Reflexões e Práticas de Comunicação e Cidadania em...

18
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 Reflexões e Práticas de Comunicação e Cidadania em Assentamentos Rurais de Corumbiara, Rondônia 1 Evelyn Iris Leite MORALES CONDE 2 Universidade Federal de Rondônia, RO Resumo O intuito desta comunicação é compartilhar as experiências da ação desenvolvida em assentamentos rurais localizados na propriedade nacionalmente conhecida pelo Massacre de Corumbiara, sito antiga Fazenda Santa Elina, a 729 quilômetros da capital Porto Velho. Apresentam-se resultados das visitas in loco realizadas em 2016 para observação participante, aplicação de questionários, rodas de conversas e oficina de produção radiofônica sobre o tema comunicação e cidadania. O público-alvo são jovens, sobretudo meninas e mulheres, de 15 a 29 anos, do Projeto de Assentamento Maranatá, sendo este um dos seis assentamentos estudados na pesquisa macro intitulada Gênero, Comunicação e Juventude Rural no Território da Cidadania Cone Sul de Rondônia: empoderamento para/com as mulheres jovens assentadas da zona rural de Corumbiara. Notou-se a divisão tradicional de trabalhos entre os gêneros, pouca ou nenhuma noção acerca de direitos humanos e cidadania, e entusiasmo nas ações de comunicação propostas ao grupo em tela. Palavras-chave: juventude rural; cidadania; rádio; Corumbiara. Introdução A proposta de comunicação oral Reflexões e Práticas de Comunicação e Cidadania em Assentamentos Rurais de Corumbiara, Rondônia é parte de um de cinco eixos de ação do projeto de pesquisa Gênero, Comunicação e Juventude Rural no Território da Cidadania Cone Sul de Rondônia: empoderamento para/com as mulheres jovens assentadas da zona rural de Corumbiara 3 . Trata-se de um trabalho de intervenção, por meio de pesquisa participante, na subárea Comunicação para a Cidadania com recorte nas questões de gênero junto à população feminina jovem (de 15 a 29 anos) de seis Projetos de Assentamento (PA’s), Maranatá, Zé Bentão e Renato Natan (criados em 2012) e Maranatá 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação para Cidadania do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Docente-pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia, UNIR, RO, email: [email protected] 3 Projeto coordenado pela Dra. Lilian Reichert Coelho, docente-pesquisadora da Universidade Federal do Sul da Bahia, campus Paulo Freire, Teixeira de Freitas-BA, financiado pelo edital MCTI/MDA-INCRA/CNPq N° 19/2014, com execução no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2016.

Transcript of Reflexões e Práticas de Comunicação e Cidadania em...

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

1

Reflexões e Práticas de Comunicação e Cidadania em Assentamentos Rurais de

Corumbiara, Rondônia1

Evelyn Iris Leite MORALES CONDE2

Universidade Federal de Rondônia, RO

Resumo

O intuito desta comunicação é compartilhar as experiências da ação desenvolvida em

assentamentos rurais localizados na propriedade nacionalmente conhecida pelo Massacre de

Corumbiara, sito antiga Fazenda Santa Elina, a 729 quilômetros da capital Porto Velho.

Apresentam-se resultados das visitas in loco realizadas em 2016 para observação

participante, aplicação de questionários, rodas de conversas e oficina de produção

radiofônica sobre o tema comunicação e cidadania. O público-alvo são jovens, sobretudo

meninas e mulheres, de 15 a 29 anos, do Projeto de Assentamento Maranatá, sendo este um

dos seis assentamentos estudados na pesquisa macro intitulada Gênero, Comunicação e

Juventude Rural no Território da Cidadania Cone Sul de Rondônia: empoderamento

para/com as mulheres jovens assentadas da zona rural de Corumbiara. Notou-se a divisão

tradicional de trabalhos entre os gêneros, pouca ou nenhuma noção acerca de direitos

humanos e cidadania, e entusiasmo nas ações de comunicação propostas ao grupo em tela.

Palavras-chave: juventude rural; cidadania; rádio; Corumbiara.

Introdução

A proposta de comunicação oral Reflexões e Práticas de Comunicação e Cidadania

em Assentamentos Rurais de Corumbiara, Rondônia é parte de um de cinco eixos de ação

do projeto de pesquisa Gênero, Comunicação e Juventude Rural no Território da

Cidadania Cone Sul de Rondônia: empoderamento para/com as mulheres jovens

assentadas da zona rural de Corumbiara3. Trata-se de um trabalho de intervenção, por

meio de pesquisa participante, na subárea Comunicação para a Cidadania com recorte nas

questões de gênero junto à população feminina jovem (de 15 a 29 anos) de seis Projetos de

Assentamento (PA’s), Maranatá, Zé Bentão e Renato Natan (criados em 2012) e Maranatá

1 Trabalho apresentado no GP Comunicação para Cidadania do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação,

evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Docente-pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia, UNIR, RO, email: [email protected]

3 Projeto coordenado pela Dra. Lilian Reichert Coelho, docente-pesquisadora da Universidade Federal do Sul da Bahia,

campus Paulo Freire, Teixeira de Freitas-BA, financiado pelo edital MCTI/MDA-INCRA/CNPq N° 19/2014, com

execução no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2016.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

2

II, Alzira Augusto Monteiro e Alberico Carvalho (criados em 2013), todos localizados na

zona rural do município de Corumbiara-RO, a 729 quilômetros da capital de Rondônia,

Porto Velho, no imóvel da antiga Fazenda Santa Elina, onde ocorreu o conflito agrário

conhecido como Massacre de Corumbiara, em 9 de agosto de 1995. Conforme dados

disponibilizados pelo Incra (2013) e pela CPT-Rondônia (30/10/2013), foram assentadas

693 famílias no total, considerando os seis assentamentos.

