Reflexões e perspectivas sobre trabalho e cidadania

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Reflexões e perspectivas sobre trabalho e cidadania * Introdução O presente estudo tem a sua motivação no confronto quotidiano ao qual o mundo atual é protagonista, um confronto que se realiza através das grandes e rápidas transformações, pondo em crise garantias arduamente conquistadas que até então eram tidas como certezas absolutas. Entre estas transformações, as econômicas e tecnológicas que vivenciamos atualmente têm enfraquecido as formas de organização e de proteção ligadas ao trabalho, influenciando na relação deste último com a cidadania. Para uma melhor compreensão da sociedade presente, faz-se uso da genealogia buscando no passado, elementos que permitam esclarecer a construção da realidade atual. No caso da cidadania, o principal elemento a caracterizá-la no mundo antigo era a liberdade. Esta vinha representada pelo fato do indivíduo não ter a necessidade de trabalhar. Nesta perspectiva, os trabalhadores eram excluídos da sociedade. Esta última, e por conseqüência também a cidadania, se contrapunham ao trabalho. Partindo do trabalho sob a forma de escravidão – e como elemento em contraposição a cidadania –, a humanidade conseguiu traçar um percurso que conduziu à liberdade através do trabalho. Chegou-se a um patamar no qual o trabalho passa a ser considerado como promotor de cidadania. Se na Antigüidade o trabalho significava a marginalização dos indivíduos da sociedade, hoje, contrariamente, significa inclusão. O trabalho passa, deste modo, a se transformar no centro irradiador de valores e de integração das sociedades modernas. Neste sentido, vem salientado que nos últimos milênios o trabalho (entendido como a atividade na qual o homem, através das sua ações, transforma a natureza) tem representado para a sociedade ocidental a sua ocupação fundamental, vindo a adquirir uma dimensão moderna e se transformar em um fator de produção com o advento da Revolução Industrial. Tendo esta última, conduzido à atual noção de trabalho, ou seja, a de emprego. O conceito de cidadania, por sua vez, herdou de sua origem grega a índole política, enquanto da latina, o aspecto jurídico. Ao realizar este percurso milenário, a * Prof. Dra. Aline dos Santos Laner. Universidade Federal de Santa Catarina - Brasil

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Reflexões e perspectivas sobre trabalho e cidadania*

Introdução

O presente estudo tem a sua motivação no confronto quotidiano ao qual o mundo

atual é protagonista, um confronto que se realiza através das grandes e rápidas

transformações, pondo em crise garantias arduamente conquistadas que até então eram

tidas como certezas absolutas. Entre estas transformações, as econômicas e tecnológicas

que vivenciamos atualmente têm enfraquecido as formas de organização e de proteção

ligadas ao trabalho, influenciando na relação deste último com a cidadania.

Para uma melhor compreensão da sociedade presente, faz-se uso da genealogia

buscando no passado, elementos que permitam esclarecer a construção da realidade atual.

No caso da cidadania, o principal elemento a caracterizá-la no mundo antigo era a

liberdade. Esta vinha representada pelo fato do indivíduo não ter a necessidade de

trabalhar. Nesta perspectiva, os trabalhadores eram excluídos da sociedade. Esta última, e

por conseqüência também a cidadania, se contrapunham ao trabalho. Partindo do trabalho

sob a forma de escravidão – e como elemento em contraposição a cidadania –, a

humanidade conseguiu traçar um percurso que conduziu à liberdade através do trabalho.

Chegou-se a um patamar no qual o trabalho passa a ser considerado como promotor de

cidadania. Se na Antigüidade o trabalho significava a marginalização dos indivíduos da

sociedade, hoje, contrariamente, significa inclusão. O trabalho passa, deste modo, a se

transformar no centro irradiador de valores e de integração das sociedades modernas.

Neste sentido, vem salientado que nos últimos milênios o trabalho (entendido

como a atividade na qual o homem, através das sua ações, transforma a natureza) tem

representado para a sociedade ocidental a sua ocupação fundamental, vindo a adquirir

uma dimensão moderna e se transformar em um fator de produção com o advento da

Revolução Industrial. Tendo esta última, conduzido à atual noção de trabalho, ou seja, a

de emprego.

