Redespopularesusam depoimento...

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ab 8 semináriosfolha_saúde suplementar SÁBADO, 25 DE NOVEMBRO DE 2017 COLABORAÇÃO PARA A FOLHA A dermatologista Natally Trindade, 33, foi surpreendi- da três vezes por seu convê- nio nos últimos 20 meses. A primeira, em 2016, foi ter seu pedido de reembolso ne- gado. Ela foi diagnosticada com câncer de tireoide em abril de 2016 e passou por uma cirurgia. “Pedi reembol- so, mandei declaração do mé- dico, recibos e toda a papela- da para o convênio, mas o processo enrolou”, diz. A segunda surpresa foi ter sido avisada de que seria des- ligada do plano. “Fui à segu- radora, negociei, paguei e não fiquei sem convênio.” O problema do reembolso, sem solução aparente, levou a dermatologista a um escri- tório de advocacia. Foi aí que descobriu que há caminhos mais rápidos e simples para resolver conflitos entre bene- ficiários e operadoras. No caso de Trindade, não foi preciso entrar com ação judicial. Uma ferramenta da ANS (Agência Nacional de Sa- úde Suplementar) permite ao beneficiário registrar a quei- xa, que é enviada à operado- ra para resposta em dez dias. No final desse prazo, foi re- embolsada. “Se soubesse, te- ria feito dessa forma desde o começo”, diz a médica. A ferramenta é a NIP (No- tificação de Investigação Pre- liminar), por meio da qual as reclamações podem ser feitas no próprio site da ANS, por telefone ou presencialmente. Em geral, as questões são solucionadas, segundo Rafa- el Robba, especialista em di- reito à saúde do escritório Vi- lhena Silva Advogados. “Mas, se o beneficiário entender que o problema não foi resol- vido adequadamente, tem que entrar na Justiça”, diz. Trindade comemora o acordo, mas se lembra das di- ficuldades pelas quais pas- sou. “Quando os problemas surgiram, além de lidar com a doença, estava amamenta- do minha filha mais nova. É desgastante enfrentar a bu- rocracia do convênio num momento de fragilidade.” Mais tranquila agora, ela diz entender que os convêni- os estão sobrecarregados de demandas, muitas delas des- necessárias. “Eu não atendo diretamente clientes de con- vênio, mas vejo muitas pes- soas querendo fazer exames ou tratamentos que não pre- cisam. Isso prejudica o enca- minhamento de casos real- mente necessários. Mas se os próprios convênios humani- zarem o atendimento ao cli- ente muita coisa vai melho- rar”, afirma. (IARA BIDERMAN) ‘FALTA HUMANIZAR O ATENDIMENTO DOS PLANOS DE SAÚDE’ JULLIANE SILVEIRA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA As clínicas populares sur- giram como uma alternativa para quem não tem plano de saúde —cerca de 75% da po- pulação brasileira— nem quer depender do SUS. O atendimento rápido e os pre- ços acessíveis fizeram a fama desse mercado que só cresce. Não há dados oficiais so- bre esse modelo de negócio, mas as empresas estão oti- mistas. “Nunca tivemos tan- ta oportunidade para start- ups na área de saúde”, diz Re- nato Velloso, vice-presiden- te de desenvolvimento de mercado do Dr. Consulta, uma das pioneiras nesse tipo de atendimento no Brasil. A rede tem 45 unidades em operação (19 inauguradas em 2017), espalhadas na Grande São Paulo e na Baixada San- tista. A empresa contabiliza 150 mil atendimentos por mês, entre consultas e exa- mes de 56 especialidades. Re- centemente, recebeu de in- vestidores aportes de R$ 300 milhões e prevê expansão pa- ra 2018, mas não fala em fa- turamento, número e local das novas unidades. As consultas custam de R$ 110 a R$ 150. Segundo Vello- so, a fórmula que reúne pre- ços baixos e lucro passa pela tecnologia. A empresa conta com aplicativos para marcar atendimentos de forma rápi- da, abrir novas agendas e mo- nitorar qual unidade precisa de uma nova especialidade, por exemplo. “Temos um al- goritmo para entender quan- tos médicos precisam estar em cada local”, afirma. É o mesmo discurso da Glo- balmed, que abriu a primei- ra unidade em 2015 e fecha o ano com faturamento de R$ 9 milhões. Das dez