Receptação Qualificada - ISEPE 2010

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ISEPE Instituto Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA Guaratuba-Pr 2º sem./2010

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A constitucionalidade da qualificadora no crime de receptação? Paga mais quem sabe menos? João Guilherme de Albuquerque Santos, brotherguigo

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ISEPE – Instituto Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão.

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA

Guaratuba-Pr 2º sem./2010

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ELIAS DE SOUZA MACIEL

JOÃO GUILHERME SANTOS

MAÍRA BATTISTELLA

MARINA SILVA

THIAGO LOBO

VALMOR TRENTIN JR.

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA

Trabalho apresentado à disciplina

de Direito Penal IV – Curso de Direito – 5º

Período. ISEPE – Instituto Superior de

Pesquisa e Extensão de Guaratuba.

Professor: Noel Francisco da Silva.

Guaratuba-Pr 2ºsem/2010

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Introdução

O atual ordenamento jurídico brasileiro prevê diversas diretrizes acerca das

penas aplicáveis diante de situações previstas. Além disso, traz um mecanismo de

dosimetria da pena que deve ser usado a fim de personalizar as penas, visando à

individualização dos julgamentos. Para tanto, uma das figuras fundamentais de

dosimetria é a Qualificadora. Uma causa qualificadora indica que além da ilicitude do

ato típico, este trás elementos que o qualificam como mais grave do que o crime em

si, quando praticado em sua forma padrão.

Integra o rol de crimes a Receptação, e este pode ser qualificado. Eis o

ponto que nos vem à baila. Analisaremos nas seguintes páginas os aspectos

diversos e as nuances do tipo penal, trazendo a tona todas as suas modalidades,

formas e condutas.

Lançamos mão de diversos meios de pesquisa, podendo ser citados a

pesquisa à lei seca, bem como na doutrina, na jurisprudência e no próprio costume,

as fontes do direito.

Ao longo do trabalho de pesquisa, identificamos a necessidade de ampliar

nosso foco, trazendo informações paralelas para podermos criar um caminho de

raciocínio lógico e objetivo.

As próximas páginas trazem uma explicação conceituada do que é a

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA.

Este começa identificando e reportando pequenas definições de todas

as formas de Receptação até chegarmos ao tipo específico de nosso trabalho.

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Desenvolvimento

RECEPTAÇÃO

Art. 180 do CP - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em

proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que

terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

- Receptação culposa (§ 3º): Permanecem puníveis, a título de culpa, as

condutas de quem "adquire" ou "recebe" coisa que” deve presumir-se obtida por

meio criminoso". Aqui o legislador, ao contrário do que normalmente faz (art. 18, II,

do Código Penal), descreve o tipo penal culposo, revelando a imprudência pela

desproporção entre o preço cobrado e o preço de mercado da res, bem como pela

pessoa do vendedor, e, ainda, pela natureza incompatível com a forma de

negociação da coisa. Apenas a aquisição e o recebimento são incriminados à título

de culpa. Não o é (como já não o era) a ocultação, isto porque, como ensina

Damásio de Jesus (Código Penal Anotado, ed. Saraiva), tal conduta revela o dolo.

Também não o são as demais condutas (transportar, conduzir, etc.), porém por mera

política legislativa, já que as mesmas, em tese, admitiriam idêntica descrição

culposa.

- Receptação privilegiada (§ 5º, parte final): Com certeza gerará

controvérsias, a respeito da aplicação do privilégio apenas à receptação simples ou,

também, à receptação qualificada, já que ambas são dolosas e a lei utiliza,

genericamente, a expressão "Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do

art. 155. O legislador deveria ter esclarecido, e não apenas renumerado o parágrafo

(de § 3º, para § 5º), já que criou outra figura de receptação dolosa - a receptação

qualificada - que, antes, não existia. Contudo, a NOSSA POSIÇÃO é a seguinte: o

privilégio da substituição da pena de reclusão pela de detenção, sua redução de um

a dois terços, ou a aplicação exclusiva da pena de multa, quando primário o

criminoso e de pequeno valor a res, só tem cabimento em face de receptação

simples, não se aplicando à receptação qualificada, porque incompatível com a

mens lege, que foi a de agravar a situação daqueles que, em exercício de atividade

comercial ou industrial, trabalham com produto de crime.

