Redes comerciais cristãs novas no Brasil durante o reinado...
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Redes comerciais cristãs novas no Brasil durante o reinado de Filipe III
Ana Hutz – [email protected]
Doutoranda do departamento de História da USP
Docente do departamento de Economia da PUC-SP
(...) Esta Junta no tiene noticia de la
cantidad de dinero con que la gente
de la na nacion servio a Vuestra
Magestad por el perdon general, ny
lo que se ha cobrado, ni en que se
ha despendido.(...)”1
Introdução
Este artigo é fruto da pesquisa de doutorado em andamento, que trata das
redes comerciais cristãs novas durante a União Ibérica. Aqui tratamos de um recorte
temporal dentro do mesmo tema: o período de Filipe III. Os dois temas tratados neste
artigo são, portanto, os cristãos novos portugueses e o reinado de Filipe III. Como se verá
ao longo do texto, esses temas estão profundamente entrelaçados.
O texto parte do entendimento de que o período de Filipe III é singular no
entendimento da própria história da Espanha e de Portugal, e singular também no que se
refere à história dos cristãos novos. É bastante frequente que se atribua ao valido de
Filipe IV, o conde-duque de Olivares, a tentativa parcialmente bem sucedida de priorizar
os cristãos novos portugueses, dada sua percepção de que esses eram fundamentais para a
saúde financeira da Coroa espanhola. Existem estudos, entretanto, mostrando que essa
preocupação era anterior a Filipe IV, tendo sido o duque de Lerma, favorito de Filipe III,
o responsável por buscar parte da solução dos problemas financeiros da Coroa no auxílio
1 Trecho de carta datada de 1607 da Junta de Fazenda de Portugal ao rei Filipe III,
solicitando esclarecimentos sobre o dinheiro pago pelos cristãos novos. Archivo General de
Simancas. Secretarias Provinciales. Libro 1466. fol. 147. (foi mantida a grafia do documento)
dos cristãos novos, o que serviria de referência para o conde-duque nos anos
subsequentes2.
No que diz respeito aos cristãos novos, tratamos, de um modo geral, de um
aspecto de sua atuação econômica: a organização em redes de comércio. Redes de
comércio são frequentemente caracterizadas como a maneira de se comercializar em
escala global entre os séculos XV e XVII. De uma maneira geral, as redes ibéricas eram
compostas por diferentes membros de uma mesma família que, dispersos ao longo do
globo, atuavam como agentes comerciais, representantes ou mesmo feitores do principal
comerciante, que muitas vezes vivia e atuava nos grandes centros como Lisboa ou
Sevilha, por exemplo. Embora o objeto de análise deste artigo seja as redes comerciais
dos cristãos novos portugueses no final do século XVI e início do XVII, essa forma de
atuação foi observada em outras localidades importantes da Europa, com outros grupos
de atuação. Pode-se citar, por exemplo, as empresas italianas do século XIV, que tinham
sucursais espalhadas pelo continente e que eram encabeçadas por parentes próximos dos
sócios principais3.
Considera-se, comumente, que a atuação dos cristãos novos portugueses é um
excelente exemplo das redes comerciais. Sua relevância se dá inclusive pelo fato de que
os cristãos novos teriam usado a própria rede também como forma de proteção das
Inquisições portuguesa e espanhola, que tanto perseguiam suas famílias e seus bens.
O assunto não se esgota com facilidade e há controvérsias que aqui só
deixamos indicadas. Existem estudos de caso que mostram a necessidade das redes de
comércio se manterem no âmbito da família ao ponto de se criar parentesco onde antes
não havia4 e estudos que mostram que, muitas vezes, os laços das redes são dados de
2 Jesús CARRASCO VÁSQUEZ. El relevante papel económico de los conversos
portugueses em la privanza del Duque de Lerma (1600-1606). Comunicação apresentada no
XXV Encontro da APHE. Évora. 2005. 3 J. LE GOFF. Mercadores e Banqueiros da Idade Media. Lisboa: Gradiva, 1982.
4 Maria Manuel Ferraz TORRÃO DE OLIVEIRA COSTA. Tráfico de escravos entre a
costa da Guiné e a América espanhola: articulação dos impérios ultramarinos Ibéricos num
espaço atlântico. Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Centro de Estudos de História e
Cartografia Antiga. Lisboa, 1999. pp. 30-35.
maneira puramente profissional, como se pode perceber quando se observa a presença de
cristãos velhos em redes tipicamente de cristãos novos5. Esse segundo grupo de
interpretação salienta as estratégias de diversificação dos agentes. A diversificação dos
agentes serviria para minorar os riscos sobre o capital do mercador, além de poder
aumentar o grau de competitividade entre os agentes, reduzindo seus custos.
O artigo se divide em três partes, além desta Introdução e das Considerações
Finais. Na primeira parte, tratamos da especificidade de Filipe III como forma de traçar o
panorama no qual se desenvolve a história dos cristãos novos portugueses e expomos a
problematização da questão que nos propomos a estudar. Na segunda, é feito um retrato
geral do Brasil cristão novo e suas implicações para a temática estudada. Na terceira
parte, finalmente, descrevemos a história de uma dessas redes comerciais: a da família
Milão.
