RECONFIGURAÇÕES DA IMPRENSA NO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO: uma análise do Leitor-Repórter, do...

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JOEL MINUSCULI RECONFIGURAÇÕES DA IMPRENSA NO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO: uma análise do Leitor-Repórter, do diario.com.br ITAJAÍ 2009

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A presente monografia tem por objetivo detalhar as reconfigurações da imprensa tradicional diante do fenômeno do Webjornalismo Participativo. O Leitor-Repórter, pertencente ao diario.com.br do portal ClicRBS, é o objeto de estudo utilizado para detalhar a dinâmica da participação das audiências na produção de conteúdo no jornalismo. A base teórica conta com os preceitos de Web 2.0 e cibercultura, através de conceitos e estratégias pregadas por autores da área da comunicação na rede mundial de computadores. Foi realizada uma análise do conteúdo do material enviado pelos usuários do Leitor-Repórter no período de 22 a 29 de novembro de 2008, quando a população de Santa Catarina foi atingida por uma catástrofe climática causada por chuvas. O desenvolvimento da monografia teve apoio dos métodos de revisão bibliográfica dos conceitos, da observação participante no canal colaborativo e das entrevistas com os profissionais responsáveis pela edição da produção dos usuários do Leitor-Repórter – estas últimas utilizadas para traçar o perfil da rotina dos profissionais desse meio. Com isso ficou evidente a adequação dos jornalistas como organizadores dos fluxos de informação na web. É mostrado também que as empresas precisam criar estratégias para administrar os canais colaborativos, através de uma interação real com suas audiências. Ao final desta monografia ainda são traçadas perspectivas de adequação dos profissionais jornalistas dentro da nova dinâmica da produção de conteúdo pelas audiências.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JOEL MINUSCULI

RECONFIGURAÇÕES DA IMPRENSA NO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO: uma análise do Leitor-Repórter, do diario.com.br

ITAJAÍ 2009

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JOEL MINUSCULI

RECONFIGURAÇÕES DA IMPRENSA NO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO: uma análise do Leitor-Repórter, do diario.com.br

Monografia apresentada à disciplina Projetos Experimentais, sob a responsabilidade da Prof.ª MSc. Vera Lucia Sommer, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social habilitação em Jornalismo pela Universidade do Vale de Itajaí, Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Comunicação, Turismo e Lazer Itajaí. Orientador: Prof. Dr. Rogério Christofoletti

ITAJAÍ 2009

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JOEL MINUSCULI

RECONFIGURAÇÕES DA IMPRENSA NO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO: uma análise do Leitor-Repórter, do diario.com.br

Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo curso de Comunicação Social habilitação em Jornalismo, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Comunicação, Turismo e Lazer Itajaí.

Itajaí, 13 de julho de 2009

__________________________________ Prof. Dr Rogério Christofoletti

Univali – Itajaí Orientador

__________________________________ Profª MSc. Valquíria Michela John

Univali- Itajaí Membro do Corpo Docente

_________________________________ Profª Dra. Maria José Baldessar

UFSC - Florianópolis Membro Convidado

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Não podemos nos esquecer de que por trás das máquinas ainda há pessoas.

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AGRADECIMENTOS

Pensava que quando entrasse na faculdade teria que escrever muito. Ainda no primeiro

período, ouvi de um professor que o jornalismo, na verdade, é “a arte de cortar palavras”. Ficava

um tanto desapontado em amputar trechos de meus textos que escrevia com tanto empenho. Foi

quando decidi estagiar, para aprender um pouco mais do jornalismo. E, por aquelas coincidências

que o destino coloca para deixar a gente pensativo, aquele professor que cortou minhas

expectativas se tornou orientador desta monografia.

Aquele professor era Rogério Christofoletti, a primeira pessoa que tenho que agradecer

por estar preparado na apresentação desta monografia. Ele foi meu mestre, no sentido mais literal

de transmitir conhecimentos, e que me acompanhou em quatro anos e meio de faculdade. Além

disso, foi quem lapidou minhas habilidades e conhecimentos no tempo em que fiz parte de seu

grupo de pesquisa – o qual acredito ter sido o lugar em que pude por a prova aquilo que aprendia

em sala de aula.

E por falar em grupo, tenho que agradecer todos os integrantes, alunos e professores, do

Monitor de Mídia, em especial Naiza Comel. Foi ela quem me adotou enquanto era um reles

calouro e passou sua experiência de veterana. Também não posso esquecer de agradecer todas as

“meninas” que passaram pelo Monitor e as coisas que cada uma delas deixou – mesmo que essas

coisas sejam um tanto complicadas de serem faladas ou escritas. Preciso agradecer ainda, de

forma particular, as meninas que acompanharam a odisséia de escrever esta monografia: Camila,

Gabriela, Karis, Silvia, Taiana e Yana.

Agradeço, de forma mais afetuosa e pessoal que os demais, os meus pais, Vanir e Maria.

Muitas vezes eles não tinham a mínima idéia do que eu estava cursando, estudando ou fazendo.

Porém, mesmo assim, o amor e a confiança deles foi o incentivo que precisei para superar muitas

dificuldades ao longo dos anos de faculdade.

Por fim, mas não menos importante, agradeço o amor de Renara, que foi minha

companheira nos altos e baixos do desenvolvimento da monografia. Com ela pude aprender que a

maior motivação de um homem está em fazer algo por alguém.

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RESUMO

A presente monografia tem por objetivo detalhar as reconfigurações da imprensa tradicional diante do fenômeno do Webjornalismo Participativo. O Leitor-Repórter, pertencente ao diario.com.br do portal ClicRBS, é o objeto de estudo utilizado para detalhar a dinâmica da participação das audiências na produção de conteúdo no jornalismo. A base teórica conta com os preceitos de Web 2.0 e cibercultura, através de conceitos e estratégias pregadas por autores da área da comunicação na rede mundial de computadores. Foi realizada uma análise do conteúdo do material enviado pelos usuários do Leitor-Repórter no período de 22 a 29 de novembro de 2008, quando a população de Santa Catarina foi atingida por uma catástrofe climática causada por chuvas. O desenvolvimento da monografia teve apoio dos métodos de revisão bibliográfica dos conceitos, da observação participante no canal colaborativo e das entrevistas com os profissionais responsáveis pela edição da produção dos usuários do Leitor-Repórter – estas últimas utilizadas para traçar o perfil da rotina dos profissionais desse meio. Com isso ficou evidente a adequação dos jornalistas como organizadores dos fluxos de informação na web. É mostrado também que as empresas precisam criar estratégias para administrar os canais colaborativos, através de uma interação real com suas audiências. Ao final desta monografia ainda são traçadas perspectivas de adequação dos profissionais jornalistas dentro da nova dinâmica da produção de conteúdo pelas audiências.

Palavras-Chave: Webjornalismo Participativo – Leitor-Repóter – Gatewatcher

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ..................................................................................................................................... 10

Figura 2 ..................................................................................................................................... 16

Figura 3 ..................................................................................................................................... 18

Figura 4 ..................................................................................................................................... 35

Figura 5 ..................................................................................................................................... 37

Figura 6 ..................................................................................................................................... 44

Figura 7 ..................................................................................................................................... 47

Figura 8 ..................................................................................................................................... 48

Figura 9 ..................................................................................................................................... 49

Figura 10 ................................................................................................................................... 51

Figura 11 ................................................................................................................................... 53

Figura 12 ................................................................................................................................... 55

Figura 13 ................................................................................................................................... 56

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 .................................................................................................................................... 50

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8

1 LEITOR-REPÓRTER E O WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO ................................. 10

1.1 A participação do usuário através das ferramentas da Web 2.0 ......................................... 11

1.2 A estrutura do Leitor-Repórter ........................................................................................... 15

1.3 Interação como fator de participação.................................................................................. 20

2 A MUDANÇA ESTRUTURAL DA PRODUÇÃO DE CONTEÚDO NA WEB ................ 23

2.1 A popularização da web .................................................................................................... 23

2.2 O webjornalismo e os novos produtores de conteúdo ........................................................ 26

2.3 Vários nomes para o mesmo conceito ................................................................................ 28

2.4 A relação entre usuários e editores no Leitor-Repórter ...................................................... 30

2.4.1 A interação no processo participativo do Leitor-Repórter ............................................. 33

3 O RELATO DAS CHEIAS CATARINENSES DE 2008 NO LEITOR-REPÓRTER ......... 39

3.1 Aspectos metodológicos ..................................................................................................... 39

3.2 Análise do conteúdo enviado pelos usuários e publicados no Leitor-Repórter .................. 46

3.2.1 Os números do Leitor-Repórter ....................................................................................... 46

3.2.2 O conteúdo textual produzido pelos usuários do Leitor-Repórter .................................. 51

3.2.3 A dinâmica de edição no Leitor-Repórter ....................................................................... 53

4 ADAPTAÇÃO DA IMPRENSA AO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO ................. 55

4.1 Novos caminhos da informação ......................................................................................... 55

4.2 A atuação dos jornalistas profissionais no Leitor-Repórter................................................ 58

4.3 O perfil do profissional jornalista no Webjornalismo Participativo ................................... 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 69

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INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da grande rede mundial de computadores permitiu avanços em

diversos segmentos da sociedade. Desde o seu surgimento, a web passou por atualizações em sua

dinâmica para melhor atender os anseios de uma comunidade que migrou para o chamado meio

online. O que antes dependia de códigos e programações possíveis apenas para especialistas da

informática, agora está disponível em uma interface convidativa, que incentiva a adição dos mais

variados públicos. Esse fenômeno, que permitiu a inserção e a produção de novos usuários, ficou

conhecido como Web 2.0.

A imprensa também se apropriou da rede mundial de computadores para agilizar sua

atuação na sociedade. O jornalista que trabalha em meios tradicionais encontrou na web uma

plataforma dinâmica, em que poderia colher, desenvolver e publicar informações. Assim surgiu o

chamado webjornalista, o profissional voltado para o meio multimídia da grande rede mundial de

computadores e suas diversas potencialidades. Ao mesmo tempo em que surgiu essa figura

polivalente (o jornalista com habilidades no meio online), as audiências, que antes não

dispunham de tantas possibilidades e potencialidades nos meios tradicionais, começaram a

produzir conteúdo e utilizar a web para publicar sua visão dos fatos.

Esta monografia tem por objetivo mostrar as reconfigurações do modelo unilateral (um

emissor transmite a mensagem por um canal para muitos receptores), entendida aqui como

imprensa tradicional, diante do fenômeno do Webjornalismo Participativo, quando os

profissionais começaram a aproveitar o fluxo da produção de suas audiências. O objeto de estudo

deste trabalho foi o canal participativo Leitor-Repórter, seção pertencente ao site diario.com.br,

que, por sua vez, faz parte do portal de informações ClicRBS Santa Catarina. A escolha do objeto

deu-se por dois principais motivos: o Leitor-Repórter pertence à maior operação de conteúdo

regional de internet do Brasil, do Grupo RBS (maior grupo de comunicação do sul do Brasil); em

segundo, devido ao destaque que o canal participativo teve no final de 2008.

Em novembro de 2008, Santa Catarina foi assolada por uma catástrofe climática que

afetou mais de um milhão e meio de pessoas. As chuvas causaram cheias, que destruíram casas e

vitimaram 135 pessoas. A amplitude do acontecimento foi tanta que inviabilizou, em muitos

casos, o deslocamento de equipes de resgate e da imprensa. Mesmo assim, não faltaram

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testemunhas para registrar com suas câmeras digitais (amadoras ou mesmo celulares) a tragédia

que atingiu a população catarinense. Parte dessas pessoas utilizou o Leitor-Repórter como um

canal de publicação para os fatos que presenciaram.

Em um primeiro momento foi necessário entender a dinâmica do Leitor-Repórter, através

do funcionamento da ferramenta utilizada pelos usuários para cadastro, acesso e publicação de

conteúdo. Para isso foram analisados conceitos técnicos e utilizados conceitos de interação,

cibercultura, web 2.0 e o próprio Webjornalismo Participativo. Também foi aplicada a técnica da

observação participante, para uma maior aproximação com o objeto de estudo, com a intenção de

melhor compreender a lógica de funcionamento como um nativo do ambiente virtual.

O perfil do webjornalismo da presente monografia foi apurado através da análise a rotina

dos profissionais responsáveis pelo Leitor-Repórter quanto ao recebimento, edição e publicação

de conteúdo. O jornalista Carlito Costa foi identificado como o mais qualificado a responder pela

equipe, pois lidou com o canal participativo durante as cheias em novembro de 2008. A partir

disso, buscou-se contato direto com o jornalista, para sanar dúvidas recorrentes ao longo da

análise. Com isso, pode-se traçar um paralelo entre a realidade vivida na redação do Leitor-

Repórter e os melhores aspectos propostos em teoria para a adaptação do profissional ao

fenômeno participativo.

O resultado das análises e pesquisas bibliografias ficaram organizados em quatro

capítulos: o primeiro, - “Leitor-Repórter e o Webjornalismo Participativo”, apresenta o canal

colaborativo e explica o fenômeno da participação das audiências nos processos produtivos de

notícias. Em seguida, “A mudança estrutural da produção de conteúdo na web” mostra o

desenvolvimento da grande rede mundial de computadores, o que proporcionou a criação de

ferramentas para a inserção do público sem conhecimentos técnicos na web. Ainda no mesmo

capítulo é feita uma análise do nível de interação proporcionado aos usuários do Leitor-Repórter.

“Um estudo de caso do relato das cheias catarinenses de 2008 no Leitor-Repórter”, apresenta

detalhadamente os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da monografia,

além de analisar o conteúdo enviado pelas audiências e a rotina dos responsáveis do canal

participativo. Por fim, “Adaptação dos meios tradicionais ao Webjornalismo Participativo”

discute as mudanças causadas pelos novos emissores dos processos comunicacionais e como os

profissionais jornalistas devem lidar com o conteúdo produzido pelas audiências.

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1 LEITOR-REPÓRTER E O WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO

O Leitor-Repórter é um canal que possibilita a publicação de conteúdo gerado pelos

usuários do ClicRBS, portal de informações do Grupo RBS1 na rede mundial de computadores.

Ele diferencia-se dos demais produtos da empresa por seguir os preceitos do chamado

Webjornalismo Participativo, em que os internautas podem produzir, além de consumir

conteúdos. A prática é baseada no envio de informações, tanto textuais quanto multimídia

(áudios, fotos e vídeos). Porém, o que realmente faz usuários se tornarem repórteres-cidadãos são

as dinâmicas participativas, os grupos organizados em comunidades na web e a relação entre as

partes envolvidas no processo de publicação.

O funcionamento do Leitor-Repórter é semelhante aos sistemas de postagem dos blogs

pessoais, populares nos últimos anos, com a diferença de que o mesmo espaço pode ser utilizado

por várias pessoas e que há o crivo dos editores responsáveis pelo portal ClicRBS. Uma

mensagem no topo do site explica de forma rápida e convidativa seu funcionamento: “Em nosso

canal de jornalismo participativo, colabore enviando textos, fotos, áudios e vídeos sobre os fatos

que estão acontecendo em seu bairro, cidade ou região. É uma oportunidade de registrar as

notícias ao seu redor. Aproveite e mostre a cara da sua comunidade!”

Figura 1: Mensagem inicial de incentivo à participação dos usuários no Leitor-Repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Di%E1rio+Catarinense/Di%E1rio+Catarinense/Leitor-Reporter&secao=lista&section=Leitor-Rep%F3rter

1 O Grupo Rede Brasil Sul (RBS) é um grupo de mídia regional, que abrange a região sul do país. Afiliada à Rede

Globo de Televisão, que, segundo o site oficial, atua no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e algumas cidades ao sul do Paraná - http://www.rbs.com.br/quem_somos/

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A iniciativa de abrir um canal de participação para o público é pioneira em Santa

Catarina. Para entender a dinâmica do Leitor-Repórter é preciso estar ciente de que o fenômeno

do Webjornalismo Participativo não surge de forma isolada, com a simples decisão dos editores

de aceitar o conteúdo enviado. Ele é desenvolvido coletivamente, na escala da rede mundial de

computadores, através das ferramentas e possibilidades da chamada Web 2.0.

1.1 A participação do usuário através das ferramentas da Web 2.0

O fundador da editora online americana O’Reilly Media, Tim O’Reilly, definiu em artigo

no ano de 2004, e republicou em seu blog em 20052, que a web, seus serviços e comunidades

relacionadas entravam em uma nova versão. Ele é considerado pelo meio acadêmico o criador do

termo Web 2.0, baseado no sistema de redes sociais e ferramentas colaborativas.

Briggs (2007, p. 27) amplia o conceito ao definir que a Web 2.0 se refere “às paginas cuja

importância se deve principalmente à participação do usuário”. O autor explica que o termo Web

1.0 foi criado só depois do novo, para descrever as limitações que caracterizam o

“desenvolvimento inicial da rede baseado em páginas estáticas, em programas que não

respeitavam a privacidade (...) e a exigência de cadastramento prévio” (BRIGGS, 2007, p. 27).

O’Reilly (2005) afirma que as mudanças na rede mundial de computadores,

conseqüentemente, mudam a forma como ela é utilizada, principalmente para empresas que lidam

diariamente com produção de conteúdo e tráfego de informações em banco de dados. Apesar de

estar em um meio tecnológico, essa nova versão da web não significa uma atualização nas

especificações técnicas, mas a mudança na forma de uso e apropriação do meio por usuários e

desenvolvedores. Por isso, é conhecida como a web participativa, baseada na idéia de que

qualquer pessoa pode contribuir para a sua expansão, através de um pluralismo de opiniões e

segmentação de público.