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- Receptação de bens públicos (§ 6º): De se notar que houve, apenas,

modificação da escala penal, que era própria (reclusão de um a cinco anos e multa),

passando, agora, a pena a ser a da receptação simples, dobrada (o que dá reclusão

de dois a oito anos e multa).

- Receptação imprópria: O legislador, ao criar as novas condutas da

receptação, o fez apenas para a chamada "receptação própria", esquecendo-se da

"receptação imprópria" (2ª parte, do caput do art. 180). Assim, o crime formal de

receptação imprópria ocorre somente quando há intermediação para que terceiro de

boa-fé "adquira", "receba" ou "oculte" a rés, inexistindo, porém, quando há

intermediação para o "transporte" ou "condução", o que se constitui em incoerente

esquecimento do legislador.

- Receptação qualificada (§ 1º): A qualificadora se dá em razão do

exercício de atividade comercial ou industrial, por parte do sujeito ativo da relação

criminal, relacionada à receptação. Não é necessária a atividade comercial regular,

posto que a ela se equipare qualquer atividade de comércio, ostensiva ou

clandestina, mesmo irregular, ainda que exercida em residência (§ 2º).

Receptação Qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em

depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor a venda, ou

de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no

exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber

ser produto de crime:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do

parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou

clandestino, inclusive o exercido em residência.

Condutas: Além das cinco condutas que caracterizam a receptação simples,

a se distinguirem em razão da atividade, na forma acima vista, o legislador tipifica

outras sete - "ter em depósito", "desmontar", "montar", "remontar", "vender", "expor a

venda", "utilizar" de qualquer forma.

De se notar que o simples uso da res furtiva configura a receptação

qualificada.

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As condutas de "ter em depósito" e "expor a venda" são permanentes, com

suas conseqüências processuais quanto ao estado de flagrância se protraindo no

tempo, capaz de autorizar o ingresso em "casa" alheia (art. 150, § 4º, do Código

Penal) independente de mandado judicial (art. 5º, XI, da Constituição Federal).

Receptação Culposa

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção

entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se

obtida por meio criminoso:

§ 5º - No caso do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em

consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa,

aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.

§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado,

Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia

mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

- As novas condutas: Vieram suprir uma lacuna que deixava impunes as

condutas daqueles que "atravessavam" a res furtiva, do ladrão ao efetivo receptador,

porque inviabilizava ou, pelo menos, dificultava a caracterização do estado de

flagrância de tais condutas. Isto porque, na redação original, as figuras típicas

"adquirir" e "receber" só permitiam estado flagrancial, propriamente dito, se os

agentes fossem presos no momento em que se apossavam da res furtiva. A

tradicional figura "ocultar" pressupõe a dissimulação, o que muitas das vezes não

ocorre, já que a receptação é ostensiva.

- "Transportar" e "conduzir": Com essas novas condutas, está em

flagrante-delito aquele que leva consigo a res furtiva, da mesma forma em que está

aquele que a "adquire", "recebe" ou "oculta". Aí se incluem os motoristas que estão

dirigindo o carro roubado, que estão levando nos caminhões as peças roubadas, etc.

Essas novas condutas abrangem uma grande parcela de receptadores, igualando os

"atravessadores" aos efetivos receptadores.

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- Condutas permanentes: De se notar que as condutas "transportar" e

"conduzir" são permanentes, protraindo-se no tempo o momento consumativo, com

sua conseqüência flagrancial. Enquanto durar o deslocamento da res furtiva está

sendo cometida a infração penal.

Diferenças entre Transportar e Conduzir

Diferenças: "Transportar" significa deslocar de um local de origem para

outro local de destino; "Conduzir" é menos do que "transportar", ao passo em que

basta para sua caracterização, ter o agente a res furtiva, em trânsito, em seu poder.

Se tratar-se de veículo, por exemplo, basta que o agente o esteja dirigindo, sabendo

ser o veículo produto de crime. Esta conduta parece-nos vir sob encomenda para as

famosas "cabras" (veículos roubados ou furtados que alguns policiais, os quais

deveriam formalizar a recuperação e entregá-los aos seus proprietários, utilizam

como se fossem seus).