A execução orienta-se pelo desenvolvimento de pesquisa e atividades de extensão

nos seguintes eixos temáticos: interface entre educação e comunicação populares com

enfoque na cidadania de gênero; gênero, poder e violência contra a mulher; ensino e leitura

no contexto rural local; agroecologia e desenvolvimento agrícola sustentável. O objetivo

geral é elaborar, aplicar e avaliar, a partir de pesquisa participante na subárea da

Comunicação para a Cidadania, um Plano de Ação de Comunicação e Educação para a

Cidadania com enfoque em Gênero em parceria com as mulheres rurais jovens das

localidades abrangidas pelo Programa Federal Territórios da Cidadania, notadamente do TC

do Cone Sul, Estado de Rondônia.

No decorrer do projeto, o material obtido junto aos sujeitos da pesquisa tem como

suporte de análise o viés teórico-metodológico da Análise Crítica do Discurso. Entre as

técnicas de coleta de dados empregadas estão: entrevistas, grupos focais, observação

participante e não participante.

Em exato um ano e seis meses de projeto, até então, mais de dez visitas foram

realizadas nos assentamentos com a execução de entrevistas, palestras alusivas aos temas

dos eixos de estudo do projeto, e oficinas de cidadania e comunicação, tendo esta última

ação a participação de jovens com a produção de spots radiofônicos com conteúdos

relacionados aos direitos humanos e acesso à educação, saúde e cultura.

Salienta-se a salutar a partilha das informações acerca das atividades do projeto, pela

dificuldade acesso ao local, sua história e geografia crítica que abarcam um episódio

lamentável de disputa de território que, pelo simbolismo do lugar e pelas relações

etnoterritoriais (cf. ALMEIDA, 2008, p. 332) ali construídas, apresentam marcas profundas

na memória de seus habitantes, pelos assassinatos ocorridos por ocasião do Massacre de

Corumbiara, conflito entre policiais e camponeses sem-terra ocupantes de uma área no

local, resultando na morte de 12 pessoas, entre elas uma criança de nove anos e dois

policiais e, posterior ao incidente, outras 23 mortes em decorrências dos ferimentos no

evento (DIREITOS HUMANOS, 2015).

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

3

Trata-se em especial da juventude, pelo sentimento de injustiça que as famílias

carregam e repassam aos seus herdeiros nos anos de sobrevivência ao episódio, evidenciado

pela luta por indenizações, até hoje em disputa judicial. No contexto de arraigo familiar e da

identidade dos sujeitos, Rossato (2006, p. 4) aponta que:

A identidade camponesa se configura através do trabalho, das relações familiares e

comunitárias e, neste caso, do envolvimento com os movimentos sociais. Estes

elementos estão intimamente ligados ao apego pelos valores como a solidariedade e

a honestidade e pela relação do cultivo da terra que marca de modo decisivo as

formas de organizar a vida social no campo.

O documento divulgado pelo Programa de Fortalecimento da Autonomia

Econômica e Social da Juventude Rural (Pajur), lançado pelo Governo Federal em 3 de

julho de 2014, textualiza que, “apesar dos avanços das políticas públicas na última década

para o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, os jovens e as jovens não se

percebem incluídos. Essa exclusão é sentida pela manifestação mais objetiva: a saída dos e

das jovens do campo”.

Assim, com o projeto macro supramencionado, os grupos de trabalhos dos eixos

propostos articulam desde 2015 a educação, formal e não-formal, de mulheres jovens rurais

assentadas da região rural de Corumbiara com enfoque na comunicação para a cidadania

com recorte nas questões de gênero, a esforços a serem desenvolvidos rumo à ampliação do

acesso às políticas públicas e às tecnologias sociais. A ideia está afinada ao que o Programa

de Fortalecimento da Autonomia Econômica e Social da Juventude Rural estabelece como

um de seus eixos constitutivos: a ampliação do “acesso a programas, políticas públicas e

direitos”. Relevante sublinhar que tais eixos são entendidos como “ações integradas

territorialmente”.

Considerado o contexto, ainda que brevemente, propõe-se como hipótese-mestra de

trabalho a ideia segundo a qual a demonização realizada pela mídia comercial local/regional

em relação aos assentados e a estigmatização decorrente do massacre de Corumbiara

contribuem para a invisibilização social dos trabalhadores rurais da localidade e incidem

negativamente em termos de construção política da identidade de gênero na juventude

assentada.

Justamente em razão dessa percepção inicial, preliminar, é que foi elaborada essa

pesquisa, cujo objetivo final é o estímulo à comunicação cidadã, com fomento para a

posterior criação autônoma, de preferência pelas mulheres jovens assentadas, de produtos

comunicacionais comunitários próprios e independentes, que não reproduzam visões

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

4

dicotômicas, como sugere Peruzzo (1998). A preocupação a evitar orienta-se, conforme

sinaliza Rothberg (2007, p. 10), pela evidência de que [...] ainda hoje, muitas iniciativas de

comunicação comunitária executam seus projetos meramente a partir do pressuposto de que

basta dar voz aos antes dela desprovidos para que haja, como decorrência automática,

difusão de informação e emancipação. Pelo contrário: sem um processo de capacitação, que

inclua, sim, lideranças comunitárias, mas não se restrinja a elas (abrangendo outras pessoas

disponíveis ou dispostas em determinada região ou localidade), a produção de mensagens

estará vulnerável às falhas que acometem os meios massivos: superficialidade,

fragmentação, sectarismo e tendência ao entretenimento e ao espetáculo.

Outrossim, salienta-se que, ao se trabalhar com o público rural, as ações acerca do

projeto consideram os traços contextuais e circunstanciais que cercam a vida das pessoas

envolvidas, com devida atenção aos modos de intervenção e conteúdos plurais pensados,

discutidos e divulgados com autonomia e independência pelo grupo. Nesse sentido,

conforme Rothberg (2007, p. 11), “a produção de mensagens plurais deve servir às

necessidades de comunicação de um público inserido de maneira bastante particular no

tecido social e com possibilidades de participação democrática legalmente amparadas”. São

tais premissas que orientam as ações do projeto em execução.

