RECONSTRUÇÃO DO NERVO FACIAL E DA REGIÃO ......sivos do nervo facial e vestibulococlear, as-sim...

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DOI: 10.30928/2527-2039e-20192032 ______________________________________________________________________________________Relato de caso _____________________________________ 1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Cirurgia Plástica, Campinas, SP, Brasil. 2 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Neurocirurgia, Campinas, SP, Brasil. 3 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Otorrinolaringologia, Campinas, SP, Brasil. 4 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Cabeça e Pescoço, Campinas, SP, Brasil. Relatos Casos Cir. 2019;5(1):e2032 RECONSTRUÇÃO DO NERVO FACIAL E DA REGIÃO TEMPORAL APÓS RESSECÇÃO DE EXTENSO TUMOR NA BASE DO CRÂNIO FACIAL NERVE AND TEMPORAL ZONE RECONSTRUCTION AFTER RESECTION OF AN EXTENSIVE TUMOR AT THE BASE OF THE SKULL André Coelho Nepomuceno 1 ; Larissa Cassemiro da Silva 1 ; Raphael Martinelli Anson Sangenis 2 ; João Paulo Valente 3 ; José Luís Braga de Aquino, TCBC-SP 4 ; Douglas Alexandre Rizantti Pereira 4 . INTRODUÇÃO Sarcoma mixoide é tumor maligno de rara incidência, sobretudo em base de crâ- nio de pacientes jovens 1 . O sarcoma de pa- drão mixoide é caracterizado por abundân- cia de matriz extracelular mucoide, pleo- morfismo pouco evidente, e disseminação metastática ausente, sendo por isso consi- derado de baixo grau de malignidade, ape- sar da agressividade local 2 . Sua sintoma- logia principal é a presença de massa ou nódulo palpável, com ou sem dor. Outros sintomas podem decorrer da compressão de estruturas adjacentes, já em estágios mais avançados da doença 3 . Todos esses aspectos contribuem pa- ra uma maior dificuldade em estabelecer o diagnóstico correto e precoce, visto que são lesões insidiosas que expressam traços his- topatológicos de benignidade, culminando RESUMO Neste relato de caso é apresentado paciente jovem com extenso tumor de partes moles em base de crânio, acometendo a artéria carótida interna, nervo facial e abaulando pele da região retroauricular esquerda. O tumor recidivou após algumas abordagens prévias e o paciente de 15 anos começou a apresentar sinais de invasão do nervo facial e vestibulococlear. Optou-se pela conduta cirúrgica, apesar dos riscos envolvidos, para não deixar a doença evoluir para um estágio inoperável. A res- secção ampla da lesão durou 26 horas de cirurgia com as equipes multidisciplinares (neurocirurgia, otorrinolaringologia, cabeça e pescoço e cirurgia plástica). O nervo facial foi reconstruído com enxer- to de nervo autólogo e a grande falha volumétrica que expunha o cérebro foi reconstruída com reta- lho miofasciocutâneo anterolateral da coxa esquerda com microanastomose vascular. O paciente evolui com acidente vascular cerebral, meningite e pneumonia. Após dois meses de internação na UTI evoluiu favoravelmente. Houve recuperação da movimentação da mímica facial, e a reconstru- ção da região temporal foi bem-sucedida. Conclusão: apesar da complexidade do quadro, o trata- mento cirúrgico para o paciente jovem é uma alternativa plausível. Descritores: Sarcoma 180. Osso Temporal. Artéria Carótida Interna. Nervo Facial. Microcirurgia. ABSTRACT In this case report, a young patient with an extensive soft tissue tumor on the base of the skull is presented, affecting the internal carotid artery, facial nerve and bulging skin of the left retroauricu- lar area. The tumor recurred after some previous approaches and the 15-year-old patient began to show signs of facial and vestibulocochlear nerve invasion. The surgical treatment was chosen, de- spite the concealed risks, in order to avoid the natural course of the tumor evolve to an inoperable stage. The extensive resection of the lesion lasted 26 hours of surgery with the multidisciplinary teams (neurosurgery, otorhinolaryngology, head and neck and plastic surgery). The facial nerve was reconstructed with autologous nerve graft and the large volumetric failure that exposed the brain was reconstructed with anterolateral myofasciocutaneous flap of the left thigh with vascular micro- anastomosis. The patient develops with stroke, meningitis and pneumonia. After two months of ad- mission to the ICU, he improved favorably. There was recovery of the movement of the facial mus- cles, and the reconstruction of the temporal region was successful. Conclusion: Despite the com- plexity of the condition, the surgical treatment for the young patient is a plausible alternative. Keywords: Sarcoma 180. Temporal Bone. Carotid Artery, Internal. Facial Nerve. Microsurgery.