O desenvolvimento da Web 2.0 foi possível pela estrutura simplificada dos sistemas de

informação disponíveis aos internautas. Ou seja, aqueles que desejam ir além da navegação, para

2 http://www.oreillynet.com/pub/a/oreilly/tim/news/2005/09/30/what-is-web-20.html

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se tornarem produtores de informação, não precisam ter conhecimentos avançados em

programação ou informática. Briggs (2007, p. 28) afirma que “os editores da Web estão criando

plataformas ao invés de conteúdo. Os usuários estão criando conteúdo”. No contexto da web,

“plataformas” podem ser consideradas como estruturas de dados (como softwares) para suporte,

envio e tráfego de informações adaptados para determinadas meios (como hardwares). Ou seja,

plataforma é o lugar onde programas e informações existem, funcionam e que dá os elementos

necessários para isso. Por exemplo, a própria rede mundial de computadores é uma plataforma,

com uma linguagem própria (código binário entre os computadores e interface gráfica), com um

fluxo contínuo de informações, traduzidas através dos navegadores de internet.

Com a simplificação do sistema web, mais pessoas tiveram acesso a mesma tecnologia, o

que resulta na pluralidade de fontes e pontos de vista no meio. Conseqüentemente, os

computadores interconectados em rede possibilitaram o compartilhamento do conteúdo

produzido entre os usuários. A produção, a disseminação e o acesso à informação tiveram suas

vias facilitadas pelo novo modelo da grande rede mundial de computadores. O’Reilly (2005)

relaciona essas ações com a inteligência coletiva, que transformou a conexão entre todos os

computadores em uma espécie de cérebro global.

Antes que O’Reilly (2005) declarasse a nova versão da web, Lévy (1998) já havia

considerado que o valor do coletivo está na pluralidade dos pontos de vista, que hoje é recorrente

no desenvolvimento da Web 2.0: “o ideal da inteligência coletiva implica a valorização técnica,

econômica, jurídica e humana de uma inteligência distribuída por toda parte, a fim de

desencadear uma dinâmica positiva de reconhecimento e mobilização das competências” (p. 30).

Ou seja, o autor considera que a informação produzida através da reunião de vários pontos de

vista, na mesma intenção, possui um valor agregado maior do que a simples informação

difundida. As tendências apontadas por Lévy (1998) parecem referência para a Web 2.0, pois o

autor descreveu o que acontece hoje na dinâmica entre usuários na rede:

Os novos sistemas de comunicação deveriam oferecer aos membros de uma comunidade os meios de coordenar suas interações no mesmo universo virtual de conhecimento. Não seria o caso de modelar o mundo físico comum, mas de permitir aos membros de coletivos mal-situados interagir em uma paisagem móvel de significações. Acontecimentos, decisões ações e pessoas estariam situadas nos mapas dinâmicos de um contexto comum e transformariam continuamente o universo virtual em que adquirem sentido. Nessa perspectiva, o ciberespaço tornar-se-ia o espaço móvel das interações entre conhecimentos e conhecedores de coletivos inteligentes desterritorializados. (LÉVY, 1998, p. 29)

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Os primeiros exemplos de sites a adotarem o valor da simplicidade de manipulação, com

a possibilidade de qualquer pessoa ser um produtor de conteúdo, foram os weblogs, fotologs,

entre outros gêneros “logs” multimídias. A facilidade de lidar com esses sistemas foi um dos

fatores responsáveis pela popularização e expansão da prática nesses ambientes virtuais. Além

disso, redes sociais, comunidade e fóruns (qualquer plataforma projetada para comportar e

registrar o envio de informações por vários usuários ao mesmo tempo) inspiraram e instigam as

pessoas a debaterem assuntos, de forma a complementar e ampliar conteúdos – práticas

relacionadas com a Inteligência Coletiva de Lévy (1998).

Briggs (2007) pontua os princípios que regem a nova dinâmica da Web 2.0 e como as

plataformas passam a ser utilizadas pelos internautas:

Web sites não são mais depósitos isolados de informação com canais de comunicação de uma só via (um entre muitos), mas que, ao invés disso, são fontes de conteúdo e funcionalidade, tornando-se assim plataformas de computação para oferecer aplicativos da Web aos usuários finais (...) Enfoque da criação e distribuição de conteúdos na Web caracterizada pela comunicação aberta, controle descentralizado, liberdade para compartilhar e re-combinar conteúdos, bem como o desenvolvimento da idéia de “mercado como uma conversa” (muitos para muitos). No modelo 1.0, um editor (seja de um site de notícias ou site pessoal) colocava o conteúdo num site da Web para que muitos outros lessem, mas a comunicação terminava aí. O modelo 2.0 não apenas permite que “muitos outros” comentem e colaborem com o conteúdo publicado, como também permite que os usuários coloquem, eles mesmos, material original (BRIGGS, 2007, p. 28)

As idéias colaborativas da Web 2.0 causaram mudanças em diversas áreas relacionadas

com a rede mundial de computadores. Entre elas está o jornalismo, mais especificamente no ramo

do webjornalismo. Porém, é preciso evidenciar que não é só o desenvolvimento das plataformas o

fator que incentivou e permitiu que as pessoas produzissem conteúdo. O barateamento e a

portabilidade de tecnologias – aqui incluídas câmeras digitais, gravadores de voz, câmeras

filmadoras e, até mesmo, todos os anteriores em um único aparelho – celulares também

contribuíram para o desenvolvimento do chamado Webjornalismo Participativo.

Primo e Träsel (2006, p. 3) detalham outras condições que favoreceram o

desenvolvimento do Webjornalismo Participativo: “Maior acesso à internet e interfaces

simplificadas para publicação e cooperação online; a ‘filosofia hacker’ como espírito de época;

insatisfação com os veículos jornalísticos e a herança da imprensa alternativa”.

Castilho (2007, p. 9) pontua o surgimento de plataformas dedicadas para a colaboração,

que seguem os preceitos do webjornalismo. Para o autor, “o futuro do jornalismo passa por este

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diálogo, cuja origem está na chamada lógica de inclusão digital, ou seja, quanto mais pessoas

participarem desta troca de dados, fatos e informações, maior será o ganho em conhecimentos e,

portanto, maior o potencial econômico”.

Bowman e Willis (2003) explicam como as audiências alteram o desenvolvimento da

produção de conteúdos nos noticiários, principalmente na web. Os autores afirmam que o

fenômeno participativo vem essencialmente das bases, da necessidade que uma ou mais pessoas

têm de compartilhar informações ou fatos que presenciam com outras pessoas, para sociabilizar

seu conhecimento:

Jornalismo Participativo: é o ato de um cidadão ou um grupo de cidadãos que desempenham um papel ativo no processo de coletar, reportar, analisar e disseminar informação. A intenção dessa participação é fornecer informação independente, confiável, exata, de ampla faixa e relevância que uma democracia requer. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 9, tradução livre)

Em resumo: o Webjornalismo Participativo acontece através da colaboração de

internautas dentro de espaços determinados à prática, organizados em comunidades segmentadas.

A plataforma é disponibilizada por um grupo de jornalistas, que recebem, editam e organizar o

conteúdo. O conteúdo é compartilhado de forma aberta entre todos os envolvidos no processo.3

Castilho (2007) explica que o fenômeno da participação das audiências no jornalismo

ainda é novo, principalmente na inserção do meio jornalístico, mas que é inevitável sua fusão no

dia-a-dia das redações. Além disso, vê a integração entre usuários e jornalistas como um

fenômeno positivo: “A parceria entre público e jornalistas mal está saindo da teoria para entrar na

prática. É ela que vai marcar o quotidiano dos novos profissionais de comunicação” (p. 6).

A abertura da possibilidade do envio de informações por alguns sites se tornou uma

tendência. As empresas começaram a explorar o potencial dessa ferramenta como se estivessem

expandindo as possibilidades das antigas “cartas dos leitores”. A partir disso, as pessoas

começaram a fazer parte do sistema de produção de conteúdo, e não são apenas consumidores.

Foshini e Taddei (2008, p. 9) sentenciam: “o modelo tradicional que distingue os emissores dos

receptores da informação, deu lugar à comunicação feita por meio da colaboração”. Os autores

ainda completam:

3 Apesar disso, Foschini e Taddei (2008, p. 19) explicam que a prática do Webjornalismo Participativo pode ocorrer

de forma independente, através de blogs ou sites feitos sem nenhum vínculo.

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Ele [o Webjornalismo Participativo] não exclui a produção dos jornalistas profissionais, acrescenta a ela a contribuição de cidadãos jornalistas, leigos que são testemunhas de fatos importantes, gente que está no lugar certo e na hora certa para cobrir um evento, especialistas que podem falar melhor sobre determinado assunto e ainda todas as vozes que simplesmente desejam se manifestar (FOSCHINI E TADDEI, 2008, p. 10).

O capítulo quatro apresenta a discussão sobre o desenvolvimento, a validade e as

implicações aos meios tradicionais da prática do Webjornalismo Participativo.

1.2 A estrutura do Leitor-Repórter

O projeto do site de notícias diario.com.br é uma réplica do site gaúcho zerohora.com –

jornal que pertence ao Grupo RBS no Rio Grande do Sul e que estreou meses antes, com

funcionamento integrado ao diario.com.br e demais sites de jornais do grupo4. A similaridade

gráfica e de estrutura de conteúdo faz parte do projeto de padronização, o que mantém a

identidade do Grupo RBS em todos seus produtos. O projeto de zerohora.com já contemplava o

Leitor-Repórter desde seu início. Por isso o portal diario.com.br já nasceu com o canal

participativo integrado em sua estrutura, em dezembro de 2007.

O Leitor-Repórter não possui um endereço (url) de acesso direto. Há duas formas de

chegar até a seção: a primeira pelo portal ClicRBS, através do endereço

http://www.clicrbs.com.br, escolher a versão de Santa Catarina, selecionar o link Diário

Catarinense (barra lateral azul) e depois Leitor-Repórter (barra lateral azul). A segunda é o acesso

através do Diario.com, no endereço http://www.diario.com e posteriormente no link “Leitor-

Repórter”. Veja na Figura 1:

4 O funcionamento integrado acontece através do compartilhamento de links de notícias e conteúdo jornalístico.

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Figura 2: Telas de acesso ao Leitor repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&tab=00001&newsID=0&subTab=00000 ; http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=capa_online ; http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Di%E1rio+Catarinense/Di%E1rio+Catarinense/Leitor-Reporter&secao=lista&section=Leitor-Rep%F3rter ; http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Di%E1rio%20Catarinense/Di%E1rio%20Catarinense/Leitor-Reporter&secao=post&uf=1&local=1&section=Leitor-Rep%F3rter&mode=

O canal de participação do diario.com.br armazena todas as informações publicadas desde

o lançamento. As notícias estão acessíveis de forma gratuita, sem a necessidade de cadastro para

visualização. As publicações estão organizadas em ordem regressiva, das mais atuais, no topo da

página, até as mais antigas ao longo da rolagem de tela. É possível consultá-las através de um

sistema de busca simples por palavra-chave, no topo da página, ou manualmente através do

índice no final da tela. O layout é baseado na lógica de apresentação de um blog, em que cada

notícia é exibida no formato de uma postagem convencional. Ainda há a opção de organizar o

conteúdo pelas notícias mais acessadas ou mais comentadas.

Qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo ou informações relevantes de um cadastro

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gratuito no Leitor-Repórter. A partir disso, o usuário do canal terá acesso a páginas exclusivas

para a emissão de informações. Foschini e Taddei (2008, p. 12) definem que os usuários são

considerados “cidadãos-jornalistas” quanto tomam a iniciativa de divulgar uma informação, pois,

mesmo não sendo jornalistas, possuem algo relevante para passar a um determinado grupo. Os

autores relatam que o termo “cidadão jornalista” pode ser aplicado tanto para os que criam os

próprios espaços online ou participam de comunidades de terceiros. Nesse aspecto, vê-se que a

essência do termo está na emissão de conteúdo por usuários considerados “não capacitados

jornalisticamente” para o processo.

O envio de informações é feito, basicamente, através do preenchimento de campos. Para

isso, o usuário deve acessar o link “Envie sua matéria”. Depois, através do link “Quero me

cadastrar”, será apresentado um formulário com informações básicas obrigatórias, como nome de

exibição, nome completo e formas de contato. Além disso, são requeridas informações pessoais,

como profissão, hobbies e, até mesmo o clube de futebol preferido e música favorita – essas

últimas não são de caráter obrigatório e servem como um mini perfil para socializar com os

demais usuários. Todas as informações disponibilizadas são regidas por termos e condições da

Política de Privacidade5 da empresa.

Cada unidade de notícia publicada apresenta uma cartola em fonte menor, um título em

fonte maior, a identificação de quem enviou (nome e e-mail), corpo de texto, espaço para

imagem, espaço para anexos multimídia (imagens e vídeos), assinatura do emissor, data e hora de

publicação, link para comentários, link de envio “para amigos”, link de denúncia de abuso, link

permanente para a notícia e espaço para foto/avatar do usuário. Esses itens serão discriminados

mais a frente.

5 O link para o termo se encontra no pé da página de cadastro, com o nome “termos e condições”. Segundo o texto

do mesmo, visa regular o tratamento dado às informações que os usuários fornecem ao se cadastrarem, para “conhecer melhor o usuário do Portal, buscando-se, mais uma vez, personalizar a relação havida por meio da internet”. Porém, os termos “podem ser eventualmente alterados” enquanto o usuário for cadastrado.

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Figura 3: Aspecto de uma notícia publicada no Leitor-Repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?&secao=detalhe&localizador=Diario+Catarinense/Diario+Catarinense/Leitor-Reporter/3302&uf=2&local=18&section=Leitor-Rep%F3rter&mode=

Nas áreas periféricas às notícias ficam localizados banners publicitários e outros links

relevantes, para outras seções do jornal. De forma geral, a página é harmônica, organizada

através de blocos de informações, links intuitivos e cores leves. Na parte superior, logo abaixo do

banner do jornal Diário Catarinense, está fixa6 a mensagem que explica a seção, além de quatro

links de meta seção: “Envie uma matéria”, “Como participar”, “Minhas Participações”,

“Destaques do Leitor”. O último leva o usuário para uma página que contém o endereço de e-

mail da redação do ClicRBS, um link para a postagem de conteúdo, um link para o mural de

recados do portal e uma área para promoções – o título pareceu, na verdade, indicar uma área

com conteúdo filtrado por algum sistema de reputação.

O link “Como participar” apresenta um pequeno texto, que descreve o procedimento

básico para o usuário participar no canal:

6 Independente da página de notícias escolhida, a parte fixa é exibida na tela. Ela é inalterável no layout durante a

navegação.

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Para participar do Leitor-Repórter, canal de jornalismo participativo do diario.com.br, você precisa clicar em "Envie sua matéria" e preencher o formulário, de acordo com o tipo de material que deseja publicar: textos, fotos, vídeos, áudios. Na primeira vez, também será preciso fazer seu cadastro e concordar com os termos de uso do serviço. Seu material será submetido à avaliação dos editores do jornal e levará até 48 horas para ser aprovado. Ele também poderá ser usado por outros veículos da RBS.7

O envio de informações apresenta algumas limitações, devido ao formato gráfico padrão

em que cada uma é configurada. A primeira delas é quanto à divisão e organização do assunto,

feita através do “Assunto” (exibido como cartola na matéria e de preenchimento obrigatório). São

oito tópicos pré-definidos, sem a possibilidade de acréscimo ou edição por parte dos usuários:

cidade, diversão, esportes, meu pai é legal, mundo, outro assuntos, segurança e serviço. Estes

cumprem o papel das chamadas “tags”8, etiquetas adotadas por muitos sistemas que lidam com

banco de dados, para melhor organizar e dividir conteúdos. Em seguida, são requisitados outros

dados, com as seguintes especificações:

• Título da notícia, com até 100 caracteres (campo obrigatório de ser preenchido);

• Corpo de texto da notícia, com até 1000 caracteres (campo obrigatório de ser preenchido);

• Um arquivo de imagem principal, de até 1 mb, com legenda de até 255 caracteres e

créditos com até 100 caracteres;

• Até seis arquivos multimídia complementares, que utilizam player próprio do canal;

• Áudios com até 5 mb, legenda de 255 caracteres e créditos de 100 caracteres;

• Fotos com até 1 mb, legenda de 255 caracteres e créditos de 100 caracteres;

• Vídeos com até 25 mb, legenda de 255 caracteres e créditos de 100 caracteres.

Ao terminar de preencher os campos dos formulários e enviar os arquivos de imagem,

vide ou áudio, o usuário deve aguardar a avaliação da equipe do Diário Catarinense, que ainda

decidirá pela publicação, ou não, do conteúdo. Enquanto a notícia não é postada na seção, o

usuário pode acompanhar o andamento da mediação através do link “Minhas Participações”.

7 http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=Geral&newsID=a1703513.xml 8 Normalmente são escolhidas informalmente e como escolha pessoal do autor ou usuário do conteúdo - isto é,

pode não fazer parte de um esquema pré-definido de classificação - o que possibilita uma personalização na forma de organizar o conteúdo. É um recurso encontrado em muitos sites de conteúdo colaborativo, principalmente os associados com as ferramentas da Web 2.0.

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Nesse espaço é feita uma relação de todas as notícias enviadas, organizadas cronologicamente e

etiquetadas de acordo com o status: “Em edição”, “Publicado”, “Em revisão”, “Despublicado”,

“Rejeitado”.

Uma vez que a notícia é liberada pelos editores do portal, a informação é exibida na

página principal do Leitor-Repórter. A partir disso, somente o usuário que publicou a informação

ou os editores do site podem alterar o conteúdo de alguma forma9, através da ferramenta “Editar”

presente ao lado do título da matéria, no menu “Minhas participações”. Ainda há a opção de

exclusão total do conteúdo. Quando há uma intervenção por parte dos editores do site, o conteúdo

é configurado em negrito, para diferenciar das informações geradas pelo usuário.