A especificidade de Filipe III
Quando se considera os estereótipos do fim do século XVI e início do XVII e
também a interpretação de alguns historiadores6, Filipe III pode ser considerado como a
antítese de seu pai, Filipe II. Enquanto esse último tem sido tomado ora por um rei
extremamente duro, malévolo, capaz de sacrificar seu próprio filho (D. Carlos), ora por
um rei efetivamente comprometido com sua atuação enquanto rei, que não teria deixado
seus secretários e ministros tornarem-se demasiadamente atuantes, Filipe III tem sido
tomado por um rei débil, que não governava de fato, mas que em realidade era governado
por um valido oportunista e corrupto. O que se observa em estudos mais aprofundados
sobre o assunto7, é que essas avaliações excessivamente estereotipadas e simplistas não
são suficientes para que se compreenda a complexidade do período, nem o fato de que o
governo de Filipe III, embora tenha importantes continuidades quando se compara ao
5 Daniel STRUM. Entre os embargos e a Inquisição: cristãos-novos e "framenguos" na
rota do açúcar. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho
2011. 6 Como por exemplo John Elliot e F. C. Spooner.
7 Antonio FEROS. El Duque de Lerma: realeza y privanza en la España de Felipe III.
Madrid: Marcial Pons, 2002.
governo de Filipe II, tem também marcadas diferenças e especificidades. Esses dois
aspectos são importantes quando se trata de entender e situar alguns temas específicos,
como é o caso do tema dos cristãos novos portugueses.
Quando Filipe II assume o trono em 1556, a situação que encontra era bem
diversa da situação vivida por seu pai, Carlos V. O mundo europeu vivia as tensões da
Reforma e da Contra-Reforma e a Espanha, Castela em particular, era um importante ator
no processo violento de repressão às chamadas heresias religiosas da época8. Do ponto de
vista social, as hierarquias e a preocupação com a limpeza de sangue passam a permear
um número maior de segmentos da sociedade9.
Com a União das Coroas em 1580, passa a existir um novo problema no que
diz respeito à questão sócio-religiosa em Castela: a penetração do elemento cristão novo
português, geralmente via comércio. Se de um lado a ampliação do comércio pôde, em
alguns casos, ser extremamente bem vinda, de outro lado fazia parte do próprio
imaginário espanhol a ideia de que os cristãos novos portugueses10
eram seguidores da lei
de Moisés. A penetração dos comerciantes portugueses tendia a agradar sobretudo à
própria Coroa, ciente de suas dificuldades financeiras e também da capacidade geradora
de riqueza que essa ampliação comercial traria. Se quando se analisa sob o prisma
individual de cada aspecto - o religioso e social ou o econômico e financeiro - não parece
haver qualquer contradição, já que do ponto de vista dos primeiros, procurava-se
defender a fé católica e, do ponto de vista dos últimos, procurava-se defender a sanidade
financeira: quando se olha o retrato em conjunto tratava-se, evidentemente, de uma
8 R. B. WERNHAM caracteriza o período que compreende 1559 e 1610 como um período
extremamente brutal e intolerante, sobretudo no que diz respeito à religião. 9 Toma-se como ponto de partida para a adoção dos estatutos de limpeza de sangue o
Estatuto da Catedral de Toledo de 1547. Até então a assimilação de judeus convertidos, isso é,
cristãos novos, criara pouca discriminação por parte dos cristãos velhos para aqueles que estavam
efetivamente convertidos. Descendentes de judeus estavam presentes nas cortes dos Reis
Católicos e de Carlos V e outros tantos tinham cargos eclesiásticos de peso. 10
Em realidade havia mesmo uma sinonímia entre português e judeu. Como se todo
português fosse cristão novo e como se todo cristão novo fosse judeu. Cf Yara Nogueira
MONTEIRO. A presença portuguesa no Peru em fins do século XVI e princípios do XVII.
Dissertação de Mestrado. USP. São Paulo.
contradição que gerava tensões nessa sociedade e cujas tensões ultrapassavam muito o
espaço castelhano ou mesmo ibérico.
A contradição se mantém e se acirra com Filipe III a partir de 1598. Herdeiro
de uma Monarquia, que em termos de extensão e poderio militar representava a maior
potência do mundo11
, seu território se estendia pela península ibérica, pela Itália
espanhola, por parte do norte da África, pelos Países Baixos, parte da França e pelo novo
mundo, inclusive o Brasil, e herdeiro de uma enorme estrutura burocrática que objetivava
dar suporte à administração de todo esse território, Filipe III herda também um Estado
com grandes fontes de recursos, mas que acabara de passar por uma bancarrota
financeira. Soma-se a isso o fato de que seu vasto território era constantemente
ameaçado, e protegê-lo era uma tarefa para a qual eram necessários vultosos recursos.
