Recensão Crítica - Políticas Educativas e Violência Em Meio Escolar

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Recensão Crítica__________________________________________________Psicologia Comunitária

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Universidade da Beira Interior

Mestrado em Educação Social e Comunitária

Recensão Crítica Políticas Educativas e a Violência em meio Escolar

Psicologia e Desenvolvimento Comunitário Autor - Steven Casteleiro

Orientação: Professora Doutora Catarina Tomás

Recensão Crítica

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Referências Bibliográficas

Sebastião, J., Alves, G. M. e Campos, J. (2003). Violência na Escola: das Políticas aos

Quotidianos. Sociologia, Problemas e Práticas, nº 41. pp. 37-61.

Correia, J. A. e Matos, M. (2001). Da Crise da Escola ao Escolocentrismo in Transnacionalização da Educação – Da Crise da Educação à “Educação” da Crise. S Stoer, R. S., Cortesão, L. e Correia, A. J. Vol. 6. Porto. Edições Afrontamento. pp 91- 117. Palavras-chave Actores Escolares, Violência na Escola, Violência e Poder, Indisciplina, Bullying, Educação, Políticas Educativas. Alunização, Educação, Escolarização, Escolocentrismo, Projecto, Disciplina, Indisciplina, Incompetência, Reprofissionalização, Estado – Providência, Globalização Económica, Sistema Educativo.

Os dois textos utilizados nesta ficha analítica estão inseridos na área da sociologia

da educação e das políticas educativas.

O texto de Sebastião et al. (2003) pretende clarificar o conceito de violência na

escola, desmontando as diferentes concepções que surgem associadas a essa ideia. A

violência na escola tornou-se mais visível na sociedade portuguesa nos anos mais

recentes devido à sua exploração, quer na perspectiva da comunicação social, quer na

perspectiva da especulação eleitoral por parte dos partidos políticos. A interpretação feita

através do senso comum levou a que o problema analisado se tornasse mais obscuro,

passando-se de uma situação em que raramente era referida a noção de violência e

poucas vezes era abordada a questão da indisciplina, para outro quadro em que se passa

a utilizar a expressão de forma indistinta e generalizada. Este acontecimento gerou um

conjunto de equívocos que são desmontados ao longo do texto e permitiu ainda o

surgimento de pontos de convergência fruto da investigação feita em Portugal sobre o

problema. Os autores analisaram diferentes tipos de documentos oficiais e estatísticas e

constatam a não clarificação do conceito ou a sua não utilização sendo substituído

frequentemente por outros termos com sentido que se crê, sejam semelhantes.

A associação que é feita, a partir do senso comum, entre violência escolar e meio

socialmente desfavorecido que envolve a escola, orientou a pesquisa efectuada para um

estudo de caso, através da recolha de dados numa escola no centro de Lisboa,

caracterizada pela ausência de traços multiculturais vincados na população escolar e pelo

afastamento de bairros sociais problemáticos. Foram entrevistados professores, alunos e

pais, efectuando-se também a caracterização do espaço físico da escola.

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O texto relativo a Correia et al (2001) parte do modelo escolar implementado em

Portugal desde a década de setenta - que reflecte necessariamente a forma de pensar a

educação desse período, até às mudanças operadas no campo educativo no início do

novo milénio.

O intenso processo de desgaste a que a escola foi sujeita com o novo milénio leva

a que o enfoque do texto se centre no renovado modelo escolar que se pretende adoptar.

O novo modelo organizacional da escola é o do Mundo dos Projectos, segundo a reforma

e inovação implementada no sistema educativo.

A globalização da economia gerou uma crise nos Estados – Nação. A escola foi

invadida pelos problemas sociais levando a que a definição de educação se tornasse mais

frágil.

Perante a vastidão dos problemas sociais surgidos, a escola teve que definir

inúmeras áreas de intervenção. A missão da escola transforma-se; para além de lidar com

as tarefas tradicionais lida com novas tarefas. A escola centraliza-se e deve lidar com a

desagregação social mas também com o mercado das novas oportunidades. A escola

como símbolo de distinção social e cognitiva dilui-se e as figuras que fazem parte do

campo educativo – alunos, professores e pais - tornam-se instáveis. A missão da escola

torna-se mais vasta com maior tendência para a dispersão de medidas a adoptar.

O segundo texto analisado agudiza os paradoxos existentes no sistema educativo

como é o caso da actuação do Estado que intervém de forma excessiva através de

medidas como a produção de Leis mas também intervém de forma deficitária no que

respeita à protecção simbólica dos agentes educativos.

A realidade vivenciada pelos diferentes actores envolvidos na área da educação é

dissecada e permite traçar um quadro de fracasso da escolarização. Este facto deve-se ao

descrédito no sistema educativo que se vive na sociedade portuguesa mas também à

emergência de conflitos e à desqualificação dos diferentes intervenientes no campo

educativo.

Sebastião et al (2003) procurou estudar o fenómeno da violência escolar do ponto

de vista da pesquisa conceptual, análise das políticas educativas e também ao nível da

dimensão relacional.

