, fatos negativos, fatos hipotéticos e, então, do que são compostos? Então, que tipo de correspondência está em questão?

Conforme mencionado anteriomente, a teoria da verdade por correspondência vem da definição de Aristóteles:

[...] dizer do que é, que não é ou do que não é, que é, é falso; já dizer do que é, que é ou do que não é, que não é, é verdadeiro ou, dizer do que não é que ele não é, é a verdade", ou ”o falso e o verdadeiro não estão, com efeito nas coisas, como se o bem fosse o verdadeiro e o mal, em si mesmo, o falso, mas no pensamento (ARISTÓTELES, E, 4, 1027 h 25-30).

Essa é, talvez, a primeira expressão da teoria da verdade como correspondência, ou seja, proposições verdadeiras contam o que é como ele é, ou, em outras palavras, para uma proposição ser verdadeira ela deve corresponder aos fatos. Essa explicação aristotélica introduz uma distinção entre o ser enquanto verdadeiro e o ser propriamente dito que compreende a multiplicidade dos sentidos do ser.

O ser enquanto verdadeiro consistiria em uma ligação do pensamento. O verdadeiro e o falso residem na união e separação do atributo e do sujeito, o que pode ocorrer na proposição e no juízo. Entretanto, além dessa concepção lógica, Aristóteles introduz na Metafísica uma concepção ontológica, uma ligação entre as coisas, ou seja “não é porque pensamos de um modo verdadeiro que tu és branco, mas é porque tu és branco que, dizendo que o és, dizemos a verdade” (10, 1051 b, 5-10)

Da Costa em “O conhecimento científico”argumenta que a teoria da correspondência porpõe que proposição, fato e pensamento são verdadeiros quando correspondem perfeitamente aos fatos no mundo:

A concepção clássica, tradicional, da correspondência mantém que uma sentença (podendo exprimir uma crença) é verdadeira caso reflita o real, retrate aquilo que é: se para isto não se der, ela é falsa. As crenças ou a s sentenças apontam para estados de coisas, se eles existem, elas são verdadeiras: em hipótese contrária, são falsas. (DA COSTA, 1997: 114)

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Segundo Haack (2002), tanto Russell quanto Wittgenstein em seus períodos de “atomismo lógico”, definiram verdade como a correspondência de uma proposição com um fato. As proposições de acordo com Wittgenstein são complexos verbais e o mundo consiste em coisas simples, ou átomos lógicos, e, o arranjo das palavras em uma proposição atômica verdadeira refletiria o arranjo das coisas simples no mundo. Russell ampliou esta versão com uma teoria epistemológica segunda a qual as coisas logicamente simples são dados do sentido ou objetos do conhecimento direto por familiaridade.

Já, Austin oferece uma nova versão para a teoria da correspondência, sendo que a relação de correspondência é explicada em termos de relações puramente convencionais entre as palavras e o mundo. A correlação é explicada segundo convenções descritivas e convenções demonstrativas. (HAACK, 2002:134).

Segundo Blackburn e Simon (1999), alguns filósofos são pessimistas sobre nossa capacidade de responder às questões sobre verdade, achando que as respostas tradicionalmente fornecidas geram problemas insuperáveis. Para alguns, descrever a relação de correspondência é um engano categórico, o que torna fatos em complexos de coisas, que eles não são. Outros acreditam que a teoria requer separação entre a mente, como domínio de proposições e juízos, e o mundo, como o domínio dos fatos, e acham que essa separação “gera um fosso intolerável, eventualmente levando nossa capacidade de conhecer coisas verdadeiras sobre o mundo ao ceticismo”. Assim há duas direções, sendo a primeira, tentam encontrar algo mais do que correspondência com fatos para descobrir o que é a verdade. Essa foi a direção tomada pelos filósofos que sugeriram noções tais como a de ser membro de algum favorecido conjunto coerente de proposições (Bradley, Joachim, fazendo emergir a teoria coerentista da verdade) ou mesmo a de utilidade (James, fazendo emergir a teoria pragmatista da verdade).

[...] a verdade, na sua natureza essencial, é aquela coerência sistemática que é o caracter de uma totalidade significativa. Uma "totalidade significativa" é uma experiência individual organizada, auto-realizante e auto-realizada. A organização é o processo de sua própria realização e a concreta manifestação de sua individualidade [...] e o conhecimento humano -não meramente o meu conhecimento ou o seu, mas o verdadeiro e mais completo conhecimento do mundo em qualquer etapa de seu desenvolvimento- não é, claramente, uma totalidade significativa neste sentido idealmente completo. Portanto, a verdade, que o nosso rascunho descreveu é -do ponto de vista da inteligência humana - um Ideal e um Ideal que jamais pode como tal, ou na sua inteireza, ser real como experiência humana. (JOACHIM, 1999:46-52)

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Outra possibilidade foi rejeitar a questão, negando que há de fato qualquer projeto real de descobrir o que é a verdade. Segundo Carrilho (1990: 34) é precisamente com relação a esta articulação – a correspondência entre o sujeito e o objeto e da sintonia entre a ordem das idéias e a ordem das coisas – que a revolução copernicana põe radicalmente em causa. Esse seria um ponto decisivo quanto às conseqüências para o problema da verdade. O significado desta caracterização é importante porque para Kant, o problema da verdade não se refere em saber se há conformidade do conhecimento com o seu objeto, mas se há um critério, um critério universal da verdade no conhecimento.

Por outro lado, Haack (2002:138) observa que uma dificuldade persistente com a teoria da correspondência foi a de fornecer uma explicação precisa de “corresponde”.

Davidson (1990) critica o realismo e a teoria da verdade por correspondência, para ele a verdade não seria um objetivo da investigação. A teria da verdade por correspondência teria por objetivo encontrar evidências substanciais para nossas crenças, e não há nada mais que podemos fazer do tentar estabilizar nossas convicções. A verdade não é uma norma adicionável à norma (normas) de justificação. Assim:

Realismo como eu o entendo é uma perspectiva na qual o uso da verdade como predicado pode ser explicado nos termos da relação de correspondência. Ele seria uma proposta interessante se alguém pudesse conseguir um modo inteligível e esclarecedor de individualizar entidades em relação às quais enunciados e crenças correspondem, junto com uma semântica aceitável para conversar sobre tais entidades. Mas não há tal explicação. Até onde entendo, não vejo nenhum modo de declarar que alguém é realista, ou, no caso, anti-realista. Não vejo nenhuma diferença entre a perspectiva da verdade como correspondência e a idéia de que enunciados (ou sentenças) „representam‟ algo, exceto, talvez, que se alguém entendeu uma idéia, esse alguém poderia falar do quanto é verdadeiro tanto do quanto é falso aquilo que as sentenças representam. Mas se não há nada para corresponder às sentenças verdadeiras, nem há qualquer coisa para elas representarem.(DAVIDSON, 1999)

Davidson ainda vai mais longe afirmando que verdade como correspondência com a realidade “talvez seja uma daquelas idéias que estaríamos melhor se não a tivéssemos tido”, especialmente quando, verdade e realidade aparecem em maiúscula. Para Davidson: “a formulação não é tão errada quanto vazia, mas ela tem o mérito de sugerir que alguma coisa não é verdadeira simplesmente porque é acreditada, mesmo se acreditada por toda e

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qualquer pessoa”. O problema da verdade por correspondência repousa na afirmação de que a fórmula tem poder explicativo:

A noção de correspondência seria de alguma ajuda se fôssemos capazes de dizer, de um modo instrutivo, que fato ou segmento de realidade é o que torna a sentença verdadeira. Nenhum teve êxito nisso. Se perguntarmos, por exemplo, o que faz "A lua estar a um quarto de um milhão de milhas distante" verdadeira, a única resposta que imaginamos é que é o fato de que a lua está a um quarto de um milhão de milhas distante.(DAVIDSON,1999)

Continuando Davidson considera que qualquer que seja a história do argumento relevante (que agora é chamado freqüentemente de o argumento do "Estilingue"), deve-se aceitar a conclusão de que não há nenhuma entidade interessante e apropriada disponível, cuja existência se relacione a sentenças, que possa explicar porque algumas sentenças são verdadeiras e outras não. Portanto, há boas razões, então, para ser cético em relação à importância da teoria da verdade como correspondência:

[...] verdade é importante, então, não porque ela é especialmente valorosa ou útil, embora, é claro, este possa ser o caso em determinadas ocasiões, mas porque sem a idéia de verdade não seríamos criaturas pensantes, nem entenderíamos o que é para qualquer entidade ser uma criatura pensante. Uma coisa é tentar definir o conceito de verdade, ou capturar sua essência em uma frase breve e concentrada; outra coisa é traçar suas conexões com outros conceitos. (DAVIDSON,1999)

Segundo Putnan (1997:169), tanto para Peirce como para James, a opinião de aqueles que investigam, em última análise, a opinião que estão "fadados a considerar" é a verdadeira. Esta seria a explicação constitutiva da verdade.

Entretanto Da Costa (1997:114) argumenta que no domínio da física há noções como as da onda de probabilidade, os quarks ou o espaço de fase, que tornam difícil aceitar que correspondam efetivamente a traços do real, assemelhando-se mais a categorias criadas pelo homem. As ciências empíricas utilizam teorias, leis que “sabidamente não reproduzem a realidade”, como, por exemplo, a teoria eletromagnética de Maxwell ou a lei de Lavoisier, “embora não sejam estritamente verdadeiras”.

Nesse contexto, Gonçalves de Souza (2000), considera que hoje se admite que as várias teorias formuladas pelo cientista, tanto no domínio das ciências da natureza, como no das humanas, estão destinadas a serem, no futuro, próximo ou distante, superadas pela descoberta de fenômenos que as

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falseiem. Logo, nenhum pesquisador pode aceitar pura e simplesmente, que suas teorias sejam verdadeiras (no sentido da teoria por correspondência).

Haack (2002:129) considera que é comum fazer uma distinção entre definições de verdade e critérios de verdade, sendo necessário lidar com cuidado com essa questão. Porém, ainda segundo não se pode simplesmente abster-se de usar essa distinção, mesmo sendo “problemática”, por causa de sua importância para a questão da rivalidade entre as teorias da correspondência e da coerência:

[...] a idéia, de modo geral, é que enquanto uma definição dá o significado da palavra ´verdadeiro, um critério fornece um teste por meio do qual se diz se uma sentença (ou o que quer que seja) é verdadeira ou falsa... (HAACK, 2002:129)

5. PEIRCE E A TEORIA DA VERDADE:

CORRESPONDÊNCIA, CONVERGÊNCIA, ou REFERÊNCIA? 7

A verdade, esmagada na terra, de novo se erguerá. (CP 1.217 de 1902) Há três coisas que não podemos jamais esperar obter pelo raciocínio a saber: certeza absoluta, verdade absoluta e universalidade absoluta. (CP 1.141 de 1897)

A teoria da verdade de Peirce foi desenvolvida de acordo com sua teoria realista do conhecimento, sendo realidade e verdade dois conceitos bastante relacionados. Deve-se enfatizar que, analogamente a outros pontos da filosofia peirceana, verdade e realidade também apresentam evolução em sua obra.

Para Peirce a característica mais óbvia do pensamento medieval seria a importância atribuída à autoridade, que juntamente com a razão eram os métodos coordenados de atingir a verdade. No entanto, o mérito da ciência

7Alguns destes tópicos já foram anteriomente discutidos em Bacha, ML,(1998) A Teoria da Investigação de C.S.Peirce, São Paulo: CenaUm e Bacha, ML (2002) A Indução de Aristóteles a Peirce, São Paulo:Legmar Informática e Editora.

Quando um homem deseja ardentemente conhecer a verdade, seu primeiro esforço será imaginar o que essa verdade possa ser. (CP 1.46 de 1896) Mas se um homem se ocupa em investigar a verdade de alguma questão para algum propósito ulterior, tal como para fazer dinheiro, ou amenizar sua vida, ou para beneficiar seus cama-radas [...] ele não é um cientista. (CP 1.45 de 1896)

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moderna é não temer submeter suas conclusões ao teste (CP 1.30-34 de 1896), pois nada pode justificar uma teoria a não ser a explicação de fatos observados (CP 1.170 de 1897)

Peirce sempre esteve interessado na verdade por acreditar que esta seria o principal objetivo da ciência, ou seja, o homem alcançaria a verdade através da utilização do método científico.

Sua primeira concepção de verdade foi apresentada em 1868, em um ataque à epistemologia cartesiana. Ao definir verdade como a opinião estabelecida no fim ideal da investigação científica, ele fornece um padrão objetivo para uma visão que rejeitava o realismo causal como explicação para o conhecimento:

[...] ao argumento das proposições universais e hipotéticas a resposta é que embora a verdade delas não possa ser conhecida com certeza absoluta, ela pode ser conhecida em termos prováveis por indução. (CP 5.258 de 1868)

De suas críticas ao nominalismo (no qual o papel do raciocínio fica prejudicado já que não oferece possibilidade de fornecer verdades estabelecidas sobre um mundo conhecido pelos efeitos das sensações, a não ser que seja garantido por Deus), surge uma compreensão da realidade bem como um conceito evolucionário de verdade. À medida que Peirce desenvolve sua visão de realidade, de forma a fazê-la equivalente à própria verdade, e a teoria final vai se tornando seu próprio objeto, a realidade se torna uma entidade ideal devido à ação da causação final (telos) do progresso da investigação.

As idéias de Peirce sobre o método científico são particularmente interligadas com sua concepção de verdade, que, por sua vez pode ser vista como um tipo de semiose8. De fato, o tipo particular de correspondência envolvido na teoria preirceana da verdade pode ser concebido como um tipo de relação semiótica.

Na passagem CP 5.31 de 1868, Peirce havia caracterizado as cognições reais como aquelas que “num tempo suficientemente futuro, a comunidade continuará sempre a reafirmar”, o que vai ser retomado em CP 5.565 de 1901:

[...] a verdade é esta concordância de uma afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim tenderia a levar a crença científica, com a concordância que a

8 È próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que Peirce definiu

como semiose.

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afirmação abstrata possua pela virtude da confissão de sua unilateralidade e imprecisão. (CP 5.565 de 1901)

Mais tarde, em 1871, Peirce vai argumentar que “opinião humana tende universalmente, a longo prazo, para uma forma definida que é a verdade. Que um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o suficiente sobre um a questão qualquer, e o resultado será que ele chegará a uma certa conclusão definida que é a mesma a que chegará qualquer outra mente nas mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. (CP 8.12 de 1871).

Em 1873, Peirce considera que a verdade é uma característica que se atribui a uma proposição abstrata..., ela depende de que a proposição não seja declarada absolutamente verdadeira (CP 5.565 1901).

Em 1878, a verdade é definida como o fato real correspondendo à proposição verdadeira. Para Peirce, realmente, a validade de uma inferência consiste na verdade da proposição hipotética de que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também o é. (CP 2.652 de 1878)

Mas há uma pergunta que se pode fazer com base nas primeiras versões da verdade: a realidade será representada somente no fim da investigação, quando atingirmos a opinião final? Essa questão somente será resolvida a partir de 1900, com a utilização dos would-be´s, conforme veremos no decorrer deste capítulo.

Hookway, em “Truth and Reality: Putnan and the Pragmatic Conception of Truth”, faz um resumo do percurso evolucionário da noção de verdade na obra de Peirce, do qual resumiremos, a seguir, os principais pontos. Para Hookway, as primeiras definições peirceanas da verdade seriam parte de sua clarificação do conceito de realidade (realidade seria definida como objeto da opinião verdadeira). Elas demonstrariam sua ansiedade para desenvolver a metafísica a partir da lógica, para a qual ele necessitava uma análise lógica da verdade, que permitisse identificar um conjunto de proposições verdadeiras, com referência a seu destino no processo de investigação.

Segundo Hookway, no período de 1877-8, Putnan e outros comentadores encontram nos textos peirceanos, uma concepção absoluta de verdade e realidade, principalmente em “How to make our ideas Clear” e “Fixation of Belief”. É uma visão do mundo como se fosse independente de nossa experiência, abstraindo tudo que pertence a uma determinada perspectiva e evitando dependência a qualquer característica de nosso aparato cognitivo, uma concepção ao máximo independente de nossas perspectivas e peculiaridades:

A opinião que será, afinal, sustentada por

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todos os que investigam é o que entendemos por verdade, e o objeto que nesta opinião se representa é o real”. (CP 5.407 de 1878).

Hookway argumenta que, depois de 1880, Peirce teria elaborado um novo modo de explicar nossos pensamentos sobre a realidade (as coisas externas seriam diretamente percebidas) e, assim, por volta de 1903, Peirce introduziria o objeto imediato da percepção. Também as formulações da tese de convergência após 1880, mostrariam uma confiança de que sempre alcançaríamos esta convergência predestinada. Mas, por destino, pode-se entender também a consolidação da opinião dos investigadores, opinião esta que está fadada a encontrar o real e “eu suponho que por verdade seja significado aquilo para que a pesquisa aponta”,

Cerca de trinta anos depois, em “„What Pragmatism Is”, de 1905, Peirce retoma suas idéias iniciais sobre verdade e realidade, explicando que a opinião predestinada “controlada por uma lógica experimental racional”, não depende de nenhuma circunstância acidental, insistindo que por mais que perversidade de pensamento de gerações inteiras possa adiar a fixação última (CP 5.430 de 1905).

Mas, ao discutir as opiniões de Schroeder sobre os pressupostos da investigação em 1896, o que era constitutivo se torna regulativo:

[No que se refere] a uma pesquisa que pressuponha que há uma verdade qualquer, o que é que isto pode tal vez querer dizer salvo que há uma conclusão destinada à pesquisa em relação à questão em mãos - um resultado que quando atingido jamais será derrubado. (CP 3.432 de 1896)

A continuação desta passagem é interessante, nela Peirce expressa a esperança que nos aproximaremos da verdade, embora não necessariamente, o que sugere uma mudança considerável em relação aos textos de 1877-8, transformando um comprometimento com relação à convergência em uma idéia regulativa, uma esperança que anima todos os seguidores da ciência, esperança esta incorporada na concepção de verdade e realidade (CP 5.407, ou Murphey, 1961: 301).