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DOI: 10.30928/2527-2039e-20192032 ______________________________________________________________________________________Relato de caso

_____________________________________ 1Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Cirurgia Plástica, Campinas, SP, Brasil. 2Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Neurocirurgia, Campinas, SP, Brasil. 3Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Otorrinolaringologia, Campinas, SP, Brasil. 4Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Departamento de Cabeça e Pescoço, Campinas, SP, Brasil.

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RECONSTRUÇÃO DO NERVO FACIAL E DA REGIÃO TEMPORAL APÓS RESSECÇÃO DE EXTENSO TUMOR NA BASE DO CRÂNIO FACIAL NERVE AND TEMPORAL ZONE RECONSTRUCTION AFTER RESECTION OF AN EXTENSIVE TUMOR AT THE BASE OF THE SKULL André Coelho Nepomuceno1; Larissa Cassemiro da Silva1; Raphael Martinelli Anson Sangenis2; João Paulo Valente3; José Luís Braga de Aquino, TCBC-SP4; Douglas Alexandre Rizantti Pereira4.

INTRODUÇÃO

Sarcoma mixoide é tumor maligno de rara incidência, sobretudo em base de crâ-nio de pacientes jovens1. O sarcoma de pa-drão mixoide é caracterizado por abundân-cia de matriz extracelular mucoide, pleo-morfismo pouco evidente, e disseminação metastática ausente, sendo por isso consi-derado de baixo grau de malignidade, ape-sar da agressividade local2. Sua sintoma-

logia principal é a presença de massa ou nódulo palpável, com ou sem dor. Outros sintomas podem decorrer da compressão de estruturas adjacentes, já em estágios mais avançados da doença3.

Todos esses aspectos contribuem pa-ra uma maior dificuldade em estabelecer o diagnóstico correto e precoce, visto que são lesões insidiosas que expressam traços his-topatológicos de benignidade, culminando