Breve contextualização de Rondônia no cenário de colonização

O histórico relacionado à colonização em Rondônia muito é característico pelas

fases de exploração local, com a descoberta do ouro no Rio Corumbiara, no século XVIII; o

povoamento do Vale do Guaporé, Mamoré e Madeira, por influência das Capitanias do

Grão-Pará e Maranhão, nos idos de 1794, com a descoberta do ouro nos afluentes do Rio

Guaporé; a construção do Real Forte Príncipe da Beira, no período colonial, a partir de

junho de 1776 e findo em agosto de 1783, por ordem da Coroa Portuguesa e o desejo de

intensificação de tráfego ao longo dos rios Mamoré e Guaporé; os períodos de extração do

látex (borracha) em dois ciclos: o primeiro de 1877 a 1910 e o segundo em 1939-1945; a

construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no ínterim dos ciclos da borracha, com

inauguração em agosto de 1912, resultando no trabalho de 21.817 operários, dentre estes

brasileiros, sobretudo nordestinos, e ainda espanhóis, antilhanos, portugueses, alemães,

italianos, colombianos e americanos (OLIVEIRA, 2001). Atualmente, vive-se um novo

ciclo de exploração, com a construção das Usinas Hidroelétricas do Madeira e Jirau, evento

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

5

que reuniu mais de 20 mil trabalhadores de diversos estados brasileiros, em busca de

oportunidade de trabalho com melhores remunerações no país.

No tocante à colonização, nos anos de 1960, com a abertura da estrada BR-364, os

municípios de Ji-Paraná e Espigão do Oeste, respectivamente com as colonizadoras Calama

e Itaporanga, tornaram-se pioneiras ao efetivarem a colonização no estado. Esse cenário

ocasionou a oportunidade de projetos relacionados à integração e colonização

operacionalizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, com

ações a partir do ano de 1970 na região dos municípios de Ouro Preto, Cacoal, Colorado do

Oeste e Ariquemes. Neste período, surgiram várias vilas de seringueiros, que se

expandiram. Dessa maneira, o Território Federal de Rondônia, que em 1977 possuía dois

municípios, fora elevado à Estado em 1981 e instalado em 4 de janeiro de 1982. Atualmente

é um Estado de economia voltada à agropecuária e funcionalismo público, contabilizando

52 municípios e população estimada em 1.768.204 habitantes, conforme Censo 2015

(IBGE, 2016).

Quanto à Reforma Agrária, no aspecto dos Projetos relacionados a assentamentos

rurais no estado, o Incra tem registro de 221 Projetos e 51.120 beneficiários cadastrados,

conforme Relação de Beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária

disponibilizada pela Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de

Assentamento (INCRA, 2016). Dentre os quais, destacam os nomes dos moradores do

Projeto de Assentamento Maranatá, bem como os demais citados no projeto macro, alvo

desta comunicação.

Retratos da cidadania nos assentamentos rurais de Corumbiara: o caso PA Maranatá

A cada nova Portaria publicada do Incra em Rondônia, os assentados de diversos

grupos do estado comemoram o direito à terra, ou, ao menos, o início da concretização

deste sonho. Fazem parte dos esforços do Poder Público a desapropriação dos imóveis

rurais para fins de reforma agrária, como o que ocorreu com a antiga Fazenda Santa Elina,

com área constituída em oito lotes de 2.000 hectares., totalizando 16.000 hectares. “Os lotes

foram negociados pelo INCRA nas décadas de 1970-1980 e serviriam para a execução de

um projeto de desenvolvimento agropecuário. Em Rondônia, 99% desses contratos estão

inadimplentes, portanto, o INCRA deveria retomar as terras para o controle da União, e

destiná-las à reforma agrária” (MARTINS, 2009, p. 2).

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

6

O Projeto de Assentamento em questão, Maranatá, tem cerca de 215 famílias e foi

criado pela Portaria nº 74, de 23 de outubro de 2013, pela Superintendência Regional do

Instituto Nacional e Colonização e Reforma Agrária – Incra Rondônia. Na série de medidas

a serem providenciadas a partir da publicação da Portaria de efetivação dos PAs, estão o

estabelecimento da capacidade mínima do assentamento de 62 unidades agrícolas

familiares; soluções técnicas viáveis de recursos hídricos, nos contextos de prevenção,

correção, educação e legalista; ações, em parceria com a prefeitura de Chupinguaia (cidade

próxima à divisa do projeto de assentamento) para inclusão das famílias candidatas no

Cad'Único para viabilizar o acesso as políticas municipais, estaduais e federais; Programa

Luz para Todos (ou à concessionária de energia elétrica); Programa de Engenharia de Saúde

Pública da Fundação Nacional de Saúde (Funasa); parceria com a Prefeitura Municipal para

construção e recuperação de aproximadamente 13,23 km de estradas vicinais que darão

acesso ao Projeto de Assentamento; Assistência Técnica e Extensão Rural e Plano de

Desenvolvimento para o acesso ao Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf);

ações às secretarias municipais de saúde e de educação, para os serviços de competência

daqueles órgãos, qualificada, conforme procedimentos acordados com a prefeitura

(DOU/BRASIL, 2013).

Entre as providências publicadas no Diário Oficial da União em 2013, pouco foi

observado nas visitas aos assentamentos em questão, sobremaneira, quanto à energia

elétrica, acesso terrestre aos assentamentos, saúde e educação públicas, cultura e lazer,

conforme entrevistas de moradores dos locais estudados.

Ainda tem muito a ser conquistado [direitos]. Inclusive, eu falo assim, o maior sonho,

não digo meu, digo da comunidade, seria a gente ter um colégio pros nossos filhos ter

um estudo adequado. Eles são da agricultura, é importante ter um colégio agrícola

dentro de um assentamento que é tão grande. Pra você ter noção, são seis

assentamentos aqui, um colado no outro. É uma coisa assim que é um sonho que todos

aqui almejam. É ter esse colégio de um bom gabarito, para instruir mais nossos filhos.

