Realização dos direitos fundamentais sociais mediante...

22
Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 239 1. Introdução São os direitos sociais que mais têm suscitado controvérsias no que diz respeito a sua eficácia e efetividade, inclusive quanto à problemática da eficiência e suficiência dos instrumentos jurídicos disponíveis para lhes outorgar a plena realização 1 . Constitui um paradoxo que o Brasil esteja entre os dez países com a maior economia do mundo e possua uma consti- tuição extremamente avançada no que diz respeito aos direitos sociais, enquanto mais de 30 milhões de seus habitantes continuem vivendo abaixo da linha de pobreza (“indi- Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa) Andreas J. Krell Andreas Joachim Krell é Professor de Direito Ambiental e Constitucional do Centro de Ciências Jurídicas da UFAL e dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Doutor em Direito pela Universidade Livre de Berlim. Sumário 1. Introdução. 2. Os direitos sociais como direitos fundamentais. 3. Falhas na prestação dos serviços públicos sociais – falta de leis ordinárias? 4. Eficácia dos direitos sociais – a “proibição de retrocesso”; aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais? 5. A doutrina alemã dos direitos fundamentais de defesa como base de direitos a prestações positivas: transponível para o Brasil? 6. O “padrão mínimo social” para uma “existência digna”. 7. A questão da “constituição dirigente”. 8. O Poder Judiciário: a tradição do forma- lismo; necessidade de uma interpretação constitucional material-valorativa. 9. Nova compreensão da teoria da separação dos poderes; controle judicial de políticas e orça- mentos públicos. 10. Normas programáticas sobre direitos sociais: mero “simbolismo”? 11. Conclusão.

Transcript of Realização dos direitos fundamentais sociais mediante...

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 239

1. Introdução

São os direitos sociais que mais têmsuscitado controvérsias no que diz respeitoa sua eficácia e efetividade, inclusive quantoà problemática da eficiência e suficiência dosinstrumentos jurídicos disponíveis paralhes outorgar a plena realização1.

Constitui um paradoxo que o Brasilesteja entre os dez países com a maioreconomia do mundo e possua uma consti-tuição extremamente avançada no que dizrespeito aos direitos sociais, enquanto maisde 30 milhões de seus habitantes continuemvivendo abaixo da linha de pobreza (“indi-

Realização dos direitos fundamentaissociais mediante controle judicial daprestação dos serviços públicos básicos(uma visão comparativa)

Andreas J. Krell

Andreas Joachim Krell é Professor deDireito Ambiental e Constitucional do Centrode Ciências Jurídicas da UFAL e dos Cursos dePós-Graduação em Direito da Faculdade deDireito do Recife (UFPE). Doutor em Direitopela Universidade Livre de Berlim.

Sumário1. Introdução. 2. Os direitos sociais como

direitos fundamentais. 3. Falhas na prestaçãodos serviços públicos sociais – falta de leisordinárias? 4. Eficácia dos direitos sociais – a“proibição de retrocesso”; aplicabilidadeimediata dos direitos fundamentais sociais?5. A doutrina alemã dos direitos fundamentaisde defesa como base de direitos a prestaçõespositivas: transponível para o Brasil? 6. O“padrão mínimo social” para uma “existênciadigna”. 7. A questão da “constituição dirigente”.8. O Poder Judiciário: a tradição do forma-lismo; necessidade de uma interpretaçãoconstitucional material-valorativa. 9. Novacompreensão da teoria da separação dospoderes; controle judicial de políticas e orça-mentos públicos. 10. Normas programáticassobre direitos sociais: mero “simbolismo”?11. Conclusão.

Revista de Informação Legislativa240

gência”). A maioria dessas pessoas nãoencontram um atendimento de qualidademínima nos serviços públicos de saúde, deassistência social, vivem em condiçõesprecárias de habitação, alimentam-se malou passam fome.

A Constituição do Brasil sempre estevenuma relação de tensão para com a reali-dade vital da maioria dos brasileiros e con-tribuiu muito pouco para o melhoramentoda sua qualidade de vida; o texto legalsupremo, para muita gente, representaapenas uma “categoria referencial bemdistante”2. Encontram-se em contradiçãoflagrante a pretensão normativa dos direitosfundamentais sociais e o evidente fracassodo Estado brasileiro como provedor dosserviços essenciais para a vasta maioria dasua população. Discute-se, cada vez mais, acomplexidade do processo de transformaçãodos preceitos do sistema constitucionalmediante realização de programas e políticasgovernamentais3.

Uma parte cada vez maior da doutrinaconstitucional questiona criticamente oempenho dos poderes públicos em imple-mentar as políticas relativas aos direitosfundamentais sociais (art. 6, CF) e aosprincípios fundamentais da dignidade dapessoa humana e à erradicação da pobreza,consagrados na Constituição de 1988 (art. 1º,III, e art. 3º, III, CF)4.

Ao mesmo tempo, surge a questão: está oPoder Judiciário brasileiro preparado paraexercer um papel mais expressivo nocontrole das políticas públicas? A jurispru-dência e parte da doutrina do país têmaderido a teorias estrangeiras sobre aaplicação e eficácia dos direitos sociais, quenem sempre se prestam a ser empregadasno Brasil.

O tema é tão importante como complexo.Neste artigo, pretende-se enfocar somentealguns pontos cruciais da questão e chamara atenção do leitor para um dos maioresdesafios do Direito Constitucional brasileiroda atualidade.

2. Os direitos sociais como direitosfundamentais

Depois da revolução industrial do séculoXIX e das primeiras conquistas dos movi-mentos sindicais em vários países, osdireitos da “segunda geração“ surgiram, emnível constitucional, somente no século XX,com as Constituições do México (1917), daRepública Alemã (1919) e também do Brasil(1934), passando por um ciclo de baixanormatividade e eficácia duvidosa. Seuspressupostos devem ser criados pelo Estadocomo agente para que eles se concretizem.

Os direitos fundamentais sociais não sãodireitos contra o Estado, mas sim direitos pormeio do Estado, exigindo do Poder Públicocertas prestações materiais. O Estado, pormeio de leis, atos administrativos e dacriação real de instalações de serviçospúblicos, deve definir, executar e imple-mentar, conforme as circunstâncias, aschamadas “políticas sociais” (educação,saúde, assistência, previdência, trabalho,habitação) que facultem o gozo efetivo dosdireitos constitucionalmente protegidos.

As normas constitucionais progra-máticas sobre direitos sociais que hojeencontramos na grande maioria dos textosconstitucionais dos países europeus e latino-americanos definem metas e finalidades asquais o legislador ordinário deve elevar aum nível adequado de concretização. Essas“normas-programa” prescrevem a reali-zação, por parte do Estado, de determinadosfins e tarefas5; no entanto, elas não repre-sentam meras recomendações ou preceitosmorais com eficácia ético-política meramentediretiva, mas constituem direito diretamenteaplicável.

Segundo Pontes de Miranda, as normasconstitucionais programáticas são dirigidasaos três poderes estatais: elas informam osparlamentos ao editar leis, bem como aAdministração e o Judiciário ao aplicá-las,de ofício ou contenciosamente. A legislação,a execução e a própria jurisdição ficamsujeitas a esses ditames, que são comoprogramas dados à sua função6. São os

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 241

direitos fundamentais do homem-socialdentro de um modelo de Estado que tendecada vez mais a ser social, dando preva-lência aos interesses coletivos, antes que aosindividuais7.

A efetividade dos direitos econômicos esociais em cada país depende em grandeparte da adoção de múltiplas e variadasmedidas complementares, na maioria doscasos de caráter promocional, em todos oscampos de ação: político, jurídico, social,econômico, cultural, sanitário, tecnológico,etc.8. Sem dúvida, as normas sociais progra-máticas requerem uma política pertinente àsatisfação dos fins positivos nela indica-dos9. O Welfare State, na origem essencial-mente um Estado legislativo, vem-se trans-formando, cada vez mais, em Estadoadministrativo e burocrático10.

O art. 6º da Constituição brasileira de1988 reza:

“São direitos sociais a educação,a saúde, o trabalho, o lazer, a segu-rança, a previdência social, a proteçãoà maternidade e infância, a assistênciaaos desamparados, na forma destaConstituição”.

Bem distanciado dessa norma, o texto daCarta traz um capítulo especial sobre aOrdem Social (título VIII), fazendo com queo jurista deva extrair, daqui e de lá, aquiloque constitua o conteúdo dos direitosrelativos a cada um daqueles objetos sociais,deixando para tratar, nos arts. 190-230, deseus mecanismos e aspectos organiza-cionais11. Os direitos sociais de trabalho(art. 6º CF), educação (art. 205 c/c art. 6º CF),habitação, saúde, cultura e assistência social(art. 203) dependem, na sua atualização, dasatisfação de uma série de pressupostos deíndole econômica, política e jurídica.

Vale ressaltar que os direitos fundamen-tais sociais na Constituição brasileira estãolonge de formarem um “grupo homogêneo“no que diz respeito a seu conteúdo e à formade sua positivação12. O constituinte nãoseguiu, na sua composição, nenhuma linhaou teoria específica, mas acabou criando um

capítulo bastante contraditório no tocante àrelação interna dos direitos e garantias. Aredação desses artigos tão importantes foiconsiderada confusa e metodologicamenteinadequada13.

A Constituição confere ao legisladoruma margem substancial de autonomia nadefinição da forma e medida em que o direitosocial deve ser assegurado (“livre espaço deconformação” ). Essa função legislativa seriadegradada se entendida como mera funçãoexecutiva da Constituição. Num sistemapluralista, as normas constitucionais sobredireitos sociais devem ser abertas parareceber diversas concretizações consoanteas alternativas periodicamente escolhidaspelo eleitorado. A apreciação dos fatoreseconômicos para uma tomada de decisãoquanto às possibilidades e aos meios deefetivação desses direitos cabe principal-mente aos órgãos políticos e legislativos14.

O primeiro intérprete da Constituição éo legislador, ao qual a Constituição confereuma margem substancial de autonomia nadefinição da forma e medida em que o direitosocial deve ser assegurado (“liberdade deconformação”). Em princípio, o PoderJudiciário não deve intervir em esferareservada a outro Poder para substituí-lo emjuízos de conveniência e oportunidade,querendo controlar as opções legislativas deorganização e prestação, a não ser, excepcio-nalmente, quando haja uma violaçãoevidente e arbitrária, pelo legislador, daincumbência constitucional.

No entanto, parece necessária a revisãodo vetusto dogma da “separação dospoderes” em relação ao controle dos gastospúblicos e da prestação dos serviços sociaisbásicos no Estado Social, visto que osPoderes Legislativo e Executivo no Brasil semostraram incapazes de garantir um cumpri-mento racional dos respectivos preceitosconstitucionais. A eficácia dos direitosfundamentais sociais a prestações materiaisdepende naturalmente dos recursos pú-blicos disponíveis; normalmente há umadelegação constitucional para o legislador

Revista de Informação Legislativa242

concretizar o conteúdo desses direitos.Muitos autores entendem que seria ilegítimaa conformação desse conteúdo pelo PoderJudiciário, por atentar contra o princípio daseparação dos poderes15.

3. Falhas na prestação dos serviçospúblicos sociais – falta de leis

ordinárias?No entanto, a eficácia social reduzida

dos direitos fundamentais sociais não sedeve à falta de leis ordinárias; o problemamaior é a não-prestação real dos serviçossociais básicos pelo Poder Público16. Agrande maioria das normas para o exercíciodos direitos sociais já existe. O problema pa-rece estar na formulação, implementação emanutenção das respectivas políticas públicase na composição dos gastos nos orçamentosda União, dos Estados e Municípios.