Uma nova bancarrota viria a seguir, em 1607.
A ascensão de Filipe III provocou, logo de início, uma série de incertezas em
sua Corte, pelas prováveis mudanças que ela poderia acarretar nos atores do poder. Esse
temor se demonstrou correto, pois tão logo falece Filipe II, ele demonstrou, inicialmente
através de gestos simbólicos, em seguida, pela nomeação concreta de um conselheiro de
Estado12
, que haveria um novo favorito real, o duque de Lerma.
Na linha de nossas considerações iniciais sobre Filipe II e Filipe III, deve-se
salientar que a historiografia mais tradicional tem tratado tanto o reinado de Filipe III
como o favoritismo do duque de Lerma como um momento de enfraquecimento do poder
real, de corrupção sem limites por parte dos ministros reais e de consequente crise
financeira e perda de território13
.
Embora a questão do enriquecimento pessoal dos ministros de Filipe III
pareça ser um fato inconteste, ela dificilmente é suficiente tanto para explicar as crises
como para caracterizar todo seu reinado. O historiador Antonio Feros, por exemplo, que
se dedicou a analisar com profundidade a privanza do duque de Lerma, conclui pelo fato
11
John ELLIOT. España y su mundo (1500-1700) Madrid: Taurus, 2007.p. 151. 12
Antonio FEROS. El Duque de Lerma. Realeza y privanza en la España de Felipe III.
Madrid: Marcial Pons, 2002.p. 110.111. 13
Ver John Elliot op cit. e F. C. Spooner.
que de o enfraquecimento do poder real era somente aparente e que, inclusive, a
nomeação de um favorito estava totalmente de acordo com a cultura e prática de sua
época e correspondia às expectativas de seus súditos14
.
Para que se compreenda qual a relação do duque de Lerma com a questão dos
cristãos novos, é necessário que voltemos a relembrar a situação financeira da Monarquia
espanhola em princípios do reinado de Filipe III. Estimava-se que havia um déficit de, ao
menos, 1,6 milhões de ducados em 1598 e que todas as rendas da Coroa estavam
hipotecadas15
.
Enquanto a Fazenda espanhola passa por toda a sorte de problemas, os
cristãos novos portugueses, inicialmente ávidos pela possibilidade de comércio que a
União das Coroas lhes poderia em teoria proporcionar, continuam a ter dificuldades em
manter negócios num período em que, a qualquer momento, poderiam ser perseguidos
pela Inquisição e ter seus bens confiscados. Tendo em vista essa situação, alguns
comerciantes lisboetas tentaram, por algumas vezes, conseguir um Perdão Geral que os
protegesse do Santo Ofício. Uma dessas tentativas que obteve relativo, ainda que, como
das outras vezes, efêmero sucesso, foi a negociação para o Perdão de 1605, que se iniciou
em 1598.
Representar ao conjunto dos cristãos novos não era, evidentemente, uma
tarefa fácil. Os procuradores foram trocados por diversas vezes: Martín Álvarez de Castro
foi o primeiro negociando entre 1598 e 1600; seguido por Rodrigo de Andrade e Jorge
Rodrigues Solís que negociaram entre 1600 e 1603; Gerónimo Castaño, procurador de
1603 a1604 e Afonso Gomes em 1604. Do lado de Filipe III, durante a maior parte do
tempo, a negociação se deu com Pedro Franqueza, homem de absoluta confiança do
duque de Lerma16
.
14
Antonio FEROS. Op cit p. 473. 15
Jesús CARRASCO VAZQUES, op cit. 16
Juan I. PULIDO SERRANO, Las negociaciones con los cristianos nuevos en tiempos de
Felipe III a la luz de algunos documentos inéditos (1598-1607) in Sefarad (Sef) Vol. 66: 2,
julio-diciembre 2006, págs. 345-376. p. 347.
Após o fim das negociações, ficou ainda mais claro o problema da não
representatividade dos cristãos novos ou ainda sobre a falta de homogeneidade entre os
mesmos. Essa, aliás, é uma questão recorrente nas preocupações de quem estuda os
cristãos novos. Nesse caso em especial, houve desde aqueles que disseram não ter o dever
de pagar por serem tão somente bisnetos de cristãos novos, como aqueles que protestaram
no próprio Santo Ofício para não ter que pagar pelo Perdão Geral17
. Cerca de cinquenta
cristãos novos, homens de negócio, chegaram a se organizar para solicitar ao rei essa
isenção, já que não se consideravam representados pelos procuradores que foram à
Castela18
.
Da parte dos cristãos velhos, o descontentamento foi ainda mais forte. Muitos
receavam perder a preferência por cargos antes destinados somente àqueles que
cumprissem os estatutos de limpeza de sangue, o que mostrava que havia muito
desconhecimento sobre o que o Perdão Geral realmente concedia19
. Quando o Perdão já
era fato consumado, cristãos velhos foram às ruas queixar-se da soltura dos cristãos
novos dos cárceres da Inquisição20
.