Meus filhos, uma tem o sonho de ser engenheira agrônoma e o outro zootecnista. Então

eles tinham que ter com colégio que pudesse abranger esse tipo de ensino para ajudar

os nossos filhos a se manterem na agricultura. Outro sonho que temos, mas demos com

os burros nas águas, é o caso de um posto de saúde por perto, ou pelo menos uma

agente de saúde aqui dentro, porque as pessoas daqui sofrem muito. Pra você ver,

daqui pra Chupinguaia, para você fazer um curativo, você tem que andar 32

quilômetros por um curativo. Uma injeção que o médico passa, e pode ser aplicada

aqui, tem que ir por 32 quilômetros. Ônibus é duas vezes na semana, e quando vai. Ou

então para Cerejeira ou Corumbiara, mais 42 quilômetros. É um pouco difícil, não?

(Relato de moradora do PA Maranatá)

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

7

Pela observação local e resultado superficial das rodas de conversas realizadas em

visitas anteriores, notou-se a relevância da discussão de assuntos relacionados aos direitos

básicos do cidadão, bem como à cidadania propriamente dita. Dessa maneira, levantou-se a

questão de que os direitos essenciais à vida digna e igualitária a todos perante a lei não é

uma realidade plena na localidade geográfica dos assentamentos supramencionados. No

roteiro de perguntas elaborado para analisar a percepção dos sujeitos naquele local,

constatou-se que metade dos respondentes não sabia sequer o que era ser cidadão ou a

efetividade da cidadania. Entre respostas mais citadas, para alguns, ser cidadão é “cumprir

deveres e ter direitos” ou “ter direitos iguais”.

Um exemplo simples, porém, latente no local, é referente ao desempenho de

atividades entre homens e mulheres em cada unidade familiar. O papel é explicitamente

dividido entre funções masculinas e femininas, bem como as projeções de sucessão familiar

e formação profissional dos filhos. Enquanto eles cuidam do plantio ou organização para

ordena, retirada de madeira, limpeza de pasto ou gramado; elas realizam atividade inerentes

à casa, como limpeza, alimentação, cuidado com os idosos ou crianças.

Eu e o meu pai, como a gente é homem, né, acordamo mais cedo e vamo direto pro

curral ordenar o leite e depois fazer as outras atividades que o leite demanda, cuidar do

gado, apartar bezerro, arrumar cerca. Todo dia é assim. Leite não tem feriado (Relato

de jovem morador do PA Maranatá).

A gente também acorda cedo, mas a gente fica na casa pra limpar, eu e a minha mãe.

Mas eu gosto mais é de brincar mesmo, de boneca. Eu também gosto de ir na escola,

porque é legal (Relato de jovem moradora do PA Maranatá).

Eu cheguei aqui tem um ano e meio. Ajudo meu pai a roçar (Relato de jovem morador

do PA Maranatá).

A observação nas casas demonstrou tal relato exposto. Em algumas propriedades,

jovens meninas, já mães, estão a cuidar dos pequenos e do lar, com todas as ações

referentes ao cotidiano doméstico: lavagem de roupas, cozinha e arrumação da casa;

enquanto os homens saíam para o trabalho classificado como “pesado” em um dos

enunciados registrados.

Eles vão trabalhar e a gente fica em casa esperando, né. Mas tem que fazer as coisas

aqui [limpar, cozinhar, etc] e, às vezes, a gente ajuda eles lá [na roça] (Relato de

moradora do PA Maranatá).

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

8

Relata-se ainda neste trabalho, dois encontros de discussão sobre direitos do cidadão

e cidadania com os jovens do assentamento supramencionado. A base de exposição de

conteúdo previamente elaborado tem como referência a Declaração de Direitos Universais

da Organização das Nações Unidas. Ressalta-se o resumo léxico desta declaração, que traz

à tona os termos liberdade, igualdade, dignidade, consciência e fraternidade. O que se

analisa entre os enunciados dos participantes das atividades propostas é a revelação de um

desabafo sobre uma liberdade aprisionada, ao mencionarem a longa espera por uma divisão

justa e oficial de território, sem poder se deslocar a quaisquer outro local para garantia do

direito à terra; igualdade diferenciada, ao descreverem, com receio, sobre a divisão de

terras e a titularidade a pessoas que não estão vinculadas à realidade local e não vivenciam

o cotidiano da agricultura familiar; dignidade negociada, pelas condições de barganha

quantos aos direitos prometidos e publicados e não cumpridos; e a consciência de uma

fraternidade pouco presente até entre os seus pares, uma vez que, conforme alguns

enunciados, o medo de alguns integrantes dos assentamentos em denunciar irregularidades

ou cobrar providências previstas em lei, os tornam distantes e até mesmo hostis entre si nas

comunidades dos PA’s.

Na verdade, não tem como fazer as coisas tudo do jeito que você quer. Vamos dizer

assim. Primeiro de tudo, o companheirismo, quando dois ou três faz no seu jeito, mais

cinco ou seis tenta lhe passar a perna, né. Então, quer dizer, isso são coisas que a gente

não deve leva em conta, porque isso é normal. Mas no nosso grupo, não tem como

dizer que todo mundo tá contente, porque nem Deus fez o brasileiro ficar contente, né.

Fez tudo, deu tudo, e ele [o homem] queria muito mais. [...] Eu tô satisfeito. Muitas

conversas deixa a gente, assim, descontente, mas, às vezes, é melhor ouvir e deixar

passar do que a gente querer explicar tudo para quem não tá sabendo de nada. Não

adianta (Relato de morador do PA Maranatá).

Este contentamento pouco é refletido entre as famílias visitadas, que expõem o

desejo de melhorias também nas ações de apoio técnico para o plantio e atividade com gado

leiteiro. Entre as discordâncias está a relação do custo-benefício da produção do leite

quanto à venda aos laticínios e ao repasse de aumento aos produtores locais sem a condição

mínima de negociação ou readequação do sistema de produção.