Elemento subjetivo: É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de

praticar uma das doze condutas da receptação qualificada, para levar vantagem

(proveito próprio ou alheio), no exercício de atividade comercial (própria ou

equiparada) ou industrial, tendo por objeto material coisas que "deve saber ser

produto de crime".

Aqui o legislador não exige o conhecimento da origem do material como

imprescindível ao dolo do receptador, como o faz na receptação simples (coisa que

"sabe ser produto de crime").

Enquanto que, na receptação simples, em razão da exigência do

conhecimento da origem da rés, tem-se entendido que só o dolo direto é capaz de

caracterizá-la (RF, 192:382; RT 486:321, 495:353, 517:362; JTACrimSP, 51:207...),

aqui, na receptação qualificada, tanto faz se o agente obrar com dolo direto como

com dolo eventual, interpretação que nos parece condizente com a expressão " deve

saber ser produto de crime".

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A diferença de tratamento é bem razoável, ao passo em que a receptação

qualificada pressupõe o exercício de atividade comercial ou industrial, sendo

perfeitamente exigível do comerciante ou industrial um dever maior de cuidado, de

sorte a não assumir riscos de trabalhar com produtos de crime.

Destinatários das novas figuras típicas: Examinando o tipo qualificado da

receptação, tem-se a nítida impressão de que veio, sob encomenda, para os

proprietários de "ferros-velhos" e outros locais de "desmanche" de veículos onde, até

então, se realiza impune o comércio de carros e peças de automóveis roubados

(entrando o carro por uma porta e saindo suas peças pela outra), bem como para os

"feirantes" das famosas feiras de peças de carros roubados, sendo conhecidíssima

no Rio de Janeiro a "Feira de Acari", tema, inclusive, de música, em ousada apologia

ao crime.

O art. 180, caput, do Código Penal prevê o tipo penal da receptação simples,

crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Portanto, não exige

sujeito ativo especial. Por outro lado, o sujeito passivo necessita ser o proprietário ou

possuidor da coisa produto de crime, exigindo-se neste caso, a especial condição do

sujeito passivo.

O crime de receptação simples subdivide-se em: receptação própria e

receptação imprópria. A receptação própria é aquela em que o agente adquire,

recebe, transporta, conduz ou oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe

ser produto de crime. A receptação imprópria é aquela em que o agente influi para

que terceiro, de boa-fé, adquira, receba ou oculte, em proveito próprio ou alheio, a

coisa que sabe ser produto de crime.

O elemento subjetivo da receptação simples é o dolo, ou seja, a nítida

intenção de obter para si ou para outrem coisa oriunda de crime anterior. Mas não é

só. O tipo penal do crime de receptação simples exige ainda que o sujeito ativo

saiba que o objeto material do delito é proveniente de conduta criminosa o que é,

segundo a doutrina majoritária, indicativo de dolo direto. Se o agente adquire,

recebe, transporta etc., a coisa sem saber que é produto de crime, quando devia

saber ou desconfiar, responde pelo crime de receptação culposa, prevista no §3° do

art. 180 do Código Penal.

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O §1° do art. 180 do Código Penal traz a forma qualificada do delito de

receptação. Introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n. 9.426, de 24

de Dezembro de 1996, que alterou a redação do §1° do artigo 180 do Código Penal,

o crime de receptação qualificada foi criado com o objetivo de punir mais

severamente o comerciante ou o industrial que adquire, recebe, transporta, conduz,

oculta, tem em depósito, desmonta ou monta, remonta, vende, expõe a venda, ou

utiliza coisa oriunda de crime, justamente pela maior influência que estas pessoas

têm sobre o mercado e pela facilidade na circulação de mercadorias que suas

atividades proporcionam. Procurou-se prevenir e reprimir, portanto, o surgimento de

"empresários do crime".

Para efeito de aplicação do §1° do art. 180 do Código Penal, estabelece o

§2° do mesmo artigo que se equipara a atividade comercial qualquer forma de

comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

A forma qualificada exige, portanto, sujeito ativo especial, o que significa

dizer que somente aquele que desenvolve atividade comercial ou industrial pode ser

sujeito ativo do crime de receptação qualificada. É exatamente essa condição

especial do sujeito ativo que justifica o aumento da pena na receptação qualificada,

que no caso é de três a oito anos de reclusão e multa.