Em 1887, em “How to Make Our Ideas Clear”, ao formular e defender regras de clareza sobre conteúdos, sobre hipóteses, conceitos, Peirce volta a reafirmar seu realismo, dizendo que há um real que, mesmo que possamos errar e ter crenças coletivas absolutamente equivocadas, irá se impor por ser independente do que dele pensamos, por ser independente da representação que dele fazemos porque tem permanência e independência, “a realidade independe, não necessariamente do pensamento em geral, mas apenas do que

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você ou e ou um definido número de pessoas possa pensar a respeito dela” (CP 5.408 de 1878).

O real instaura crenças, portanto, a representação que dele fazemos não é arbitrária, daí derivando o conceito de verdade e “a opinião que será, afinal, sustentada por todos os que investigam é o que entendemos por verdade, e o objeto que nesta opinião se representa é o real” (CP 5.407 de 1878).

A investigação que conduz à estabilização da crença tem um telos, que Peirce denomina destino, que é uma atividade do pensamento “pela qual somos levados não para onde queremos, mas para uma meta preestabelecida”. Não há meios de escapar à opinião predestinada, nenhuma alteração de ponto de vista, nenhuma escolha de fatos outros para estudo e nem mesmo uma natural inclinação do espírito, esta a grande esperança está presente nas concepções de verdade e realidade (CP 5.407 de 1897). Mas, por destino, pode-se entender também a consolidação da opinião dos investigadores, opinião esta que está fadada a encontrar o real. Hausman (1993) reforça esta idéia afirmando que um geral não pode ser pensado sem um telos, com respeito a ser um hábito, um terceiro, o geral é aquilo que é devido a sua influência em instâncias futuras, ou seja, aquilo que é verdadeiramente real está ligado obrigatoriamente à idéia geral que ele representa.

[...] para o realismo é o signo que deve buscar sua forma verdadeira no objeto através da experiência, seja a partir de suas formas já disponíveis, seja concebendo novas formas que dêem conta do sistema de relações do próprio fenômeno. (IBRI, 1994)

A teoria da verdade de Peirce resulta da aplicação do princípio pragmático à clarificação de conceitos, princípio este que é defendido como uma regra metodológica adequada a estes propósitos, com base em sua teoria dos signos.

Conforme já havia sido mencionado, Peirce define signo genuíno como um processo relacional entre três termos (signo, objeto, interpretante), sendo próprio da ação do signo gerar ou produzir outro signo, processo este que Peirce definiu como semiose. Na relação triádica entre signo, objeto e interpretante, todos tem natureza sígnica. Esta relação, que não é uma relação triádica simples, mas um complexo de relações triádicas, pode ser pensada de três modos diferentes, dependendo da ênfase que é colocada sobre cada um dos correlatos. Assim, se o signo é enfatizado, a relação é de significação ou

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representação. Se o objeto é posto em evidência, a relação é de objetivação. Enfim, se o interpretante é enfatizado, tem-se uma relação de interpretação.

Um signo é qualquer coisa que está relacionada a uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma Qualidade, de tal forma a trazer uma Terceira coisa, seu Interpretante, para uma relação com o mesmo Objeto, e isso de maneira tal a trazer uma Quarta para uma relação com aquele Objeto da mesma forma, ad infinitum. Se a série é rompida, o Signo, nesse ponto perde seu caráter significante perfeito. (CP 2.92 de 1902)

Há também nesta relação triádica um esquema de um processo de continuidade, que Peirce denominou de semiose, explicando que nenhum interpretante pode ser tido como absoluto ou definitivo. O signo é mediação para seu objeto e representação para seu interpretante. “Faz parte da própria forma lógica de geração do signo que ela seja a forma de um processo ininterrupto, sem limites finitos” (Santaella, 1994:31).

Um signo representa algo para a idéia que produz ou modifica. Ou, é um veículo transportando à mente algo do exterior. O que representa é chamado seu objeto: o que é transportado, seu significado; e a idéia que provoca, o seu interpretante. O objeto de representação pode não ser nada além de uma representação da qual a primeira representação é o interpretante. Mas uma série de representações sem fim, cada uma delas representando a anterior, pode ser concebida tendo um objeto absoluto no seu limite. O significado de uma representação não pode ser nada mais do que uma representação. De fato, ela nada mais é além da representação mesma concebida como despida de roupagem irrelevante. Nunca pode ser completamente despida, ela é mudada por alguma coisa mais diáfana. Assim, há aqui uma regressão infinita. Finalmente, o interpretante nada mais é do que outra representação a cujas mãos passa o facho da verdade; e como representação, possui seu interpretante novamente. Aí está uma nova série infinita. (CP 1.339 de 1875 )

Assim, o modo de ação típico do signo é o do crescimento através da autogeração. O signo, por sua própria constituição está fadado a germinar, crescer, mas daí decorre sua natureza inevitavelmente incompleta, porque o signo está ligado ao objeto não em todos os aspectos, senão seria o próprio objeto. Da alteridade do objeto decorre a incompletude do signo. O signo só pode representar o objeto e referir-se a ele (CP 2.230 de 1910).

Na semiótica peirceana, o termo semiose se refere primariamente à ação do signo em produzir um interpretante de si mesmo, mas sendo o interpretante também um signo, que tem o mesmo poder produtivo, pode-se

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falar de processo de semiose. Deve-se observar que durante o processo de semiose, a geração do interpretante, é primariamente mais ação do signo ele mesmo do que do intérprete (qualquer coisa que pode traduzir o signo). A função do intérprete é mais de percepção e interpretação. Também está implícito que a disposição do signo em gerar interpretantes é a regra, ou seja, um principio imanente, o que constitui a base para se dizer que o processo é autônomo e auto-gerativo. Assim, significação e mudança é primariamente uma função da disposição e espontaneidade do signo por si mesmo, “o homem propõe e o signo dispõe”. (Ransdell, 1992:2)

Um signo é somente um signo in actu pela virtude da sua determinação de outro signo do mesmo objeto. Isto é tão verdade para o julgamento mental quanto para o signo externo. Dizer que uma proposição é verdadeira é dizer que toda interpretação dela é verdade. (CP 5.569 de 1901)

A idéia é que o signo tem três aspectos modais: tem uma certa aparência, é alguma coisa que ocorre ou existe não necessariamente no mundo real, mas no universo do discurso, e tem o poder de gerar interpretantes, mas o que constitui o signo logicamente é o terceiro, o que significa dizer que nosso interesse se refere ao poder de gera interpretante, ou seja, em ser uma regra significando alguma coisa enquanto regra. Por outro lado, um argumento é sempre entendido por seu interpretante pertencendo a uma classe geral de argumentos análogos, cuja classe como um todo tende em direção à verdade.(CP 2.266 de 1903)

Para Peirce, há sempre dois tipos de objeto que deveriam ser precisamente distinguidos para que o signo se torne compreensível: objeto imediato e objeto dinâmico. O objeto imediato está indicado ou representado no signo, é o modo como o objeto dinâmico se apresenta. O objeto dinâmico é o objeto fora do signo, que determina o signo e ao qual ele se aplica, isto é, aquilo a que o signo se refere. O objeto dinâmico é aquele que vai se desvelando ao longo do tempo. O conceito de objeto dinâmico e imediato traz a noção de evolução, de crescimento, gerando significação. (Santaella, 1994: 53)

Na terminologia de Peirce, o objeto imediato é o objeto que aparece no processo semiótico, o objeto representativamente presente na semiose, enquanto que o objeto dinâmico é o objeto como ele é realmente, independente da representação. Essa é uma distinção muito importante do ponto de vista da epistemologia, porque o objeto dinâmico é aquilo a que nossos pensamentos se conformam, quando têm valor de verdade, enquanto o objeto imediato é o objeto como pensamos que ele seja. O primeiro é necessário na noção de verdade, o segundo possibilita o entendimento do erro. O objeto dinâmico é

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essencialmente representável, e, portanto cognoscível. A operação do signo é realmente a operação do objeto através e por meio do signo”. (CP 2.277 de 1903) O objeto da representação é uma representação da qual a primeira representação é o interpretante, mas uma série sem fim de representações, cada representando a anterior, pode ser concebida como tendo um objeto absoluto como seu limite. Sem considerarmos a conceituação matemática de limite para Peirce, há certamente um sentido no qual o objeto dinâmico está na seqüência em virtude de estar sendo representado, desde que como termo da relação de representação ele está “ipso facto” na seqüência, porque fazer uma distinção entre a verdadeira concepção de uma coisa e a própria coisa é apenas considerar apenas uma e mesma coisa sob dois pontos de vista diferentes, pois o objeto imediato do pensamento num juízo verdadeiro é a realidade. (CP 8.16 ou CP 3.482, Ransdell, 2001:1)

É importante notar que em toda seqüência de semiose, haverá referência a alguma coisa (o objeto imediato) que contará como referência ao próprio objeto (objeto dinâmico) porque é uma referência ao que é representativo do objeto. (Ransdell, 2001:4)

Objeto do signo é uma coisa: seu significado (meaning) outra. Seu objeto é uma coisa ou ocasião, ainda que indefinida, à qual ele deve aplicar-se. Seu significado é a idéia que ele liga àquele objeto, seja por meio de uma mera suposição ou como uma ordem ou como uma asserção. (CP 5.7 de 1910 )

A esse respeito, Ransdell apresenta uma argumentação muito interessante relacionando o objeto dinâmico, o imediato e a percepção. Segundo ele, há duas considerações a serem feitas: a primeira se refere a que, embora o conteúdo descritivo do objeto imediato esteja implicitamente predicado no objeto dinâmico, sempre que o primeiro estiver funcionando como tal, há também uma função indicativa que está fundada na conexão existencial ou causal com o objeto dinâmico. Em segundo lugar, há um processo em andamento e, desde que qualquer descrição do objeto imediato é ipso fato uma descrição do objeto dinâmico, então uma distinção substantiva e não meramente formal pode ser extraída do objeto imediato e do objeto dinâmico. Assim, quando nos damos conta de que Peirce considera o pensamento essencialmente temporal, fica claro porque ele diz que o objeto imediato do pensamento em um juízo verdadeiro é a realidade, a coisa em si mesma como ela aparece. A passagem a seguir corrobora esse desenvolvimento:

Vejo um tinteiro sobre a mesa: isso é uma percepção. Movendo a cabeça, recibo uma percepção distinta do tinteiro.

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Ela se funde com a outra. O que chamo de tinteiro é uma percepção generalizada, uma quase-inferência a partir das percepções, talvez devesse dizer uma fotografia composta de percepção. Nesse produto físico está implicado um elemento de resistência contra mim, do qual estou fracamente consciente desde o princípio. Posteriormente, quando aceito a hipótese de um sujeito interior para meus pensamentos, me rendo a essa consciência de resistência e admito o tinteiro com a posição de um objeto externo. [...] Essa conclusão à qual sou levado, mesmo que possa lutar contra ela, a expresso brevemente ao dizer que tinteiro é uma coisa real. Portanto, por ser real e externa, não deixa de ser um produto puramente físico, uma percepção generalizada. Como tudo aquilo do qual tomo conhecimento. (CP 8.144 de 1901)

Segundo Ransdell, o interpretante se relaciona ao signo que interpreta como sendo um signo e, portanto, envolve intencionalidade. Assim, considerar o signo como um signo é considerá-lo como tendo um objeto ao qual ele se refere. Em conseqüência, a semiose, sendo um processo interpretativo, tem a estrutura de referência objetiva. Esta estrutura está implícita nela e não necessariamente é observada conscientemente como sendo tal. No entanto, para explicar a objetividade é necessário entender a semiose, não meramente em seu aspecto formal, mas também para desenvolver uma compreensão da semiose como processo comunicativo. Isto envolve tratar a predicação formal como uma declaração afirmativa feita por alguém para uma comunidade potencialmente responsiva e considerar os complexos relacionamentos implícitos no relacionamento comunicativo entre o declarante e a comunidade perante a qual a asserção está sendo feita. Aquilo que a própria declaração invoca é a estrutura da objetividade, contemplada como uma concepção metódica.

Continuando, Ransdell considera que isso está implícito na concepção do interpretante como tal, que é a concepção da relação da representação básica ou genérica especialmente contemplada desde a perspectiva do termo do interpretante da relação dos três termos. Em outras palavras, falar de objetividade no sentido metódico requer falar sobre que o preocupa a Peirce em "A Fixação da Crença" e "Como tornar nossa idéias claras", isto é, a natureza da pesquisa. Fazendo-se uma análise da representação, ela é vista como uma versão generalizada da concepção formal do termo médio que sustenta o desenvolvimento original do silogismo como uma forma de argumento básica em Aristóteles. Isto se desprende do fato que todo julgamento é (implicitamente) uma inferência, e a inferência envolve um termo interpretante. Como o interpretante representa a relação que obtém entre o termo signo (relato) e o termo objeto (correlato), ele tem, por definição, a

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segunda função intencional, o que significa dizer que o ponto de vista lógico é constitutivo da consciência objetiva.

Dessa forma, Ransdell explica que o conceito de objetividade (como método) pode ser relacionado aos efeitos que a representação, vista como um processo, que poderia, alternativamente, ser pensada como um processo de significação, ou um processo de interpretação, ou como um processo de objetivação, dependendo em se a ênfase do interesse era colocada no termo do signo ou o termo do interpretante ou o termo do objeto da relação do termo dos três. Portanto, do ponto de vista semiótico, no entendimento das coisas, não construímos os objetos da experiência, mas a qualquer momento já nos encontramos em relação com eles.

Peirce pergunta: o que representa o signo-pensamento, o que designa ele, qual é o seu suppositum?

A coisa exterior, sem dúvida, quando se está pensando numa coisa exterior. Mesmo assim, como o pensamento é determinado por um pensamento anterior do mesmo objeto, ele se refere a esta coisa através da denotação deste pensamento anterior. [...] e assim em todos os casos o pensamento subseqüente denota aquilo que foi pensado no pensamento anterior. (CP 5.285 de 1868)

O que Peirce aqui descreve como aquilo que foi pensado no pensamento anterior é o objeto imediato, enquanto o objeto dinâmico é a própria coisa considerada como aquilo que é “thought of”.

A teoria dos interpretantes constitui um dos pilares da epistemologia peirceana. Os interpretantes podem ser classificados em imediato, dinâmico e final. O interpretante imediato é aquele que o signo está apto a produzir como efeito. O interpretante dinâmico é o efeito que o signo efetivamente produz na mente de um intérprete, é aquele que acontece na efetivação da semiose em exercício. O interpretante final é o efeito que o signo produziria em qualquer mente, por uma semiose levada a efeito a longo prazo, é aquele a que se chegaria numa opinião definitiva (CP 8.184 s.d. ). O interpretante final é aquilo que vai aparecer quando soubermos tudo sobre o objeto, no final da investigação, é a crença final para onde tende a evolução da nossa investigação, aquela crença que não será removida. A concepção de interpretante final é de extrema importância para os objetivos deste trabalho, pois é nesse nível que Peirce o relaciona com a verdade, pois ele “finalmente decidiria sobre a interpretação verdadeira de um signo se o exame do assunto fosse levado a um ponto em que se atingisse uma opinião definitiva” (CP 8.184 s.d.)

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A idéia de interpretante final está implicada na cosmologia peirceana. No processo evolutivo, a representação final coincidiria com o próprio objeto, e o interpretante final coincidiria com o próprio objeto porque a estrutura do objeto estaria totalmente desvelada e o objeto não objetaria mais. Objeto imediato é o modo como este objeto dinâmico está apresentado indicado ou representado dentro do signo. A relação signo objeto, seria dual, mas com a mediação do objeto imediato ela se torna tríade. O signo vai produzir um efeito numa mente interpretadora, que é o interpretante dinâmico. O signo representa um objeto, o que significa que ele afeta uma mente de tal modo, de certa maneira que vai produzir naquela mente um efeito, que é uma emanação do objeto e de algum modo representa este objeto. Assim, a fonte da semiose é o objeto e o interpretante final é aquele a que todos os interpretantes chegariam caso a ação do signo fosse levada às ultimas conseqüências, mas ele está sendo continuamente adiado porque não sabemos qual é o limite, qual é aquele nível ideal que todo signo deveria atingir.

Se fosse possível, no desenvolvimento da semiose, revelar inteiramente o objeto dinâmico que é o real, até o ponto de revelar inteiramente o objeto dinâmico, então o interpretante final corresponderia à verdade. Mas conforme o signo vai desenvolvendo seus interpretantes, o objeto dinâmico vai se torna cada vez mais complexo e o interpretante final (ou a verdade) acaba ficando continuamente adiado.

Por outro lado, o significado de um conceito intelectual só pode ser resolvido pelo estudo dos interpretantes, ou propriamente dos efeitos significados dos signos, sendo o primeiro efeito um sentimento (interpretante emocional), o segundo efeito um esforço (interpretante energético) e um terceiro efeito o pensamento (interpretante lógico) (CP 5.475 de 1907). Do ponto de vista da lógica, o significado racional do conceito intelectual reside unicamente no interpretante lógico último (mudança de hábito), porque um signo é interpretado em um signo subseqüente, e, assim ad infinitum (CP 5.492, de 1907).