As concepções do senso comum levaram a que se encarassem acontecimentos de

diferente gravidade de forma semelhante, levando ao aparecimento de alguns equívocos.

Segundo Sebastião (2003: 38) “tudo passou a ser violência, da agressão física ao colega

até ao risco no carro do professor. Este tipo de utilização gerou um conjunto de equívocos,

alguns dos quais se estenderam ao campo das ciências da educação.” O autor desmonta

alguns desses equívocos. Efectua-se com frequência a associação entre personalidade

violenta e comportamento desviante mas segundo o autor a violência é estrutural da

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sociedade industrializada ocidental e manifesta-se de maneira variada. Por outro lado a

violência não corresponde a um fenómeno recente tendo existido no passado, por vezes

de forma escondida e até socialmente admitida. Ambos os textos defendem que a difusão

dos fenómenos de violência escolar tem origem na massificação do ensino em Portugal

que coincidiu com a democracia política. Este facto originou um contexto escolar mais

conflitual à medida que o acesso a níveis de escolaridade mais elevados passou a estar

disponível a grupos tradicionalmente mais afastados por razões económicas e sociais.

Correia e Matos (2001: 102) referem que a “disciplina/ indisciplina é claramente um

fenómeno psico - social e cultural complexo, irredutível à sua dimensão psicológica, isto é,

irredutível a uma expressão comportamental referível a traços de personalidade ou a

perturbações de ordem psicológica que se traduzam, episodicamente, em factos

anómalos.”

Outro erro que surge na análise deste problema social é a naturalização das

situações de violência associando-a a meios sociais mais desfavorecidos. Os sentimentos

de insegurança podem ser mais frequentes em meios pobres mas não é forçoso que os

alunos destes meios sejam mais violentos. Esta perspectiva faz com que a escola não seja

eficaz na resolução do problema pois é visto como algo de inevitável. Se por um lado

existem pontos de convergência na investigação sobre violência na escola - é o caso da

associação entre violência e poder, indisciplina dentro da sala de aula, o reconhecimento

de fenómenos de Bullying1 principalmente no espaço do recreio no exterior dos edifícios

escolares –por outro as soluções assentam em diferentes medidas políticas.

O insucesso escolar pode por sua vez, ser responsável por fenómenos de violência

quando os alunos são incapazes de lidar com a frustração que resulta do não sucesso no

seu percurso escolar.

O Insucesso escolar e as elevadas taxas de abandono escolar no final do terceiro

ciclo constituem um problema que coloca Portugal numa posição desfavorável perante os

restantes países europeus. Estas estatísticas levaram a que as políticas educativas mais

recentes se orientassem para a alteração destes resultados negativos que colocam o país

próximo dos países semi-periféricos quanto a esta problemática.

_________________________ 1 Conceito utilizado nos países do Norte da Europa. Até há pouco tempo não era utilizado em França,

Alemanha e na Grécia. Em Portugal, Almeida (1999) sugere a tradução para “ abusar dos colegas” ou

“vitimizar” ou “ intimidar” ou “violência na escola”.

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No início deste ano lectivo assistiu-se à multiplicação da oferta educativa através

dos Cursos Profissionais, dos Cursos de Educação e Formação (CEF) para alunos do

ensino básico e secundário, à alteração do sistema de faltas dos alunos do ensino básico

contemplado no novo estatuto do aluno do ensino não superior e à alteração dos critérios

de avaliação das disciplinas específicas no ensino secundário por imposição do Ministério

da Educação, para citar apenas algumas medidas.

A violência escolar pode ser prevenida através da promoção de competências

sociais e da formação cívica dos alunos. Segundo os autores do primeiro texto esta

actuação representa uma abordagem pedagógica no combate através da prevenção, a

partir do seio escolar, dos fenómenos associados à violência.

As fontes de agressão podem ser, no entanto, externas à escola. Assim, a

abordagem ao problema passa a ser feita do ponto de vista policial através do programa

Escola Segura, criado em 1992, através de um protocolo entre o Ministério da Educação e

o Ministério da Administração Interna, cuja intervenção inicialmente se prendia a zonas

problemáticas, tendo sido posteriormente estendido a outras escolas do país. Este projecto

faz parte do que Sebastião et al (2003) apelida de “cidadania policiada”, surgindo uma

escola como um espaço munido de grades, com guardas e cartões de identificação. Este

cenário remete-nos para o conceito de escolocentrismo, abordado no segundo texto, a

propósito da redefinição da escola e do seu espaço educativo, reduzido ao espaço escolar.

Os professores, actores imprescindíveis no campo educativo vêem o seu papel

educativo alterado. A desorganização das escolas perante a profusão dos problemas

existentes e das correspondentes medidas governamentais implementadas, levam à perda

da autoridade docente. Sebastião et al (2003: 39) refere que “a transição de um modelo de

escola de elites para um de massas trouxe consigo alterações no papel e estatuto dos

professores. A defesa da democratização do acesso à escolarização foi acompanhada por

movimentos que defendiam processos educativos menos autoritários, em que a

participação dos alunos passou a ser incentivada. “ Este novo papel do aluno leva ao culto

do cumprimento do dever, tentando-se integrar as tarefas escolares como a realização dos

trabalhos de casa, na parte mais lúdica como em ATL.