RESUMO Neste relato de caso é apresentado paciente jovem com extenso tumor de partes moles em base de crânio, acometendo a artéria carótida interna, nervo facial e abaulando pele da região retroauricular esquerda. O tumor recidivou após algumas abordagens prévias e o paciente de 15 anos começou a apresentar sinais de invasão do nervo facial e vestibulococlear. Optou-se pela conduta cirúrgica, apesar dos riscos envolvidos, para não deixar a doença evoluir para um estágio inoperável. A res-secção ampla da lesão durou 26 horas de cirurgia com as equipes multidisciplinares (neurocirurgia, otorrinolaringologia, cabeça e pescoço e cirurgia plástica). O nervo facial foi reconstruído com enxer-to de nervo autólogo e a grande falha volumétrica que expunha o cérebro foi reconstruída com reta-lho miofasciocutâneo anterolateral da coxa esquerda com microanastomose vascular. O paciente evolui com acidente vascular cerebral, meningite e pneumonia. Após dois meses de internação na UTI evoluiu favoravelmente. Houve recuperação da movimentação da mímica facial, e a reconstru-ção da região temporal foi bem-sucedida. Conclusão: apesar da complexidade do quadro, o trata-mento cirúrgico para o paciente jovem é uma alternativa plausível. Descritores: Sarcoma 180. Osso Temporal. Artéria Carótida Interna. Nervo Facial. Microcirurgia. ABSTRACT In this case report, a young patient with an extensive soft tissue tumor on the base of the skull is presented, affecting the internal carotid artery, facial nerve and bulging skin of the left retroauricu-lar area. The tumor recurred after some previous approaches and the 15-year-old patient began to show signs of facial and vestibulocochlear nerve invasion. The surgical treatment was chosen, de-spite the concealed risks, in order to avoid the natural course of the tumor evolve to an inoperable stage. The extensive resection of the lesion lasted 26 hours of surgery with the multidisciplinary teams (neurosurgery, otorhinolaryngology, head and neck and plastic surgery). The facial nerve was reconstructed with autologous nerve graft and the large volumetric failure that exposed the brain was reconstructed with anterolateral myofasciocutaneous flap of the left thigh with vascular micro-anastomosis. The patient develops with stroke, meningitis and pneumonia. After two months of ad-mission to the ICU, he improved favorably. There was recovery of the movement of the facial mus-cles, and the reconstruction of the temporal region was successful. Conclusion: Despite the com-plexity of the condition, the surgical treatment for the young patient is a plausible alternative. Keywords: Sarcoma 180. Temporal Bone. Carotid Artery, Internal. Facial Nerve. Microsurgery.

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no pior prognóstico para o paciente. O objetivo desse trabalho é relatar a

ocorrência de tumor de padrão mixoide em base do crânio em paciente de 15 anos de idade, já apresentando sintomas compres-sivos do nervo facial e vestibulococlear, as-sim como massa retroauricular esquerda que vinha sendo tratado como recidiva de colesteatoma.

A evolução natural da doença seria progressão tumoral com perdas funcionais dos pares cranianos baixos até um estágio de irressecabilidade tumoral. A conduta cirúrgica impõe o quadro de paralisia facial total, os riscos de meningite, hematoma, seroma, acidente vascular cerebral, além da sequela local. Apesar dos riscos envolvidos, foi optado pela conduta cirúrgica da ressec-ção tumoral do ouvido interno esquerdo e base do crânio, associada à reconstrução imediata do nervo facial e da falha volumé-trica na base do crânio.

Neste trabalho, relatamos a conduta cirúrgica, a evolução clínica do caso e, res-saltamos a plasticidade cerebral após re-construção cirúrgica do nervo facial e da região temporal. Esperamos que este relato possa auxiliar na escolha da conduta dos colegas cirurgiões que se deparam com al-gum caso raro e complexo semelhante ao descrito.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 15 anos de idade, obesidade grau I, natural de Ca-tanduva-SP, foi submetido à mastoidecto-mia esquerda em 2012 com diagnóstico anatomopatológico de lesão colesteatoma-tosa. Evoluiu com nova lesão de aspecto peroláceo em conduto auditivo externo es-querdo em 2013. Nesta época realizou to-mografia de osso temporal que evidenciou material com densidade de partes moles e sinais de calcificação em orelha esquerda preenchendo as células residuais da mas-toide e do conduto auditivo externo esquer-do.

Realizada mastoidectomia radical es-querda em 17/09/2013, e anatomopatoló-gico descreveu lesão colesteatomatosa e cisto epidermoide. Retornou em 2014 para o mesmo serviço, referindo abaulamento em região do mastoide à esquerda, sendo submetido à mastoidectomia revisional, com novo laudo patológico de fibromixoma ossificante. Após o período de 2015, foi en-caminhado para São Paulo, onde o depar-

tamento de anatomia patológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo revisou a lâmina da cirurgia de 2015 e fez novo diagnóstico de sarcoma de padrão mixoide.