O propósito último de um signo cognitivo ou intelectual é o de produzir controle crítico deliberado sobre hábitos e crenças. As normas críticas, relevantes aqui, são princípios condutores da lógica. A consistência de um conjunto de interpretantes e a validade das inferências são julgadas à luz desses princípios orientadores.(Santaella, 1995:197)

Conforme Savan (apud Santella, 1995:197), o interpretante último, ou seja, o interpretante final crítico é o hábito controlado de uma auto-crítica deliberada. Para Peirce, o propósito de todo signo é expressar um fato, e ao se

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juntar a outros signos, se aproximar tanto quanto possível para determinar um interpretante que seja “a verdade perfeita, a verdade absoluta e como tal (pelo menos, pode-se usar esta linguagem), que fosse o próprio universo”. A Verdade completa é o interpretante ultimo de todo signo ( NEM IV:240).

A essência do interpretante lógico último está no conceito de hábito, que consiste na expectativa da conduta, conduta essa que Peirce vai definir em termos de proposições condicionais (would be´s). No entanto, Misak (1991:20-21) critica esta concepção de verdade classificando-a de formulação fraca.

Em Peirce, a verdade consiste na conformidade a algo que é independente do pensamento ou da opinião humana (CP 5.211 de 1903), que a verdade é a correspondência de uma representação com seu objeto. (CP 5.56 de 1906)

Que a verdade é o correspondente de uma representação ao seu objeto, é, como diz Kant, simplesmente a definição nominal dela. A verdade pertence exclusivamente à proposição. Uma proposição tem um sujeito (um conjunto de sujeitos) e um predicado. O sujeito é um signo; o predicado é um signo; e a proposição é um signo de que o predicado é um signo de aquilo do qual o sujeito é um signo. Se for assim, é verdade. Mas em que consiste esta correspondência ou referência do signo? O pragmaticista responde esta pergunta da seguinte maneira. Suponha, ele diz, que o anjo Gabriel for descer e me comunicar desde o íntimo da onisciência a solução deste enigma. Isto é concebível; ou envolve um absurdo essencial supor que a resposta possa ser levada à inteligência humana? No primeiro caso, "a verdade", neste sentido, é uma palavra sem sentido, a qual jamais pode expressar um pensamento humano. É real, se você quiser; pertence a esse universo inteiramente desconectado da inteligência humana que conhecemos como o mundo do completo não-senso. Não tendo nenhum uso para este significado da palavra "verdade", melhor seria se usássemos a palavra em outro sentido que será descrito prontamente. Mas, se por outro lado for concebível que o segredo pudesse ser revelado à inteligência humana, será algo que o pensamento pode alcançar. Então, o pensamento tem a natureza de um signo. Assim, nesse caso, se podemos descobrir o método certo de pensar e podemos executá-lo-- o método correto de transformar idéias - então a verdade não pode ser outra que o último resultado ao qual a execução deste método finalmente nos conduziria. Nesse caso, ao qual a representação deveria conformar-se, é por si próprio algo da natureza de uma representação, ou signo -algo numenal, inteligível, concebível, e absolutamente diferente a uma coisa-em-se-mesma. (CP 5.53 de 1903)

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Na passagem CP 5.569 de 1901, Peirce argumenta que verdade e falsidade são caracteres confinados às proposições. Duas proposições são equivalentes quando uma delas tiver sido um interpretante da outra, mas o interpretante de uma proposição e qualquer inferência a partir de uma proposição é um interpretante dela. Assim, quando falamos em verdade e falsidade referimo-nos à possibilidade da proposição ser refutada, ou, nas palavras de Peirce:

A saber, um interpretante de uma proposição se suposto, produziria a expectativa de certa descrição do percepto numa certa ocasião. A ocasião surge: o percepto forçado sobre nós é diferente. Isto constitui a falsidade de toda proposição para a qual a predição que desaponta foi o interpretante; Então, uma proposição falsa é aquela da qual algum interpretante representa que, numa ocasião indicada por perceptos, um percepto não terá uma dada característica, enquanto que o julgamento perceptual naquela ocasião é que o percepto não tem esta característica. Uma proposição verdadeira é aquela em que nunca se supõe que levaria a tal desapontamento, até ao ponto em que a proposição não seja entendida de outro modo (não aquele em que) era intencionada. (CP 5.569 de 1901)

Essa passagem mostra como não é possível desvincular a teoria da verdade de Peirce das noções de signo, percepção, realidade. A verdade pertence exclusivamente às proposições, porque é necessária a ação do objeto sobre o signo para torná-lo verdadeiro, sem isso o objeto não é o representamen do objeto. (CP 5.553 de 1905). Uma proposição tem um sujeito (ou conjunto de sujeitos), mas Peirce pergunta no que a correspondência ou referência do signo para seus objetos consiste?

Tanto o objeto como o interpretante são partes integrantes do signo, como processo de geração, que só pode ser definido na relação com o objeto e o interpretante. Verdade e falsidade são propriedades da representação e os conteúdos da representação são vagos, indeterminados. Para assumir seu papel como signo, ou seja, um signo só pode funcionar como signo somente se for capaz de ser interpretado e esta interpretação deve ocorrer na forma de outro signo (CP 5.287 s.d.)

5.1 Classificação da Teoria da Verdade de Peirce

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A classificação da teoria da verdade é uma questão polêmica entre os comentadores de Peirce. Para alguns, Peirce optou por uma teoria da verdade por correspondência e, assim, as proposições verdadeiras são simplesmente o produto da opinião final da comunidade cientifica (Thompson, 1952, Scheffer, 1965, Rescher, 1978, ou Haack , 1976).

Para outros, a teoria da verdade por correspondência seria mais um limite ideal do progresso científico (Levi, 1980, Quine, 1960). Para estes, a ciência constitui um corpo de crenças bem justificadas na busca da verdade, que não será atingida mesmo que seu progresso continue para sempre e Quine critica esta visão da seguinte maneira:

Peirce se sentiu tentado a definir a verdade abertamente em termos de um método científico, como a teoria ideal que é abordada como um limite quando os (supostos) cânones do método científico são usados em demasia na experiência contínua. Mas há muito de errado na noção de Peirce, além de sua admissão de um organon final do método científico e seu apelo para um processo infinito, há um uso falho de analogia numérica que fala de um limite de teorias, já que a noção de limite depende de aquilo de "mais perto do que", que é definido para números e não para teorias. E mesmo se nos desviamos de tais problemas identificando a verdade de maneira algo fantasiosa com o resultado ideal de aplicarmos o método científico externo à completa totalidade futura de irritações superficiais, ainda assim há preocupações quanto à imputação de unicidade ("o resultado ideal"). (QUINE, 1960)

Há um terceiro grupo que argumenta que as proposições verdadeiras são, para Peirce, uma questão de correspondência entre a linguagem e o mundo, assim algumas proposições são verdadeiras correspondem àquilo que a comunidade cientifica endossa como opinião final se a investigação continuar (Thompson, 1953, Hilpinen, 1982). Nesse ponto de vista, a verdade não é um conceito regulativo e nunca será atingida a não ser assintoticamente.

Há também outros comentadores que consideram a teoria da verdade de Peirce uma teoria da coerência. Para estes, não há relação entre as opiniões da comunidade científica e o fato do mundo extra-linguístico. Altshuler (1982:43) lembra que em 1867, na resenha de “The Logic of Chance”, de Venn, Peirce argumenta que “a verdade é a concordância da representação com seu objeto” (CP 8.3 de 1867).

Já em 1878, Peirce pondera que a verdade consiste na existência de um fato real correspondendo à proposição verdadeira (CP 2.652 de 1877) e posteriormente, em 1906, ele vai dizer que a verdade é a correspondência da representação com seu objeto (CP 5.553 de 1905).

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Segundo Altshuler (1982:43), esse tipo de evidência pode levar alguns comentadores como, por exemplo, Rescher (1978:98) ou Haack (1976:233) a classificarem Peirce como fundamentalmente comprometido com uma teoria da verdade por correspondência. No entanto, ao se analisar os comentários de Peirce sobre o que está envolvido na relação de correspondência, o que se observa é que ele raramente fala de combinar o pensamento com uma realidade interpretada, parecendo estar mais preocupado com a correspondência de uma dada crença com o ideal último e, tanto quanto James ou Dewey, Peirce veria verdade como correspondência em termos da relação entre entidades cognitivas.

Ainda segundo Altshuler, quando Peirce fala em correspondência, ele se refere a tópicos aos quais temos potencialmente acesso cognitivo. Tanto James como Dewey argumentam que a verdade envolve uma relação de correspondência ou concordância, mas a natureza desta relação só pode ser determinada por uma análise pragmática. A posição de James foi inicialmente apresentada em 1884 em "a Função da Cognição" que apresenta uma visão que mais tarde ele adotou para difundir a força do argumento de Royce para uma mente absoluta como a única explicação de referência possível. Brevemente, a relação entre uma idéia e seu objeto é o funcional dessa idéia conduzindo a certas experiências esperadas. O fato, de que experiências projetadas estão disponíveis em circunstâncias apropriadas, em parte constitui a verdade da representação em questão. O acordo envolvido na verdade é o acordo entre as idéias. É essa correspondência entre uma experiência esperada e a experiência que, na realidade, ocorre nas circunstâncias relevantes, então a verdade é uma relação, não de nossas idéias com realidades não-humanas, mas de partes conceituais de nossa experiência com partes sensacionais. Dewey também especifica a constituição de relação correspondente da verdade como uma conexão entre entidades cognitivas. A relação obtém um cumprimento entre um propósito, um plano e sua execução e o resultado é a verificação ou o sucesso da crença inicial de que certas ações acarretariam certas conseqüências. Pode–se verificar que Peirce utiliza a noção de correspondência no mesmo sentido de James e Dewey, sendo que a verdade não seria defendida em termos da relação entre a representação e a coisa em si mesma.

Para corroborar estas considerações, Altshuler remete para a passagem CP 5.553 de 1905, na qual Peirce argumenta que se a natureza da correspondência não estiver especificada em termos humanos, então a verdade não teria significado para nós. Para evitar isto, então, a verdade é definida como o resultado último para o qual, seguindo o método da ciência,

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finalmente seríamos levados. Neste caso, aquilo a representação se conformaria é algo da natureza da representação ou signo – “alguma coisa nomológica, concebível, e definitivamente uma coisa-em-si-mesma”. (CP 5.553 de 1905)

Hookway (2000:78) relaciona a verdade em Peirce com convergência, com correspondência e com referência. Do ponto de vista de verdade por convergência, a análise está relacionada à concepção de ciência como m processo socio-histórico de investigação (CP 7.54 de 1902), enfatizando a ciência como um modo de vida. (Cientista, para Peirce, será aquele movido pela sede da verdade (CP 7.609 de 1903), e ciência é “um modo de vida”, a vida dedicada à busca do conhecimento e devoção à verdade, não a verdade como cada um a vê, mas a devoção à verdade que não se é ainda capaz de ver, mas se está lutando para obter).

Do ponto de vista da análise de verdade por correspondência, Hookway enfatiza a passagem “a verdade é esta concordância de uma afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim tenderia a levar a crença científica, com a concordância que a afirmação abstrata possua pela virtude da confissão de sua unilateralidade e imprecisão.”(CP 5.565 de 1901) Essa concepção expressa a idéia que as proposições verdadeiras fornecem representações icônicas da realidade.

Do ponto de vista de verdade como referência, há necessidade de se enfatizar o papel dos índices na teoria peirceana. Na passagem abaixo, imbutidos os conceitos referentes à teoria da percepção e a teoria do conhecimento. Nesse contexto, Peirce se refere a

[...] coisas reais, cujos caracteres

independem por completo de nossas opiniões a respeito delas; esses reais afetam nossos sentidos segundo leis regulares e conquanto nossas sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos, poderemos, valendo-nos das leis da percepção, averiguar através do raciocínio, como efetiva e verdadeiramente as coisas são, e, todo homem, desde que tenha experiência bastante e raciocine suficientemente acerca do assunto, será levado à conclusão única e verdadeira. (CP 5.384 de 1877).

Por outro lado, Peirce é explícito quanto à natureza da correspondência em CP 7.187 de 1901, no qual a verdade seria o acordo com a proposição última que esperamos, acordo esse, que qualquer que ele seja é a verdade. Ou, também:

Não há meios de escapar à opinião predestinada, nenhuma alteração de ponto de vista, nenhuma escolha de

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fatos outros para estudo e nem mesmo uma natural inclinação do espírito, esta a grande esperança está presente nas concepções de verdade e realidade (CP 5.407 de 1897)

Ou,

Mas, observado por um outro lado, esta opinião é que o único objeto ao qual a pesquisa procura fazer que nossa opinião se conforme, é por si próprio algo da natureza do pensamento; a saber, é a idéia final predestinada, a qual é independente do que você, eu, ou qualquer quantidade de homens possa persistir, por não importa quanto tempo, em pensar, mas que permanece pensamento, depois de tudo.(CP 8.103 de 1900)

Ou,

A verdade é aquela concordância de uma afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim tenderia a levar a crença científica... (CP 5.565 de 1901)

A análise das passagens sugere uma teoria da verdade por correspondência. Os dois últimos textos corroboram a essência da teoria por correspondência porque asseguram que a proposição verdadeira é aquela que descreve acuradamente um mundo cujas propriedades existem de forma lógica e causal independentemente das mentes. 9

Mas Peirce enfatiza que "além da esfera da verificação, a verdade e a falsidade perdem seu significado" (Nation, 57, 1893) ou "e, ainda deve ser concluído que uma hipótese é verdade porque certas predições baseadas nela têm sido verificadas (MS 473:23). Assim, Peirce define a verdade em termos da inferência científica a ser alcançada pela comunidade, isto é, como correspondência e coerência, porque no contexto da filosofia peirceana, a investigação científica é uma atividade voltada para um fim que é a descoberta da verdade e dentro da visão realista, a ciência progride por convergência em direção à verdade, no sentido de correspondência com a realidade. Este é um elemento muito importante, porque a própria validade da indução está relacionada com as previsões, não como base para ação, mas como validade do método científico, como um caminho para a descoberta da verdade.

Savan (1964) e Rescher (1978) consideram que Peirce adota uma teoria da verdade por correspondência juntamente com um critério de verdade por coerência. Pode-se dizer que principalmente após 1900, as idéias de Peirce

9 Ver CP 5.406, 8.153, 3.129 ou 6.495, CP 5.416 de 1905 ou 5.407 de 1893, ou 8.126 de 1902, ou 5.554 de 1906 ou 2.135 de 1902 e 5.384 de 1877.

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sobre a verdade estão intimamente relacionadas com sua forte defesa do realismo.

Na argumentação de Rescher (2000:11), a visão pragmática da verdade em Peirce é compreensivelmente coordenada com implementação efetiva. Mas isso deve ser entendido considerando-se o background de alguns pressupostos, porque uma teoria pragmática da verdade é sempre construída com referência a um critério que assegure as reivindicações da verdade para uma contenção fatual em termos do sucesso engendrado pela sua aceitação, mas para Peirce esse critério não é nem simplesmente nem imediatamente o fator de seu sucessor aplicativo, mas, “esta concordância de uma afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim tenderia”.

Por outro lado, há um mecanismo instintivo na cognição humana que nos permite adquirir conhecimento racional da realidade, provavelmente como os outros animais que também tem confronto com a realidade, mas que somente adquirem conhecimento mais pratico. Esse mecanismo básico é chamado por Peirce de “instinto natural para a verdade”) 10

Galileu apelou para il lume naturale nos estados mais críticos de seu raciocínio. Kepler, Gilbert, Harvey – para não falar em Copérnico- confiaram substancialmente num poder interno, não suficiente para alcançar a verdade por ela mesma, mas suprindo um fator essencial para as influências que levaram suas mentes à verdade. (CP1.80 de 1896)

Para Almeder (1982:64), Peirce nunca se distanciou de seu comprometimento realístico, e, portanto a natureza da verdade por correspondência seria incompatível com seu falibilismo. Não se pode esquecer aqui, a famosa objeção de Russell, segundo quem a teoria da coerência se refere a que duas teorias mutuamente excludentes podem oferecer uma

10Que poderia ser considerado como uma função similar ao mecanismo para “assenting ou

dissenting” das sentenças de Quine (1960, 1969:88. Ver também CP 7.220, de 1903 ou CP 7.77 de 1882 ou CP 2.176 de 1902 ou CP 5.212 de 1903 ou CP 5.554 DE 1906).

Se há uma verdade não humana, a qual um homem pode conhecer enquanto um outro não, há um padrão exterior aos que estão na disputa, para a qual, podemos encorajar, a disputa deveria ser submetida: daí um acerto pacífico e judicial de disputas é, ao menos teóricamente, algo pos-sível. Se, ao contrário, o único modo de descobrir qual dos que estão disputando está correto é esperar e ver qual deles obtém êxito, não há mais qualquer princípio exceto a força pela qual a questão pode ser decidida. (Russell, 1966,109)

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explicação coerente para um mesmo corpo de dados, mas não se poderia dizer que isto seja o real, porque uma teoria da coerência não diz o que é o real, que é o que deveria fazer uma teoria da correspondência.

Com relação aos autores contemporâneos, a visão de Dummett parece mais próxima de Peirce, porque seu realismo envolve uma avaliação do significado dependente da verdade, mas sua teoria da semântica verificacionista é anti-realista. Já Goodman se declara um radical relativista, e a verdade seria somente relevante para sistemas denotacionais.

Quine, embora não tão explicitamente anti-realista, também pode ser colocado na perspectiva dos outros autores devido a sua rejeição do realismo metafísico. Para Quine, a verdade é relativa a uma teoria, na qual se especifica nos referentes dos termos do discurso (embora Quine siga Tarski, seu apoio a relatividade ontológica coloca desafios ao realismo metafísico). A posição de Putnan em “Realism and Reason” constitui o ataque mais explícito para a inteligibilidade do realismo, que apresenta alguns argumentos, próximos dos de Goodman e Quine.

5.2 Verdade e Método

A lógica ensina que Acaso, Lei e continuidade devem ser os grandes elementos da explicação do universo. (NEM IV:376)

A lógica exige de nós, com referência a cada questão que tenhamos em mãos, a esperança de que alguma resposta definida para ela seja verdadeira. (MS140, NEM IV: xiii).