unidades, sete foram inauguradas em 2017 —além de São Paulo, há clínicas em Ribeirão Preto e Piracicaba (interior de São Paulo) e em Vitória (ES). Pa- ra o ano que vem, a previsão é dobrar o número de unida- des e ir para Bahia, Minas Ge- rais, Rio de Janeiro e Paraná. “Usamos tecnologias para reduzir custos. O médico con- Clínicas adotam prontuário unificado e aplicativos na organização de consultas, que custam em média R$ 100 Redes populares usam tecnologia para cortar gastos e cobrar pouco segue ver a agenda no smart- phone, e os prontuários mé- dicos são digitais, por exem- plo”, explica Bruno Carvalho, CEO e fundador da empresa. Ao apresentar a Minuto- Med, inaugurada em 2014, o sócio Vitor Asseituno já men- ciona os recursos que são uti- lizados nas cinco clínicas ins- taladas em shoppings da Grande São Paulo. “Usamos telemedicina pa- ra algumas especialidades e temos um prontuário eletrô- nico único”, conta. A empre- sa atende 2.000 pacientes por mês. A consulta com um mé- dico generalista custa R$ 89. ‘SERVIÇO LIMITADO’ A longevidade dessas clí- nicas populares depende da qualidade dos serviços ofere- cidos, opina Alessandro Acayaba de Toledo, presiden- te da Anab (Associação Naci- onal das Administradoras de Benefícios). “Há uma limitação. Você não consegue exames mais complexos nem cirurgias. Se precisar de uma investigação mais profunda, o serviço fi- cará pela metade, e o pacien- te terá de voltar ao SUS ou a um plano de saúde.” Além de otimizar custos e monitorar clientes, ter bons médicos é fundamental. Pa- ra atrair profissionais, as clí- nicas populares pagam de 40% a 50% do valor da con- sulta mais bônus ou incenti- vos de desempenho. Quando retornou de um mestrado na Universidade Harvard, nos EUA, o clínico Marcelo Zacarkim, 31, resol- veu ser “paciente oculto” em diversas clínicas para ver co- mo era o atendimento e deci- dir onde queria trabalhar. Es- colheu a Dr. Consulta, sobre a qual já tinha ouvido falar durante o curso no exterior. Zacarkim administra o tra- balho na clínica popular com um doutorado na USP e o atendimento em um hospital. “Faço minha agenda e não te- nho que me preocupar com gestão, algo difícil para o mé- dico. Tenho uma boa equipe de triagem e de enfermagem, além de ter uma atuação so- cial, algo que sempre quis.” Segundo dados da ANS, os planos de saúde no Brasil pa- gam em média R$ 30 por con- sulta. No Estado de São Pau- lo, a média é um pouco mai- or: em torno de R$ 50, segun- do médicos. O valor é próxi- mo ao da remuneração das clínicas populares —sem en- cargos nem burocracias de um consultório particular. Para José Luiz Bonamigo Filho, diretor da Associação Médica Brasileira, a dificul- dade de gestão somada à competitividade do mercado facilita a contratação de bons médicos por essas clínicas. “Formam-se no Brasil cer- ca de 30 mil médicos por ano, que têm como opção abrir o próprio consultório e esperar cerca de três anos para en- cher de pacientes particula- res ou atender por convênio médico e passar por toda a burocracia e esperar até três meses para receber valores baixos”, afirma. Trabalhar no SUS também não é muito vantajoso do ponto de vista da remunera- ção. Atualmente, o sistema não paga o médico por pro- cedimento, e sim por salário mensal ou por hora de traba- lho. Em São Paulo a hora va- le em média de R$ 100 a R$ 120, em que podem ser aten- didos vários pacientes, de- pendendo da unidade. Algumas empresas tam- bém oferecem planos de car- reira aos médicos, como a Globalmed. A consulta varia de R$ 90 a R$ 140 e de 40% a 50% do valor é repassada ao médico, que também pode ganhar bônus de acordo com avaliação de pacientes e fun- cionários e se tornar sócio. DEPOIMENTO NATALLY TRINDADE, 33 Fotos Keiny Andrade/Folhapress A dermatologista Natally Trindade, em São Paulo O médico Marcelo Zacarkim, 31, em unidade da rede Dr. Consulta, em São Paulo EMPRESAS CONTAM COM ALGORITMO PARA IDENTIFICAR QUANTOS ESPECIALISTAS DEVEM SER DESLOCADOS PARA CADA UNIDADE

