Redalyc.Por que continuar lendo pedagogia do oprimido?

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Revista de Políticas Públicas ISSN: 0104-8740 [email protected] Universidade Federal do Maranhão Brasil Gadotti, Moacir Por que continuar lendo pedagogia do oprimido? Revista de Políticas Públicas, vol. 16, núm. 2, julio-diciembre, 2012, pp. 459-461 Universidade Federal do Maranhão São Luís, Maranhão, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321129114017 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 0104-8740

[email protected]

Universidade Federal do Maranhão

Brasil

Gadotti, Moacir

Por que continuar lendo pedagogia do oprimido?

Revista de Políticas Públicas, vol. 16, núm. 2, julio-diciembre, 2012, pp. 459-461

Universidade Federal do Maranhão

São Luís, Maranhão, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321129114017

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RESENHA

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed.Sáo Paulo: Paz e Terra, 2011.

POR QUE CONTINUARLENDO PEDAGOGIA DO OPRIMIDO?

Moacir GadottiOiretordo Instituto PauloFreire

o livro Pedagogia do oprimido chega á sua 50'edicáo. Em 2001, o lnstltuto Paulo Freire, com sedeem Sáo Paulo, recebeu o fac-simile dos manuscritosdeste livro cuja história corneca em 1968, quandoPaulo Freire entregou a Jacques Chonchol, diretordo Instituto Chileno de Reforma Agraria (ICIRA),onde Paulo Freire trabalhava. No ano seguinte,ele sairia do Chile, passando quase um ano naUniversidade de Harward, nos Estados Unidos e,depois, se estabe lecendo em Genebra , no ConselhoMundial de Igrejas, de onde regressou ao Brasil dezanos depo ls, completando 16 anos de exilio. Depoisque ele entrego u os manuscritos a Chonchol nuncamais os viu, peis nao ficou com nenhuma cópia .No final de sua vida, desejando revé-los , tinha aíntencao de escrever a Jacques Chon chol para obterurna cópia, mas faleceu logo depe is, sem conseguirrealizar esse sonho.

Ao entrega- los a Jacques Choncol e a suaespesa Maria Edy, numa carta escri ta a eles , na"primavera de 68", Paulo Freire fala das saudadesque tinha de Recife, após quatro anos de exilio ,"de suas pontes, suas ruas de nomes gostosos:Saudade , Uniáo, 7 pecados, Rua das Creoulas, doChora menino, ruas da Amizade, do Sol, da Aurora".Ele dizia ter deixado "o mar de agua moma, aspraias largas , os coqueiros", deixava "o cheiro daterra e das gentes do trópico, os amigos, as vozesconhecidas". E afirmava que estava deixando oBrasil, mas tarnbérn "trazia o Brasil" e "chegavasofrendo a ruptura entre o meu projeto e o projeto domeu Pals". E conclui dizendo: "gostaria que vocesrecebessem estes manuscritos de um livro que pedenao prestar , mas que encarna a profunda crenca quetenho nos homens, como uma simples homenagema quem muito admiro e estimo".

Em 1968, Paulo Freire eslava receoso de queseu livro fosse confiscado - haviam surgido boatosde que torcas da inteligencia chilena estariam atr ásde um livro "subversivo e perigoso" - datilografouos manuscritos e tirou algumas c óplas antes deentrega-los a Choncol. Os manuscritos cornecarncom a conhecida epigrafe : "Aos esfarrapados domundo e aos que neles se descobrem e, assimdescobrindo-se, com eles solrem, mas , sobretudo,com eles lutam".

Pedagogia do oprimido, livro traduzlco em

rnais de 25 idiomas, é sua principal obra e a principalobra da teoria transformadora da educacáo, urnareferencia permanente da educacáo popular nomundo . Nesse livro ele sistemat iza e desenvo lvetemas antes esboyados e, ao mesmo tempo, temasque ira aprofundar depeis.

A enfase principal desla obra foi muito bemcaptada no prefacio escrito por Emani Maria Fiori:o objetivo principal de urna educac áo libertado raé fazer com que o homem e a mulher aprendam a"dizer a sua paíavra". náo repetindo, simplesmente,a palavra do outro . A palavra como instrumentoper meio do qual o homem toma-se sujeito de suahistória.

Se é pela palavra que o ser humano revela suahumanidade, é no dialogo que ele se encontra com ooutro , completando sua humanidade . SÓpor meio deurna cornunicacáo autentica, na reciprocidade e naigualdade de condicóes, estabelecidas pelo dialogo ,é que o individuo toma-se criador e sujeit o, PauloFreire sustenta que a educacáo nao é um processoneutro. Ela pode tanto formar sujeitos suje itadosquanto sujeitos livres. Ela pode ser tanto uma acáocultura l para a domina cao quanto pede ser uma acáocultural para a tibertacáo. Ela pode ser libertadoraou bancari a. O dialogo s ópode existir entre iguais ediferentes. Nunca entre antagónicos . Do contrario,seria um falso dialogo , utopia romántica quandoparte do oprimido , e ardil astuto quando parte doopressor.