Ainda que não representasse a totalidade dos cristãos novos e ainda que a
população cristã velha tivesse sido contrária à concessão do Perdão Geral, este acabou
sendo concedido por Filipe III, apesar de seus efeitos terem durado pouco tempo. Essa
concessão, entretanto, foi fruto de uma árdua tarefa dos atores envolvidos, como se pode
perceber pelo tempo em que duraram as negociações (1598 – 1605). Já mencionamos
aqueles que se opuseram ao Perdão geral depois de sua concessão. Mas durante a
negociação, a maior oposição foi formada pela Igreja portuguesa e pelos governadores do
reino português. Os argumentos de recusa foram os mesmos por muito tempo: os cristãos
novos teriam continuado a judaizar desde o último perdão; eles queriam que o perdão se
estendesse aos que ainda estavam presos (confirmando a ideia de que eram todos
judaizantes); e aqueles que fugiram de Portugal seguiram praticando abertamente o
17
Archivo General de Simancas, Secretarias provinciales, libro 1466, f. 223 e seguintes. 18
Juan I. PULIDO SERRANO. op cit. p. 367. 19
Ana LÓPEZ-SALAZAR CODES. Inquisición Portuguesa y Monarquía Hispánica en
tiempos del perdón general de 1605.Lisboa: CIDEHUS, 2010. 20
Archivo General de Simancas, Secretarias provinciales, libro 1491, f. 122 v e seguintes.
judaísmo. Alertava-se ainda: mais do que a morte, os cristãos novos temiam a perda dos
bens; de modo que a perseguição era um incentivo a não judaizar21
.
Apesar desses argumentos, os motivos de Filipe III para conceder o Perdão
falaram mais alto. Afinal, em troca dele, os cristãos novos pagariam 200.000 ducados, o
que representava uma soma bastante razoável para a época.
Se essa foi uma questão na qual Filipe III claramente demonstra uma atitude
particular em relação aos cristãos novos, há ainda outro problema que merece a nossa
atenção. Mais recentemente alguns historiadores, e aqui se deve salientar os esforços de
Leonor Freire Costa, tem se debruçado em analisar quais as razões pelas quais durante o
reinado de Filipe III ocorre uma profunda renovação nas estruturas mercantis das redes
de comércio que envolviam a Monarquia espanhola em uma escala global.
Para a autora, parte da singularidade do período de Filipe III tem sua origem
na crise que a economia brasileira vivia na época. A crise do açúcar seria provocada, na
visão de Costa, não por um problema do lado da oferta, como normalmente se afirma,
mas devido a uma desvalorização de preços que encarecia o preço dos produtos
essenciais e contraía a demanda dos supérfluos, como o açúcar22
. Essa crise seria
responsável por renovar o grupo mercantil do açúcar. Pouco a pouco os cristãos novos
portugueses passam a penetrar no comércio asiático, de modo que, a partir de 1610,
nenhum dos comerciantes - antes presentes no Brasil-, que também figuravam na Carreira
das Índias, continuavam figurando nos contratos de viagem para o Brasil23
.
Vale observar, ainda, que esse é também o período em que aumenta
consideravelmente o comércio dos cristãos novos portugueses para as Índias de Castela.
Isso só foi possível com a permissão da Coroa para que esses “navegassem escravos
africanos” para lá. Essa permissão relaciona-se com a necessidade de mão de obra, mas,
sobretudo, com o rendimento que esse tráfico trazia não só para os comerciantes, mas
21
Ana LÓPEZ-SALAZAR CODES. op cit. 22
Leonor Freire COSTA. "El império portugues, estamentos y grupos mercantis"in La
monarquía de Felipe III. Vol IV, Los reinos/ directores José Martínez Millán, María Antonieta
Visceglia, Madrid : Fundación Mapfre, Instituto de Cultura, D.L. 2007-2008. p. 865. 23
Leonor Freire COSTA. op cit. p. 865.
sobretudo para a Coroa que concedia os asientos. James Boyajian afirma que boa parte
do capital desses comerciantes foi adquirido mediante a operação de engenhos de açúcar
na Bahia e em Pernambuco24
.
Se muitos comerciantes deixaram de comercializar açúcar brasileiro e
passaram a ingressar na Carreira das Índias, Boyajian salienta ainda que outras
importantes famílias, antes responsáveis pelos negócios na Ásia, passaram a se retirar
desses contratos e a investir suas fortunas em títulos “seguros” do governo, isso é tornam-
se banqueiros de Filipe III. Essa espécie de “dança das cadeiras” na estrutura mercantil da
época mereceria ser melhor explorada por um trabalho que analisasse o conjunto desses
capitais.
Dessa breve reflexão sobre o complexo pano de fundo político e econômico
em que se desenvolve a história dos cristãos novos portugueses, inclusive daqueles que
viveram no Brasil, conlcuiu-se que, mais do que um pano de fundo, o panorama descrito
influenciou as políticas sobre os cristãos novos e foi, ao mesmo tempo, influenciado pela
atuação dos mesmos.
