Reflecon LP1
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INTRODUÇÃO
O estudo da linguagem verbal implica entender não só o seu funcionamento como
ferramenta de comunicação, mas também a sua influência sobre a sociedade como um todo,
uma vez que a língua é capaz de agregar as pessoas e modificar o modo como elas interagem.
A organização social, como se conhece hoje, é baseada em grupos de pessoas com algo em
comum, no que diz respeito a gostos, religião, personalidade, etc. Nessa perspectiva, a língua
também é um fator de organização social à medida que integra as pessoas que falam um
mesmo dialeto, de modo a formar um grupo específico, no qual a participação é restrita a
essas pessoas. Esse caráter organizacional e coercitivo da língua e o seu funcionamento como
uma entidade que permanece ao longo das gerações, independentemente da vontade de um
indivíduo da sociedade em particular, são elementos que caracterizam um ”fato social”,
segundo o conceito de Emile Durkheim, o que insere linguagem verbal neste conceito.
No entanto, para a linguagem verbal ter alcançado tal poder de influência, foi
necessário um longo período de desenvolvimento das formas de comunicação. Esse período
implicou uma convivência entre os homens e uma necessidade comum de se relacionarem de
forma eficaz. Com a criação de uma convenção de signos para representar cada ideia,
acontecimento ou objeto, foi possível a interação social em larga escala.
Hoje, a linguagem verbal está subdividida em diversas modalidades, que variam de
acordo com a região, a condição social e a faixa etária de cada pessoa, entre outros. A
depender desses fatores, diferentes estruturas serão aplicadas, o que a torna não tão universal.
Os regionalismos e as diferenças entre idiomas, por exemplo, segregam grupos, os quais,
apesar de utilizaram algum tipo de linguagem verbal, não necessariamente conseguem se
comunicar com eficácia com os outros grupos.
Resta entender, portanto, como a linguagem verbal, apesar de suas variações,
proporciona ampla comunicação, transmitindo valores, ideias e concepções de mundo e
trazendo significação à vida de cada indivíduo. Para isso, é preciso entender tanto o
funcionamento estrutural de uma língua, no qual está presente a essência dessa forma de
comunicação; quanto o efeito que a própria língua produz nos indivíduos, sendo ela um fato
social e, por isso, um agente coercitivo na sociedade, que traz a esta um sentido e uma
identidade.
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O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM VERBAL E SUAS VARIAÇÕES: ANÁLISE DE UM FATO SOCIAL
Os seres humanos, – considerados seres sociais por viverem em grupos, aos quais
estudiosos se referem como sociedades, – desde sua gênese, foram se adaptando a diferentes
linguagens cognitivas para que pudessem se comunicar com os outros seres da mesma
espécie. Assim, a partir do momento em que conseguiam atingir um equilíbrio entre o código
e o entendimento do mesmo, davam início a um novo contexto, que permitiria, a partir desse
momento, que todos se comunicassem através de objetos lingüísticos. Estes representariam
suas idéias e opiniões, qualquer imagem ou conceito que lhes viesse à mente; seriam o resumo
de qualquer um de seus pensamentos, por menor e mais simples que fosse.
Passaram de seus primitivos desenhos em paredes de cavernas, que gravavam um
certo período de sua história, e onomatopeias, que representavam sua comunicação oral, até o
que conhecemos nos dias de hoje como linguagem verbal, que acabou tornando-se seu
principal meio de comunicação, seja por sua forma escrita ou oral.
Essa linguagem é marcada por sua unificação, e conseqüente simplificação, de
conceitos, objetos e tudo o mais que se possa imaginar, que são reduzidos a palavras e, ao
tocarem nossos ouvidos, nos guiarão à ideia de nosso interlocutor, possibilitando-nos
mentalizar qualquer coisa mesmo que não a tenhamos visto.
Esse fenômeno foi documentado pela primeira vez por Ogden e Richards na forma de
um triângulo, que relacionava o código utilizado (significante ou signo), o pensamento
(significado) e o objeto extralinguístico (referente). Ele nos possibilita uma visão mais clara
sobre a relação que o homem estabeleceu entre seu pensamento e a linguagem que utiliza, ou
seja, por mais que o signo não tenha relação direta com o referente, devido a uma espécie de
código social formulado anteriormente e adotado por toda uma comunidade, o interlocutor é
induzido ao significado do que lhe foi apresentado.
De fato, a linguagem verbal, seja falada ou escrita, como a conhecemos, não é algo que seja
nato do ser humano, tendo-se que ela não existiu desde a origem da espécie deste, mas
desenvolveu-se e aperfeiçoou-se com o passar dos anos devido a uma prática social (práxis),
vindo a ser sua principal forma de comunicação e também uma ferramenta indispensável à
concretização de suas ideias ou qualquer outro de seus pensamentos, ou, como disse
Vygotsky, “é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento
verbal” (Pino apud Vygotsky, 2003), já que o homem raciocina de acordo com sua língua.