Onde já foi implantado o serviço públiconecessário para a satisfação de um direitofundamental, a sua não-prestação emdescumprimento da lei ordinária pode seratacada com o mandado de segurança17. Asituação se torna mais complicada onde oPoder Público mantém-se inerte, não insta-lou os serviços necessários ou onde osmesmos funcionam precariamente (omissãoparcial ou total – ex.: hospitais públicos).

Os direitos fundamentais sociais àeducação e saúde não são simplesmente“normas programáticas”, mas foram regu-lamentados por meio do estabelecimentoexpresso de deveres do Estado e, correspon-dentemente, de direitos subjetivos dos indi-víduos. O direito à educação é definido comodever do Estado e da família (art. 205). Oart. 208 especifica que esse dever do Estado“será efetivado mediante a garantia de (...)”,enumerando, em seguida, uma série demetas ou objetivos a serem alcançados. Oseu § 1º diz que o acesso ao ensino obriga-tório é gratuito e um direito público subje-tivo; segundo o § 2º, “o seu não-oferecimentoou oferta irregular importam responsabili-dade da autoridade competente”. A quali-dade do ensino em todos os níveis depende,

acima de tudo, da contratação de profes-sores, do pagamento de um salário digno,da sua qualificação e reciclagem. Os prédiosescolares devem ser mantidos em boas con-dições, aquisição de material escolar,limpeza, etc.

O direito à saúde, por sua vez, sofreuuma regulamentação constitucional menosforte. Nos artigos 196 a 200 da Carta Federal,não consta que ele seja um direito subjetivopúblico, nem que haja responsabilidade daautoridade quando da falta ou insuficiênciado serviço18. A qualidade dos serviçospúblicos de saúde depende do fornecimentode remédios, vagas e leitos nos pronto-socorros e hospitais, da contratação demédicos especializados, de enfermeirossuficientes, etc.19

Pergunta-se, portanto, se a tolerância dadeterioração ou a não-estruturação de umserviço social básico como a educação ou asaúde pode ser questionada na justiça.Outro problema correlato é o da não-execução dos orçamentos públicos, isto é, anão aplicação, por parte dos agentes doPoder Executivo nos três níveis federativos,dos recursos financeiros previstos pela leiorçamentária para determinadas tarefas eserviços públicos.

Sem poder aprofundar esse aspecto,constatamos que ainda são poucos os meiosjurídicos eficientes para combater a máaplicação dos recursos públicos. Nessecontexto, ações de improbidade administra-tiva (Lei nº 8.429/92) normalmente nãoprocedem20. A ação popular em defesa damoralidade administrativa (art. 5, LXXI, CF)igualmente apresenta grandes dificul-dades.21 O controle dos Tribunais de Contas,onde houver, restringe-se aos aspectosformais dos gastos. Até hoje existem muni-cípios onde se gasta – legalmente! – maisdinheiro em divertimentos populares (con-tratação de “trios elétricos”) ou na manu-tenção da Câmara do que em toda área dasaúde pública. Esperam-se novos impulsosda polêmica “Lei da ResponsabilidadeFiscal”, ainda em tramitação no CongressoNacional.

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 243

4. Eficácia dos direitos sociais: a“proibição de retrocesso”; aplicabilidade

imediata dos direitos fundamentaissociais?

Foi Rui Barbosa quem introduziu noBrasil, inspirado no sistema norte-ameri-cano, o conceito das normas constitucionaisauto-aplicáveis (self-executing) e não auto-aplicáveis (not self-executing). Segundo Clève,o Supremo Tribunal Federal do Brasil, atéhoje, está trabalhando com essa “insufi-ciente dicotomia”22.

As normas sobre direitos fundamentaissão de aplicação imediata, conforme dispostono § 1º do art. 5º da Constituição Federal23.Esse dispositivo serve para salientar ocaráter preceptivo e não-programáticodessas normas, deixando claro que osdireitos fundamentais podem ser imedia-tamente invocados, ainda que haja falta ouinsuficiência da lei. O seu conteúdo nãoprecisa ser concretizado por lei; eles possuemum conteúdo que pode ser definido naprópria tradição da civilização ocidental-cristã, da qual o Brasil faz parte. A sua regu-lamentação legislativa, quando houver,nada acrescentará de essencial: apenas podeser útil (ou, porventura, necessária) pelacerteza e segurança que criar quanto àscondições de exercício dos direitos ou quantoà delimitação frente a outros direitos24.

O legislador ordinário, ao concretizar osdireitos fundamentais, goza de uma relativaliberdade de conformação, sendo esta bemmaior relativamente a normas progra-máticas25. Em relação aos direitos sociais, odispositivo da aplicação imediata não ganhaimportância maior, visto que esses devemser tratados de maneira diferente dosdireitos clássicos na defesa contra o poderestatal. Sarlet entende que o art. 5º, § 1º,impõe aos órgãos estatais a tarefa de “maxi-mizar a eficácia” dos direitos fundamentais.

Por eficácia jurídica entendemos a capa-cidade (teórica) de uma norma constitucio-nal para produzir efeitos jurídicos. Aefetividade, por sua vez, significa o desem-penho concreto da função social do Direito,

representa a materialização, no mundo dosfatos, dos preceitos legais e simboliza aaproximação entre o dever-ser normativo e oser da realidade social26.

José Afonso da Silva, em obra famosa,trata somente da eficácia jurídica dos direitossociais. Ele mantém a sua subdivisão dasnormas naquelas de eficácia imediata,eficácia contida (mais restringíveis por leiordinária) e – as mais interessantes para nós– as normas de eficácia limitada ou restrita27.No entanto, o autor aceita a criação dedireitos subjetivos individuais a partir dedireitos fundamentais sociais somente nasua vertente negativa, isto é, quando o legis-lador ou a administração tomem atitudescontra o objetivo expresso nelas: qualquerlei que atente contra esses princípios seriainconstitucional.

Para podermos construir uma garantiada manutenção do nível de prestação socialuma vez alcançado, seria importante escla-recer se essa proibição se refere somente àatividade legislativa ou também ao nível deorganização fática dos serviços básicos e dovolume das prestações materiais, comocortes no orçamento da respectiva entidadepública. Também não fica claro se as leisorçamentárias nos três níveis federativospoderiam diminuir o valor das verbasdestinadas aos fins sociais básicos e se leisordinárias já existentes sobre o assunto nãopodem mais ser revogadas. Infelizmente, osdefensores dessa tese da “proibição doretrocesso” ainda não aprofundaram aquestão. Ainda não houve decisão judicialque tivesse declarado inconstitucional umalei ou um ato que diminuiu uma prestaçãosocial28.

Lopo Saraiva, por sua vez, não aceita queas normas programáticas da Constituiçãosobre direitos sociais criaram direito subje-tivo somente em seu aspecto negativo, e nãosob o ângulo positivo. Ele nega que o efeitojurídico dessas normas só se manifestarianuma eventual nulidade de normas legaisque contrariassem o sentido do preceito ouprograma declarado na Constituição29. Éessa a tendência progressiva da doutrina

Revista de Informação Legislativa244

constitucional moderna no Brasil, comoveremos adiante.

5. A doutrina alemã dos direitosfundamentais de defesa como base de

direitos a prestações positivas:transponível para o Brasil?

A dogmática jurídica alemã é, em muitosaspectos, transponível ou adaptável para oBrasil, já que muitos preceitos e formulaçõesdas Cartas de 1988 e anteriores foramfortemente inspirados pela Lei FundamentalAlemã. Todavia, isso não acontece com osdireitos sociais, que quase não constam daatual constituição germânica. Devemoslembrar que os mesmos textos e procedi-mentos jurídicos são capazes de causarefeitos completamente diferentes, quandoutilizados em sociedades desenvolvidas(centrais) como a alemã, ou numa periféricacomo a brasileira30. Não se pode transportarum instituto jurídico de uma sociedadepara outra, sem levar-se em conta os condi-cionamentos sócio-culturais e econômico-políticos a que estão sujeitos todos osmodelos jurídicos31.

Um número elevado de importantescontribuições de autores brasileiros sobre otema dos direitos fundamentais e sua inter-pretação fazem referência expressa àdoutrina e jurisprudência da Alemanha32.A estrutura da Carta de 1988 – bem como ostextos constitucionais da Espanha e dePortugal, pelos quais foi fortemente influen-ciada – difere bastante daquela da LeiFundamental de Bonn. Aquelas contêm umalto número de normas programáticas,mandamentos, diretivas, fixação de metas edão menos valor a uma normatividadeestrita, à obrigatoriedade e justiciabilidade.

O modelo de Estado Social vigente naAlemanha de hoje tem como pontos básicosa industrialização, a tecnologia, a comuni-cação e a racionalidade na gestão dosserviços públicos. O Estado não é chamadosomente para preservar e proteger o funcio-namento livre da ordem econômica, mas

para desenhar e planejar a vida social e ofuturo da sociedade como um todo. Esse tipode Estado Social já ultrapassa nas suasfinalidades e pretensões o modelo clássicodo Welfare State e procura a harmonia entre,num lado, idéias liberais de uma economialivre e, no outro, a igualdade de chances e adistribuição de riquezas33. Nesse contexto,vem-se tornando uma tarefa essencial aprogressiva “prevenção de riscos” (Risiko-vorsorge): o Estado tenta nortear e direcionaro processo de desenvolvimento científico-tecnológico da sociedade, protegendo-acontra as possíveis conseqüências perni-ciosas de fenômenos como a manipulaçãogenética, a alteração de ecossistemas,doenças novas, a energia nuclear, etc34.

A Lei Fundamental da República Federalda Alemanha (de 1949) não incorporounenhum ordenamento sistemático dosdireitos sociais da “segunda geração” (dostrabalhadores, educação, saúde, assistên-cia), fato que se deve às más experiênciascom a Carta anterior de Weimar. EssaConstituição de 1919 é tida, no mundointeiro, como uma das primeiras Cartas queincorporaram os direitos sociais a prestaçõesestatais no seu texto. No entanto, para adoutrina constitucional alemã pós-guerra,ela serve como modelo de uma Carta“fracassada” que, inclusive, contribuiu paraa radicalização da política desse país nosanos 20 e a tomada do poder pelos nazistasem 193335. Os seus modernos artigos sobredireitos sociais foram “ridicularizados” porparte dos integrantes da extrema direita eesquerda política, como “promessas vaziasdo Estado burguês” e “contos de lenda”.

Como conseqüência, o legislador funda-mental de 1949 renunciou deliberadamenteà formulação de normas que conferemdireitos subjetivos a prestações. Os direitossociais, cuja eficácia sempre depende devários fatores econômicos e políticos,ficaram de fora36. A maioria dos autoresalemães se dirige contra direitos fundamen-tais sociais na constituição, porque estesseriam, na sua maioria, não-realizáveis na

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 245

atualidade por parte do Estado, provocandoa impressão do cidadão de que todo o tex-to constitucional seria nada mais do queuma “construção de frases” ou um “ca-tecismo popular, cheio de utopias” queresultaria na perda da normatividadeda Carta e da sua força de estabelecervalores37.

Por outro lado, quase todas as consti-tuições dos 16 Estados federados alemães(Länder) contêm direitos sociais. Houveuma discussão acirrada sobre a necessida-de da inclusão desses direitos da “segun-da geração” (especialmente a emprego ehabitação) no texto da Carta Federal nocontexto da unificação das Alemanhas em1990, prevalecendo a linha que não quis“mexer” nas bases estruturais de um tex-to que, durante 40 anos, garantiu estabili-dade, bem-estar e liberdade.