Além da qualidade especial do sujeito ativo, o crime de receptação

qualificada, diferencia-se do crime de receptação simples quanto à conduta do

agente. Na receptação qualificada, além das condutas tipificadas previstas no caput

(adquirir, receber, transportar, conduzir e ocultar), prevê ainda mais seis verbos: "ter

em depósito", "desmontar", "montar", "remontar", "vender", "expor à venda" e

"utilizar". Note-se: a inserção destes verbos deixa clara a intenção do legislador em

reprimir a ocorrência dos chamados "desmanches" de carro que impulsionam o

comércio ilegal de mercadorias furtadas ou roubadas.

Doutrina

Diante dessas considerações, Damásio Evangelista de Jesus faz crítica à

denominação "receptação qualificada". Para esse autor, o §1° traz tipo penal

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autônomo, contendo uma norma de ampliação daquela prevista no caput do art. 180

do Diploma Penal e não uma forma qualificada de crime. Nesse sentido, aduz:

"O dispositivo não descreve causa de aumento de pena ou qualificadora.

Não contém meras circunstâncias. Cuida-se de figura típica autônoma: menciona

seis verbos que não estão no caput, repete cinco condutas e apresenta dois

elementos subjetivos do tipo. Não é um simples acréscimo à figura reitora da

receptação." (JESUS, 2005, p.690)

Guilherme de Souza Nucci, entretanto, discordando da posição de Damásio

Evangelista de Jesus, e em acertado posicionamento, assim se manifesta quanto ao

assunto:

"Em que pesa parte da doutrina ter feito restrição à consideração desse

parágrafo como figura qualificada da receptação, seja porque ingressaram novas

condutas, seja pelo fato de se criar um delito próprio, cujo sujeito ativo é especial,

cremos que houve acerto do legislador. Na essência, a figura do §1° é, sem dúvida,

uma receptação - dar abrigo a produto de crime -, embora com algumas

modificações estruturais. Portanto, a simples introdução de condutas novas, aliás,

típicas do comércio clandestino de automóveis, não tem o condão de romper o

objetivo do legislador de qualificar a receptação, alterando as penas mínima e

máxima que saltaram da faixa de 1 a 4 anos para 3 a 8 anos." (NUCCI, 2007, p. 763)

O elemento subjetivo do crime de receptação qualificada, assim como na

receptação simples, é o dolo, ou seja, a vontade de realizar a conduta descrita no

tipo penal incriminador. Há que se observar, entretanto, que o tipo penal não exige,

expressamente, para a ocorrência do crime, que o agente "saiba" que a coisa é

produto de crime, bastando que ele desconfie ou suspeite da origem criminosa do

objeto material.

Sendo assim, se o comerciante ou industrial adquire, recebe, transporta,

conduz, oculta, tem em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe a venda

ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, coisa que devia saber

ser produto de crime, mas não sabia, responderá pelo crime de receptação

qualificada, com pena de reclusão de 3 a 8 anos e multa. O problema surge quando

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o comerciante ou industrial age sabendo que a coisa é oriunda de crime anterior,

pois o §1° do art. 180 do Código Penal apenas trata expressamente do dolo

eventual, silenciando-se quanto ao dolo direto. Nesse caso ele comete o crime de

receptação qualificada ou receptação simples? Ou nenhum?

Para responder essas perguntas é necessário, antes de qualquer coisa, o

estudo do elemento subjetivo do tipo penal da receptação e do significado das

expressões "sabe" e "deve saber" na órbita do Direito Penal brasileiro.