Após essa terceira recidiva tumoral, o paciente foi reencaminhado para Pontifí-cia Universidade Católica de Campinas, em 2017, com a queixa de massa palpável re-troauricular (Figura 1) e hipoacusia à es-querda, rouquidão e paralisia facial es-querda, sendo acolhido por equipe multi-disciplinar composta por neurocirurgião, otorrinolaringologista, cirurgião plástico e cirurgião de cabeça e pescoço, passando por nova avaliação médica.

Figura 1. Lesão tumoral em região retroauricu-lar esquerda de 12x8cm. À esquerda (A): foto pré-operatória. À direita (B): foto do planeja-mento do acesso cirúrgico pré-operatório.

O exame tomográfico na ocasião re-velou amplo comprometimento do osso temporal esquerdo, com acometimento do forame jugular, dos pares cranianos baixos (IX, X e XI), dos nervos faciais (VII) e vestí-bulo-coclear (VIII) e da artéria carótida in-terna. Foi realizada arteriografia das caróti-das com teste de oclusão mostrando manu-tenção da perfusão do hemisfério esquerdo do cérebro pelas artérias vertebrais e ramos do polígono de Willis. Após conversa com familiares sobre os riscos envolvidos, op-tou-se, então, por realizar a cirurgia onco-lógica.

A operação teve duração de 26 ho-ras, iniciando na manhã do dia 14/07/2017, onde ocorreu a exérese do extenso tumor com invaginação endocrani-ana, dissecção e preservação dos seguintes pares cranianos: IV, V, VI, IX e X. Junto do bloco tumoral foram seccionados os nervos

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faciais (VII), vestibulococlear (VIII) e acessó-rio (XI). Foi realizada a ligadura da artéria carótida interna (Figura 2).

Figura 2. Intraoperatório. À esquerda (A): dis-secção ao redor da peça oncológica. À direita (B): falha cirúrgica após a retirada do tumor, expondo cerebelo e cérebro na região do ouvido interno e fossa média do crânio.

Foi realizado enxerto de nervo auri-

cular magno para reconstrução do nervo facial do seu coto intrapetroso até seu tron-co extracraniano. Para cobertura da falha volumétrica na região temporal do ouvido interno e contenção do cérebro foi realizado transplante de retalho miofasciocutâneo anterolateral da coxa esquerda com micro-anastomoses vasculares término-terminais entre os vasos do pedículo do retalho (cir-cunflexos femorais laterais) e os vasos faci-ais (Figura 3).

Figura 3. Retalho anterolateral da coxa esquer-da dissecado.

No segundo dia pós-operatório o pa-ciente evoluiu com acidente vascular cere-bral isquêmico (AVCi) em território da arté-ria cerebral média manifestado por hemi-plegia a direita e afasia. Na sequência, foi submetido à craniectomia descompressiva de urgência devido grande edema cerebral e aumento da pressão intracraniana. Pacien-te evoluiu com meningite e pneumonia, sendo utilizados antibióticos de amplo es-pectro, guiados por culturas, ficando com traqueostomia e jejunostomia por dois me-ses na UTI.

O quadro clínico se estabilizou com sinais de encefalomalacia esquerda e pseu-docisto de líquor tamponado pelo retalho miocutâneo, que apresentou boa perfusão devido à patência das anastomoses micro-cirúrgicas. O paciente respondeu aos tra-tamentos intensivos e foi de alta da UTI com fisioterapia motora e fonoaudiologia. Nos meses consecutivos melhorou da afasia para disartria, retomou movimentos no membro inferior direito, assim apresentou sinais de reinervação do músculo orbicular da boca e orbicular do olho do lado esquer-do da face por axônios do nervo facial que cresceram pelo enxerto do nervoauricular (Figura 4).

Figura 4. Retorno da mímica facial após recons-trução do nervo facial. À esquerda (A): contra-ção do músculo orbicular da boca. À direita (B): contração do músculo orbicular do olho esquer-do.

O exame anatomopatológico da peça

revelou sarcoma de origem mixoide. Em 01/06/2018 o paciente foi sub-

metido ao segundo tempo de reconstrução da calota craniana com inclusão de prótese de polimetilmetacrilato com prototipagem prévia (Figura 5).