Correia e Matos (2001) defendem que os jovens não podem ser encarados apenas

como alunos pois é neste ponto que residem os problemas da escola. Segundo os autores

a alunização das crianças e jovens leva à definição de um vasto leque de objectivos que

agudizam ainda mais os problemas em vez de os resolverem.

No segundo texto analisado o papel do actual professor, no presente cenário de

intensas transformações sociais é amplamente discutido. Os professores constituem uma

classe desiludida e consciente da mudança que se impõe nas suas funções. A expressão

muitas vezes utilizada pelos docentes “saber lidar” com os alunos é questionada, pois

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constitui uma expressão ambivalente, levando a uma frustração profissional quando os

alunos não correspondem à expectativa criada.

A reforma educativa remeteu o exercício profissional para o domínio da

marginalidade ou para uma postura administrativa e tecnocrata resultante da conciliação

entre tarefas tradicionais e novas funções. O conceito de escola Projecto como nova lógica

organizacional do espaço educativo fragiliza ainda mais o papel dos docentes. A profissão

é vista publicamente de forma antagónica com as novas tarefas e funções a ela associada.

Surge um desfasamento entre as contribuições profissionais e as retribuições profissionais.

Esta situação de desequilíbrio é atribuída ao estado que intervém através da legislação

que produz no processo educativo de forma intensa mas deficitária a outros níveis como o

é no reconhecimento dos direitos profissionais dos docentes e na protecção simbólica dos

diferentes agentes educativos.

Nos dois textos analisados, as causas apontadas para os problemas escolares são

causas sociais e exteriores è escola. Assume-se a situação de conflituosidade reinante nas

escolas portuguesas, resultante das mudanças sociais que se repercutiram no seio

escolar. A manutenção de métodos tradicionais, em termos organizacionais e

pedagógicos, típicos de um ensino de elites não é mais compatível com a realidade actual

onde os fenómenos de violência existem apesar de heterogéneos na sua origem e na

forma como se manifestam.

Os textos têm visões semelhantes ao reconhecerem que a disciplina e a indisciplina

são dois lados da mesma moeda, resultantes da massificação escolar.

No texto de Sebastião et al (2003) é apresentada uma pesquisa efectuada de forma

localizada, numa escola do centro da capital não estigmatizada onde os fenómenos de

violência também estão presentes. Esta realidade vem demonstrar a noção errada, de que

a proximidade de bairros degradados à escola, pode explicar a ocorrência de situações de

indisciplina ou violência e que existem outras causas, dentro da própria escola

potenciadoras de situações de conflito. Este tipo de violência é encarado, no entanto,

como sendo mais ligeira e portanto menos grave.

Os fracassos produzidos pela escola devem-se ao descrédito do sistema educativo

português, assim como à emergência do conflito, bem como à crescente desqualificação

dos diferentes intervenientes no campo educativo. A escolarização tardia da população

portuguesa fruto do desenvolvimento social desigual também ajuda a compreender parte

dos problemas associados ao meio escolar.

A problemática da violência na escola é complexa e os estudos existentes são

essencialmente teóricos e não têm em conta a totalidade das variáveis presentes.

Diferentes abordagens ao problema podem contribuir para uma visão mais completa.

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Os dados vindos a público sobre a problemática da violência são insuficientes e

diferem bastante devido às práticas diferenciadas de escola para escola. Segundo os

dados divulgados este ano pelo Observatório da Segurança Escolar2, nove em cada dez

escolas não reportaram casos de violência escolar no último ano lectivo (2006-2007).

João Sebastião, autor do primeiro texto e coordenador do Observatório refere que

os casos mais frequentemente registados foram os de furto, ofensas à integridade física

/tentativa de agressão e agressão. As principais vítimas destes actos são os alunos,

professores e funcionários, por ordem decrescente.

A ausência de um verdadeiro debate de ideias é outro aspecto focado em ambos

os textos. Esta medida, a ser implementada poderia contribuir para ajustar o campo

conceptual à realidade vivenciada no dia-a-dia pelos diferentes actores no panorama

educativo.

As mudanças provocadas não originaram grandes lutas, manifestações nem

reacções de maior amplitude, fruto da pretensa legitimação das medidas impostas pelo

estado.

Por outro lado as falhas detectadas quanto à forma como são geridas as questões

da violência escolar, no sistema educativo em Portugal, podem constituir uma

oportunidade para uma redefinição das políticas educativas a seguir no futuro.

Steven Casteleiro

______________________ 2 http://www.educare.pt/educare/Actualidade.Noticia.aspx?contentid=3F7B6B16176B3641E04400144F16FAAE&opsel=1&channelid=0

(Consultado dia 23 de Dezembro de 2007)