Os direitos humanos básicos da vida eda integridade física também estão inti-mamente ligados aos direitos “sociais” àsaúde e assistência social. Aqueles sãotradicionalmente considerados como di-reitos de “defesa do indivíduo contra oEstado” (da primeira geração) para queeste não interfira negativamente na liber-dade das pessoas. No entanto, no Estadomoderno, os direitos fundamentais clássi-cos ligados à liberdade estão cada vez maisfortemente dependentes da prestação dedeterminados serviços públicos, sem osquais o indivíduo sofre sérias ameaças. Osdireitos fundamentais de defesa somentepodem ser eficazes quando protegem, aomesmo tempo, as condições materiais mí-nimas necessárias para a possibilidade dasua realização. Especialmente na área osdireitos básicos da vida e da integridadefísica, as prestações positivas do Estadopara a sua defesa não podem ficar na de-pendência da viabilidade orçamentária38.

Onde o poder estatal deixa de desen-volver esforços para atender a populaçãomais carente, que não tem condições depagar um plano privado de saúde, na áreada saúde preventiva e curativa, essas pes-

soas acabam sendo ameaçadas imediata-mente no seu direito à vida e integridadefísica39.

A doutrina moderna dá ênfase emafirmar que qualquer direito fundamentalconstitucional – seja ele direito civil epolítico ou econômico, social e cultural –contém, ao mesmo tempo, componentes deobrigações positivas e negativas para oEstado40. Nessa visão, a tradicional diferen-ciação entre os direitos “da primeira” e os“da segunda” geração é meramente gradual,mas não substancial, visto que muitos dosdireitos fundamentais tradicionais foram re-interpretados como sociais, perdendosentido as distinções rígidas41.

O famoso autor português Gomes Cano-tilho, fortemente inspirado pela doutrinaalemã, ressalta que o direito à vida

“é um direito subjectivo de defesa (...),com os correspondentes deveresjurídicos dos poderes públicos e dosoutros indivíduos de não agredirem o`bem da vida´ (`dever de abstenção´)”.

Isso, segundo ele, não exclui a possibili-dade de

“neste direito coexistir uma dimensãoprotectiva, ou seja, uma pretensãojurídica à protecção, através doEstado, do direito à vida (dever deprotecção jurídica) que obrigará este,por ex., à criação de serviços de polícia,de um sistema prisional e de umaorganização judiciária”.42

A não-inclusão de direitos sociais na LeiFundamental, no entanto, não significa umarecusa do seu ideário subjacente. Assim, oconceito do “Estado Social” (art. 20, LF)representa uma “norma fim-de-Estado”43

(Staatszielbestimmung) que fixa, de maneiraobrigatória, as tarefas e a direção da atuaçãoestatal presente e futura44, sem, no entanto,criar direitos subjetivos para a sua reali-zação. A doutrina alemã se refere a essasnormas constitucionais como “mandados”(Aufträge) e não propriamente “direitos”.

Em trabalho recente, Lôbo Torres, apoian-do-se em autores alemães, alega que os

Revista de Informação Legislativa246

direitos sociais consagrados na Constitui-ção brasileira não seriam propriamentedireitos fundamentais. Essa tese é indefen-sável, como vamos ver adiante. O PoderConstituinte brasileiro de 1988, em facedos enormes desafios do Poder Público naárea social, inseriu uma vasta gama dedireitos sociais, localizando-os no Capítu-lo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título IIda Carta, denominado “Dos Direitos eGarantias Fundamentais”. Segundo todasas regras de interpretação, esses direitossociais, no Brasil, são também “fundamen-tais”, com todas as conseqüências dessasua natureza. A tentativa de relativizá-lose de retirar-lhes a qualidade da “funda-mentalidade” não traz nenhuma vanta-gem, mas é, ao contrário, perigosa.

A interpretação dos direitos sociais nãoé uma questão de “lógica jurídica”, mas deconsciência social de um sistema jurídicocomo um todo. É questionável a transferênciade teorias jurídicas, que foram desenvolvi-das em países “centrais” do chamado“Primeiro Mundo” com base em realidadesculturais, históricas e, acima de tudo, sócio-econômicas completamente diferentes.

Gomes Canotilho vê a efetivação dosdireitos sociais, econômicos e culturaisdentro de uma “reserva do possível” eaponta a sua dependência dos recursoseconômicos. A elevação do nível da suarealização estaria sempre condicionada pelovolume de recursos suscetível de sermobilizado para esse efeito45. A limitaçãodos recursos públicos passa a ser conside-rada verdadeiro limite fático à efetivação dosdireitos sociais prestacionais46. Essa teoria,na verdade, é uma adaptação da jurispru-dência constitucional alemã (Vorbehalt desMöglichen)47, que entende que a construçãode direitos subjetivos à prestação materialde serviços públicos pelo Estado está sujeitaà condição da disponibilidade dos respec-tivos recursos. Ao mesmo tempo, a deci-são sobre a disponibilidade dos mesmos es-taria localizada no campo discricionáriodas decisões governamentais e dosparlamentos (composição de orçamentos).

No Brasil, como em outros países peri-féricos, é justamente a questão analisarquem possui a legitimidade para definir oque seja “o possível” na área das presta-ções sociais básicas em face da composi-ção distorcida dos orçamentos das diferen-tes entidades federativas. Os problemas deexclusão social no Brasil de hoje se apre-sentam numa intensidade tão grave quenão podem ser comparados à situaçãosocial dos países-membros da UniãoEuropéia.

6. O “padrão mínimo social” para uma“existência digna”

Os defensores de uma interpretaçãoprogressiva dos Direitos FundamentaisSociais alegam a sua qualidade comodireitos subjetivos perante o Poder Público,obrigando-o a prestar determinados ser-viços de bem-estar social, os quais devemser realizados de maneira progressiva.Nesse contexto, os direitos sociais progra-máticos representam “mandados de otimi-zação” (R. Alexy) que devem ser “densifi-cados”; o seu cumprimento pode ser negadopor parte do Estado somente temporaria-mente em virtude de uma impossibilidadematerial evidente e comprovável48.

Segundo a Teoria do Estado Social, oPoder Público tem o dever de transpor asliberdades da Constituição para a realidadeconstitucional. Na vida moderna, que éregida pela tecnologia e a indústria, aprestação dos serviços públicos se tornacada vez mais importante para o exercíciodos direitos sociais (escolas, cultura,comunicações, fornecimento de energia,água, transportes). Onde o Estado cria essasofertas para a coletividade, ele deve assegurara possibilidade da participação do cidadão.Onde a legislação não concede um direitoexpresso ao indivíduo de receber uma pres-tação vital, ele pode recorrer ao direitofundamental da igualdade em conexão como princípio do Estado Social49. Dessamaneira, os direitos fundamentais da

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 247

primeira geração foram tomados comofonte de direitos subjetivos a prestaçõespositivas do Estado.

A teoria engenhosa que liga a presta-ção do “mínimo social” aos direitos fun-damentais de liberdade (primeira gera-ção) é fruto da doutrina alemã pós-guerraque tinha de superar a ausência de qual-quer direito fundamental social na LeiFundamental de Bonn, sendo baseada nafunção de estrita normatividade e jurisdi-cionalidade do texto constitucional. As-sim, a Corte Constitucional Alemã extraiuo direito a um “mínimo de existência” doprincípio da dignidade da pessoa huma-na (art. 1, I, Lei Fundamental), do direitoà vida e à integridade física, mediante in-terpretação sistemática junto ao princípiodo Estado Social (art. 20, I)50. Não há dú-vidas que ela parte de um direitofundamental a um “mínimo vital”51. Aomesmo tempo, a Corte deixou claro queesse “padrão mínimo indispensável” nãopoderia ser desenvolvido pelo Judiciáriocomo “sistema acabado de solução”, maspor meio de uma “casuística gradual ecautelosa”52.

A teoria do “mínimo existencial”, quetem a função de atribuir ao indivíduo umdireito subjetivo contra o Poder Públicoem casos de diminuição da prestação dosserviços sociais básicos que garantem a suaexistência digna, até hoje foi poucodiscutida na doutrina constitucional bra-sileira e ainda não foi adotada com as suasconseqüências na jurisprudência do país.

Lôbo Torres quer ligar o conceito do“mínimo social” ao status positivus liber-tatis (Jellinek), entendendo-o como condi-tio sine qua non às condições iniciais da li-berdade53. Citando a doutrina constitucio-nal alemã dominante54, ele alega que, semo mínimo necessário à existência, cessariaa possibilidade da própria sobrevivência.Esse mínimo garantido nas condições ma-teriais de existência estaria baseado nopróprio conceito da dignidade humana55.

Num lado, é válida a tentativa do autorde fecundar, dentro da doutrina brasilei-

ra, o princípio fundamental da dignidadeda pessoa humana, expresso no art. 1º, III,CF, visto que jurisprudência e doutrinaainda não criaram linhas firmes de inter-pretação desses princípios. Ao mesmo tem-po, o autor reconhece que

“os Direitos Fundamentais e o Mí-nimo Existencial, nos países emdesenvolvimento, têm uma extensãomaior do que nas nações ricas, pelanecessidade da proteção estatal aosbens essenciais à sobrevivência daspopulações miseráveis”

e que“as pretensões dos pobres à assis-tência social requerem a interpretaçãoextensiva”56.

Por outro lado, Lôbo Torres lamenta que,nas últimas décadas, tenha havido

“a desinterpretação dos mínimossociais e da necessidade de maximi-zação dos direitos sociais, com oemburilhamento das garantias que oscercam”.

Nessa sua visão, o acesso universal iguali-tário às ações e serviços de saúde, assegu-rado no art. 196 da Constituição, transfor-mado em gratuito pela legislação infracons-titucional, torna-se utópico, uma “procla-mação demagógica”, que gera expectativasinalcançáveis para os cidadãos57.

Para Barroso, esse “padrão mínimo” nocumprimento das tarefas estatais poderia,sem maiores problemas, ser ordenado porparte do Judiciário, o que deixa deacontecer devido apenas a motivos ideo-lógicos e não jurídico-racionais58. Sarletdemostra que, no caso da negação de pres-tações de serviços sociais básicos por par-te do Estado, não conseguem convencer osargumentos comuns da falta de verbas eda falta da competência do Judiciário paradecidir sobre a aplicação dos recursos pú-blicos, especialmente na área da saúde, obem maior da vida humana. Para ele, “adenegação dos serviços essenciais de saú-de acaba por se equiparar à aplicação deuma pena de morte”59.

Revista de Informação Legislativa248

Uma garantia mais efetiva da presta-ção dos serviços básicos e da assistênciasocial no Brasil também não levaria a umasituação de “tutela” ou criação de de-pendência do cidadão em relação às pres-tações sociais do Estado, um perigo quepode existir somente em países de índiceselevados de desenvolvimento60. No entan-to, essa visão mais moderna ainda não re-presenta a linha dominante na doutrina ejurisprudência do Brasil. São justamenteos tribunais superiores que mostraramfortes objeções e ressalvas contra a suaprópria legitimidade a formular ordensconcretas contra governos referentes àprestação adequada dos serviços públicossociais.

