Reflexão epistemológica dos estudos culturais numa perspectiva da educação

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Reflexão epistemológica dos estudos culturais, numa perspectiva da educação. Gilson Cruz Nunes* Paradoxalmente somos hoje o resultado das conseqüências históricas do passado, da cultura hermafrodita do conservadorismo secular de uma classe dominante, porém, “desprovida”. a desconstrução das identidades, na construção de novas identidades, a produção de novos sujeitos, segundo Stuart Hall. Esta concepção de sujeito pós-moderno atrelado a uma filosofia do bem-estar social constitui-se uma arena de conflito entre o poder econômico (privado) e o proletariado, este último, a máquina humana que faz funcionar a estrutura de poder, que para se manter como classe hegemônica, o poder, controla todos os bens culturais e industriais. Uma eterna onda de conflito sublimado, uma banana de dinamite a explodir a qualquer momento; que para controlar os ânimos das partículas comprimidas da dinamite, os desfavorecidos economicamente, o poder oferece aos mesmos pequenas doses de adequação político-social, - os programas federais, as famosas Bolsas – “as esmolas da acomodação social – a moeda de troca da pacificação e da manutenção do seu grupo político”, ajuda para quem precisa, os miseráveis da cultura do neoliberalismo. Para que existisse uma paz, antes existiu uma guerra, e a mobilidade social é dinâmica e complexa, a exemplo do capitalismo pós-moderno. Para Perry Anderson, foi preciso criar um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro, travestido de neoliberalismo, a valorização do mercado, o privado, e a negação do Estado do bem-estar social: o emprego, a escola de ensino inovador e cidadão, ou seja, o acesso democrático aos bens culturais duráveis. Numa perspectiva histórica, a Segunda Guerra Mundial os países da macroeconomia européia, sem omitir o poder da bolsa de valores dos Estados Unidos que controlavam a economia mundial, são vítimas de uma crise profunda de identidade, não só material, mas espiritual e intelectual. Foi necessário repensar o novo modelo de SER no mundo, em virtude dos males do pós-guerra, da força do mais forte sobre os emergentes. É neste campo 1

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Reflexão epistemológica dos estudos culturais, numa perspectiva da educação.

Gilson Cruz Nunes*

Paradoxalmente somos hoje o resultado das conseqüências históricas do

passado, da cultura hermafrodita do conservadorismo secular de uma classe

dominante, porém, “desprovida”. a desconstrução das identidades, na

construção de novas identidades, a produção de novos sujeitos, segundo

Stuart Hall. Esta concepção de sujeito pós-moderno atrelado a uma filosofia

do bem-estar social constitui-se uma arena de conflito entre o poder

econômico (privado) e o proletariado, este último, a máquina humana que faz

funcionar a estrutura de poder, que para se manter como classe hegemônica,

o poder, controla todos os bens culturais e industriais. Uma eterna onda de

conflito sublimado, uma banana de dinamite a explodir a qualquer momento;

que para controlar os ânimos das partículas comprimidas da dinamite, os

desfavorecidos economicamente, o poder oferece aos mesmos pequenas

doses de adequação político-social, - os programas federais, as famosas

Bolsas – “as esmolas da acomodação social – a moeda de troca da pacificação

e da manutenção do seu grupo político”, ajuda para quem precisa, os

miseráveis da cultura do neoliberalismo.

Para que existisse uma paz, antes existiu uma guerra, e a mobilidade social é

dinâmica e complexa, a exemplo do capitalismo pós-moderno. Para Perry

Anderson, foi preciso criar um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras

para o futuro, travestido de neoliberalismo, a valorização do mercado, o

privado, e a negação do Estado do bem-estar social: o emprego, a escola de

ensino inovador e cidadão, ou seja, o acesso democrático aos bens culturais

duráveis.

Numa perspectiva histórica, a Segunda Guerra Mundial os países da

macroeconomia européia, sem omitir o poder da bolsa de valores dos Estados

Unidos que controlavam a economia mundial, são vítimas de uma crise

profunda de identidade, não só material, mas espiritual e intelectual. Foi

necessário repensar o novo modelo de SER no mundo, em virtude dos males

do pós-guerra, da força do mais forte sobre os emergentes. É neste campo

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minado de concepções materialistas da macroeconomia neoliberal que irá

prevalecer a cultura do mais forte, pelos quais os bens culturais eruditos

considerados universais e duráveis irão circular – o arranha-céu dos

intelectuais iluminados, o gueto acadêmico: as melhores revistas, as melhores

obras literárias, os melhores filmes, os melhores museus, as melhores

universidades, os melhores hotéis e restaurantes, ou seja, a sociedade priver

da era pós-moderna em detrimento do popular, este último termo, polissêmico

e desdenhado como degradado, pois carrega em si o fetiche preconceituoso da

elite como cultura de massa, povão, subordinação, inferior, patética, ingênua,

coisa comum e barato, que nunca irá conquistar o status de cultura com letra

maiúscula, segundo FISKE e MATTELART.