Nos PA’s visitados, por mais que se constate o atendimento inicial dos que

desejavam terra para morar e trabalhar, não há o constante e básico zelo para a garantia de

direitos básicos nestes locais. Essa realidade, para alguns, é cômoda, uma vez que, à espera

do título definitivo, poderão permanecer sem conflitos ou demais atuações mais incisivas

para além de ter um pedaço de chão.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

9

Esse vazio social e, atualmente, até a falta do sentimento de pertencimento a uma

comunidade, acaba por abalar a clareza sobre os direitos e, por conseguinte, a atuação

cidadã. Porém, constitucionalmente, ser cidadão é independente da ação, é manter uma

ligação jurídica com o Estado, sendo os direitos e deveres de um estabelecido por uma

estrutura legal; logo, mesmo não agindo ou sabendo de tais direitos, o sujeito é um

cidadão. Ao levantar essa questão aos jovens dos assentamentos em questão, notou-se o

total desconhecimento sobre sua atuação enquanto sujeito de ação, contudo, houve uma

série de apontamentos referentes a alguns direitos. Destacam-se educação, saúde, trabalho e

lazer, conforme demonstrado na palestra sobre a Constituição Federal realizada ao grupo e

descrita no decorrer desta comunicação. Adianta-se, entre os enunciados dos participantes,

uma pontuação pertinente sobre a garantia de direitos, mas sem subsídio para sua plena

efetivação.

Estudamos longe, precisamos sair de ônibus ou de moto. Quando é dia de sol, até que

conseguimos chegar na escola. O sol é seco, né! Mas na chuva, a estrada que fizeram

aqui, com tanta ponte e lama, fica difícil. Tem dia que não dá pra ir, não. Como chove

de mais, tem época, não dá. Aí, perdemos algumas provas. Quando avisa na escola do

problema, dizem que temos que se virar (Relato de jovem estudante, morador do PA

Maranatá).

Como garantir um direito em detrimento de outro? Se tem escola, falta professor. Se

tem professor, falta uma boa remuneração. Se tem remuneração, falta transporte. A

educação é essencial. Fato. É “direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação

para o trabalho” (BRASIL, Lei 9394/96).

No destaque aos direitos do jovem cidadão, a roda de conversa sobre o Estatuto da

Criança e do Adolescente Juventude - Lei 8.069/1990 e do recente Estatuto da Juventude -

Lei 12.852/2013, foi apontada a efetivação dos direitos ao lazer e à convivência familiar e

comunitária. Não que os participantes em questão não se divertissem ou não mantivessem

contatos interpessoais com seus pares, mas, a falta de ações públicas para tal convívio

acabaram sendo alvo da discussão a partir do seguinte enunciado:

A gente tem uma área enorme aqui no Maranatá. Já pedimos tanto para a prefeitura

ajudar, mas eles só enrolam a gente. A gente ia até pagar do nosso bolso para fazer o

campo de futebol. Mas se é de direito da gente ter cultura e lazer, porque não pode ter

um campo de futebol aqui, ou um lugar pra juntar todo mundo e fazer um lanche, uma

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

10

festa com as famílias. Uma vez, até pediu um trator para alinhar a terá aqui, mas o

motorista do trator disse que vinha e não veio no horário combinado, depois desfez de

nós. Daí, como não vem mesmo, pra não caçar confusão, deixa quieto (Relato de

morador do PA Maranatá).

No contexto de cultura e lazer, de fato, os PA’s visitados não possuem áreas de

convivência para tal, a não ser um grande barracão semi destelhado, visualizado como uma

espécie de garagem de uma das casas construídas no local, onde alguns se reúnem para

reuniões e/ou eventos de natureza comemorativa. Sendo este, o local dos encontros para as

ações de extensão do projeto em tela.

Figura 1 – Reunião sobre Educação Ambiental com jovens do PA Maranatá, Corumbiara-RO.

Fonte: Evelyn Iris Leite Morales Conde (2016)

Ressalta-se que em nenhum momento das entrevistas ou rodas de conversas, os

participantes dos questionamentos não quiseram falar sobre a prefeitura do município

vizinho, Chupinguaia, mesmo este tendo obrigação de apoio aos Projetos de Assentamento

locais, conforme Portaria de criação das mesmas em 2013. Alguns respondentes, ao serem

indagados sobre a não menção do poder público para tal auxílio, alegaram receio de

perseguição ou intimidação, como já ocorreu em situações sobre outros setores, sobretudo,

educação e saúde.

Noções de comunicação: reflexões e práticas com grupo de jovens no PA Maranatá

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

11

Compartilham-se aqui as experiências sobre comunicação no Projeto de

Assentamento Maranatá, Corumbiara-RO, com reflexões empíricas sobre os resultados

observados no local. Para a proposta de ação do eixo Comunicação e Cidadania foi

elaborado um roteiro simples de perguntas, observações superficiais sobre os processos

comunicativos cotidianos locais, debate sobre os veículos de comunicação e ainda uma roda

de conversa concomitante a uma palestra sobre cidadania e direitos e deveres na sociedade.

Justifica-se a roda de conversa como técnica relevante no projeto, pela “possibilidade

metodológica para uma comunicação dinâmica e produtiva [...] um rico instrumento para

ser utilizado como prática metodológica de aproximação entre os sujeitos no cotidiano”

(MELO; CRUZ, 2014, p. 31).

Esta ação culminou na oficina de produção autoral de spots radiofônicos sobre os

assuntos abordados no encontro, executado por esta autora e com apoio da acadêmica de

Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia - Unir, Jamille

Batista Ferreira de Silva; da mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, Larissa Cristina Pereira Ruas, e de Camila

de Souza Andrade, mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental pela Universidade Federal

da Grande Dourados – UFGD/MS. As atividades ocorreram entre os dias 7 e 9 de janeiro de

2016, no próprio Projeto de Assentamento Maranatá, com um grupo de dez jovens,

apresentando média de idade de 15 anos.

