Reflexões acerca do papel do bibliotecário de biblioteca escolar

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Autora: Clarice Fortkamp Caldin

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  • Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v.10, n. 2, p. 163-168, 2005 163

    REFLEXES ACERCA DO PAPEL DO BIBLIOTECRIO DE BIBLIOTECA ESCOLAR

    Clarice Fortkamp Caldin

    Resumo: Destaca a importncia da biblioteca escolar na difuso e fomento da leitura. Apresenta reflexes acerca das atividades do bibliotecrio da biblioteca escolar. Salienta que a seleo do acervo bibliogrfico de sua responsabilidade e competncia. Incentiva o bibliotecrio a ser um leitor vido, complementando com autodidatismo suas deficincias literrias com a finalidade de obter cultura geral. Palavras-chave: Leitura; Biblioteca escolar; Bibliotecrio; Acervo bibliogrfico 1 INTRODUO

    O xito de uma biblioteca escolar em cativar leitores depende de duas variveis: do acervo bibliogrfico e do profissional que nela atua. A qualidade do acervo encontra-se condicionada a vrios fatores externos figura do bibliotecrio, mas passvel de ser contornada pela criatividade, pelo empenho e pelo senso de responsabilidade social desse profissional da informao.

    Alm de despertar o gosto pela leitura como forma habitual de lazer, um dos objetivos da biblioteca escolar a formao do cidado consciente e capaz de um pensamento crtico e criativo. Isso significa uma maior participao do bibliotecrio no processo cultural do qual fazem parte, tambm, os professores, pedagogos, escritores e pesquisadores que vem na leitura um ato de conscientizao do indivduo.

    Portanto, o papel que cabe biblioteca escolar e, por extenso, ao bibliotecrio que nela atua, o de estimular, coordenar e organizar o processo de leitura para que, por meio dela, a criana/adolescente/jovem aumente seus conhecimentos, sua capacidade crtica e reflexiva que lhe permitam atuar melhor na sociedade. Est superado o conceito tradicional de que a biblioteca escolar seja um depsito de livros doados pelo Governo ou por particulares para complementar o programa de estudos. Sua funo agora a de ser um centro de informao e cultura. 2 O PAPEL DO BIBLIOTECRIO DE BIBLIOTECA ESCOLAR

    Muito embora alguns bibliotecrios se preocupem apenas com a funo

    educativa da biblioteca, a maioria acredita e defende que ela tem uma funo cultural a desempenhar. Esses ltimos preocupam-se em transformar a biblioteca em um mecanismo real para a formao da conscincia crtica do educando. H

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    muito que se fala da neutralidade da biblioteca. Mas, o saber registrado no neutro. Por esse motivo, o material que compe o acervo das bibliotecas escolares necessita ser bem selecionado para que represente a expresso de vrias correntes de pensamento sobre um mesmo conhecimento.

    Assim, h que se ter muito cuidado com as doaes: nem sempre por acaso que organizaes nacionais e internacionais fazem doaes de livros - elas sabem que a leitura um dos melhores instrumentos para disseminar idias.

    O bibliotecrio tem uma responsabilidade enorme, pois depender dele (de seus prprios valores e crenas), o resultado das aes efetuadas dentro da biblioteca. Se ele considerar a educao em um sentido amplo, no limitado somente ao ensino, mas, principalmente, voltada formao de hbitos e atitudes do aluno, ele no se restringir a ser um mero tcnico-administrativo a servio da escola. Ele ir lutar pela conquista da igualdade de oportunidades sociais que possibilitem a todos os estudantes o acesso ao conhecimento registrado.

    Mueller (1990) em tempos idos falava que a maioria dos bibliotecrios encarava o conhecimento como algo pronto para ser adquirido, consumido e reproduzido.

    bom lembrar que os bibliotecrios das dcadas de setenta e oitenta, passaram por um processo escolar que no trabalhou com a leitura crtica/ativa/prazerosa. Receberam sempre o conhecimento acabado, esttico. Tal no se justifica mais. Os novos currculos dos Cursos de Biblioteconomia tm se preocupado em preparar o acadmico para o exerccio crtico por meio de leituras reflexivas a respeito da nova sociedade, a sociedade da informao. No se vive mais em um mundo tradicional. Como bem afirmou Calixto (1994) para o indivduo sobreviver em uma sociedade de verdades efmeras, ele necessita de atualizao sistemtica.

    Em um mundo em constantes mudanas, globalizado, no cabem mais os procedimentos ditos tradicionais. O bibliotecrio tem de largar seu papel passivo, de mero processador tcnico de livros e desempenhar um papel ativo: agente de mudanas sociais.

    Tem de lembrar que um educador, que uma das funes da biblioteca escolar ensinar o aluno a pensar e, portanto, sua funo tambm ensinar os usurios a pensar, refletir e questionar os saberes registrados - verificar a pertinncia, validade, aplicabilidade das idias contidas nos livros.

