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RECURSOS HÍDRICOS, INDÚSTRIAS DE CELULOSE E QUÍMICA AMBIENTAL: UM PARALELO ENTRE POSSIBILIDADES, CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS Natalia Fernanda de Castro Meira (UFMS) [email protected] Wallace de Oliveira (UFMS) [email protected] A crescente preocupação envolvendo a temática ambiental nos métodos de gerenciamento de recursos naturais proporcionou uma nova preocupação nos sistemas de gestão: elaborar e aplicar uma gestão ambiental eficaz e eficiente, visto que toda atividade industrial, seja o empreendimento de pequeno, médio ou grande porte, acarreta nas áreas direta e indiretamente afetadas impactos ambientais. Partindo dessa premissa, destaca-se os recursos hídricos como o recurso natural amplamente utilizado nessas atividades potencialmente poluidoras, a importância desse recurso, a crescente poluição e contaminação e a necessidade de um planejamento ambiental e controle dos parâmetros de qualidade dentro das normas, resoluções e leis vigentes, ainda que, as mesmas muitas vezes, não sejam suficientes para manter o controle. Dentro desse contexto de aplicação efetiva de uma política de gestão dos recursos hídricos, destacam-se nesse trabalho, os efluentes provenientes de indústrias de celulose, tendo como objeto de estudo as gigantes do setor instaladas no município de Três Lagoas. As características físicas e químicas desse efluente, bem como as consequências dos compostos químicos presentes, o controle e o monitoramento são discutidos nesse trabalho. Palavras-chave: 1) Recursos Hídricos 2) Efluentes industriais 3)Indústrias de celulose XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.

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RECURSOS HÍDRICOS, INDÚSTRIAS DE

CELULOSE E QUÍMICA AMBIENTAL: UM

PARALELO ENTRE POSSIBILIDADES, CAUSAS E

CONSEQUÊNCIAS

Natalia Fernanda de Castro Meira (UFMS)

[email protected]

Wallace de Oliveira (UFMS)

[email protected]

A crescente preocupação envolvendo a temática ambiental nos métodos de

gerenciamento de recursos naturais proporcionou uma nova preocupação

nos sistemas de gestão: elaborar e aplicar uma gestão ambiental eficaz e

eficiente, visto que toda atividade industrial, seja o empreendimento de

pequeno, médio ou grande porte, acarreta nas áreas direta e indiretamente

afetadas impactos ambientais. Partindo dessa premissa, destaca-se os

recursos hídricos como o recurso natural amplamente utilizado nessas

atividades potencialmente poluidoras, a importância desse recurso, a

crescente poluição e contaminação e a necessidade de um planejamento

ambiental e controle dos parâmetros de qualidade dentro das normas,

resoluções e leis vigentes, ainda que, as mesmas muitas vezes, não sejam

suficientes para manter o controle. Dentro desse contexto de aplicação

efetiva de uma política de gestão dos recursos hídricos, destacam-se nesse

trabalho, os efluentes provenientes de indústrias de celulose, tendo como

objeto de estudo as gigantes do setor instaladas no município de Três

Lagoas. As características físicas e químicas desse efluente, bem como as

consequências dos compostos químicos presentes, o controle e o

monitoramento são discutidos nesse trabalho.

Palavras-chave: 1) Recursos Hídricos 2) Efluentes industriais 3)Indústrias de

celulose

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1. Introdução

A busca por processos produtivos que minimizem os impactos ambientais nas áreas direta e

indiretamente afetadas resultou na necessidade de implantação de Sistemas de Gestão

Ambiental (SGA), visto que toda atividade humana sobre a natureza têm implicações, e

devem, portanto, ser gerenciadas e administradas.