Declara-se interessante o conjunto de ideias apresentadas pelos respondentes do

roteiro de perguntas no tocante à comunicação, aplicado no primeiro dia de visita ao PA. A

ideia dos participantes das ações supramencionadas não corresponde a opinião de todos os

jovens dos assentamentos no local, porém, dão indícios de uma percepção de similaridade

entre estes pela repetição de enunciados e termos, sobretudo quanto à comunicação

interpessoal, quando mencionadas as novas tecnologias de informação e comunicação. O

telefone celular, internet e, em destaque, as redes sociais, são uma constante no discurso

daquela juventude. Na vertente do que foi observado, cita-se o resultado de um estudo com

a juventude rural da região do Sul do país, caracterizando os jovens consumidores de

conteúdos midiáticos hegemônicos como “não engajados” e “vítimas da mídia” (RONSINI;

ROSSATO, 2006). Esclarece-se que tal pesquisa não tem similaridade de objeto ao

contexto que se apresenta neste artigo, mas demonstra aspecto interessante quando

consideram “que mesmo tendo a postura crítica como receptores, os jovens estão

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

12

cotidianamente envolvidos com a produção midiática e dela são consumidores, portanto

vivem o conflito da sedução e da resistência frente aos produtos midiáticos” (Idem, p. 13).

Ao serem questionados sobre o que é se comunicar com alguém, os jovens

indicaram que o fato de dialogar, interagir e trocar ideias pode ser caracterizado como a

comunicação entre as pessoas. Entre outras respostas, houve a menção de falar sobre

notícias e expor dúvidas para possíveis soluções. Ou seja, o fato de se comunicar com

alguém é algo que pode, além de haver um simples diálogo, efetuar também a multiplicação

de saberes. O contexto de comunicação utilizado para a indagação, parte da conceituação de

Berlo (2003, p. 134) ao caracterizar a interdependência entre fonte e receptor como uma

condição necessária à comunicação humana, tanto pela influência entre um e outro, quanto

pela ação e reação no processo em si. Dessa forma, o que foi observado entre os sujeitos é a

troca de informações para o complemento de conhecimento para as ações cotidianas, o que

é comum em qualquer ambiente. Porém, com as peculiaridades do local, como a falta de

energia elétrica, o parco recurso para crédito nos aparelhos celulares e ainda a distância

geográfica entre as áreas rural e urbana, a comunicação é tratada como algo valioso,

sobretudo a comunicação entre maiores distâncias.

Em outro ponto levantado, os respondentes apontaram que os veículos de

comunicação que são reconhecidos em seu cotidiano são o carro ou moto de som, TV e

rádio; porém, ao mencionarem sobre os que eles utilizam, de pronto falam dos celulares e

da disponibilidade do aparelho à internet, citando, inclusive, as redes sociais como maior

preocupação de acesso. Notou-se no local que, qualquer ponto que emitisse sinal ao

aparelho tornava-se local privilegiado para acesso à rede aos que detinham créditos em seus

telefones. Atitude que culmina na pergunta posterior sobre a importância dos veículos de

comunicação. Em maioria, a ciência sobre notícias e a comunicação em longa distância

foram as respostas mais citadas, o que confirma a ação deles sobre o que é se comunicar e

pela consciência a respeito da condição geográfica destes, uma vez que estão afastados da

região central dos municípios de entorno.

Em uma questão de opinião dos jovens quanto à importância da divulgação de

conteúdo de cidadania nos veículos de comunicação que eles conhecem, todos

apresentaram respostas positivas, declarando que é necessária maior divulgação dos direitos

do cidadão no rádio e na televisão, bem como nas redes sociais. Neste momento, reflete-se

sobre qual conteúdo esses jovens têm acessado na internet e quais são seus interesses na

rede. Mesmo não sendo o objetivo da pesquisa, abriu-se ao questionamento para que, de

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

13

forma espontânea, pudessem opinar sobre tal. O contraditório surgiu pelo fato de que os

jovens questionados informaram que procuram entretenimento nas mídias que

mencionaram como conhecidas, fragilizando assim a resposta destes quanto à falta de

conteúdo sobre cidadania, sem nem mesmo estas temáticas são pauta de suas buscas no

cotidiano de acesso aos meios de comunicação.

Na finalização dos questionamentos, foi perguntado sobre o desejo de possível

produção comunicacional autoral sobre a temática cidadania. Todos aprovaram a ideia e

justificaram que tal ação seria “para ajudar a espalhar informações sobre os direitos de

todos”.

Na roda de conversa, realizada no segundo dia de visita, concomitantemente à

palestra sobre cidadania, direitos e deveres na sociedade, houve uma série de mediações a

cada menção de termos jurídicos e desconhecidos aos participantes sobre a questão

abordada, como itens da Declaração de Direitos Universais (1948), Constituição Federal de

1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), Estatuto da Criança e do Adolescente

(1990), Estatuto da Juventude (2013). Embora eram assuntos inéditos aos jovens, muitos

possuíam ideias bem concretas sobre alguns dispositivos apresentados, bem como exemplos

negativos sobre as legalidades dispostas na palestra. Outrossim, destaca-se a posterior

compreensão dos jovens sobre os enunciados legais expostos, que se revelou salutar,

sobremaneira, com a junção da palestra com a conversa informal para a troca de ideias,

experiências e o diálogo de aprendizagem entre todos os presentes.

Para a concretização autoral dos sujeitos, as atividades de debate e troca de

experiências foram encerradas com uma oficina de produção radiofônica, no formato spot

de áudio. Todas as características e técnicas inerentes ao produto proposto foram expostas

aos participantes que foram divididos em cinco duplas com temáticas diferenciadas sobre o

assunto tratado no decorrer do dia de trabalho. A escolha pela mídia áudio se deu desde a

concepção de intervenção do eixo temático Comunicação e Cidadania, apresentada no

projeto macro, pela simplicidade da linguagem e possiblidade comunicativa ágil, rápida e

aproximada com a realidade do campo, uma vez que o rádio é um veículo barato e

encontra-se de modo mais fácil tanto no meio rural quanto urbano (MCLEISH, 2007).