Elemento subjetivo do tipo penal da receptação qualificada

Como visto, o elemento subjetivo do crime de receptação, seja na sua

modalidade simples ou qualificada, é o dolo, ou seja, a vontade consciente de

concretizar as características objetivas do tipo penal incriminador. Para a doutrina

finalista, o dolo integra a conduta e constitui elemento subjetivo implícito do tipo

penal, que não deve ser confundido com os elementos subjetivos explícitos "sabe" e

"deve saber". Estes são elementares do tipo, chamados de elementos subjetivos do

injusto penal, e se referem ao estado anímico do sujeito ativo, ou seja, ao intuito que

o encoraja na execução do fato. Nesse sentido são as lições de Damásio

Evangelista de Jesus:

"Consideramos que as expressões "sabe" e "deve saber" são, na verdade,

elementos subjetivos do tipo distintos do dolo e da culpa. Dolo é a vontade de

concretizar os elementos objetivos do tipo, inserindo-se no plano da volição. Na

receptação, v. g., corresponde à vontade de adquirir, receber ou ocular o objeto

material. Algumas vezes, entretanto, para haver crime, o legislador acrescenta no

tipo um especial estado anímico do autor: que saiba ou deva saber, referindo-se ao

conhecimento pleno ou parcial da situação de fato (certeza e incerteza). Esses

elementos típicos não estão no plano da vontade, pertencendo ao intelecto. Nada

tem que ver, pois, com o dolo, seja direto ou eventual, ou com a culpa." (JESUS,

2005, p. 691)

A doutrina, analisando as diversas normas penais incriminadoras existentes

dentro do ordenamento jurídico-penal brasileiro que empregam as expressões

"sabe" e "deve saber", vem afirmando, de forma esmagadora, que a expressão

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"sabe ser produto de crime" é indicativa de dolo direto, não compreendendo o dolo

eventual.

Por outro lado, a expressão "deve saber ser produto de crime" não possui

essa pacificidade doutrinária. Para doutrinadores como Celso Delmanto (1991,

p.330) e Paulo José da Costa Junior, a expressão "deve saber ser produto de crime"

é indicativa de dolo eventual; para outros, como Nelson Hungria, Magalhães

Noronha e Heleno Cláudio Fragoso (1978, p.2:173), significa culpa.

Em se tratando do crime de receptação, o melhor entendimento é o

daqueles que afirmam ser a expressão “deve saber ser produto de crime”, indicativa

de dolo eventual, já que o crime de receptação culposa já vem expressamente

previsto no §3° do art. 180 do Código Penal.

Jurisprudência

I. PRINCIPIO DA LEGALIDADE. RECEPTACAO. SUMULA 453,

DO STF. Apelação. Receptação qualificada. Tipificação. A ciência da origem

criminosa do bem, pelo receptador, não se inclui entre as elementares da

forma qualificada do § 1º do artigo 180 do CP, que prevê apenas a hipótese

de dolo eventual, representado pela expressão "deve saber". Nesse caso, se

o apelante sabia da procedência ilícita da "res" não poderia responder pelo

delito do § 1º do artigo 180, mas pelo do "caput", por aplicação do princípio da

legalidade, nem deveria o julgador de 1º grau tê-lo condenado sem as

providências indicadas no artigo 384 do CPP, agora não mais possíveis, a

teor da Súmula 453 do STF. Recurso a que se dá provimento. (TJRJ. AC -

2007.050.02830. JULGADO EM 06/11/2007. TERCEIRA CAMARA CRIMINAL

- Unanime. RELATOR DESEMBARGADOR MANOEL ALBERTO)

II. Início Envio de texto Expediente Contato GAE. TÉCNICOS

ADMINISTRATIVOSCERTIDÃO NEGATIVA. COMPENSAÇÃO.

SUSPENSÃO. EXIGIBILIDADE 03/06/2008...11:15. É concebido que há

imperfeições (formal e material) no § 1º do art. 180 do CP quanto ao crime de

receptação qualificada, pois o fato menos grave é apenado mais

severamente. Inclusive, é da tradição brasileira e estrangeira uma menor

punibilidade para a receptação em relação ao crime tido por originário.

Porém, devido à atual redação do § 1º, determinada pela Lei n. 9.426/1996, o

dolo eventual (que também determina o reconhecimento da prática de

receptação culposa) transformou a punibilidade de menor (menos grave) em

maior (mais grave). Fala-se na inconstitucionalidade do referido § 1º, mas

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melhor aqui seria desconsiderar esse preceito secundário. Com esse

entendimento, adotado pela maioria, a Turma concedeu a ordem a fim de

substituir a reclusão de três a oitos anos prevista no § 1º pela de um a quatro

anos do caput do art. 180 do CP, e fixou a pena, definitivamente, em um ano

e dois meses de reclusão, ao seguir as diretrizes originalmente adotadas pela

sentença, considerada aí a reincidência e a multa lá fixada. Note-se que o

início de cumprimento da pena privativa de liberdade dar-se-á no regime

aberto. HC 101.531-MG, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 22/4/2008.