Para se analisar as relações entre verdade e método na filosofia peirceana, inicialmente vale enfatizar que Peirce propõe uma definição para ciência como "um modo de vida", baseando-se na sua própria experiência como cientista e em seu conhecimento de história da ciência, assim:

A ciência deve significar para nós um modo de vida cujo único princípio animador é encontrar a verdade, que persegue este propósito por um método bem respeitado, fundado em profundo conhecimento daqueles resultados científicos já estabelecidos por outros dentro do que esteja disponível, e busca cooperação na esperança de que

Lado a lado, então, com a proposição bem estabelecida de que todo conhecimento está baseado na expe-riência, e de que a ciência só progride pela verificação experimen-tal das teorias, temos que colocar esta outra verdade igualmente importante: que todo conhecimento humano, até os mais altos vôos da ciência, não é senão o desenvolvimento de nossos instintos animais inatos (CP 2.754 de 1883)

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a verdade seja encontrada, se não pelas atuais investigações, ainda que finalmente por aqueles que vem depois deles e que farão uso de seus resultados. Não faz diferença quão imperfeito possa ser o conhecimento de um homem, quão sujeito a erro e preconceito, do momento em que ele se engaja em uma investigação dentro do espírito descrito, aquilo que o ocupa é ciência... (CP 7.54-55 de 1902)

Peirce estende esta definição para todas as ciências. Na perspectiva peirceana, quando se fala em ciência de modo geral ou quando se fala de uma ciência em particular, subentende-se uma comunidade de pesquisadores, num determinado período de tempo, com uma unidade de propósito e de método, que torna o resultado mais do que uma simples somatória de resultados individuais. Neste contexto fica claro o sentido sócio-histórico da investigação, que pode ser evidenciado na seguinte passagem:

[...] se tivermos que definir ciência, não no sentido de abarrotar um arquivo [...] mas no sentido de caracterizá-la como uma entidade histórica viva, devemos concebê-la como aquilo com o qual homens como eu tem se declarado ocupados. (CP 1.44 de 1892)

Portanto, se um homem tem sede de aprender e compara suas idéias com resultados experimentais a fim de corrigir suas idéias, esse homem será reconhecido pelos cientistas como tal, não importando que seu conhecimento seja pequeno. (CP 1.44 de 1892)

No modelo de investigação de Peirce, apresentado no seu texto a “Fixação das Crenças”, a investigação é a luta pela estabilização da crença. A investigação começa pela dúvida, mas não a dúvida de Descartes, que é uma dúvida metodológica, e sim uma dúvida genuína e específica, que gera um estado de desconforto. A partir desse estado de dúvida desconfortável, o homem, seja ele cientista, investigador ou mesmo no dia a dia, luta para obter uma nova crença, luta essa que Peirce chama de investigação. “A investigação científica é crítica, coletiva, falível e contínua" (Bernstein, 1990:196).

Não se pode estar certo de que uma comunidade chegará a uma conclusão inalterável sobre uma dada questão, e mesmo que chegue não se pode esperar unanimidade completa ou consenso, para toda e qualquer questão, mas tudo que podemos esperar é que tal conclusão possa ser substancialmente alcançada para algumas questões particulares com que nos ocupamos em nossas investigações. (CP 6.610 de 1891)

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Portanto, no método da ciência, mais tarde chamado pragmático, nossas crenças são determinadas por algo externo independente de nossas fantasias, sendo que os resultados a que chegamos devem atender à realidade e serem também submetidos à crítica dos outros. Mas como é que uma grande variedade de observações e processos pode levar a uma conclusão que seja aceita por todos aqueles que a compreendem? Para Peirce, quando diferentes pesquisadores concordam com um resultado final, isto não seria simplesmente um fato bruto, ao contrário, há convergência de opiniões, observações, idéias e pontos de vista. A explicação para isto está contida na sua teoria da realidade, como resultado final da investigação. A realidade não é somente alguma coisa que tem correspondência com o mundo, mas é aquilo a que se chega no acordo final da investigação (CP 1.420, 2.5661, 4.580, 5.453, 5.467, 5.528, 6.327)

Rorty (1990:7) considera suspeita a expressão “acordo final”, porque tem dúvidas se tais termos possam trazer algo que clarifique as noções de “verdade absoluta” e “realidade absoluta”, pois duvida que exista um projeto único chamado investigação, que pudesse ser pensado como chegando a um fim destinado.

A investigação para Peirce tem, portanto, uma estrutura lógica e seu objetivo é o conhecimento do real. Por outro lado, a crença tende a se fixar gradualmente por influência da investigação (CP 2.693 de 1877), ou seja, a longo prazo, o processo de “inquiry” tende a convergir para o limite e estabilização da crença. Portanto, na obra de Peirce, há uma concepção de verdade, ligada ao estabelecimento ou fixação da crença no final da investigação. Enfim, a questão do método está no coração da obra de Peirce, e se ignorarmos este coração, sua obra não funciona.”(Santaella, 1993 b:20) .

A idéia de ciência como uma atividade na qual se engaja uma comunidade de pesquisadores e a concepção de realidade, como opinião final obtida no processo do “inquiry”, podem ser analisadas como recíprocas. Ou, segundo Peirce:

Não há como escapar da admissão de que o fim último da investigação - o essencial, não fim ulterior - o molde segundo o qual tentamos formar nossas opiniões, não pode ser ele próprio da natureza de uma opinião. Pudesse ele ser concebido, deveria ser como uma imagem insistente, não se referindo a mais nada, e naquele sentido concreto. (Peirce, CP 8.104 de 1900)

Para Peirce, os métodos são adotados para minimizar as surpresas e reduzir o erro, conforme a seguinte passagem do texto "Reason's Conscience" (apud Hookway, 1992:67):

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O modo mais lógico de raciocínio é o método que enquanto alcança alguma conclusão nos garante contra surpresas, ou, se você preferir o método que enquanto nos traz tanto quanto mínimo possível de surpresas, produz o máximo de expectativas... (R 693 p.166)

Por que estudar lógica, pergunta Peirce? Em primeiro lugar ninguém estudaria lógica a não se que se comprometesse com a razão e sem dúvida esperaria “que o propósito do raciocínio seja a confirmação da verdade.” Em segundo lugar, não só imaginamos que há tal coisa como a verdade, mas também que ela possa ser encontrada e conhecida em alguma medida. Em terceiro lugar pensamos que não só algum conhecimento pode ser atingido, mas que ele pode ser atingido pelo raciocínio e em quarto lugar, acreditamos que uma pessoa possa raciocinar mal, e portanto, ser iludida, não caminhando em direção da verdade (CP 2.125-128 de 1902), porque certos modos de raciocínio se recomendam ao serem satisfeitos persistentemente devem nos conduzir à verdade (CP 1.608 de 1903).

Peirce caracteriza a lógica como a arte de desenvolver métodos de pesquisa (CP 7.59 de 1882 ), métodos esses que levariam à verdade. A investigação científica é justificada por ser auto-corretiva, o que a longo prazo elimina os erros pois:

[...] a pesquisa de todos os tipos, levada plenamente adiante, tem o poder vital de auto-correção e de crescimento. Esta é uma característica que preenche tão profundamente sua natureza íntima que se pode dizer que verdadeiramente não há senão uma coisa necessária à verdade, e que é um desejo ativo e de coração para prender o que seja a verdade. Se você realmente deseja aprender o que é verdade, você será, em síntese, mesmo que o caminho se desvie, surpreendentemente guiado para a estrada da verdade.(CP 5.582 de 1898)

A questão da auto-corretividade é um assunto bastante polêmico entre os comentadores de Peirce. O argumento da auto-corretividade, sua relação com a verdade como convergência e o crescimento do conhecimento são trabalhados em Rescher (1978), Delaney (1993), Hausman (1993) aos quais Misak (1991) se opõe. Lenz (1964:151-161) destaca as críticas de Reichenbach ao uso por Peirce de seqüências aleatórias, para justificar a natureza autocorretiva da indução no teorema de Bernoulli. Esta interpretação é apoiada pela exposição do aumento da confiabilidade da indução, que se torna um argumento inválido porque a justificativa da indução deve ser dada antes do uso de considerações sobre probabilidade. Já para Gouldge, a tendência autocorretiva se deve ao fato de que a indução é baseada em

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amostras retiradas aleatoriamente e cada amostra está livre para trazer a mesma freqüência relativa, e conseqüentemente a constituição objetiva daquilo que está em estudo deve finalmente se revelar.

Conforme Ransdell (1999), os pesquisadores científicos relatam e respondem uns aos outros de acordo com uma estrutura compartilhada de expectativas críticas, e é sua aderência a padrões éticos que torna o processo de investigação autocorretivo.

Foster em “"Scientific Inquiry as a Self-Correcting Process", argumenta que a auto-corretividade do método da ciência não seria apenas uma questão de fé, mas estaria na própria superioridade do método face aos outros na fixação das crenças.

A lógica da investigação é vista como um ciclo abdução/dedução/indução/nova abudção... Quando fatos surpreendentes que são observados, ou diferenças entre as previsões e os resultados obrigam a reformulação da hipótese original ou ao seu abandono ou a conseqüente formulação de hipóteses inteiramente novas, então reinicia-se o ciclo como nova abdução. Após provar a validade da abdução, dedução e indução, Peirce mostra que conjuntamente elas constituem um método que é auto-corretivo. A noção de auto-corretividade da ciência não pode ser tratado separamente do conceito de indução.

Forster divide as críticas à auto-corretividade em dois grupos: no primeiro estão aqueles autores que acham que Peirce falhou em encontrar um critério que bem sucedido para a defesa do método científico e no segundo grupo estariam aqueles comentadores que desafiam a adequação do critério de Peirce. Segundo Rescher (1978:3), a tentativa peirceana de justificar a indução através da auto-corretividade tem sido um dos pontos mais criticados de sua filosofia. Este caráter auto-corretivo, que Peirce denomina de “propriedade maravilhosa da Razão”, vai ser também reassegurado em 1898, numa passagem da Conferência “The First Rule of Logic”:

Que a indução tende a se autocorigir é suficientemente óbvio. [...] Ora, a operação de inferir uma lei numa sucessão de números observados é, a grosso modo, indutiva; e entretanto vemos que uma conduta apropriadamente indutiva procura corrigir suas próprias premissas. (CP 5.576 ou RLT :167 de 1898)

È no famoso artigo “The Doctrine of Necessity Examined” (CP 6.50-65 de 1892), que Peirce desenvolve de maneira mais completa a defesa do caráter autocorretivo da indução. A autocorreção da indução significa que, a longo prazo, a indução eventualmente será bem sucedida, e as inferências resultantes de processos de amostragem são tidas como provisórias e

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experienciais. A indução é um modo de inferência tal que, se continuado deve levar necessariamente à verdade, no final (CP 2.757 de 1905). A auto-corretividade está relacionada a duas condições: aleatoriedade da amostra e pré-designação de caracteres. Estas duas regras indutivas geram a base lógica para a validade da indução, mas têm sido freqüentemente violadas (CP 1.95 de 1896):

A verdade é que a indução é o raciocínio a partir de uma amostra obtida aleatoriamente de todo um lote a ser amostrado. Uma amostra é aleatória desde que seja obtida mecanicamente, artificialmente ou psicologicamente, de tal forma que a longo prazo qualquer indivíduo do lote total tenha a mesma chance de ser escolhido que qualquer outro. Entretanto, julgar a composição estatística do todo a partir da amostra é julgar através de um método que será correto na média com o correr do tempo e pelo raciocínio da doutrina do acaso será correto mais freqüentemente do que estará longe de sê-lo. Sem dúvida, o que o justifica a indução é uma proposição e se a amostra não pode ser aleatória, tudo o que se pede é que a aleatoriedade seja aproximada. (CP 1.93-94 de 1896)

Para Skagestad (1981:199), há cinco pontos que favorecem a concepção de auto-corretividade:

a autonomia da pesquisa pura, porque a ciência é extremamente radical nos levando a questionar teorias ou doutrinas já aceitas, para submetê-las ao teste da experiência. Neste contexto, é fundamental a concepção peirceana de verdade, como o acordo de opiniões, a longo prazo;

a falibilidade da ciência a curto prazo. Peirce se opunha às idéias positivistas, ao mesmo tempo, que reforça a idéia de que a validade da indução se apóia no cálculo das probabilidades, o que justifica nossa crença na auto-corretividade da indução, também Peirce mostra que não podemos confiar nos resultados das conclusões indutivas;

a legitimidade da explicação estatística, que se baseia na aleatoriedade da amostra e pré-designação de caracteres;

Um argumento oriundo de uma amostra aleatória é um método de determinar que proporção dos membros de uma classe finita possui uma qualidade pré-designada, ou virtual-mente pré-designada, pela seleção de casos dessa classe de acordo com um método que, a longo prazo, apresen-tará um caso com a mesma freqüência de qualquer um outro, e concluindo que a razão encontrada para essa amostra permanecerá a mesma a longo prazo. CP 2.270 de 1905

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a rejeição à teoria das probabilidades de Laplace, que Peirce acaba reduzindo ao absurdo.

o antropocentrismo da ciência: este é um ponto importante e está ligado à questão do instinto e à tendência natural do homem para formular hipóteses corretas.

Mas qual seria o critério de verdade em Peirce? Aparentemente seria o próprio método cientifico, porque corretamente aplicado ele funciona. A verdade só pode ser alcançada, a longo prazo, pelo consistente do uso do método cientifico e por uma comunidade cientifica, porque há uma realidade externa trabalhando como uma força fora da pesquisa cientifica, e a prova está no trecho a seguir:

Certo escritor sugeriu que a realidade, o fato de que há tal coisa como uma resposta verdadeira à questão, consiste em isto: as indagações humanas, -- o raciocínio e a observação humana, -- tendem para acertar disputas e para acordos finais em conclusões definidas que são independentes do ponto de vista particular a partir do qual podem ter se originado as diferentes pesquisas; assim, o real é aquilo em que qualquer homem acreditaria, e estaria pronto a agir por, se suas investigações forem bastante incentivadas (CP 8.41 de 1885)

É importante notar que não é uma simples idéia ou um simples e único procedimento referente à abdução ou à dedução ou à indução que pode alcançar a correspondência de uma idéia com a realidade. Somente o processo cognitivo completo, com a utilização do método correto de transformar signos, é que torna a verdade nada mais nem menos do que o resultado último para o qual o método nos levaria se fosse seguido. Mas mesmo supondo que alguma falácia possa ter se alojado, devemos admitir que o único método de se alcançar a verdade seja repetindo essa tríade de operações: conjectura (abdução), dedução de predições a partir da conjectura e teste das predições por experimentação (indução).(CP 7.762. de 1903)

A investigação para Peirce é composta de três estágios: abdução, dedução e indução de tal modo que não pode ser reduzida a nenhum de seus componentes, nem ao método hipotético-dedutivo. O método científico seria então auto-corretivo por ser um produto da mente humana que é auto-corretiva. Assim, o método científico é por si mesmo o critério de verdade, entretanto somente a longo prazo, será possível dizer se a proposição é verdadeira.

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Marostica, (1989:20-23) analisa o desen-volvimento do método científico na obra de Peirce, dividindo-o em três fases. A primeira data de 1868 (nos textos anti-cartesianos) quando Peirce começa a associar os três tipos de raciocínio dedução, indução e hipótese ao método científico. O próprio exemplo dos feijões (CP 5.275 de 1868) poderia ser visto como a utilização do método científico no dia-a dia, ou em (CP 2.623 de 1878), no qual Peirce antecipa o papel preditivo que a dedução vai representar.

A segunda fase corresponderia ao período que vai de 1871 a 1878. O método científico é apresentado como o esforço para acalmar a dúvida. Nos textos da “Ilustração da lógica da ciência”, verdade é relacionada com método e probabilidade com indução. O processo de inves-tigação pode ser sempre recomeçado e a atividade científica não deve ser própria de um único indivíduo.

O terceiro período corresponderia ao desenvolvimento da lógica como método dos métodos, ao qual se refere a citação a seguir:

Os espe-cialistas científicos [...] estão fazendo um trabalho importante e útil; cada um muito pouco, mais no total bastante vasto. Mas, os mais elevados espaços da ciência nos anos vindouros, são para aqueles que triunfam, adaptando os métodos de uma ciência à investigação de outra. Nisto consistiu o maior progresso da geração passada. Darwin adaptou à biologia os métodos de Malthus e dos economistas; Maxwell adaptou à teoria dos gases os métodos da doutrina de probabilidades, e à eletricidade os métodos de hidrodinâmica. Wundt adapta à psicologia os métodos da fisiologia; Galton adapta ao mesmo estudo os métodos da teoria dos erros; Morgan adapta à história um método da biologia; Cournot adaptou à economia política o cálculo de variantes. Os filólogos adaptaram à sua ciência os métodos dos decifradores de mensagens. Os astrônomos aprenderam os métodos de química; o calor irradiante é investigado com uma corneta acústica.(CP 6.87 fn2p66 de 1898)

Da revisão da teoria da realidade e da teoria da investigação, resultaram os ensaios da “Illustrations of Logic of Science”, composta de seis artigos publicados originalmente na “Popular Science Montly”, a saber: 1. “The Fixation of Belief” -

1877 (CP 5.358-87), 2. “How to Make our Ideas

Clear” - 1878 (CP 5.388-410),

3. “The Doctrine of Chances ”- 1878 (CP 2.645-60),

4. “The Probability of Induction ” - 1878 (CP 2.669-93),

5. “The Order of Nature ” - 1878 (CP 6.395-427) e

6. “Deduction, Induction, and Hypothesis ” - 1878 (CP 2.619-44).