7. A questão da “constituiçãodirigente”

Na doutrina constitucional contempo-rânea, comenta-se a mudança na linhadoutrinária do famoso constitucionalistaportuguês Gomes Canotilho. Na sua obra“Constituição Dirigente e Vinculação doLegislador”, publicada em 1982, ele defendiaa tese de que as normas programáticas cons-titucionais sobre direitos sociais, econômi-cos e culturais seriam capazes de obrigar olegislador a criar as respectivas leis ordi-nárias que fixassem as prestações positivase o Poder Executivo a oferecer os serviços eprestações para realização do conceito cons-titucional. Ao mesmo tempo, o autor nãoquis permitir a redução dos direitos sociaisa um simples apelo ao legislador, mas osentendia como

“verdadeira imposição constitucio-nal, legitimadora de transformaçõeseconômicas e sociais, na medida emque estas forem necessárias para aefetivação desses direitos”.

Afirmava que a inércia do Estado quanto àcriação de condições de sua efetivação podiadar lugar à inconstitucionalidade poromissão61.

Ultimamente, Canotilho revidou esse seuposicionamento, declarando-se adepto de

um “constitucionalismo moralmente re-flexivo” (U. Preuss) em virtude do “des-crédito de utopias” e da “falência dos có-digos dirigentes”, que causariam a prefe-rência de “modelos regulativos típicos dasubsidiariedade”, de “autodireção socialestatalmente garantida”62. O “entulho pro-gramático” e as “metanarrativas” da Car-ta Portuguesa, segundo ele, impediriamaberturas e alternativas políticas, tornan-do necessário “desideologizar” o textoconstitucional63. O modelo da “constitui-ção dirigente” hoje também estaria im-prestável perante a transformação de or-dens jurídicas nacionais em ordens parci-ais, em que as constituições são relegadaspara um plano mais modesto de “leis fun-damentais regionais”.

Além disso, o autor português passou anegar a possibilidade da geração de direitossubjetivos na base de direitos constitucionaissociais, alegando que somente o legisladorordinário seria legitimado a determinar oconteúdo concreto dos direitos sociais, semvinculação estrita às normas programáticasda Constituição. Assim, ele afirma, porexemplo, que a garantia constitucional dagratuidade do acesso a todos os graus deensino “pode lançar a constituição nasquerelas dos limites do Estado Social e daingovernabilidade”64. Lôbo Torres comungacom essa “nova” posição do mestre lusitanoe nega a possibilidade de eficácia dasnormas constitucionais atributivas dedireitos sociais sem a intermediação da lei65.

Essa mudança de visão se deve certamenteà forte influência da doutrina tradicionalalemã (K. Hesse) e à situação social alteradade Portugal no seio do processo de inte-gração econômica e política na UniãoEuropéia que proporcionou ao país umaprosperidade econômica e estabilidade eco-nômica e social jamais vivenciada antes,mas definitivamente não é transferível, semos devidos ajustes, ao sistema jurídico esocial do Brasil. Bercovici está coberto derazão quando salienta que a “constituiçãodirigente”, que é o modelo da Carta de 1988,

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 249

não tolhe a liberdade do legislador ou adiscricionariedade do governo de maneiraa prescrever uma linha única de atuaçãopara a política, mas estabelece um funda-mento constitucional para a política, tornan-do-se sua premissa material66.

As condições culturais, políticas e só-cio-econômicas vigentes no Brasil no finaldo século XX não exigem uma exaltaçãode teorias liberalistas e internacionalistas,mas um desenvolvimento firme e contínuoem direção ao Estado Social, preconizadopela Carta de 1988, com todas as suasconseqüências. Nesse processo, o PoderPúblico tem necessariamente um outropapel do que na Europa unificada, onde onível de organização e atuação da socie-dade civil é incomparavelmente mais alto.

8. O Poder Judiciário: a tradição doformalismo; necessidade de uma

interpretação constitucional material-valorativa

Normas constitucionais sobre direitosfundamentais contêm, por natureza, con-ceitos vagos, abstratos, de textura aberta,que constituem fórmulas valorativas, asquais não podem ser interpretadasadequadamente mediante os métodos tra-dicionais da hermenêutica jurídica67.

Talvez o maior impedimento para umaproteção mais efetiva dos direitos funda-mentais seja a atitude ultrapassada degrande parte da magistratura brasileirapara com a interpretação constitucional,cuja base até hoje consiste no formalismojurídico que tem dominado gerações deoperadores de Direito, especialmente du-rante o tempo autoritário. Segundo Bob-bio, a concepção “formalista” da interpre-tação jurídica, fruto do jus-positivismo, dáabsoluta prevalência às formas com basenuma operação meramente lógica, isto é,aos conceitos jurídicos abstratos da nor-ma legislativa com prejuízo da finalidadeperseguida por esta, da realidade socialque se encontra por trás das formas e dosconflitos de interesse que se deve dirimir68.

Podemos observar, até os dias de hoje,uma maneira extremamente formal deargumentação em grandes partes da dou-trina e jurisprudência do Brasil, que seconcentra quase exclusivamente em aspec-tos lógico-formais da interpretação jurídi-ca e não permite a influência de pontos devista valorativos, ligados à justiça mate-rial69. O operador jurídico ainda não estáacostumado a questionar o conteúdo ma-terial de normas legais ou atos adminis-trativos. Segundo José E. Faria,

“é cada vez maior o número de juí-zes conscientes de que não estão pre-parados técnica e intelectualmentepara lidar com o que é inédito; (...)de que foram treinados para inter-pretar normas programáticas e nor-mas com conceitos indeterminados(...)”70.

Podemos observar que muitos represen-tantes das diferentes profissões jurídicasgostariam de aplicar, no seu trabalho diário,os direitos fundamentais com mais coerên-cia. Eles reclamam do “pouco apoio” porparte da literatura constitucional clássica,que normalmente se restringiu a apresentara evolução e positivação dos diferentesdireitos humanos, acrescentando somentealgumas decisões dos tribunais superioresa respeito71.

Apesar do fato de a doutrina constitu-cional moderna no Brasil enfatizar que oEstado Social preconizado pela Carta de1988 exige um novo entendimento das suasnormas jurídicas, que seja orientado porvalores72, a maioria dos operadores (juízes,promotores, procuradores, administradores,advogados) ainda não passou a interpretaras normas constitucionais e ordinárias(civis, comerciais, administrativas) “noespírito” dos direitos fundamentais e seusvalores subjacentes.

A natureza político-social dessas normasimpõe a necessidade de métodos de interpre-tação específicos. O modelo dominante noBrasil sempre foi de perfil “liberal-indivi-dualista-normativista”, que nega a apli-

Revista de Informação Legislativa250

cação das normas programáticas e dosprincípios da nova Constituição73. En-quanto o positivismo jurídico formalistaexigia a “neutralização política do Judiciá-rio”, com juízes racionais, imparciais eneutros, que aplicam o direito legislado demaneira lógico-dedutiva e não criativa,fortalecendo desse modo o valor da segu-rança jurídica, o moderno Estado Socialrequer uma magistratura preparada pararealizar as exigências de um direito mate-rial, “ancorado em normas éticas e políti-cas, expressão de idéias para além das de-correntes do valor econômico”74.

Apostolova enfatiza que as expectati-vas e reivindicações de novos movimen-tos e grupos sociais da garantia dos seusdireitos aumentaram a “visibilidade sociale política” do Poder Judiciário, que setransformou cada vez mais num “espaçode confronto e negociação de interesses”.A concretização desses direitos sociais exi-ge alterações das funções clássicas dos ju-ízes que se tornam co-responsáveis pelaspolíticas dos outros poderes estatais, ten-do que orientar a sua atuação para possi-bilitar a realização de projetos de mudan-ça social, o que leva à ruptura com o mo-delo jurídico subjacente ao positivismo, aseparação do Direito da Política75.

A questão hermenêutica dos direitosfundamentais deixa de ser um problemade correta subsunção do fato à norma parase tornar um problema de conformaçãopolítica dos fatos, isto é, de sua transfor-mação conforme um projeto ideológico (enão lógico)76. O Judiciário não quer assu-mir o papel de “arquiteto social” e ser res-ponsabilizado por uma possível convulsãofinanceira nos orçamentos públicos. Noentanto, podemos observar um

“progresso de erosão da rigidezlógico-formal em razão dasexigências de justiça distributiva e,por conseqüência, dos imperativosde racionalidade material”77.

Para José E. Faria, a magistratura brasi-leira, considerada a partir de seu ethos cul-tural, corporativo e profissional,

“tem desprezado o desafio de preen-cher o fosso entre o sistema jurídicovigente e as condições reais da socie-dade, em nome da ‘segurança jurí-dica’ e de uma visão por vezes ingênuado equilíbrio entre os poderes autô-nomos”78.

Para ele, os tribunais, apesar dos novos di-reitos consagrados pela Carta de 1988, con-tinuam com uma cultura técnico-profis-sional defasada – com métodos exclusiva-mente formais de caráter lógico, sistemá-tico e dedutivo –, incapazes de entendê-los e, por conseqüência, de aplicá-los79.

Segundo José Afonso da Silva, a eficá-cia das normas programáticas sobre direi-tos sociais constitucionais é sobretudo in-terpretativa, como orientação axiológicapara a compreensão do sistema jurídiconacional. Ele lamenta que nem a doutrinanem a jurisprudência tenham percebido oseu alcance, nem lhes dado aplicaçãoadequada, como princípios-condição dajustiça social80.

Entre as teorias existentes sobre osdireitos fundamentais81, são aceitas noBrasil a liberal e a institucional, enquanto aTeoria dos Valores (R. Smend), que entendeos direitos fundamentais como expressão deuma “ordem objetiva de valores”, aindaencontra fortes ressalvas. Segundo essateoria – defendida pela Corte ConstitucionalAlemã –, os direitos fundamentais atuamsobre as relações jurídicas diante dospoderes públicos e sobre as relações jurí-dicas dos cidadãos entre si. Assim, os va-lores assentados nos direitos fundamen-tais são capazes de impregnar toda a or-dem jurídica, como o exercício da discri-cionariedade administrativa e o preenchi-mento das cláusulas gerais do direito civil(ex.: “boa-fé”, “bons costumes”).

Essa compreensão jurídico-objetivatambém é de fundamental importânciapara os deveres do Estado, pois a vincula-ção de todos os poderes aos direitos fun-damentais contém não só uma obrigatori-edade negativa do Estado de não fazer in-tervenções em áreas protegidas pelos di-

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 251

reitos fundamentais, mas também umaobrigação positiva de fazer tudo para rea-lizar os mesmos, mesmo se não existir umdireito público subjetivo do cidadão.

Evidentemente, qualquer tipo de teo-ria valorativa floresce melhor na base deum pensamento jus-naturalista, como foio caso na Alemanha pós-guerra como re-ação aos abusos do regime nazista, que sevaleu, no início, de teses jus-positivistaspara impedir uma crítica de conteúdomoral e ético contra suas medidas legisla-tivas, as quais, na sua maioria, foram ela-boradas de maneira “formalmente legal”,mas em contradição evidente com os di-reitos fundamentais e os princípios mate-riais da Constituição de Weimar82.

A experiência do “relativismo” total doconteúdo das leis positivas levou o famosojurista e filósofo Gustav Radbruch, inicial-mente positivista ferrenho, a mudar comple-tamente a sua posição depois da guerra edefender a existência de “injustiça legal edireito supralegal” e de “leis que não sãodireito”83. Recentemente, a Corte Constitu-cional Alemã se valeu dessa teoria, aoconfirmar a condenação por homicídio devários soldados da antiga Alemanhacomunista que mataram centenas de cida-dãos alemães orientais que tentaram ultra-passar a fronteira para a Alemanha Ociden-tal; os acusados tentaram justificar-se coma existência de uma lei que permitia o usoda arma para impedir qualquer “fuga daRepública”84.