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Nessa concepção, a linguagem verbal, apesar de ser uma criação do ser humano, teria
também influência na formação da opinião do indivíduo, pois ela provoca transformações nas
formas de comunicação utilizadas pelo mesmo. Em outras palavras, a cognição, derivada da
experiência pessoal de convivência, além de proporcionar a criação desse tipo de linguagem,
foi também influenciada pela mesma, uma vez que a incorporação da língua portuguesa ou da
língua alemã, por exemplo, produz efeitos diferentes na percepção de mundo de quem
aprende uma ou outra língua. Essa diferença está na criação de cada um desses idiomas, que
surgiram de países diferentes e, portanto, práxis sociais e cognições diferentes, o que refletiu
na estruturação dos mesmos. Isso significa que o sentido atribuído a cada palavra, a cada
relação contextual e a cada elemento estrutural dessas línguas varia de acordo com a
percepção de mundo do povo que as criou.
Dessa forma, se tomarmos como base os estudos de Émile Durkheim sobre fatos
sociais, que definem que estes “não apenas são exteriores ao indivíduo, como também são
dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele, quer ele
queira, quer não” (Durkheim, 1895), perceberemos que a imersão do indivíduo na linguagem
verbal provoca mudanças no mesmo, fazendo com que a linguagem passe a ser um agente
coercitivo com vontade e vida próprias; um fato social. Portanto, ao sermos expostos aos
signos construídos pela sociedade, – que são fixados pelas instituições da mesma, como a
escola (educação) e a igreja (religião), assim como também é a linguagem verbal e sua norma
culta, – nossa linguagem e pensamento passam a ser guiados pela força imperativa da mesma,
fazendo com que nossas maneiras de agir e de pensar sejam exteriores a nós.
Como fenômeno social, este fenômeno lingüístico permite tanto a integração como
também a exclusão de um indivíduo de um meio; portanto, há aqueles que não compartilham
a mesma sensação de pertencimento em relação à sociedade por uma exclusão derivada de sua
língua. Um exemplo disso é a presença de um indivíduo numa cidade cujo idioma utilizado
ele não domina: nesse caso, o sujeito pode não se sentir tão integrado no meio social, sendo
que suas relações com as pessoas dessa cidade serão muito prejudicadas, pois eles não
compartilham a mesma modalidade de linguagem verbal.
Outro exemplo pode ser verificado no filme “O Enigma de Kaspar Hauser” (Herzog,
1974), no qual percebemos que o personagem principal, Kaspar, não sabia usar a linguagem
verbal ou agir conforme a sociedade por não ter participado do período de práxis social (viveu
isolado em um quarto, quase que sem algum contato humano), necessário para absorver os
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signos e suas significações, o que o permitia ver o mundo de sua própria maneira,
diferentemente das outras pessoas da sociedade.
Voltando-se agora para outra questão e considerando que a fala é adquirida pelo
indivíduo apenas em contato com o grupo, devemos levar em conta que existem aspectos que
influenciam sobre esta, como por exemplo, a variedade diatópica. Na França fala-se o
Francês, no Brasil o Português, na Alemanha o Alemão, ou seja, a linguagem verbal apresenta
variações idiomáticas entre diferentes regiões do globo. Esse fato ocorre devido à forma com
que a linguagem verbal é criada, pois esta existe de uma maneira particular para cada povo,
conforme suas raízes.
De uma mescla entre um idioma-base proveniente de um colonizador e a linguagem
verbal oral local, nascem os novos idiomas. O latim, por exemplo, ao ser difundido pela
expansão do Império Romano, acabou tornando-se a base de diversos idiomas, como o
espanhol, português e italiano. Como conseqüência deste acontecimento, esses idiomas
possuem diversas palavras e estruturas semelhantes, entretanto, também possuem sua
identidade, sua rítmica oral, suas normas, seu vocabulário, entre outras características
próprias.
As variações na linguagem não se dão apenas de um idioma para outro. Dentro de um
mesmo idioma podemos observar diversas variações, sendo estas recorrentes de fatores
diatópicos, diferenças culturais, profissões, posições sociais, grau de escolaridade, faixa
etária, entre outras.
Segundo o autor Dino Preti, em “Sociolingüística: Os Níveis de Fala”, a forma como
certas comunidades articulam linguisticamente a realidade, tem uma relação indireta com sua
cultura e sistema de vida, a ligação existente então seria o vocabulário de uma determinada
língua. Entretanto esta ligação é um tanto quanto instável, pois podemos verificar que apesar
de existir um sistema de signos lingüísticos pré-determinados, a linguagem verbal oral sofre
mutações, principalmente devido às diferenças sociais de seus falantes. Tomando o Brasil
como exemplo, podemos analisar esse fato.
Convenciona-se uma modalidade padrão da língua, a norma culta, porém na oralidade
este tipo de comunicação restringe-se a meios formais, como por exemplo, o meio acadêmico
ou empresarial. Entretanto, o grupo ao qual o falante pertence também é algo muito relevante.