Fonte: Informativo STJ nº 353 - Jurisprudência em Revista Ano I – n° 28

III. HABEAS CORPUS N.º 92.525-1-RJ - REL.: Min. CELSO DE

MELLO. EMENTA. "Receptação simples (dolo direto) e receptação qualificada

(dolo indireto eventual) - Cominação de pena mais leve para o crime mais

grave (CP, art. 180, "Caput") e de pena mais severa para o crime menos

grave (CP, art. 180, § 1.º) -Transgressão, pelo legislador, dos princípios

constitucionais da proporcionalidade e da individualização "in abstracto" da

pena Limitações materiais que se impõem à observância do Estado, quando

da elaboração das leis". (STF, decisão publicada em 4/4/08)

Invocando as posições de Alberto Silva Franco, Damásio E. Jesus e de Celso

Roberto Júnior, Roberto e Fábio Delmanto, o Ministro Celso de Mello deferiu o

pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a eficácia da condenação

penal imposta ao paciente nos autos do processo-crime n.º 99.001.155943-4 (14.ª

Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro/RJ).

Por defeito na confecção da lei, o legislador cominou pena mais leve para o

crime maior (CP, art. 180, "Caput") e pena mais severa para o crime menos grave

(CP, art. 180, § 1.º).

Então, concluiu o Ministro Relator que, em casos que tais, é possível ao

Poder Judiciário empregar a interpretação corretiva, ainda que desta resulte

pequena modificação no texto da lei.

Decisão do Ministro Celso de Mello, da Segunda Turma do Supremo Tribunal

Federal, concedendo liminar no "habeas corpus" n.º 92.525-1, Rio de Janeiro.

Consta do voto do Relator:

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada

do E. Superior Tribunal de Justiça encontra-se consubstanciada em acórdão assim

ementado (fls. 84):

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"„HABEAS CORPUS'. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. INCONSTITUCIONALIDADE.

ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS. PRETENSÃO A SER APURÁVEL POR

COGNIÇÃO PLENA. EXAME FÁTICO. FASE EXECUTÓRIA. REVISÃO CRIMINAL.

CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.

1. O remédio de „habeas corpus' não se presta a contraditar a decisão

condenatória, porquanto não permite o reexame do material cognitivo,

cabendo ao procedimento de cognição plena fazê-lo em toda a extensão

requerida.

2. Segundo orientação pacífica desta Corte, não tem fundamento a

alegação de inconstitucionalidade do § 1.º do art. 180 do Código Penal,

porquanto ele descreve conduta apurável em tipo penalmente relevante.

3. A nulificação do processo pelo cerceamento de defesa deve ser

atestada somente com a comprovação do efetivo prejuízo ao réu.

Ordem denegada."

(HC 49.444/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - grifei)

Dentre os vários fundamentos que dão suporte à presente impetração, há um

que se refere à alegada inconstitucionalidade do preceito secundário

sancionador inscrito no § 1.º do art. 180 do Código Penal, na redação dada

pela Lei n.º 9.426/96 (fls. 17/23).

Tenho por relevante esse fundamento, que sustenta a inconstitucionalidade

em referência com apoio em alegada ofensa ao princípio da

proporcionalidade, pois não se mostra razoável punir mais severamente uma

conduta que revela índice de menor gravidade.