O conceito de cidadania, por sua vez, herdou de sua origem grega a índole

política, enquanto da latina, o aspecto jurídico. Ao realizar este percurso milenário, a

* Prof. Dra. Aline dos Santos Laner. Universidade Federal de Santa Catarina - Brasil

cidadania conquistou uma maior importância ampliando as suas áreas de interesse. Nesta

perspectiva, a noção de cidadania passou a vincular-se a evolução do Estado,

distanciando-se, deste modo, da concepção clássica ou cívico-republicana da cidadania

como prática. Neste movimento, aproxima-se da idéia liberal ou liberal-individualista da

cidadania enquanto status.

Em tal contexto, o dilema que atualmente se manifesta na relação entre trabalho e

cidadania, é caracterizado: pelo emprego – fundador do status de cidadão, na sociedade

industrial – e, o status de cidadão – propiciador do direito ao emprego. A grande questão,

enquadrada pela crise da sociedade assalariada e que vem examinada, refere-se a

diminuição ou desaparecimento das características tradicionais do emprego (até então,

promotoras de cidadania). Neste âmbito, questiona-se sobre as possibilidades ou não, da

interconexão entre trabalho e cidadania e as novas possibilidades de recomposição social.

Considerações sobre a cidadania

Segundo Giovanna Zincone1, a cidadania possui em sua essência uma ligação com

os direitos e com a participação. E ainda, com a utilização destes direitos, englobando

desta forma os comportamentos. Comportamentos que englobam a distribuição de

recursos na sociedade civil e as diversas organizações políticas e que resultam da

aplicação dos direitos de cidadania. Mais precisamente, dos direitos de cidadania social,

civil e política. Desta forma, uma considerável presença de direitos de cidadania

potencializa o desenvolvimento da participação e vice-versa.

Ao conjunto de direitos civis, políticos e sociais Theodor H. Marshall2 refere

como cidadania. A distribuição deste conjunto de direitos, porém não é uniforme, já que

os regimes democráticos, tanto contemporâneas como antigos sempre produziram os seus

excluídos.

Deste modo, ser cidadão significa possuir direitos e deveres, ser súdito e

soberano. Tal situação é descrita na Declaração dos Direitos Humanos das Nações

1 ZINCONE, G. Da sudditti a cittadini. Bologna: Il Mulino, 1992, p. 10. 2 MARSHALL, T. H. Cittadinanza e classe sociale. Torino: UTET, 1976.

Unidas em 1948. Documento este, inspirado na Constituição dos Estados Unidos, de

1776 e na Revolução Francesa de 1798. O âmago da proposta dos direitos de cidadania

reside na igualdade entre os homens perante a lei, sem discriminação de raça, sexo,

religião ou concepção política. Concerne ainda, o direito sobre o próprio corpo e sobre a

própria vida, o direito a educação, a saúde, a habitação, ao laser, a livre expressão de

pensamento e de participação política.

Em contrapartida, o cidadão também possui deveres, tais como: assegurar a

difusão dos direitos a todos, responsabilidade perante a comunidade, seguir as normas

propostas e decididas coletivamente, participar governo, de modo direto ou indireto.

Apesar da cidadania estar sempre ligada aos direitos do homem, esta é muito

posterior ao conceito de cidadão. Tal fato conduz a idéia de cidadania enquanto status, ao

qual se baseiam os próprios critérios de cidadania, por exemplo: a cidadania romana

representava um status concordado em função de determinados interesses políticos.

O poder político, a seu turno, encontra-se de acordo com uma ou outra dada

situação, com uma parte dos direitos para uma determinada parte da população. Desta

forma, a cidadania plena e total se opõe a uma cidadania incompleta. Este aspecto

encontra-se no cerne da interpretação da Declaração francesa dos direitos do homem e do

cidadão, de 1789. Esta Declaração se fundamenta no direito natural, que constitui a base

do pensamento de soberania e das relações entre o homem e o cidadão. Neste âmbito,

graças à soberania da lei, o homem surge no espaço político como cidadão.

Considerar a cidadania um status não significa considerá-la como um fenômeno

arbitrário. Quando os direitos dos cidadãos não acompanham os do homem, estes direitos

são suscetíveis de reinvidicações políticas por parte da população que se encontra

impedida de usufruí-los. Seguindo este raciocínio, a cidadania não é mais uma utopia e

sim, uma relação de forças individuais ou coletivas no interior da coletividade, ou seja,

entre indivíduo e Estado. Neste sentido, a cidadania é medida através da eficiência do

controle que os indivíduos e as coletividades conseguem exercer sobre o Estado, que em

contrapartida exige obediência, vinculadora e promotora de segurança.