    Tem de lembrar, tambm, que os novos tempos exigem que a escola (professor e bibliotecrio) esteja apta a preparar o indivduo para a sobrevivncia nessa sociedade em rpida e constante mutao. Em vista disso, Souza (1999) levanta a questo: que profissional o bibliotecrio? Assim, quanto sua identidade profissional, deve-se indagar sobre seus objetivos e responsabilidades, seu valor para a sociedade e status entre as demais carreiras profissionais e, conseqentemente, o nvel de sua remunerao; quanto organizao da profisso

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    como rea do conhecimento, deve-se indagar sobre a forma pela qual est organizada como carreira profissional ou como campo de investigao, como se processa sua formao profissional e como se comunica com seus pares; quanto relao com o usurio, deve-se indagar como v o usurio da biblioteca e como esse o v; quanto ao desempenho profissional, deve-se indagar em que consiste sua excelncia, o que considera sucesso ou fracasso, se est buscando emprego ou trabalho.

    Essas indagaes deveriam ser feitas por todos os bibliotecrios, pois somente aqueles que responderem com franqueza os problemas levantados podero atender eficientemente os usurios. E no caso das bibliotecas escolares, essa uma necessidade imperiosa. Como trabalhar com o indivduo em formao, tais bibliotecas tm de ser um local de acesso democrtico s informaes, onde o ato da leitura signifique refletir, estar a favor ou contra dos pensamentos registrados, trocar idias com colegas, posicionar-se, enfim, exercer a cidadania.

    Para que tal acontea, torna-se necessrio um acervo diversificado. Ao lado dos livros didticos (que ajudam na compreenso do contedo curricular) e dos de entretenimento (para o lazer e o prazer), h que constituir o acervo de uma boa biblioteca escolar livros que promovero a formao social, intelectual, cultural e crtica (literatura, filosofia, psicologia e cincias afins).

    A biblioteca um espao cultural, criado e mantido para o usurio. Quem o cria e o mantm? O bibliotecrio. Se ele cria e mantm esse espao cultural, tem a obrigao de ser culto. Originalmente o bibliotecrio devia ser, antes de tudo, um erudito. A exploso bibliogrfica transformou-o em um tcnico sem erudio. Esse foi um erro da Academia, colocando no currculo dos Cursos de Biblioteconomia uma macia dose de disciplinas tcnicas em detrimento das humanas e sociais. Ento o bibliotecrio deve, por si mesmo, buscar o que perdeu: ser um auto-didata em cultura geral. No possvel ler todos os livros, mas ler todos que for possvel essa deveria ser a palavra de ordem dos bibliotecrios interessados em adquirir e garantir um acervo de qualidade.

    Se a biblioteca um organismo vivo, dinmico, seus profissionais tm de agir com dinamismo, driblando as dificuldades financeiras e entraves burocrticos das bibliotecas escolares, principalmente as da rede pblica. Aqui entram em jogo suas habilidades diplomticas e competncias argumentativas para montar um acervo rico e diversificado.

    O bibliotecrio o profissional que tem contato com os leitores, conhece seus gostos, interesses e necessidades. Est perfeitamente gabaritado para atuar como crtico na seleo do acervo. Se o bibliotecrio se comportar com o um leitor vido, no ficar temeroso em listar obras que a biblioteca dever adquirir. Trabalhar em parceria com os professores sim, delegar a tarefa de selecionar as obras exclusivamente aos professores jamais.

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    H que se destacar a importncia da literatura infanto-juvenil nas prateleiras das bibliotecas escolares para o fomento da leitura. Quando as universidades brasileiras descobriram que o jovem no sabia escrever porque no lia, houve uma preocupao em incentivar o ato da leitura no ensino bsico, e as editoras investiram na literatura infanto-juvenil, apostando em um retorno financeiro. Surgiram ento as obras de autores chamados Filhos de Lobato. Essa nova literatura perdeu o didatismo caracterstico dos textos direcionados criana. Assim, na dcada de setenta, a literatura infanto-juvenil, travestida de contos de fadas modernos, questionava o autoritarismo do governo militar e se configurava como uma forma de denunciar o governo, a opresso e a censura. Na dcada de oitenta o esttico ficou prejudicado, pois as escolas, aliadas das editoras, se preocupavam apenas em apresentar a literatura infanto-juvenil com o um meio de formao e de informao. Desde a dcada de noventa o livro infantil conseguiu mais espao no mercado editorial brasileiro, pois apresenta textos inovadores, questionadores, com uma nova proposta cultural e tcnicas narrativas contemporneas, que transformam a leitura em uma atividade prazerosa e crtica ao mesmo tempo, seduzindo a criana para o exerccio da reflexo.

    Fica a pergunta: est o bibliotecrio da biblioteca escolar ciente do que a boa literatura infantil? Os critrios que alguns tericos apontam na escolha da boa literatura infantil seriam: apostar na inteligncia da criana; verificar se o livro infantil arte ou se confunde com didatismo e moralismo; fugir do corriqueiro e do banal; provocar emoes; ser instigante; proporcionar prazer.