Formas de gerenciamento, como por exemplo, a implantação das normas ISO 14000, que

surgiram em 1992 durante a realização da conferência Cúpula da Terra (ECO 92), é uma

certificação que possui reconhecimento no mercado internacional, uma vez que, além de

proporcionarem a redução nos custos, ainda colaboram para uma gestão responsável dos

recursos naturais. As normas da série ISO 14000 estabelecem bases, normas e padronização

dos processos produtivos numa perspectiva comum, aplicável a organizações com variados

perfis e abrangendo vários setores de gestão ambiental (avaliação de desempenho ambiental,

auditoria ambiental, avaliação do ciclo de vida, rotulagem ambiental e aspectos ambientais em

normas de produtos).

Entre os empreendimentos de grande porte, estão às indústrias de celulose e papel, que

utilizam matéria-prima proveniente de recursos naturais em seus processos produtivos e,

liberam em grandes proporções, resíduos sólidos, emissões atmosféricas e efluentes

industriais. No Brasil, o setor de celulose teve, entre 1970 e 2013, um crescimento em torno

de 7,1% ao ano e um saldo comercial de US$ 4,7 bilhões (BRACELPA, 2014). Em se

tratando do município de Três Lagoas, no Estado de Mato Grosso do Sul, que é nosso objeto

de análise, a partir do ano de 2009 contou com a instalação de dois grandes empreendimentos

do setor, a Eldorado Brasil e a Fibria.

São inúmeros os efeitos causados pela instalação de empreendimentos de grande porte numa

determinada região. Conhecer o processo de apropriação, controle e subalternização dos

territórios na industrialização, e as formas de planejamento do território, que compreende os

níveis e as fases de planejamento, bem como os mecanismos de intervenção, que serão

discutidos neste trabalho, é fundamental para entender as consequências desse processo.

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O município de Três Lagoas dispõe de grande disponibilidade de água. Inserido na Bacia

Hidrográfica do Rio Paraná, e concentrando os rios Paraná, Rio Pombo, Rio Sucuriú e Rio

Verde, o município conta com duas Unidades de Planejamento e Gerenciamento de recursos

hídricos: a do Sucuriú (área 66, 96%) e do Rio Verde (área 33,04%). Esses dados destacam a

riqueza hídrica do município, trazendo à tona a necessidade da preservação e fiscalização para

manter a qualidade da água. É evidente também que este aspecto corroborou para a inserção

das indústrias do setor celulósico/papeleiro na região.

Neste trabalho, trataremos especificamente sobre a importância da qualidade da água, e a

necessidade de controlar e gerenciar a poluição das águas (física, química, bioquímica e

biológica), o controle ambiental através da avaliação de índices e parâmetros e os princípios

constitucionais e aspectos legais no gerenciamento dos recursos hídricos, com a finalidade de

entender a importância da fiscalização das substâncias derivadas dos efluentes de uma

indústria de celulose para a preservação da qualidade dos corpos d’água que recebem esses

compostos.

Os processos químicos analisados na liberação dessas substâncias são as utilizadas nas

indústrias inseridas no município de Três Lagoas: o Processo Kraft de processamento de

celulose e o Processo ECF (Elementary Chlorine Free- Livre de Cloro Elementar) de

branqueamento (EIA, 2009). Essas substâncias são especificamente compostos

organoclorados (AOX, dioxinas e furanos), derivados químicos nocivos ao meio ambiente e

de consequências a médio e longo prazos ainda pouco conhecidos.

2. 1. Planejamento Territorial

Como reflexo do processo de desenvolvimento econômico-industrial e das demandas sociais,

o setor público desenvolveu mecanismos de planejamento ambiental, desencadeando a criação

de políticas que administrassem o processo apropriação e manejo dos recursos naturais

existentes no território.

Para atingir formas mais sofisticadas de planejamento, o histórico do Planejamento Territorial

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pela administração pública no Brasil, em 1969, elaborou-se as técnicas de Planos Diretores de

Desenvolvimento Integrado dos Municípios. As técnicas de planejamento, portanto, passaram

a ser integradas entre diferentes setores de planejamento público, abrangendo as esferas

econômicas, sociais, institucionais e territoriais (PHILIPPI JR., 2005).