Na opinião de Émile Benvénise3, o verdadeiro significado de civis não é cidadão,

como usado tradicionalmente, mas sim, concidadão. Deste modo, a civitas traz em si uma 3 BENVÉNISTE É. Le vocabulaire des instituions indo-européenne. Paris: Minuit, 1969, p. 335-337.

noção de coletividade. A cidadania, porém, está longe de fornecer somente o surgimento

de uma identidade de reconhecimento, trazendo consigo também relação de exclusão,

tanto no interior como no exterior de um universo político.

Ser cidadão significa adquirir um status jurídico de igualdade perante seus

concidadãos, gozar de determinados direitos e deveres em comum. A partir da afirmação

de igualdade entre os homens, os direitos dos cidadãos devem, nesta perspectiva garantir

a manutenção desta igualdade no âmago da comunidade política.

A Revolução Francesa baseou-se na idéia de que somente os direitos do cidadão

podem realizar os direitos do homem, apesar desta realização se separar com o passar do

tempo. Os direitos do cidadão serão definidos primeiro, em função da finalidade

concedida a este status, que significa proteger a liberdade do indivíduo ou garantir a

realização de um bem comum.

Já a Constituição dos Estados Unidos baseia-se na convicção de que o

funcionamento natural da sociedade tende a realizar espontaneamente os direitos do

homem, mesmo que este se abandone a si mesmo e o Estado limite o máximo possível os

as suas intervenções. Nesta perspectiva, somente os direitos de liberdade são legitimados.

A desobediência civil será então desobediência cívica, no sentido em que os cidadãos não

criticam somente a autoridade recriam a própria cidadania através de uma demonstração

pública de desobediência ao Estado.

Ao tratar-se de cidadania é indispensável sublinhar o seu caráter de construção

histórica e de desenvolvimento da civilização humana, enquanto desejo de liberdade e de

igualdade. Neste sentido, é possível afirmar que esta se constitui de inúmeras

significações e condicionamentos, fato que sugere não existir uma única essência ao

conceito de cidadania. O que pode ser observado como pertinente à idéia de cidadania é a

participação, no sentido da ação que constrói o seu próprio destino.

A ascensão do trabalho no conceito de cidadania

Para a compreensão da transformação social, que conduziu a passagem de

praticamente um extremo ao outro, entre trabalho e cidadania. Relação que passou da

total desvinculação na Grécia antiga para a mútua dependência da sociedade

industrializada, faz-se necessário retomar o contexto que promoveu o desenvolvimento

da cidadania na sociedade capitalista.

É importante frisar que o mundo burguês foi gerado a partir das idéias de

intelectuais cujo comportamento era incompatível com as idéias consagradas no mundo

feudal. Ao qual se contrapunha o estado natural, no qual os homens nascem livres e com

direitos. Neste sentido, pode-se afirmar que até o século XVIII a cidadania era

prerrogativa de um pequeno grupo de pessoas e que possuía características aristocráticas,

excluindo as classes populares de seus direitos.

A doutrina do Estado absolutista sustentou-se enquanto o Estado representou uma

tentativa da burguesia em tomar parte do poder político que a nobreza detinha,

deslegitimando a teoria de origem divina do poder. Com o fortalecimento da burguesia o

monarca e seu poder absoluto não conseguiram sustentar-se mais. A burguesia procurava

consolidar o poder, dominar as outras classes e construir um novo Estado com uma nova

classe hegemônica.

Nesta trajetória, ganha importância o pensamento de John Locke4, segundo o qual,

existem direitos que pertencem ao homem no seu estado natural. É o caso da propriedade

privada; no raciocínio de Locke, o capital seria a extensão natural da livre disposição que

homem possui sobre o seu corpo e seu trabalho.

No “Segundo tratado sobre o governo” Locke discorre sobre a conservação da

propriedade, do vínculo entre a propriedade do próprio corpo e a cidadania. Segundo o

filósofo inglês é cidadão somente aquele que é proprietário do próprio corpo. O sentido

desta propriedade não é especificamente o corpo humano, mas o produto realizado pelo

corpo através do seu trabalho de apropriação da natureza5. Locke argumenta que esta

apropriação não necessita do consenso expresso de todos os homens. Deste modo, as

coisas que me pertencem não são somente aquelas que eu mesmo colho da natureza, mas

também aquelas extraídas pelo meu cavalo ou pelo meu servidor. Desta forma, delimita-

4 A doutrina do filósofo inglês John Locke, nascido em 1632 e falecido em 1704, é considerada o alicerse do Estado Constitucional Inglês. E também fonte de inspiração para a teoria da separação dos poderes, de Charles di Montesquieu e ainda da Declaração de Independência americana e da Declaração dos Direitos francesa. In: BONAMIGO, R.I.H. Cidadania: considerações e possibilidades. Porto Alegre: Dacasa, 2000, p. 12-14. 5 MANZINE COVRE, M.L. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 25.

se que os cidadãos são aqueles que possuem a propriedade sobre seus corpos, enquanto

os não cidadãos são os que possuem os seus corpos comandados por outros. Desta forma

o processo de construção da cidadania para Locke, é caracterizado como um processo de

exploração entre os homens6.

