REALISMO, UMA TENDÊNCIA CONTEMPORÂNEA · Deixando o glamour de Paris, os dois amantes retiram-se...

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40 Arte 1 REALISMO, UMA TENDÊNCIA CONTEMPORÂNEA Neste capítulo, vamos mostrar como, nos últimos duzentos anos, o teatro diversificou-se. Ao lon- go desse tempo, cresceu a liberdade de criação nas áreas de dramaturgia, interpretação, cenografia e figurinos. Os teatros clássicos grego e romano sofreram, relativamente, poucas alterações durante mais de quinhentos anos. O teatro contemporâneo, por sua vez, é tão variado que seria preciso muitas e muitas aulas, para abranger toda a sua diversidade. Não se espante com os muitos ismos (Realismo, Simbolismo, Futu- rismo, etc.) que encontrará daqui em diante. Você vai perceber como até hoje todos esses gêneros são fundamentais para o teatro. O Realismo, como veremos a partir de agora, já era considerado uma tendência nas artes, mes- mo antes desse nome, mas, por volta do ano 1855, o quadro O atelier, do renomado pintor Gustave Courbet, fora rejeitado pelo júri da Mostra Universal de Paris. Courbet, considerado um provocador, organizou uma exposição ao lado da Mostra e chamou-a de Pavilhão do Realismo. Para o pintor, toda obra de arte deveria ser real como é a vida. O Realismo, no teatro, antecedeu em três anos a exposição que, afinal, deu nome a essa corrente artística. Esse teatro propiciou também uma grandiosa produção dramatúrgica de aspecto moral e didático, por meio da qual exibia o autêntico homem burguês com seus vícios e as suas virtudes, além de orientá-lo a um tipo específico de comportamento ético e moral. Os grandes representantes desse estilo são Alexandre Dumas Filho e Émile Augier. Alexandre Dumas Filho Em 1852, Alexandre Dumas Filho (1824/1895), filho do famoso autor de Os três mosqueteiros, estreou sua peça A dama das camélias, mediante seu próprio romance, que, por sua vez, fora baseado em uma experiên- cia autobiográfica (inspirada numa história que aconteceu com o autor), outra tendência do Realismo. Dumas retratou o preconceito da socieda- de burguesa da época com o romance entre uma cortesã e um jovem aristocrata. Em se falando de encenação, esse teatro, inicialmente, ainda estava atrelado aos cenários pintados em telões e à iluminação produzida por velas e lamparinas a óleo, encontrados na primeira metade do século XIX, mas, posteriormente, o Realismo acompanharia as mudanças técni- cas do século. O Realismo passou a ditar nova regra: toda arte tinha de ser real, verdadeira. Os artistas de tea- tro ficaram fascinados com essa nova possibilidade cênica. A temática abordava os problemas que a sociedade da época vivia. O reflexo imediato disso começava a aparecer nos textos realistas. Os longos monólogos foram substituídos por ações e diálogos. A linguagem rebuscada utilizada no Romantismo dava lugar a uma linguagem semelhante à que o povo utilizava. Os autores apresenta- vam temas ligados às preocupações burguesas, como a moral, o dinheiro e a família. Outros temas também compuseram a estética realista: os duvidosos enriquecimentos, os trabalhadores que eram explorados, as péssimas condições desses trabalhadores e de suas famílias.

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1 REALISMO, UMA TENDÊNCIA CONTEMPORÂNEA

Neste capítulo, vamos mostrar como, nos últimos duzentos anos, o teatro diversificou-se. Ao lon-go desse tempo, cresceu a liberdade de criação nas áreas de dramaturgia, interpretação, cenografia e figurinos. Os teatros clássicos grego e romano sofreram, relativamente, poucas alterações durante mais de quinhentos anos.

O teatro contemporâneo, por sua vez, é tão variado que seria preciso muitas e muitas aulas, para abranger toda a sua diversidade. Não se espante com os muitos ismos (Realismo, Simbolismo, Futu-rismo, etc.) que encontrará daqui em diante. Você vai perceber como até hoje todos esses gêneros são fundamentais para o teatro.