O Brasil Cristão novo
Para compreender a presença cristã nova no Brasil, é necessário relembrar
que, sobretudo após a conversão forçada dos judeus na Espanha, grande parte dos judeus
se estabeleceu no reino vizinho, Portugal. Poucos anos depois foi a vez de Portugal
promulgar um decreto de conversão forçada, mas dessa vez dificultou-se bastante a saída
dessa população. Mesmo assim, muitos procuraram sair de Portugal enquanto ocorria a
conversão e outros ainda no período que se seguiu a ela. Os judeus e os cristãos novos, ou
seja, os judeus já convertidos, que conseguiram sair de Portugal, emigraram para diversas
localidades durante os séculos XV e XVI. Entre elas podemos citar a Itália, França, os
Países Baixos e diversas cidades do Império Turco. Muitos emigrariam para as Américas.
24
James BOYAJIAN. Portuguese bankers at the court of Spain 1626-1640. New
Brunswick. N. J. 1983.
Tão logo se inicia de fato a colonização na América portuguesa, o elemento
cristão novo já começa a surgir na documentação. Há uma discussão que permeia toda
história do povo judeu (e que também aqui se faz presente) que diz respeito justamente ao
fato de que os judeus, e por consequência, os cristãos novos, seriam, em sua totalidade a
população mais rica em qualquer país onde vivem. Essa discussão também vale para o
Brasil, onde se discute se o cristão novo que chega ao país era de fato possuidor de um
grande capital. A partir do que investigamos até o momento, podemos perceber que os
cristãos novos figuram entre a elite do Brasil, mas que, comparativamente à totalidade de
cristãos novos que aqui se estabeleceram, eles não são numericamente representativos,
como não o foram em Portugal.
No que diz respeito à elite do país, que naquele momento significava
basicamente os donos de engenhos do Brasil, se verifica a presença de cristão novos
portugueses de importância em Portugal, como os Fernandes d’Elvas , Évora e Veiga25
.
Um dos cinco primeiros engenhos do Brasil era de propriedade do cristão novo Diogo
Fernandes26
.
É com a ajuda da “raia miúda” dos cristãos novos, entretanto, que o Brasil
será, pouco a pouco, povoado. Os cristãos novos, vindo de maneira legal ou ilegal para o
Brasil, ou ainda, vindo como degredados27
, iriam exercer uma série de atividades ligadas
tanto ao açúcar como ao pequeno e médio comércio. O que facilitava a situação para os
cristãos novos era, sem dúvida, o fato de que, ao chegarem ao Brasil, já tinham, muitas
vezes, parentes instalados, de modo que a mobilidade social entre esse grupo tendia a ser
relativamente elevada.
A razão pela qual os cristãos novos vinham para o Brasil é também um
assunto importante. Além dos negócios que se poderiam abrir na Colônia, a própria
25
Leonor Freire COSTA. op cit. p. 866 26
Costa PORTO. Os cinco primeiros engenhos pernambucanos. In: Revista do Museu do
Açúcar. Nº 2, Recife, 1969. 27
Janaína Guimarães da FONSECA E SILVA. MODOS DE PENSAR, MANEIRAS DE
VIVER: Cristãos-novos em Pernambuco no século XVI. Dissertação de Mestrado UFP. Recife,
2007.
distância de Portugal e Espanha era um fator que trazia algum conforto no que diz
respeito à perseguição inquisitorial. Isso não significa dizer que todo cristão novo que
vinha para o Brasil vinha com o objetivo de judaizar. É importante lembrar que a
Inquisição perseguia cristãos novos acusados de judaísmo, não necessariamente
judaizantes de fato. Significa, portanto, que ali eles estavam, em teoria, mais seguros de
não cair nas malhas da Inquisição. Se as práticas judaizantes foram mais intensas no
Brasil do que em Portugal, acreditamos que só um estudo sistemático, - ainda por fazer -
dos processos nos dois lugares poderia comprovar.... ou refutar essa conclusão.
No que toca à integração dos cristãos novos na população brasileira, é
bastante profícuo que recorramos à análise da pioneira historiadora Anita Novinsky. Os
cristãos novos eram socialmente equiparados ao negro pelos Estatutos de Pureza de
Sangue. Sua situação, de fato, foi muito diferente à do negro, pois o cristão novo, embora
tivesse a mesma “impureza de sangue” e, portanto, nunca pudesse aceder a determinados
cargos e funções, jamais foi escravo. Entretanto, na hipótese do escravo ser liberto, ele
teria, em tese, igual estatuto que o cristão novo. Contudo, a realidade seria bem outra: ao
ter a cor de pele negra, diferente, portanto, dos cristãos velhos, esse homem teria que se
contentar com uma liberdade limitada e excludente, sem nunca alcançar privilégios que
somente um cristão velho poderia alcançar. Com os cristãos novos, a situação era outra, e
alguns entre eles puderam, efetivamente, alcançar alguns desses privilégios, vindo a
figurar na classe dominante da sociedade colonial, a despeito do Estatuto28
. Uma análise
comparativa com o elemento negro na sociedade mereceria ser melhor aprofundada, mas
aqui o objetivo é somente assinalar que o Estatuto de Pureza de Sangue tinha, de fato,
exceções, e elas eram perfeitamente aplicadas aos cristãos novos quando convinha.