A partir desse contexto de crescimento e desenvolvimento econômico e a integração dos

diversos setores de planejamento público, o meio ambiente passou a ser reconhecido como

fundamental no processo de qualidade de vida (PHILIPPI JR., 2005). Não obstante, a

compreensão de diversos fatores equiparados com as consequências para a sociedade

fundamentou essa afirmação. Torna-se possível o Planejamento Territorial ser estabelecido

por meio de diretrizes que minimizem os impactos das ações humanas sobre o meio ambiente

e, consequentemente, sobre sua própria qualidade de vida e saúde. Fatores que indicaram

poluição e contaminação por meio de atividades industriais (emissões atmosféricas, resíduos

sólidos e efluentes), resíduos domésticos (esgotos e fossas), epidemias e catástrofes

ambientais corroboraram para a inserção da temática ambiental nas técnicas de Planejamento

Territorial.

Segundo Almeida et.al. (2000, apud Philippi Jr., 2005), são quatro as abordagens da

Administração Pública. No que diz respeito à primeira, a Administração dos Recursos

Naturais, originou-se a regulamentação da apropriação desses recursos, com o Código das

Águas, Estatuto da Terra e o Código Florestal.

O segundo enfoque é o Controle da Poluição Ambiental, no qual se destaca o processo de

industrialização, com a externalidade do processo produtivo: a poluição, onde a capacidade de

autodepuração, de resiliência e de regeneração dos biomas e ecossistemas não são suficientes

para recuperar os efeitos desse processo.

Padilha (2010) cita o conceito normativo ambiental de poluição segundo a Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente (LPNMA) como a degradação da qualidade ambiental resultante

de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar

da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem

desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e)

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lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (art. 3º,

inciso III).

A terceira abordagem, do Planejamento Territorial, tem fundamental relevância, pois

caracteriza o início da implementação das atividades sobre o território (envolvendo políticas

públicas e obrigações do setor privado), a ocupação, distribuição dos recursos naturais e de

infraestrutura, necessitando de estudos científicos multidisciplinares na elaboração e na

execução de diagnósticos e planejamentos antes da aplicação das políticas públicas. São

inseridos aqui os conceitos de zoneamento e de áreas criticas de poluição. As unidades de

planejamento são bacias hidrográficas.

A última abordagem, a Gestão Integrada dos Recursos p0or parte da administração pública,

destaca-se o processo de apropriação, manuseio e uso do território com a finalidade de

inserção de empreendimentos industriais, que ocorre por processo de licenciamento

ambiental, constituído de três licenças: a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a

Licença de Operação (LO), definidas pela Resolução do Conselho Nacional do Meio

Ambiente (CONAMA) nº 237 (SEIFFERT, 2009).

A Administração Pública, portanto, exerce a função de norteador das obrigações dos setores

privados no desenvolvimento de determinada região. Um exemplo que tem contribuído na

tentativa de controlar os efeitos das atividades antropogênicas potencialmente ou efetivamente

poluidoras é a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e as audiências públicas,

com a divulgação dos resultados através do Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA).

A vantagem desse procedimento é o esclarecimento para as comunidades dos possíveis efeitos

da instalação desses empreendimentos. Ressalta-se que esse procedimento pode não ser

eficiente, uma vez que, muitas vezes, a elaboração do RIMA e sua apresentação nas

audiências públicas pode se assemelhar mais a um merchandising do que a informação dos

reais impactos propriamente ditos. Ainda, se torna necessário o acompanhamento e

fiscalização pelo órgão competente o cumprimento das condicionantes previstas na licença

ambiental.