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ab8 semináriosfolha_saúde suplementar ★ ★ ★ Sábado, 25 dE NovEmbro dE 2017

colaboração para a folha

A dermatologista NatallyTrindade, 33, foi surpreendi-da três vezes por seu convê-nio nos últimos 20meses.Aprimeira, em2016, foi ter

seu pedido de reembolso ne-gado. Ela foi diagnosticadacom câncer de tireoide emabril de 2016 e passou porumacirurgia. “Pedi reembol-so,mandeideclaraçãodomé-dico, recibos e todaapapela-da para o convênio, mas oprocesso enrolou”, diz.A segunda surpresa foi ter

sidoavisadadequeseriades-ligada do plano. “Fui à segu-radora, negociei, paguei enão fiquei sem convênio.”Oproblemado reembolso,

sem solução aparente, levoua dermatologista a um escri-tóriodeadvocacia. Foi aí quedescobriu que há caminhosmais rápidos e simples pararesolver conflitos entrebene-ficiários e operadoras.No caso de Trindade, não

foi preciso entrar com açãojudicial. Uma ferramenta daANS(AgênciaNacionaldeSa-údeSuplementar)permiteaobeneficiário registrar a quei-xa, que é enviada à operado-rapara resposta emdezdias.No finaldesseprazo, foi re-

embolsada. “Se soubesse, te-ria feito dessa forma desde ocomeço”, diz a médica.

A ferramenta é a NIP (No-tificaçãode InvestigaçãoPre-liminar), pormeiodaqual asreclamaçõespodemser feitasno próprio site da ANS, portelefoneoupresencialmente.Em geral, as questões são

solucionadas, segundoRafa-el Robba, especialista em di-reitoà saúdedoescritórioVi-lhenaSilvaAdvogados.“Mas,se o beneficiário entenderqueoproblemanão foi resol-vido adequadamente, temque entrar na Justiça”, diz.Trindade comemora o

acordo,masse lembradasdi-ficuldades pelas quais pas-sou. “Quando os problemassurgiram, além de lidar coma doença, estava amamenta-do minha filha mais nova. Édesgastante enfrentar a bu-rocracia do convênio nummomento de fragilidade.”Mais tranquila agora, ela

diz entender que os convêni-os estão sobrecarregados dedemandas,muitasdelasdes-necessárias. “Eu não atendodiretamente clientes de con-vênio, mas vejo muitas pes-soas querendo fazer examesou tratamentos que não pre-cisam. Issoprejudica o enca-minhamento de casos real-mentenecessários.Mas seospróprios convênios humani-zarem o atendimento ao cli-ente muita coisa vai melho-rar”, afirma. (iara biderman)

‘faltahumanizaroatendimentodosplanosdesaúde’

Julliane Silveiracolaboraçãopara a folha

As clínicas populares sur-giram como uma alternativapara quemnão templano desaúde —cerca de 75% da po-pulação brasileira— nemquer depender do SUS. Oatendimento rápido eospre-çosacessíveis fizerama famadessemercadoquesócresce.Não há dados oficiais so-

bre esse modelo de negócio,mas as empresas estão oti-mistas. “Nunca tivemos tan-ta oportunidade para start-upsnaáreadesaúde”,dizRe-nato Velloso, vice-presiden-te de desenvolvimento demercado do Dr. Consulta,umadaspioneirasnesse tipode atendimento no Brasil.A rede tem45unidadesem

operação (19 inauguradasem2017), espalhadasnaGrandeSão Paulo e na Baixada San-tista. A empresa contabiliza150 mil atendimentos pormês, entre consultas e exa-mesde56especialidades.Re-centemente, recebeu de in-vestidores aportes de R$ 300milhõeseprevêexpansãopa-ra 2018, mas não fala em fa-turamento, número e localdas novas unidades.Asconsultas custamdeR$

110 a R$ 150. Segundo Vello-so, a fórmula que reúne pre-ços baixos e lucro passa pelatecnologia. A empresa contacom aplicativos para marcaratendimentos de forma rápi-da,abrirnovasagendasemo-nitorar qual unidade precisade uma nova especialidade,por exemplo. “Temos um al-goritmoparaentenderquan-tos médicos precisam estarem cada local”, afirma.ÉomesmodiscursodaGlo-

balmed, que abriu a primei-ra unidade em 2015 e fecha oano com faturamento de R$9milhões.Dasdezunidades,sete foram inauguradas em2017—alémdeSãoPaulo, háclínicas em Ribeirão Preto ePiracicaba (interior de SãoPaulo) e em Vitória (ES). Pa-ra o ano que vem, a previsãoé dobrar o número de unida-dese irparaBahia,MinasGe-rais, Rio de Janeiro e Paraná.“Usamos tecnologiaspara

reduzircustos.Omédicocon-

Clínicas adotamprontuário unificado e aplicativos naorganização de consultas, que custam emmédia R$ 100