Ao prever o processo de construção da cidadania com estas características, Locke

contradiz uma de suas declarações iniciais, em que afirma que todos os homens possuem

a propriedade sobre seu próprio corpo. O autor, completa então a sua reflexão com a

seguinte afirmação: o direito a propriedade sobre o próprio corpo pertence aos homens

mais diligentes e racionais, enquanto não pertencem aqueles homens preguiçosos e

incapazes. Com este discurso, Locke vincula a cidadania ao trabalho, abrindo espaço para

o desenvolvimento de ideologias úteis a burguesia. Tais como a de que o trabalho

dignifica o homem e, de que existem diferentes tipos de pobres: os trabalhadores e os

vagabundos, sendo os primeiros mais merecedores do que os últimos.

Segundo a teoria do filósofo inglês o indivíduo é proprietário daquilo que

consegue ter através do suor de seu rosto, com a força de seu trabalho. A riqueza que o

indivíduo possui é vista como conseqüência do seu trabalho e não como resultado da

exploração da propriedade dos outros. É possível constatar que o individualismo e o

elitismo são elementos muito presentes na obra de Locke. Tal constatação se materializa

na análise da tutela da igualdade, concebida pelo filósofo como de natureza abstrata,

genérica e puramente formal, as quais somente uma minoria, ou seja, os proprietários

possuiriam a plena cidadania. Podemos nascer todos iguais, como Locke defendia7,

porém não em igualdade de condições, o que modifica decisivamente as possibilidades de

realizações futuras, como o acesso à propriedade e a plena cidadania.

Com o Iluminismo, movimento intelectual que promoveu mudanças radicais na

sociedade ocidental, entre estas, resgatou o conceito de cidadania clássica. Os vários

pensadores que escreveram sobre cidadania nesta época assumiram muitas vezes posições

contrastantes. É o caso de Jean-Jacques Rousseau e Emmanuel Joseph Sieyès ao

analisarem os requisitos que deveriam possuir os candidatos a participação na

comunidade política. Foram as posturas destes autores que marcaram as discussões sobre

6 Idem, p. 26. 7 Desconsidera a concepção de idéias inatas ao defender que o homem nasce uma tabula rasa.

a cidadania, enquanto instituição ambientada na nova ordem estabelecida.

Pode-se verificar em todas as obras do pensamento iluminista, o preponderante

desejo de retorno às idéias de cidadania grega, baseada na participação política, produto

da virtude cívica, qualidade do homem livre que possui capacidade e vontade de

participar nas questões públicas. A virtude cívica se define em oposição ao egoísmo de

quem prefere e, impõe a própria vontade particular ao invés dos interesses comuns, a todo

o corpo social. A virtude cívica foi vista pelos Iluministas come um instrumento

essencial á construção da comunidade política; principalmente por Rousseau que

adicionou à virtude cívica a concepção horizontal da cidadania grega, já resgatada por

Grotius e Pufendorf8.

Apesar da igualdade entre os cidadãos ser considerada um fator essencial na nova

ordem, o abade Sieyès9 delineou a sua doutrina excluindo do corpo social grande parte da

população. O abade, fortemente influenciado pela teoria aristotélica, afirmava que

somente os portadores de características representativas da virtude cívica poderiam aderir

à cidadania. Ao propor uma igualdade interna, realizável somente entre os indivíduos que

fossem reconhecidos como membros do círculo dos cidadãos, deixou de considerar

completamente as massas que derrubaram a Bastilha. Desta forma, Sieyès excluiu e

marginalizou as mulheres, os servos, os pobres e os mendigos, nivelando todos a um

conjunto de ignorantes e sem vontade própria10.