O Realismo, como veremos a partir de agora, já era considerado uma tendência nas artes, mes-mo antes desse nome, mas, por volta do ano 1855, o quadro O atelier, do renomado pintor Gustave Courbet, fora rejeitado pelo júri da Mostra Universal de Paris. Courbet, considerado um provocador, organizou uma exposição ao lado da Mostra e chamou-a de Pavilhão do Realismo. Para o pintor, toda obra de arte deveria ser real como é a vida.

O Realismo, no teatro, antecedeu em três anos a exposição que, afinal, deu nome a essa corrente artística. Esse teatro propiciou também uma grandiosa produção dramatúrgica de aspecto moral e didático, por meio da qual exibia o autêntico homem burguês com seus vícios e as suas virtudes, além de orientá-lo a um tipo específico de comportamento ético e moral. Os grandes representantes desse estilo são Alexandre Dumas Filho e Émile Augier.

Alexandre Dumas Filho

Em 1852, Alexandre Dumas Filho (1824/1895), filho do famoso autor de Os três mosqueteiros, estreou sua peça A dama das camélias, mediante seu próprio romance, que, por sua vez, fora baseado em uma experiên-cia autobiográfica (inspirada numa história que aconteceu com o autor), outra tendência do Realismo. Dumas retratou o preconceito da socieda-de burguesa da época com o romance entre uma cortesã e um jovem aristocrata.

Em se falando de encenação, esse teatro, inicialmente, ainda estava atrelado aos cenários pintados em telões e à iluminação produzida por velas e lamparinas a óleo, encontrados na primeira metade do século XIX, mas, posteriormente, o Realismo acompanharia as mudanças técni-cas do século.

O Realismo passou a ditar nova regra: toda arte tinha de ser real, verdadeira. Os artistas de tea-tro ficaram fascinados com essa nova possibilidade cênica. A temática abordava os problemas que a sociedade da época vivia. O reflexo imediato disso começava a aparecer nos textos realistas. Os longos monólogos foram substituídos por ações e diálogos. A linguagem rebuscada utilizada no Romantismo dava lugar a uma linguagem semelhante à que o povo utilizava. Os autores apresenta-vam temas ligados às preocupações burguesas, como a moral, o dinheiro e a família. Outros temas também compuseram a estética realista: os duvidosos enriquecimentos, os trabalhadores que eram explorados, as péssimas condições desses trabalhadores e de suas famílias.

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A dama das camélias

Um dos mais célebres romances do século XIX,  A dama das camélias,  de Ale-xandre Dumas, o filho, publicado em 1848, teve enorme sucesso, foi adap-tado, no ano seguinte, para teatro pelo próprio autor, mas só repre-sentado em 1852. Conta-nos a história de amor da belíssima plebeia Margarida Gautier com um jovem da alta burguesia francesa, Armand Duval.  Deixando o glamour de Paris, os dois amantes retiram-se para o campo, mas o pai de Armand procura impedir a relação, implorando a Margarida que deixe o filho em razão do bom nome da família. Margarida, infeliz, aceita abandonar o seu amado, dizendo-lhe que está comprometida, mas, enquanto tenta esquecê-lo, mergulhando de novo na vida cortesã, adoece gravemente com tuberculose.

Quando Armand Duval descobre que a renúncia ao amor por parte de Margarida Gautier resulta da pressão do seu pai, é já muito tarde...

A inspiradora deste romance foi a jovem cortesã Marie Duplessi (1824-1847), que Alexandre Dumas filho conheceu em Saint-Germain-en-Laye. O próprio autor, em 1867, afirma que "a pessoa que me serviu de modelo para a heroína de A dama das camélias chamava-se Alphonsine Plessis, que compôs o nome de Marie Duplessi, por achar que era mais eufônico e sugestivo". Esta jovem, de acordo com Dumas, "era alta e muito esbel-ta, de cabelo negro e rosto rosa e pálido. Tinha a cabeça pequena, olhos rasgados com o aspeto da porcelana de uma ja-ponesa, mas vivos e finos, os lábios com o vermelho das cerejas e os mais belos dentes do mundo..."