Pilhas e sintonia em uma estação de longo alcance são suficientes para o áudio ser recebido.

Apesar de a televisão fazer parte do cotidiano de muitos nos assentamentos visitados, o

áudio é também uma forma de multiplicação com menos exposição de imagem e menos

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

14

disponibilização de recursos para edição e reinderização, o que o torna mais prático e

acessível (FERRARETO, 2000).

Na observação, constatou-se que todos os participantes possuíam aparelho celular,

sendo estes modernos e de marcas conhecidas. Para tanto, utilizou-se de um deles para

realizar as gravações e posterior exposição sobre como capturar o som e manipulá-lo em

programa gratuito de edição de áudio. Foi utilizado o programa Audacity para captura e

edição, efetuada em notebook do projeto de pesquisa. O programa em questão possui os

mesmos recursos disponível em versão portátil para celular com sistema Android (modelo

dos jovens participantes das atividades), conforme explicado aos participantes.

O interesse pelo programa foi tamanho, que alguns faziam planos de como produzir

programas para veiculação em aplicativos de conversas, e ainda, com possiblidade de

edição para posterior envio para emissoras de rádio locais. No primeiro momento, foram

sorteadas as temáticas de cada dupla para a posterior produção de um spot que

contemplasse as características explicadas na oficina, conforme Mcleish (2007): uma peça

de áudio com texto curto, simples, direto, persuasivo, com possibilidade de mistura de som

vocal com música ou efeitos sonoros, especialmente feito para rádio e com destaque a

poucos itens essenciais para emissão da mensagem e impacto desejados. E foi o que se fez.

Os textos foram elaborados com os temas educação, lazer, saúde, violência e juventude.

Cada dupla discutiu entre si de qual forma gostaria de produzir a peça: drama, um texto

corrido com trilha específica, utilização de algum efeito sonoro peculiar ao enunciado

trabalhado, etc. Os efeitos sonoros e trilhas musicais foram apresentados pela coordenadora

da oficina para que pudessem ser escolhidos e posteriormente inseridos nas peças de áudio.

Cada passo da construção do produto era mediado para melhor execução e compreensão

dos participantes, com a finalidade de proporcionar autonomia a estes em ações futuras, em

iniciativas individuais ou coletivas nos assentamentos.

A cada gravação, seriedade e empenho dos participantes, que se mostravam tímidos,

mas encorajados ao novo aprendizado. Na demonstração de edição dos áudios, os jovens se

impressionaram com a dinâmica de sobreposição de áudio da voz com as músicas e logo

compreenderam a função técnica, bem como a intencionalidade sonora (ORTRIWANO,

1985) na disposição de determinados efeitos em pontos estratégicos do discurso de cada

dupla em seus spots, conforme as explicações oferecidas na oficina.

Após a edição, que resultou em cinco spots de áudio, com média de 30 segundos

cada, refez-se a roda de conversa para a audição dos produtos e opinião dos participantes.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

15

Eles se surpreenderam com suas vozes e a edição que, em alguns casos, acabou

emocionando os participantes pela ação autoral inédita.

Então é assim que eles fazem na rádio. Não pensava que é assim tão simples de fazer.

Juro que se eu sabia eu tinha feito antes. É muito legal, gostei (Jovem moradora do PA

Maranatá).

Coloca aqui no meu celular que minha mãe vai ficar ouvindo toda hora e mostrando

pros outro [risos] (Jovem morador PA Maranatá).

E assim se fez. O áudio de todas as duplas foi repassado aos celulares de cada um.

Ao acompanhar dois jovens no retorno as suas casas, observou-se o mais velho tocando o

áudio para sua mãe e para a irmã mais nova. Entre os comentários:

Mas esse aí é meu filho?! Como vocês fizeram isso? Tá parecendo político falando

[risos] (Mãe de dois participantes do projeto, moradora do PA Maranatá)

Por mais simples que tenha sido, o produto foi escutando incansavelmente pelos

participantes, que ora zombavam um do outro, ora trocavam ideias de com produzir novos

conteúdos.

Considerações finais

As experiências relatadas nesta comunicação retratam um Brasil que poucos

conhecem, não por mera ignorância ou desejo de desconhecimento, mas pela ausência de

pesquisas ou políticas de divulgação e valorização dos sujeitos que vivem ou sobrevivem no

interior mais escondido e, por vezes, até esquecido por muitos atores sociais. Quando se

propôs estudar, conhecer e intervir na sociedade, os coordenadores deste projeto se

propuseram a aprender e ensinar em campos desconhecidos e ricos de vida e, em alguns

casos, pobres em atenção, em direitos, em cidadania. Por este motivo a temática em tela é

tão exaltada, por mais simples que possa ter sido exposta e, quiçá, absorvida. Oxalá que

sim!

No contexto de conhecimento e aplicações, o Projeto Maranatá, componente dos

seis PA’s da divisão da antiga Fazenda Santa Elina, é uma escola a céu aberto, com

conteúdo de resistência e esperança vivas depois de um episódio tão expressivo na vida das

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

16

famílias que ali estão. O pertencimento destes e sua posição perante à sociedade revelam

uma força escondida que deve ser explorada para haver justiça sobre o que se tem,

minimamente, de direito: à terra, à moradia, à educação, à saúde, à segurança, à cultura e

lazer, etc.