Em 2014, uma das indústrias de celulose do município de Três Lagoas foi multada em R$270

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mil por apresentar alterações em um dos equipamentos de monitoramento justamente no dia

em que ocorreu um incidente envolvendo forte odor atmosférico na cidade, ocasionada pelo

vazamento de gás, além do não cumprimento de outras condicionantes previstas na licença

ambiental (JORNAL DO POVO, 2013). Porém, esse fato só foi registrado pelo órgão

competente estadual, o IMASUL (Instituto de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul) após o

incidente, ou seja, a população ser atingida e grande parte passar mal com o produto inalado.

2.2. Planejamento Ambiental

O uso dos recursos naturais torna necessária a compreensão da relação natureza-sociedade

para a manutenção da vida e da biodiversidade, na tarefa de efetuar medidas preventivas de

mitigação de impactos ambientais. Franco (2001, apud Philippi Jr. 2005, p.633) considera o

planejamento ambiental como o “esforço da civilização em prol da preservação e conservação

dos recursos ambientais de um território, com o objetivo de prover sua própria

sobrevivência”.

A aplicabilidade dos Níveis de Planejamento Ambiental consiste na incorporação da temática

nos setores municipais, estaduais e nacionais de agricultura, saúde e infraestrutura, de forma

que integrem os conhecimentos sociais, econômicos, territorial e institucional. Assim, torna-

se possível classificar os problemas e buscar formas de otimização das técnicas para que o

planejamento ambiental seja implementado pelo poder público, onde a atuação é representada

por ações diretas através de investimentos em projetos e ações indiretas decorrentes de

legislações (PHILIPPI JR., 2005).

Os modelos formais de planejamento seguem o mínimo de etapas, que são desenvolvidos por

meio da elaboração, onde os problemas são identificados; da implantação, onde são analisadas

as propostas de soluções alternativas e da avaliação, que consiste em monitorar os efeitos do

planejamento. Contudo, autores defendem ainda alguns outros aspectos relevantes a serem

considerados. Almeida et al. (1993, apud Philippi Jr. 2005), por exemplo, acrescenta como

variáveis os seguintes aspectos: identificação e descrição do sistema no planejamento

ambiental; definição dos objetivos com base nos problemas; geração de soluções que atinjam

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os objetivos; execução e controle. Já Philippi Jr. (2004) ressalta o envolvimento das

comunidades, estudos preliminares nos pontos de vulnerabilidade, modelo de prognóstico e

plano de manejo antes da execução.

2.3.Mecanismos de Intervenção de Domínio Legal

Na finalidade de intervir no processo de tomadas de decisões na área ambiental, os princípios

legais de comando e controle progrediram estabelecendo metas e padrões por meio de

fiscalização, aplicação de multas e ações coercitivas. Uma forma de minimizar os efeitos de

poluição e contaminação ambiental pelo setor privado é empregar em seus processos

tecnologias de controle ambiental capazes de prevenir riscos e manter a qualidade ambiental

adequada a ponto de minimizar os efeitos sobre a saúde humana e os ecossistemas.

Os instrumentos de Domínio Legal servem para regulamentar, através de um conjunto de

normas, regras, procedimentos e padrões, que os agentes econômicos potencialmente

poluidores se adéquem às metas de qualidade ambiental, que os sujeitam a um conjunto de

penalidades administrativas, civis e penais.

Portanto, convém ao Estado estar preparado científico-tecnologicamente para estabelecer

padrões a serem atingidos na legislação ambiental. Outro instrumento legal bastante eficaz é o

licenciamento ambiental, que são outorgados a partir de um conjunto de normas jurídicas,

técnicas e administrativas a qualquer empreendimento que afete as propriedades químicas,

físicas e biológicas do meio ambiente (PHILIPPI JR., 2005).

3.1.Princípios Constitucionais do Meio Ambiente

O marco histórico em benefício da gestão do meio ambiente pelo setor público foi à

legitimação em 31 de agosto de 1981 da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela

Lei Federal n.6.938. Concomitante a essa lei, foram criados o Sistema Nacional do Meio

Ambiente (SISNAMA), que definiu seus órgãos e atribuições estruturando-os nas quatro

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esferas de poder (União, Distrito Federal, Estado e Município) e o órgão colegiado de caráter

consultivo e deliberativo: o CONAMA (PADILHA, 2010).