O abade via no burguês o modelo de cidadão grego. Deste modo, procurou

consolidar a concepção de classe aristotélica e impedir a participação ativa das classes

inferiores no corpo social. Sieyès defendeu a existência de “dois povos”11 sob um mesmo

território, o primeiro formado por verdadeiros cidadãos, ou melhor, pela burguesia. E o

segundo, composto pelo restante da população. A primeira categoria de indivíduos foi

considerada pelo abade como aquela de “cidadãos ativos”, detentores do direito de ter um 8 DAL RI JÚNIOR, A. História do direito internacional. Comércio e moeda. Cidadania e nacionalidade.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 242. 9 Nascido em Fréjus, em 3 de maio de 1748, o eclesiástico Sieyès foi também um importante político e

escritor francês. Representante dos interesses da Igreja e da aristocracia, faleceu em 20 de junho de 1836, em Paris.

10 DAL RI JÚNIOR, A. Op. cit., p. 244. 11 Não foi somente o abade Sieyès a teorizar sobre a excusão de várias classes sociais no cículo dos

“virtuosos”, também Voltaire e Diderot em alguns trechos de seus escritos o fazem. Diderot particularmente, até mesmo sustenta em sua Enciclopédia a ignorância das grandes massas. In: Idem, p. 245.

papel ativo na formação dos poderes públicos. Já a segunda categoria, aquela dos

“cidadãos passivos”, possuíam o direito a proteção da própria pessoa, da propriedade e da

liberdade.

Esta dinâmica de inclusão e exclusão, não encontrava ressonância nos escritos de

Rousseau12. O filósofo suíço, defendia uma ampla igualdade entre os homens que

aderiam ao pacto13 não contemplando nenhuma divisão funcional no corpo social.

Rousseau14 dava grande importância ao caráter abstrato da cidadania pensando-a de

maneira inclusiva15, extensiva a todos aqueles que faziam parte do “povo”16.

A grande diferença entre Rousseau e Sieyès se constitui no fato do primeiro,

conceber a igualdade como algo natural, inerente ao ser humano. Desta maneira, seria

através da igualdade que o indivíduo teria acesso à cidadania. Já o abade, predicava uma

“desigualdade funcional” em relação ao acesso à cidadania. Deste modo, diminuiu o

valor da cidadania, restringindo-a à burguesia17.

12 A obra “O Contrato Social” é a exata síntese do contrato entre os homens no qual “Encontra uma forma

de associação que defende e protege através de uma força comum, as pessoas e os bens de cada associado e para a qual, o homem se unem porém todavia obedecendo somente a si mesmo e continuando livre como antes”. Deste modo, o conjunto de cidadãos em via de constituição é uma das partes contrastantes como se estivessem já constituídas, é ao mesmo tempo a condição e o resultado do contrato. Rousseau revendica a consciência da dignidade do homem, sendo a defesa desta consciência que conectaria o eu individual ao eu social. O Contrato Social, para ser legítimo, deve originar-se de um consenso unânime, contrariamente, o indivíduo renuncia a liberdade natural conquistando uma liberdade convencional, que protegendo todos protege cada um. Através do pacto o homem abdica de sua liberdade em favor da comunidade, sendo ele mesmo parte do social. Neste sentido, quando o homem cumpre a lei obedesse a si mesmo, tornando-se livre desta maneira. Para Rousseau, o contrato não causa ao povo a perda da soberania porque não existe um Estado criado separado do povo. Desta forma, o soberano representa para Rousseau a coletividade, que atarvés da lei expressa a vontade geral na qual o povo é o único soberano legítimo. In: BONAMIGO, R.I.H. Op. Cit., p. 14-15.

13 Neste contexto, é importante observar que Rousseau excluia as mulheres do acesso a cidadania. 14 Jean-Jacques Rousseau, filósofo suiço que viveu entre 1712 e 1778. Recuperou o ideal de cidadão grego,

no qual o conceito de “virtude cívica” foi transformado em “virtude política”. Neste sentido, Rousseau defende uma cidadania “militante”. In: DAL RI JÚNIOR, A. Op. cit., p. 242-243.

15 Na sua obra, Rousseau se preocupa também em garantir a conservação sem a perda da liberdade. Constrói o seu conceito de cidadania em base a relações mais justas entre os homens. No livro “O Contrato Social”, declara procurar o regime político legítimo. Argumentando que nenhum homem possui a autoridade natural sobre o seu semelhante e que a força não produz nenhum direito.

16 Idem. cit., p. 246. 17 Como demonstra Grosso, Rousseau amplia a concepção do burguês apresentando-o como o pequeno proprietário, que sem a ajuda dos outros desenvolve o seu trabalho com as próprias mãos, em total autonomia e independência. Desta concepção, pode-se deduzir que qualquer indivíduo poderia ser um burguês, a condição de ser homem e capaz de se auto-sustentar. In: GROSSO, E. Le vie della cittadinanza.