Marie Duplessi ou Rose Alphonsine Plessis nas-ceu na província, mas mudou-se para Paris, onde se tornou uma deslumbrante cortesã que arrebatava diversos corações, inclusive o de Dumas filho, que se apaixonou intensamente. Questões de dinheiro levaram à separação, procurando a cortesã refúgio nos braços do compositor Franz Liszt e, mais tarde, no casamento com o Visconde de Pérregaux.

O fascínio por esta jovem mulher, que morreu com apenas 23 anos, levou Alexandre Dumas a construir Margarida Gautier, a personagem da trágica história de amor, que, parcialmente, o escritor vivera. O próprio nome "dama das camélias" resul-tou do fato de Marie Duplessi gostar de se rodear de flo-res, mas de sentir-se mal com o perfume das rosas, re-correndo às camélias sem aroma, para enfeitar a sua casa. Esta narrativa emotiva, marcada pelo lirismo romântico e cujo tema serviu de inspiração a Verdi, em La Traviata, simultaneamente, chocou e fascinou a sociedade da época.

Texto adaptado de http://www.infopedia.pt/$a-dama-das-camelias

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2 ENCENAÇÃO REALISTA

Os ensaios dos espetáculos realistas eram minuciosos, e to-das as produções eram pensadas nos mínimos detalhes. Nas cenas de multidão, os gestos e as posições eram ensaiados e marcados meticulosamente. O centro do cenário nunca po-deria coincidir com o centro do palco real; era preciso mostrar cenários reais em sua totalidade. A regra era clara: “nada de simetria, pois na vida nada é tão certo”.

A partir dessa nova conduta, era possível aos atores sen-tarem-se à mesa, andar por entre móveis verdadeiros e mo-vimentar-se por marcas criadas pelo encenador. O teatro realista, que era dirigido, principalmente, a uma plateia per-tencente à emergente classe média, mostrava um estilo de representar que era simples e direto, tudo para o máximo de autenticidade.

O drama realista aos poucos foi ganhando importância, e com as peças de Henrik Ibsen, isso ficou bem mais atraente. Ibsen retratou acontecimentos sociais de sua época em suas peças teatrais. Essa renovação teatral iniciou-se na Noruega. Ainda muito jovem, ele apresentou um drama intitulado Cati-lina (1850) e, mesmo depois de tratar da história da Escandi-návia, expôs seu talento no teatro, com uma obra em versos, o famoso Peer Gynt (1867).

A fama universal que Ibsen adquiriu estava baseada nas chamadas “peças burguesas” ou sociais, da fase que tem como início a obra Os pilares da sociedade (1877) e Nora (Casa de Bonecas), do ano de 1879, caracterizadas por uma estru-tura rigorosa, em que os traços épicos são quase eliminados por completo.

Após 1870, Ibsen presenteia-nos com obras teatrais em prosa, em que estampava, de forma bem intrigante, os confli-tos realistas vividos pela sociedade da época. Entre os dramas mais relevantes de sua carreira, estão: Os pilares da sociedade (1877), Casa de bonecas (1879), Os espectros (1881), Um inimi-go do povo (1882) e A dama do mar (1898).

Ele revolucionou o teatro de dentro para fora, combinou a técnica inovadora de falar da sociedade com os elementos imaginativos. Seu objetivo finalmente fora atendido. Ele con-seguiu fazer um teatro mais acessível ao público.

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Você sabia?

A luz elétrica

A iIuminação elétrica

A iluminação a gás foi trocada pela iluminação elétrica, pois permitia efeitos muito próximos da realidade do palco. Era preciso retratar a vida com mais objeti-vidade e menos idealização. A produção desse estilo deveria apresentar obras que se assemelhassem ao clima social predominante na Europa Ocidental.

• Em 1879, Edson fabrica a primeira lâmpada de incandescência com filamento de carbono, permitindo a generalização do uso da eletricidade nos teatros.

• Até o final do século XIX, a luz elétrica já havia se tornado comum nos gran-des teatros.

• As primeiras instalações elétricas em palco italiano utilizavam luzes de ribal-ta, gambiarras (luzes de cima) e laterais.