Os demais usuários, não publicadores, quando acessam o link da notícia, têm disponíveis

as opções de “Corrigir” e “Comentar o conteúdo. O primeiro link apresentou problemas durante a

análise, pois, sempre ao clicar, exibia que o endereço referido para a função não era encontrado.

A opção “Comentar”, quando ativada, faz com que uma nova janela surja do navegador.

Nela é apresentado um formulário similar ao do cadastro do usuário que envia o conteúdo, com

campos para preencher nome e e-mail de forma obrigatória, além do endereço e telefone. Com a

primeira parte completa, o usuário que tiver a intenção de comentar uma das notícias terá

disponível um espaço de 500 caracteres. Para isso, esse deverá concordar com os termos e

condições do Diário Catarinense, que regulam sobre conteúdo considerado “impróprio” pela

empresa, e submeter seu comentário à avaliação dos editores, para posterior aprovação e

publicação. Quando aprovados, são exibidos dentro da mesma janela do link para escrever o

comentário, de forma cronológica. Uma vez publicados, os comentários só podem ser alterados

pelos editores do site.

1.3 Interação como fator de participação

A possibilidade de qualquer pessoa ser um produtor e emissor de informações permite uma

9 Esse modelo é diferente dos modelos Wikis, plataformas de grupos (groupwares), feitas para “criação,

colaboração e distribuição de conteúdo coletivo”, em que todos os envolvidos no processo podem adicionar ou modificar qualquer informação, sem qualquer hierarquia entre os participantes no processo (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 26, tradução livre).

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diversidade de pontos de vista. Isso expande o conhecimento acumulado, na medida em que são

agregados produtores na grande rede mundial e, ao mesmo tempo, foca a cobertura das notícias

através de comunidades virtuais organizadas, dedicadas a determinados temas. Com isso, o veículo

ganha correspondentes potenciais em lugares onde, muitas vezes, sua equipe profissional não atua.

Contudo, antes de discutir o desenvolvimento do processo participativo, é preciso evidenciar o que

transformou pessoas sem conhecimentos técnicos específicos em agregadores de informações. Além

disso, é importante frisar que no Leitor-Repórter os usuários ainda devem passar pelo filtro imposto

pelos jornalistas profissionais responsáveis pelo canal.

Um dos editores responsáveis pela edição do Leitor-Repórter, Carlito Costa, acredita que não

faz sentido a prática do jornalismo na internet sem o aproveitamento das ferramentas de

interatividade:

Sem elas, o que se faz é uma mera transposição para um site do que já se faz em TV, Rádio e Jornal. O grande potencial do jornalismo digital se deve ao fato de que ele permite ao leitor, mais do que outras mídias, ser também um produtor de conteúdo. Por isso apostamos comentários, murais, chats e ferramentas como o Leitor-Repórter, que trazem o leitor para dentro da produção jornalística.10

O Leitor-Repórter do Diario.com permite o envio de material multimídia por seus usuários.

Nesse processo pode-se considerar uma interação desses com os editores responsáveis pelo site, visto

que o processo de envio de informações envolve duas partes (emissores e receptores) e,

posteriormente, há espaço para comentários e debate dos temas entre vários outros usuários. Primo

(2007, p. 13) define interação como “a ação entre os participantes do encontro (inter+ação)”. Porém,

a definição do termo abrange tópicos que vão além das simples ações entre dois ou mais participantes

de um evento, pois “a interação vai além da mera transmissão de informação” (PRIMO, 2007, p. 30).

Em larga escala, processos de leitura, escrita e até mesmo navegação em sites de informação

são considerados interação. Porém, é preciso evidenciar a parcela de controle que cada usuário exerce

na produção do conteúdo. Nessa hipótese, Jensen (1999 apud PRIMO, 2007, p. 37) define interação

como “a medida da habilidade potencial da mídia em permitir que o usuário exerça uma influência no

conteúdo e/ou na forma da comunicação mediada”. Baseado nessa idéia, Primo (2007) defende que o

processo de interação deveria mostrar uma continuidade em níveis diferentes, no sentido de quanto é

realmente a mudança que cada usuário é capaz de promover. Ou seja, o quão ativo ou influente a

parte é ao longo do processo.

10 Em entrevista por e-mail.

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Jensen (1999 apud PRIMO, 2007, p. 37) interpreta quatro níveis de interatividade, para

melhor compreensão do fenômeno:

a) interatividade de transmissão - medida do potencial do meio em permitir que o usuário escolha que fluxo de informações em mão única que receber (não existe a possibilidade de fazer solicitações); b) interatividade de consulta - medida do potencial do meio em permitir que o 'usuário' solicite informações em um sistema de mão dupla com canal de retorno; c) interatividade de conversação - medida do potencial da mídia em permitir que o 'usuário' produza e envie suas próprias informações em um sistema de duas mãos; d) interatividade de registro - uma medida do potencial do sistema em registrar informações do 'usuário' e responder às necessidades e ações dele.

Ainda nos níveis de interação, Primo (2007) evidencia dois modelos aplicados no uso dos

sistemas. O primeiro é a Interação Reativa, caracterizado pela linearidade em ambientes

fechados, em que todas as possibilidades estão definidas e cabe ao usuário somente decidir que

rumos tomar. A segunda é a Interação Mútua na qual o processo é desenvolvido através da

negociação das partes envolvidas. Por isso o autor afirma a necessidade da observação do

coletivo do fenômeno:

Para que se entenda o processo de interação mútua é preciso evitar a observação exclusiva no comunicador individual. Conforme a perspectiva sistêmico-relacional, o sujeito deixa de ser a unidade de análise [mas sim o coletivo]. Ou seja, a interação construída relacionalmente não faz sentido observar uma ação como expressão individual ou como mensagem transmitida. (PRIMO, 2007, P. 102)

A inteligência coletiva está estritamente ligada à dinâmica da Web 2.0, pois, na atual rede

mundial de computadores, é a proliferação e a predominância de sites colaborativos que

promovem seu desenvolvimento. É a chamada Construção Coletiva do Conhecimento. Lévy

(1998) define o conceito através da Inteligência Coletiva, termo que evoca a interação e as

comunidades virtuais para construir e disseminar idéias globais. O sistema é baseado na

informação democratizada e sob constante atualização, já que várias pessoas têm acesso irrestrito

e podem contribuir a qualquer momento com a adição de conteúdo.

A dinâmica do Leitor-Repórter, que envolve a emissão por parte dos usuários e o

recebimento pelos editores responsáveis, é regida por processos de interação entre os envolvidos.

A troca e a negociação de informações entre as partes envolvidas podem ocorrer em níveis

abertos, em que ambas as partes possuem as mesmas possibilidades, ou níveis fechados, através

de uma hierarquização das partes envolvidas. Mas o que predominou na análise foi o modelo

reativo, em que o usuário somente preenche campos e escolhe caminhos pré-determinados.

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2 A MUDANÇA ESTRUTURAL DA PRODUÇÃO DE CONTEÚDO NA WEB

2.1 A popularização da web

A web11 se tornou um reflexo de nossa sociedade organizada. Em pouco mais de dez

anos, desde a popularização da grande rede mundial de computadores, as pessoas viram nesse

novo meio um local para formar grupos por interesses e compartilhar conteúdos, além de

simplesmente absorver informações. Essa idéia de cooperação no desenvolvimento é discutida

desde a criação da World Wide Web, quando Tim Berners-Lee propôs em 198912 um sistema de

informação elaborado de documentação e colaboração entre investigadores e cientistas do Centro

Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN, na Suíça). Desde então, vários entusiastas da área

desenvolveram sistemas baseados no protocolo web com uma intenção em comum: compartilhar

informação entre as pessoas.

A grande rede mundial de computadores evoluiu na medida em que foi alimentada por

novos integrantes. No princípio, somente pessoas com conhecimento técnico conseguiam

abastecer a rede com informações. Graças ao caráter aberto da programação web, em que os

códigos que definem os parâmetros podem ser modificados para gerar outros resultados, outras

pessoas começaram a adaptar o trabalho dos primeiros. Na reconfiguração do sistema, surgiram

novas propostas de navegação e manipulação do conteúdo. Ou seja, poder fazer a mesma coisa,

de uma forma diferente e, muitas vezes, mais fácil do que a inicial.

Muito do que se conhece, hoje, da web, foi desenvolvido durante o “boom” da internet no

fim dos anos 90. Nessa época, muitas empresas começaram a apostar e financiar o seu lugar na

rede mundial de computadores. Os investimentos, juntamente com a mente criativa dos

11 É importante lembrar que web e internet não são a mesma coisa. Apesar de serem usados muitas vezes como sinônimos, seus respectivos conceitos são bem particulares. Enquanto a internet é uma grande rede de redes de informações, que gerencia a ligação entre os computadores em escala global, a web (World Wide Web) é uma das muitas maneiras de acessar e organizar as informações que circulam dentro da grande rede mundial de computadores. A web suporta três principais funcionalidades (http, url e html) que são linguagens (protocolos), que permite traduzir informações dos computadores (em código binário) nos navegadores (em interface gráfica nos browsers). Outras linguagens são o e-mail, o FTP e o p2p – estes últimos não sofreram grandes mudanças ao longo do tempo, pois sua função não é tão complexa quanto a parte visual da web.

12 O texto original da proposta pode ser encontrado no site de Tim Berners-Lee, no endereço http://www.w3.org/History/1989/proposal.html

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desenvolvedores, abriram infinitas possibilidades, como, principalmente, a “tradução” da

linguagem web para as pessoas sem conhecimento técnico fazerem parte desse mundo.

Conseqüentemente, com a linguagem web mais fácil de ser compreendida, mais pessoas

passaram a utilizar a internet como um canal de comunicação.

O conceito de web criado por Tim Berners-Lee previa, desde seu princípio, uma

plataforma de leitores e escritores. Mas, o que surgiu nos anos 90, foi uma aplicação em que

somente era possível a leitura. Para ter um espaço era necessário um provedor de internet

dedicado para hospedar o site, ferramentas de configuração e um conhecimento avançado em

linguagem HTML13. A mudança que redefiniu a dinâmica da web aconteceu pelo

desenvolvimento das plataformas de weblogging, que mais tarde ficaram conhecidos como blogs.

Gillmor (2004) mostra através de um relato pessoal como foi o início dessa mudança e deslumbre

pela nova possibilidade de participar da web:

Eu ainda lembro o momento que eu vi um grande pedaço do futuro. Meados de 1999, e Dave Winer, criador do UserLand Software, me chamou para dizer que havia algo que eu deveria ver. Ele mostrou uma página na web. Eu não me lembro qual era o conteúdo da página, exceto por um botão. Ele dizia: “Edite esta página” – e, para mim, nada mais foi a mesma coisa. Eu cliquei no botão. Apareceu uma caixa de texto que continha texto e alguns códigos HTML, o código que diz ao navegador o que mostrar na tela. Eu fiz uma pequena modificação, cliquei em outro botão que dizia “Salve esta página” e pronto, a página foi salva com as mudanças. O software, ainda no modo teste, se tornou os conhecidos hoje aplicativos de weblogs. (GILLMOR, 2004, p. 23, tradução livre)

A tendência é a inserção da sociedade na web - só no Brasil, são 43,1 milhões de pessoas

ligadas atualmente14 à grande rede mundial de computadores. E, na medida em que a rede

expande, as pessoas começam a procurar formas de organizar o fluxo de dados através da web.

Uma delas foi a criação de redes sociais, baseadas na idéia de que cada participante contribuía no

desenvolvimento do conteúdo.

Rheingold (2002 apud BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 16, tradução livre) evidencia que “a

auto-organização é um impulso humano incontrolável, e a internet é um jogo de ferramentas para

ela. A cooperação voluntária é a mais importante e menos conhecida característica na história dos

computadores pessoais e as redes”. Ao levar em consideração a internet como um meio e a web

13 É a abreviação de HyperText Markup Language, que significa Linguagem de Marcação de Hipertexto, uma

linguagem de marcação utilizada para produzir páginas na Web. 14 Dados da pesquisa divulgada em 18/02/2009

http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T&nome=home_materia&db=caldb&docid=9EE7A612800D5D4383257561004CF8B3

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como a forma de acesso a ele, é possível fazer um paralelo com a idéia de Bowman e Willis

(2003) de que da sociedade em rede organizada surgem comunidades online que discutem e

ampliam histórias criadas nos canais de comunicação. Os autores explicam que:

De certa forma, a internet estava destinada a ser um meio social desde o começo – aberta, sem regulação, ampliável e indispensável. Como o telefone, elimina uma das barreiras críticas para manter as redes sociais: a geografia. Para fazer-lo, a internet possibilita que um vibrante universo social emirja impulsionado pela vontade de milhões. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 13, tradução livre).

O desenvolvimento dessa sociedade em rede, com a conseqüente mudança dos meios

tradicionais, só é possível através do interesse e a efetiva participação dos envolvidos. Por isso,

Gillmor (2004) defende o potencial que existe da exploração de novas tecnologias pela

comunicação. O autor afirma que nesse processo soma-se o melhor que cada participante tem a

oferecer. Porém, antes de discutir o resultado da participação, é preciso entender a motivação das

pessoas em tomar uma posição ativa em um meio, quando, muitas vezes, todos poderiam apensar

continuar em uma posição passiva.

Bowman e Willis (2003) classificam a sociedade em três principais categorias, quanto à

maneira de se informar sobre o mundo em que vivem:

A primeira é que as pessoas são crédulas e leram, escutaram e viram quase tudo. A segunda é que a maioria das pessoas precisa de um intermediário informado para dizer o que é bom, importante ou significativo. A terceira é que as pessoas são inteligentes o bastante para absorver por si só as coisas por elas mesmas e encontrar sua própria versão de verdade. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 5, tradução livre)

É justamente no terceiro grupo que o fenômeno da participação começa a se desenvolver,

pois é nele que há pessoas interessadas para usar os meios como uma extensão das redes sociais

de seu cotidiano. E, em como qualquer sistema que envolve pessoas, os indivíduos que fazem

parte desse grupo precisam de motivações para permanecerem e serem usuários ativos:

Nesse contexto, podemos assumir que as pessoas estão motivadas para participar com o intuito de alcançar um sentido de permanência no grupo; para construir sua auto-estima, através de contribuições e para alcançar reconhecimento por contribuir; e desenvolver novas habilidades e oportunidades para a construção do amor próprio (ego) e auto-realização. (KIM, 2000 apud BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 40, tradução livre)

De acordo com Dall-Vitt (2008), a participação popular é motivada pelo contexto social e

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tecnológico das redes, que trouxe ferramentas de fácil usabilidade, o que reforça o conceito de

democratização da informação, relacionado diretamente com o conceito de Web 2.0. Bowman e

Willis (2003, p. 17) afirmam que, na medida em que a web permite a seus usuários expressar suas

idéias e perspectivas de várias formas, isso faz as pessoas saciarem uma “fome gigantesca de

publicar na Era da Informação”. Ou seja, em um primeiro momento, mais importante do que as

pessoas participarem efetivamente de um sistema é a possibilidade delas compreenderem seu

papel dentro da rede, como indivíduos ativos, contribuem no desenvolvimento de um todo e se

sentirem recompensados ao serem expoentes desse desenvolvimento.