Em Paulo Freire o dialogo dos oprimidos,orientados por urna consciencia critica da realidade,aponla para a superacáo do conflito destes com seusopressores. Nele , o dialogo náo é s óum encontro dedois sujeitos que buscam o significado das coisas - osaber - mas um encontro que se realiza na praxis ­acao + reñexao - no engajamento, no compromissocom a transtorrnacáo social. Dialogar náo é trocarideias. O diálogo que nao leva acao transform adoraé puro verbalismo.

É neste livro que Paulo Fre ire desenvolve oconce ito de "educacáo bancaria", urna educacáorígida, autoritaria e antidialógica na qual o professortem o papel de transterír o seu sabe r para alunosdóceis e passivos como se eles fossem urna latavazía. Ao contrario, a educacáo problematizadoraé part lcipativa e dialógica. Ambos, professor ealunos, buscam juntos, "em com unh áo", construirconhecimento valorizando o que já sabem.

A Pedagogia do oprimido possibilitadesve lar a realidade opressora, tornando o homemconsciente da sua situacáo de expioracao em quevive, o primeiro passo para libertar-se da opressáo.Trata-se de uma pedagogia que leva 11 luta pelatransformac áo de opressáo na qual o oprimido vive.A Pedagogía do oprimído é , ao mesmo tempo, urnapedagogia da esperance e urna pedagogia da luta.Náo ha esperance na pura espera, sem luta.

Nesse livro , Paulo Freire deixa claro que a

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educacáosozlnha nao poderá decidir sobre os rumosda hlstórla; entretanto, mostra como uma educacáotransformadora pode contribuir para mudar o rumodas colsas. Conscientes e organizados, os oprimidospodem libertar-se da opressáo. Ele combate apedagogla fatalista e conservadora.

A educacáo bancaria e o seu oposto,a educacáo problematlzadora, fundam-se,respectivamente, na teorla da acáo antldlalóglca,caracterizada pela conquista, pela divisáo do povo,pela mamoutacáo e pela invasáocultural e na teorlada acáo dialógica caracterizada pela colaboracáo,pela uníáo, pela orqanízacáo e pela slntese cultural.

A educacáo bancaria caracteriza-se pelodepósito asslstenclallsta onde nao há cornunicacáo,mas apenas comunicados, onde só há sujeltosnarradores que sao os professores, e objetosouvintes, que sao os alunos; os primeiros sao os quesabem e os segundos sao considerados Ignorantes.Se consideramos que só há aprendlzagem quandoo sujelto participa dela, a educacáo bancaria naofavorece a aprendlzagem; ela nao desenvolve acrlatlvldade, a busca e a inovacáo. O educadorbancário deposita conteúdos no educando, anulandoseu potencial crlatlvo. Ele Incita a rnemorizacáo enao ao pensar critico.

Ao contrarío, na educacáo problematlzadora,educadores e educandos se educam no diálogo,mediatizadospelomundoe ambostornam-se sujeltosdo processo de aprendlzagem. Ambos aprendemjuntos. Ele nao leva ao aluno uma mensagemsalvadora, mas, junto com ele, mediatizados pelarealldade, busca respostas para os desaflos dareflexáo e da acao.

Paulo Frelre faz a defesa de umapedagogla dialógica e emanclpatórla do oprimido,problematlzante e partlclpatlva, em OPOSl9ao apedagogla da classe dominante, que é bancariae domestlcadora. (Ele) Propóe a conscíentizacáocomo forma do povo passar da conscléncla Ingénua,mágica, para a consciencia crítica e científica darealldade. O diálogo problematlzador, para ele, seestabelece(-se) na relacáo horizontal, baseadana confianca entre os sujeltos, sendo, portanto,a esséncla mesma da educacáo como pratica daIlberdade.

As teorlas de Paulo Frelre expostas naPedagogia do oprimido cruzaram as frontelras dasdisciplinas, das clénclas, para além da AméricaLatina. Suas abordagens transbordaram para outroscampos do conheclmento, criando ralzes nos malsvariados solos, fortalecendo teorlas e práticaseducacionais, bem comoauxiliando reflexoes nao sódeeducadores, mastambém de médicos,terapeutas,clentlstas sociais, filósofos, antropólogos e outrosprofissionais. Seu pensamento é considerado ummodelo de transdlsclpllnarldade.

Por que o Ilvro teve tanto reconheclmento,tanta aceitacáo e por públicos tao diversos?