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Figura 5. Reconstrução da calota craniana com prótese de polimetilmetacrilato. (A): planejamen-to pré-operatório por meio de imagem tomográ-fica. (B): planejamento pré-operatório por meio da impressão de molde em impressora 3D. (C): intraoperatório com abertura do retalho de cou-ro cabeludo, dissecção do músculo temporal esquerdo e exposição das bordas ósseas e fibro-se sobre a dura-máter. (D): placa de polimetil-metacrilato cobrindo o cérebro e fixada à calota craniana com miniplacas e parafusos. O mús-culo temporal foi refixado a placa de acrílico.

Após sete dias da reconstrução da

calota craniana o paciente apresentou-se mais satisfeito com a forma e contorno faci-al (Figura 6).

Figura 6. Pré-operatório e pós-operatório. Sete dias da reconstrução da calota craniana. (A): vista frontal (pré-operatório). (B): vista frontal (pós-operatório). (C): perfil esquerdo (pré-operatório). (D): perfil esquerdo (pós-operatório).

DISCUSSÃO O sarcoma de padrão mixoide faz

parte do vasto grupo heterogêneo de neo-plasias malignas de partes moles, que co-mumente originam-se de células mesen-quimais primitivas. Muito raro, o padrão mixoide é caracterizado por abundância de matriz extracelular mucoide, pleomorfismo pouco evidente, e disseminação metastática ausente, sendo por isso considerado de baixo grau de malignidade, apesar da agressividade local2. Manifesta-se mais fre-quentemente em extremidades, seguido de cavidade abdominal, retroperitônio, parede do tronco e cabeça e pescoço.

Sua sintomatologia principal é a pre-sença de massa ou nódulo palpável, com ou sem dor e, outros sintomas podem de-correr da compressão de estruturas adja-centes, já em estágios mais avançados da doença3. Todavia, todos esses aspectos con-tribuem para uma maior dificuldade em estabelecer o diagnóstico correto e precoce, visto que são lesões insidiosas que expres-sam traços histopatológicos de benignida-de, culminando no pior prognóstico para o paciente.

No caso relatado acima, possivel-mente, a gênese do sarcoma mixoide se deu no ouvido médio esquerdo, com dissemina-ção para processo mastoide. Tipicamente, neoplasias de ouvido médio e mastoide são silenciosas, manifestando-se apenas como massa palpável e, às vezes otalgia e hipoa-cusia condutiva por efeito da massa, o que acarreta em seu diagnóstico tardio, princi-palmente quando associadas a infecções secundárias, sendo facilmente confundidas com quadro de otite crônica e lesão coleste-atomatosa. Consequentemente, isso permi-te progressão da doença, que só é diagnos-ticada em fases avançadas, como neste ca-so, que inclusive já apresentava grave inva-são intracraniana4.

Ao exame físico inicial apresentava massa palpável retroauricular à esquerda, com queixas de hipoacusia ipsilateral há um ano e disfonia há aproximadamente quatro meses. Também manifestou sinto-mas de acometimento do nervo facial es-querdo, como desvio da rima para direita e dificuldade para fechar o olho esporadica-mente. Os exames de imagem mostraram que o paciente apresentava amplo compro-metimento do osso temporal esquerdo, com compressão dos nervos cranianos IX ao XII, da artéria carótida e veia jugular interna

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esquerda e de outras estruturas nervosas da fossa posterior. Tal quadro, evidenciava o alto grau de complexidade de uma possí-vel ressecção cirúrgica associada à linfade-nectomia cervical, tratamento padrão ouro para sarcomas de partes moles5,6.