2.2 O webjornalismo e os novos produtores de conteúdo

A tendência que se vê hoje na web é que as audiências se convertam em participantes,

através do desenvolvimento de ferramentas para formar criadores em seu ambiente online. Essa

realidade também está presente no jornalismo praticado na grande rede mundial de

computadores, que encontra uma nova dinâmica. Para entender a mudança causada é interessante

observar o resumo de Dall-Vitt (2008) da história da relação do jornalismo com a web, em três

principais fases:

A primeira, conhecida como transpositiva, dizia respeito às experiências inicias. O conteúdo dos meios de comunicação impressos eram reproduzidos nos sites jornalísticos e as atualizações eram de acordo com o fechamento das edições. A segunda, denominada de metáfora, fazia referência as primeiras tentativas de explorar o potencial oferecido pela web, como por exemplo, a inclusão links e espaços destinados à publicação, circulação e debate de idéias. Já na terceira, a atual fase, as notícias passaram a ser desenvolvidas exclusivamente para a world wide web, usufruindo dos recursos proporcionados por esta rede telemática. (DALL-VITT, 2008, p. 2)

Linderman (2008, p. 2) segue o mesmo raciocínio ao afirmar que é na exploração da

terceira fase que aparece o Webjornalismo Participativo, “viabilizado graças à articulação entre o

webjornalismo e a Web 2.0”. A autora detalha que é o uso do multimídia, da interação, dos

hipertextos e das opções de adequação dos produtos conforme a vontade do usuário que auxiliam

no desenvolvimento da narrativa dos fatos. Esses tópicos possibilitaram a inserção de um novo

componente na via entre emissores e receptores de informação. A mudança fica evidente na

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lógica de Primo e Träsel (2004):

Durante os primeiros tempos do hipertexto digital [...] a fronteira entre autor e leitor estava borrada. Por outro lado, os primeiros periódicos a aparecerem na web mantinham bem demarcada a barreira entre redação/edição de notícias e os internautas. O modelo transmissionista (emissor → mensagem → canal → receptor), que parecia para alguns ser o modelo natural da comunicação de massa, ganha nova maquiagem. O fluxo jornalista → notícia → jornal → leitor, por exemplo, renova-se em jornalista → notícia → site → usuário, mas ainda mantém a lógica distribucionista anterior. É verdade, porém, que escrita e leitura tornem-se hipertexto, o que em si já altera o processo interativo. A leitura do hipertexto demanda que o internauta assuma uma postura ativa na seleção dos links que apontam para diferentes lexias na estrutura hipertextual, o que o convertia necessariamente em co-autor [...] A abertura de sites noticiosos à construção participativa de notícias e ao seu debate levanta questões não apenas sobre webjornalismo, mas também exige renovados debates em torno do sistema produtivo e dos próprios ideais jornalísticos. (PRIMO; TRÄSEL, 2004, p. 2)

O autor evidencia o uso dos hiperlinks para remodelar a estrutura de navegação na web,

principalmente na forma das pessoas assimilarem o conteúdo. Hiperlinks são o fundamento da

rede. À medida que os usuários adicionam conteúdo e sites novos, esses passam a integrar a

estrutura da rede, ao mesmo tempo que outros usuários descobrem o conteúdo e se conectam a

ele. Do mesmo modo que se formam sinapses no cérebro – com as associações fortalecendo-se

em função da repetição ou da intensidade – a rede de conexões cresce, como resultado da

atividade coletiva de todos os usuários da rede. É interessante perceber como o webjornalismo,

um dos ramos do jornalismo, recebeu as mudanças com a nova estruturação da web. Bowman e

Willis (2003) aprofundam a discussão dessa mudança:

O jornalismo sempre teve que responder às mudanças tecnológicas e sociais. A Era da Informação trouxe uma tremenda expansão de meios – cabos, televisão, um crescente número de publicações segmentadas, sites na internet, telefonia móvel. Os meios chegaram a ser quase ultrapassados, e o jornalismo de novo se encontra em uma encruzilhada entre o panorama daqueles mais fragmentados e cheios de competência de fontes tradicionais. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 15, tradução livre)

Primo e Träsel (2004, p. 4) afirmam que as “tecnologias digitais têm servido como motivador

para uma maior interferência popular no processo noticioso”. Isso transforma os meios de distribuição de

conteúdo em meios de comunicação, abertos à influência recíproca entre todos os participantes. Tal

mudança muda a estrutura de distribuição dos canais de informação, como evidencia Gillmor (2004):

Há mais de 150 anos nós temos essencialmente duas formas distintas de comunicação: um-para-muitos (livros, jornais, rádio e televisão) e um-para-um (cartas, telegramas e

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telefone). A internet, pela primeira vez permitiu-nos muitos-para-muitos e alguns-para-alguns comunicadores. Isso teve muitas implicações na forma de ver audiências e produtores de informação porque a diference entre ambos ficou difícil de ser distinguida. Que isto poderia acontecer na mídia não é nenhuma surpresa, dada a natureza relativamente aberta das ferramentas da web, que podem ser utilizadas das formas mais inusitadas. É sempre assim na mídia, cada novo meio surpreendeu seus inventores de uma maneira ou de outra. (GILLMOR, 2004, p. 46, tradução livre)

É nesse contexto da abertura da estrutura informacional que se desenvolve o

Webjornalismo Participativo, que abrange todas as notícias, reportagens, peças audiovisuais e

imagens produzidas por qualquer pessoa chamada “interagente” (PRIMO; TRÄSEL, 2004, p. 10)

e distribuídas na web. Ou seja, o que define a nova forma de ler a web é a participação, através de

processos de interação e manipulação do conteúdo. Essa interferência das audiências cria um

novo pólo emissor nos processos de transmissão de informações. Primo (2007, p. 11) propõe um

novo modelo, “webdesigner → site → internet ← usuário”, o qual seria a “fórmula da

interatividade”. A internet assume o papel de receptáculo do conteúdo gerado pelos envolvidos,

enquanto que cada pólo desenvolve seu trabalho baseado no conteúdo gerado pelo outro –

webdesigners desenvolvem ferramentas para os usuários alimentarem sites, enquanto que

usuários enviam conteúdo que é gerenciado por webdesigners. Gillmor (2004) afirma que nessa

nova via renasce a web de leitura e escrita, planejada inicialmente por Tim Berners-Lee: “todos

podemos agora escrever, não apenas ler, de maneira nunca antes possível. Pela primeira vez na

história, pelo menos no mundo desenvolvido, qualquer um com um computador e uma ligação à

internet pode publicar conteúdo” (GILLMOR, 2004, p. 24, tradução livre).

2.3 Vários nomes para o mesmo conceito

Foschine e Taddei (2008, p. 19) afirmam que existem vários nomes para a mesma prática

do Webjornalismo Participativo e que “muita gente confunde jornalismo cidadão com jornalismo

cívico ou o jornalismo feito pelos veículos de mídia com o enfoque nos interesses do cidadão”.

Os autores explicam que, na verdade, todas as nomenclaturas definem a questão das comunidades

participarem no processo de produção de notícias e outros conteúdos, que ultrapassam os temas

sociais ou cívicos. Nisso é importante frisar que webjornalismo é o jornalismo praticado na

grande rede mundial de computadores, no formato online, e que existem, segundo Foschine e

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29

Taddei (2008), quatro subdivisões quanto à influência das audiências no processo:

• Participativo: acontece quando os comentários somam idéias aos artigos, de forma a

contribuir com as informações através da participação. Esse tipo ocorre normalmente em

blog, em que as ferramentas de comentário já estão contidas na estrutura do texto.

• Colaborativo: é visto na produção finalizada com a contribuição de mais de uma pessoa.

Normalmente, é visto em textos escritos por duas ou mais pessoas ou uma mesma página

que contenha vários complementos multimídia de pessoas diferentes.

• Código aberto: é o jornalismo praticado no chamado modelo wiki, que permite a qualquer

pessoa modificar o conteúdo criado por outro. Entram aqui também produtos multimídia

não protegidos por licenças e distribuídos para alteração na grande rede mundial de

computadores.

• Grasroots – é relacionado com a produção das camadas periféricas da sociedade. A

importância desse tipo de jornalismo cidadão está justamente no papel desempenhado

pelos participantes do processo. Quando divulgam as próprias notícias, passam a

evidenciar aquilo que a mídia muitas vezes deixa de lado, mas interessa para uma camada

da sociedade. O termo "grassroots” normalmente é usado para a inclusão social nos meios

– o que aproxima do jornalismo cívico.

Gillmor (2004) afirma que no Webjornalismo Participativo o usuário está realmente no

poder dos meios, pois, através de sua contribuição, pode influenciar no desenvolvimento das

pautas e da publicação. Corrêa e Madureira (2009) lembram que o fenômeno surgiu com os

blogs, sistemas simples e sem custo de publicação, que foram transformados rapidamente em

“jornais virtuais” pelas pessoas. Paralelo a isso, os autores afirmam que a imprensa tradicional

passou a adotar o modelo participativo, também chamado de jornalismo cidadão ou de “código

aberto”15. Esse novo modelo passou a modificar, gradualmente, a concepção da indústria de

produção da informação para se adequar à intervenção das audiências. Corrêa e Madureira (2009,

p. 2-3) traçam a evolução do fenômeno participativo no jornalismo: “O jornalismo participativo

adotou o princípio de que cada cidadão é um jornalista em potencial e pode contribuir para a

15 Tradução livre de “Open Source”, expressão normalmente empregada para softwares com o código aberto, em

que é possível realizar modificações no projeto original ou mesmo desenvolver novos aplicativos.

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construção das notícias. O fenômeno surgiu no começo da década [2000] nos Estados Unidos e

na Ásia e também repercutiu no Brasil”.

No Leitor-Repórter o usuário não possui total controle sobre a ferramenta, pois a

publicação do conteúdo depende da autorização dos editores responsáveis. Mesmo assim, é

possível perceber o aproveitamento do conteúdo produzido pelos cidadãos, o qual os jornalistas

organizam dentro do canal participativo. Nesse sentido, a subdivisão participativa, proposta por

Foschine e Taddei (2008), pode ser utilizada para descrever o processo de produção de conteúdo

dentro do Leitor-Repórter – ou seja, as pessoas participam através do conteúdo produzido,

enquanto jornalistas organizam e editam as notícias.

2.4 A relação entre usuários e editores no Leitor-Repórter

Bowman e Willis (2003, tradução livre) afirmam que a participação pode ocorrer dentro

de dois principais modelos: o aberto e o fechado. Tais conceitos vão desde a total liberdade de

edição e publicação dos conteúdos dos usuários de um sistema na web (aberto), até a moderação

e controle do fluxo de dados por uma figura hierárquica (fechado). Para melhor compreender a

diferença entre os modelos, os autores definem quatro tópicos de uma escala:

• Aberta comunal: apesar de normalmente ter um anfitrião único, moderador ou arquiteto da

comunidade, quase toda a atividade dentro desse modelo – membro, edição, filtragem,

moderação, distribuição de conteúdo, etc. – é administrada e governada pela própria

comunidade que faz parte.

• Aberta exclusiva: a um grupo de membros privilegiados, normalmente os proprietários do

site. Eles colocam o conteúdo principal e a estrutura do site, enquanto a audiência cria

conteúdo secundário através de comentários. Isso normalmente se vê nos weblogs. Às

vezes é moderado no número de pessoas que podem fazer parte, como é o caso de alguns

fóruns.

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• Fechado: só um grupo privilegiado de membro pode ler, publicar, editar e publicar o

conteúdo. O sistema, que pode ser um fórum ou blog, existe em um ambiente de web

privado (como dentro do endereço de uma empresa, como intranets).

• Parcialmente fechado: segue a mesma lógica do modelo fechado, só que o conteúdo

gerado é exposto para público geral da web.

Os autores explicam que estes tópicos devem ser considerados de acordo com as

estratégicas usadas em cada endereço particularmente, o que pode definir uma classificação final

que contemple até mesmo dois modelos em um mesmo sistema. Tudo irá depender da relação do

modelo de Webjornalismo Participativo com sua audiência.

O Leitor-Repórter apresenta características do modelo “aberto exclusivo”, pois o grupo

privilegiado é formado pelo corpo de editores jornalistas, que recebem o conteúdo enviado pelos

usuários cadastrados. A participação de pessoas externas ao círculo dos editores é limitada pelo

cadastro. Além disso, o sistema pode ser aceito como aberto por permitir (somente) a

visualização por qualquer pessoa. Mesmo assim, há uma parcela do caráter “parcialmente

fechado”, já que o material “bruto” (ainda não conferido e editado) só é visível para os editores e

o emissor do conteúdo.

Bowman e Willis (2003) afirmam que o jornalismo cidadão, feito a partir do diálogo, é

semelhante ao Webjornalismo Participativo, baseado na interação entre as partes envolvidas. Os

autores afirmam que em ambos não existe uma organização central noticiosa que controle o

intercâmbio de informações, pois é a conversa o mecanismo que transforma as regras tradicionais

do jornalismo e cria uma ética dinâmica e igualitária de dar e receber:

A fluidez dessa aproximação põe mais ênfase na publicação da informação que o filtro. As conversas se dão na comunidade para que todos as vejam. Em contrapartida, as organizações tradicionais de notícias existem para filtrar a informação antes que esta seja publicada. Pode haver colaboração entre editores e repórteres, porém os debates não são abertos ao público. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 10, tradução livre)

O “filtro” citado tem o papel de controlar o fluxo de informações e organizar o banco e

dados. Primo e Träsel (2006) evidenciam uma nova forma de controle da produção:

Devido à quantidade de informação circulando nas redes telemáticas, cria-se a necessidade de avaliá-la, mais do que descartá-la. Não é mais preciso rejeitar notícias devido à falta de espaço, porque pode-se publicá-las todas [...] assume-se um papel

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semelhante ao de um bibliotecário. É claro que alguém ainda precisa entrevistar as fontes e analisar dados, e a maioria dos profissionais que lidam com o webjornalismo acabam por assumir ambos os papéis. O gatewatcher combinaria funções de bibliotecário e repórter. Do porteiro, passa-se ao vigia. (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 8)

A evolução da participação das audiências no webjornalismo depende dos recursos

disponíveis e da forma que as empresas que controlam o espaço online gerenciam o fluxo do

conteúdo. Quadros (2005 apud LINDERMANN, 2008) aponta seis fases da evolução da

participação do público no webjornalismo:

Na primeira fase, a interatividade é mais uma promessa do que uma realidade. O usuário envia um e-mail à redação digital e não obtém resposta, apenas a disponibilização do seu conteúdo editado em um espaço definido para os leitores tal como ocorre nas seções de cartas dos jornais impressos. Na segunda fase, o usuário tem a oportunidade de escolher mais caminhos possíveis como o uso ainda incipiente do hipertexto. Com sorte, em alguns jornais, ele consegue enviar e-mails diretamente aos jornalistas e receber uma resposta. São oferecidas algumas possibilidades de escolha normalmente, dispostas em formulários estanques. Na terceira fase, são marcadas conversas esporádicas com jornalistas e personalidades famosas. Mais do que provocar o espírito crítico de internautas inertes, a intenção do mediador é atrair o público. Na quarta fase, na qual já se proliferam os blogs, alguns jornais digitais adotam a possibilidade de enviar comentários sobre os assuntos em pauta. Os comentários são disponibilizados logo abaixo das reportagens. Não há troca de comunicação entre mediadores e usuários, mas o mediador responsável por determinada reportagem pode citar alguma mensagem que desperte o seu interesse. A capacidade de memória do usuário é estendida por meio do banco de dados, que faz o elo entre informações fragmentadas ao relacionar o conhecimento humano. Na quinta fase, o público ganha o direito de produzir uma matéria com o apoio do mediador. Os conteúdos podem ser bons ou ruins e o usuário ainda aprende a soltar a voz por muito tempo abafada pelos meios de comunicação de massa [...] Na quinta fase o usuário também adquire o direito de disponibilizar conteúdos audiovisuais. Parace mais um papparazi do que um cidadão-repórter, como o da sexta fase. Nesta fase, emissores e receptores invertem os papéis para construir de modo interativo uma história. (QUADROS, 2005 apud LINDERMANN, 2008, p. 3-4)

O Leitor-Repórter segue os preceitos da primeira fase, na qual apenas envia o conteúdo

que produziu para a redação e não obtém uma resposta, ao disponibilizar um espaço definido para

os usuários enviarem seu conteúdo através de um formulário com opções predefinidas. Os

elementos da segunda e terceira fase, respectivamente da escolha dos caminhos através dos

hiperlinks e o contato entre partes envolvidas, estão na possibilidade de contato que os usuários

podem firmar com os editores responsáveis. A possibilidade de ampliar o conteúdo através dos

comentários da quarta fase também é visível no canal, assim como a “memória do usuário

estendida” nos arquivos de todo o conteúdo já produzido. Já a quinta fase, que abrange o uso do

conteúdo audiovisual (multimídia), é limitada por padrões e espaços fixos. Essa fase também é

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prejudicada no canal, pois não é possível criar hiperlinks no texto enviado, que possam remeter

para a ampliação do conteúdo.

2.4.1 A interação no processo participativo do Leitor-Repórter

O jornalista e editor do portal diario.com.br, Carlito Costa, é um dos responsáveis pelo

recebimento do material enviado pelos usuários do Leitor-Repórter. Ele afirma que a

interatividade do diario.com.br e do próprio portal clicRBS está nos comentário, murais, chats e

no próprio Leitor-Repórter, “que trazem o leitor para dentro da produção jornalística”16. Os

editores têm à disposição uma ferramenta dentro da parte de publicação do Leitor-Repórter, que

sinaliza a chegada de conteúdo enviado, similar às caixas de entrada dos e-mails pessoais (essa

parte é de acesso exclusivo aos editores). Assim, os jornalistas podem avaliar e editar o conteúdo,

para então liberar para ser visualizado na página do Leitor-Repórter.

Primo (2007) afirma que a interação vai além da simples transmissão de informações

entre envolvidos em um processo. O autor defende a bidirecionalidade como a característica

principal da interatividade, em que cada participante assimila o conteúdo do outro, desenvolve e

devolve para o meio, que sofre modificações através de interações em um ciclo:

Reduzir a interação a aspectos meramente tecnológicos, em qualquer situação interativa, é desprezar a complexidade do processo de interação mediada. É fechar os olhos para o que há além do computador. Seria como tentar jogar futebol olhando apenas para a bola, ou seja, é preciso que se estude não apenas a interação com o computador, mas também a interação através da máquina. (PRIMO, 2007, p. 30 e 31)

O autor defende que interação não é um processo simples de ser compreendido. Porém,

através da idéia de Steuer (1993 apud PRIMO, 2007, p. 34) é possível ter uma idéia clara de sua

aplicação:

“Interatividade” é a extensão em que os 'usuários' podem participar na modificação da forma e do conteúdo do ambiente mediado em tempo real. Segundo ele [Steuer], “interatividade” é variável direcionada pelo estímulo e determinada pela estrutura tecnológica do meio (uma relação que cabe no modelo estímulo-resposta. (STEUER, 1993 apud PRIMO, 2007, P. 34)

16 Em entrevista por e-mail.

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Jensen (1999 apud PRIMO, 2007, p. 37) apresenta a seguinte definição de interatividade:

“A medida da habilidade potencial da mídia em permitir que o usuário exerça uma influência no

conteúdo e/ou na forma da comunicação mediada”. O autor defende a interatividade em níveis,

que podem ser classificados em:

• interatividade de transmissão - medida do potencial do meio em permitir que o usuário

escolha que fluxo de informações em mão única que receber (não existe a possibilidade de

fazer solicitações);

• interatividade de consulta - medida do potencial do meio em permitir que o usuário

solicite informações em um sistema de mão dupla com canal de retorno;

• interatividade de conversação - medida do potencial da mídia em permitir que o usuário

produza e envie suas próprias informações em um sistema de duas mãos;

• interatividade de registro - uma medida do potencial do sistema em registrar informações

do usuário e responder às necessidades e ações dele.