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A ciência é concebida como o melhor modo de se conhecer o mundo externo e a indução por si mesma, sendo ampliativa, tem no processo de investigação um papel crucial, que é o de fornecer o valor aproximado de uma razão. E esta não era uma opinião a que Peirce chegou na maturidade, porque já em 1873, ele dizia:

Chegou a seu destino, e essa permanência, essa realidade fixa, à quaI cada pensamento se empenha em representar e imaginar, temos colocado neste ponto objetivo, na direção do qual flui a corrente do pensamento. (CP 7.337 de 1873)

No entanto, de 1980 em diante, Peirce começa a insistir em que a verdade seria o que a comunidade científica alcançaria se continuasse a investigação indefinidamente, introduzindo os would-be´s.

É evidente que o pragmatismo envolve o realismo escolástico, uma vez que faz com que todo conteúdo intelectual, e, portanto, o significado da própria realidade consistam naquilo que seria (would’be), sob condições concebíveis, que, em grande parte, jamais podem ser concretizadas. Envolve, portanto, tornar o ser real, incluindo existência... (MS 845:29-30 de 1905)

Santaella, em "Metodologia Semiótica" aponta quatro níveis dos quais depende a compreensão da concepção que Peirce tinha de método. O primeiro nível, cronologicamente mais antigo, está nos artigos anti-cartesianos, o segundo nível está na lógica crítica, ou estudo dos tipos de argumento, o terceiro nível lida especificamente com a questão da metodologia e o quarto nível é o pragmatismo, como ponto de convergência e união das idéias de método.

Mas, acima de tudo, é a profundidade da pesquisa dos pesquisadores que os une com os homens de ciência e os separa, ao redor do mundo, dos modernos assim - chamados filósofos. A profundidade, à qual eu aludo, consiste nisto, que adotando qualquer teoria, eles saem por toda parte, devotam todas suas energias e vidas colocando-a a prova bona fide - não aquela que meramente acrescentaria um novo brilho ao cintilar de suas provas, mas tal que realmente seja em prol de satisfazer o incansável impulso insaciável de colocar suas opiniões a prova. Tendo uma teoria, eles têm de aplicá-la a qualquer matéria e a cada ramo de cada matéria para ver se produz um resultado em concordância com os únicos critérios que foram capazes de aplicar - a verdade da fé Católica e os ensinamentos do Príncipe dos Filósofos‟. (CP 1.33 de 1869)

Esse parágrafo enfatiza que de acordo com Peirce, as pessoas buscam a ciência movidas por um interesse em conseguir um conhecimento verdadeiro

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das coisas. É a verdade que as atrai como um dos aspectos do summum bonum. E a atração da verdade sobre a comunidade cientifica é um dos aspectos do agapismo que tudo atrai no processo evolucionário, porque um cientista precisa ser particularmente sincero consigo mesmo, do contrário seu amor pela verdade se esvanecerá subitamente. (CP 1.49 de 1896).

Assim, supondo que a verdade seja algo que o pensamento possa alcançar, então sendo o pensamento da natureza do signo, então se pudermos descobrir um método certo de pensar – o método certo de transformar signos - então a verdade não pode ser nada mais nada menos do que o resultado último para onde seríamos levados, seguindo este método. (CP 5.553 de 1902)

[...] a verdade é a conformidade de seu representamen com seu objeto, seu objeto [...] deve haver uma ação do objeto sobre o signo que cause uma verdade posterior. Sem isso o objeto não é objeto do representamem‟. [...] Assim, então, um signo, no sentido de cumprir sua tarefa. De atualizar sua potência, deve ser compelido por seu objeto. Esta é evidentemente a razão da dicotomia da verdade e da falsidade. (CP 5.554 de 1902)

Por outro lado, a decisão sobre a verdade ou falsidade de alguma crença só é possível através do conhecimento, e esta decisão não é imediata. Investigar é interrogar e tentar obter respostas, é tornar uma crença cada vez mais determinada. Os "seguidores da ciência" podem esperar que os processos de investigação levarão, a longo prazo, a uma solução correta, mesmo que de início os resultados sejam diferentes.

Mas na medida em que cada um aperfeiçoa o seu método e seus processos, verificar-se-á que os resultados caminham conjunta e continuamente para um centro comum. (CP 5.377 de 1877).

Peirce enfatiza o caráter provisório das verdades científicas:

Nada é vital para a ciência, nada pode ser. Suas proposições aceitas, entretanto, não são mais do que opiniões, e toda a lista é provisória. O homem científico não está minimamente atado às suas conclusões. Ele não arrisca nada por elas. Ele está pronto a abandoná-las tão logo a experiência a elas se oponha [...] não há, portanto, nenhuma proposição em ciência que responda à concepção de crença. Mas em questões vitais é bastante diferente. (CP 1.635-36 de 1898)

[...] a respeito de verdades vitalmente importantes há só uma na qual eu verda-deiramente acredito [...] é que fatos vitalmente importantes são de todas as verdades as maiores ninharias”. (CP 1.673

de 1898)

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Em “Definitions of Truth” (CP 5.565-573 de 1901), Peirce apresenta várias definições de verdade, distinguindo verdade científica de verdade matemática. O matemático puro lida exclusivamente com hipóteses, se há ou não qualquer coisa real correspondente, não é com o que devemos nos preocupar, porque suas hipóteses são criadas pela imaginação. Por outro lado, a verdade lógica é uma característica que se liga a uma proposição abstrata, tal como uma pessoa pode enunciar, depende essencialmente de que as proposições não sejam professadas sendo exatamente verdadeiras (CP 5.565 de 1901). As verdades da Matemática são meramente verdades sobre idéias, mas questões de lógica são questões de fato. (NEM IV: xv). Mas se há ou não qualquer realidade, e mesmo que os metafísicos decidam que não há, a verdade é:

[...] esta concordância de uma afirmação abstrata com o limite ideal em direção ao qual a investigação sem fim tenderia a levar a crença científica, com a concordância que a afirmação abstrata possua pela virtude da confissão de sua unilateralidade e imprecisão. E esta confissão é um ingrediente essencial da verdade. Uma explicação posterior do que consista esta concordância será dada abaixo. Realidade é este modo de ser pela virtude do qual a coisa real é o que é, independentemente do que qualquer mente ou qualquer coleção definida de mentes possa representá-la como sendo. (CP 5.565 de 1901)

Peirce classifica a definição acima como verdade científica, mas considera que a mesma definição, mas “a verdade perfeita não pode ser declarada, exceto no sentido de confessar sua imperfeição” (CP 5.567 de 1901). Por outro lado, as características da definição acima também se aplicam à Matemática Pura (o matemático puro lida exclusivamente com hipóteses e se há ou não qualquer coisa real correspondente, não deve ser nossa preocupação). Mas se houver ou não qualquer realidade, a verdade da proposição puramente matemática é constituída pela impossibilidade de encontrar um caso no qual ela falhe, o que é possível se confessarmos a impossibilidade de defini-la precisamente. (CP 5.567 de 1901).

Peirce também argumenta que a verdade lógica é uma frase usada em três sentidos. O primeiro se refere à harmonia de um pensamento consigo mesmo, fazendo da verdade lógica um sinônimo de possibilidade lógica. O segundo trata da conformidade de um pensamento às leis da lógica, em particular em um conceito, consistência; em uma inferência, validade, e em uma proposição, agregação com afirmações. O terceiro trata mais propriamente de uma proposição em relação com a realidade, mesmo que ela

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não afirme nada a respeito da realidade. A verdade lógica, de um lado se opõe à verdade metafísica e, de outro, à verdade ética. (CP 2.541 de 1901)

Mas qual é a natureza da verdade? Nos textos de lógica de 1873, Peirce começa indagando como é que uma variedade de observações e processos de pensamento pode levar a uma conclusão consensual que seja aceita pelos investigadores? (CP 7.331-336). A resposta estaria na relação verda-de/realidade:

Mas a opinião humana tende univer-salmente, a longo prazo, para uma forma definida, que é a verdade. Que um ser humano qualquer tenha suficiente informação e pense o suficiente sobre uma questão qualquer, e o resultado será que ele chegará a uma certa conclusão definida, que é a mesma a que chegará qualquer outra mente nas mesmas circunstâncias suficientemente favoráveis. [...] Existe, portanto, para toda questão, uma resposta verdadeira, uma conclusão final, para a qual a opinião de todo homem constantemente tende. (CP 8.12 de 1871)

Na resenha da obra editada por Fraser “The works of George Berkeley" (CP 8.7-31 de 1871), Peirce apresenta sua concepção de verdade a partir da definição de real. Também enfatiza que, apesar dos erros, há possibilidade de que, a longo prazo, se chegue à verdade. Segundo ele, dizer que os objetos reais são externos à mente e agem sobre a mente é significante e verdadeiro, porque uma análise pragmática mostra que, a longo prazo as opiniões tendem para um acordo sobre a realidade de tais objetos. Para Peirce, o erro ou a vontade arbitrária podem adiar este acordo geral, mas a opinião final é independente de tudo que é arbitrário e individual no pensamento.

A idéia mesma de verdade é que ela independe completamente do que você ou eu possamos pensar que ela seja”.(CP 2.55 de 1902 )

O realismo de Peirce vê o real como um objeto da opinião verdadeira. A verdade não é uma questão individual. A verdade tem um sentido coletivo e o indivíduo poderá até perdê-la de vista, mas mesmo assim “permanece o fato de que há uma opinião definida para a qual tende a mente do homem no conjunto e a longo prazo” (CP 8.12 de 1871).

Portanto, esta opinião final é independente não, de fato, do pensamento em geral, mas de tudo o que seja arbitrário e individual no pensamento; é totalmente independente daquilo que o leitor ou eu ou qualquer número de pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que se pensar existir na opinião final é real, e nada além disso. (CP 8.12 de 1871)

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Esta teoria da realidade é “instantaneamente fatal à idéia de uma coisa em si mesma – uma coisa que exista independentemente de toda relação com a concepção que dela tem a mente”. Ela nega que haja uma realidade absolutamente incognoscível e esta concepção do real é inevitavelmente realística, “porque concepções gerais entram em todos os juízos e, portanto, em todas as opiniões verdadeiras” e, uma coisa no geral é tão real quanto no concreto (CP 8.13 de 1871). Assim, a generalidade dos termos nunca pode ser exaurida pela própria enumeração dos particulares e a vagueza, ou seja,a capacidade indefinida para futuras interpretações, é essencial para a significação.

Para Peirce, não é simplesmente um fato bruto quando diversos pesquisadores concordam com um resultado comum. Deve-se considerar também a insistência e o poder da realidade em constranger nossas idéias, ou opiniões, ou representações. Esta é a essência da teoria da realidade na base teoria da verdade, a realidade é independente do que é pensado ou representado, a idéia de realidade essencialmente relativa ao pensamento, e a idéia de realidade como resultado último da investigação e, finalmente, a investigação deve ser governada pelas leis do raciocínio sintético. (CP 8.12 de 1871 ou CP 5.407-8) ou “a consciência escrupulosa do que significa a verdade, para mim, é a raiz de nossa liberdade para o conhecimento“. (CP 1.331 s.d.)

Peirce insiste que a verdade é o objetivo final da investigação científica, nós esperamos que o erro diminua com o progresso da ciência (CP 5.565 de 1901), mas apesar desse progresso não há verdades nem certezas absolutas. A investigação se apropriadamente conduzida alcançará algum limite fixo ou definido ou aproximado indefinidamente em relação àquele limite. (CP 1.485 de 1896)

Então, a pesquisa de todos os tipos, levada plenamente adiante, tem o poder vital de auto-correção e de crescimento. Esta é uma propriedade que satura tão profundamente sua natureza intima que pode-se dizer verdadeiramente que não há senão uma coisa necessária para guiar a verdade, e que é um desejo ativo e de coração para aprender o que seja a verdade. Se você realmente deseja aprender o que é a verdade, como quer que o caminho se desvie, você será em síntese, surpreendentemente guiado para a estrada da verdade. Não importa quão errôneas suas idéias de método possam estar no começo, você será durante a jornada a corrigi-las até o ponto que sua atividade seja movida por este desejo sincero. (CP 5.582 de 1989)

No contexto da teoria da investigação, principalmente com respeito ao método científico e à primeira formulação do pragmatismo, como um método de

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verificação de nossas concepções gerais, Peirce argumenta que há um objeto externo que insiste de forma regular e uniforme sobre nossas cognições, há uma realidade que pode ser encontrada e é independente do pensamento individual, de tal forma que todos aqueles que investigam, independentemente de suas áreas de atuação, compartilham a esperança de atingir a verdade, relativa ao consenso de opiniões.

A busca de Peirce de um método para fixação das crenças, que fundamentasse a investigação científica conduziu-o à elaboração de uma teoria da verdade e da significação, ao mesmo tempo em que examinava as questões relativas à inferência sintética.

Do fato que sabemos que “todo conhecimento provém da inferência sintética, devemos inferir igualmente que toda certeza humana consiste meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a conclusões verdadeiras”. Embora uma inferência sintética “não possa ser de maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação suficiente”. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é, realmente, “um dos fatos dos quais parte a lógica" (Peirce CP 2.692-93 de 1878).

Segundo Peirce, a investigação começa a partir de um estado de dúvida incomodo, que bloqueia o fluxo de ações habituais, e no qual não se consegue escolher entre cursos de ação alternativos. Esta dúvida, da qual a investigação parte, é uma dúvida real, genuína, e não simplesmente uma dúvida metodológica, um "faz-de-conta". Assim, a investigação científica constitui um esforço para colocar fim à dúvida e voltar a um estado de crença e a verdade seria, então, um estado de crença inatacável pela dúvida.

Para Peirce, somente o método científico pode nos levar à verdade, a longo prazo, num longo percurso, que constitui o processo dinâmico da investigação. Este processo está sujeito ao erro, ao acaso, mas também é passível de auto-correção:

[...] o todo da pesquisa Lógica se relaciona com a verdade; ora, a idéia mesma de verdade é que ela independe completamente do que você ou eu possamos pensar que ela seja. Como pensamos, entretanto, é extremamente irrelevante para a investigação lógica (CP 2.55 de 1902)

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5.3 Verdade e Pragmatismo

Peirce sempre desejou livrar a filosofia da tautologia da metafísica para trazê-la o mais próximo para os métodos das ciências da natureza (CP 5.423 ou CP 5.2 de 1901) e foi seu interesse em encontrar uma máxima que fornecesse clareza de apreensão, que o levou a formular o pragmatismo, tendo sempre enfatizado que o pragmatismo é um método de reflexão cujo único propósito é dar clareza às idéias.

Embora a primeira publicação da máxima do pragmatismo date de 1878, Peirce só retomou a ela quase vinte anos depois. Em 1898, William James, ao proferir uma palestra na Universidade da Califórnia, introduziu o termo pragmatismo, reconhecendo ter sido Peirce o autor do termo ao apresentá-lo para os membros do Clube Metafísico.

No entanto, a máxima do pragmatismo foi muito mal entendida, dando margem a interpretações utilitaristas (ação pela ação) e hedonistas, sendo William James um dos responsáveis por estes mal-entendidos (CP 5.429 de 1904), a tal ponto que Peirce rebatizou o pragmatismo de pragmaticismo, “para estar a salvo de seus raptores” (CP 5.414 de 1904).

O pragmatismo concebido por Peirce é mais limitado do que o de James ou de Schiller (CP 8.258), pois embora a ação seja importante na filosofia de Peirce, ela tem papel intermediário, porque no pragmatismo o summum bonum não consiste na ação, mas em um processo de desenvolvimento.

Segundo Houser (1998:xxii) para muitos comentadores teria sido a palestra de W. James de 1898, a razão da volta de interesse de Peirce com respeito ao pragmatismo, mas parece provável que este retorno tenha a ver com o tratamento que Peirce estava dando, nesta época, à inferência em sua teoria da percepção.

O pragmatismo foi construído arquitetonicamente e, na sua construção, as propriedades de todos conceitos indecomponíveis foram examinadas, tanto quanto os modos nos quais elas poderiam ser compostas, assim tendo apresentado o propósito da doutrina, foi através de sua análise que sua verdade foi provada (CP 5.5). Mas não se pode negar que foi a crescente popularidade do pragmatismo que levou Peirce a produzir a “prova”, istodé, a mostrar que o pragmaticismo é “provável, não é só uma máxima” (CP 5.415 de 1904) e seria esta “prova” que iria distinguir sua versão de pragmatismo das outras versões:

O Professor James define o pragmatismo

Supondo que uma tal coisa seja verdade, que tipo de prova devo demandar para satisfazer-me de sua

verdade? (CP 2.112)

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como a doutrina de que todo “significado” de uma concepção se expressa quer na forma de conduta a ser recomendável, que na de experiências a serem esperadas. Meu entendimento do pragmatismo difere levemente disso na prática e mais talvez na teoria. Não entendo o pragmatismo como um método para determinar os significados de todos os tipos de conceitos, mas apenas dos “conceitos intelectuais” ou aqueles sobre os quais o raciocínio se desenvolve [...] O pragmatismo vê um conceito como um signo mental, ou meio entre o objeto ao qual ele está moldado e o “significado” ou efeito que o objeto está capacitado, pelo conceito, a produzir; e em todas as investigações sobre signos nada é de importância mais viva do que manter uma clara e firme distinção entre o objeto, ou a causa professada do signo, e o significado, ou seu efeito intencionado. Ora, as experiências parecem a mim serem muito mais o objeto de uma concepção do que seu significado, pois elas são muito externas à mente para serem significados, e quanto às expectativas das experiências, se elas não podem ter concebivelmente nenhum efeito sobre a conduta, o conceito delas não pode ser do tipo intelectual. Além disso, uma experiência é um evento singular, assim como o é o ato mental de esperar por ela. Pois bem, nenhum agregado de objetos singulares pode constituir o significado de um conceito geral. Esta objeção não se aplica aos efeitos de um conceito sobre a conduta, uma vez que esses efeitos são da natureza de um hábito, e um hábito é um princípio gera. Estas são duas entre muitas considerações que me levaram a definir o pragmatismo como a doutrina de que o significado de um conceito intelectual consiste exclusivamente nos seus efeitos concebíveis sobre a conduta. (MS 320 de 1907)

Segundo Peirce, o que distingue seu pragmatismo dos outros é:

sua “retenção de uma filosofia” purificada;

sua total aceitação do corpo principal de nossas crenças instintivas;

sua vigorosa insistência sobre a verdade do realismo escolástico. (CP 5.423 de 1905)

Hookway, em “Peirce´s Strategies for Proving Pragmatism”, argumenta que Peirce enfatizou ser sua versão diferente das rivais porque poderia ser provada. Em 1898, teria ocorrido sua primeira tentativa, mas a busca desta prova se tornaria central em seu trabalho após 1900.