O governo autoritário do Brasil pós-1964se serviu também de medidas formalmentelegais para limitar a independência dosórgãos estatais e restringir os direitos civis epolíticos da população, como fez o AtoInstitucional nº 5, de 13-12-196885. Essasexperiências, no entanto, não levaram a umaposição mais crítica de amplos segmentosda doutrina e jurisprudência em relação àsteorias e posições positivistas (“kelsenia-nas”)86, que defendem até hoje a estritaseparação entre argumentos jurídicos(“científicos”) e argumentos “metajurí-dicos”, como valorativos, ético-morais,

sociológicos. São justamente esses aspec-tos que voltam a ocupar um espaço im-portantíssimo na interpretação de princí-pios fundamentais e de normas princi-piológicas – como os direitos fundamen-tais –, bem como outros conceitos consti-tucionais abertos.

9. Nova compreensão da teoria daseparação dos poderes; controle judicial

de políticas e orçamentos públicosEm princípio, a estrutura do Poder

Judiciário é relativamente inadequada paradispor sobre recursos ou planejar políticaspúblicas. Ele também carece de meioscompulsórios para a execução de sentençasque condenam o Estado a cumprir umatarefa ou efetuar uma prestação omitida; nãohá meios jurídicos para constranger o legis-lador a cumprir a obrigação de legislar87.

Em certas condições, o incumprimentopelo legislador ou do governo das tarefasconstitucionais ligadas aos direitos sociaisé suscetível de desencadear uma inconsti-tucionalidade por omissão. Nesse ponto,vale ressaltar que os novos meios proces-suais do mandado de injunção (art. 5º, LXXI,CF) e da ação de inconstitucionalidade poromissão (art. 103, § 2º, CF) ainda nãosurtiram os efeitos desejados e intencio-nados pelos Constituintes da Carta de 1988,tema complexo que não pode ser aprofun-dado aqui.

Há omissão legislativa sempre que olegislador não cumpre (ou cumpre insufi-cientemente) o dever constitucional deconcretizar imposições constitucionaisconcretas. Ele pode não agir (omissão to-tal) ou tomar medidas insuficientes ou in-completas (omissão parcial); no últimocaso, têm relevo decisivo considerações decaráter material, que dependem do graude densidade da norma impositiva88. As-sim, os direitos sociais podem funcionarcomo verdadeiros direitos subjetivos e serinvocados judicialmente por meio deações de inconstitucionalidade por omis-são e ação89.

Revista de Informação Legislativa252

A conseqüência do não-atendimentoaos preceitos constitucionais por omissãolegislativa ou administrativa pode resul-tar numa inconstitucionalidade perma-nente, que leva à desestabilização políti-ca. Ao mesmo tempo, é incontestável ovalor político de uma decisão judicial quedeclara que o Estado está em mora comobrigações constitucionais econômicas,sociais e culturais; essas sentenças assu-mem o papel de importantes veículos paracanalizar as reivindicações da sociedade90.

Gilmar F. Mendes sugere, nesse contexto,a aplicação do modelo da “decisão deapelo” da Corte Constitucional Alemã91,medida que provavelmente não lograriacausar os mesmos efeitos, em virtude dasrelações políticas e sócio-culturais bastantediferentes dos órgãos constitucionais su-premos entre si. O cumprimento de ummandamento apelativo pressupõe um cli-ma de respeito mútuo e autoridade do Su-premo Tribunal em relação ao Governoe o Congresso Nacional, o que nem sem-pre tem existido no Brasil nos últimos anos.

Em geral, encontramos no Brasil umaresistência ao controle judicial do mérito dosatos do Poder Público, aos quais se reservaum amplo espaço de atuação autônoma,discricionária, em que as decisões do órgãoou do agente público são insindicáveisquanto à sua conveniência e oportunidade.O Supremo Tribunal Federal, na sua atitudeexagerada de “auto-restrição judicial”(judicial self-restraint), recusa-se, até hoje, acontrolar os pressupostos constitucionaisda edição de medidas provisórias peloGoverno Federal92 e nega-se a criar asnormas necessárias para resolver os casosconcretos, no caso do mandado de injunção93.

O vetusto princípio da separação dospoderes, idealizado por Montesquieu, estáproduzindo, com sua grande força simbó-lica, um efeito paralisante às reivindicaçõesde cunho social e precisa ser submetido auma nova leitura, para poder continuarservir ao seu escopo original de garantirdireitos fundamentais contra o arbítrio e,

hoje também, a omissão estatal94. O EstadoSocial moderno requer uma reformulaçãofuncional dos poderes no sentido de umadistribuição para garantir um sistemaeficaz de “freios e contrapesos”.

Sistemas jurídicos em países “centrais”como a Alemanha, em que há um altopadrão nos índices de desenvolvimentohumano e um nível elevado de satisfaçãoda população em relação aos serviçossociais básicos, recusam, com bons argu-mentos, a idéia do Poder Judiciário como“arquiteto da ordem social”, acima detudo pela falta de legitimidade democrá-tica e de aptidão funcional para efetuaruma distribuição dos recursos públicosdisponíveis95.

Cappelletti destaca que os juízes demuitos países têm assumido a posição denegar o caráter preceptivo, ou self-executing,de leis ou direitos programáticos de cunhosocial, que normalmente se limitam a definirfinalidades, princípios gerais. No entanto,o Poder Judiciário, mais cedo ou mais tarde,teria que

“aceitar a realidade da transforma-da concepção do direito e da novafunção do estado, do qual constitu-em também, afinal de contas, umramo”.

Para tal fim, os juízes devem controlar eexigir o cumprimento do dever do Estadode intervir ativamente na esfera social96.A atividade de interpretação e realizaçãodas normas sociais na Constituição impli-ca, necessariamente, um alto grau decriatividade do juiz, o que, por si, não o tor-na um “legislador”97.

No entanto, B. Santos observa que, nospaíses periféricos como o Brasil, a atuaçãodos juízes se carateriza pela resistência emassumir a sua co-responsabilidade na açãoprovidencial do Estado98. Nessa linha,exige-se um Judiciário “intervencionista”que realmente ousa controlar a falta dequalidade das prestações dos serviçosbásicos e exigir a implementação de polí-ticas sociais eficientes. Nesse contexto, asdecisões da administração pública não po-

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 253

dem se distanciar da “programaticidadeprincipiológica” da Constituição99.

Concordamos com C. Clève, quedefende um novo tipo de Poder Judiciárioe de compreensão da norma constitucio-nal, e juízes “ativistas”, vinculados às di-retivas e às diretrizes materiais da Cons-tituição, voltados para a plena realizaçãodos seus comandos e não apenas apega-dos aos esquemas da racionalidade formale, por isso, muitas vezes simples guardiõesdo status quo100. Torna-se necessária, por-tanto, uma “mudança de paradigmas” napercepção da sua própria posição e fun-ção no moderno Estado Social de Direito.

O Poder Executivo, por sua vez, nãosomente “executa” as normas legislativassobre direitos sociais. Ele cria as próprias“políticas” e os programas necessários paraa realização dos ordenamentos legais. Essafunção governamental planejadora e imple-mentadora é decisiva para o próprio con-teúdo das políticas e a qualidade da pres-tação dos serviços. O dilema do nível baixode qualidade dos mesmos parece estarconcentrado na não-alocação de recursossuficientes nos orçamentos públicos, seja daUnião, dos Estados ou dos Municípios, e,parcialmente também na não-execução dosrespectivos orçamentos pelos órgãos gover-namentais.

No entanto, as questões ligadas aocumprimento das tarefas sociais, como aformulação das respectivas políticas, noEstado Social de Direito não estão relegadassomente ao governo e à administração101,mas têm o seu fundamento nas própriasnormas constitucionais sobre direitossociais; a sua observação pelo PoderExecutivo pode e deve ser controlada peloPoder Judiciário. Para Campilongo,

“o magistrado atua, no Estado Social,como garantidor da estabilidade e dadinâmica institucionais”102.

K. Comparato enfatiza que o conceito depolítica, no sentido de programa de ação, sórecentemente foi descoberto pela teoriajurídica por corresponder a uma realida-

de desimportante antes da Revolução In-dustrial. Segundo ele,

“a política aparece, antes de tudo,como uma atividade, isto é, um con-junto organizado de normas e atostendentes à realização de um objetivodeterminado”103.

O autor defende a tese que o Judiciáriopossui competência, apesar do princípio daseparação dos poderes, para julgar “ques-tões políticas” e alega que a “clássica fal-sa objeção à judiciabilidade das políticasgovernamentais” se deve ao mau enten-dimento da political question doctrine daSuprema Corte dos EUA.

O controle de constitucionalidade,segundo Comparato, inclui os objetivosgerais da respectiva política perante asnormas-objetivo da Constituição, bem comoas regras que estruturam o desenvolvimentodessa atividade; uma política econômicaexclusivamente voltada para a estabilidademonetária seria uma afronta contra osdispositivos do art. 170, CF. No entanto, oautor reconhece que a probabilidade deintrodução do juízo de constitucionalidadede políticas públicas no Brasil atualmente éremotas104.

Segundo L. Lopes, os direitos sociais(saúde e educação pública, segurança,previdência social) não são fruíveis ouexeqüíveis individualmente, o que não querdizer que juridicamente não possam, emdeterminadas circunstâncias, ser exigidoscomo se exigem judicialmente outros direitossubjetivos. De regra, os serviços sociaisdependem, para sua eficácia, de atuação doExecutivo e do Legislativo por terem ocaráter de generalidade e publicidade. Umasolução do problema para o autor é apossibilidade da contestação e do controledas leis orçamentárias, por ação direta deinconstitucionalidade (por meio do Minis-tério Público, art. 102, I, CF), toda vez quecontrariarem dispositivos constitucionais105.

Um orçamento público, quando nãoatende aos preceitos da Constituição, podee deve ser corrigido mediante alteração do

Revista de Informação Legislativa254

orçamento consecutivo, logicamente coma devida cautela. Em casos individuais,pode ocorrer a condenação do Poder Pú-blico para a prestação de determinado ser-viço público básico, ou o pagamento deserviço privado (exemplo: reembolso dasdespesas de atendimento em hospital par-ticular)106.

Com Perez, não podemos admitir é queos direitos fundamentais tornem-se, pelainércia do legislador, ou pela insuficiênciamomentânea ou crônica de fundos esta-tais,

“substrato de sonho, letra morta,pretensão perenemente irrealizada(...). Seria possível então, na base dosistema jurídico-constitucional brasi-leiro, o Poder Judiciário coibir aadministração pública a realizar umapolítica pública ou fazer, no casoconcreto, observar uma norma pro-gramática? Ou, mais concretamente,podem os Tribunais compelir umgoverno a executar programas deerradicação da miséria (art. 3º, III,CF)?”107

Para tanto, parece ser necessária uma“mescla do nosso sistema legalis-ta com ingredientes do juízo dis-cricionário da eqüidade, paratransformar o Terceiro Poder emgrande instrumento de evoluçãofrente às disposições constitucio-nais programáticas”108.

Por fim, ousamos afirmar que o sistemajurídico brasileiro já está desenvolvendouma nova visão do princípio da separaçãodos poderes, ainda que uma boa parte dosseus operadores ainda não se deram contadesse fato.