O canal Leitor-Repórter pode ser classificado dentro do conceito de interatividade de

consulta e interatividade de conversão. A primeira característica é visível no uso de links, que

permitem a navegação entre páginas e expandem o conteúdo apresentado. Além disso, a

hiperligação é usada para organizar o banco de dados e os arquivos do material já publicado. Já a

conversão acontece através do formulário de envio de notícias, no espaço direcionado pelo link

“Envie uma matéria”, e nas caixas de comentários que acompanham os posts.

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Figura 4: Página com o link que permite acesso ao formulário de envio de conteúdo por usuários do Leitor-Repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?uf=2&local=18&section=Leitor-Rep%F3rter&secao=post&localizador=Di%E1rio%20Catarinense/Di%E1rio%20Catarinense/Leitor-Reporter&partyid=cEqvriMFaZA=&username=IZFJLuoUMmzu9qJMx9n7sA==

Primo (2007) explica que o processo de interação pode ainda ser dividido em duas

dinâmicas: reativa e mútua. Segundo o autor, a primeira se dá através de estímulos e respostas

pré-determinados. Por exemplo, ao clicar em um hiperlink, o computador entende a ação como

“redirecionar a tela para o endereço contido no código de programação”. Já a segunda:

Enquanto sistemas informáticos se guiam por algum dado considerado correto ou verdadeiro, para que possam interagir, os participantes em interação mútua, mesmo tendo certas convicções, poderão debater assumindo outras posições, reconsiderar suas certezas temporárias e até mesmo incorrer em contradições sem que isso “trave” a interação (como acontece em interações reativas diante de alguma troca imprevista). (PRIMO, 2007, p. 114)

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A estrutura do Leitor-Repórter é predominantemente reativa, já que são disponibilizados

ao usuário formulários predefinidos, com campos fixos e sem a possibilidade de alteração do

sistema. É oferecido ao usuário somente uma lista de opções, como uma das categorias de

classificação do conteúdo ou os hiperlinks que determinam um caminho unilateral (a publicação

do conteúdo) – cabe ao usuário somente escolher. Além disso, a não possibilidade de

interferência nas informações geradas por outros usuários diretamente (não é possível editar o

conteúdo gerado por outras pessoas) deixa claro o controle absoluto dos editores. Somente é

possível editar o conteúdo que o próprio usuário produziu no canal. Essa modificação pode ser

feita no momento de envio, durante a revisão dos editores e após a publicação do site. Porém,

nessa última etapa, não é feita a atualização da data de publicação, o que deixa o conteúdo

inalterado na primeira data de publicação.

A interação mútua acontece em menor escala através das discussões nos comentários e na

relação dos editores do canal com o público. Os comentários seguem a lógica das notícias ao

apresentar postagens menores em forma cronológica, expandir e, ao mesmo tempo, atualizar o

conteúdo - outras pessoas podem discordar, retificar ou mesmo complementar em um espaço à

parte o conteúdo apresentado na matéria.

A linearidade dos sistemas fechados, pré-definidos, não permite a expansão e a

atualização dos conteúdos, pois “interagir não é apenas apontar e clicar” (PRIMO, 2007, p. 143).

No Leitor-Repórter é como se os usuários fossem mesmo jornalistas, que submetem as

informações que publicam ao crivo dos editores, pois a decisão final (aprovação ou não do

conteúdo) é da empresa, como dito no momento da publicação: “O material será avaliado pela

equipe de Diário Catarinense, que decidirá por sua publicação ou não”. Para tanto, é utilizado um

sistema de cores para definir a etapa que o material se encontra. Cada cor representa a ação pela

qual sofre o conteúdo. São elas: em edição (ainda não visto pelos editores do canal), publicado

(visível para qualquer pessoa), em revisão (os editores apuram alguma informação do conteúdo),

despublicado (material que foi colocado online, porém foi retirado) e rejeitado (material que não

atendeu as especificações ou considerado impróprio). Esse sistema funciona como etiquetas para

o conteúdo produzido pelo usuário, que fica registrado em um índice acessível somente pelo

detentor da conta, como na figura a seguir:

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Figura 5: Índice do conteúdo produzido por usuário do Leitor-Repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Di%E1rio+Catarinense/Di%E1rio+Catarinense/Participe&secao=userarea

Nesse sentido, Primo e Träsel (2006) fazem uma retomada histórica da evolução da forma

que as pessoas passaram a participar dos meios de comunicação, principalmente considerando os

processos de mediação da interatividade das partes:

No jornalismo mediado por televisão, rádio ou jornal, a inata contradição entre produção e recepção é de difícil ultrapassagem. O sistema produtivo de características industriais, que se aperfeiçoa em torno desses canais, delimita papéis bem definidos, tanto na divisão do trabalho, quando na separação entre quem lê (escuta ou assiste) e quem escreve ou fala. É bem verdade que diferentes vozes atravessam qualquer texto jornalístico. Pode-se acrescentar que qualquer noticiário inclui sempre, em alguma medida, a participação de seu público. Antes do e-mail, essa participação já ocorria através de cartas e ligações, por exemplo, na forma de sugestões de pauta ou mesmo para alguma seção do tipo “carta do leitor”. Porém, a filtragem daquelas cartas, o pequeno espaço disponível para sua publicação e a necessidade de utilização de outro meio para envio (não se pode responder através da televisão) acabam por desestimular uma maior participação. Por outro lado, as tecnologias digitais têm servido como motivador para uma maior interferência popular no processo noticioso. (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 3-4)

O jornalista Carlito Costa confirma um processo de triagem e edição do conteúdo do

canal, além de um retorno, uma espécie de “conversa”, ao explicar a rotina de publicação:

Diariamente, os editores do diario.com.br checam as participações postadas por leitores na ferramenta do Leitor-Repórter. Algumas são rejeitadas, por não se enquadrarem na proposta do espaço, que é dedicado a notícias enviadas por leitores. Recebemos, por exemplo, opiniões, releases e até poesias. Ao ter uma participação rejeitada, o leitor recebe por e-mail um retorno, explicando o porquê da recusa. As contribuições que passam por esse filtro são revisadas e, se necessário, editadas. Em muitos casos é preciso que informações enviadas pelos leitores sejam checadas ou mesmo complementadas por um contraponto. Nesses casos, um dos redatores do diario.com.br é pautado para isso.

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Depois que a participação do leitor está revisada, checada e devidamente completa, ela é publicada no site. Depois de publicada, ela pode ainda receber comentários de outros leitores. Esses comentários estão sujeitos às mesmas regras daqueles postados nas matérias. Eles são filtrados pelos editores e publicados. 17

Carlito Costa explica que os critérios utilizados para edição, publicação e eventual recusa

são os mesmos para a publicação de notícias. Nesse processo são valorizadas notícias, “fatos”

como o jornalista classifica, recusando-se opinião e literatura: “Deve ser um assunto de interesse

do público a que se destina. A diferença é que o rigor é menor com a qualidade de apuração, já

que ela pode ser complementada pela equipe do site, se for o caso”18.

Quanto à recusa de material, o editor do Leitor-Repórter considera que o material não

utilizado “não é tão grande”:

De modo geral o leitor, que na maioria das vezes não é um jornalista, tem dificuldade em diferenciar notícia de opinião. Em muitos casos o texto é editado de modo a retirar dele o que tem caráter de opinião, deixando apenas o relato do fato. Mas há casos em que isso torna-se impossível, e o post é rejeitado19.

O Leitor-Repórter, ao mesmo tempo em que se propõe como um canal aberto para receber

as informações, fecha a possibilidade dos usuários interferirem no conteúdo de terceiros após a

publicação, negando o caráter da informação gerada da base, como mostrado anteriormente. A

discussão sobre da abertura, ou não, dos meios leva à seguinte questão: as empresas pretendem

com isso dar qualidade ao produto através do controle, ou a empresa prefere manter a divisão de

posições, para marcar bem quem é o produtor e quem é o consumidor do processo (e a

participação seria mero incentivo para consumir o produto “personalizado”)? A discussão desse

embate pode ser vista no capítulo 4, “Adaptação da imprensa ao Webjornalsmo Participativo”, na

página 54.

17 Em entrevista por e-mail. 18 Em entrevista por e-mail. 19 Em entrevista por e-mail.

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3 O RELATO DAS CHEIAS CATARINENSES DE 2008 NO LEITOR-REPÓRTER

3.1 Aspectos metodológicos

O objeto de estudo nesta monografia foi selecionado devido às particularidades do canal

de Webjornalismo Participativo Leitor-Repórter. A página é um produto do portal de notícias

online ClicRBS, considerado pelo Ibope em 2008 “a maior operação de conteúdo regional de

internet do Brasil”20. O Leitor-Repórter faz parte dos endereços eletrônicos dos três maiores

jornais impressos catarinenses – A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina. Nesta

monografia foi considerada a seção pertencente ao diario.com.br, periódico que propõe cobrir

toda Santa Catarina. Mesmo como um canal secundário na página do jornal, o Leitor-Repórter é a

proposta de Webjornalismo Participativo de destaque na região, já que pertence ao maior grupo

de comunicação do estado. Além disso, a iniciativa do Leitor-Repórter de abrir um canal para a

participação das audiências foi pioneira em Santa Catarina.

O conteúdo analisado compreende o material enviado pelos usuários cadastrados no

Leitor-Repórter entre os dias 22 e 29 de novembro de 2008. No período, Santa Catarina foi

atingida por uma catástrofe climática, que trouxe graves conseqüências aos catarinenses. Foram

32853 pessoas entre desalojados e desabrigados, 135 vítimas fatais, 6 pessoas desaparecidas, em

14 municípios que declararam estado de Calamidade Pública e 63 Situação de Emergência21.

Nesse cenário, destacaram-se meios com maior agilidade, como a web, para a divulgação e

atualização de dados e informações relevantes ao envolvidos.

Os meios de comunicação tradicionais (televisão, rádio e jornais impressos) tiveram

problemas de veiculação e circulação durante as cheias, devido a problemas técnicos causados

pela falta de energia e o próprio deslocamento dos funcionários. Enquanto isso, a internet foi um

dos meios de comunicação alternativos mais utilizado22, devido a sua característica de

20 Segundo matéria da Associação dos Dirigentes de Marketing e Vendas do Brasil (ADVB) – disponível em:

http://www.advb.com.br/topdemarketing/clicrbs.pdf 21 Dados retirados de relatório emitido pelo Departamento Estadual de Defesa Civil de Santa Catarina, datado de

31 de dezembro de 2008, disponível em: http://www.defesacivil.sc.gov.br/images/stories/31_12_08.doc 22 As pessoas puderam acessar a internet através de computadores pessoais, laptops e celulares com função web.

Além disso, a internet continuou ativa no período, enquanto algumas emissoras de rádio e TV estavam fora do ar

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descentralização (não depende de um único ponto para existir)23. As pessoas atingidas pela

tragédia utilizaram aparelhos pessoais, como câmeras e celulares com capacidade fotográfica,

para registrar os fatos que presenciaram e, conseqüentemente, divulgaram esse material – tanto

como uma forma de registro, como de testemunho em participar de um fato tão marcante.

Primo e Träsel (2006) evidenciam que o fenômeno da participação das audiências é maior

na cobertura de catástrofes, pois, quando acontecem, podem não haver repórteres para cobrir.

Segundo os autores, hoje em dia, com certeza, haverá alguém que vai colher informações com

um aparelho pessoal. O fundador do site Periodismociudadano.com24, Óscar Espíritusanto,

confirma a hipótese anterior ao afirmar:

A importância dessa nova forma de transformar homens e mulheres em repórteres se mostrou na cobertura de desastres naturais, atentados, conflitos bélicos e outros eventos. Pessoas que tem as ferramentas necessárias para informar o que acontece e o que encontram no momento adequado e no lugar certo.25

A partir do momento que as pessoas captam, descrevem e alimentam redes de informação

com dados, elas passam a ser produtoras de conteúdo. Essa função passou a ser explorada pelos

meios de comunicação, como um canal de relacionamento com as audiências e uma nova fonte

de informações para jornalistas. É justamente na nova relação entre jornalistas, que recebem o

conteúdo, e audiências, que passam a produzir conteúdo, está a importância de uma análise do

desenvolvimento das informações no meio digital.

Esta monografia explorou a relação entre imprensa e suas audiências no Leitor-Repórter,

para mostrar como o Webjornalismo Participativo altera rotinas e funções tradicionais dos

jornalistas profissionais. Para tanto, buscou-se evidenciar as implicações da participação de

cidadão-jornalistas no conteúdo jornalístico profissional publicado no canal participativo do

Diario.com.br, do Grupo RBS. Com isso, se pode descrever os processos de participação que

ocorrem na interatividade disponível das ferramentas da web.

Micó (apud CABRERA et al, 2008) evidencia que várias figuras profissionais da

no período e jornais impressos deixaram de circular.

23 Aqui é interessante lembrar a história da internet, que foi desenvolvida justamente para ser um sistema de comunicação militar descentralizado, em que se uma estação de informações fosse destruída, as demais continuariam a operar normalmente.

24 http://www.periodismociudadano.com/ 25 Tradução livre de fragmento extraído do site http://www.tintadigital.org/2009/03/09/ellos-hacen-periodismo-

ciudadano/.

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imprensa experimentaram mudanças significativas em sua rotina, especialmente em questões

técnicas e funcionais. Nesse contexto, o autor sugere métodos qualitativos e quantitativos,

baseado em estudos do gênero online na região da Catalunha26, para o desenvolvimento de

estudos relacionados ao Webjornalismo Participativo.

Em um primeiro momento, fez-se necessário o uso da revisão bibliográfica para

identificar informações relevantes já publicadas sobre o assunto e buscar apoio teórico aos termos

aplicados na monografia. Como evidencia Stumpf (2006, p. 51):

a pesquisa bibliográfica, num sentido amplo, é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção de bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, em que é apresentada a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o pensamento de autores (STUMPF, 2006, p. 51).

A revisão bibliografia deu a base teórica necessária para confrontar o objeto de estudo

com as palavras chaves e, assim, verificar as hipóteses. Para tanto, foram observados os conceitos

inseridos na Construção Coletivo do Conhecimento (LÉVY, 1999), Interação (PRIMO, 2006) e

Webjornalismo 2.0 (BRIGGS, 2007).

Após a apuração e seleção dos aspectos teóricos que melhor se aplicam ao Webjornalismo

Participativo , o desenvolvimento desta monografia seguiu os preceitos de Adghirni, Mendonça e

Pereira (2008), que apontam três perspectivas teóricas para desenvolver estudos voltados ao

jornalismo digital. Os autores mostram a utilização de conceitos de newsmaking para entender

rotinas de produção e a cultura profissional, da cibercultura de Lévy (1999) para mostrar como a

internet difere dos demais meios e o contexto sociológico desse meio. Por essa abordagem é

interessante perceber como:

Os estudos sobre identidade e jornalismo digital tendem a desconstruir e questionar a crença de uma natureza imutável do jornalista. Fundamentadas nas teorias construtivistas e no interacionismo simbólico, busca-se entender os processos sociais pelos quais o jornalista se reinventa permanenemente, agregando à sua identidade novos territórios profissionais” (ADGHIRNI; MENDONÇA; PEREIRA, 2008, p. 242).

Para avaliar as informações enviadas pela audiência do canal Leitor-Repórter foi utilizada

a análise de conteúdo. Cabrera et al (2008, p. 220) afirma que o método é ideal em estudos que

focam a internet na prática profissional, através de exemplo de estudos sobre webjornalismo na

26 São poucos os autores brasileiros que tratam de métodos voltados para o estudo do webjornalismo participativo.

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Espanha. O método em questão foi aplicado para verificar e discutir, a partir de pontos de vista

teóricos, a validade da participação das audiências na rotina da imprensa e o seu impacto no

futuro da prática jornalística.

De acordo com Herscovitz (2007), a análise de conteúdo condiz com a proposta desta

monografia, pois:

A Análise de Conteúdo pode ser utilizada para detectar tendências e modelos na análise de critérios de noticiabilidade, enquadramento e agendamentos. Serve também para descrever e classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos, para avaliar características de produção de indivíduos, grupos e organizações, para identificar elementos típicos, exemplos representativos e discrepâncias e para comparar o conteúdo jornalístico de diferentes mídias em diferentes culturas. (HERSCOVITZ, 2007, p. 123)

Adghirni, Jorge e Pereira (2008, p. 241) ampliam o conceito da análise de conteúdo para o

meio online, que “implica preservar alguns registros desses dias de campo, como pautas, algumas

matérias e páginas, com o fim de ilustrar as várias etapas”, pois “esse tipo de abordagem permite

verificar o resultado do processo de produção jornalística e tentar uma possível tipologia das

notícias que estão surgindo na internet”. Para tanto, as páginas referentes ao conteúdo enviado

entre os dias 22 e 29 de novembro de 2008 foram armazenadas em computador pessoal, para

preservar as informações de qualquer mudança ou edição, as quais estão expostas ao estarem no

meio online27.

O conteúdo recolhido do Leitor-Repórter durante o período estipulado foi analisado

segundo critérios quantitativos e qualitativos. Em um primeiro momento, foi realizada a

contagem total de notícias enviadas pelos leitores, de quantas eram relacionadas diretamente com

as cheias em Santa Catarina e quantidade com complementos multimídia. No material recolhido,

foram consideradas postagens com multimídia relacionadas com os danos causados pelas águas e

os deslizamentos de terra, assim como textos que descreveram o que as pessoas viveram ou

testemunharam durante a tragédia em Santa Catarina – o que resultou nos dados do Quadro 1.