Redespopularesusamtecnologiaparacortargastosecobrarpouco

seguever aagendanosmart-phone, e os prontuários mé-dicos são digitais, por exem-plo”,explicaBrunoCarvalho,CEO e fundador da empresa.Ao apresentar a Minuto-

Med, inaugurada em 2014, osócioVitorAsseituno jámen-cionaos recursosquesãouti-lizadosnascincoclínicas ins-taladas em shoppings daGrande São Paulo.“Usamos telemedicinapa-

ra algumas especialidades etemos um prontuário eletrô-nico único”, conta. A empre-saatende2.000pacientespormês. A consulta comummé-dico generalista custa R$ 89.

‘serviço limitado’A longevidade dessas clí-

nicas populares depende daqualidadedosserviçosofere-cidos, opina AlessandroAcayabadeToledo,presiden-tedaAnab (AssociaçãoNaci-onaldasAdministradorasdeBenefícios).“Há uma limitação. Você

não consegue exames maiscomplexos nemcirurgias. Seprecisardeuma investigaçãomais profunda, o serviço fi-carápelametade, eopacien-te terá de voltar ao SUS ou aum plano de saúde.”Além de otimizar custos e

monitorar clientes, ter bonsmédicos é fundamental. Pa-ra atrair profissionais, as clí-nicas populares pagam de40% a 50% do valor da con-sulta mais bônus ou incenti-vos de desempenho.Quando retornou de um

mestrado na UniversidadeHarvard, nos EUA, o clínicoMarcelo Zacarkim, 31, resol-veu ser “paciente oculto” emdiversas clínicas para ver co-

moeraoatendimento edeci-dirondequeria trabalhar.Es-colheu a Dr. Consulta, sobrea qual já tinha ouvido falardurante o curso no exterior.Zacarkimadministrao tra-

balhonaclínicapopular comum doutorado na USP e oatendimentoemumhospital.“Façominhaagendaenãote-nho que me preocupar comgestão, algodifícil paraomé-dico. Tenho uma boa equipede triagemedeenfermagem,além de ter uma atuação so-cial, algo que sempre quis.”SegundodadosdaANS,os

planosdesaúdenoBrasilpa-gamemmédiaR$30porcon-sulta. No Estado de São Pau-lo, a média é um poucomai-or: em tornodeR$50, segun-do médicos. O valor é próxi-mo ao da remuneração dasclínicas populares—sem en-cargos nem burocracias deum consultório particular.Para José Luiz Bonamigo

Filho, diretor da AssociaçãoMédica Brasileira, a dificul-dade de gestão somada àcompetitividadedomercadofacilitaacontrataçãodebonsmédicos por essas clínicas.“Formam-se no Brasil cer-

cade30milmédicosporano,que têm como opção abrir opróprio consultórioeesperarcerca de três anos para en-cher de pacientes particula-res ou atender por convêniomédico e passar por toda aburocracia e esperar até trêsmeses para receber valoresbaixos”, afirma.Trabalhar noSUS também

não é muito vantajoso doponto de vista da remunera-ção. Atualmente, o sistemanão paga o médico por pro-cedimento, e sim por saláriomensal ouporhorade traba-lho. Em São Paulo a hora va-le em média de R$ 100 a R$120, em que podem ser aten-didos vários pacientes, de-pendendo da unidade.Algumas empresas tam-

bémoferecemplanos de car-reira aos médicos, como aGlobalmed. A consulta variadeR$ 90 aR$ 140 e de 40%a50%do valor é repassada aomédico, que também podeganharbônusdeacordocomavaliaçãodepacientes e fun-cionários e se tornar sócio.

depoimento Natally triNdade, 33

FotosKeinyand

rade/Folhapress

a dermatologistanatally Trindade,em São Paulo

OmédicoMarceloZacarkim, 31,em unidadeda rede Dr.Consulta, emSão Paulo

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