Le grandi radici. I modelli storici di riferimento. Padova: CEDAM, 1997, p. 195.

Sublinha-se que Sieyès foi um dos pensadores mais influentes na elaboração da

Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Deste modo, torna-se claro que a

Revolução Francesa, impulsionada pelos interesses burgueses, não mudaram

substancialmente a condição do cidadão-trabalhador. Apesar de cidadão da revolução, o

trabalhador continuava não proprietário, fazendo com que sua subsistência dependesse da

venda de sua força de trabalho.

Apogeu e crise da cidadania centrada no trabalho

Robert Castel18, elucida muito bem todo o processo de íntima união e posterior

crise, entre trabalho e cidadania. O sociólogo francês, considera a categoria trabalho

como indo além das relações técnicas de produção e, enquanto fazendo parte de uma

gama de relações sociais, culturais e identitárias de indivíduos e grupos coletivos.

A questão social, a vista por Castel do prisma histórico, fazendo uma ponte com o

presente, é analisada a partir do enfraquecimento da condição salarial. Desta forma, a

regulamentação das relações de trabalho é tida como elemento-chave, para a

compreensão da questão social na sociedade industrial.

Neste sentido, o trabalho representa muito mais do que uma ocupação e, o não

trabalho mais que o desemprego. Por abarcarem o leque de relações descritas

anteriormente, a exclusão não representa apenas a ausência de uma relação social, mas

sim, de um conjunto de relações sociais particulares da sociedade em sua totalidade19.

A este ponto, também é enriquecedora a contribuição de Castel sobre o conceito

de “propriedade social”20, esta seria um modelo análogo ao de propriedade privada. A

analogia acontece pela transmissão de segurança e garantias sociais que, os indivíduos

conquistaram ao longo da sociedade industrial. Trata-se de algo que não se encontra a

venda no mercado, e depende de um sistema de direitos e obrigações. Nestes termos,

relaciona-se diretamente com a cidadania social, um exemplo de propriedade social,

citado por Castel, é a aposentadoria. A aposentadoria não está a venda e representa

18 CASTEL, R. As metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. 19 Idem., p.568-569. 20 Idem, p. 345-413.

segurança e alguma garantia ao trabalhador, que desta forma, terá como sobreviver

quando não trabalhar mais.

Sobre a relevância da propriedade social na emancipação dos trabalhadores,

Henrique Caetano Nardi21, comenta que foi o nascimento desta nova modalidade a

permitir a superação da propriedade privada. Fato que finalmente, possibilitou ao

indivíduo a apropriação de si mesmo, de sua dignidade enquanto trabalhador e cidadão.

Castel considera que, a sociedade salarial representou o sistema social no qual a

distribuição da propriedade social esteve muito próxima de se universalizar. Neste

sentido, o autor denomina as três décadas subseqüentes a 2º guerra mundial, de: “trinta

gloriosos”, representados pelos anos de grande estabilidade e crescimento entre 1945-

1975. Este período possibilitou também o surgimento de vários movimentos

contestatórios: movimento de diversas minorias, de contra-cultura e etc.

Neste contexto, durante o início dos anos 70 (especialmente nos países

industrialmente desenvolvidos) a tutela do trabalho significou o "compromisso social"

sustentado pelas políticas do Estado do Bem-Estar. Este período representou o auge da

cidadania industrial, que nasce e vem exercida através do trabalho, inserida na sociedade

salarial.

Cabe ressaltar que, a sociedade salarial pode consolidar-se na Europa do pos-

guerra através da construção do Estado Social, e do trabalho estável, que permitiu a

filiação dos indivíduos a essa sociedade e ao conjunto de proteções que lhe são

característicos.

Acabamos de descrever o panorama de apogeu da cidadania enraizada no

trabalho, já o contexto atual, diferencia-se radicalmente, vivi-se a crise da cidadania

centrada no trabalho. Tendo-se iniciado um processo de decomposição das garantias que

foram obtidas nos anos áureos do pós-guerra, faz-se necessário uma análise das

conseqüências que tal fenômeno pode ter sobre a relação entre cidadania e trabalho.

Desta forma, a desestruturação da sociedade salariada e o movimento de

transformação do Estado Social em Estando Mínimo, tem configurado um quadro de

crise na relação entre trabalho e cidadania. Vale lembrar que apesar de não ser mais uma

21 NARDI, H.C. a propriedade social como suporte da existência: a crise do individualismo moderno e os modos de subjetivação contemporâneos. Psicologia & Sociedade; 15 (1): 37-56; jan./jun. 2003.

realidade viável para a maioria das pessoas, é ainda através do emprego estável que se

obtém a cidadania plena.