Para corroborar essa ideia, é interessante ainda relembrar a grande obra de
Evaldo Cabral de Melo, O nome e o sangue, que trata justamente da tentativa - bem
sucedida – de se escamotear as origens cristãs novas de importantes famílias da
oligarquia pernambucana29
.
28
Anita NOVINSKY. Cristãos novos na Bahia. São Paulo, Perspectiva, 1972. p. 59 29
Evaldo Cabral de MELLO. O nome e o sangue. Uma parábola familiar no Pernambuco
colonial. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
Com relação aos cristãos novos que se estabeleceram em Pernambuco,
convém que se destaque que o período aqui descrito é anterior ao período holandês no
Brasil. Esse alerta é importante, pois, durante o período holandês, “verdadeiros” judeus
imigrarão para Pernambuco e a situação ganhará uma complexidade que ultrapassa os
limites desse artigo.
Os primeiros cristãos novos chegaram à Pernambuco por volta de 1542. Os
cálculos feitos por José Antônio Gonsalves de Mello, com base nos livros da Visitação do
Santo Ofício de fins do século XVI e em crônicas da época, estimam cerca de 910
cristãos-novos para uma população de 7000 pessoas em Pernambuco em 1593. Ou seja,
ao final do século XVI cerca de 14% da população que vivia em Pernambuco era
composta por cristãos novos30
.
A família Milão
O caso da família Milão nos parece importante nessa representação dos
cristãos novos portugueses que viviam no Brasil e que, como já se salientou
anteriormente, mantinham relações de negócio em escala mundial. Para situar essa
família é necessário voltar as atenções para um dos mais conhecidos mercadores cristãos
novos que passou pelo Brasil no final do século XVI: João Nunes Correa.
A história de João Nunes Correa foi narrada diversas vezes e tem sido
frequentemente retomada e reinterpretada. Nascido no bispado de Lamego, Portugal
(entre 1543 e 1547, pois não se sabe ao certo), João Nunes vivia em Olinda desde 1582 e
trabalhava diretamente para o irmão que vivia em Lisboa, Henrique Nunes Correa,
importante negociante e dono do capital com o qual João Nunes iniciou seus negócios31
.
Em Olinda também havia outros parentes de João Nunes: seu irmão Diogo Nunes Correia
e seu primo Anriques. É possível que tenham vindo ao Brasil fugidos da Inquisição de
Lisboa. No entanto, o fato de seu irmão ter permanecido por lá e dele próprio ser
30
José Antônio Gonsalves de MELLO. Gente de Nação. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco. Editora Massangana, 1996. p. 21-23. 31
José Antônio Gonsalves de MELLO. op cit.
representante dos negócios do irmão no Brasil sugere que a principal razão tenha sido
aumentar o alcance dos próprios negócios32
.
Os negócios da família no Brasil eram vultosos. Diogo Nunes, por exemplo,
administrava dois engenhos na Paraíba, cuja propriedade dividia com o irmão Henrique.
João e Diogo Nunes Correa foram ainda alguns dos financiadores da expulsão dos
franceses da Paraíba33
. João Nunes tinha ainda boas relações com o governador da Bahia
- D. Francisco de Souza - com quem tratava de negócios diretamente.
João Nunes foi denunciado à Inquisição durante a Primeira Visitação do
Santo Ofício (1591-95), preso na Bahia em 22 de fevereiro de 1592 e enviado à Lisboa
em setembro do mesmo ano. Ainda que preso, João Nunes continuou poderoso e em
diversos momentos conseguiu levar adiante seus negócios. Já em Lisboa, os inquisidores
consideraram que sua prisão fora precipitada e que não havia provas o bastante naquele
momento para prendê-lo e mandaram-no soltar mediante um acordo (o que também
ocorreu com outros presos). Quando solto, conseguiu ainda uma licença para ir a Madrid
tratar de negócios de interesse do rei espanhol. Perto de outros presos que ficaram anos
encarcerados, a curta passagem de João Nunes Correa no Santo Ofício tem chamado a
atenção de estudiosos. A história de João Nunes não acaba por aí e outros historiadores
dedicaram-se a contá-la. Para nós, nesse momento, vale a pena explorar alguns aspectos
na conexão dessa história com outras do mundo dos conversos.