Essa sinonímia pejorativa do povo sempre como inimigo do estabelecido é a

negação ao processo de participação democrática da cultura, a educação,

como parte integrante da superação do estágio primitivo, como afirma Fiske,

“ao povo não se pode conceder a democracia, pois é visto como uma bomba

relógio, que pode explodir a qualquer momento, a geração da anarquia, a

desordem social”.

Porém, é nessa sociedade contraditória que o povo, considerado uma massa

de indivíduo alienado, incapaz de criticar, indefeso e passivo ao sistema, e sem

cultura, que se abre um novo campo de reflexão epistemológica para os

estudos culturais. Que passa a enxergar a cultura popular como pandeiro

musical da resistência, revelando que o povo, mesmo utilizando alguns

símbolos da cultura da mercantilização, a estrutura de poder, se mantém fiel a

sua cultura, os heróis de uma pátria possível, a reprodução e valorização de

suas identidades regionais em detrimento da cultura erudita. Acrescenta Fiske “

a seleção popular não é a realização através de critérios universais, a

qualidade estética está relacionada ao gosto localizado de uma determinada

região. Logo, a cultura popular atua na micro-política da vida cotidiana. Neste

sentido afirma: “cultura popular não é a cultura de massa”. Um programa de

tevê de baixo nível, direcionado para atingir uma classe social desfavorecida

intelectualmente, pode ser assistido pela elite. Logo Fiske afirma que os

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interesses comerciais da cultura de massa e interesses populares são

antagônicos.

Mediante sentido, a industria explora os gostos, intenções e desejos do povo

para mercantilizar essa trigonometria em favor do neo-capitalismo, ou seja, do

neoliberalismo, onde o mercado se torna um árbitro de todas as transações,

Mattelart. Na concepção fiskeniana, a cultura é ordinária, e o ordinário é

altamente significativo para o povo, enquanto que o mundano é único terreno

pelo qual a cultura popular se afirma. É nessa reflexão que os estudos culturais

irão direcionar estratégias de criticidade, um novo campo da

interdisciplinaridade dos saberes, corrente de pensamento que surgiu no pós-

guerra, na Inglaterra, e na década de 80 recebe carteira de identidade da

maioridade e amadurece no final das duas décadas do século XX.

Essa nova corrente filosófica deixou de ser um compêndio de obras

sacralizadas para penetrar na carne do cotidiano, a relação entre às tradições

elitistas da cultura burguesa e operária, educação erudita e popular. Para

Marisa Vorraber, uma sociedade capitalista, as desigualdades sociais são bem

acentuadas, não apenas no aspecto educacional, mas em relação a etnia e

sexo, sendo a cultura o centro do antagonismo social. Na concepção de

Vorraber, a cultura deixa de ser um domínio exclusivo da erudição e de padrão

estético elitizado e passa a contemplar o gosto das multidões. Que as palavras

têm história e vibram na arena política de significados que são negociadas e

renegociadas, num processo de composição e recomposição dos grupos

sociais, ou seja, os grupos subordinados passaram a fazer frente aos

interesses dos mais poderosos.

É nesse campo conceitual que os estudos culturais constituem-se num

poderoso projeto político de oposição ao estabelecido, buscando inspiração em

diferentes teorias, a ruptura dos ideais cristalizados e consagrados, tendo como

referencial, o maior estudioso da identidade cultural na pós-modernidade,

Stuart Hall.

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Concluindo essa pequena análise dissertativa, tomo como empréstimo o

pensamento de Marisa Vorraber, a cultura não é um campo autônimo nem

determinado, é local de lutas sociais. Neste sentido, precisamos desenvolver

políticas cidadãs que contribuam com diferentes estilos sociais, a convivência

multi-étinica e supranacional. E não apenas análises culturais das diferenças,

mas a condenação das desigualdades. Para ela, o mal-estar dos estudos

culturais é a falta de reflexão teórica e epistemológica, uma metodologia pouco

disposta a questionar teoricamente sua prática.

* Especialista em Arte-educação - UFPB – Crítico de Arte e Artista Plástico.

[email protected]

Referências:

COSTA, Marisa Vorraber; Silveira, Rosa Hessel; SOMMER, Luis Henrrique.

Estudos culturais, educação e pedagogia. Ver. Brás. Educ., Rio de Janeiro, n.

23, ago.2003. Disponível em

http://www.scielo.br/scielo.phpt=sci_arttex&pid=s141324782003000200004&lng

=pt&nrm=isos

FISK, John (1997). Cultura Popular. Revista temas em educação, 6. Tradução

de Maria Eulina P. de Carvalho e Clélia M. M. Pereira. Do original Popular

Culture. In: Frank Lentricchia & Thomas McLaughlin, Eds. Critical Terms for

Literary Studies, 2nd. Ed. Chicago: the University of. Chicago Press, 1995.

Disponível em www.edutransversal.pro.br

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed, Rio de

Janeiro, DP&A, 2006.

MATTELART, Armand et NEVEU, Érik. Introduçõa aos estudos culturais. São

Paulo, Parábola Editorial, 2004.

SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). HALL, stuart & WOODWARD, Kathryn.

Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 8. ed. Petrópolis,

RJ, Vozes, 2008.

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