    Caldin (2001) listou alguns aliados do bibliotecrio na seleo de livros infantis: os concursos literrios nacionais e internacionais, as feiras nacionais e internacionais, os catlogos de autores, e a crtica literria de tericos da literatura infantil.

    Para a seleo de material das diversas reas do conhecimento, necessrias e suplementares formao do educando, o bibliotecrio pode contar os catlogos de editoras, os suplementos literrios dos jornais e das revistas e, sobretudo, com a internet.

    Com tantos subsdios sua disposio, como pode o bibliotecrio furtar-se ao seu papel de crtico no momento da seleo do acervo? Naturalmente no existir uma biblioteca escolar completa. Isso uma utopia, em um pas de esfomeados, desempregados, analfabetos, desesperanados, em um pas onde Educao no prioridade. Mas o bibliotecrio deve fazer o seu melhor. Isso o que a sociedade espera dele. Independentemente de salrio, condies de trabalho, tempo disponvel ou nimo. Foi para atender bem a sua comunidade de leitores que ele escolheu, dentre tantas, essa profisso.

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    3 CONSIDERAES

    Cabe lembrar que nesse pas a criana tem pouca chance de desenvolver um

    senso esttico e um senso crtico apurados. Ento, eis a a essncia do papel do bibliotecrio: fazer da biblioteca escolar um centro promotor da leitura.

    Mas, para isso, o bibliotecrio precisa gostar de ler. Se, at o momento, no despertou para as delcias de uma boa leitura, ento est na hora de comear! Basta desligar a televiso e pegar um bom livro. Se o bibliotecrio concordar com Borges (1987) que chamou o livro de o instrumento mais espetacular dos utilizados pelo homem, far uso desse instrumento com a finalidade de obter o aprimoramento intelectual e desenvolver a criticidade, transformando-se em um leitor seletivo que aprende a separar o joio do trigo nessa plantao imensa e descontrolada que o universo de informaes registradas.

    Para comear essa nova fase de sua vida de bibliotecrio-leitor, precisa desenvolver o prazer em escolher um livro, folhear, ler, absorver os pensamentos apresentados, refletir sobre eles, formar opinies. Precisa atentar para a necessidade da leitura crtica, no escravizada pelas ideologias opressivas. Ao recordar que quem l est apto para escrever, o bibliotecrio-leitor pode adquirir competncias para a escrita criativa, divulgando aos seus pares experincias enriquecedoras de leitura no exerccio da profisso por meio de artigos publicados em revistas da rea.

    Para que tal acontea, precisa esquecer, nesses momentos, a leitura tcnica realizada todos os dias para a catalogao, classificao, indexao. Deixar de lado a folha de rosto, a orelha do livro, o sumrio, o ndice. Precisa saber concentrar-se no texto. Passear pelas suas folhas, acompanhar as personagens em suas peripcias, os filsofos em seus argumentos, os cientistas em suas descobertas. E um novo mundo ir se descortinar: de poesia, lirismo, conhecimento, informao.

    Eis pequenas atitudes com grandes possibilidades de aprendizado intelectual, cultural, profissional e pessoal.

    REFERNCIAS

    BORGES, Jorge Luis. Cinco vises pessoais. Traduo de Maria R. da Silva. 2. ed. Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1987.

    CALDIN, Clarice Fortkamp. O bibliotecrio, a criana e a literatura infantil: algumas ponderaes. Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianpolis, v. 6, n, 1, p. 111-128, 2001.

    CALIXTO, Jos Antnio. A Biblioteca pblica versus Biblioteca Escolar: uma proposta de mudana. Cadernos BAD, v. 3, p. 57-676, 1994.

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    MUELLER, Maria Stela. Comunicao, informao, biblioteca; uma abordagem integradora um questionamento. Rev. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 7-23, mar. 1990.

    SOUZA, Clarice Muhlethaler de. Desenvolvimento e qualificao profissional: desafios profissionais do sculo XXI. CFB Informa, Braslia, v. 4, n.4, p. 9-10, fev. 1999. _________ REFLECTIONS CONCERNING SCHOOL LIBRARIAN PAPER Abstract: Emphasize the importance about the school library to the reading dissemination and promotion. It presents reflections concerning the activities of the school librarian. Salient that the selection for bibliographical colection is a librarian responsibility and ability. Encourage librarians to be an eager reader, to be a self-taught person by complementing its literary deficiencies with the purpose to get general culture. Keywords: Reading; School library - librarian; Bibliographical collection. _________ Clarice Fortkamp Caldin Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina Doutoranda em Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina Professora no Departamento de Cincia da Informao, no Centro de Cincias da Educao, na Universidade Federal de Santa Catarina - Florianpolis E-mail: [email protected]