O ponto central dessa mudança é acrescente utilização da ação civil pública(Lei nº 7.347/85) por parte do MinistérioPúblico e da sociedade civil para defesa doschamados direitos difusos, que são tambémligados à implementação dos direitossociais pelo Estado, direitos básicos estesque compõem o arcabouço da cidadania109.

Nessa linha, B. de Morais vê a garantia depadrões mínimos de serviços sociaisbásicos como uma questão da realizaçãodos interesses transindividuais (difusos)110.

Segundo o entendimento prevalecentena Alemanha, os órgãos administrativostêm a função de defender (sempre) o inte-resse público, por meio da prestação de ser-viços e a implementação de políticas pú-blicas, o que habitualmente é chamado de“cumprimento de tarefas públicas” (öffen-tliche Aufgabenerfüllung); isso inclui tam-bém as áreas da proteção ambiental, daproteção do consumidor, das crianças eadolescentes, dos serviços de saúde, edu-cação, etc.

O simples fato de que o sistemabrasileiro distingue entre interesses públi-cos (comuns) e interesses difusos (específi-cos), que são até capazes de entrar em cho-que entre si111, mostra que existe aqui umacerta “desconfiança” do próprio sistemacontra a retidão e eficiência dos órgãos ad-ministrativos na prestação dos serviçospúblicos, cuja qualidade pode ser questio-nada em juízo.

A existência da lei da ação civil públicaleva necessariamente a uma maior compe-tência ao lado do Poder Judiciário nocontrole das políticas públicas. Muitasmedidas, que na Alemanha estariamcobertas pela discricionariedade adminis-trativa e portanto não-sindicáveis, no Bra-sil podem ser controladas pelos tribunais,por se tratar de questões envolvidas com“interesses difusos” da sociedade112.

10. Normas programáticas sobredireitos sociais: mero “simbolismo”?

Com efeito, pergunta Bobbio se umdireito ainda pode ser chamado de“direito” quando o seu reconhecimento esua efetiva proteção são adiados sine die,além de confiados à vontade de sujeitoscuja obrigação de executar um “progra-ma” é apenas uma obrigação moral ou, nomáximo, política113. A Constituição, no di-zer de Hesse, não configura apenas expres-

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 255

são de um ser, mas também de um deverser; ela significa mais do que o simples re-flexo das condições fáticas de sua vigên-cia, particularmente as forças sociais e po-líticas, procurando imprimir ordem e con-formação à realidade política e social114.

Limitar normas constitucionais a ex-pressar a realidade de fato seria a sua ne-gação. Mas o direito tem seus próprios li-mites e por isso não deve normatizar oinalcançável; ele se forma com elementoscolhidos na realidade que precisam de res-sonância no sentimento social. O equilí-brio entre esses dois extremos é que con-duz a um ordenamento jurídico eficaz115.Na Alemanha, como no Brasil, reconhece-se que promessas constitucionais exagera-das mediante direitos fundamentais soci-ais sem a possibilidade real da sua reali-zação são capazes de levar a uma “frus-tração constitucional”, o que desacreditaa própria instituição da Constituiçãocomo sistema de normas legais vigentes epode abalar a confiança dos cidadãos naordem jurídica como um todo116.

Segundo a classificação famosa de KarlLöwenstein, a Carta brasileira representariauma constituição nominal, cujas normasainda não estão sendo acompanhadas porparte do processo político dinâmico. Noentanto, a desarmonia entre a pretensãojurídico-constitucional e as condições sócio-econômicas existentes pode ser sanada nodecorrer do tempo por meio do processoesperado de maturação e desenvolvi-mento117. Segundo essa visão, promessasexageradas em normas constitucionais decunho social significam, acima de tudo,um estímulo para os detentores do poderpara a sua realização e uma fonte de espe-rança para os formalmente beneficiados118.

Essa visão está sendo rechaçada por M.Neves, que afirma que muitas normasconstitucionais programáticas sobre direi-tos sociais, por não possuírem um mínimode condições para sua efetivação, servemcomo álibi para criar a imagem de um Es-tado que responde normativamente aosproblemas reais da sociedade, desempe-

nhando, assim, uma função preponderan-temente ideológica em constituir uma for-ma de manipulação ou de ilusão que imu-niza o sistema político contra outras alter-nativas119. Para E. Grau, os direitos econô-micos e sociais programáticos são capazesde funcionar como

“anteparo às expansões da sociedade,amortecida naquilo que seria expres-são de sua ânsia de buscar a realizaçãode aspirações econômicas e sociais”,

criando, assim, “mitos modernos para opovo” e assumindo o papel de “instru-mentos de dominação ideológica”120.

Sem querer denegar a procedênciadesses pontos de vista, queremos ressal-tar que os direitos fundamentais sociaisprogramáticos da Carta de 1988 exercemum importante papel, cumprindo, ao ladode sua função jurídico-normativa, umafunção sugestiva, apelativa, educativa econscientizadora121. Em muitos dispositi-vos, há uma exacerbação intencional dopreceito normativo além do limite da suaexeqüibilidade racionalmente possível122.

Sua supressão do texto constitucionalenfraqueceria a posição dos integrantes dasociedade civil organizada na reivindicaçãodesses direitos junto aos governos federal,estaduais e municipais. Nessa mesmalinha, J. A. da Silva vê a relevância dasnormas programáticas no sentido teleoló-gico de modo que apontam para fins futurose servem de pauta de valores para movi-mentos que as queiram ver aplicadas ecumpridas123. Uma concepção material deConstituição dá valor também aos efeitospolíticos e culturais da Carta medianteinclusão de princípios programáticos quenecess i tam de uma concret izaçãoposterior.

Dessa forma, a Constituição deixa deservir somente como ordem jurídica deprocedimento para o poder estatal, masassume também a função de um documen-to para a integração da comunidade paraa formação de consciência política124.

Para Häberle, a Constituição de umEstado é não somente texto jurídico ou

Revista de Informação Legislativa256

regulamento normativo, mas tambémexpressão do desenvolvimento cultural deum Estado, meio de auto-afirmaçãocultural de um povo e fundamento desuas esperanças125.

No entanto, é importante que aqueles queaceitam e até apreciam um certo conteúdoutópico de um texto constitucional não seesqueçam de que o seu “poder de integra-ção” (R. Smend) depende decisivamente dasua realização e concretização na vidadiária, o que pressupõe um mínimo deexeqüibilidade jurídica.

11. ConclusãoA doutrina e jurisprudência constitu-

cional brasileira encontra-se numa fase detransição entre um tratamento tradicionallógico-formal das normas sobre direitosfundamentais e a aplicação de métodosmodernos de uma interpretação material-valorativa.

Uma década depois do estabelecimen-to formal dos catálogos monumentais dedireitos fundamentais na Carta de 1988,essas normas ainda não lograram causaros efeitos desejados na realidade jurídicado país, sobretudo na área dos direitos so-ciais.

A doutrina jurídica brasileira, nopassado, sempre foi aberta a discutir mo-delos e propostas provindas do exterior.Nesse contexto, a doutrina constitucionalalemã e a jurisprudência da sua CorteConstitucional exercem papel de desta-que. No entanto, as teorias desenvolvidasna Alemanha sobre a interpretação dos di-reitos sociais não podem ser facilmentetransferidas para a realidade brasileirasem as devidas adaptações.

Parte dos operadores jurídicos nãoparece estar devidamente preparada paraaplicar os direitos fundamentais dumamaneira dogmaticamente correta e aindanão se encontra “à altura” do texto cons-titucional complexo. O sistema brasileirodo controle difuso da constitucionalidadede normas e atos leva a uma necessidade

de especialização e conhecimentos pro-fundos em questões filosóficas e sociais.

Na área dos direitos fundamentaissociais, a aplicação progressiva e coe-rente das normas constitucionais depen-de também de uma evolução da éticaprofissional da magistratura e da redu-ção da sua dependência em relação aoPoder Executivo.

Partes da doutrina brasileira modernajá defendem teorias alternativas e inova-doras sobre a função do Judiciário peran-te os graves problemas sociais e as falhasfuncionais dos outros Poderes, especialmenteo Executivo hipertrofiado, no cumprimen-to da ordem jurídica constitucional.

Em face dos problemas sociais candentesde um país periférico como o Brasil, oprincípio tradicional da separação dospoderes deve ser entendido sob parâme-tros e dimensões novas e diferentes dos dasnações centrais ricas. Ainda não foramaproveitadas as potencialidades dos mo-dernos instrumentos processuais do Direi-to brasileiro para a correição judicial dasomissões dos Poderes Executivo e Legislativona área das políticas públicas (ação civilpública, ação de inconstitucionalidade poromissão, mandado de injunção).

Exige-se, cada vez mais, a influência doTerceiro Poder na implementação das polí-ticas sociais e no controle da qualidade dasprestações dos serviços básicos, com ênfaseno novo papel – também político – dos juízescomo criadores ativos das condições sociaisna comunidade que já não combina maiscom as regras tradicionais do formalismo.

Notas

Cf. SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Os direitos fun-damentais sociais na Constituição de 1988. In: O Direi-to Público em Tempos de Crise (Estudos em homenagema Ruy R. Ruschel). P. Alegre : Livraria do Advogado,1999. p. 130.

2 NEVES, Marcelo. Symbolische konstitutiona-lisierung und faktische entkonstitutionalisierung. In:Verfassung und Recht in Übersee (VRÜ), 3. Quartal,Baden-Baden : Nomos Verlag, 1996. S. 314s.

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 257

3 Cf. FIORANELLI JÚNIOR, Adelmo. Desenvolvi-mento e efetividade dos direitos sociais. In: Revista daProcuradoria Geral do Estado de São Paulo. [s.l. : s.n.], jun.1994. p. 24ss.

4 Cf. ALVARENGA, Lúcia B. Freitas de. Direitos hu-manos, dignidade e erradicação da pobreza: uma dimensãohermenêutica para a realização constitucional. [s.l.] :Brasília Jurídica, 1998, p. 29ss.

5 CID, Benito de Castro. Los derechos económicos, so-ciales y culturales. Leon : Universidad de Leon, Secreta-riado de Publicaciones, 1993. p. 87ss.

6 PONTES DE MIRANDA, Francisco C.Comentários à Constituição Federal de 1969. Tomo I.São Paulo : Revista dos Tribunais, 1970. p. 127.

7 Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade dasnormas constitucionais. 3. ed., São Paulo : Malheiros,1998. p. 115.

8 Cf. CID, Benito de C. op. cit. nota 5, p. 168.9 SILVA, José Afonso da. op. cit. nota 7, p. 84.10 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Porto

Alegre : Sérgio Fabris, 1993. p. 39.11 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito

Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo : Malheiros,1998. p. 288., com essa técnica, segundo ele, “oconstituinte não atendeu aos melhores critérios meto-dológicos”.

12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitosfundamentais. Porto Alegre : Livraria do Advogado,1998. p. 199s.

13 BASTOS, Celso Ribeiro. Direitos e garantiasindividuais. In: A Constituição Brasileira de 1988 :Interpretações. Rio de Janeiro : [s.n.], 1988. p. 21ss.

14 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitu-cional. 2. ed. Tomo IV: Direitos Fundamentais. [s.l.]: Ed. Coimbra, 1993. p. 105s., 348ss.

15 ANDRADE, José Carlos Vieira de. A Consti-tuição Portuguesa de 1976. Coimbra : Almedina,1987. p. 141., a propósito, o autor segue “fielmente”a doutrina alemã a respeito.