Depois disso foi realizada uma contagem, através da navegação das páginas de conteúdo do

Leitor-Repórter no período de 9 a 16 de março de 2009, quando ocorreu uma cheia em menor

escala. Esse procedimento foi necessário para ter uma base comparativa da participação dos

usuários e a escala do material administrado pelos jornalistas. Em seguida, os profissionais

27 Mesmo fechado para edição de terceiros, o conteúdo pode ser editado os usuários autores após ser publicado,

como explicado no segundo capítulo. Por isso, todas as postagens foram salvas no dia 16 de fevereiro de 2009, como forma de ter um objeto de estudo fixo.

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responsáveis pela edição e publicação do conteúdo do Leitor-Repórter foram questionados sobre

a estrutura, a forma que as postagens foram apresentadas e possíveis interferências no material

original. Também foram extraídos fragmentos que chamaram a atenção por fugirem dos padrões

jornalísticos tradicionais ao informar e feita uma análise do conteúdo produzido pelos usuários do

canal.

O método da observação participante e da entrevista são indicados por Adghirni, Jorge e

Pereira (2008, p. 240) por “serem oriundos da mesma matriz etnográfica e que são

tradicionalmente empregados em estudos de newsmaking”. Para Traquina (2003 apud

ADGHIRNI; JORGE; PEREIRA, p. 240) “a etnografia permite ver a dimensão

transorganizacional no processo de produção da notícia”, ou seja, um aprofundamento no

desenvolvimento do conteúdo dentro do objeto de estudo, tanto na relação entre os envolvidos,

quando com a informação. Para tanto, Adghirni, Jorge e Pereira (2008) propõe um “mergulho” no

trabalho do observador participante, que implica na preservação de registros – pratica empregada

no registro do conteúdo, explicada anteriormente. Com isso, pude experimentar o ambiente

participativo como um “leitor-repórter”.

A dinâmica da observação participante é importante para o estudo, posto que “consiste na

inserção do pesquisador no ambiente natural de ocorrência do fenômeno e de sua interação com a

situação investigada” (PERUZZO, 2006, p. 125). A imersão e a proximidade irão garantir “a

coleta de diferentes tipos de dados (...) na medida em que [o observador] é visto como um

‘nativo’ e assim pode fazer perguntas (...) na língua nativa” (ADGHIRNI; JORGE; PEREIRA,

2008, p. 240). Peruzzo (2006, p. 137) detalha que o “investigador interage como membro, além

de observar, ele se envolve, assume algum papel no grupo”. Ao considerar a aptidão pessoal com

temas relacionados à rede mundial de computador, a observação participante:

Ajudará a intelectualizar o que já se sabe; ao mesmo tempo, possibilita a que o observador elabore afirmativas coerentes acerca do material que recolheu; e, por fim, quanto menos o observador for objeto de curiosidade e menos reações suscitar, mais ele terá condições de observar [...] significa que antes de mais nada o cientista social não se coloca ingenuamente e deve prestar atenção ao papel que desempenha no grupo. (ADGHIRNI, JORGE, PEREIRA, 2008, p. 240-241).

O processo de imersão no Leitor-Repórter deu-se através do cadastro no canal

participativo como um usuário comum. Com isso, foi criada uma conta de acesso através do

cadastro e preenchido perfil pessoal, antes mesmo do período de análise do conteúdo relacionado

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com as cheias em Santa Catarina.

Figura 6: Perfil criado para acesso ao Leitor-Repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Diario+Catarinense/Diario+Catarinense/Participe&secao=post (acessível apenas com o login do autor)

Nesse processo, foram enviadas informações para a produção de postagens dentro do

canal participativo, o que ajudou entender o funcionamento das ferramentas disponíveis e a

dinâmica na relação entre audiência e editores de conteúdo. A participação aconteceu: em 27 de

outubro de 2008, com “Pontos de Alagamento em Balneário Camboriú” e em 10 de março de

2009, com “Chuva alaga estacionamento de supermercado”. O aprendizado como usuário

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possibilitou o entendimento das possibilidades e a associação do seu funcionamento com as

teorias relacionadas. A importância da observação participante está no fenômeno estudado,

justamente por ser relacionado com um ambiente que exige a imersão para seu efetivo

desenvolvimento: “O termo ‘Web 2.0’ se refere às páginas web cuja importância se deve

principalmente à participação dos usuários” (BRIGGS, 2007, p. 27).

Duarte (2006, p. 62) detalha que a observação participante é uma “técnica qualitativa que

explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes

para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada”. Sendo assim, ela foi aplicada para um

contato direto com os responsáveis pelo recebimento, edição e publicação do conteúdo gerado

por usuários do Leitor-Repórter, para comparar a realidade evidenciada na análise do conteúdo e

a mudança pessoal dos responsáveis do canal. Em um primeiro momento, foi preciso identificar o

editor da página de participação, através de uma pesquisa com contatos de redes sociais – já que

não há identificação nominal da pessoa que recebe e edita o conteúdo do Leitor-Repórter.

Chegou-se então ao nome do jornalista Carlito Costa, que trabalha no projeto do canal

participativo desde 2007 e foi um dos responsáveis pelo recebimento e edição do conteúdo no

Leitor-Repórter no período analisado por esta monografia. Ele explicou a dinâmica da equipe

responsável pela administração do Leitor-Repórter e indicou a jornalista Alexandra Zanela como

mais qualificada a tratar do tema. Ela também atuou no canal participativo no período analisado,

tomando decisões de edição e publicação. Ambos os jornalistas foram questionados quando à

suas escolhas para lidar com o conteúdo enviado pelos usuários e como o fenômeno participativo

contribuiu, ou não, para a prática jornalística de seu dia-a-dia. Porém, somente Carlito Costa

respondeu as questões.

O modelo de entrevista semi-aberta foi utilizado, por “tratar da amplitude do tema,

apresentando cada pergunta de forma mais aberta o possível (...) conjuga a flexibilidade da

questão não estruturada com um roteiro de controle.” (DUARTE, 2006, p. 66). Ou seja, as

perguntas foram formuladas a partir das evidências expostas na analise preliminar dos dados

recolhidos nas páginas do Leitor-Repórter.

A opinião de jornalistas profissionais, tanto do meio impresso quanto do digital, foi

importante para a discussão do impacto desse fenômeno no jornalismo. Nesse processo, foram

utilizados artigos publicados em eventos e postagens em weblogs pessoais de autores que tratam

da prática do Webjornalismo Participativo. Com a discussão, foi possível fazer um comparativo

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com a realidade vista do Leitor-Repórter e apontar projeções para o futuro da profissão em

relação ao fenômeno participativo.

Os métodos aplicados neste estudo ainda são considerados experimentais no meio

acadêmico, pois não há uma metodologia consolidada ou um consenso, como explicam Domingo,

Meso e Palamo (2008, p. 254-255, tradução livre): “O Webjornalismo Participativo é um campo

de investigação muito nebuloso, porque as propostas de análise estão totalmente abertas e devem

adaptar-se às constantes mudanças e experimentos do meio online”.

3.2 Análise do conteúdo enviado pelos usuários e publicado no Leitor-Repórter

3.2.1 Os números do Leitor-Repórter

O jornalista Carlito Costa explica que na organização de sua equipe de trabalho há um

editor geral do diario.com.br, o jornalista Fabiano Melato, que responde pelo conteúdo de todos

os sites do Grupo RBS em Santa Catarina, como o ClicRBS e o Hagah28. Mais três editores-

assistentes fazem parte da equipe na qual Carlito Costa é integrante, a qual tem a

responsabilidade de administrar todos os canais do diario.com.br, entre eles, o Leitor-Repórter.

Carlito Costa afirma que a equipe não acompanha estatísticas da participação, como total

do conteúdo publicado e número de visitantes, do Leitor-Repórter, pois “o canal usa uma

ferramenta diferente da utilizada para a publicação de notícias pelos jornalistas, que não dá uma

contagem desse tipo e que não é feita manualmente”29.

No período analisado, de 22 a 29 de novembro de 2008, foram contabilizadas

manualmente30 105 postagens recolhidas do canal de participação em 16 de fevereiro de 2009.

Do total, 101 unidades de conteúdo enviadas pelos usuários foram consideradas diretamente

relacionadas com a tragédia causada pelas cheias em Santa Catarina. Apenas duas não tratavam

explicitamente da catástrofe em seus textos, apesar do conteúdo das fotos e do período publicação

28 O hagah (http://www.hagah.com.br) é um caderno online de classificados do grupo RBS. 29 Em entrevista por e-mail. 30 Através da navegação por todas as páginas do período escolhido nos arquivos do Leitor-Repórter.

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mostrar a ligação – por isso foram consideradas na contagem total de 101. As quatro notícias que

não estavam relacionadas com as cheias em Santa Catarina: no dia 25 de novembro de 2008,

“Chuva no litoral, incêndio no norte” fez ligação com a catástrofe somente no título, porém

reportou um incêndio não relacionado com problemas das chuvas; na mesma data ainda “Caos no

trânsito para norte da Ilha”, sobre problemas de engarrafamento e “Jacaré passeia perto de

shopping em Florianópolis”, sobre o animal que foi encontrado nas imediações do shopping; e

“Negligência profissional, social e humana”, em 29 de novembro de 2008. A seguir, as duas

matérias que foram contabilizadas dentro da contagem sobre a catástrofe, o que totalizou 101

postagens para a monografia, mesmo não tratando diretamente do assunto:

Figura 7: Conteúdo sem relação textual com as cheias recolhido do período de análise. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Di%E1rio+Catarinense/Di%E1rio+Catarinense/Leitor-Reporter&secao=lista&section=Leitor-Rep%F3rter

O número total chama a atenção, principalmente se comparado com o período de 9 a 16

de março de 200931. Nessa segunda ocasião, foram enviadas apenas seis notícias, das quais três

trataram de problemas causados por chuva e alagamentos. No mesmo período, enviei no dia 9 de

março de 2009, conteúdo registrado no dia 8, quando a cidade de Balneário Camboriú foi afetada

por uma cheia em menor escala (se comparada com a de 2008). Porém, o conteúdo só foi

aprovado para publicação em 10 de março de 2009.

31 Nesse período as cidades litorâneas foram castigadas por mais uma cheia, mas, dessa vez, em menor escala.

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Figura 8: Conteúdo enviado em 9 de março de 2009, mas publicado em 10 de março de 2009. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?localizador=Di%E1rio%20Catarinense/Diario%20Catarinense/Leitor-reporter/3545&secao=visualizar

Carlito Costa afirma que enchentes são as ocasiões em que há maior participação:

São assuntos que afetam grandes áreas, o que possibilita ter sempre alguém por perto para fotografar. Além disso, mobilizas as pessoas, pois mexe diretamente na vida delas e na perda de patrimônio. Ainda dá para considerar os transtornos de todos os tipos. Por isso impressiona. 32

O jornalista explica que as pessoas querem mostrar, especialmente com fotos, algo

impressionante que está acontecendo com elas ou em volta delas. Ele também diz que outro

assunto que é recorrente, mas não com uma massa de participação tão grande, são os flagrantes

de acidentes de trânsito. Durante o período de 22 a 29 de novembro, porém, nenhuma das

postagens do Leitor-Repórter teve relação com acidentes, apenas “Caos no trânsito para norte da

Ilha”, em 25 de novembro de 2008, tratou sobre problemas no trânsito causado pela interrupção

da SC 401 (causada por deslizamento de terra).

A afirmação de Carlito Costa quanto ao uso de fotos é comprovada na contagem do

32 Em entrevista por e-mail.

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material publicado entre 22 e 29 de novembro de 2008. No período, das 101 matérias

consideradas relacionadas com as cheias em Santa Catarina, 100 delas apresentaram uma foto

principal acompanhando o texto. As postagens que apresentaram mais de uma foto, através de

links para outras imagens, somam apenas 25 (menos da metade). Apesar da possibilidade dos

usuários poderem publicar outros complementos multimídia, nenhuma das 101 postagens

continha áudio ou vídeo. O recurso de hiperlinks foi outra característica que não figurou nos

textos e postagens enviadas pelos usuários.

Figura 9: Única postagem, das consideradas relacionadas com as cheias, que não apresentou nenhum tipo de complemento multimídia ou link. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?&secao=detalhe&localizador=Diario+Catarinense/Diario+Catarinense/Leitor-Reporter/2961&uf=2&local=18&section=Leitor-Rep%F3rter&mode=fullaccess

Em duas ocasiões, o envio de arquivos de vídeo do Leitor-Repórter foi testado, nos dias

27 de outubro de 2008 e 10 de março de 2009. Em ambas o sistema de transferência do canal

acusou erros e o conteúdo não foi publicado junto com as fotos e o texto. Carlito Costa,

questionado sobre o funcionamento do sistema, afirma não ter detectado nenhum problema desse

tipo. Ele acredita, que, por questões técnicas por parte dos usuários, é mais fácil enviar fotos e

texto, do que vídeos e áudios. Mesmo assim, o jornalista afirma que é possível enviar o material

de áudio e vídeo.

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Complementos Multimídia nas

Postagens Quantidade

Com Foto principal 100

Com Multimídia complementar – foto 27

Com Multimídia complementar – vídeo 0

Com Multimídia complementar - áudio 0

Com Hiperlink no corpo do texto 0

Tabela 1: Contagem de complementos multimídia que acompanham o conteúdo enviado pelo usuários do Leitor-Repórter. Fonte: Dados colhidos pelo autor

As notícias produzidas por jornalistas que abordavam as conseqüências das cheias

catarinense em 2008, ganharam destaque dentro do portal do diario.com.br. Todo o conteúdo

relacionado passou a ser organizado em editorias especiais e identificados pela categoria

“Tragédia em Santa Catarina”. Já o conteúdo gerado pela audiência do site de notícias, através do

canal Leitor-Repórer, também recebeu destaque e foi organizado dentro da página especial “SOS

SC”. O espaço continha informações de emergência, informando pontos de interdição e estragos,

serviço de prestação de serviço através de informações e procedimentos e uma galeria com as

fotos enviadas pelos leitores organizada cronologicamente, com o título “Leitores registram

estragos da chuva em SC”33.

Carlito Costa explica que o SOS SC é uma página do diario.com.br, um especial dentro

do portal clicRBS, compartilhado por todos os outros sites do grupo. “Ele foi criado para

centralizar num só lugar informações de serviço sobre a enchente, além de manter um plantão de

notícias (gerado pelos jornais) específico sobre as enchentes em Santa Catarina” 34.

33 http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/sos-sc/28,0,523,15528,1,Leitores-registram-estragos-da-chuva-em-SC.html 34 Em entrevista por e-mail.

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Figura 10: SOS SC foi o espaço criado pelo diario.com.br com imagens enviadas pelos usuários do Leitor-Repórter. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/sos-sc/26,0,523,Galerias.html

Os jornalistas do diario.com.br aproveitaram o material fotográfico enviado pela

audiência para montar uma seção especial, com destaque na página principal. Assim, as 127

imagens do período de 22 a 29 de novembro de 2008 puderam ser reaproveitadas em galerias no

site, já que o meio eletrônico não possui limite de espaço como o meio impresso. A

reorganização do conteúdo, através do destaque das fotos pela relevância, é um exemplo de como

o jornalismo pode aproveitar o conteúdo produzido pelos usuários para o desenvolvimento de

suas pautas.

3.2.2 O conteúdo textual produzido pelos usuários do Leitor-Repórter

As 101 postagens enviadas pelos usuários do Leitor-Repórter, no período de 22 a 29 de

novembro de 2008 e relacionadas nesta monografia com as cheias, foram organizados dentro de

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cinco das oito categorias de assuntos disponíveis no momento da publicação35. A divisão existe

para os usuários controlarem e organizarem as informações dentro do canal participativo. Dos

assuntos escolhidos para divisão, os usuários do Leitor-Repórter classificaram o conteúdo em

“Cidade” em 45 postagens, “Serviço” em 24, “Outros assuntos” em 23, “Segurança” em 10 e

“Mundo” em 1.

Carlito Costa explica que essas “cartolas” nas postagens são escolhidas pelo leitor, ao

postar o texto. Ao ser questionado da não interferência dos editores do Leitor-Repórter para uma

adequação e organização das categorias, o jornalista justifica: “O que ocorre é que a ferramenta

de publicação não permite aos editores alterar essa escolha do leitor. Isso pode ser encarado como

uma falha da ferramenta, sob certo ponto de vista, ou como uma liberdade ao leitor, por outro”36

No período analisado, o conteúdo textual enviado pelos usuários do Leitor-Repórter foi

composto por, em média, quatro linhas de informações. Os textos descreviam o nível da água, os

estragos e transtornos causados pelas cheias. Todos os posts identificaram a localidade dos

acontecimentos, assim como descreveram o cenário mostrado em imagens.

Genro Filho (1989) lista seis perguntas básicas que devem ser respondidas para a

elaboração de um texto jornalístico. São elas: “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “onde?”, “como?”

e “por quê?” – o chamado lead. Estes elementos considerados básicos servem para contextualizar

e informar as circunstâncias dos fatos na notícia. A mesma premissa é seguida no webjornalismo,

que apresenta as informações em um texto dinâmico e objetivo.

Todo o conteúdo textual enviado pelos usuários do Leitor-Repórter resumiu-se a

responder “o quê?” e “onde?”, complementado com a opinião pessoal do autor sobre os fatos. O

“quando” ficou evidente na data de publicação, porém, “Enchente em Balneário Camboriú,

23/11/2008” apresentou uma data em seu corpo de texto diferente da data de publicação. Em

entrevista, Carlito Costa justificou o atraso desse conteúdo, assim como outros sem a data de

envio explícita, com o mesmo motivo do atraso de publicação da nota que enviei em 9 de março

de 2009: “Devido ao acúmulo de trabalho não foi possível publicar antes o conteúdo”37.

35

Essa dinâmica foi tratada em 1.2 A estrutura do Leitor-Repórter, p. 15.