O Capítulo VI da Constituição Federal (CF) se refere especificamente ao meio ambiente

incorporando algumas das disposições da Lei Federal n.6.938. Segue o art.225, que trata

especificamente do meio ambiente:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo

ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e

fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão

permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a

integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente

causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto

ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem

em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os

animais a crueldade [...].

Para prover a qualidade ambiental, a Política Nacional do Meio Ambiente segue como

princípios norteadores: ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,

considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado

e protegido, tendo em vista o uso coletivo; racionalização do uso do solo, do subsolo, da água

e do ar; planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; proteção dos

ecossistemas, com a preservação das áreas representativas; controle e zoneamento das

atividades potencial ou efetivamente poluidoras; incentivo ao estudo e à pesquisa de

tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;

acompanhamento do estado de qualidade ambiental; recuperação de áreas degradadas;

proteção de áreas ameaçadas de degradação; educação ambiental a todos os níveis de ensino,

inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa

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do meio ambiente.

3.2. Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

Através da Constituição Federal de 1988, implantou-se o Sistema Nacional de Gerenciamento

de Recursos Hídricos e, posteriormente, a Política Nacional de Recursos Hídricos e a criação

do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que trouxe como benefício o

reconhecimento da água como recurso limitado e necessário o planejamento e controle, tendo

como unidade territorial para gestão desse recurso, a bacia hidrográfica (BRAGA, 2005).

Contudo, segundo Philippi Jr. (2005), alguns autores argumentam que a lei federal sobre os

recursos hídricos se tornou flexível e muitas vezes, inócua, uma vez que foi promulgada após

várias leis estaduais.

Uma das problemáticas para a gestão dos recursos hídricos é o gerenciamento do processo de

poluição e contaminação por atividades industriais. Como mencionado, as indústrias de

celulose/papel são responsáveis pela grande demanda de uso da água em seu processo

produtivo e no descarte de efluentes contendo inúmeras substâncias. Portanto, o órgão

competente estadual deve assegurar a utilização racional e a defesa contra eventos críticos

e/ou efeitos adversos ao meio ambiente e a saúde humana que podem ser gerados por esses

compostos.

4.1.Controle Ambiental da Água

As classificações da qualidade da água são feitas através de padrões fixados com o propósito

de prevenir e controlar a poluição no meio ambiente. O Conselho Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA), pela Resolução nº 20 estabeleceu a classificação para águas doces, salobras e

salinas em território nacional. Dentro dessa qualificação, estão descritos os usos da água, que

podem ser: abastecimento público, abastecimento industrial, atividades agropastoris,

preservação da fauna e da flora, recreação, geração de energia elétrica, navegação e diluição e

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transporte de efluentes.

A poluição da água está associada à mudança das características químicas, físicas e biológicas

da água que afetem direta ou indiretamente, as comunidades e ecossistemas. Essa poluição é

ocasionada, por exemplo, pelo lançamento de efluentes líquidos, tratados ou não, nos corpos

d’água (PHILIPPI JR., 2004).

Os tipos de processos de tratamento são desenvolvidos em uma área especifica de acordo com

o sistema de tratamento mais adequado para determinado efluente líquido. São processos

físicos, químicos e biológicos, que ocorrem em sistemas de tratamento preliminar, primário,

secundário, terciário, de lodos e físico-químico. Abaixo, a figura 1 mostra o processo de

tratamento de efluentes de uma indústria de celulose:

Figura 1- Representação esquemática de fases de tratamento de efluentes líquidos de uma fábrica de celulose

Fonte: MIELLI, 2007

A fim de monitorar a qualidade da água, parâmetros e indicadores são utilizados para

determinar as condições da água. Estes parâmetros são físicos (temperatura, turbidez,

coloração, absorbância no ultravioleta), químicos (pH, oxigênio dissolvido, demanda

bioquímica de oxigênio, etc), microbiológicos (coliformes fecais, etc), hidro biológicos

(clorofila-a) e eco toxicológicos.