A grande questão que vem examinada neste contexto, refere-se a diminuição ou

desaparecimento das características tradicionais do emprego, até então, propiciadoras de

cidadania. Deste modo, a flexibilização do trabalho o torna precário, reduzindo-o a uma

mera forma de subsistência, e como visto nos primórdios de sua história, sem enriquecer

de sentido e dignidade o trabalhador, em resumo, sem conceder uma cidadania plena.

Conseqüentemente a precarização do trabalho, as pessoas excluídas do acesso à

plena cidadania integram uma situação de mal estar e sofrimento psicológico, que se

configura não só a nível individual mas também, social. Nesta situação, encontram-se: a

desfiliação da sociedade salarial por parte do indivíduo; as famílias mais vulneráveis, que

vêem seu status social ameaçado; os jovens super qualificados ocupando postos de

trabalho pouco qualificados. Esta realidade social acaba repercutindo numa série de

outros problemas como: o aumento da violência, da delinqüência, da xenofobia, da

toxicodependência, da depressão, entre outros.

Os problemas apenas descritos tem sido alvo de algumas ações paleativas da parte

do Estado e também da sociedade civil. Da parte do estado, Castel22 faz uma

diferenciação entre as políticas de integração23: seriam aquelas que procuram grandes

equilíbrios, pela homogeneização da sociedade a partir do centro e buscam a promoção a

todos do acesso aos serviços públicos. Enquanto às políticas de inserção: seriam

formadas por uma gama de empreendimentos que visam o reequilíbrio, no intuito de

diminuir a distância em relação a uma completa integração – ajuda social.

O autor é cauteloso em relação a estas políticas e alerta para alguns pontos de

reflexão, cujo o principal, nos parece ser o fato de que; todas as pessoas atendidas por

esses programas de ajuda não conseguem acompanhar o ritmo da sociedade salarial,

permanecendo na legião de “inadaptados sociais”, conseqüentemente, sem cidadania.

Outro ponto que merece destaque, é o caráter de permanência24 que adquirem

certas políticas, que inicialmente deflagradas em caráter provisório, passam a configurar

um forma precária de existência, que também não concede cidadania.

22 CASTEL, R. Op. Cit., p.538. 23 Idem, ibidem. 24 Idem, p.542-543.

Enquanto Castel nos fornece uma detalhada radiografia do processo de desfiliação

social, que passamos hoje. Luis Enrique Alonso, percebe na crise da sociedade salariada,

como toda crise, uma grande possibilidade de questionamento e mudanças, inclusive, a

re-elaboração do vínculo entre cidadania e trabalho25; através do aumento da participação

democrática e da mobilização das identidades sociais.

Nesta visão, Alonso, defende que o emprego estável é apenas uma das

possibilidades de trabalho26, que hoje, é a mais escassa. E que os novos movimentos

sociais representariam uma possibilidade de construção de uma nova cidadania27.

O sociólogo espanhol, valoriza sobremaneira formas alternativas de trabalho,

como as vagas abertas no Terceiro Setor. Por vislumbrar nas ONGs, uma grande

possibilidade de valorização da ação humana e desenvolvimento da solidariedade social,

representando a possibilidade de se ultrapassar a lógica mercantil. Porém, também

alerta28 que, para que tais formas alternativas de trabalho sejam válidas, estas devem

necessariamente, passar por um princípio universalista. Ou seja, as novas formas de

trabalho devem passar por um processo de legitimação, através da institucionalização,

reconhecimento e consideração; ultrapassando desta maneira, ações particulares de

grupos isolados.

Em relação a contribuição dos movimentos sociais, recorda-se que nos anos 60 e

início dos 70, estes buscavam a paridade de direitos. E que passaram, a partir dos anos

90, a representar mais um nicho de mercado29, como por exemplo, o mercado

ecologicamente correto ou o mercado gay. Deste modo, para que os movimentos sociais

possam contribuir na construção de uma nova cidadania; urge a necessidade de repensá-

los, valorizando seu caráter inicialmente revolucionário e questionador.