Um jovem utiliza-se freqüentemente de gírias em seu vocabulário, diferentemente de um
adulto. Na oralidade existe um contexto informal, e por isso a questão do certo e do errado é
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algo discutível. O conceito de errado é aplicado a tudo que foge à norma, porém no cotidiano
acabamos utilizando o que nos é prático. Uma pessoa ao pronunciar “probrema”, é vista como
alguém que não conhece a norma padrão, porém, em seu cotidiano esta consegue se
comunicar, mesmo que com limitações. Este é apenas um exemplo que podemos tomar como
referência com o objetivo de analisarmos que a comunicação é possível mesmo fora do
padrão.
Os regionalismos são igualmente relevantes para analisarmos as modificações que a
linguagem verbal oral sofre. Diversos signos podem ser usados para significar uma mesma
coisa, como por exemplo, a mandioca, que também é conhecida como “macaxeira” ou
“aipim”, dependendo da região brasileira em análise. Podemos verificar também, a diferença
no modo de falar, o sotaque. Em Minas Gerais, os indivíduos geralmente cortam palavras e as
emendam em outras, além de utilizarem a palavra “trem”, com um significado diferente do
que esta foi convencionada para significar. Para os mineiros, esta palavra significa “coisa”.
No Rio de Janeiro, os cariocas geralmente pronunciam o “ch”, o “s” e o “x” em um tom mais
evidente. A diversidade de uma língua é, portanto condicionada por fatores extralingüísticos
como os já citados acima.
Através desses exemplos podemos perceber ainda mais claramente que, de fato, não
nascemos com a capacidade de nos expressarmos no que mais adiante chamaremos de língua-
mãe, mas nos adaptamos a ela através da coerção exercida por esta e pelo ambiente sobre nós
em nosso dia-a-dia convivendo em sociedade.
Com o passar dos anos, a única maneira pela qual seremos capazes de nos comunicar
será através dessa linguagem oral que nos foi pregada desde pequenos e fomos forçados a
aprender, pelo menos para que pudéssemos compreender o que os demais tentavam nos
transmitir, tanto que existem idiomas que perderam sua função escrita, sendo apenas usados
na oralidade. Assim, não há como negarmos nossa dependência em relação à nossa língua
para que possamos viver socialmente.
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CONCLUSÃO
A linguagem verbal, como outras formas de comunicação, tem sua origem na
convivência entre os seres humanos, a partir de uma cognição e utilização de símbolos
comuns entre eles. Isso faz com que, a relação triádica da significação lingüística (triângulo
de Ogden e Richards) seja possível e plausível, já que os símbolos utilizados por essa
comunidade teriam um mesmo significado, que se relacionasse a um mesmo referente.
O caráter de fato social da linguagem verbal é o que permite, entre outras razões, que a
comunicação funcione. Sendo uma convenção que atinge milhares de pessoas e que,
principalmente, permite a associação e a elaboração de significados para cada uma delas, ela
permite uma integração das mesmas numa sociedade de valores comuns e uma interação
dentro desta.
Apesar de não ser algo estático, a língua permanece sendo utilizada ao longo da
história da humanidade, como forma de comunicação eficaz e aberta a diversas possibilidades
de uso. E, dessa forma, tornou-se tão básica à própria sobrevivência do homem, que influi em
amplos os aspectos a ele relacionados.
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REFERÊNCIAS
TEXTOS:
BLIKSTEIN, IZIDORO. KASPAR HAUSER OU A FABRICAÇÃO DA REALIDADE. SÃO PAULO:
CULTRIX, 1990. P. 11-64
LEONTIEV, ALEXIS. O DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO. SÃO PAULO: CENTAURO, 2004.
P. 75-94
PINO, ANGEL. LINGUAGEM, CULTURA E COGNIÇÃO. PALESTRA PROFERIDA NO II
CONGRESSO INTERNACIONAL LINGUAGEM, CULTURA E COGNIÇÃO: REFLEXÕES PARA O
ENSINO, 2003, BELO HORIZONTE-MG. ANAIS...CAMPINAS: GRÁFICA CENTRAL – FACULDADE
DE EDUCAÇÃO – UNICAMP, 2003.
PRETI, DINO. SOCIOLINGUISTICA: OS NIVEIS DE FALA (UM ESTUDO SOCIOLINGUISTICO DO
DIALOGO NA LITERATURA BRASILEIRA). 8ª ED. SÃO PAULO: EDUSP, 1997. P. 11 A 71
VIGOTSKI, LEV S. PENSAMENTO E LINGUAGEM. SÃO PAULO, MARTINS FONTES, 2005, P.01
A 10.
DURKHEIM, E. AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO. SÃO PAULO, ED. MARTIN CLARET,
2002.
FILME:
O ENIGMA DE KASPAR HAUSER. DIREÇÃO: WERNER HERZOG. ALEMANHA, 1974. 110 MIN.
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