4.2.Indústrias de Celulose e Papel

O processamento da celulose comercial nas indústrias de polpa e papel pode ser subdividido

por dois meios: o processamento da celulose (que consiste na degradação da lignina e sua

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separação entre as fibras e os cavacos) e o branqueamento da polpa celulósica. Entre as

tecnologias existentes para atingir estes objetivos, estão os utilizados nas indústrias de

celulose na região de Três Lagoas: o Processo Kraft (NaOH e Na₂S), também conhecido

como Processo Sulfato, utilizado para o processamento da celulose, e o Processo ECF

(Elementary Chlorine Free- Livre de Cloro Elementar), para o branqueamento da celulose

(EIA, 2009).

No Processo Kraft (NaOH e Na₂S), os cavacos de madeira são enviados ao digestor contendo

licor branco, composto por Hidróxido de Sódio (NaOH) e Sulfeto de Sódio (Na₂S). A lignina

presente na madeira é quebrada em fragmentos pelos íons hidroxila (OH⁻) e hidrossulfitos

(SH⁻) presentes no licor de polpação. Ao final desse processo, a lignina é degradada e ocorre

a separação das fibras, obtendo como resultado as fibras individualizadas e o licor negro

residual.

O licor negro segue para a caldeira de recuperação, que oferece a maior vantagem do

processo: a recuperação dos agentes químicos. A pasta de celulose por sua vez, após o

processo de lavagem, é levada a próxima etapa: o branqueamento, que nas indústrias de Três

Lagoas é realizada pelo Processo ECF (Elementary Chlorine Free).

Ambos os processos citados são responsáveis pela liberação de grande quantidade de

efluentes na planta da indústria, que são encaminhados para a Estação de Tratamento de

Efluentes (ETE) antes de serem despejados no Rio Paraná.

Os principais componentes destes efluentes são sólidos em suspensão (caracterizam-se por

fibras, cascas e material inorgânico da caustificação) retirados por decantação, matéria

orgânica (proteínas, gorduras, carboidratos, entre outros), valores elevados de DBO

(Demanda Bioquímica de Oxigênio) e DQO (Demanda Química de Oxigênio) e compostos

organoclorados (AOX- cloro ligado à matéria orgânica) devido ao uso de derivados de cloro

no branqueamento da polpa celulósica.

O tratamento biológico utilizado para o tratamento desses efluentes tem por objetivos a

remoção de DBO, DQO, AOX e toxidade. O tratamento biológico acontece em lagoas, e pode

ser aeróbico (lagoas aeradas e/ou lodo ativado) ou anaeróbico (lagoas anaeróbicas e/ou

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sistemas de alta taxa). O esquema ilustrado na figura 2 representa de forma geral a

composição do processo: o efluente entrando no reator, o consumo de oxigênio (O₂) pelos

micro-organismos, a alimentação de compostos contendo N e P para os micro-organismos, a

liberação de gás carbônico (CO₂), e na saída do processo, o efluente tratado.

Figura 2- Representação do tratamento biológico de efluentes

Fonte: VOTORANTIM, 2003(adaptado pelos autores)

Após o tratamento, todo o efluente das indústrias é descartado no Rio Paraná que cerca a

região.

4.3.Química Ambiental dos Organoclorados

A preocupação quando se trata de efluentes provenientes de indústrias do setor

celulósico/papeleiro que utilizam cloro para branquear a polpa, está relacionada a essas

indústrias serem fontes de dioxinas e furanos, que são compostos organoclorados formados a

partir da reação do cloro com algumas moléculas de matéria orgânica (BAIRD, 2011). Os

compostos organoclorados são medidos aproximadamente através da quantidade de cloro

ligado a matéria orgânica, chamados de AOX (Halogênios Orgânicos Adsorvíveis).