R. Poi. Públ., Sao Luís, ~ 16, 0.2, p. 459-461, juUdez. 2012

Há uma razáo básica que explica tamanharepercussáo: podemos dlzer que Paulo Frelre fazuma espécie de "metateoria", um discurso queatende a públicos multo diversos e que atravessoutanto as frontelras geográficas quanto as frontelrasdas ciencias e das profissóes. 1550 tem a vertambémcom a pollfonla do seu pensamento. Paulo Frelreescreve para educadores e para nao-educadores,para estudantes, país e máes. operarios.camponeses e outros. Pessoas multo diferentesencontraram-se nesse livro, identificaram-se como seu ponto de vista. O Ilvro ganhou Importancianos mals diversos ambientes, seja na academia,seja na socledade. Sindicatos, Igrejas, movlmentossociaís e populares foram responsávels por umagrande difusáo e debate da Pedagogia do oprimido,servlndo de gula para a acáo transformadora.

Alfabetlzadores, Intelectuals de esquerda,Indlgenas, marglnallzados, militantes políticos,unlversltárlos, pobres e ricos comprometidos com osmals empobrecidos, políticos, trabalhadores sociaíse outros, utlllzaram-se de suas teses para defenderseus próprios pontos de vista.

Sao ideias simples e revolucionárias queImpactaram várlas geraVóes de educadores e deeducadoras na América Latina e no Mundo. Multoseducadores, por melo da Pedagogia do oprimido,despertaram para a luta democrática criandoespacos de reslsténcla ao autoritarismo político epedagógico.

Paulo Frelre delxou como legado umafllosofla educacional e um método de investiqacáoe de pesquisa ancorados numa antropologla enuma teorla do conheclmento, Impresclndlvels naformacáo do educador. Depols de Paulo Frelre naose pode mals afirmar que a educacáo é neutra. Eledemonstrou a Importanciada educacáona forrnacáodo povo sujelto, do povo soberano; fol um dosgrandes Idealizadores do paradigma da educacáopopular. Mlrlades de experlénclas de educacáopopular e de adultos Insplram-se em suas Idelaspedagógicas.

Eletambém deu umagrande contribuicáo a lutapelo dlrelto á educacáo, nao a qualquer educacáo,mas ao dlrelto a uma educacáoemancipadora. Suapedagogla destacou a necessldade de teorizar aprática, a necessldade da pesquisa participante e oreconheclmento da legltlmldade do saber popular.

A atualldade da Pedagogia do oprimido édemonstrada nao só pelo número de suas edicóes,mas pelas marcas que ela delxou na educacáo doséculo XX, também neste Inicio de mllénlo: multoscentros de estudos, cátedras, Institutos, associacóese entidades públicas e privadas fundamentam-sehoje em Frelre e desenvolvem estudos sobre ele.Sua pedagogla está comprometida com a cldadanla,com a autonomía do aluno, uma concspcáopedagógica amplamente aceita hoje. Paulo Frelrerecusou o pensamento fatalista neollberal, o que Ihe

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dá uma inquestionável posicáo de vanguarda frenteás concepcóes pedagógicas conservadoras quenao se preocupam com a ática e a radtcatízacáo dademocracia.

O livro Pedagogia do oprimido continua muitoatual, nao só porque ainda existem oprimidos, masporque á uma obra de grande valor para todos osque buscam, pormeioda educacáo, "criar um mundoem que seja menos difícil amar", como afirma aoterminá-Io.

Para aqueles que nao se conforma m com opensamento único neoliberal que renuncia ao sonhoe á utopia, para aqueles que acreditam que "umoutro mundo á possivel", como sustenta o FórumSocial Mundial, a palavra "oprimido" nao perdeuvigencia, nao perdeu sentido e nem atualidade.

Por que continuar lendo Pedagogia dooprimido?

Alguns certamente gostariam de deixar esselivro nas prateleiras, no passado, para trás, nahistória das ideias pedagógicas; outros gostariamde esquecé-lo, por causa das opcóss políticasassumidas nestelivro. Certamente, naoé umlivro queagrada a todos. Em certos lugares, até hoje, ele á umlivro interditado. Mas para os que desejam conhecere viver uma pedagogia de ínspiracáo humanista,esta á uma obra imprescindivel. A pedagogia dodiálogo que este livro defende, fundamenta-se numafilosofia pluralista. A torca desta obra nao está sóna sua teoria do conhecimento, mas em mostraruma direcao, mostrar que e possível, urgente enecessárío mudar a ordem das coísas. Paulo Freírenao só convenceu tantas pessoas em tantas partesdo mundo pelas suas teorías e prátícas, mas tambámporque despertava nelas a capacidade de sonharcom uma realídade mais humana, menos leía e maísjusta. Como legado, nos deíxou a utopía.

Moacir GadottiFilosofoDoutor em Educacáo pela Universidade de GeneveDiretor do Instituto PauloFreireE-mail: [email protected]

Instituto Paulo FreireRua CerroCorá, n. 550, Sao Paulo- SPCEP: 05061 -100

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