Na evolução do pensamento peirceano, foi só a partir de 1905, que o inter-relacionamento das ciências normativas fica esclarecido. É a partir desta época, também, que Peirce começa a utilizar os condicionais would be´s em suas novas versões da máxima pragmática, o que torna o pragmatismo consistiria o método correto de transformar signos, com o objetivo de atingir o resultado último, a verdade.

Em 1905, Peirce afirma que “está na hora certa de explicar o que é pragmatismo. O pragmatismo é “meramente um método de afirmar significados

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de palavras difíceis e de conceitos abstratos”, não sendo nenhuma doutrina metafísica e nenhum esforço para determinar qualquer verdade das coisas (CP 5.464 de 1905). Peirce enfatiza que o pragmatismo é um “método de afirmar a significação”, mas não de todas as idéias, só de “conceitos intelectuais”, isto é, os únicos signos veiculados que carregam alguma implicação “concernente ao comportamento geral quer de algum ser consciente, quer de algum objeto inanimado”.

Mas o pragmatismo afirma que a “significação total de uma predicação de um conceito intelectual está contida na afirmação que, sob todas as circunstâncias concebíveis de um dado tipo, o sujeito da predicação se comportaria de um certo modo geral, isto é, seria verdade sob certas circunstâncias experimentais” (CP 5.468 de 1905). Peirce enfatiza que “o problema do que seja o significado de um conceito intelectual só pode ser resolvido através do estudo dos interpretantes ou propriamente dos efeitos dos significados dos signos” (CP 5.47 de 1905).

O pragmatismo se torna um ponto de união de vários aspectos que estavam parcialmente desconectados na filosofia peirceana, entre os quais a teoria dos signos, a teoria da investigação e o próprio pragmatismo. Assim, é no contexto de pragmatismo, que Peirce vai rever sua teoria da crença, centralizada na concepção de hábito e vai retomar a teoria dos signos com ênfase especial para os interpretantes. Também, devem ser lembrados os trabalhos que Peirce desenvolveu entre 1901 e 1903, entre eles a proposta desenvolvida para Carnegie Institution, na qual Peirce solicitava fundos para seus projetos de lógica, Minute Logic, que mostraria suas principais descobertas em continuidade e modalidade.

Por outro lado, o desenvolvimento de uma nova teoria da percepção com fundamento na fenomenologia e a constatação do inter-relacionamento das ciências normativas vão levar Peirce a reformular o pragmatismo como uma doutrina em que as concepções não são relativas à ação, mas ao objetivo último, o summum bonum.

Assim, o fim último da ação deliberadamente adotada, ou seja razoavelmente adotada, “deve ser um ideal admirável”. A admirabilidade, portanto "é um estado de coisas que razoavelmente se recomenda a si mesmo em si mesmo, a parte de qualquer consideração ulterior” (CP 5.130 de 1903). Este summum bonum é “a essência da Razão”, cuja existência nunca alcança completude total e está sempre em um estado de insipiência, de crescimento. A própria criação do universo que está em processo é o “próprio desenvolvimento da razão” (CP 1.615 de 1903).

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Em 1902, Peirce reconhece que sua apresentação da máxima pragmática de 1878 havia sido “crua”, pois só então, ao entender o inter-relacionamento das ciências normativas, é que obteve a prova de que a lógica deve estar fundada na ética, da qual ela é um desenvolvimento mais elevado e que a ética, do mesmo modo, está fundada sobre a estética (CP 8.255 de 1902).

Na primeira versão da máxima pragmática, Peirce havia identificado o significado dos conceitos intelectuais com efeitos acessíveis aos sentidos e como ação e reação. Portanto, havia deixado de ver que ação e reação só podem ser entendidas em termos de propósito e que propósito é essencialmente pensamento, isto é, a Terceiridade, que por sua vez é a categoria do pensamento. No entanto, a Terceiridade é um ingrediente essencial da realidade, mas não constitui a realidade por si mesma, uma vez que essa categoria não pode ter um ser concreto sem a ação como um objeto separado sobre o qual opera seu controle, assim como a ação não pode existir sem o ser imediato do pensamento sobre o qual atua (CP 5.436 de 1904), pois sendo as Ciências Normativas em geral, as ciências das leis de conformidade das coisas com seus fins, “é exatamente neste ponto que começamos a entrar no caminho que nos leva ao segredo do pragmatismo” (CP 5.129-130 de 1903).

Pois se o significado de um símbolo consiste em como, poderia levar-nos a agir, é evidente que este como não pode referir-se à descrição dos movimentos mecânicos que o símbolo poderia causar, mas deve ser entendido como referente a uma descrição da ação como tendo este ou aquele objetivo. A fim de compreender o pragmatismo, portanto, o bastante para submetê-lo a uma crítica inteligente, cabe-nos indagar o que pode ser um fim último, capaz de ser perseguido no curso indefinidamente prolongado de uma ação. (CP 5.135 de 1903)

Em 1903, Peirce acrescenta uma nota à máxima do pragmatismo de 1878, dizendo que, antes de empreender a aplicação dessa regra, deveríamos refletir sobre o que ela implica, porque embora tenha sido qualificada como “princípio cético e materialista”, ela é somente “aplicação do único princípio recomendado por Jesus: Vós podereis conhecê-los por suas obras”. Segundo Peirce, deveríamos evitar entendê-la num sentido muito individualista, porque “quando chegarmos a estudar o grande princípio da continuidade, veremos “como tudo é fluído e todos os pontos compartilham diretamente do ser de todos os outros” e assim veremos que a “experiência de um homem não é nada, se permanecer sozinha”.

A grande crítica que Peirce sempre fez aos “raptores de seu filhote” foi que a verdadeira natureza do pragmatismo não pode ser entendida sem as

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categorias fenomenológicas (CP 8.256 de 1902), reforçando que “afinal de contas, o pragmatismo não resolve nenhum problema real”. Ele apenas mostra que “problemas supostos não são problemas reais”. O efeito do pragmatismo aqui “é o de abrir nossa mente para receber qualquer evidência, não para fornecer evidência” (CP 8.259 de 1902). Para se compreender o pragmatismo é necessário ser realista, “o princípio do pragmaticismo é a doutrina escolástica do realismo” (CP 5.453 de 1905).

Pois, se o leitor voltar à máxima original do Pragmatismo [...] verá que a questão não é o que aconteceu, mas se teria acontecido de modo a se engajar bem em qualquer linha de conduta cuja fonte do sucesso dependesse de se o diamante resistirá a um esforço em riscá-lo, ou se todos os outros significados lógicos determinantes de como ele deveria ser classificado guiariam à conclusão que, para citar muitas palavras deste artigo, seria “a crença que sozinha seria o resultado da investigação levada suficientemente longe”. O Pragmatismo faz o conteúdo intelectual ultimo do que você deseja consistir nas resoluções condicionais concebidas, ou em sua substância; e portanto, as proposições condicionais, com seus antecedentes hipotéticos, nos quais tais resoluções consistem, sendo da natureza ultimado significado, devem ser capazes de serem verdadeiros; isto é, de expressar o que quer que haja naquilo que a proposição expresse, independentemente de assim ser pensado em qualquer julgamento, ou ser representado, assim em qualquer outro símbolo de qualquer homem. Mas isto resulta em dizer que possibilidade algumas vezes é do tipo real. (CP 5. 453 de 1905).

Portanto, o pragmatismo faz referência à realidade de algumas possibilidades, mas segundo Peirce, para entender completamente esta questão será necessário analisar a modalidade e dizer no que ela consiste. No caso mais simples, se uma pessoa não sabe que uma proposição é falsa, ela a chama de possibilidade. Se, entretanto, ela sabe que é verdade, então restringindo a palavra a suas características aplicáveis, um estado de coisas tem a modalidade do possível (isto é do meramente possível) somente caso o estado contraditório das coisas seja igualmente possível, provando que a possibilidade é a modalidade vaga.

Mas há outro tipo de modalidade subjetiva que é o signo, que é assumido como sendo verdade, mas que não inclui o conhecimento total mais completo (CP 5.455 de 1905). Para o pragmatista, ao dizer que um objeto tem um caráter, ele é obrigado a subscrever a doutrina da modalidade real, incluindo a necessidade real e a possibilidade real (CP 5.457 de 1905), “o momento seguinte da argumentação a favor do pragmatismo é o ponto de vista

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segundo o qual todo pensamento é um signo [...] enquanto tal, todo realista deve admitir que um geral é um termo e por isso um signo”. .

O pragmatismo é um passo no procedimento geral do sinequismo, porque a correta formulação das hipóteses pressupõe um correto entendimento dos conceitos assim empregados, mas, tanto o pragmatismo como o sinequismo são construídos a partir do realismo, porque tudo repousa sobre a pressuposição de que há reais gerais (CP 5.503 de 1905). Vale observar que assumir uma atitude satisfatória em relação ao elemento da Terceiridade é o que mais tarde viria a ser o critério pragmático (CP 5.206 de 1903). O pragmatismo, portanto, reforça o caráter geral do realismo, através dos would-be’s porque “o pragmatismo consiste em esperar que o conteúdo de qualquer conceito seja sua influência concebível sobre nossa conduta” (CP 5.460 de 1905), ou seja a realidade dos gerais é a realidade dos would-be’s.

Há varias formulações do pragmatismo, listaremos somente algumas delas, considerando o grau de clareza e importância das elaborações.

O primeiro excerto aparece na forma de um verbete de dicionário, com a intenção de definição de "pragmaticismo". Pragmaticismo. A opinião de que a metafísica será amplamente esclarecida pela aplicação da máxima seguinte para se conseguir a clareza da apreensão: "Considere que efeitos, que possam ser concebivelmente de sentido prático, que concebemos que o objeto de nossa concepção tem. Assim, nossa concepção destes efeitos é a totalidade de nossa concepção do objeto." (Peirce, CP 5.2, 1878)11

A segunda formulação é a seguinte, apresenta outra versão da "máxima pragmática", uma recomendação sobre a maneira de se esclarecer o

11 Vale ser comparada com aquela que está contida na nota de rodapé do texto “Como Tornar

Nossas Idéias Claras”, e que foi acrescentada em 1903. Para Ransdell, trata-se de uma reflexão tardia sobre a recepção do pragmaticismo, e traz um sentido de exasperação que é quase palpável. Este comentário tenta justificar a máxima do pragmaticismo e de reconstruir sua má interpretação, apontando uma quantidade de falsas impressões que os anos intermédios acrescentam sobre ele, e mais uma vez tencionando corrigir os efeitos deletérios desses erros.Peirce lembra a verdadeira concepção e nascimento do pragmaticismo, revendo sua promessa inicial e sua parte propositada à luz de suas subseqüentes vicissitudes: estritamente singulares que qualquer outra coisa, poderiam constituir o significado, ou a adequada interpretação proper, de qualquer símbolo. Comparei a ação ao final da sinfonia do pensamento, a crença sendo uma semicadência. Ninguém concebe que os poucos compassos no final de um movimento musical são o propósito do movimento. Eles podem ser chamados seu desfecho, ou seja: “Considerar que efeitos - imaginavelmente possíveis de alcance prático - concebemos que possa ter o objeto de nossa concepção. A concepção desses efeitos corresponderá ao todo da concepção que tenhamos do objeto" (CP 5.402, nota 3 de 1903)

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significado pragmaticismo, originalmente enunciado na forma de uma máxima, como segue: Considere que efeitos, que poderiam ter sentido comum, você concebe que têm os objetos de sua concepção. Então, sua concepção desses efeitos é a totalidade de sua concepção do objeto. (Peirce, CP 5.438, 1878/1905).

A versão a seguir coloca uma certa ênfase sobre o significado de "sentido prático" e fornece uma afirmação alternativa da máxima pragmática Tal raciocínio e todos os raciocínios derrubam a idéia que se se exerce um certo tipo de volição, suportar-se-á certas percepções compulsórias em troca. Então, esta classe de consideração, isto é, de que certas linhas de conduta acarretarão certos tipos de experiências inevitáveis, é o que é chamado de "consideração prática". Assim fica justificada a máxima, a crença na qual constitui o pragmaticismo, ou seja: “A fim de determinar o significado de uma concepção intelectual, dever-se-ia considerar quais conseqüências práticas poderiam concebivelmente resultar neces-sariamente, da verdade dessa concepção: e a soma destas conseqüências constituirá todo o significado da concepção” (CP 5.9 de 1902);

A próxima versão pode ser útil como esclarecimento adicional, e seria destinada a corrigir a variedade de mal entendidos históricos em relação ao significado pretendido do pragmaticista, que apareceram no decorrer dos anos. A doutrina parece presumir que o fim do homem é a ação-- um axioma estóico, o qual, para este escritor à idade de sessenta, não se recomenda tão convincente como o fazia aos trinta. Se, pelo contrário, for admitido que a ação requer um fim, e que esse fim deve ser algo de uma descrição geral, então o espírito da própria máxima, que é aquele que devemos observar como a conclusão de nossos conceitos para apreendê-los corretamente, nos levaria a algo diferente de fatos práticos, i.e., para idéias gerais, intérpretes verdadeiros de nosso pensamento. (CP 5.3, de 1902).

Uma outra versão seria interessante para afirmar o sentido da máxima pragmática sobre o tópico da reflexão, na qual todo o pragmaticismo seja reduzido a nada mais que um método de reflexão. O estudo da filosofia consiste, portanto, em reflexão, e o pragmaticismo é aquele método de reflexão que é conduzido tendo constantemente em mente seu propósito e o propósito das idéias que analisa, seja que esses fins forem da natureza e dos usos da ação ou do pensamento. Ver-se-á que o pragmaticismo não é uma contemplação do mundo, mas é um método de reflexão que tem com propósito tornar as idéias claras. (CP 5.13 nota 1, 1902).

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A formulação a seguir enfatiza o caráter dos would-be´s. “O significado total de um predicado intelectual é que certos tipos de eventos aconteceriam, com certa freqüência, no curso da experiência, sob certos tipos de condições existenciais” (CP 5.468 de 1907);

Por outro lado, algumas formulações têm em comum a versão do pragmatismo como método de determinar os significados intelectuais de conceitos, significados estes que são gerais e condicionais e consistem em hábitos intelectuais que produzem ou modificam a conduta, “o significado racional de toda proposição está no futuro”, é a forma na qual a ”proposição se torna aplicável à conduta.” É por isto que o significado é situado num tempo futuro, pois a conduta futura é a única conduta que está sujeita ao autocontrole” (CP 5.427 de 1905).

“Considere quais os efeitos que concebivelmente poderiam ter conseqüências práticas, você concebe que o objeto de sua concepção tenha; então, (estes efeitos apagado por Peirce) o hábito mental geral que consiste na produção destes efeitos é o significado total de seu conceito” (MS 318, de 1907);12

“Considere quais os efeitos que concebivelmente poderiam ter conseqüências práticas – especialmente ao modificar hábitos ou enquanto envolvendo capacidade- você concebe que o objeto de sua concepção tenha. Então, sua concepção (interpretacional) destes efeitos é o (significado) total de sua concepção do objeto“ (MS 322, de 1907).

A versão a seguir ilustra uma das muitas tentativas de Peirce de ser bem sucedido quanto ao verdadeiro sentido do pragmaticismo, refraseando a máxima pragmaticista de uma maneira alternativa. Essa versão se dirige a um grupo de críticos potenciais que não consideram que o pragmaticismo seja uma mera máxima da lógica, ao invés de um princípio sublime de filosofia especulativa. “A fim de ser admitido numa posição filosófica melhor, tentei colocar o pragmatismo, tal como o entendo, na mesma forma de um teorema filosófico. Não consegui nada melhor do que o seguinte; Pragmatismo é o princípio de que todo julgamento teórico expresso em uma sentença no modo indicativo é uma forma confusa de pensamento cujo único significado, se é que tenham algum, repousa na sua tendência a reforçar uma máxima correspondente expressa como uma sentença condicional, tendo sua apodose no modo imperativo”. (Peirce, CP 5.18, 1903).

12 A última versão do pragmatismo data de 1908, e foi considerada por alguns comentadores

como obscura e sem grandes mudanças, neste contexto ver C. Hookway (1992), Peirce, London and New York: Routledge & Kegan, p. 11.

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Na versão de 1907, o significado, que consiste em regras de hábito, ou mudança de hábito passa a ser compreendido como regras de inferência que modificam regras de hábito e produzem a mudança e são tais regras de inferência as resoluções condicionais gerais que exercem função ativa e servem de princípios guia, e na versão MS 322, de 1907, os efeitos concebíveis advindos do condicional, se influenciassem a conduta, produziriam conseqüências práticas, estas conseqüências modificam hábitos e produzem o significado total de um conceito. Dessa forma, é ao elaborar hipóteses e efeitos concebíveis que estamos aperfeiçoando o elemento racional da conduta humana e refletindo sobre o crescimento da razoabilidade, esta função torna a conduta humana progressivamente razoável.