• Em 1876, pela primeira vez, durante a representação de suas óperas em Bayreuth, Richard Wagner (1813 - 1883) mergulha a sala no escuro.

• Essa medida é, pouco a pouco, adotada na Inglaterra, na França e no restante dos teatros europeus.

• Ocorre a perda da consciência da realidade que rodeia o expectador pela provocação do estado parcial de hipnotismo.

• A técnica de iluminação devia respeitar e servir às estruturas e aos objetivos da cena.

• O teatro deixa de ser o imenso salão da sociedade burguesa.• Surge nova estética através da luz.• Há separação nítida entre palco e plateia.• Há participação da luz enquanto forma particular do olhar.• Sugerem-se impressões e revela-se a materialidade e o significado das coisas,

captando- as nas suas três dimensões.• A iluminação integra-se à cenografia, configurando única representação da

realidade.• Em 1902, o cenógrafo Mariano Fortuny desenvolve, na Alemanha, o “Kuppe-

lhorizont”, o antepassado do ciclorama.• O ciclorama trouxe altura à cena, modificou a arquitetura do cenário e criou

sensação de infinito.• Fortuny também desenvolve sistemas de adaptação de coloração da luz.• A luz elétrica fez que toda a estrutura teatral mudasse radicalmente.• A luz elétrica provocou mudanças no conceito de cenografia, figurino, alte-

rando o aspecto visual do espetáculo.• O cenário pictórico é substituído pelo cenário construído (objetos reais, por-

tas, móveis, paredes, etc.).• O cenário torna-se uma realidade tridimensional.

http://www.iar.unicamp.br/lab/luz/dicasemail/dica26.htm

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3 CASA DE BONECAS, DE IBSEN

Em Casa de bonecas, Ibsen faz uma denúncia a respeito do tra-tamento burguês à mulher, mostra os violentos debates sobre a situação da mulher, a família, a hipocrisia, a sinceridade, a compo-sição da sociedade, etc. Nora, a personagem central dessa peça, apresenta-se como uma mulher dedicada tão somente às suas funções de dona de casa, esposa e mãe.

Ela é uma personagem símbolo para as mulheres daquela épo-ca, que pensavam ser felizes com os luxos promovidos pela socie-dade moderna, sem preocupar-se com o mundo em que estavam inseridas. O marido Torvaldo Helmer considera-a sua proprieda-de, simples objeto que pode ser controlado. Ele se refere à sua esposa com nomes de pequenos animais, o que denota a pouca

importância que atribui à sua personalidade.

Na continuidade do enredo, ela falsifica a assinatura de seu pai, na esperança de conseguir um empréstimo, o qual a ajudaria a salvar a vida de seu marido. Por outras circunstâncias, vê-se obri-gada a contar ao marido o que fizera; no entanto ele julga-a criminosa, proibindo-a de aproximar-se dos filhos.

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Alguns fatores comportamentais são introduzidos na obra Casa de bonecas e nos levam a ques-tionar alguns posicionamentos e a real atitude de Nora e de outras personagens relevantes, tais como:

• Qual é a relação de Nora com o mundo exterior?• Nora desfruta realmente das riquezas que possui?• O dinheiro é mesmo a chave da felicidade?• Fica evidente que a pouca associação com o mundo exterior não é necessariamente culpa

de Nora?• Por que Nora depende completamente do marido, a começar pelo dinheiro até sua alimen-

tação, uma vez que Torvaldo a supervisiona e controlá-la?• A visão torcida do mundo aparece quando Nora conversa com a Sra. Linde. Uma vez que sua

amiga é sábia e adulta, Nora é impetuosa? • Nora só conta seu segredo, porque a Sra. Linde a chamou de menina. Será que foi para mos-

trar que aquilo não era verdade?• Em parte, Nora percebe a falsidade que é sua vida? • Como consequência disso, Nora admite que desempenha um papel de menina nessa rela-

ção?• No que diz respeito à criação dos filhos, Nora vê claramente que, na realidade, não é ela a

mãe e, sim, a criada?