16 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Consti-tuição Dirigente e Vinculação do Legislador. [s.l.] :Coimbra Editora, 1982. p. 374., BARROSO, LuísRoberto. O direito constitucional e a efetividade dassuas normas, Rio de Janeiro : Renovar, 1996. p. 117s.

17 Cf. CLÈVE, Clemerson Merlin. O problemada legitimação do Poder Judiciário e das decisõesjudiciais no Estado Democrático de Direito. In:Anais do seminário: democracia e justiça: o poderjudiciário na construção do estado de direito. P. Alegre:TJERS, 1998. p. 231. Exemplo: um hospital público re-cusa-se a internar uma pessoa doente, apesar de vagasexistentes, ou não quer fornecer um determinado me-dicamento, por ser considerado caro demais (caso do“coquetel contra AIDS”).

18 LOPES, José Reinaldo de Lima. “O dilema dojudiciário no Estado Social de Direito”. In: FARIA, JoséEduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justi-ça. São Paulo : Malheiros, 1994. p. 125.

19 Os problemas do Serviço Único de Saúde (SUS)têm as suas principais causas na falta de controle ope-racional e abusos por parte dos seus integrantes (ad-ministradores, médicos, hospitais, laboratórios, fabri-cantes de remédios). A má prestação dos serviços pre-ventivos e curativos por parte de muitos municípios eestados não constitui um argumento válido para pôrem dúvida a própria natureza do direito fundamentalà saúde.

20 FREITAS, Juarez. Do princípio da probidade ad-ministrativa e sua máxima efetivação. In: Revistade Direito Administrativo. [s.l. : s.n.] n. 204, 1996.p. 77s.

21 Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação po-pular. 3. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998.p. 89ss.

22 Cf. CLÈVE, Clemerson M. op. cit. nota 17, p. 231.23 Achamos regulamentações semelhantes nas Car-

tas de Portugal (art. 18/1) e da Alemanha (art. 1,III), que “inspiraram” o constituinte nacional.

24 Assim, é inimaginável uma lei que definiria oconceito da liberdade da expressão artística oupolítica, o exercício de uma religião ou o conceito deintimidade, honra ou locomoção. José Afonso da Silvaclassifica esses direitos clássicos como “direitos de efi-cácia contida, porém restringíveis por lei”; enquantoessa lei não é promulgada, eles valem sem restrições.

25 MIRANDA, Jorge. op. cit. nota 14, p. 276ss.26 BARROSO, Luís R. op. cit. nota 16, p. 82s.27 Essas últimas estão sendo subdivididas em

“normas declamatórias de princípios institutos ouorganizativos e de princípios programáticos”; cf.Aplicabilidade das Normas Constitucionais (nota 7),p. 16ss., 65s. Esse sistema representa até hoje omais aceito por parte dos tribunais brasileiros.

28 Vale lembrar que a aplicação dessa teoria da“proibição do retrocesso” levaria a uma proteçãomaior dos direitos fundamentais sociais do que dosde liberdade, em que uma diminuição dos direitosdo indivíduo – para defender interesses públicosurgentes (ex.: segurança) – não é, por si, proibida.

29 SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucionaldos direitos sociais no Brasil. Rio de Janeiro : Forense,1983. p. 63. Ele lamenta que “a omissão reiteradado Estado obriga os indivíduos a descrerem doordenamento jurídico, em face de sua inoperância(...) Sente-se a falta de identidade entre o textonormativo e a realidade vivida pela nação”.

30 Cf. ADEODATO, João Maurício L. Vorstudienzu einer emanzipatorischen legitimationstheorie fürunterentwickelte Länder. In: Rechtstheorie. Berlin:Duncker & Humblot, n. 22, 1991. S. 108 ff., 125.

31 DANTAS, Ivo. O valor da constituição. Rio deJaneiro : Renovar, 1996. p. 68. “Os condiciona-mentos sociais, políticos, lingüísticos e geográficosque configuram cada modelo de sociedade são oindicador que não permitirá que se conclua nosentido de uma passividade da norma constitucional

Revista de Informação Legislativa258

posta, pelo simples fato de que, enquanto, por um lado,esta sofre as influências dos fatores mencionados, poroutro e ao mesmo tempo atua sobre eles, quer paramantê-los, quer para provocar sua modificação”.

32 Este fato se deve também à tradução de váriasobras de constitucionalistas deste país para o portuguêse o espanhol (Konrad Hesse, Peter Häberle, Robert Ale-xy, Ernst-Wolfgang Böckenförde, Otto Bachof, Carl Sch-mitt, Rudolf Smend, entre outros).

33 KAUFMANN, Franz-Xaver. Diskurse überStaatsaufgaben. In : GRIMM, Dieter (Hrsg.).Staatsaufgaben, Baden-Baden : Suhrkamp Verlags-gesellschaft, 1994. S. 28s.

34 Cf. GRIMM, Dieter. Der Wandel der Staatsaufga-ben und die Zukunft der Verfassung. In: GRIMM, D.(Hrsg.). Staatsaufgaben, Baden-Baden : Suhrkamp Ver-lagsgesellschaft, 1994. S. 626s.

35 Isso explica também a desconfiança que muitosautores alemães guardam contra formas extensivas departicipação popular direta (por ex.: plebiscitos). Es-ses instrumentos foram abusados por parte das banca-das dos nacional-socialistas e dos comunistas na Re-pública de Weimar (1919-33) para inviabilizar váriasmedidas do governo democrático; as massas popula-res mal informadas e radicalizadas quase sempre fica-ram do lado dos extremistas.

36 Exceção é o direito da mãe à proteção e assistên-cia por parte da comunidade (art. 6º, IV, LF).

37 DÜRIG, Günter. Grundgesetz, 30. Aufl., München,1993. S. X; SCHOLZ, Rupert. Deutschland in guterWerte-Verfassung?. In: Fikentscher, W. et alii, Wertewan-del – Rechtswandel: Perspektiven auf die gefährdeten Vo-raussetzungen unserer Demokratie, Gräfeling : Resch Ver-lag, 1997. S. 53.

38 BLECKMANN, Albert. Staatsrecht II – AllgemeineGrundrechtslehren. 2.ed. Köln: Carl Heymanns Verlag,1985. S. 179s.; MURSWIEK, Dietrich. “Grundrechte alsTeilhaberechte, soziale Grundrechte, In: Isensee, Josef/Kirchof, Paul (Hrsg.). Handbuch des Staatsrechts derBundesrepublik Deutschland. Band V – Allgemeine Grun-drechtslehren (§ 112), Heidelberg : C. F. Müller Juristis-cher Verlag, 1992, Rnr. 22.

39 SARLET, Ingo W. op. cit. nota 12, p.146s., 298s.40 SARLET, Ingo W. op. cit. nota 1, p. 148s. 151.41 Cf. ABRAMOVICH, Victor, COURTIS, Christian.

Hacia la exigibilidad de los derechos económicos, so-ciales e culturales”. In: Contextos – Revista Critica deDerecho Social. Buenos Aires: Editiones del Puerto, n. 1,1997. p. 12. É essa a linha predominante da doutrinaconstitucional alemã.

42 CANOTILHO, José J. Gomes. Direito Constitucio-nal. 5. ed. Coimbra : Almedina, 1991. p. 526.

43 Em 1994, foi inserido na Lei FundamentalAlemã o Art. 20a, a nova “norma-fim” da “proteçãodos fundamentos naturais da vida” (natürlicheLebensgrundlagen), isto é, a proteção ao meio ambiente.

44 HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechtsder Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg : Verlag C. F.Müller, 20. Aufl. 1995. p. 91 (Rnr. 208).

45 CANOTILHO, J. J. Gomes, MOREIRA, Vital. Fun-damentos da Constituição, [s.l.] : Coimbra Editora, 1991.p. 131.

46 SARLET, Ingo W. op. cit. nota 1, p. 152.47 Segundo a Corte Constitucional, esses direitos

a prestações positivas (Teilhaberechte) “estãosujeitos à reserva do possível no sentido daquiloque o indivíduo, de maneira racional, pode esperarda sociedade”; BVerfGE nº 33, S. 333. Essa teoria im-possibilita exigências acima de um certo limite socialbásico; a Corte recusou a tese de que o Estado seriaobrigado a criar suficientemente vagas nas universi-dades públicas para atender todos os candidatos.

48 BARROSO, Luís R. op. cit. nota 16, p. 111; SAR-LET, Ingo W. op. cit. p.273, 279., com referência a ME-LLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normasconstitucionais sobre justiça social, In: Revista de Direi-to Publico, n. 57–58, 1981. p. 245.

49 A Corte condenou o Estado a verificar apossibilidade de aumentar as vagas nas universi-dades para determinados cursos como conseqüênciado direito fundamental à livre escolha da profissão;cf. BVerfGE nº 40, S. 133 (decisão de 1975).

50 Assim, a Corte determinou o aumento dovalor da “ajuda social“ (Sozialhilfe), valor mínimoque o Estado está obrigado a pagar a cidadãoscarentes; BVerfGE nº 1, S. 161s. (decisão de 1951).

51 Outras decisões nesse sentido: BVerfGE nº 27,S. 63; nº 52, p. 346; nº 82, S. 85. Igualmente decidiuo Supremo Tribunal Administrativo (BVerwGEnº 1, S. 161; nº 5, S. 31); é também posição pacíficana doutrina. Para Robert Alexy, “existe, pelo menos,um Direito Social Fundamental tácito”; cf. Teoriade los Derechos Fundamentales. Madrid : Centro de Estu-dios Constitucionales, 1993. p. 421ss.

52 MURSWIEK, Dietrich, op. cit. Rnr. 98s.53 TORRES, Ricardo Lôbo (org.). A cidadania

multidimensional na era dos direitos. Teoria dosDireitos Fundamentais. Rio de Janeiro : Renovar, 1999.p. 262. Todavia, não conseguimos vislumbrarnenhuma “larga tradição desse conceito no direitobrasileiro“, de que fala o autor.

54 Assim a maior e mais citada obra sobre a LeiFundamental, os “Comentários“ de TheodorMaunz, Günter Dürig, Roman Herzog e RupertScholz. (Grundgesetz-Kommentar, München : VerlagC.H.Beck, 1998).

55 Para ele, a retórica do mínimo existencial nãominimiza os direitos sociais, mas os fortalece na suadimensão essencial como expressão de uma “cidada-nia reivindicatória”; cf. op. cit. (nota 52), p. 263s.

56 TORRES, Ricardo Lôbo, op. cit. nota 52, p. 282s.57 Op. cit. (nota 52), p. 283ss. Não procede a acusa-

ção do “ideologismo” contra os defensores de uma in-terpretação progressiva dos direitos sociais expressa-mente consagrados no texto constitucional.

58 BARROSO, Luís R. op. cit. nota 16, p. 155s.59 SARLET, Ingo W. op. cit. nota 12, p. 298, 317ss.

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 259

60 MURSWIEK, Dietrich. op. cit. Rnr. 37ss.61 A teoria da “constituição dirigente” teve ampla

aceitação no Brasil e influenciou fortemente o constitu-cionalismo brasileiro e a última Assembléia NacionalConstituinte; cf. BARROSO, Luís R., Dez anos da Cons-tituição de 1988. In: SARLET, Ingo W. (org.). O DireitoPúblico em Tempos de Crise (Estudos em homenagem aRuy R. Ruschel), Porto Alegre : Livraria do Advogado,1999. p. 196.