Neste sentido, é oportuno recordar ainda que, a cidadania não é somente a relação

vertical entre os membros de um Estado e o poder soberano, é também uma relação

horizontal entre iguais. Não é por acaso que na história das línguas o termo civilização

tenha através dos séculos, oscilado o seu sentido entre o âmbito político e no âmbito das 25 ALONSO, L.E. Trabajo y cidadania.Estudios sobre la crisis de la sociedad salarial. Madrid: Trotta, 1999, p. 209. 26 Idem, p. 211. 27 Idem, p. 87-88, 210. 28 ALONSO, L.E. Trabajo y posmodernidad: el empleo débil. Madrid, Fundamentos, 2000, p. 148. 29 NARDI, H.C. a propriedade social como suporte da existência: a crise do individualismo moderno e os modos de subjetivação contemporâneos. Psicologia & Sociedade; 15 (1): 37-56; jan./jun. 2003.

relações humanas. Significando, no universo político as forma em que o governo se

organiza, e no universo das relações humanas uma certa afabilidade ou doçura.

Conclusão

Como observado durante este ensaio, a noção de cidadania, ao realizar seu

percurso milenário, adquiriu diferentes formas e conquistou uma maior importância,

ampliando e re-significando os elementos que a compunham. Desta forma, culminou na

modernidade, uma noção de cidadania orientada pela razão iluminista sob a forma das

“Carta de Direitos” e, posteriormente pela razão técnica, concretizada pelas políticas do

“Estado do Bem-Estar”30. A noção de cidadania passou, deste modo, a se vincular a

evolução do Estado, se distanciando da concepção clássica ou cívico-republicana da

cidadania como prática. Neste movimento, se aproximou da idéia liberal ou liberal-

individualista da cidadania ancorada ao status.

Torna-se pertinente, retomar, mais uma vez, o legado grego cuja virtude cívica

representava a supremacia dos interesses coletivos em detrimento dos individuais. Nesta

situação, em que a cidadania de concepção liberal procura equilibrar a tensão entre

interesses individuais e coletivos31; teria o princípio lançado pela Revolução Francesa se

desviado? Teríamos passado, da liberdade política, igualdade econômica e fraternidade

social para a liberdade econômica, igualdade política, perdendo, deste modo, a

preocupação com a fraternidade social?

A humanidade vive atualmente sob a égide de uma ideologia que prega um

individualismo exacerbado32, de maneira que, a ajuda desinteressada deixou de existir

para ser geradora de lucro, a reciprocidade passou a ser vista como crédito ou débito de

30 MANZINI-COVRE, M.L. Cidadania, cultura e sujeitos. In: SPINK, Mary Jane Paris. A Cidadania em

Construção. Uma reflexão transdisciplinar. São Paulo: Cortez, 1994, p. 141. 31 SEIXAS VILANI, Maria Cristina. Origens medievais da democracia moderna. Belo Horizonte: Inédita, 1999, p. 20. 32 O que Robert Castel chama de: individualismo negativo. CASTEL, R. Op. Ci., p. 596. E Henrique Caetano Nardi, de: hiperindividualismo. NARDI, H.C.Op. Cit.

favores e na busca frenética pela rápida acumulação, se desconsiderou a fraternidade33.

Diante desta realidade, os valores de solidariedade e fraternidade poderiam ser

incentivados por novas formas de organização da sociedade civil, como os novos

movimentos sociais e o Terceiro Setor.

O desenvolvimento das novas formas de recomposição social, acima

mencionadas, poderia facilitar a construção de um novo discurso de cidadania, capaz de

delimitar as diferenças entre uma cidadania passiva, concedida pelo Estado, e uma

cidadania ativa, que estabelece o cidadão como sujeito portador de direitos e deveres, e,

principalmente, que participa da arena pública criando novos direitos capazes de ampliar

os espaços de participação.

A cidadania ativa, desta forma, seria reforçada por novas entidades sociais,

entendidas enquanto uma construção, que abarca o comprometimento ético em respeito

da coletividade, mas sem oprimir a singularidade dos cidadãos; reconhecendo e

facilitando a conexão de outras identidades, comunidades, territórios e circunstâncias.

No que concerne o impasse e a insegurança em relação aos destinos da relação

entre cidadania e trabalho, verifica-se a certeza de que são as práticas sociais, presentes e

futuras que iram elaborar um novo discurso e conseqüentemente uma nova prática para a

conexão trabalho-cidadania.

Ao findar este ensaio, outra certeza que se reforça é, a necessidade da continuação

dos estudos em relação as novas práticas e estratégias de gestão que acompanham às

transformações sociais, e também, sobre as propostas de trabalho de empenho civil, de

Favor Credits e de crédito de cidadania34.

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