Em 1905, Peirce faz a seguinte autocrítica:

Há, além disso, um outro aspecto no qual o pragmatismo está em desacordo não somente com a filosofia inglesa de modo particular, mas, de certo modo, com a filosofia moderna, mesmo com Hegel; e ele envolve uma ruptura completa com o nominalismo. Até Duns Scotus é também nominalista quando diz que os universais estão comprometidos com o modo de individualidade nos singulares, querendo dizer, com singulares, segundo ele próprio, as coisas comuns existentes. O pragmático não pode admitir isso. Eu mesmo fui longe demais na direção do nominalismo quando disse que era simplesmente uma conveniência da fala dizer que um diamante é duro quando não é pressionado, ou dizer que é mole até que seja pressionado. Hoje digo que o experimento provará que o diamante é duro, como um fato positivo. Ou seja, é um fato real que ele resistiria à pressão, o que significa um extremo realismo escolástico. Nego que o pragmatismo, tal como o defini originalmente, fazia o conteúdo dos símbolos consistir em nossa conduta. Ao contrário, fui extremamente cuidadoso ao dizer que ele consiste na nossa concepção de qual seria nossa conduta em ocasiões imagináveis. Pois eu já havia há muito declarado que individuais absolutos eram entia rationis, e não realidades. Um conceito determinado em todos os aspectos é tão ficcional quanto um conceito definido em todos os aspectos. Não creio que tenhamos o direito lógico de inferir, mesmo como provável, a existência de qualquer coisa inteiramente contrária em sua natureza a tudo que experimentamos ou imaginamos. Mas um nominalista deve fazer isso. Pois ele deve dizer que todos os eventos futuros são o total de tudo que terá acontecido e, portanto, que o futuro não é sem fim; e, portanto, que haverá um evento que não será seguido por outro evento. Isto talvez possa ser, embora seja inconcebível; mas o nominalista deve dizer que é assim, pois, de outra forma, ele tornará o futuro sem fim, isto é, terá um modo de ser consistindo na verdade de uma lei geral. Pois todo evento futuro será completado, mas o futuro sem fim não o será. Há muitas outras formas possíveis de versar sobre este argumento; e a conclusão é que é somente o geral que

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podemos compreender. O que comumente designamos ao apontar, ou indicar, supomos que é singular. Mas, na medida em que podemos compreendê-lo, não será assim. Só podemos indicar o universo real; se formos solicitados a descrevê-lo, só podemos dizer que ele inclui tudo que possa haver que realmente é. Isto é um universal, não um singular. (CP 8.208 de 1905).

Para Misak (1991:4) o “espírito do pragmatismo” pode ser capturado pela seguinte máxima: “devemos considerar nossos conceitos no sentido de apreendê-los corretamente, e que eles nos dirijam para algo diferente dos fatos práticos” ou seja, para idéias gerais, como verdadeiros intérpretes dos nossos pensamentos, “tanto que a significação do conceito não repousa de modo algum em qualquer reação individual, mas na maneira pela qual aquelas reações contribuem para este desenvolvimento” (CP 5.3 de 1901).

O Pragmatismo também estabelece relações entre os três tipos de raciocínio, podendo ser visto como “uma teoria de análise lógica” (6.490 de 1908), no qual a abdução é o processo de formação de uma hipótese explanatória, ou seja, simplesmente sugere que alguma coisa pode ser enquanto que a indução “nada faz além de determinar um valor,” isto é, mostra alguma coisa é realmente operativa e a dedução meramente desenvolve as conseqüências necessárias de uma hipótese pura, “a dedução prova que algo deve ser” (CP 2.98 de 1902). Os três tipos de raciocínio estão implicados na máxima do pragmatismo quanto à admissibilidade das hipóteses se colocarem como hipóteses, isto é, como explicações dos fenômenos consideradas como sugestões auspiciosas...”(CP 5.196 de 1903). Para Peirce, um exame atento para a questão do pragmatismo mostra que ele nada mais é do que a lógica da abdução. O pragmatismo atribui uma regra à abdução, impondo um limite sobre as hipóteses admissíveis (toda hipótese deve ter conseqüências práticas), o que de certo modo afeta a dedução, isto é, destrói premissas da dedução.

A aplicabilidade do critério de verdade exige o critério de significado, que é o próprio pragmatismo. Da noção de realidade e investigação, surge o Pragmatismo como um método de verificação de nossas concepções gerais:

Parece então que a significância intelectual de todo pensamento está ultimamente nos seus efeitos sobre nossas ações. Mas, no que consiste o caráter intelectual da conduta? Claramente na sua harmonia aos olhos da razão, isto é, no fato de que a mente ao contemplá-la, nela encontrará harmonia de propósitos. Em outras palavras, deve ser capaz de interpretação racional num pensamento futuro. Este pensamento só é racional se se recomendar para um possível pensamento futuro, ou em outras palavras, a racionalidade do pensamento está na sua referência a um futuro possível.(CP 7.361 de 1873)

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Pragmatismo é um método fundamental para conhecer e determinar o significado daquelas realidades persistentes, que se forçam sobre nosso reconhecimento. Aquilo que não tem essa persistência é um mero sonho, e a realidade é persistente, é regular (CP 1.175 de 1897). O Pragmatismo equivale aos procedimentos básicos das ciências laboratoriais, mas pode ser empregado em qualquer ramo do conhecimento, porque Peirce via o Pragmatismo como o método dos métodos ou, o método dos outros métodos, um método de aquisição e desenvolvimento de conhecimento de escopo universal.

Sua tripla estrutura pode ser definida como identificação do problema (chamamos de problemas aquelas turbulências em nossas experiências ou no entendimento da realidade, ou seja, aqueles momentos nos quais nossas crenças fundamentais não correspondem à realidade, o que nos obriga a entender que nosso conhecimento é falível e sujeito a erro), elaboração de hipóteses explanatórias e teste dessas hipóteses para posterior eliminação daquelas que não tem poder explanatório. As hipóteses sobreviventes serão testadas indutivamente, de forma a fornecer resultados prováveis e confiáveis. A eliminação de uma hipótese significa que essa hipótese ou sua explicação preditiva se mostra inconsistente ou contraditória em relação àquilo que ela buscava explicar. Por outro lado, o realismo que é um dos principais pontos defendidos por Peirce, é fundamental para nosso entendimento, de tal forma que qualquer problema que necessita ser resolvido, apresenta duas grandes questões:

se a teoria ou conjunto de crenças das quais partimos permanece intacta no momento do teste

se a solução hipotética explica ou não nosso problema É importante observar que cada exercício de experimentação

pragmática seja ele simples, ou sofisticado, implica que havia um certo senso básico de realidade, uma certa teoria sobre como o mundo se compõe e como se comporta, um conjunto de crenças sobre o que pensamos e sobre como sabemos. Podemos melhorar ou aumentar nosso conhecimento através de informação apropriada, raciocínio correto e um enfoque criativo. No entanto, a realidade não muda, não podemos maquiá-la, porque o real (CP 5.111 de 1903) o real permanece indiferente às nossas divagações ou egoísmo.

Há um outro ponto a ser considerado que é a recusa em considerar o papel do homem como expectador, ao entender a experiência como uma unidade de interação entre o homem e a faticidade dada na experiência, levando-se em conta o que Peirce entende como mundo real, que não deixa de ser o que é percebido (CP 8.148, 2.143, 2.141, 3.529, 3.527), mas ao mesmo

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tempo é independente da mente, mas sendo o mundo percebido dependente do ato noético, ele é relativo à natureza da mente. (Rosenthal, 1983:13)

Primeiramente devo sinalizar a distinção entre um Fato e o que em outras conexões, é freqüentemente chamado um Evento, mas o qual devido a que essa Palavra é usada na Doutrina das Probabilidades no seu sentido estrito deve ser chamado uma Ocorrência. Uma Ocorrência, que o Pensamento analisa em Coisas e Acontecimentos, é necessariamente Real; mas nunca pode-se conhecer ou mesmo imaginar em todo seu infinito detalhe. Por outro lado, um Fato é tanto do Universo real como pode ser representado em uma Proposição, e no lugar de ser, como uma Ocorrência, uma fatia do Universo, ele antes deve ser comparado a um princípio químico extraído portanto do poder do pensamento; e contudo é, ou pode ser Real, mas em sua existência Real ele e combinado de maneira inseparável com um infinito enxame de circunstâncias, que não fazem parte do próprio Fato (MS: 647:8)

É precisamente porque o aqui e agora dos eventos e as conexões reais que eles apresentam são independentes, e ao entrar em interação com nossas conceitualizações e as possibilidades que se abrem, que a coerência e consistência não são condições suficientes para o critério de verdade das asserções empíricas, é necessário então esse interplay pragmático entre nossos conceitos e a experiência real.

A realidade faz perguntas e determina as estruturas de significado, mas as respostas e essas estruturas dependem daquilo que trazemos. Esse entendimento revela que o pragmatismo de Peirce não pode ser confinado, ele extrapola algumas fronteiras. Não se pode esquecer que o significado é uma relação triádica, o interpretante é uma relação logicamente requerida. Os conceitos nos fornecem meios de pensar alguma coisa, os conceitos são uma ferramenta do ato de pensar que resulta em uma crença. Para satisfazer nossas dúvidas, entretanto, é necessário um método que determine ou fixe nossas crenças, mas que seja algo permanentemente externo, algo que não seja influenciável por nossos pensamentos. Assim, que tipo de coisas se qualificam como realidades. Conhecemos melhor a realidade através de meios pragmáticos e evolucionários e torna-se importante reconhecer que nosso conhecimento da realidade, nossa autocrítica e a critica da comunidade combinam-se no sentido de formar um ambiente para nosso conhecimento eliminando ao longo do tempo aquelas hipóteses inconsistentes ou contraditórias com a realidade.

Por outro lado, abdução, dedução e indução estão intimamente envolvidas com o processo pragmático experimental de aquisição e desenvolvimento de conhecimento, considerando-se as conexões entre a

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estrutura do nosso problema inicial de formulação de hipóteses e testes de hipóteses e a arquitetura e a lógica peirceana. Se a indução e a probabilidade caracterizam o conhecimento em um movimento para o futuro, a dedução e a necessidade lógica, nos guiam na eliminação das hipóteses que fracassam, a abdução pode ser considerada como uma forma de raciocínio pelo menos nos levando de um estado de reconhecimento do problema. Com Peirce, o que importa primariamente para substancializar uma reivindicação baseada no método indutivo não é simplesmente uma previsão bem sucedida de fatos, mas que eles possam ser classificados como típicos, isto é, que sejam espécimes ao acaso de todas as previsões poderiam se basear na hipótese e que constituem o eixo da verdade.

Na indução, não é o fato predicado que, em qualquer caso, necessita da verdade da hipótese, ou, ainda a torna provável. É o fato de que tem sido predicado com sucesso e que é uma amostra casual de todas as predições que podem estar baseadas na hipótese e as quais constituem sua verdade prática. Mas acontece com freqüência que há fatos que, meramente como fatos, aparte da maneira como eles se apresentaram, necessitam a verdade, ou a falsidade, ou a probabilidade definida em algum grau, da hipótese. (CP 6.527 de 1901).

O objetivo do pragmatismo como originalmente concebido não era o de abandonar conceitos como verdadeiro ou certo, mas de clarificá-los e elucidá-los. Rorty (1982:xiv) argumenta que o pragmatismo sugere que não fazemos perguntas sobre a natureza da verdade ou bondade, portanto deste ponto de vista, o pragmatismo não se constitui em uma doutrina filosófica, mas trata-se de uma posição que recomenda o abandono da filosofia em busca de algo mais. Se adotarmos a visão de Rorty, uma das questões essenciais da filosofia, que se refere àquelas considerações que substanciam nossas crenças e nossas escolhas, deve ser abandonada.

Rescher (2000:xii) considera que o pragmatismo não é um modo de anti-ceticismo, mas um enfoque racional para resolução de problemas teóricos considerando nossas obrigações práticas e cognitivas. Nas mãos de seu fundador, Peirce, o pragmatismo tinha dois componentes principais, um relativo ao significado e outro referente à verdade.

O significado de Peirce de pragmaticismo encerra uma visão pragmática do significado de conceitos e idéias. Tome, por exemplo, o conceito de "uma maçã". Quando caracterizamos algo como tal, nós nos comprometemos a tratá-lo de uma certa maneira." (RESCHER , 2000:XII)

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Para Peirce, o ponto crucialdo pragmatismo é algo condicional, isto é, há uma metodologia estabelecida de investigação - o método científico - o qual, quando usado com persistência, em uma comunidade em andamento de pesquisadores racionais deve, no fim, produzir verdade.

Murphy (1990: 39-55) aponta nove princípios fundamentais de pragmatismo peirceana. São eles:

As crenças são idênticas se e só se dão lugar ao mesmo hábito de ação

As crenças dão lugar ao mesmo hábito de ação se só acalmam a mesma dúvida, por via de produzirem a mesma regra de ação.

O sentido de um pensamento é a crença que ele produz

As crenças produzem a mesma regra de ação apenas se nos conduzem a agir nas mesmas nas mesmas situações sensíveis

As crenças produzem a mesma regra de ação apenas se nos conduzem aos mesmos resultados sensíveis

Não existe distinção de sentido mais fina do que a que consiste numa possível diferença do que é tangível e concebivelmente prático

A nossa idéia de qualquer coisa é a nossa idéia dos seus efeitos sensíveis.

A nossa idéia de qualquer coisa é a nossa idéia dos seus efeitos sensíveis;

Ao considerar que efeitos poderiam concebivelmente ter implicações práticas, concebemos o que o objeto da nossa concepção tem. Então a nossa concepção desses efeitos é toda a nossa concepção do objeto.

Uma crença verdadeira é aquela que está destinada a merecer o acordo final de todos os que investigam cientificamente

Qualquer objeto representado numa opinião verdadeira é real.

Por outro lado, usualmente, o pragmatismo é

associado à idéia de verdade. O próprio William James

Verdade é uma espécie de bem, e não, como é usualmente suposta, uma categoria distinta do bem, e coordenada com ele. (JAMES, 1999: 42). Idéias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, validar, corro-borar e verificar. Falsas idéias são aquelas que não podemos. (JAMES, 1999:97).

Verdade para nós é simplesmente o nome coletivo para processo de verificação. (JAMES, 1999: 104) [...] a verdade de uma idéia não é uma propriedade estagnada inerente a ela. Assim ocorre com uma idéia. Se torna verdade, é feita verdade pelos eventos. Sua vera-cidade é de fato um evento, um processo. O mesmo processo deverificar-se, sua verificação. Sua vali-dade é o processo de sua validação. (JAMES,

1999:53)

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define seu pragmatismo como uma teoria da verdade, para quem a verdade é somente um expediente em nossa maneira de pensar. Em “Pragmatism”, James afirma que:

[...] a verdade, como lhe dirá qualquer dicionário, é uma propriedade de certas idéias. Significa o "acordo" delas, assim como a falsidade significa o desacordo com a realidade. Ambos os pragmaticistas e intelectualistas aceitam esta definição como uma coisa de se esperar. Eles começam a brigar somente após que for levantada a questão do que precisamente pode querer dizer o termo 'acordo' e o que o termo 'realidade', quando a realidade é tomada como algo com o qual nossas idéias concordam. (JAMES, 1999:53)

Segundo Rescher (2000: 12), o pragmatismo tem três formas:

pragmatismo semântico: o significado dos termos consiste no seu uso.

pragmatismo epistêmico: a implantação bem sucedida de crenças (especialmente em matérias de previsão e controle sobre a natureza) é o critério apropriado para sua verdade. (às vezes construída com a argumentação de que a verdade é simplesmente e nada mais do que implementabilidade bem sucedida).

pragmatismo ontológico (ou metafísico): no domínio humano a prática (fazer) tem preponderância sobre a teoria (entendimento) porque todo entendimento deve ser ele mesmo um produto do fazer, tudo o que sabemos (entendemos) é produto da investigação, uma das nossas atividades.

Na visão de Rescher, Peirce esposava todas essas três doutrinas, mas a última se tornaria particularmente “prodigiosa” para ele, porque toda atividade humana pode ser sempre refinada, estendida, melhorada, o que significa que nosso conhecimento da verdade é sempre experimental e imperfeito, e foi essa linha de pensamento que levou Peirce ao falibilismo. Somente em um longo prazo idealizado, nosso conhecimento validado pragmaticamente, pode ser equacionado com a verdade como tal. Em sua tentativa de desmistificar a verdade, Peirce relacionou-a com aquilo que uma comunidade inteligente de investigadores científicos realmente pensa acerca da questão, mas não aqui, agora e sim no futuro remoto indefinido, o longo prazo teórico. O problema é que o curso natural da observação, não importa quanto ele for entendido, nunca chega nesse longo prazo idealizado, ele está fora do nosso alcance cognitivo.

Mentes diferentes podem partir das mais antagônicas visões, mas o progresso da investigação as carrega com força para fora delas próprias para uma e a mesma conclusão. Esta atividade do

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pensamento pela qual somos carregados, não aonde nós desejamos, mas para um alvo predestinado, é como a operação do destino. (CP 5.407 de 1897)

Assim, é da própria essência desta "verdade", que ela de forma alguma possa depender do que qualquer homem possa opinar ao respeito dessa questão (CP 2.209 de 1901). Mas, em meu sistema de lógica, quando raciocino, meu objetivo não é senão descobrir a verdade (CP 2.666 de 1902). A esse respeito, Ibri (1994:41) argumenta que, para o realismo, é o signo que deve buscar sua forma verdadeira no objeto através da experiência, seja a partir de suas formas já disponíveis, seja concebendo novas formas que dêem conta do sistema de relações do próprio fenômeno.