Foi realizada a arteriografia com tes-te de oclusão carotídea previamente a ci-rurgia, que revelou a perfusão do hemisfé-rio esquerdo pelas vias colaterais. Sabe-se que a arteriografia para avaliação de circu-lação colateral em pacientes com risco de oclusão da carótida interna é um bom pre-ditor de risco para acidente vascular cere-bral isquêmico7. Porém, dois dias após a cirurgia com ligadura da artéria carótida esquerda o paciente evoluiu com extenso acidente vascular cerebral. A intensa res-posta endócrino-metabólica pós-cirúrgica e o estado de hipermetabolismo cerebral, na tentativa de extubação, devem ter gerado o desequilíbrio entre a demanda e o consumo sanguíneo levando ao desfecho isquêmico e edema cerebral, sendo necessária a crani-ectomia descompressiva.

Do ponto de vista reconstrutivo, a correção da extensa falha volumétrica do osso temporal era essencial à manutenção da vida do paciente, assim como para pre-venção de complicações que culminassem em maior morbimortalidade, visto que a não reparação da mesma deixaria o cérebro exposto na fossa média. A reconstrução foi realizada com retalho miocutâneo anterola-teral da coxa esquerda e anastomose vas-cular microcirúrgica, contabilizando seis horas do tempo cirúrgico total. O retalho anterolateral da coxa possui maior volume de tecido subcutâneo do que outros reta-lhos mais finos como o lateral do braço8. Além do que, seu pedículo vascular é mais longo, o que permitiu sua microanastomose com os vasos faciais, e o componente de músculo vasto lateral associado ao retalho permitiu maior preenchimento da falha temporal e maior vascularização do tecido circundante (no caso, o cérebro) o que auxi-liaria na circulação de antibiótico na even-tual aparição de infecção local9.

Analogamente, a não reconstrução do nervo facial levaria o paciente ao quadro de paralisia facial esquerda, o que leva ao isolamento social e depressão10. Como foi possível isolar o coto proximal do nervo fa-cial intracerebral (proximal a lesão tumoral) e o tronco do nervo facial extracraniano (distal a lesão tumoral) foi optado pela re-

construção da falha por meio de enxerto de nervo auricular magno durante o ato opera-tório, já que dificilmente seria possível iden-tificar os cotos do nervo facial em um se-gundo tempo cirúrgico. Em casos de lesão nervosa com falha, a reconstrução com au-toenxerto de nervo é o tratamento padrão ouro, uma vez que as novas células de Schawnn e os axônios em regeneração crescem preferencialmente dentro do enxer-to nervoso em direção aos músculos al-vos11.

Dez meses após a cirurgia o paciente apresentou melhora na fala e na deambula-ção. O paciente jovem possui grande plasti-cidade sináptica o que permitiu a recupera-ção funcional12, apesar da grande extensão cirúrgica e de todas as intercorrências pós-operatórias. Os músculos da mímica facial do lado operado voltaram a se movimentar por volta dos seis meses pós-operatórios. A contração visível dos músculos orbicular dos olhos e orbicular da boca (Figura 4) revela que os axônios em regeneração do nervo facial cresceram pelo enxerto de ner-vo e alcançaram a musculatura da mímica facial com sucesso13.

Neste mesmo período de 10 meses de pós-operatório, foi realizada a reconstrução da calota craniana utilizando prótese de polimetilmetacrilato (PMMA), polímero utili-zado para reconstrução de calota craniana desde a década de 194014. Neste caso, foi realizado o planejamento pré-operatório com impressão de molde de nylon em im-pressora 3D. A prototipagem pré-operatória aumenta a precisão do formato e do tama-nho da prótese em relação ao defeito na calota, além de diminuir o tempo intra-operatório15.

Atualmente, o paciente encontra-se estável e em acompanhamento ambulatori-al. REFERÊNCIAS 1. Chang KH, Kim DK, Jun BC, Park YS.

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Recebido em: 14/10/2018 Aceito para publicação: 23/01/2019 Conflito de interesses: Não Fonte de financiamento: Não Endereço para correspondência: Larissa Cassemiro da Silva E-mail: [email protected]