A liberação desses compostos é prevista desde a fase de licenciamento, garantindo que essas

indústrias liberem esses compostos desde que estejam dentro de um limite padrão. As

indústrias que utilizam o Processo ECF de branqueamento liberaram uma quantidade muito

menor destes compostos se comparada ao Processo STD (Standard), que utiliza cloro

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molecular (Cl₂) responsável por gerar afluentes altamente tóxicos. Contudo, algumas

indústrias hoje utilizam outras alternativas de branqueamento, através de agentes

branqueadores Totalmente Livres de Cloro (TCF). Alguns exemplos desses branqueadores são

ozônio, peróxido de hidrogênio e oxigênio a alta pressão (BAIRD, 2011).

Concentrações de dioxinas e furanos (principalmente altamente cloradas) são transportadas

pela água e pela atmosfera, se depositando em vários lugares, entrando na cadeia alimentar e

bioacumulando em plantas e animais. A toxidade desses compostos, entre outros

organoclorados, está associada ao fato de que afetam os hormônios sexuais, atingindo a

reprodução de animais. Há ainda estudos que levam os efeitos dessa toxidade ainda mais

longe: ao efeito carcinogênico desses compostos em seres humanos e animais em longo prazo,

além de afetar o sistema endócrino, imunológico e o desenvolvimento de fetos (BAIRD,

2011).

Apesar de se tratarem de compostos altamente complexos e dificultosos os estudos na área,

efeitos já anteriormente estudados e relacionados às implicações destes no meio ambiente

devem ser considerados de modo cuidadoso e fiscalizados pelos órgãos responsáveis. Ainda

que, em pequenas proporções, os efeitos em longo prazo não são totalmente conhecidos.

Compostos organoclorados são facilmente absorvidos pela gordura de animais. A maior

proporção encontrada em seres humanos está relacionada ao consumo de peixes que vivem

em águas que recebem como resíduos efluentes de indústrias que liberam essas substâncias.

5.Considerações Finais

A poluição ambiental por substâncias sintéticas é comum e verificada na maior parte dos

processos produtivos existentes. Os efeitos gerados por essas substâncias a curto, médio e

longo prazo devem ser averiguados de modo cuidadoso, sobretudo pela complexidade que se

verifica nos ecossistemas em metabolizar esses compostos.

Cabe ao Poder Público e as esferas privadas a intenção de gerenciar, fiscalizar e aplicar

tecnologias que minimizem os impactos ambientais gerados por essas substâncias. Um

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exemplo é a não utilização de tecnologias mais viáveis pelas indústrias instaladas no

município de Três Lagoas, como por exemplo, o Processo TCF (Totally Chlorine Free) para

o branqueamento da celulose, uma vez que este extinguiria a eliminação de compostos

organoclorados nos efluentes despejados no curso do Rio Paraná.

A obrigatoriedade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) desenvolvido no processo de

licenciamento das indústrias é essencial para que os instrumentos de intervenção do estado e

municípios possam acompanhar e efetuar periodicamente fiscalizações a fim de verificar se os

padrões estão dentro dos limites esperados e se, ainda assim, estão encadeando efeitos sobre

os ecossistemas.

Um dos fatores atrativos para instalação das indústrias as margens do Rio Paraná e seus

afluentes é justamente a necessidade de um rio de grande porte, que oferece a vantagem de

lançar seus efluentes em um meio capaz de dissipar em seu curso as propriedades

incorporadas. Contudo, os recursos hídricos são limitados e essenciais para a sobrevivência

dos ecossistemas e da saúde humana, sendo, portanto fundamental a execução dos

mecanismos de controle e fiscalização.

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