Mas no que a verdade consiste? A verdade é a conformidade de uma representação para seu objeto, mas o que é o objeto que serve para definir a verdade? É a realidade, ela é de uma tal natureza independente de suas representações, tanto que, tomando-se qualquer signo individual ou qualquer coleção individual de signos há algum caráter ao qual aquela coisa pertence. (CP 1.578 de 1902)

Portanto, para Peirce, a verdade é objetiva porque há uma coisa como a verdade, porque se não houvesse, o raciocínio e o pensamento não teriam sem propósito. O que você quer dizer por uma coisa tal que seja como verdade, pergunta Peirce?

Você quer dizer que alguma coisa é assim- é correta, ou justa- quer você, ou eu, ou qualquer um pense que seja assim ou não. (CP 2.135 de 1902)

Essa ênfase na objetividade é que distingue a teoria peirceana de outros autores, especialmente de W.James e, ao contrário deste, quando Peirce se refere à investigação (inquiry), ele significa método da ciência, isto é padrões normativos para se levar adiante uma investigação.

Se os termos 'verdade' e 'falsidade' usados por você forem tomados em acepções que sejam definíveis em termos de dúvida e crença e de curso da experiência (tal como, por exemplo, eles o seriam se você definisse 'verdade' como uma crença para a qual a crença tenderia se tendesse indefinidamente para uma fixidez absoluta) muito bem; nesse caso, você só estaria falando de dúvida e crença. Contudo, se por verdade e crença você entender algo que não seja de modo algum definível em termos de dúvida e crença, neste caso estará falando de entidades de cuja existência você nada pode saber, e que a navalha de

[...] a consciência es-crupulosa do que significa a verdade, pa-ra mim, é a raiz da nossa liberdade para o conhecimento. (CP 1.331 s.d.)

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Ocam eliminaria de imediato. Os problemas seriam muito simplificados se, em vez de dizer que deseja conhecer a‟verdade‟, você dissesse simplesmente que deseja alcançar um estado de crença inatacável pela dúvida. (Peirce, CP 5.411 de 1905).

Peirce acreditava na inexorável marcha da ciência para a verdade, e o método científico seria aquele método que inevitavelmente levaria à verdade, a longo prazo. Por outro lado nenhuma teoria, nenhum conceito, nenhum sistema de idéias traduz verdades finais, porque o “espírito científico exige um homem sempre pronto a alijar toda sua carga de crenças no momento em que a experiência está contra ele. (CP 1.55 de ).

A filosofia evolucionista de Peirce embute a idéia de aprendizagem e, ciência pressupõe evolução. Aquilo que é verdade hoje pode se mostrar falso no futuro:

A ciência deve significar para nós um modo de vida cujo único princípio animador é encontrar a verdade, que persegue este propósito por um método bem respeitado, fundado em profundo conhecimento daqueles resultados científicos já estabelecidos por outros dentro do que esteja disponível, e busca cooperação na esperança de que a verdade seja encontrada, se não pelas atuais investigações, ainda que finalmente por aqueles que vem depois deles e que farão uso de seus resultados. Não faz diferença quão imperfeito possa ser o conhecimento de um homem, quão sujeito a erro e preconceito, do momento em que ele se engaja em uma investigação dentro do espírito descrito, aquilo que o ocupa é ciência...(CP 7.54-55 de 1902)

Para Peirce, a essência da verdade reside em sua resistência a ser ignorada (CP 2.139 de 1902), porque nós podemos nos enganar a nós mesmos, mas todas já tivemos uma experiência de algo reagindo contra, mas do fato da reação permanecer então, “há a proposição de que é assim, quer você possa se opor a respeito ou não, essa é essência da verdade (CP 2.209 de 1901). A verdade é pública, a verdade é verdade, mesmo quando se opõe aos interesses da sociedade (CP 8.143 de 1901).

Tendo determinadas premissas, um homem chega a determinadas conclusões e no que concerne somente a esta inferência, a única questão prática possível é se esta conclusão é verdadeira ou não [...] Mas a longo prazo há um fato real que corresponde à idéia de probabilidade e é um dado modo de inferência algumas vezes bem sucedida outras vezes não e aquilo numa razão finalmente fixada. (CP 2.650 de 1878).

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Essa considerações reforçam o falibilismo peirceano, isto é, embora os pesquisadores busquem uma posição de estabilização da crença, não há garantias de que esta posição vai ser alcançada e que não seja ameaçada por fatos novos que geram dúvidas, necessitando ser explicados e que levam a novas investigações. Mas a longo prazo poderíamos chegar a um estado de crença inatacável pela dúvida, a este estado Peirce denominou verdade. Assim, sendo o pragmatismo um método de determinar o significado de conceitos intelectuais, portanto o pragmatismo é o método correto de transformar signos cujo objetivo é a obtenção do bem lógico, e conseqüentemente a verdade.

Por outro lado, a caracterização pragmática da verdade faz uma junção entre verdade e investigação, e por conseguinte método. É, portanto o método pragmático que gera essa versão da verdade que na argumentação de Misak (1991:160) tem três vantagens: primeiro, fornece o contexto racional para a investigação proceder; segundo, torna o sentido da prática da investigação como a busca da verdade e terceiro, a teoria da verdade de Peirce fornece e justifica uma metodologia, que utiliza o método cientifico da abdução, dedução e indução e aplica o critério pragmático de legitimidade de hipóteses. A verdade se torna então algo que objetivamos na investigação.

5.4 O Paradoxo do mentiroso

Ao nosso ver, no contexto da teoria da verdade, vale a pena assinalar a solução que Peirce forneceu ao paradoxo do mentiroso. As afirmações mais antigas, conhecidas da sentença do mentiroso são: Um homem diz que está mentindo. O que ele diz é verdadeiro ou falso?

Pelo menos desde o século IV AC, a antinomia do mentiroso vem sendo discutida sem resultados conclusivos. Há diversas as propostas para tratar a antinomia do mentiroso:

a antinomia do mentiroso não procede por que a sentença do mentiroso é sem sentido;

a sentença do mentiroso tem significado, mas nem é verdadeira nem é falsa;

a sentença do mentiroso tem significado, ela é verdadeira ou falsa, mas é incorreto, na antinomia do mentiroso, passar da falsidade da sentença para sua verdade;

A antinomia do men-tiroso, obstáculo básico para uma definição adequada de verdade em linguagens naturais, reaparece em lingua-gem formalizadas como um argumento cons-trutivo, mostrando que nem todas as sem-tenças verdadeiras podem ser demons-tradas. (TARSKI)

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a sentença do mentiroso tem significado, ela é verdadeira e também é falsa, por exemplo;

a sentença do mentiroso é um exemplo de que a linguagem natural é auto-contraditória, e

a sentença do mentiroso não é uma proposição e, portanto, nenhuma contradição é obtida.

A prova do primeiro teorema da incompletude de Gödel é sugerida por analogia com a antinomia do mentiroso, embora Gödel trate com demonstrabilidade em vez de verdade. O paradoxo dos conjuntos, descoberto por Russell, é essencialmente semelhante à antinomia do mentiroso. A definição de verdade para a linguagem natural levou, segundo Tarski, à incoerência semântica, quando se assume que a sentença do mentiroso é uma sentença declarativa legítima. 13

A formulação peirceana para a sentença do mentiroso é “esta proposição não é verdadeira”. A dedução da antinomia começa com a questão: isto é verdadeiro ou não? A conclusão deduzida é: é tanto verdadeira como não verdadeira, o que é um absurdo (CP 5.340 de 1868 ou 2.618).

Mas, uma proposição verdadeira não pode pertencer a uma linguagem totalmente formalizada, para esta, há artifícios ad hoc que são introduzidos para evitar o paradoxo dos predicados x é verdadeiro, x é falso. O princípio da solução peirceana está no argumento de que toda proposição, além do que ela explicitamente assegura “tacitamente implica sua própria verdade”. (CP 3.446 de 1896).

A argumentação de Peirce está ligada ao próprio funcionamento da relação triádica do signo, porque nenhum signo pode ser separado do objeto e interpretante. Expresso em termos da teoria dos signos, toda asserção deve conter pelo menos um índice designando o objeto (CP 4.536 ou CP 5.503) e o sujeito da sentença do mentiroso designa um objeto que não pode ser efetivamente verificado.

13 The Liar Paradox is an argument that arrives at a contradiction by reasoning about a Liar

Sentence. The most familiar Liar Sentence is the following self-referential sentence: (1) This sentence is false. Experts in the field of philosophical logic have never agreed on the way out of the trouble despite 2,300 years of attention. Here is the trouble--a sketch of the Liar Argument that reveals the contradiction: If (1) is true, then (1) is false. On the other hand, if (1) is false, then it is true to say (1) is false; but, because the Liar Sentence is saying precisely that (namely that it is false), (1) is true. So (1) is true if and only if it is false. Since (1) is one or the other, it is both.

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Mas mesmo que fosse impossível distinguir entre verdade e realidade, isto, no mínimo deveria nos impedir de definir no que a verdade consiste. Verdade e falsidade são caracteres confinados às proposições. Uma proposição é um signo que indica separadamente seu objeto. Então, um retrato cujo nome do original está abaixo é uma proposição. Ele afirma que, ao considerá-lo, qualquer pessoa pode formar uma idéia razoavelmente correta do original contemplado.” (CP 5. 569).

Para Rivetti-Barbó (1994:91-93) a solução de Peirce consiste em reconhecer que a proposição do mentiroso “tanto quanto contraditória, e em si mesma falsa”, assim o que ela afirma é verdadeiro. Mas o que ela tacitamente implica (sua própria verdade) é falsa (CP 3.446, 5.340. 2.352). Peirce também argumenta que a falsidade da proposição do mentiroso sendo autocontraditória não é sem sentido, ao contrário tem muito significado (CP 2.353), porque significa duas coisas irreconciliáveis (CP 3.446 de 1896).

"a verdade que está tacitamente implícita por estas proposições e afirmações contudo, pode ser feita explícita. Geralmente, isto é feito pelo uso de outra afirmação na qual a) o sujeito designa a proposição ou afirmação que tem à mão (e a verdade da qual era até então implícita tacitamente) e b) o predicado é "é verdade". Portanto, a verdade da proposição é feita explícita em uma proposição meta teórica e meta-lingüística (e afirmação respectiva).[...] o que é importante na tese de Peirce é o reconhecimento de uma verdade implícita tacitamente nas afirmações, que faz a regressão infinita em relação a afirmações verdadeiras bastante inofensiva porque a afirmação meta-lingüística e a proposição que é significada por ela não conferem sua verdade na afirmação em um nível lingüístico mais baixo, mais exatamente, elas somente a fazem mais explícita. (RIVETTI-BARBÓ, 1994:91-93)

De um lado, Peirce relaciona verdade com investigação, mas por outro lado, ele é um falibilista, ele não pode considerar o condicional como uma verdade necessária ou analítica,e por não fazer uso de uma equivalência entre a verdade e o que seria acordado no final da investigação, ele não está assim em competição direta com Tarski. Nesse contexto Mizak (1991:130-131) relaciona objetividade da teoria peirceana com duas diferentes explicações sobre a realidade. A primeira estaria relacionada com a argumentação da resenha de Fraser “o real é aquilo que não é o que eventualmente pensamos dele, mas não é afetado por aquilo que possamos pensar dele" (CP 8.12 de 1871). A segunda está relacionada com uma visão pragmática relacionada com a realidade que seria esta opinião final que não é independente do pensamento em geral, mas é independente de tudo que seja arbitrário e individual no pensamento, isto é, totalmente independente daquilo que qualquer número de

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pessoas possa pensar. Portanto, tudo o que se pensar existir na opinião final é real, e nada há, além disso. A idéia mesma de verdade é que ela independe completamente do que você ou eu possamos pensar que ela seja.

Em resumo, para Peirce, a verdade valiosa não é algo desconexo, mas é o que segue para aumentar o sistema além do que está agora conhecido. (CP 5.583 de 1898 )

De várias maneiras e em várias passagens, Peirce afirma que na opinião e no pensamento humanos existe um elemento arbitrário e acidental que produz erro, mas toda opinião tende, a longo prazo, para uma resposta verdadeira, independente do pensamento individual, mas não do pensamento em geral. Assim, verdade e realidade estão conectadas na mente e a apreensão da realidade depende das crenças fixadas pelo conjunto de pesquisadores.

Pode-se dizer que na lógica da investigação científica, a realidade seria constituída através dos signos, porque “podemos somente indicar o universo real; se nos pedem para descrevê-lo, podemos dizer somente que isso inclui o que quer que possa haver no que realmente é”. Isso é universal e não individual. (CP 8.208). O conceito de verdade pode ser analisado do ponto de vista dos interpretantes e da investigação. O conceito de verdade que decorre da fixação da crença no final hipotético da investigação depende do realismo dos condicionais (would- be´s) e esses condicionais necessitam da colaboração dos interpretantes, principalmente da definição do interpretante lógico último. Temos índices do mundo externo e esses índices trazem em si a generalidade da realidade, pois derivam de princípios gerais operativos na natureza, ou seja, através de conseqüências lógicas dos signos e o pragmatismo é o método correto de transformar signos com o objetivo de atingir o resultado último, a verdade, que é a opinião que será estabelecida e fixada após suficiente investigação. (MS 300 de 1905)

À guisa de conclusão, vale considerar as palavras de Santaella (2001:105):

Entretanto, para perseguir o fim pragmático, a experiência é necessária, pois sem ela, não há como introduzir uma nova idéia. Sob o impacto da experiência e como resultado da auto-correção do método da ciência, haverá uma tendência à crescente uniformidade das opiniões, fazendo-as incorporar-se a um conjunto de leis gerais. Há, porém, um elemento de acaso no universo responsável pelas variações acidentais. Disso resulta que, provavelmente, não haverá nunca resposta definitiva para nossas perguntas. Além disso, a propensão de todas as coisas vivas, e mesmo das não vivas, para adquirir hábitos, não é apenas uma lei entre outras, mas a lei governando todas as leis. São as leis gerais que

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tornam os fenômenos regulares e inteligíveis, sendo, por isso mesmo, os fenômenos mais completamente reais do universo. É em razão disso que o pragmatismo não pode fazer da ação, muito menos da ação individual. O summum bonum da espécie humana. À medida que a evolução progride, a inteligência humana vai desempenhando um papel cada vez maior no crescimento da razoabilidade por meio de sua característica mais peculiar e inalienável, o auto controle. [...] Para Peirce, a investigação científica é algo que vale a pena porque ela é o meio privilegiado de conversar com a natureza em todas as suas formas macroscópica e microscópica, inorgânica, biológica e humana – em todas as multiplicidades de suas aparições. (SANTAELLA, 2001:105)

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CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, buscamos apresentar dois temas de Peirce, seu realismo e sua teoria da verdade, em contraposição a vários autores contemporâneos. O principal objetivo desta análise foi o de demonstrar que mesmo sendo um autor do século XIX, suas teorias permanecem atuais, e podem ser lidas à luz da ciência do século XXI.

Na Parte I procuramos mostrar inicialmente como vem se desenvolvendo o debate realismo-anti realismo, através de um resumo das principais teses realistas e anti-realistas da contemporaneidade, para, então, caracterizar os pressupostos do realismo peirceano.

Peirce defende a objetividade do conhecimento, segundo a qual é da existência do real, que deriva a possibilidade de uma resposta última para toda questão. Do fato de que o real permanece sem ser afetado pelo que pensamos e do fato de que o real é independente do que dele se possa pensar e do fato de que uma comunidade de investigadores, utilizando um método correto chegará a uma opinião com a qual todos concordarão, emergem sua teoria da realidade, sua teoria do conhecimento, que serão os pilares da construção do método científico, levando no seu bojo, o realismo e a teoria da verdade. A noção da realidade para Peirce apresenta dois aspectos importantes: a alteridade, que caracteriza o elemento que reage (associada à Segundidade, categoria da existência) e a insistência da força bruta, que ao manter determinada regularidade, possibilita o conhecimento (associado à Terceiridade, que é categoria da generalidade, da lei).

O realismo de Peirce pode ser classificado como um realismo de três categorias pela aceitação da realidade da Primeiridade, Segundidade e da Terceirdade, através da conscientização de que a racionalidade humana é um contínuo da racionalidade do universo, como parte da doutrina do sinequismo, mas sujeita à ação do acaso (tiquismo), buscando em seu desenvolvimento um ideal, a partir do inter-relacionamento das ciências normativas, a Estética, a Ética, e a Lógica, segundo O qual o pragmatismo se torna uma doutrina onde as concepções não são relativas à ação, mas sim ao summum bonum, ou admirável.

O realismo de Peirce implica, não apenas uma consideração de um objeto real, independente do mundo exterior, mas um reconhecimento da realidade dos universais em contrapartida ao nominalismo, para quem, o continuum é tão somente uma questão de linguagem. Para os nominalistas os universais são simplesmente signos criados para designar a qualidade de

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coisas particulares. Os nominalistas recusam uma correspondência objetiva de nossos conceitos com as leis da natureza, assim realismo implica objetividade das leis da natureza.

Na Parte II apresentamos, inicialmente, uma contextualização das principais teorias da verdade como pano de fundo para a análise da teoria peirceana da verdade. Para Peirce, a verdade é pública e a ela qualquer pessoa chegaria, desde que levasse adiante a investigação, utilizando o método correto. Verdade e realidade são conceitos relacionados. Peirce defende a investigação científica como um caminho para a verdade.

Toda a construção deste trabalho está apoiada na relação trádica semiótica, constituída pelo signo, objeto, interpretante. Da relação do signo com seu objeto, na qual prevalece a Segundidade, oposição, alteridade, determinação resulta um dos aspetos do seu realismo. Da relação do signo com o interpretante, como mediação ou interpretação, podemos entender a ação do signo como semiose, como continuidade, mas que está sujeita à indeterminação, ao acaso, à liberdade. Assim, será através da convergência dos interpretantes, que a comunidade de investigação chegará à verdade, a longo prazo, se esse processo for guiado por um ideal, o summum bonum.

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