36 Em entrevista por e-mail. 37 Em entrevista por e-mail.

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53

Figura 11: Conteúdo datado de 23/11/2008 e publicado em 25/11/2008, dois dias depois. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/home.jsp?&secao=detalhe&localizador=Diario+Catarinense/Diario+Catarinense/Leitor-Reporter/3047&uf=2&local=18&section=Leitor-Rep%F3rter&mode=fullaccess

Carlito Costa afirma que em casos de coberturas de grande envergadura, como uma

enchente, os jornalistas já fazem uma ampla cobertura. Os leitores entram nesse processo para

enriquecer com uma visão pessoal dos fatos:

Os leitores, em conjunto, têm nesses casos uma capacidade de cobertura geográfica, por exemplo, maior que qualquer equipe de jornal. Em grandes fatos como uma enchente numa grande região, o simples envio de uma foto pelo leitor já vale a publicação. É o sujeito que teve a casa alagada mostrando o que está ocorrendo em sua comunidade. Isso tem um grande valor numa cobertura desse tipo38.

3.2.3 A dinâmica de edição no Leitor-Repórter

A rotina dos editores do diario.com.br no Leitor-Repórter consiste em checar as

38 Em entrevista por e-mail.

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participações postadas no canal participativo. Segundo Carlito Costa, algumas são rejeitadas, por

não se enquadrarem na proposta do espaço, que é dedicado a notícias enviadas por leitores:

Recebemos, por exemplo, opiniões, releases e até poesias. Ao ter uma participação rejeitada, o leitor recebe por e-mail um retorno, explicando o porquê da recusa. As contribuições que passam por esse filtro são revisadas e, se necessário, editadas. Em muitos casos é preciso que informações enviadas pelos leitores sejam checadas ou mesmo complementadas por um contraponto39.

O jornalista explica que em casos de informação insuficiente um dos redatores do

diario.com.br é pautado para cobrir a notícia enviada pelos usuários. Só depois que a participação

do leitor está revisada, checada e devidamente completa, ela é publicada no site: “Depois de

publicada, ela pode ainda receber comentários de outros leitores. Esses comentários estão sujeitos

às mesmas regras daqueles postados nas matérias. Eles são filtrados pelos editores e

publicados”. Ele afirma que isso acontece porque poucos leitores são capazes de produzir um

texto final de acordo com as normas da empresa.

Carlito Costa conta que algumas participações do Leitor-Repórter acabam virando pautas

do DC, mas que o fenômeno não é comum: “Já tivemos uma foto de leitor (de um acidente de

trânsito na BR-282, enviada pelo Leitor-Repórter) que virou a foto principal da capa do

impresso”40. No período analisado, o jornalista não se recorda de nenhum conteúdo que tenha

chamado atenção ao ponto de virar pauta para o jornal impresso. Porém, como mostra Figura 10,

na página 50, houve sim um aproveitamento e desenvolvimento pelo Grupo RBS do conteúdo

enviado pelos usuários.

39 Em entrevista por e-mail. 40 Em entrevista por e-mail.

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55

4 ADAPTAÇÃO DA IMPRENSA AO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO

4.1 Novos caminhos da informação

O desenvolvimento do Webjornalismo Participativo pela Web 2.0 reestruturou as

fórmulas tradicionais de comunicação. O novo modelo é contrário à antiga Teoria Hipodérmica

(HOHLFELDT, 2001), que instituía a mídia como um expoente com total controle no fluxo de

informações para as audiências. Além disso, a inserção das audiências na produção de conteúdo

atualiza a fórmula de “cima para baixo” (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 10, tradução livre), em

que os emissores transmitem informações através de um meio para um público passivo. Hoje,

porém, há a possibilidade das partes envolvidas estarem interconectadas, ou seja, trocar

informações em um processo de interação mediada por meios (PRIMO, 2008) – tema

desenvolvido na seção “2.4.1 A interação no processo participativo do Leitor-Repórter”, na

página 32.

O processo de compartilhamento de conteúdo entre os componentes da nova fórmula

pode ser visto como um diálogo, em que cada um dos envolvidos considera informações enviadas

pelo outro para sua produção. A web funciona como uma espécie de depósito de conteúdo, em

que cada um dos envolvidos no processo comunicacional deixa os dados para o outro trabalhar,

em um ciclo contínuo – nos mesmos moldes que Levy (1998) trata a inteligência coletiva para a

construção do conhecimento. A seguir, dois fluxogramas que mostram o modelo antigo, de única

via, e o novo, que propõe duas vias de comunicação:

Figura 12: Modelo antigo de emissão de “cima para baixo”, caracterizado pelo controle da organização dos meios. Toda notícia é filtrada através de uma organização para a audiência. (Bowman; Willis, 2003, p. 10)

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Figura 13: Novo modelo de emissão caracterizado pela troca de conteúdo entre os envolvidos. Nesse sistema a web é um intermediário da comunicação entre as extremidades. Fonte: Interpretação do autor.

Em um primeiro momento, a inserção de um novo protagonista na produção de conteúdo

não foi levada a sério pelos meios responsáveis pelos meios de comunicação, pois as audiências

eram desclassificadas em capacidade na confecção de um conteúdo pelos demais meios. Esse

descrédito é atribuído à preservação dos valores das empresas responsáveis pela produção de

notícias, pois estas, como explicam Bowman e Willis (2003), contrapõem a idéia pregada pelos

novos componentes do processo:

Os meios tradicionais são criados por entidades hierárquicas, construídas para o comércio. Seu modelo de negócios e organização se concentra na emissão e na publicidade focada. Valorizam o rigoroso fluxo de trabalho editorial, a rentabilidade e a integridade. O Webjornalismo Participativo é criado por comunidades em rede que valorizam a conversa, a colaboração e o igualitarismo sobre a rentabilidade. (Bowman; Willis, 2003, p. 13, tradução livre)

Outro aspecto que deve ser considerado é que para os meios de comunicação tradicionais,

principalmente para seus administradores, a informação é tratada como uma mercadoria. Primo e

Träesel (2006) evidenciam a emergência da “filosofia hacker”, que defende a livre circulação da

informação como fator que inspira e justifica a emergência de experiências com Webjornalismo

Participativo. Para os autores, a “filosofia hacker”:

Busca um modelo alternativo àquele industrial, sedimentado em torno de segredos industriais, direitos reservados e sistemas produtivos rigidamente hierárquicos. Tal direcionamento defende que o conhecimento deva ser visto não como mercadoria, mas como um bem coletivo que, portanto, precisa ser sempre compartilhado (PRIMO; TRÄESEL, 2006, p. 4).

O coordenador da rede de blog Hipertextual e um dos cidadãos-jornalistas mais atuantes

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na Espanha, Eduardo Arcos41, afirma que há um paradigma social que guia os meios de

comunicação tradicionais em todas as vertentes. Arcos explica que, por convenção, só os meios

tradicionais são autorizados a informar, que sempre é necessário ser um jornalista para buscar e

investigar os fatos e que os meios são os únicos “autorizados” a produzir o material para ser

publicado. Nesse processo, Arcos detalha um ponto falho dessa imagem hegemônica dos meios

de comunicação:

O problema desta idéia é que, com uma plataforma de comunicação tão aberta e tão livre como é a internet, com a possibilidade de publicar texto, fotos ou vídeos de forma imediata, já não é necessário ser parte de um conglomerado midiático, parte do staff de uma rádio ou jornalista de uma revista. Agora simplesmente precisa-se de um dispositivo que possa estar online e no lugar onde as coisas acontecem. (ARCOS, 2009)

Bowman e Willis (2003, p. 13) afirmam que o acesso a ferramentas e dispositivos de

registro de dados converte a audiência em “inovadores” (pessoas que desenvolvem seus próprios

ambientes de informações) de todas as classes. Essa nova perspectiva possibilitou a milhões de

pessoas expressarem suas idéias e perspectivas de muitas formas, que, segundo Watts Wacker

(apud BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 17), “permite saciar uma fome gigantesca de publicar da

Era da Informação42”:

Wacker sugere que nossa sociedade atual está sofrendo uma mudança sem trégua, que envolve todos e que só tende a acelerar. Esta mudança constante resulta em um “Contexto de Abolição” – a inabilidade do negócio e a sociedade para encontrar pontos de referências em comum acordo. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 17, tradução livre)

Gillmor (2004 apud BRAMBILLA, 2005, p. 9) acredita que o jornalismo em si é uma

prática comunitária, “feita de pessoas e pelas pessoas; que os povos, organizados em

comunidades, são os dispositivos ideais para a coleta em difusão de informações que dizem

respeito aos seus entornos, aos seus contextos culturais, (...) às suas realidades pessoais”. Por

isso, a importância desse fenômeno para os meios, que podem agregar em sua linha editorial o

conteúdo de acordo com as preferências de sua audiência (ao mesmo tempo em que essa última

pauta o meio de acordo com o conteúdo produzido e desenvolvido de forma conjunta com os

jornalistas). Aqui, vale a afirmação de Primo e Träsel (2006, p. 8), que “o papel principal do

41 http://alt1040.com/author/eduardo-arcos 42 Esse período vem após a Era Industrial, a partir de 1980, embora suas bases tenham começado no princípio do

século XX e, particularmente, na década de 1970, com inovações como o microprocessador, a rede de computadores, a fibra óptica e o computador pessoal.

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Webjornalismo Participativo é cobrir o vácuo deixado pela mídia tradicional”.

Bowman e Willis (2003) afirmam que o desafio das organizações de notícias será

persuadir seus clientes a chegar a ser não só inovadores, mas também colaboradores em seus

veículos. Entre os weblogs e os fóruns que converteram suas audiências em participantes, outras

indústrias apostam no desenvolvimento de ferramentas para converter seus clientes em criadores.

Thomk e Hippel (apud BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 18, tradução livre) argumentam: “o ritmo

de mudança em muitos mercados é demasiadamente forte e o custo de entender e responder às

necessidades dos clientes pode ficar rapidamente fora de controle”. Nessa perspectiva, os meios

de comunicação adaptam o processo de participação de suas audiências para a própria rotina de

produção. E é nesse sentido que é possível evidenciar as reconfigurações que ocorrem hoje na

imprensa pelos modelos participativos.

No caso do Leitor-Repórter, o canal apresenta restrições para publicação direta de

conteúdo, para devida conferência e edição pelos jornalistas profissionais. Com isso, a expansão

do canal fica moldada pelas diretrizes impostas. Ao mesmo tempo que há a liberdade para enviar

qualquer conteúdo, a publicação do mesmo depende da compatibilidade com os padrões e com os

critérios de noticiabilidade do ClicRBS

4.2 A atuação dos jornalistas profissionais no Leitor-Repórter

O jornalista responsável pela edição do conteúdo enviado pelos usuários do Leitor-

Repórter, Carlito Costa, acredita no potencial do Webjornalismo Participativo e no

aproveitamento do conteúdo gerado pela audiência na produção de notícias:

Os pontos positivos desse tipo de participação dos leitores é proporcionar que trabalhemos com um material que nunca teríamos se feito apenas por nossa equipe de reportagens. O leitor está em todo o lugar, fotografando, registrando, sentindo como o fato o afeta diretamente. É um reforço e tanto numa grande cobertura, que faz a diferença43.

O exemplo da grande cobertura citado pelo jornalista é evidente durante as cheias

43 Em entrevista por e-mail.

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catarinenses em novembro de 2008. Na ocasião, entre os dias 22 e 29, o Leitor-Repórter teve

participação intensa de seus usuários, com fotos e relatos. Todo o conteúdo produzido pelas

pessoas foi editado pelos jornalistas responsáveis e, posteriormente, publicado no canal

participativo. O conteúdo que enviei em 27 de outubro de 2008 e em 10 de março de 2009 passou

pelo mesmo processo de edição, mas não sofreu nenhuma edição ou corte em seu conteúdo.

Carlito Costa defende o processo de edição, pois considera que poucos leitores têm a

capacidade de produzir um texto final. Com isso, o material é editado e adequado aos padrões da

empresa, para depois ser publicado e disponibilizado para o grande público. Em nenhuma das

unidades de conteúdo enviadas pelos leitores no período analisado foi detectado algo que fosse

contra a política editorial da empresa44 ou fosse contra a imagem da empresa. Nesse aspecto, o

papel do jornalista no Leitor-Repórter é de filtro e editor de conteúdo, assumindo o aspecto de

gatekeeper – literalmente como guardiões da passagem de conteúdo, deixando passar o material

apenas depois revisão e adequação. Carlito Costa explica que parte do conteúdo enviado pelos

usuários do canal participação é rejeitada por não se enquadrar na proposta do espaço – que é

dedicado a notícias: “Recebemos, por exemplo, opiniões, releases oficiais e até poesias”45.

Quando há a recusa, o jornalista afirma que é enviado um e-mail para o usuário, explicando o

motivo do descarte. Porém, segundo Carlito Costa, são poucos os casos de recusa.

Se analisado aspecto da filtragem imposta no Leitor-Repórter, Gillmor (2005 apud

PRIMO; TRÄESEL, 2006, p. 11) “aponta que mesmo as grandes empresas jornalísticas se

dispõem a escutar seu público, elas tendem a não ultrapassar seus limites”, justamente para

preservar um modelo que consideram efetivo. No Leitor-Repórter, pode-se perceber uma

preocupação com conteúdo exclusivo e que seja gerado efetivamente pelos usuários, já que os

jornalistas recusam releases oficiais e poesias. Porém, ao descartar opiniões, o canal participativo

ignora o caráter pessoal e testemunhal do conteúdo. Ou seja, de ir além do simples informar e de

aproveitar o testemunho de quem vivenciou a situação.

O modelo de Webjornalismo Participativo praticado no Leitor-Repórter pode ser

considerado fechado, pois não permite aos usuários publicar diretamente o conteúdo produzido e

não possibilita a edição do conteúdo após a publicação, para assim cumprir a função de

construção coletiva do conteúdo através da participação de outros usuários. Com isso, a

44 http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=Geral&newsID=a1703513.xml 45 Em entrevista por e-mail.

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informação fica estagnada sem atualização. Mesmo assim, Carlito Costa afirma que o Leitor-

Repórter foi aceito e é usado pelos usuários, mas que “poderia ser mais explorado, o que é feito

de acordo com a capacidade da equipe de atender a essa demanda e as outras que envolvem um

site de notícias como o do diario.com.br”46. A função de editor do Leitor-Repórter é adicional às

outras atividades desempenhadas pelos jornalistas no site do diario.com.br. Durante os contatos

com Carlito Costa, o jornalista afirmou que sua rotina estava “bem apertada” e que estava “mais

afastado” das funções do Leitor-Repórter, inclusive com dificuldade de conseguir tempo para

responder as dúvidas dessa monografia. Já a jornalista Alexandra Zanela, outra editora do Leitor-

Repórter, ao ser contatada, afirmou não ter tempo e indicou novamente Carlito Costa como o

mais capacitado a falar sobre o Leitor-Repórter.

Brambilla (2005, p. 10) afirma que a abertura dos meios de massa para o público avança

progressivamente o território editorial. Para a autora, o conteúdo enviado pelos usuários “assume

pretensões informativas de um noticiário” e que “quebra-se, portanto, o monopólio do controle

dos meios de publicação, ao que cabe um paralelo a produção participativa”. A autora propõe a

reconfiguração do jornalismo através do modelo open source. A autora explica que este é aberto,

em que os envolvidos têm livre acesso a edição do conteúdo em qualquer etapa do processo de

pré e pós publicação. Nesse contexto, Brambilla (2005, p. 10) afirma: “ser livre não significa que

não sejam comerciais, mas que possam constantemente sofrer alterações”.

A questão da liberdade de edição por parte das audiências é um dilema para os jornalistas,

pois está relacionada diretamente com a credibilidade do produto jornalístico. Permitir a total

abertura de um meio para qualquer um escrever sobre qualquer tema, pode ferir em algum

momento regras e políticas editoriais da empresa – o que pode gerar casos de depredação. Por

outro lado, negar a possibilidade das audiências de modificar o conteúdo, como prega a idéia

colaborativa da Web 2.0, interfere no bom desenvolvimento da prática participativa e com o

envolvimento dos participantes. Brambilla (2005, p. 11) aponta que somente com o envolvimento

e interesse dos usuários “é possível mostrar bons resultados no Webjornalismo Participativo”.

Submeter a produção de usuários comuns às regras de uma empresa e barrar a liberdade

de publicação direta pode ser um risco quanto ao desenvolvimento do conteúdo, pois, como

afirma Brambilla (2005):

46 Em entrevista por e-mail

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O fato dos colaboradores – interagentes, pessoas sem formação jornalística que escrevem e publicam notícias – serem voluntários e não funcionários de uma empresa liberta-os não apenas quanto à forma e ao conteúdo da notícia como também estimulam a produzi-la, uma vez que o trabalho atende a um interesse particular e não as metas de terceiros. (BRAMBILLA, 2005, p. 11)

Rocha (2009, p 5) afirma que o ideal em um ambiente colaborativo é que seus

interagentes possam encontrar canais de conversação e discussão. Para o autor, o princípio

“conversacional” de interação entre webjornalista e público que deve nortear o desenvolvimento

da prática participativa e da produção de conteúdo. O’Reilly (2005) defende um sistema aberto de

colaboração de conteúdos, pois, com isso há a possibilidade de enriquecer o material publicado

com a maior quantidade de pontos de vista possível.

Primo e Träsel (2006, p. 6) explicam que, “com o advento da Web – que não pode ser

regida por um sistema de concessões e cujos custos de produção e publicação são muito baixos

(em comparação ao contexto massivo)”, há temor por parte de profissionais e acadêmicos com a

abertura do Webjornalismo Participativo.