62 CANOTILHO, José J. Gomes. Rever ou rompercom a Constituição Dirigente? : Defesa de um constitu-cionalismo moralmente reflexivo. In: Revista dos Tribu-nais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Polí-tica, São Paulo, n. 15. 1998. p. 8ss.

63 Cf. a obra recente do autor Direito Constitucional eTeoria da Constituição, Coimbra : Livraria Almedina,1998. p. 201ss.

64 Cf. “Rever ou romper com a constituiçãodirigente?” (nota 61), p. 15ss.: “Certas formas de eficá-cia reflexiva ou direção indireta – subsidiariedade,neocorporativismo, delegação – podem apontar para odesenvolvimento de instrumentos cooperativos que,reforçando a eficácia, recuperem as dimensões justasdo princípio da responsabilidade apoiando e encora-jando a dinâmica da sociedade civil. (...) A lei dirigentecede o lugar ao contrato, o espaço nacional alarga-se àtransnacionalização e globalização, mas o ânimo demudanças aí está de novo nos quatro contratos globais(o contrato para as necessidades globais, o contratocultural, o contrato democrático e o contrato do plane-ta Terra)”.

65 TORRES, Ricardo Lôbo. op. cit. nota 52, p. 291.No mesmo sentido: MOREIRA NETO, Diogo de Figuei-redo. Desafios institucionais brasileiros, In: MARTINS,Ives Gandra da Silva (org.). Desafios do Século XXI. SãoPaulo : Ed. Pioneira, p. 194ss.

66 BERCOVICI, Gilberto. A problemática da consti-tuição dirigente: algumas considerações sobre o casobrasileiro. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília :Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. nº142, 1999, p. 40.

67 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcibiades de. fala deum “desafio hermenêutico”, cf. Os dez anos da Consti-tuição Federal: o Poder Judiciário e a construção dademocracia no Brasil. In: Anais do Seminário: Democra-cia e Justiça – O Poder Judiciário na Construção do Estadode Direito. P. Alegre : TJERS 1998. p. 93.

68 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Liçõesde Filosofia do Direito. São Paulo : Ed. Ícone, 1995. p.146, 221.

69 FARIA, José Eduardo. (org.). O Judiciário e o de-senvolvimento sócio-econômico. In: Direitos Humanos,Direitos Sociais e Justiça. São Paulo : Malheiros, 1998. p.12, 24.

70 FARIA, José Eduardo.(org.). As transformaçõesdo Judiciário em face de suas responsabilidades so-ciais. In: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, SãoPaulo : Malheiros, 1998. p. 60s.

71 Essa experiência fizemos como professor damatéria “Direitos Fundamentais” nos Cursos de Espe-cialização em Direito da UFAL e da UFPE, de 1996 a1999 (somando mais do que 400 alunos).

72 FARIA, José Eduardo. op. cit. nota 69, p. 62.73 STRECK, Lênio. O controle externo, súmulas vin-

culantes e reforma do Judiciário como condição deDemocracia. In: Anais do seminário: democracia e justiça –O Poder Judiciário na construção do Estado de Direito. P.Alegre : TJERS, 1998. p.174.

74 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. PoderJudiciário: do moderno ao contemporâneo. P. Alegre :Sérgio Fabris, 1998. p. 145s., 169.

75 APOSTOLOVA, Bistra S. op. cit. nota 72, p.182s.; a autora se vale das lições de José EduardoFaria e do autor português Boaventura de SouzaSantos.

76 Cf. ALVARENGA, Lúcia B. Freitas de. op.cit. nota 4, p. 87.

77 FARIA, José Eduardo. op. cit. nota 68, p. 19.78 FARIA, José Eduardo. (org.) O Judiciário e os

direitos humanos e sociais: notas para umaavaliação da justiça brasileira”, In: DireitosHumanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo :Malheiros, 1998. p. 111.

79 FARIA, José Eduardo. op. cit. nota 69, p.56, 65.

80 Cf. Aplicabilidade das Normas Constitucionais.op. cit. p. 139, 143s., 157.

81 Veja a distinção de BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre Derechos Fundamentales. Baden-Baden : Nomos Verlag, 1993. S. 47ss.

82 Exemplos são a “Lei de Plenos Poderes”(Erächtigungsgesetz), de 23.3.1933, e as medidaslegais discriminatórias contra cidadãos judeus.

83 Um bom resumo da problemática apresentaAZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática ehermenêutica jurídica. P. Alegre : Sérgio Fabris, 1989.p. 63ss.

84 Cf. ADOMEIT, Klaus. Rechts- und Staatsphiloso-phie – Band II; Rechtsdenker der Neuzeit, Heidelberg : C. F.Müller Verlag, 1995. S. 150ff.

85 Sobre a “recepção” do AI 5 pelo sistema jurídiconacional: AZEVEDO, Plauto F. de. Crítica à Dogmática eHermenêutica Jurídica (nota 81). p. 40ss.

86 Plauto F. de AZEVEDO afirma que Kelsen, naAmérica Latina, foi “freqüentemente mal lido”, comênfase exagerada nos aspectos formais-metodológicospuristas de sua teoria, que levaram à possibilidade daaceitação científica de regimes ditatoriais como “or-dens jurídicas legítimas”; cf. ob. cit. (nota 81), p. 52. Opróprio Kelsen, que foi obrigado a exilar-se nos EUA,depois da II Guerra foi acusado de ter ajudado – indi-retamente – na construção do regime autoritário naAlemanha, por sempre ter pregado a separação rígidaentre a lei positivada e os aspectos materiais-valorati-vos de justiça.

87 SILVA, José Afonso da. op. cit. nota 7, p. 92, 128.88 Cf. SARLET, Ingo W. op. cit. nota 12, p. 274, 286, 325.

Revista de Informação Legislativa260

89 MIRANDA, Jorge. op. cit. nota 14, p. 105s., 348ss.90 FARIA, José Eduardo. op. cit. nota 68. p. 19s.91 MENDES, Gilmar Ferreira. O Apelo ao Legislador –

Appellentscheidung – na Praxis da Corte Constitucional Fe-deral Alemã. In: Revista de Direito Administrativo. n. 188, 1992,p. 36ss.

92 Uma exceção recente está em InfSTF 106, ADInMC1.753-53, Rel. Sepúlveda Pertence, de 16.4.98.

93 Veja a respeito: MELO, Maria da Graça Gurgel de A.A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e o mandado deinjunção: leituras marginais de um Discurso. Recife, UFPE:Dissertação de Mestrado, maio 1999.

94 Cf. SANTOS, Ana de Fátima Queiroz de Siqueira.Ação Civil Pública: função, deformação, e caminhos para umajurisdição de resultados. Recife: Dissertação de Mestrado,UFPE, 1999.

95 ISENSEE, Josef. Grundrechtsvoraussetzungen undVerfassungserwartungen. In: J. Isensee/ Paul Kirchof (Hrsg.).Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland.Band V – Allgemeine Grundrechtslehren (§ 115), Heidel-berg : C. F. Müller Verlag, 1992. Rnr. 172f.

96 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? (nota 10),p. 41s. Segundo ele, “na Europa continental nos últimosdois séculos, o ideal de uma rígida separação dos poderes,ao invés de recíprocos controles e contrapesos, teve comoconseqüência um Judiciário perigosamente débil e confi-nado aos conflitos privados, o que levou à existência dePoderes Legislativo e Executivo praticamente não con-trolados, até a criação de sistemas de justiça adminis-trativa”. (p. 53)

97 CAPPELLETTI, Mauro. op. cit. nota 94, p. 67, 74ss.98 SANTOS, Boaventura de Souza. apud Apostolova,

Bistra S., Poder Judiciário... (nota 72), p. 39.99 STRECK, Lênio. O controle externo, súmulas vincu-

lantes e reforma do Judiciário como condição de democra-cia (nota 71). p. 178-186; PEREZ, Marcos Augusto. O papeldo Poder Judiciário na efetividade dos Direitos Fundamen-tais. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucio-nal e Ciência Política, n. 11, 1995, p. 241ss.

100 CLÈVE, Clemerson M. op. cit. nota 16, p. 237s.101 Cf. BERCOVICI, Gilberto. A problemática da consti-

tuição dirigente... (nota 65), p. 36s.102 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do

Judiciário: um enquadramento teórico. In: FARIA, José E.(org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo :Malheiros, 1998. p. 47s.

103 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízode constitucionalidade de políticas públicas. In: Mello, Cel-so Antônio Bandeira de (org.). Direito Administrativo e Cons-titucional – Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba, São Pau-lo : Malheiros, 1997. p. 351s.

104 COMPARATO, Fábio K. op. cit. nota 103, p. 355s.105 LOPES, José Reinaldo Lima. Direito subjetivo e di-

reitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado SocialdeDireito. In: Faria, José E. (org.). Direitos Humanos, DireitosSociais e Justiça. São Paulo : Malheiros, 1998. p. 125ss., 133s.

106 BARROSO, Luís R. O Direito constitucional e a efetivi-dade de suas normas (nota 16), p. 150s.

107 PEREZ, Marcos A. O Papel do Poder Judiciáriona Efetividade dos Direitos Fundamentais. (nota 97), p.242s., 245.

108 CAPPELLETTI, Mauro. apud PEREZ, Marcos A. op.cit. (nota 97), p. 245.

109 SANTOS, Ana de F. Q. de Siqueira. Ação civil pública:deformação..., (nota 94), p. 122.

110 MORAIS, José L. Bolzan de. Do direito social aos inte-resses transindividuais, P. Alegre : Livraria do Advogado, 1996.p. 184s.

111 Sobre a dificuldade da ponderação entre esses inte-resses: SANTOS, Ana de F. Q. de Siqueira. Ação civil pública:deformações... (nota 94), p. 170ss.

112 Cf. KRELL. Andreas, Concretização do dano ambi-ental – algumas objeções à teoria do risco integral. In: Revis-ta de Informação Legislativa, n. 139, Brasília : Subsecretaria deEdições Técnicas, Senado Federal, 1998. p. 32ss.

113 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Ja-neiro : Ed. Campus, 1992. p. 78.

114 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. P.Alegre : Sérgio Fabris, 1991. p. 15.

115 BARROSO, Luís R. op. cit. nota 16, p. 47.116 SARAIVA, Paulo Lopo. op. cit. nota 28, p. 63ss.117 BARROSO, Luís R. op. cit. nota 16, p. 63.118 LÖWENSTEIN, Karl. Verfassungslehre. Tübingen, 3.

Aufl., 1975. S. 345.119 NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica. São

Paulo : Ed. Acadêmica, 1994. p. 37ss., 49ss, 92.120 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constitui-

ção de 1988. 3. ed., São Paulo : Ed. Malheiros, 1997. p. 25s.121 Cf. Staatszielbestimmungen – Gesetzgebungs-aufträge,

Bericht der Sachverständigenkommission, Bonn : Deuts-cher Bundestag, 1983. S. 35ff.

122 JAGUARIBE, Hélio et alii. A aplicabilidade da novaConstituição. In: Revista de Ciência Política. [s.l.] : (FGV), n. 4,1989. p. 3ss.

123 Aplicabilidade das Normas Constitucionais (nota7), p. 149.

124 BOTHE, Michael (Hrsg.). Umweltschutz und Ver-fassungsrecht in Brasilien. In: Umweltrecht in Deutschlandund Brasilien. Frankfurt/Main : Verlag Peter Lang, 1990.S. 101.

125 Cf. HÄBERLE, Peter. op. cit. nota 114, S. 36.