Para que João Nunes fosse solto foi necessário que se fizesse um acordo e
uma fiança como garantia de liberdade do preso. Nas palavras de José Antônio Gonsalves
de Mello:
“Essa escritura de fiança é importante, dado os nomes das pessoas que
dela participaram. A escritura foi lavrada na casa de Rodrigo de
Andrade nas proximidades da Igreja de São Mamede, na encosta do
Castelo São Jorge (e não é a atual), na presença de Jerônimo Henriques,
32
Silvia Carvalho RICARDO, As redes mercantis no final do século XVI e a figura do
mercador João Nunes Correia. São Paulo, 2006. p. 125. 33
MELO, José Antônio Gonsalves op cit e RICADRO, Silvia Carvalho op cit.
morador fora da cidade de Lisboa, em Alcântara , hipotecando aquele,
com a assistência de sua mulher Ana de Milão, duas casas na rua das
Mudas e mais todas as terras que tinha no termo da vila de Pombal e
este a casa de sua residência com o pomar e mais dependências naquele
arrebalde. Serviriam de abonadores aos dois fiadores e fiéis carcereiros
Vasco Martins da Veiga, Henrique Dias Milão, Vasco Martins de
Castro e Manuel Fernandes Anjo. (...)
Quem eram essas pessoas que atenderam ao apelo do irmão de João
Nunes? Rodrigo de Andrade, cristão novo, era descendente de um dos
irmãos Rodrigues de Évora, riquíssimos homens de negócio de então e
ele próprio grande proprietário em Leiria. Ana de Milão, sua mulher,
era cunhada de Henrique Dias Milão (um dos abonadores), ambos
cristãos novos, ela presa pela Inquisição e libertada em 1605. Tanto ela
quando o marido vieram a falecer em Antuérpia, mas ela permaneceu
fiel ao catolicismo até a morte em 1613, com cerca de 72 anos de idade.
O cunhado veio a ser queimado aos 81 anos de idade, no auto-de-fé em
Lisboa em 1609 e quatro de seus filhos e um genro viveram e
comerciaram em Pernambuco (...).”34
De fato, as pessoas que correm ao auxílio de João Nunes eram não só
poderosos negociantes, como muito importantes no mundo cristão novo. Como já foi
mencionado, Rodrigo de Andrade foi, ao lado de Jorge Rodrigues Solis, um dos
procuradores dos cristãos novos que, em 1600, saíram de Lisboa e foram a Madrid,
chamados pelo mais antigo representante dos conversos, Martín Álvarez de Castro, a
ajudar a melhorar as negociações com a Coroa, referentes a um Perdão Geral a ser
concedido aos cristãos novos portugueses. Segundo a documentação da época, os dois
novos procuradores eram considerados “los hombres de la nación más ricos y más
honrados”35
. Jorge Rodrigues Solis já era um dos mais importantes homens de negócio
do ultramar e, durante as negociações do Perdão Geral, lhe foi exigido que tomasse um 34
José Antônio Gonsalves de MELLO op cit p. 60-61. 35
Archivo General de Simancas – Câmara de Castilla, leg. 2796. no. 9, fol. 137r. apud
PULIDO SEERANO, Juan Ignacio: “Las negociaciones con los cristianos nuevos portugueses en
tiempos de Felipe III a la luz de algunos documentos inéditos (1598-1607)”, in Sefarad, vol. 66
(julio-diciembre de 2006), pp. 345-376.
asiento para a construção de naus às Índias. Ficou decido que, a partir de 1602, durante
nove anos, ele seria o responsável por construir sete navios por anos, enviá-las às Índias e
de lá trazer pimentas e outras mercadorias orientais36
. Jorge Rodrigues Solis era sogro de
um outro importante homem de negócios cristão novo, Antonio Fernandes d’ Elvas,
fidalgo da Casa Real portuguesa, dono de asientos de escravos para as Índias de Castela e
contratador de escravos de Guiné-Cabo Verde e de Angola. Antonio Fernandes d’Elvas
tinha ainda importantes negócios no Brasil, cujas dimensões ainda estão por serem
estudadas.
Os dois procuradores não foram muito felizes em seu intento e ainda
demoraria algum tempo para que o Perdão Geral fosse concedido. Jorge Rodrigues Solis
saiu de Madrid com muito trabalho para fazer com os asientos e Rodrigo de Andrade, por
sua vez, parece ter sofrido uma forte retaliação por parte da Inquisição portuguesa, pois
sua esposa, Ana de Milão, foi encarcerada por heresia e judaísmo. Rodrigo de Andrade
buscaria auxílio junto ao rei Filipe III, para que intercedesse perante o Papa em busca da
soltura de sua esposa.
Sabe-se que a intervenção de Rodrigo de Andrade para soltar Ana de Milão
gerou problemas e discussões sobre a jurisdição do Santo Ofício, do Papa e do rei no que
tange ao problema dos conversos. Entretanto, há documentação que atesta que a própria
Ana de Milão havia buscado defender-se, talvez por um caminho que difere do caminho
de seu marido, isto é, sem se utilizar do Perdão Geral.
“Para o Bispo Vice Rey a 10 de mayo de 1607.