Pode-se, nesse processo, duvidar da validade do conteúdo produzido pelos “cidadãos-

jornalistas” sem conhecimento formal em jornalismo ou que não contem com o respaldo de uma

reconhecida instituição jornalística. É convencionado na sociedade que somente os meios de

comunicação têm autoridade e credibilidade para transmitir informações. Tanto que é atribuído o

selo de “Quarto Poder” ao jornalismo profissional, ao cumprir a função de monitorar e investigar

os três poderes públicos – Executivo, Legislativo e Judiciário. A construção dessa imagem, e

conseqüente credibilidade, ocorreu através de um processo de muitos anos de contribuição com a

sociedade, em que jornalistas foram a ponte dos acontecimentos aos cidadãos comuns.

Nesse sentido é difícil para um “cidadão-jornalista”, até então anônimo, conseguir provar

que aquilo que informa tem valor, posto que o fenômeno da inserção das audiências como

produtoras de informação é recente47. Porém, Primo e Träesel (2006, p. 6) afirmam que “o

jornalismo profissional e as grandes empresas midiáticas não encontram-se livres de falhas e

ações de má fé”.

Primo e Träesel (2006) apontam que as empresas de mídia que exploram a abertura do

47 Vários estudos atualmente debatem a credibilidade dos “Cidadãos-Repórteres” nos processos comunicacionais.

Ainda não há uma unanimidade se é válido ou não a produção considerada “amadora” de informação. Porém, esta discussão aprofundada não vem ao caso desta monografia – fica aqui uma sugestão de estudo a ser desenvolvido na mesma linha.

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Webjornalismo Participativo podem aproveitar a potencialidade comercial resultante da prática

aberta, pois:

Vale apontar que os interesses mercadológicos aparecem como motivação para algumas empresas midiáticas que já exploram o Webjornalismo Participativo abrirem espaços para a intervenção de seu público (...) Revela-se portanto uma postura estratégica que busca ampliar o público-consumior, e diante disso, criar novos espaços publicitários. Com maior envolvimento do internauta com o noticiário, incrementa-se seu tempo de contato com a interface do periódico e seu retorno ao site. (PRIMO; TRÄESEL, 2006, p. 13)

Mesmo com todas as mudanças que a estrutura da produção de notícias enfrenta, é

preciso, como afirma Rocha (2009), evitar idéias banais a respeito da diluição ou mesmo

desaparecimento da função do jornalista. O autor afirma que é preciso haver uma mudança de sua

atuação e compreensão de seu papel diante dos desafios impostos pelo paradigma digital.

4.3 O perfil do profissional jornalista no Webjornalismo Participativo

Primo e Träesel (2006, p. 15) explicam que “a diferença principal do jornalismo

tradicional e do Webjornalismo Participativo está em contar com interações mais profundas com

e entre os colaboradores”. Ou seja, o profissional na era digital deve estar ciente do canal de duas

vias que a web é e como ele deve administrar o fluxo de informações que este meio recebe a

partir da produção de vários pólos.

Brambilla (2005) afirma que diante da possibilidade de publicação aberta para várias

pessoas, há uma preocupação em preservar a autenticidade do jornalista profissional diante do

público leigo. Essa idéia é desenvolvida a partir da premissa de que nem todo mundo pode ser um

jornalista e que é preciso definir papéis nessa relação entre os pólos emissores de informação:

Uma alternativa para a reorganização dos papéis entre os interagentes deste cenário aconselhando é que jornalistas sejam responsáveis por reescrever os artigos, adaptando as informações de base, fornecidas por qualquer internauta, aos parâmetros jornalístico de texto sustentados pela imparcialidade e pela objetividade. Isso subtrairia qualquer traço de comentário ou opinião recorrente nos textos pretensamente noticiosos publicados pelos internautas, posicionando-se de encontro, portanto, ao viés libertário sugerido no início da proposta de jornalismo aberto. (BRAMBILLA, 2005, p. 8-9).

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A autora afirma que, mesmo assim, os jornalistas profissionais devem ter cuidado nesse

processo de adequação de notícias, principalmente pelo interesse do leitor, que é “aguçado pela

heterogeneidade de pontos de vista publicados nas inserções dos interagentes” (BRAMBILLA,

2005, p. 9), mas poderia diminuir “devido ao baixo envolvimento pessoal com que os temas

fossem tratados” (BRAMBILLA, 2005, p. 9).

Outro aspecto que preocupa na era digital é a quantidade de informações circulando na

web. Primo e Träesel (2005) explicam que, atualmente, há mais necessidade de avaliar do que

descartar conteúdos:

Nota-se um deslocamento da coleta de informação para a seleção da mesma e com isso assume-se um papel semelhante ao de um bibliotecário. É claro que alguém ainda precisa entrevistar as fontes e analisar os dados, e a maioria dos profissionais que lidam com o webjornalismo acabam por assumir ambos os papéis. (PRIMO; TRÄESEL, 2006, p. 8).

Os autores explicam que essa nova função de “bibliotecário” passa a ser conhecida no

meio acadêmico como gatewatcher, como uma atualização ao conceito de gatekeeper. Para

melhor entendimento desse novo conceito pode-se recorrer aos conceitos de Bruns (2003, p. 1,

tradução livre), que explica através da comparação e diferenciação do gatekeeper como: “um

processo pelo qual é feita uma seleção nos meios de comunicação daquilo que será publicado,

especialmente a permissão de determinadas notícias passarem pelos ‘portões’ dos canais de

publicação”:

A metáfora desses “portões” refere-se às tecnologias de publicação controladas pelas organizações dos meios de comunicação; “porteiros” policiam esses portões para garantir que só informações consideradas adequadas sejam transferidas para o público. Na mídia impressa e de radiodifusão, no entanto, o “porteiro” seleciona não só as notícias que se ajustam na edição, segundo a intuição do “porteiro” daquilo que o público está interessado, mas também daquilo que pode ser encaixado no espaço e tempo de divulgação. (BRUNS, 2003, p. 5, tradução livre).

Bruns (2003, p. 2) reforça que, com o advento da web, os consumidores de notícias em

geral começaram a depender menos das organizações que controlam os portões das publicações,

ao mesmo tempo que passaram a se tornar fornecedores em primeira mão de informações. Nesse

aspecto, o autor cria um paralelo entre a nova função de “bibliotecário” e o desenvolvimento da

prática do gatewatcher:

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O bibliotecário continua a ser uma espécie de porteiro, no entanto, por força do seu controle sobre o que incluir ou não em sua biblioteca. Bibliotecários são também fundamentalmente pauteiros – ou coletores de informações, não repórteres, e por isso a sua atuação fornece apenas um modelo incompleto de notícias na operação de notícias online. Por isso, na prática das novas operações de notícias online, é preciso combinar aspectos de ambos os tipos de jornalistas: o gatekeeper e o biblioteário, para chegar a uma prática denominada gatewatching, que é a pessoa que administra o fluxo de informações recorrentes no meio (BRUNS, 2003, p. 7, tradução livre).

Rocha (2009) defende a discussão das novas potencialidades dos jornalistas como

mediadores nos processos comunicacionais na web. O autor explica que isso acontece porque a

aproximação entre “quem produz” e “quem consome” informação é cada vez maior,

principalmente em ambientes que primam pela participação – como no Webjornalismo

Participativo. Por isso:

O webjornalista torna-se um elemento de ligação entre diversos agentes ou comunidades virtuais informacionais em um sistema colaborativo. Este profissional, conforme frisamos, deve operar em um ambiente potencial de redes sociais, configurando o papel de mediação webjornalística como um processo de organização de significados em uma rede interrelacional comunicativa. (ROCHA, 2009, p. 2)

Neveu (2005, p. 27, apud ROCHA, 2009, p. 7-8) explica ainda que, “com o decorrer do

tempo, a atitude perante a fronteira consistiu, para o jornalismo, numa anexação de outras

atividades ligadas a novos meios de comunicação”. A “fronteira” proposta pelo autor representa a

distância instituída entre “quem produz” e “quem consome” informações. Ou seja, no processo de

produção de conteúdo em meios participativos, os envolvidos devem interagir e não impor regras

para desenvolver o conteúdo. O jornalista deve estar ciente que suas habilidades profissionais

devem ser aplicadas para organizar os fluxos de produção, a fim de se tornar um mediador:

Um papel mediador de processos comunicacionais em ambientes digitais, mas que esta mediação é realizada em termos colaborativos e distinta daquele que é praticada nos meios de comunicação de massa, sem aproximação com o conceito de gatekeeper. Para marcar esta diferenciação, explicitamos que o gatekeeper relaciona-se com a teoria social da responsabilidade, que compreende três pontos distintivos de sua atuação: a primeira consiste na separação entre mídia noticiosa e mídia de entretenimento. A segunda se baseia na distinção entre fato e opinião e a terceira na separação entre público e elites mediatizáveis e políticas (WILLIAMS; CARPINI, 2000 apud CARDOSO, 2007, p. 296).

Bowman e Willis (2003) usam uma fala de John Seely Brown, chefe científico da Xerox

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Corp, para explicar esse novo papel de mediador que é delegado aos jornalistas:

Em uma era em que qualquer um pode ser repórter ou comentarista na web, você ‘se move ao jornalismo de duas vias’. O jornalista chega a ser um ‘líder de fórum’ ou um mediador no lugar de ser um simples professor ou conferencista. A audiência chega a ser um ‘prosumidor’ (tradução livre de ‘pro-sumer’) um híbrido de produtor e consumidor (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 10, tradução livre)

Ao observar todos os conceitos e teorias desenvolvidas até aqui, vê-se que o jornalista

profissional em relação à web deve intermediar e não interceptar o conteúdo nos fluxos de

informações. Por sua vez, o webjornalista assume o papel de mediador nas relações, tornando-se

um gatewatcher (BRUNS, 2003), um vigia, que deve saber organizar e adequar o conteúdo na

melhor forma possível de passar a mensagem pretendida. E, por fim, a relação entre profissionais

e sua audiência (que agora se torna um pólo produtor de conteúdo) deve ser uma interação

baseada na conversação, para então proporcionar a construção coletiva do conhecimento.

O Leitor-Repórter se coloca como um canal participativo. Porém, devido à lógica de seu

funcionamento, fechado e que submete o conteúdo produzido por seus usuários aos mesmos

critérios de noticiabilidade dos jornalistas profissionais, o canal do diario.com.br não segue os

preceitos do gatewatcher. Em relação à teoria vista, o Leitor-Repórter ainda segue os preceitos do

gatekeeper, ao não estabelecer um diálogo, a interação recomendada por Primo (2007), para o

bom desenvolvimento coletivo do conteúdo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Webjornalismo Participativo é um fenômeno recente que foi incorporado de forma

experimental na rotina produtiva da imprensa. Seu desenvolvimento deu-se, principalmente, pelo

novo modelo da grande rede mundial de computadores, que consolidou um novo pólo produtor

de conteúdo: os não jornalistas e escritores, sem necessariamente apresentar habilidades técnicas

ou teóricas como os profissionais da imprensa. A partir do momento que essas novas vozes

começaram a mostrar sua potencialidade, os meios de comunicação tradicionais resolveram

aproveitar a produção de suas audiências para o desenvolvimento das pautas.

A reconfiguração dos modelos comunicacionais e a proliferação de novos canais de

comunicação representa um desafio para as organizações tradicionais. Estas, em um primeiro

momento, não deram crédito para o fluxo de informações gerado pelas audiências. Porém, agora,

a maior parte das empresas busca formas de adaptar suas rotinas e filosofias para adequar seus

produtos – no caso, as notícias e sua forma de produção.

Esta monografia propôs mostrar qual é a função dos profissionais jornalistas na

reconfiguração das rotinas produtivas com o advento do Webjornalismo Participativo. Para isso,

foi analisado o canal colaborativo Leitor-Repórter, inserido na página online do Diário

Catarinense, que, por sua vez, faz parte do portal de notícias ClicRBS. A escolha deu-se pelo

produto pertencer ao maior e tradicional grupo de comunicação do sul do Brasil. Além disso, o

canal participativo da empresa ganhou destaque durante as cheias que assolaram o estado de

Santa Catarina, em novembro de 2008.

A análise do conteúdo produzido pelas audiências do Leitor-Repórter durante o período

de 22 a 29 de novembro de 2008 – o ápice das cheias catarinense – revelou a primeira

constatação dessa monografia: a participação das audiências é mais intensa durante eventos

que afetam grandes áreas, pois, quanto maior a extensão maior o número de pessoas em

potencial para cobrir o acontecimento e produzir conteúdo. Se comparado a outros períodos, o

número de postagens resultantes no canal participativo foi superior. Os jornalistas responsáveis,

que lidam com a edição do Leitor-Repórter, ficaram divididos entre cumprir suas pautas e

organizar o conteúdo enviado pelos leitores – pois suas rotinas não são exclusivas para a

administração do canal participativo. Também foi interessante acompanhar o tratamento dado ao

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conteúdo fotográfico, com imagens exclusivas dos leitores, que recebeu tratamento de conteúdo

profissional e ganhou um espaço dedicado no site do Diário Catarinense – o SOS SC.

Quanto à administração de conteúdo no Leitor-Repórter, o diario.com.br não gerencia o

banco de dados de seu canal participativo, afim de organizar o fluxo de informação e procurar

novas estratégias para o desenvolvimento do mesmo. Como visto através da ótica de teóricos do

Webjornalismo Participativo, mais importante do que simplesmente abrir um canal para

depositar o conteúdo, as empresas intentam aproveitar o material produzido por quem

viveu experiências ou testemunhou fatos que seus profissionais jornalistas não puderam. O

editor e jornalista Carlito Costa afirmou não ter acesso aos números e estatísticas do canal

participativo, o que impossibilita ter a verdadeira dimensão de acessos e tendências de conteúdo

no Leitor-Repórter – tudo é feito a partir da percepção pessoal dos jornalistas. Na cobertura das

cheias de Santa Catarina em 2008, as imagens valeram mais do que as palavras, pois estas

ganharam destaque em uma seção especial. Enquanto isso, os relatos e informações textuais

ficaram limitados em suas postagens no canal participativo. Além disso, ao invés das empresas se

preocuparem em saber e criar aquilo que as audiências querem, será necessário apenas criar

ferramentas para as audiências produzirem. Caberá aos profissionais jornalistas administrar,

apurar e organizar os dados provenientes.

O desenvolvimento das práticas participativas depende da interação entre as partes

envolvidas, pois é no diálogo e na colaboração que o conteúdo se constrói. Viu-se no Leitor-

Repórter pouco aproveitamento nesse aspecto, pois os usuários enviavam o conteúdo produzido,

os jornalistas responsáveis editavam a informação e depois liberavam para a publicação. Depois

disso, as notícias ficavam estagnadas, sendo complementadas apenas através de comentários

separados das informações principais e sem a possibilidade de atualização do conteúdo. O

modelo colaborativo fechado (audiência envia conteúdo para empresa, que decide se publica ou

não) adotado pelo Grupo RBS mostra uma preservação dos padrões editoriais da empresa, o que

impede o pleno desenvolvimento da prática participativa. Apesar disso, tanto no conteúdo

analisado, quanto nas duas ocasiões que produzi e enviei, foram detectadas poucas interferências

por parte dos jornalistas profissionais.

A nova relação entre profissionais jornalistas e sua audiência causou reconfigurações nos

modelos comunicacionais e um novo pólo passou a ser considerado na produção de conteúdos.

A web serve como um grande repositório de informações desses produtores, que, sem a devida

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organização, pode se tornar inúteis ou estagnadas. Assim, os profissionais jornalistas passam a

desempenhar o papel de gatewatchers, ou bibliotecários de dados, responsáveis por

administrar e organizar os fluxos de informações no cenário do Webjornalismo

Participativo. Os profissionais terão mais importância ainda, pois a eles caberá usar seus

conhecimentos para melhor desenvolver e transmitir conteúdos.

É interessante perceber essa possível mudança positiva para a imprensa principalmente

em tempos que se fala em “crise” dos meios tradicionais. As empresas podem ver nos

pressupostos teóricos do Webjornalismo Participativo uma chance de se adequar a esse novo

fenômeno, além de agregar inovações em suas práticas – e não ficaram com a imagem de

ultrapassados. Nesse sentido, o Grupo RBS mostra-se preocupado com as novas tendências na

comunicação, ao mesmo tempo em que abre um canal com sua audiência. Porém, se considerados

aspectos técnicos e teóricos, a forma como o Leitor-Repórter é conduzido tem muito a

desenvolver para alcançar a verdadeira interação pregada no Webjornalismo Participativo.

Os meios de comunicação precisam de uma base para desenvolver novos projetos. Porém,

no Brasil, a prática do Webjornalismo Participativo ainda é um tópico pouco explorado até

mesmo pelos meios acadêmicos. Por isso, esta monografia contribui com o desenvolvimento das

práticas colaborativas, na medida em que é utilizada para analisar aspectos operacionais,

positivos e negativos de experiências participativas.

Pretendo desenvolver este estudo em uma próxima etapa: depois de especificar a

reconfiguração da função do jornalista profissional nos processos comunicacionais na web, é

preciso entender e desenvolver estratégias para o webjornalista lidar com a relação aproximada

com suas audiências. Assim, o processo de aprendizado para a devida aplicação prática será

permanente, ao ritmo das inovações geradas com as atualizações nos processos comunicacionais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AUTORIZAÇÃO

Autorizo a Universidade do Vale do Itajaí (Univali) a utilizar esta monografia com objetivos

didáticos-pedagógicos e de divulgação, sem fins lucrativos e comerciais.

_______________________________

Joel Minusculi

Autor da Monografia

Itajaí,

2009/1

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ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS

_______________________________

Joel Minusculi

Acadêmico

_______________________________

Rogério Christofoletti

Orientador