O que foi observado na localidade em questão muito tem a ver com uma pintura não

reconhecida por muitos, porém valiosa quanto ao exemplo de persistência e paciência, em

um país com contrastes sociais latentes e desigualdades inconcebíveis. A falta de

informação ou de estímulo para a busca de novas formas de obtenção dos direitos

garantidos por leis bonitas à leitura, mas falhas em suas aplicações, é frustrante. É frustrante

ouvir o jovem com vontade de estudar lamentando que não consegue chegar à escola por

causa da lama na estrada ou pela falta de veículo decente, e quando chega na escola, não

tem o professor ou o material necessário. Se há material, não tem merenda escolar ou

telhado em dia de chuva. A menina que quer brincar com os amigos, mas não tem um

espaço adequado em sua região. Uma filha com a necessidade levar a mãe idosa e enferma

para tratamentos básicos, mas não há posto de saúde próximo, nem bem a 30 quilômetros

dali. Um pai preocupado com a educação dos filhos e da sucessão da cultura de uma terra

que ainda nem é sua oficialmente. Do desejo de uma terra que tem marcas de sangue e que

hoje é presenteada a alguns que não precisam delas e nem se importam.

O desabafo nestas considerações pode até ser exagerado, mas é necessário. Quando

se faz uma ação, mesmo que pontual, mas sincera, em localidades como o Maranatá, a

reflexão que se faz é sobre o quão o Brasil é rico e quão o Brasil é pobre. Rico em

diversidade, em experiências culturais e sociais, em maneiras de recriar as formas de

representação da vida, do cotidiano, da superação; e ao mesmo tempo, tão pobre, tão

carente de iniciativas e empenho públicos.

Os debates, as rodas de conversa, cada oficina ministrada, cada pergunta feita aos

integrantes das unidades familiares do interior de Corumbiara valem a pena compartilhar

pelo simples fato da humanidade que há dentro desses sujeitos. Quando se fala no episódio

do Massacre de Corumbiara, que não é a tônica desta comunicação averiguar se é conflito

ou exagero, se Estado foi correto ou movimento social foi criminoso, enfim, mas o fato é a

marca deixada nessa comunidade que, em alguns casos, até conhecem seus direitos, mas

que foram/são ofuscados, reprimidos, calados pelo medo, pela intimidação velada que ainda

é feita por lá.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

17

Enfim, a experiência é válida e demonstra a possiblidade de conhecer mais a

realidade do país e seus cidadãos, aprender com eles e também partilhar novas

possibilidades de visões e ações, como o ocorrido na trajetória supramencionada.

Espera-se que, ao menos nesta proposta, possam brotar as sementes de curiosidade

cidadã plantadas nos jovens que participaram das atividades no eixo em tela, e assim,

multiplicar estes saberes ao próximo.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Geralda de. Uma leitura etnogeográfica do Brasil sertanejo. Em:

SERPA, Angelo (org.). Espaços culturais: vivências, imaginações e representações.

Salvador: EDUFBA, 2008.

BERLO, David Kenneth. O processo de Comunicação – introdução à teoria e à prática.

Tradução Jorge Arnaldo Fontes. 10 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. 14. Ed. Rio

de Janeiro: DP & A, 2003.

______. Lei 12.852/2013. Estatuto da Juventude. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm>. Acesso 17

de ago. 2014.

______. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso 17 de ago. 2014.

______. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional. Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso 17 de

ago. 2014.

CURY, Beto. Os muitos desafios da política nacional de juventude. In: AVRITZER,

Leonardo (org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. BRASIL. Portaria nº 74, de 23 de outubro de 2013.

Criação dos Projetos de Assentamento Maranatá e Maranatá II. Disponível:

<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/61198341/dou-secao-1-04-11-2013-pg-95>. Acesso

em: 25 maio 2016.

DIREITOS HUMANOS. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/w3/cdhmp/cdh/chico.htm> . Acesso em: 20 dez. 2015.

FERRARETO, L. A. Rádio: o veículo, a história, a técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzato,

2000.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

18

IBGE. Municípios de Rondônia. Disponível em:

<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?coduf=11>. Acesso em: 18 jan. 2016.

INCRA. Relação de Beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária. Em 13

de junho de 2016. Disponível em: <

http://www.incra.gov.br/sites/default/files/uploads/reforma-agraria/rela-o-de-benefici-rios-

rb-da-reforma-agr-ria/sr-17_ro.pdf> . Acesso em: 11 jun. 2016.

MARTINS, Márcio Marinho. Corumbiara: massacre ou combate? A luta pela terra na

fazenda Santa Elina e seus desdobramentos. V Simpósio Internacional de Geografia. Anais,

2009. Disponível em: <

http://www.uff.br/vsinga/trabalhos/Trabalhos%20Completos/M%E1rcio%20Marinho%20

Martins.pdf >. Acesso em: 20 maio 2016.

MCLEISH. Robert. Guia de radiojornalismo. São Paulo: Summus, 2007.

MELO, Marcia Cristina Henares; CRUZ, Gilmar de Carvalho. Roda de conversa: uma

proposta metodológica para a construção de um espaço de diálogo no ensino médio.

Revista Imagens da Educação, v. 4, n. 2, p. 31-39, 2014. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.4025/imagenseduc.v4i2.22222 >. Acesso em: 20 dez 2015.

OLIVEIRA, Ovídio Amélio de. História, desenvolvimento e colonização do Estado de

Rondônia. 4 ed. Porto Velho: Dinâmica Editora, 2001.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948. Disponível em:

<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 17

de ago. 2014.

ORTRIWANO, G. S.A. Informação no Rádio: os grupos de poder e a determinação

dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.

PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos sociais: o exercício de uma nova

perspectiva de direitos humanos. Contemporanea: comunicação e cultura, v. 11, n. 1, p.

138-158, 2008.

ROSSATO, Alexania; RONSINI, Veneza V. Mayora; Juventude, mídia e movimentos

sociais camponeses: encontros e desencontros. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências

da Comunicação – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006. Disponível em: <

http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R0716-1.pdf >. Acesso em: 10

fev 2016.

ROTHBERG, Danilo. Mídias comunitárias e democracia. Intexto, Porto Alegre: UFRGS,

v. 1, n. 16, p. 1-18, janeiro/junho 2007.