Em conformidade do que me lembrais por carta vossa de 11 do mes
passado tenho mandado escrever a dom Joseh de Mello, que de minha
parte falle ao sancto Padre, e lhe faça particular instancia para que se
não deffira ao requerimento que Rodrigo de Andrade tem sobre se
retirar do Juizo ordinario da Inquisição dessa cidade de Lisboa o
processo que se fez contra Ana de Milão sua molher por a culpa de
36
Juan Ignacio PULIDO SERANO. op cit. p. 358. Em documentação do AGS, vimos que
Jorge Rodrigues Solis precisou postergar o início desse contrato em um ano. Cf AGS –
Secretarias Provinciales – Portugal Libro 1466.
eresia e judaismo porque foy presa, antes a mande remeter ao ditto
Juizo para nelle ser julgado, não querendo a ditta Ana de Milão usar do
Perdão geral: e tendo por certo que sua (Santidade) o avera assy por
bem, e a resposta que vier ver mandarey avissar para o saberes. Escrita
em Valladolid.”37
O já mencionado cunhado de Ana de Milão, Henrique Dias Milão (1528-
1609), foi o patriarca dessa importante família de comerciantes, que veio a ter negócios
em Olinda durante o fim do século XVI e início do século XVII. Henrique Dias Milão
teve nove filhos com sua mulher (a irmã de Ana de Milão) Guiomar Gomes: Manuel
Cardoso Milão; Gomes Rodrigues Milão; Fernão Lopes Milão; Antonio Dias Milão,
Paulo de Milão, Ana de Milão (possivelmente em homenagem à sua cunhada), Beatriz
Henriques Milão, Leonor Henriques e Isabel de Santiago38
. Desses nove filhos, quatro
viriam a residir em Pernambuco.
Manuel Cardoso Milão comandava os negócios de exportação de açúcar de
seu pai diretamente de Pernambuco, tendo sido o primeiro dos filhos a chegar ao Brasil,
em data incerta. Sua casa era frequentada por importantes cristãos novos da sociedade
pernambucana, entre eles o mítico David Senor Coronel (1570-1650). Outros irmãos,
Antônio Dias Milão e Paulo de Milão, também viveram aqui a serviço do pai. A irmã de
Manuel, Ana de Milão, também vivia em Olinda, embora provavelmente não a serviço do
pai, mas sim acompanhando seu marido, Manuel Nunes de Matos. 39
A presença dessa família no Brasil é conhecida porque grande parte dela,
incluindo alguns criados e agregados, foi processada pela Inquisição na mesma época em
que Ana de Milão (a primeira). Esse processo levou o patriarca da família, Henrique,
Dias Milão, com 81 anos, à fogueira (o que, a despeito do imaginário sobre a Inquisição,
era bastante incomum). Esse processo também levou ao menos dois de seus filhos a
buscar refúgios em outros países; levou também à fuga do filho de Ana de Milão com
Rodrigo de Andrade, Francisco de Andrade, e após a soltura de Ana de Milão, ela mesma
37
AGS – Secretarias Provinciales. Portugal – Libro 1491 fol. 166 verso. 38
Paulo VALADARES. http://bestaesfolada.blogspot.com.br/2010/01/familia-milao-em-
movimento-armado-ando.html. Acessado em 02 de fevereiro de 2012. 39
José Antônio Gonsalves de MELLO.op cit. p. 16-17.
e seu marido foram viver em Amsterdam40
. Assim, a rede comercial intercontinental que
envolvia os Dias Milão e Rodrigo de Andrade foi por fim desmantelada.
Considerações finais
Nesse artigo, procuramos relacionar a temática das redes comerciais de
cristãos novos portugueses com o reinado de Filipe III (especialmente, sua decadência
financeira), com as mudanças na política relacionada aos cristãos novos e com as tensões
geradas por essas mudanças. No texto, partiu-se do entendimento de que o reinado de
Filipe III apresenta diversas singularidades, algumas das quais relacionadas aos cristãos
novos. Entre elas salientamos a concessão do Perdão Geral de 1605 e a mudança na
estrutura mercantil de todo o império.
No que tange à temática do Brasil, salientamos que, embora o elemento
cristão novo estivesse presente em todos os segmentos da população, importantes redes
comerciais foram formadas por esse grupo. Entre essas redes podemos salientar a
poderosa rede da família Milão, ligada ao bastante conhecido comerciante João Nunes
Correa. Se, do ponto de vista econômico, essa família era bastante poderosa e tinha
negócios no mundo todo, é importante salientar que isso não bastou para impedir a
família de ser perseguida e desmantelada pela Inquisição de Lisboa no início do século
XVII.
Algumas perguntas seguem presentes para investigação e reflexão futuras.
Entre elas: teria sido a perseguição em cascata à família Milão uma retaliação pela
participação de Rodrigo de Andrade na negociação do Perdão Geral? Quais as
consequências do frequente desmantelamento de redes comerciais para o próprio
desenvolvimento econômico de Portugal de da Espanha? Como podemos interpretá-las?
Quais são as conexões entre o sentido econômico das perseguições e o sentido religioso
das mesmas?
40
José Antônio Gonsalves de MELLO.op cit. p. 60-61.
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1466, diversas folhas.
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