Cumpre ter presente, no exame dessa questão, a advertência feita por

ALBERTO SILVA FRANCO ("Código Penal e a sua interpretação

jurisprudencial", vol. 2/2969, item n.º 10.00, 7.ª ed., 2001, RT):

"Ora, tendo-se por diretriz o princípio da proporcionalidade, não há como

admitir, sob o enfoque constitucional que o legislador ordinário estabeleça um

preceito sancionatório mais gravoso para a receptação qualificada quando o

agente atua com dolo eventual e mantenha, para a receptação do „caput' do

art. 180, um comando sancionador sensivelmente mais brando quando, no

caso, o autor pratica o fato criminoso com dolo direto. As duas dimensões de

subjetividade „dolo direto' e „dolo eventual' podem acarretar reações penais

iguais, ou até mesmo, reações penais menos rigorosas em relação ao "dolo

eventual'. O que não se pode reconhecer é que a ação praticada com "dolo

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eventual' seja três vezes mais grave - é o mínimo legal que detecta o

entendimento do legislador sobre a gravidade do fato criminoso do que quase

a mesma atividade delituosa, executada com dolo direto. Aí, o legislador

penal afrontou, com uma clareza solar, o princípio da proporcionalidade".

(grifei)

Essa mesma crítica é também revelada por eminentes doutrinadores (CELSO

DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e

FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, "Código Penal Comentado", p. 555, 7.ª

ed., 2007, Renovar), que igualmente vislumbram a existência, no preceito

sancionador inscrito no § 1.º do art. 180 do Código Penal, de transgressão ao

princípio constitucional da proporcionalidade, eis que não tem sentido infligir

punição mais gravosa à receptação qualificada (CP, art. 180, § 1.º), que

supõe, em sua configuração típica, mero dolo indireto eventual, e impor

sanção penal mais branda à receptação simples (CP, art. 180, "caput"), cuja

tipificação requer dolo direto, como adverte, em preciso magistério, DAMASIO

E. DE JESUS ("Direito Penal", vol. 2/490-494, item n.º 9, "e", 23.ª ed., 2000,

Saraiva, v.g.):

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Conclusão

Por tudo o que foi exposto até aqui, embora haja intensa discussão acerca

da constitucionalidade do §1° do art. 180 do Código Penal, conclui-se que a

interpretação mais acertada do dispositivo em tela é aquela que considera

constitucional a figura qualificada da receptação. O problema, na verdade, não é de

constitucionalidade, mas de mera interpretação.

Fazendo-se uso das formas de interpretação teleológica, lógica e extensiva,

é possível descobrir a verdadeira intenção do legislador, que utilizou a expressão

"deve saber" com intuito de englobar aí o "sabe". Se a lei pune mais severamente

quem "devia saber ser a coisa produto de crime", com mais razão deve ser punido

também aquele que "sabia que a coisa era produto de crime".

Não há dúvida de que o legislador deveria ter sido mais claro e utilizado no

dispositivo as duas expressões: "sabe" e "deve saber". Mas exigir tal clareza de

nossos legisladores nem sempre é tarefa assim tão fácil.

Resta saber, entretanto, qual será o posicionamento adotado pela Suprema

Corte em relação ao tema que se encontra atualmente submetido à apreciação do

Plenário do Supremo Tribunal Federal, haja vista a pendência de julgamento do

habeas corpus número 91386 do Estado da Bahia.

Embora muitos doutrinadores tenham discutido a respeito da

inconstitucionalidade do artigo 180, a maioria pacífica já adotou a interpretação do

STF e com isso o crime de receptação qualificada vem sendo, de certa forma,

privilegiado com penas mais brandas, deixando assim o meliante mais a vontade

para cometer o crime que tanto lesa o cidadão no seu patrimônio, pois a duras

penas consegue adquirir um bem que o receptador por tão pouco compra do ladrão.

Já não é sem tempo escolhermos legisladores mais sérios e comprometidos

com a verdadeira organização social, pois só assim ao elaborarem uma legislação,

esta venha de encontro aos anseios dos verdadeiros detentores do poder, que é o

povo ordeiro e pacífico e não do sujeito de má índole, disposto a agir de forma

contrária ao ordenamento, a quem chamamos de bandidos, mal-feitores.

Page 17: Receptação Qualificada - ISEPE 2010

REFERÊNCIAS

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penal. São Paulo: Método, 2001.

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Penal. Rio de Janeiro: Senado Federal, 1941.

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Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.

DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 5 ed. Coimbra:

Coimbra Editora, 2000.

FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua interpretação

jurisprudencial. Vol. I. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. III. 5.

ed. Niterói: Impetus, 2008.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17. ed.

Atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 1215p.